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Página 1 de 17 DISCIPLINA DE PSICANÁLISE INTUITIVA Se o senhor quer estudar em qualquer dos físicos teóricos os métodos que emprega, sugiro-lhe firmar-se neste princípio básico: não dê crédito algum ao que ele diz, mas julgue aquilo que produziu. Porque o criador tem esta característica: as produções de sua imaginação se impõem a ele, tão indispensáveis, tão naturais, que não pode considerá-las como imagem de espírito, mas as conhece como realidades evidentes." Albert Einstein 1-CONCEITO DE INTUIÇÃO Em filosofia, intuição é o processo de apreensão racional não-discursiva de um fenômeno ou de uma relação. Se a razão discursiva se caracteriza por um processo paulatino que culmina numa conclusão, a intuição é compreensão directa, imediata de algo. "Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis do Universo - o único caminho é a intuição" - frase atribuída a Albert Einstein (1879-1955) Opondo-se diretamente a Descartes, Charles Sanders Peirce nega que tenhamos o poder de conhecer de maneira imediata ou intuitiva nossos próprios pensamentos (autoconhecimento). Para Peirce, o conhecimento de um pensamento é a interpretação do mesmo em outro pensamento. Nessa interpretação, o pensamento interpretado pelo pensamento posterior é signo-pensamento, e o pensamento que interpreta o pensamento anterior é interpretante. A importância da intuição 2 Não é fácil conceituar a intuição. Se perscrutarmos os dicionários, encontraremos algo do tipo: a intuição é o ato de ver, perceber, discernir, pressentir 3. Fica-nos, então, aquela impressão de que a intuição é o ato de ver algum objeto ou fenômeno de maneira diferente daquela normalmente vista pela maioria das pessoas que olham para esse objeto ou fenômeno. Por exemplo: bilhões de pessoas, no decorrer de milhares de anos, já devem ter se deparado com um cenário, ao cair da tarde, onde, por trás de uma macieira repleta de frutos suspensos por pedúnculos, visualiza-se a Lua, fixa no firmamento. Quantos viram algo além de maçãs e da Lua? Pois é bem possível que num cenário como este e em seu sítio, em Woolsthorpe, o jovem Isaac Newton, com apenas 24 anos de idade, tenha visualizado, além de maçãs e da Lua, a inércia retilínea e a atração entre corpos com massa. Entre a visão normal, ou o ato puro e simples de olhar, e a visão sofisticada, qual seja, o ato de ver, de perceber, de discernir, de pressentir, reside o segredo da intuição, também descrita como a contemplação pela qual se atinge a verdade por meio não racional 3. Vamos, então, trabalhar um pouco mais este conceito no sentido de esclarecer o que aqui entendemos por verdade e por que o processo intuitivo seria não racional. Página 2 de 17 O cientista é, diferentemente dos outros, um homem que procura pela verdade e que, portanto, assume a existência dessa verdade. Nessa procura, admite como certo o que poderíamos chamar de verdade provisória. Digamos, então, que esta última seja o que consideramos como verdade científica, e o que a distingue das demais verdades provisórias, encontradas pelos que não são cientistas, seria o seu acoplamento ao método científico ou à experimentação. Para resumir, poderíamos dizer que a verdade científica é uma verdade provisória tomada por empréstimo da natureza e da forma como ela aparenta ser 4. As hipóteses e conjecturas científicas assumem, com freqüência, esse papel de verdades científicas. Digamos, então, que o primeiro passo, mas não o único e/ou o derradeiro, para chegarmos às verdades científicas seria a contemplação da natureza. A não racionalidade, atribuída à intuição, retrata o seu caráter essencial, mas não engloba, propriamente, todo o processo intuitivo. Digamos que se refere ao insight ou estalo ou, ainda, à percepção de alguma coisa estranha, não notada nas outras vezes em que se observou o mesmo objeto ou fenômeno. É óbvio que esta percepção, ao ser trabalhada racionalmente, poderá vir a se constituir numa conjectura ou hipótese. No entanto, mesmo antes de formularmos uma conjectura ou hipótese, já estamos frente a algo a que podemos associar o conceito de verdade provisória. Existe um conceito popular a dizer: Gato escaldado tem medo de água fria. Seria isto equivalente a admitir que o gato raciocina? Seria isto coerente com a afirmação de que o gato formula hipóteses (a água queima) e as generaliza (as próximas águas queimarão)? Provavelmente não! Podemos, pelo exemplo, simplesmente inferir que o gato está dotado de uma intuição primitiva e da capacidade de memorizar fatos e, em conseqüência disso, em condições de aprender por um meio não racional. Se a ciência experimental começa pela intuição, poderíamos concluir que o intuitivismo é a base fundamental de todos os conhecimentos humanos oriundos das ciências empíricas. É importante não confundir intuitivismo com intuicionismo. Este último relaciona-se à doutrina que faz da intuição o instrumento próprio do conhecimento da verdade: ver para crer. Mesmo porque o cientista parte da contemplação do que realmente existe, e interpreta esta verdade seguindo um raciocínio lógico aprisionado ao método científico. O cientista, então, parte da verdade (intuitivismo) e procura por novas verdades científicas por meio da construção e da corroboração de teorias. Afirmar que a ciência começa pela intuição é, portanto, bem diferente de dizer que a ciência começa pela observação. Críticas a este segundo posicionamento podem ser encontradas no livro de Chalmers 5 e o contraste entre as duas posições está relatado no artigo, já citado, que escrevi sobre o método científico 4. É comum contemplarmos a natureza por vias indiretas. Newton, por exemplo, conhecedor da inércia circular de Galileu, viu a Lua em movimento e deve ter associado este movimento à desnecessidade de um pedúnculo para que a Lua permanecesse a uma distância fixa da Terra, o que não acontecia com as maçãs. Ou seja, Newton contemplou a natureza com conhecimentos adquiridos em seus estudos, o que é diferente de observar um fenômeno sem conhecimento algum. Página 3 de 17 Einstein, por outro lado, contemplou a natureza utilizando-se unicamente da imaginação e de seus conhecimentos prévios, deixando a observação momentaneamente de lado. Seus conhecimentos sobre eletromagnetismo, aos quinze anos de idade, relacionavam-se a brincadeiras com uma bússola ganha na infância e ao que pôde aprender no segundo grau a respeito do eletromagnetismo vigente na época. Certamente ouviu falar sobre a experiência de Oersted, em que a bússola sofre uma deflexão ao ser colocada nas vizinhanças de um fio conduzindo uma corrente elétrica. A teoria de Maxwell explicava o fenômeno afirmando que o campo elétrico gerado por cargas em movimento (corrente elétrica) manifestar-se-ia em objetos em repouso (no caso, a bússola) como um campo magnético; daí a deflexão sofrida pela bússola. De alguma maneira, parte do campo elétrico transformava-se em magnético em virtude do movimento. Por um mecanismo do mesmo tipo, pelo menos em sua origem, a teoria de Maxwell explicava também o caráter eletromagnético da luz: campos elétricos e magnéticos iriam se alternando à medida que a luz se propagasse. Em essência, foram essas as referências utilizadas pelo jovem Einstein para construir o cenário onde visualizou o nascimento de sua teoria da relatividade. Ele simplesmente imaginou estar lado a lado com uma onda eletromagnética. E percebeu que, a ser verdadeira a teoria de Maxwell, neste cenário construído os campos elétrico e magnético estariam em repouso. Como explicar, neste repouso, a alternância entre os campos elétrico e magnético? Como explicar a coerência da teoria de Maxwell frente ao que lhe pareceu ser um absurdo? A saída encontrada foi conjeturar sobre a impossibilidade em se acompanhar uma onda eletromagnética. Daí, para afirmar que a constante c, inerente às equações do eletromagnetismo, é universal e independentedo referencial utilizado, ele se valeu de um trabalho de refinamento de sua conclusão primeira, o que foi possível graças a seus conhecimentos sobre a teoria de Maxwell bem como à sua tentativa de compatibilizá-la com a relatividade de Galileu; este trabalho foi concluído por Einstein aos 25 anos de idade e publicado sob o título de Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento. A.M.F Referências: (1) EINSTEIN, A.: Como Vejo o Mundo, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981, p.145. (2) Este assunto é apresentado com mais detalhes em Ensaios sobre a filosofia da ciência, capítulo 2. (3) FERREIRA, A.B.H. (1975): Novo Dicionário Aurélio, Ed. Nova Fronteira S.A., Rio de Janeiro. (4) MESQUITA FILHO, A.(1996): Teoria sobre o método científico, Integração II(7):255-62,1996. (5) CHALMERS, A.F. (1976): O que é ciência afinal?, Ed.Brasiliense, São Paulo, (1993 - tradução), São Paulo. Página 4 de 17 2-O CONCEITO DA PSICANÁLISE INTUITIVA Intuição Do latim intuere significa “ver por dentro”. O seu sentido usual mais comum é “ver além”. Intuição representa perceber, discernir, ter a conscientização espontânea de um novo conhecimento sem que o sujeito tenha feito uso da experiência ou da razão para captar a idéia. Observamos que sua definição está comumente ligada ao não racional, ao que escapa ao conhecimento lógico, um sentimento que impõe uma idéia ou ação, um sexto sentido, um olho clínico, uma revelação, etc. São respostas rápidas e precisas que, aparentemente, não passam pelo processo de análise e crítica. Com o significado de ser ato ou capacidade de pressentir, Intuição, se aproxima do conceito de pensamento mágico, pensamento animista. Em determinados grupos, onde o conhecimento científico não tem primazia, ser intuitivo é um grande elogio, uma qualidade validadora do sentimento de si mesmo. Nesse sentido, ter intuição é possuir uma aura extra-sensorial, uma possibilidade de estar em contato com o incognoscível. Trata-se de um dom de saber sem saber que se sabe. A intuição é um fenômeno psicológico comum a todos os seres humanos e sua significação e uso depende da cadeia de relações em que ela se insere. Este fenômeno pode ser vivido como uma premonição, interpretação transcendental ou um insight, uma interpretação cognitiva. Pode, também, despertar aspectos persecutórios ou fóbicos, como também, aguçar a curiosidade epistemológica. Kohut diferenciou empatia de intuição (1971), relacionando empatia à observação científica e intuição a reações sentimentais, não científicas. Afirmou que uma análise bem sucedida propicia o aumento da empatia e a subseqüente diminuição das reações intuitivas do analisando. Justificou sua tese considerando que a elaboração dos processos psicológicos diminuiria a propensão ao pensamento mágico e a desejos de onisciência. Intuições têm o caráter de verdade quando são confirmadas pelo ambiente, estas, se cristalizam passando a fazer parte das teorias pessoais, formando visões do mundo. Os conhecimentos adquiridos através da intuição quando confirmados ou não negados formam padrões, esquemas vivenciais formadores dos “princípios organizadores inconscientes da experiência”. Os princípios organizadores da experiência se constituem, de forma geral, num processo de regulação mutua, inicialmente entre a criança e seus cuidadores, e se estendem a todos os seus contextos intersubjetivos (Storolow).Intuição 3-A TEORIA DE W STEKEL DA PSICANÁLISE INTUITIVA Está diante de nós um texto escrito em 1912 aproximadamente. Por outro lado, Stekel iniciou a falar do seu Método “Intuitivo “ desde 1907/8. O valor histórico de Stekel é demonstrado pelo sua genialidade e premonição do que seria 90 anos depois. Página 5 de 17 Hoje fala-se abertamente sobre a importância da intuição, da necessidade do seu desenvolvimento para fazer frente aos novos desafios do milênio. Em 1908, a palavra INTUIÇÃO era desconhecida da forma como é utilizada hoje. É interessante notar que no texto a seguir, em momento algum será encontrado a Intuição como expressão do Inconsciente, como Jung alguns anos após estará falando ou como nos dias de hoje é tido como consenso. Stekel, vai apresentar como se fosse uma técnica sua criada por ele, e nem imaginava que fosse uma técnica muito especial que só pode ser utilizada por pessoas da altura e genialidade dele ou de pessoas que tenham ou consigam “manusear” mentalmente o “afloramento do inconsciente”. Ouso usar a expressão “manuseio mental ” pois o simples afloramento do inconsciente sem um controle racional é sinal de sintomas psicóticos. Tentar apenas procurar aflorar o inconsciente para ter “intuição” pode estar se “psicotizando”. É preciso ter controle do processo. Isto vai ser muito bem colocado por Jung ao falar e propor o conceito da Individuação. O próprio Stekel foi vítima da “intuição por afloramento do inconsciente”. Ele suicidou-se no final da sua vida. Não podemos também alegar isto como fator, mas teve problemas por causa disso, aliás tiveram Stekel, Freud, Jung, Reich e outros. A própria psicanálise em si é um meio de afloramento do inconsciente. Do desenvolvimento da intuição de uma forma “manipulada” racionalmente. Stekel, não tinha ciência disso, pois chegou a dizer no início que não acreditava no inconsciente. Depois acabou citando algumas posturas de outros colegas psicanalistas da época no que se refere ao inconsciente. Por último, é preciso situar Stekel no cenário histórico da psicanálise para entender sua teoria intuitiva ( que consta mais de observações muito interessantes do que um sistema teórico). Quando Stekel começa a sua caminhada como teórico e postulante da psicanálise ativa, estavam no auge dois grandes gênios: Freud e Adler. Ambos dividiam a opinião psicanalítica da Europa. Stekel tinha abandonado o mestre Freud por causa da sua postura com relação à duração do tratamento psicanalítico. Stekel levanta-se e mantém como seu alvo de crítica a teoria de Freud. Não se preocupava muito de Adler, por ser este também um dissidente. Jung já tinha começado o seu vôo próprio, mas ainda não se impunha no meio acadêmico psicanalítico. Aconselho ler o texto abaixo como estando em pleno 1910. Não conhecendo a palavra intuição da forma até banal como é colocada hoje. Tentando imaginar que método é esse do Stekel que nos fala de uma forma revolucionária de um novo olhar psicanalítico. Apresento dois textos: O primeiro em português traduzido que fala do seu método e o segundo texto em espanhol que fala dos últimos progressos feitos por Stekel nessa mesma linha intuitiva. Convém dizer para finalizar que, embora Stekel não tenha tido o esclarecimento que nós temos hoje, intuitivamente ele sabia que INTUIÇÃO tem que ter base ONÍRICA. Isto é: embora Stekel não afirme que Intuição está ligado diretamente com o inconsciente, o qual ele chega no inicio a negar, ele categoricamente afirma que todo o processo intuitivo deve fundamentar-se na Interpretação de sonhos. Ora!. Se o sonho é manifestação do inconsciente, e ele aponta como base da intuição a Interpretação onírica, então... Claro, mas devemos ter em consideração que estamos em 1910. Página 6 de 17 Mais tarde, 1917 aproximadamente, Jung começa na sua segunda fase a falar e afirmar tudo isso. Creio, que estamos diante de um gênio, como foram tantos outros... INTRODUÇÃO À TEORIA DE STEKEL DO SEU MÉTODO INTUITIVO Agora começarei a falar da minha escola, e das diferenças que as minhas doutrinas apresentam com as do freudismo. GRATIDÃO A FREUD Fui o primeiro dos discípulos de Freud; lutei por ele durante um longo período, durante o qual todo o mundo tentava levá-lo ao ridículo. Quero insistir sobre os sentimentos de gratidão que guardo para com ele, e eu, que o considero também meu mestre, considero-o também como um dos grandes gênios da nossa época. Escrevi a Freud, por ocasião do seu 70.° aniversario: "nunca esquecerei quevós acendestes o archote que me guiou pelos caminhos das minhas próprias pesquisas". Antes, eu já havia dito também: "um anão sobre as espáduas de um gigante pode ver mais longe que o próprio gigante", o que não significa que eu me sinta um anão, mas sem Freud os Adler, Jung, Stekel, não existiriam. Um gênio, pela diminuição do se si próprio campo visual, pode penetrar mais profundamente na direção das suas pesquisas. No primeiro período da colaboração com Freud, que a psicanálise passível exige muito tempo e muitas vezes conduz a um verdadeiro impasse. O MÉTODO DA INTUIÇÃO Ganhei do destino o dom da intuição, e constatei que se pode, obedecendo-a, encontrar a boa pista, transformando em videntes os doentes que se mostrem cegos em relação aos seus próprios conflitos. ESCOTOMIA MORAL: Janet constatou também esse fato, explicando que a diminuição do campo visual nos casos de histeria é o símbolo da diminuição do campo da consciência, pelo domínio de uma idéia fixa. É o que chamo "escotoma moral." Para mim, todo o neurótico é escotomizado, é preciso fazer-lhe ver o que ele insiste em não querer ver. DIFERENÇA ENTRE FREUD E STEKEL FREUD: “O PACIENTE NÃO PODE VER”: ”Prestai bem a atenção para a diferença. Freud disse: "ele não pode ver, o complexo é inconsciente". STEKEL: “O PACIENTE NÃO QUER VER”: Não acredito no inconsciente; acreditei nele durante o meu primeiro período de estudo, mas depois da experiência de 30 anos, encontrei que todos os pensamentos recalcados são pré-conscientes (para conscientes) e que os doentes têm sempre medo de ver a verdade. Página 7 de 17 O INÍCIO DA PSICANÁLISE (segundo Stekel) Nos meus primeiros tempos, aqueles da minha colaboração com Freud, o método da psicanálise estava reservado à histeria e às obsessões. A fobia era inalienável, A maior parte dos estados de angustia eram a conseqüência de fraudes nas relações sexuais; § a neurastenia provinha da masturbação. Fui eu que tentei alargar os limites das indicações da psicanálise. INTUIÇÃO VS TERAPIA Vou agora contar-vos a minha primeira experiência e como pude encontrar, em uma única sessão, a solução de um caso que consegui curar apenas com um bom conselho. EXEMPLO: Em certo dia de consulta veio ver-me, preocupado com a sua agorafobia, um alto e belo rapaz de 28 anos. Ele pára em frente a todas as praças que encontra em seu caminho; é vitima de um tremor nervoso e nenhum poder há no mundo que lhe faça atravessar sozinho uma praça. Para atravessar precisa da ajuda de uma outra pessoa. Interrogo-o sobre todos os acontecimentos da sua vida, suscetíveis de ocasionar uma parapatia e chego à sua vida sexual. Assegura-nos ele que tem pelas mulheres apenas uma fraca inclinação. Até então nunca havia amado e nem sentia necessidade disto. Em tais casos, não se enganará quem pensar em uma certa fixação da vida sexual. E quem será mais apto a essa fixação que uma das pessoas do próprio círculo íntimo da criança, para a qual, desde os primeiros tempos, ela tenha dirigido a sua inclinação. - Pergunto-lhe simplesmente se ama os pais. "Acima de tudo", responde ele. - O seu rosto anima-se, os seus olhos ganham um brilho ardente. - "A mãe um pouco mais do que o pai". - Os seus pais são pobres? - Muito pobres. Sou eu quem os sustenta. -Qual é, então, a sua profissão? -Sou caixa de um grande banco. -Deve passar muito dinheiro pelas suas mãos, não é? -Milhões de coroas, quase todos os dias. -Como um clarão, vejo iluminar-se a situação, compreendo a sua parapatia ansiosa. -Esse homem precisava submeter-se a uma vida modesta; enquanto que pelas suas mãos passavam milhões. De improviso, faço-lhe a seguinte pergunta: Nunca teve este pensamento: aqui estás mergulhado em ouro; no entanto, os teus passam necessidades?" -Oh, muitas vezes pensei nisso. -E nunca lhe passou pela idéia arranjar a sua vida com esse dinheiro todo e garantir para os seus uma velhice ao abrigo das dificuldades? - O doente empalideceu de repente, refletiu um instante e, em seguida, declarou francamente: É verdade que essa idéia veio ao meu espírito, mas eu a afastei imediatamente. - Naturalmente, respondi; não podia ser de outra maneira, tratando-se de um homem honesto. Conversamos ainda um momento e por fim ele pediu que o aconselhasse. Disse-lhe com franqueza: A sua doença é causada pelo recalcamento dessa idéia. Não vejo outro meio de cura que não seja a mudança de emprego. É preciso obter outro emprego, que lhe dê talvez mais trabalho e menos tentações. - Ele redargüiu que talvez fosse impossível justificar o pedido de mudança de posto junto aos diretores do banco, mas eu lhe sugeri dizer que se tratava de um estado parapático que lhe impedia toda a ocupação que lidasse com cifras e dinheiro. Esse caso me fez compreender que a Página 8 de 17 causa das neuroses é sempre um conflito psíquico causado, seja pela sexualidade, seja pela ambição ou por idéias criminosas, seja pelo instinto de conservação, como se viu durante a guerra. EXEMPLO 2: O meu segundo caso foi o de uma mulher enferma, encerrada no quarto como em uma prisão, pelo medo de sair sozinha. Encontro-a prendendo nas suas as mãos do marido, exortando-o a ficar ao lado dela; uma situação intolerável, porque o marido era empregado e tinha obrigações de horário certo. O marido me fez saber que me devia uma importante confissão esclarecedora. Casado há 7 anos, jamais pudera chegar a entreter relações sexuais com sua mulher. Isto foi para mim um jato de luz. Compreendi que Muitos estados de angustia não são mais que medidas de defesa de nós contra nós mesmos, tendências de segurança do nosso eu moral contra o nosso eu instintivo. Encontrareis em Muitos casos de angústia tais esforços de defesa contra si mesmo, e uma prova é aquele caixa de banco que não podia atravessar uma praça, a praça constituindo o símbolo do mar, que representa a aventura da fuga para a América, caso ele cedesse ás suas tentações. DESAFIO DA INTUIÇÃO Porque, então, andar a vasculhar as almas, durante meses e meses, se podeis compreender o conflito atual e, com um bom conselho, encontrar uma solução imediata? Foi esse o começo de urna nova técnica da psicanálise, pela intuição. VANTAGEM Em Muitos clientes que não possuíam nem dinheiro nem tempo de se submeterem a uma longa analise tentei esse método de intuição, hoje chamado "o método ativo da psicanálise" e verifiquei que, com o seu concurso, é possível a cura de casos complicados em pouco tempo, isto é, em alguns dias, algumas semanas ou alguns meses. NÚMERO DE SESSÕES Nunca precisei de mais de 4 meses. Se 4 meses não bastam, é que se trata de um caso desesperador. Adquiri essa convicção pela minha própria experiência e pelas experiências dos meus discípulos. Vi Muitos doentes analisados sem sucesso durante 3, 4 e 5 anos por psicanalistas bem conhecidos. Se pedirmos o que eles encontraram em suas analises como sendo a causa da neurose, falam do Complexo de Édipo, da castração, etc..., mas a verdade é que tais explicações não possuem nenhum efeito sobre a doença. OS PERIGOS DA PSICANÁLISE É tempo, agora, de falar dos perigos da psicanálise. Eu acho que todas as análises muito prolongadas são um perigo para o cliente. Na analise ortodoxa, é preciso: 1- reconstituir toda a história da infância, 2- estudar as influências do meio nos primeiros anos de vida; 3-retrogradar até os tempos do nascimento 4- e algumas vezes até ao período embrionário. REGRESSÃO: Produz-se, por esse método, uma regressão artificial; o doente ocupa-se durante o dia inteiro dos seus complexos. Procura os acidentes Página 9 de 17 traumáticos, acredita que está prestes a encontrá-los. Muitos sonhos causam o encontro de uma nova pista; -mas quantas vezes o acidente procurado obstina-se em não sair do seu esconderijo, no inconsciente. -E se o reclamado acidente é encontrado, não se sabe se ele é, realmente; a mola perturbadorada saúde. Por exemplo, Freud nos deu uma descrição clássica de uma obsessão que ele analisou durante 5 anos, -algumas vezes fazendo duas sessões por dia. Por fim o acidente traumático foi encontrado; era o fato ou talvez a suposição de ter o doente observado, durante a sua primeira juventude, o coito dos seus pais. O mesmo caso reaparece mais tarde nos jornais analíticos, analisado por um discípulo de Freud como sendo um caso de paranóia, finalmente curado pela segunda vez. Duvido que esse caso esteja terminado de maneira definitiva. Já expliquei que, por uma.. psicanálise prolongada, produz-se uma regressão artificial a infância. INFANTILISMO VS NEUROSE Como todos os neuróticos sofrem de infantilismo, essa tendência conhecida como "retorno á infância" é fortificada e acelerada pela psicanálise. Ela é, talvez, a condição do tratamento. Nos casos de esquizofrenia, essa regressão pode causar uma de formação da doença. OS CASOS LIMÍTROFES É muito difícil garantir que se trata de uma doença, ou de uma psicose, nos primeiros dias da psicanálise. Existem "casos limítrofes" em que é impossível fazer o diagnostico. A linha de demarcação não se tornou ainda visível. No curso do tratamento verifica-se que se trata de uma doença constitucional (ESTRUTURAL), o que significa que o psicanalista deve ter conhecimentos exatos de psiquiatria, de neurologia e de medicina interna. E que certamente não é um caso psicanalítico (neste caso o psicanalista deve encaminhar o paciente para um especialista: Psiquiatra, Neurologista, Medicina Interna) O “PERIGO” DAS ANÁLISES Entre os esquizofrênicos, a psicanálise é um grande perigo, porque as tendências da regressão e da introversão reforçam-se; lança-se o doente nos abismos da psicose. Esses casos exigem uma análise superficial, uma reeducação; mas precisareis tomar cuidado para não ferir o complexo profundo. Isto produziria explosões e, em lugar de curar, havia o risco de agravar. Página 10 de 17 O RECALCAMENTO SECUNDÁRIO Existe um fenômeno que eu chamo "o recalcamento secundário", isto é, o recalcamento pela segunda vez, de um complexo que a análise já nos fez reconhecer. Muitas pessoas analisadas acreditam-se curadas, mas, em realidade, depois do recalcamento secundário a doença se terá refugiado em uma região mais profunda do ser, como para escapar aos olhares inquisidores do doente, que se tornou o analista de si próprio. Um outro perigo da psicanálise é o fato de que muitas vezes ela é manejada por mãos profanas (psicanalistas que não fizeram uma boa Análise Didática para resolver suas questões pessoais que ele achava não ter). Muitos profanos que sofrem de neuroses, depois de se terem submetido a uma análise perfeita ou imperfeita interessam-se pelo novo método e tornam-se psicanalistas, deles próprios. Existe um fenômeno muito favorável a cura, mas cuja aplicação falsa pode ser muito perigosa. O “PERIGO DA TRANSFERÊNCIA” Chama-se "transferência", o que significa que o doente transfere para o médico os seus desejos insatisfeitos. Ele torna-se, então, escravo do analista, e isso justifica a continuação do tratamento, apesar da ausência do progresso. Mas depois de uma analise prolongada, o doente não se curou: ele tem uma doença analítica. Ele vive a analisar os seus pequenos acontecimentos quotidianos, as suas diferentes emoções, os seus lapsos, os seus esquecimentos, os seus sonhos, sempre à procura do desconhecido, sempre á procura dos complexos inconscientes. A IMPORTÂNCIA DE UM NOVO MÉTODO MENOS PROLONGADO Considerai, também, a perda de tempo, de dinheiro, a decepção ao fim do tratamento, o sucesso prometido é fracassado, e podereis compreender a importância de um método que pode evitar os perigos desses tratamentos prolongados. Todos os esforços dos médicos que não seguem o método ortodoxo de Freud, escravo desta fórmula: "Continue, continue sempre!", tendem a encontrar um meio qualquer de abreviar o período da análise. Pensai que apenas os ricos poderão aproveitar-se de um tratamento prolongado. Que fazer dos pobres? O MÉTODO DA INTUIÇÃO Como já mencionei, cheguei a esse método de intuição partindo dos meus estudos sobre o caráter humano, e já tenho aplicado também um novo método para decifrar a linguagem dos sonhos. Página 11 de 17 A NEUROSE ATUAL Notai bem: cada neurose é causada por um conflito atual. Chamo essas neuroses de "neuroses atuais", para diferenciá-las das neuroses causadas pelas próprias disposições do caráter, ou determinadas pelas influências más da juventude ou do ambiente. É o que se poderá chamar a diferença entre a "neurose central" e a "neurose periférica" (Kernneurose e Randneurose, de Schultz). Eu não tenho necessidade da teoria da "libido" não acredito que existam acontecimentos absolutamente inconscientes. Procuro sempre constatar se não existe um conflito atual. Se o cliente era absolutamente são e feliz até determinado período, podereis supor que existe um acidente, localizado nesse período, que causou a doença. EXEMPLO: Permiti, senhoras e senhores, citar-vos um dos mais tristes casos da minha experiência. Durante a guerra fui chamado a casa de uma doente, uma senhora, no dizer de sua mãe. Encontrei-a acamada, em um estado de sonolência causado pelos narcóticos que tinha o hábito de utilizar. Ela está suja, despenteada, e a sua roupa não está cuidadosamente limpa. A mãe esclarece-me que a doente havia feito uma analise durante mais de 3 anos. O analista, um médico assistente de Freud, havia interrompido o tratamento porque a cliente não podia mais pagar. Assim que me vê, recebe-me com as seguintes palavras: "sou um tipo analerotico. Não posso guardar dinheiro." Disse à mãe: voltarei amanhã, senhora, mas recomendo-lhe não dar nenhum remédio a doente porque desejo vê-la acordar. No dia seguinte; encontro uma linda mulher de 28 anos, penteada, lavada, deitada em um leito bem arranjado. Ela de novo começa a falar do habito de gastar dinheiro. Haviam-lhe explicado este fato como a conseqüência de um onipotente complexo analerotico. Duas semanas depois, um sonho que ela teve colocou-me na pista certa e me fez encontrar a razão das suas prodigalidades. Pude assim conhecer, em pouco tempo, aquilo que a analise de 3 anos não havia podido descobrir. Eis o sonho: "Eu estava num cemitério e vi um túmulo que tinha em cima um monumento alto. Um fantasma sombrio saiu do túmulo, ameaçou-me com o dedo, e jogou uma porção de moedas de ouro na minha direção. Algumas me caíram na cabeça, causando uma dor violenta, e eu acordei com palpitações, vertigens, e uma enxaqueca terrível que dura até agora". Interrogo-a acerca das associações do túmulo e do fantasma, mas observo que ela está habituada a limitar-se à superfície do problema, evitando as camadas profundas da sua alma. Insisto, dizendo que o monumento deve ter alguma importância na história da sua doença; esse espectro vingativo representa certamente uma pessoa em face da qual ela se sente culpada; enfim, esse sonho deve explicar porque ela não pode guardar dinheiro. E assim consigo extrair da minha cliente uma história extraordinária: Há 5 anos essa mulher, que era dotada de grande beleza, havia tido uma ligação com um homem muito rico, mas tuberculoso. No começo a doença não apresentava Página 12 de 17 grande gravidade, mas com a continuação dos excessos amorosos se agravou, e o casal foi forçado a procurar a cura em um clima mais doce, ao sul da Áustria. Duas semanas antes da morte, esse homem disse á amante: "Se fores capaz de jurar que me tens sido sempre fiel, eu te farei herdeira dos meus bens." Ela jurou, mas tal juramento constituía um perjúrio, porque ela tinha tido, durante a sua ligação, relações com o melhor amigo do doente. Este, além disso, antes de morrer, fez com que a amante lhe jurasse que transporta o corpo para a sua cidade natal e erigiria ummonumento de mármore em sua lembrança, com a seguinte inscrição: "O amor é mais forte que a morte." E duas semanas mais tarde morria nos braços dela, vítima de uma hemorragia. A mulher tinha a intenção de cumprir o prometido, mas era durante a guerra, e o transporte, naquele momento, tornava-se muito difícil e muito caro. A conselho da mãe ela esperou melhor oportunidade. E assim a jovem mulher tornou-se rica, mas o dinheiro queimava-lhe as mãos, ela não o podia " guardar, sentindo-se sem direito á propriedade dessa fortuna. Quando o dinheiro foi totalmente gasto, grande parte dele havia passado ao bolso dos médicos: foi impossível transferir o corpo e erigir o monumento prometido. Ela sentia-se culpada; era católica, fora muito piedosa durante a mocidade, havia sido educada num colégio de freiras; é verdade que depois se tornara livre-pensadora, mas um fundo indestrutível de qualidades mestras havia permanecido. A sua doença era a conseqüência de um mal-estar moral. Considerai agora, minhas senhoras e meus senhores; que durante três anos o passado dessa paciente foi esmiuçado tendo sido encontrada uma fixação ao pai e muitas outras perturbações da libido. Porém o médico portou-se como cego a respeito do único acontecimento importante: o perjúrio. Um fato, no entanto; teria podido alertá-lo sobre a existência de um conflito atual: é que a nossa cliente tinha sido absolutamente sã até a época do perjúrio. É sempre preciso, nos casos como esse, procurar o acontecimento que provocou a ruptura do equilíbrio. Observai, ainda, que a minha cliente não havia contado nada ao outro médico sobre a história do perjúrio, porque acreditava ser ele um incidente desprovido de importância e sem relação com o seu estado atual. OS “PERIGOS” Eu poderia escrever um livro sobre os perigos e os abusos da psicanálise se não houvesse o perigo de desacreditar um método ao qual atribuo grande parte do progresso moderno da psicologia e da psicoterapia. Aplicada por um analista artista, ela possui o mesmo valor do bisturi nas mãos de um cirurgião hábil; manejada por mãos inexpertas, poderá se transformar em arma prejudicial, perniciosa, envenenada, capaz de provocar feridas mortais, O COMPONENTE NEURÓTICO Eu alarguei os limites da psicanálise a muitas doenças orgânicas, porque acredito que em toda doença orgânica existe um componente neurótico. Aproveitando a ocasião, quero protestar contra a expressão "neurose", que não explica suficientemente bem as doenças psíquicas. Página 13 de 17 PSICASTENIA OU PARAPATIA Uso essa expressão, neste caso, apenas para me fazer compreender. A expressão francesa "psicastenia" seria mais justa. Eu chamo, as neuroses, "parapatias". Quero exprimir por esse meio que, nos casos de neurose, encontramos sempre uma perturbação qualquer do instinto ou da emoção. Foi por isso que chamei dos 10 volumes da minha obra: "As desordens dos instintos e das emoções". Luto também, nessa obra, contra as opiniões absurdas acerca da nocividade atribuída á masturbação que, segundo Freud, poderia chegar á produzir "parapatias". Ao contrário! Pude constatar que a parapatia manifesta-se quando o indivíduo cessa a masturbação. Foi este, talvez, o meu maior conflito com Freud, que acusava a masturbação de ser a causa de neurastenia. O terceiro e quarto volumes tratam da frigidez feminina e da impotência masculina. Demonstrei que a potência persiste até a morte em um homem são e que todos os casos de impotência são curáveis por um curto tratamento psicanalítico. O Dr. Gutheil, meu assistente, publicou 60 casos que ele conseguiu curar, excetuando 2 únicos, cujas condições não eram favoráveis. Observei, com efeito, que o homem que teve relações incestuosas após a puberdade renuncia muito raramente ao seu ideal sexual familiar, e torna-se impotente para com todas as outras mulheres. A mesma coisa poderá ser observada nas mulheres que permanecem frigidas durante toda a vida, após o coito com um irmão, ou após um crime incestuoso com o pai. PSICANÁLISE = REMÉDIO GERAL Devo admitir que a psicanálise é um remédio geral; que não será possível curar com ela todos os casos e que é muito importante ter sempre em vista a prognóstico, para estar a coberto das censuras do doente, que dirá; com razão: "o senhor me prometeu a cura; e agora, depois de tanto sacrifício de dinheiro e de tempo, não estou melhor". No quinto volume encontrareis descrições muito. interessantes do infantilismo psico-sexual, esse fenômeno que conheceis como "retorno á infância"; o sexto descreve as ações impulsivas, como a dromomania (mania de vida errante), as fugas, a cleptomania, a narcotomania, a piromania, etc. Os casos de fetichismo (6.°volume) são também muito interessantes. Servindo-me da experiência de vários sábios franceses, inclusive Binet, pude demonstrar que o fetichista é um asceta que entra num desvio afim de evitar o caminho da normalidade sexual. É uma espécie de religioso com uma religião recalcada. É um hiper-moral mascarado de perversidade. Muito importantes, no oitavo volume, são as pesquisas sobre o sadismo e o masoquismo. Conheceis certamente, esses homens que querem ser escravos dos seus ídolos amorosos, prestando-lhes serviços humildes, humilhantes, etc. Chego a um ponto muito importante da minha conferência: verifiquei que, em todos esses casos, as mães dos doentes haviam tido uma conduta leviana. Página 14 de 17 Coisa curiosa, verifiquei a mesma coisa nos casos de obsessão e de dúvida, que descrevo nos volumes nono e décimo, os últimos da minha obra. 5-CAMPO DE ATUAÇÃO DA PSICANÁLISE INTUITIVA As funções de intuição, atenção e interpretação do psicanalista constituem suporte arquitetônico do trabalho de sonho alfa. Consideram-se fundamentais as seguintes modulações: a) intuição analiticamente treinada que esteja conjugada à b) capacidade de atenção a serviço de precisão na observação de realidade psíquica, devendo intuição disciplinada e atenção livre serem acompanhadas de c) interpretações verbais bem articuladas. Estudos apontam que a intuição é um processo que envolve a mente e até mesmo o coração. Aprenda a fazer melhor uso desse poder CLÁUDIA JORDÃO E LENA CASTELLÓN Colaborou Jonas Furtado Geralmente, o que se aceita entre os estudiosos é que as percepções atuam como se fossem o piloto automático da consciência. Isso quer dizer que elas entram em ação quando nosso raciocínio fica em segundo plano. Na opinião do neurologista Martín Cammarota, vice-diretor do Instituto Biomédico de Pesquisas da PUC do Rio Grande do Sul, a intuição deve ser compreendida como “conhecer algo sem ter consciência disso”. Muitos experimentos já demonstraram que não temos noção de certos processos que executamos. Isso porque durante a evolução do ser humano houve um período em que foi importante viver com o automático ligado. “No tempo em que o homem estava na natureza, em um ambiente repleto de predadores, isso era vital. Ele não podia esperar para avaliar se corria perigo: tinha de fugir antes de tudo”, completa. Para o psicólogo David Myers, professor da Hope College (EUA), pode-se utilizar bem o sexto sentido. Só que sem exageros. Em sua visão, o feeling tem dois lados: o positivo e o negativo. De acordo com ele, a mente opera em duas vias. Uma delas é o sistema lógico e racional que requer esforço para ser empregado – o indivíduo precisa pensar, afinal. A outra é a trilha intuitiva, algo que ocorre nos “bastidores”. Ela é rápida e associativa. Significa que vem num lampejo a partir de informações e experiências já vividas pela pessoa. Os aspectos benéficos da segunda via são alimentar a criatividade e orientar a tomada de decisões quando o sistema analítico Página 15 de 17 não tem meios de encontrar respostas. Um risco é gerar preconceitos, já que as experiências talvez não sejam adequadas nem salutares. Um exemplo positivo de usoda intuição é o de Claudio Taffarel, ex-goleiro da Seleção Brasileira. Famoso por ser um exímio pegador de pênaltis, ele decidiu assim algumas das partidas mais importantes de sua carreira, como a final da Copa do Mundo dos EUA, em 1994. Há quem sustente que praticar esse tipo de defesa é questão de sorte. Outras, de um olhar treinado. Como Myers ressalta, porém, o background conta nesses momentos. “Na hora do pênalti, eu me posicionava logo para criar um quadro com informações que me ajudassem a decidir o que fazer”, diz Taffarel. O detalhe é que freqüentemente o sucesso depende do estado emocional. “Na final da Copa de 94, estava muito nervoso. No terceiro pênalti, fiquei mais tranqüilo e consegui visualizar melhor a situação. E peguei o chute”, lembra. FUNÇÕES HUMANAS A psicanálise diz que as pessoas têm 4 funções psicológicas. Entre elas, a intuitiva Visualizar um problema a ser enfrentado é uma dica dos especialistas para quem quiser utilizar com eficácia o sexto sentido. Outra é não se fixar somente no que indica seu instinto. “Os empresários que seguiram a intuição e se saíram bem também prestaram atenção à análise racional e equilibraram os dois lados para decidir seus negócios”, ensina o psicólogo Sadler-Smith. Para aumentar a chance de acertos, vale colocar o feeling em prática. Estimular a percepção orientará a mente intuitiva a formar bons palpites. Um treino é compartilhar com os demais os acertos feitos com base em pressentimentos. Outro truque: aquietar a mente racional por meio da meditação ou de técnicas de relaxamento. O engenheiro Ozires Silva, um dos criadores da Embraer e hoje presidente de uma companhia de biotecnologia (Pele Nova), tem sua intuição bem aguçada. Em 1991, ele recebeu um telefonema do ministro da Aeronáutica, convidando-o a retornar à empresa. A Embraer vivia um período de crise e ele foi chamado a virar o jogo. Em função do cenário complicado, poderia responder “não”. No entanto, sua mente já aceitara o desafio. “Não tive a menor dúvida de que o transporte aéreo mundial iria crescer”, diz. Sua dica: “Se você tiver confiança no meio em que vive, a intuição será mais centrada.” Apesar das novidades, ainda há muito a descobrir sobre o poder do sexto sentido. Na ótica da psicanálise, a intuição não tem origem em experiências passadas. Ela vem como um insight, sem que se conheça como se processa isso no cérebro. Segundo Carl Gustav Jung, uma das maiores referências nesse campo, a intuição é uma das quatro funções psicológicas do homem (as demais são sensação, Página 16 de 17 sentimento e pensamento). “Intuir é algo natural da pessoa e pode ocorrer a partir de dados subliminares”, afirma a psicóloga Marion Gallbach, do núcleo de estudos junguianos da PUC de São Paulo. Quem encontra uma amiga e tem a impressão de que ela está triste, mesmo sem notar sinais aparentes, pode ter captado sutilezas percebidas somente pela intuição. Sonhos podem ser também manifestações do feeling. Mulheres sonham com freqüência que estão grávidas porque os corpos estão sensíveis às mudanças hormonais. A produtora de eventos Claudia Schumacher, de Porto Alegre, passou por algo que não consegue explicar, mas que pode encontrar paralelos com a interpretação da psicanálise. “Sou intuitiva e uma vez sonhei que eu dava à luz. Acordei em seguida com minha irmã gritando na casa”, recorda- se. A irmã estava grávida e a bolsa tinha acabado de romper. Para as situações que fogem às explicações da ciência, quem oferece respostas é a parapsicologia. “Quando não há uma percepção sensorial ou um conhecimento prévio que justifique a intuição, podemos pensar que uma mensagem foi captada pelo inconsciente por vias paranormais”, afirma Tarcísio Pallú, professor do Instituto de Parapsicologia de Joinville (SC). Alguns dos fenômenos paranormais, nesse caso, são a telepatia e a precognição (conhecimento do futuro). Foi o que Therezinha Corrêa, de Curitiba (PR), assegura ter ocorrido com ela. “Sempre tive sonhos premonitórios”, revela. Neste ano, entrou em um curso de parapsicologia e tem aproveitado mais seu sexto sentido. Recentemente, sonhou que seu neto sangrava. Ligou de manhã para saber dele e soube que o menino, que vive a nove quilômetros de sua casa, tivera uma hemorragia nasal à noite. “Nunca tive preocupações quando meus filhos eram jovens. Dormia mesmo porque sabia que seria avisada em sonhos sobre qualquer problema.” Hoje, ela recorre a seu poder intuitivo. O psicoterapeuta Edgardo Musso, do Centro de Desenvolvimento da Intuição, no Rio, prepara pessoas para exercer mais esse lado. “Todos têm condições de tirar proveito disso. Mas apenas os que se livram da dominação da razão como única forma de perceber o mundo”, diz. ALÉM DA RAZÃO Conheça algumas personalidades que valorizavam o lado intuitivo ALBERT EINSTEIN (Físico alemão) Dizia que, às vezes, confiava estar certo mesmo sem saber a razão. “Não existe caminho lógico para a descoberta das leis do universo. O único caminho é a intuição”, declarou WOLFGANG MOZART (Músico austríaco) Página 17 de 17 Mozart escreveu suas primeiras composições aos cinco anos em lampejos de criatividade. Graças a sua genialidade, em instantes tinha noção exata de como seria uma obra CARL GUSTAV JUNG (Psiquiatra suíço) Foi chamado de místico por muitos de seus amigos. Ele classificou a intuição como uma das funções psicológicas. Jung se considerava bastante intuitivo Segundo o dicionário Aurélio, intuição é: ato de ver, percepção clara, direta e imediata de verdades sem necessidade da intervenção do raciocínio. Em outras palavras, intuição é a apreensão direta e imediata de algo, de uma forma não racional. É ver algo com olhos de primeira vez; é a primeira impressão que nos causa. Em grego, intuição significa olhar. Da mesma forma, a parapsicologia a define como visão que parece vir do fundo da alma. Uma revelação que não depende da razão. É um estado alterado de consciência e faz parte da P.E.S. (Percepção Extra- Sensorial) como a telepatia, clarividência, clariaudiência, etc. Spinoza, Kepler, Pascoal, Thomas Edison, quando estavam em estado alterado de consciência, em alfa, faziam descobertas melhores. Beethoven, embora surdo por ter contraído uma doença venérea (sífilis), escutava zumbidos e compunha assim suas músicas que o consagraram na história. Freud, o pai da psicanálise, também jogava Tarô e, no fim de sua vida, chegou a usar a intuição dentro de sua prática psicanalítica. Ele dizia que o terapeuta, ao escutar o paciente, tinha que deixar a atenção flutuante, isto é, estar atento não só no que o paciente falava, mas também na forma como ele falava, observando sua postura corporal, entonação de voz, maneirismos, expressão facial, o olhar, etc. C. G. Jung, discípulo de Freud, definiu a intuição como percepção via inconsciente que se dá em forma de símbolos.
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