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Universidade de Brasília 
Programa de Pós-Graduação em História 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 O PROJETO PORTUGUÊS PARA A AMAZÔNIA 
 E A COMPANHIA DE JESUS (1751-1759) 
REFLEXOS DO CONFRONTO ENTRE ABSOLUTISMO ILUSTRADO 
 E PODER RELIGIOSO NA AMÉRICA EQUINOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO FERREIRA GLIELMO 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2010 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO FERREIRA GLIELMO 
 
 
 
 
 
O PROJETO PORTUGUÊS PARA A AMAZÔNIA 
 E A COMPANHIA DE JESUS (1751-1759) 
REFLEXOS DO CONFRONTO ENTRE ABSOLUTISMO ILUSTRADO 
 E PODER RELIGIOSO NA AMÉRICA EQUINOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
- 2010 - 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação em História da Universidade de 
Brasília, como requisito parcial para obtenção 
do título de mestre em História Social. 
 
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Albene Miriam F. 
Menezes 
 
GUSTAVO FERREIRA GLIELMO 
 
 
 
 
 
 
 
O PROJETO PORTUGUÊS PARA A AMAZÔNIA 
 E A COMPANHIA DE JESUS (1751-1759) 
REFLEXOS DO CONFRONTO ENTRE ABSOLUTISMO ILUSTRADO 
 E PODER RELIGIOSO NA AMÉRICA EQUINOCIAL 
 
 
 
 
Brasília, 16 de julho de 2010 
 
Banca Examinadora 
 
Prof.ª Dr.ª Albene Miriam F. Menezes 
 
 
 
Prof. Dr. Fernando da Silva Camargo 
 
 
Prof. Dr. Antonio José Barbosa 
 
 
Prof. Dr. Jaime de Almeida (Suplente) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus pais, pelo apoio de sempre. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À Prof.ª Dr.ª Albene Miriam F. Menezes, pela paciência e ajuda dispensada, a 
quem eu devo o resultado desse trabalho. 
Aos professores que serviram e ainda servem de estímulo em meus estudos 
superiores: Prof. Dr. Rafael Jorge Soares Duarte Marques, Prof. Dr. Luiz Cláudio 
Machado dos Santos e, mais uma vez, à Prof.ª Dr.ª Albene Miriam F. Menezes. 
Aos professores doutores José Ribeiro Machado Neto; Antonio José Barbosa; 
Marcos Magalhães; Sérgio Ricardo Coutinho e José Carlos Brandi Aleixo, S.J., pelas 
preciosas sugestões. 
À minha família, pela solidariedade. 
Ao Departamento de História da Universidade de Brasília pela oportunidade de 
realizar esse curso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
A presente dissertação analisa o processo que determinou a expulsão da Companhia de 
Jesus do Estado do Grão-Pará e Maranhão na década de 1750, durante a Era 
Pombalina. Com a assinatura do Tratado de Madrid (1750) entre Portugal e Espanha, o 
Estado do Grão-Pará e Maranhão aumentou suas fronteiras, a qual passou a abranger 
espaço considerável da selva amazônica. Dessa maneira, o reino de Portugal concebeu 
um projeto de modernização do Grão-Pará e Maranhão para garantir sua soberania 
sobre os novos territórios adquiridos, a fim de integrá-los melhor ao sistema comercial 
luso-brasileiro. Para esse efeito, buscou-se a exploração do seu ainda subestimado 
potencial econômico e o aproveitamento dos povos nativos para defender as novas 
fronteiras. A realização das medidas que compunham o Projeto Português para a 
Amazônia ficou sob encargo do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado 
que, orientado pelas Instruções Secretas, pôs em marcha as reformas pensadas pelo 
gabinete pombalino. O Projeto Português para a Amazônia, que continha no seu bojo 
aspectos da Ilustração, entrou em choque com o poder dos missionários da Companhia 
de Jesus, os quais controlavam parte considerável da política daquele Estado, 
resultando na expulsão dos padres jesuítas do Estado Grão-Pará e Maranhão. Os 
desentendimentos entre o governador Mendonça Furtado e os jesuítas paraenses 
estenderam-se para o reino, contribuindo para a proscrição da Companhia de Jesus dos 
domínios do Império Português. Outro resultado significativo da contenda foi sua 
contribuição para a anulação do Tratado de Madrid, substituído pelo Tratado de El 
Pardo (1761). 
 
Palavras-chave: Estado do Grão-Pará e Maranhão, Tratado de Madrid, Instruções 
Secretas, Companhia de Jesus, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Marquês de 
Pombal. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
The present study analyzes the process that determines the expulsion of The Society of 
Jesus from the state of Grão-Pará and Maranhão in the 1750s during Pombal era. 
Along with the signing of the Treaty of Madrid (1750) between Spain and Portugal, 
Grão-Pará and Maranhão increased its borders approaches to cover a considerable 
space from the Amazon jungle. This way, the kingdom of Portugal created a project of 
modernization of Grão-Pará and Maranhão to ensure its sovereignty and to integrate it 
in a better way to the Luso-Brazilian commercial system. For that purpose, the 
government sought the exploration of the economic potential, that was still 
underestimated and the exploitation of native people to defend the new frontiers. The 
Governor Francisco Xavier de Mendonça Furtado was in charge of the Portuguese 
project performance for the Amazon and guided by the Secret Instructions, set in 
motion the reforms thought by Pombal’s cabinet. The Portuguese Project for the 
Amazon, which contained, in its bulge, aspects of Illustration, clashed with the power 
of the missionaries from the Society of Jesus, who used to control a considerable part 
of that state’s policy, resulting in their expulsion from Grão-Pará and Maranhão. The 
disagreements between the Governor Mendonça Furtado and the Jesuits from Pará 
extended to the kingdom, contributing to the extermination of the Society of Jesus 
from all the Portuguese Empire. Another significant outcome of the contest was its 
contribution to the annulment of the Treaty of Madrid, replaced by the Treaty of El 
Pardo (1761). 
 
Keywords: State of Grão-Pará and Maranhão, Treaty of Madrid, Secret Instructions, 
Society of Jesus, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Marquis of Pombal. 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO........................................................................................................................2 
 
PARTE I – PORTUGAL, SEUS DOMÍNIOS E A COMPANHIA DE JESUS......................18 
 
I. Portugal no Contexto Europeu e suas Circunstâncias Internas e Ultramarinas ....................19 
II. A Companhia de Jesus em Portugal.....................................................................................44 
III. A Companhia de Jesus na América Portuguesa..................................................................65 
 
PARTE II – FORTALECIMENTO DO ESTADO PORTUGUÊS NA AMAZÔNIA: 
CONTENDAS ENTRE MENDONÇA FURTADO E OS JESUÍTAS....................................94 
 
IV. Mendonça Furtado na Amazônia: Antecedentes da Modernização Pombalina................95 
V. O Projeto Português para a Amazônia: as Instruções em Desafio.....................................112 
VI. A Consolidação das Reformas Pombalinas e a Expulsão da Companhia de Jesus..........140 
 
CONCLUSÃO........................................................................................................................178 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
FONTES.................................................................................................................................187 
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................188 
 
ANEXOS (P.196 - 230) 
ANEXO A (P.197 - 206) 
ANEXO B (P.207 - 230) 
 
 
 
 
 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
O objetivo deste trabalho é analisar o processo de expulsão da Companhia de 
Jesus do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão no âmbito do Projeto Português para 
a Amazônia, sob o governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Consideramos 
relevante na investigação do banimento dos jesuítas do reino de Portugal o estudo do 
caso do Estado do Grão-Pará e Maranhão, por entendermos que a expulsão desses 
religiosos de Portugal se desencadeou a partir das contendasentre o governador 
daquele Estado e os membros locais da Companhia de Jesus. 
Quanto à periodização, o ponto de partida foi o ano de 1751, quando o 
governador Mendonça Furtado tomou posse do governo do Estado do Grão-Pará e 
Maranhão munido das Instruções Secretas – documento que norteou a aplicação do 
Projeto Português para a Amazônia. Nossa análise termina em 1759, ano que, além de 
marcar o fim da gestão de Mendonça Furtado, assegura também o cumprimento pleno 
das Instruções Secretas. Os conflitos desencadeados entre o governador e a 
Companhia de Jesus, em decorrência da execução das Instruções, já havia findado no 
ano de 1759. Os inacianos ainda presentes no Grão-Pará embarcaram para Portugal 
por causa da ordem de proscrição dos jesuítas de Portugal e dos domínios 
ultramarinos. 
Para a análise do tema em questão, centramos nossa atenção no antigo Estado 
do Grão-Pará e Maranhão. Naquele espaço, desencadeou-se um processo dramático e 
conflituoso entre a administração pombalina e a Companhia de Jesus (representantes 
de duas culturas de poder antagônicas). Não obstante a provável inevitabilidade 
daquele confronto, em razão da ascensão de uma nova mentalidade na gestão da 
política em Portugal, jazia, contudo, em “estado latente”, os primeiros atritos ocorridos 
no Grão-Pará e Maranhão. 
Desse modo, levantamos a hipótese de que no conflito Pombal-Companhia de 
Jesus, que também pode perfeitamente ser entendido como absolutismo ilustrado em 
contraposição ao poder religioso, o Grão-Pará e Maranhão contribuiu de forma 
fundamental para início do processo que levou à expulsão dos jesuítas de Portugal. 
No escopo da pesquisa realizada, com o intuito de embasar nossa análise, 
constatou-se que a temática da proscrição dos jesuítas no Grão-Pará é pouco abordada 
3 
 
pela historiografia e merece atenção devida. A trama é tratada como evento 
secundário, acessório, dentro de um contexto mais amplo. Em nossa hipótese, 
não obstante o entendimento das causas da expulsão da Companhia de Jesus do 
reino de Portugal ser impraticável sem a consideração das mudanças estruturais, 
colocar o Grão-Pará no centro dos embates entre a administração pombalina e 
os jesuítas pode contribuir, em particular, para a compreensão do processo da 
expulsão dos jesuítas da Amazônia, tendo em vista que esse acontecimento local 
contribuiu para a futura proscrição no Império português. No Estado do Grão-Pará, 
ocorrem os primeiros atritos entre os contendores em tela, que tinham suas causas 
vinculadas ao poder religioso ou ao absolutismo, culturas de poder que no Estado se 
mostraram incompatíveis. Ademais, o Estado amazônico serviu de laboratório para o 
ensaio de medidas típicas do absolutismo. 
A hipótese referida acima talvez não tenha sido suficientemente levada a sério 
pela historiografia. Quando mencionada na bibliografia especializada, alguns autores a 
abordam de forma marginal, em artigos ou em passagem de estudos sobre temas afins. 
Dessa forma, para ilustrar, citamos os autores Kenneth Maxwell, A Amazônia e o fim 
dos jesuítas (In: Mais Malandros: ensaios tropicais e outros), e Jorge Couto, artigo O 
poder temporal nas aldeias de índios do Estado do Grão-Pará e Maranhão no 
período pombalino: foco de conflitos entre os jesuítas e a coroa (1751-1759) (In: 
Cultura portuguesa na Ilha de Santa Cruz). Francisco Falcon, na obra A época 
pombalina: política econômica e monarquia ilustrada, também se refere ao papel que o 
Grão-Pará e Maranhão teve no estopim da contenda Pombal-jesuítas. O autor faz uma 
abordagem estrutural que não privilegia a contribuição dos espaços regionais 
específicos ou os eventos na compreensão da trama histórica. Por fim, é 
imprescindível comentar a obra que trata da história administrativa do período 
pombalino, do autor Hélio de Alcântara Avellar, História Administrativa do Brasil: 
Administração pombalina, em que o autor dá indicação da importância do 
entendimento da contenda Pombal-jesuítas, utilizando como chave interpretativa o 
estudo do governo de Mendonça Furtado no Pará-Maranhão, que está alicerçado na 
leitura das cartas publicadas entre o governador e o seu irmão, o Marquês de Pombal. 
Na presente dissertação, apoiamo-nos nas impressões, nas experiências e na 
autoridade dos historiadores citados para abordar o tema. Parece-nos bastante provável 
que haja trabalhos acadêmicos com hipótese semelhante a nossa. No entanto, 
desconhecemos teses ou dissertações que seguem tal linha de raciocínio. 
4 
 
Em relação ao tema dos jesuítas no Pará, recorte pouco privilegiado na 
historiografia, existe razoável quantidade de material documental publicado e grande 
parte trata-se de fontes primárias impressas, as quais tivemos pleno acesso. O mesmo 
podemos dizer sobre fontes secundárias específicas (não existem muitas) que, apesar 
da raridade (algumas são de editoras portuguesas), conseguimos ter acesso. Citamos 
como exemplo as obras de Serafim Leite, João Lúcio de Azevedo, José Caiero e 
Anselmo Eckart. 
A principal fonte utilizada foi a coleção documental organizada por Marcos 
Carneiro de Mendonça, que foi sócio do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico 
Brasileiro), intitulada A Amazônia na era pombalina, publicada em três tomos. A 
coletânea consiste na organização de missivas enviadas por Mendonça Furtado, 
governador do Grão-Pará e Maranhão, para o marquês de Pombal, em que o assunto 
versava, quase que invariavelmente, sobre os desafios que encontrou no período de sua 
gestão – 1751 a 1759. 
Na citada coletânea, encontramos cópias de documentos que pertencem a 
importantes arquivos portugueses, como a Torre do Tombo, o Arquivo Histórico 
Ultramarino e, também, outras referentes ao Grão-Pará, que pertencem ao Museu 
Britânico. Para entender a contenda entre Pombal e os jesuítas no período em questão, 
exige-se do pesquisador que utiliza a obra do Autor Marcos Mendonça, uma leitura 
atenta e minuciosa de todos os textos, mesmo aqueles que tratam de questões que 
aparentemente são puramente administrativas. Isso por que os jesuítas aparecem 
sempre como o principal obstáculo na adoção das medidas reformistas para o Estado. 
A parte mais interessante da correspondência para o estudo da questão jesuítica são 
183 cartas particulares que Mendonça Furtado enviou para Sebastião José de Carvalho 
e Melo, o marquês de Pombal. Em sua grande maioria constam reclamações que o 
governador fazia da atuação dos jesuítas no Grão-Pará e Maranhão. 
Consta na coleção um precioso documento intitulado Instruções régias, 
públicas e secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, capitão-general do 
Grão-Pará e Maranhão, em que encontramos dezenas de parágrafos que delineavam 
as novas disposições para o governo do Estado do Grão-Pará, ou aquilo que 
poderíamos denominar de “projeto da coroa portuguesa para o Estado do Grão-Pará”. 
Ao analisarmos o conteúdo das Instruções, percebemos que afetavam direta e 
indiretamente a Companhia de Jesus. 
5 
 
Alguns documentos, que têm importância para o tema pesquisado, que não 
foram publicados por Marcos Carneiro de Mendonça, podem ser encontrados 
digitalizados no “Projeto Resgate” (http://www.cmd.unb.br). As declarações a que nos 
referimos são cartas que Mendonça Furtado enviou ao marquês de Pombal, bem como 
outros ofícios emitidos e recebidos pelo governador, em que faz referência ao seu 
trabalho de emancipação indígena, às dificuldades em aplicar o Tratado de Madrid e à 
insatisfação com o trabalho dos missionários (total de 26 ofícios e cartas, entre os anos 
de 1755 e 1758). Embora a tarefa de decifrar os documentos demande grande esforço 
do ponto de vista paleográfico, o contato quase que direto com a fonte primária 
original fornece para o pesquisador emoção e estímulo inenarrável. 
Outro recurso eletrônico para divulgação de documentação da História do 
Direito português é a página eletrônica intitulada “IusLusitaniae – Fontes Históricas 
de Direito Português” (http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/). Nesse endereço, são 
disponibilizadas mais de trinta mil páginas digitalizadas de cartas régias, alvarás, leis, 
etc., e é organizado pelo Departamento de História da Universidade Nova de Lisboa. 
Obtivemos documentos interessantes como o alvará de extermínio da Companhia de 
Jesus, muitas das legislações indígenas, normas da Companhia Geral de Comércio do 
Grão-Pará e Maranhão, dentre outros. 
Outro documento significativo foi a Relação Abreviada da República, que 
conseguimos no anexo de livro do padre jesuíta José Caeiro, A história da expulsão da 
Companhia de Jesus da Província de Portugal (três tomos). O texto integral do 
opúsculo de autoria anônima foi o primeiro escrito de propaganda antijesuítica 
patrocinado pelo marquês de Pombal e teve ampla divulgação em toda a Europa. 
Mesclando acontecimentos reais com fantasiosos, sua intenção era responsabilizar a 
Companhia de Jesus pelo fracasso da demarcação dos limites decididos pelo Tratado 
de Madrid. Tal complô teria sido urdido tanto na zona do Prata quanto na região da 
bacia amazônica, porque a sua execução inviabilizaria o prévio plano jesuítico de 
estabelecer uma república independente dos poderes das coroas ibéricas. Na suposta 
república jesuítica, os padres espanhóis, em conluio com os de Portugal, planejavam 
se assenhorear de um amplo território, que ia do Rio da Prata ao Amazonas, para 
poderem governar um vasto território, auxiliados por indígenas submissos às suas 
vontades e, obviamente, à revelia do poder secular. O documento demonstrava que a 
Guerra Guaranítica – que de fato ocorrera entre 1754 e 1756 – teria sido incentivada 
pelos jesuítas espanhóis, que arregimentaram os índios missioneiros das Missões 
6 
 
Orientais do Uruguai e terminaram por entrar em guerra aberta contra uma 
combinação de tropas espanholas e portuguesas. 
Utilizamos também relatos do jesuíta alemão Anselmo Eckart, Memórias de 
um jesuíta prisioneiro de Pombal, detentor de vasta experiência na Amazônia e que 
passou por todas as etapas do processo de expulsão. O padre, que foi catequista de 
índios, sofreu graves acusações do governador Mendonça Furtado, o que resultou no 
seu banimento do Estado e, consequentemente, no encarceramento em Lisboa. 
Anselmo Eckart é mencionado no referido documento Relação Abreviada da 
República como um dos mais destacados organizadores das sabotagens que teriam 
sido articuladas pela Companhia de Jesus na Amazônia. Consta no documento que 
Eckart fornecia treinamento militar aos indígenas, e que na aldeia em que ele era 
missionário havia um canhão com algumas peças de artilharia. No entanto, em seus 
relatos, Eckart defendeu-se dessa acusação. É interessante comparar a versão do 
missionário com a apresentada no diário das viagens realizadas por Mendonça 
Furtado, que além de ocupar o cargo de governador, ficou também incumbido de 
representar o rei português na região norte, no trabalho de demarcação das fronteiras 
entre as coroas de Portugal e a de Castela. Após a leitura do diário do governador e das 
cartas de Mendonça Furtado, fica latente a hipótese de que o governador teve 
importante contribuição na feitura do documento: a publicação da Relação só viria à 
luz depois de marquês de Pombal reunir uma quantidade considerável de material 
contra a Companhia de Jesus. No caso amazônico, todas as acusações ali registradas 
refletem o ponto de vista de Mendonça Furtado, o que pode ser constatado pela leitura 
das cartas que enviava ao marquês. 
A versão da Relação Abreviada da República a qual tivemos acesso foi a 
publicada e traduzida do latim para o português pelo padre jesuíta José Caeiro (In: A 
história da expulsão da Companhia de Jesus da Província de Portugal), um dos 
maiores apologistas da Companhia de Jesus, anexada na obra mencionada. 
Contemporâneo de todos aqueles acontecimentos, o padre Caeiro escreveu parte de 
seu trabalho nos cárceres de São Julião da Barra, em Lisboa. Embora não atuasse nas 
missões, José Caeiro reuniu em sua obra depoimentos de jesuítas que atuaram nas 
missões brasileiras e permitiu-nos, assim, conhecer a perspectiva dos missionários da 
Amazônia. Na obra, dividida em três tomos, o primeiro sendo o de maior relevância 
para nosso estudo, não só por que há a publicação, anexada, de muitos documentos 
pertinentes à pesquisa, mas também por que apresenta minucioso estudo das intrigas 
7 
 
palacianas que ensejaram a formação do gabinete josefino e que permitiram a Pombal 
ascender até se tornar o ministro mais importante de D. José I. No primeiro volume 
também, o padre faz análise exaustiva do conteúdo da própria Relação Abreviada da 
República. 
Outro documento que tivemos acesso, não de somenos importância, é o 
Tratado de Madrid de 13 de janeiro de 1750, que foi integralmente publicado pelo 
historiador Jaime Cortesão em seu clássico estudo sobre Alexandre de Gusmão e as 
negociações que deram origem ao tratado de fronteiras: Alexandre de Gusmão e o 
Tratado de Madrid (dois tomos). O Tratado de Madrid é de suma relevância para 
percebermos que as medidas reformistas de Pombal para o Grão-Pará ou Projeto 
Português para a Amazônia eram a continuação de uma estratégia desenhada antes 
mesmo da ascensão do próprio ministro, o que sugere o início da construção do 
Projeto anterior à Era Pombalina. 
O Tratado de Madrid foi assinado levando-se em conta o argumento, que na 
prática tinha força de expressão jurídica, conhecido como uti possidetis. Na medida 
em que os portugueses tomaram posse de territórios que transpunham os limites 
previamente estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, o governo da Espanha não 
teve outro remédio senão reconhecer a soberania portuguesa em terras que os lusitanos 
não só haviam ocupado como também engendrado sua colonização. Destarte, 
reconhecendo a impossibilidade de retirar os portugueses daqueles territórios, os 
espanhóis assinaram o Tratado de Madrid aceitando a soberania portuguesa sobre os 
espaços ocupados. 
À luz da leitura da documentação expedida pelo governador Mendonça Furtado 
para Lisboa, pode-se constatar que para o governador a Companhia de Jesus era a 
maior barreira a se transpor na aplicação das medidas reformadoras no Grão-Pará e 
também do Tratado de Madrid. De fato, nas suas missivas, ele praticamente constrói 
um inimigo interno a ser combatido. Foi o próprio Mendonça Furtado quem sugeriu a 
Pombal a criação de uma companhia de comércio monopolista para o 
desenvolvimento econômico do Estado do Grão-Pará e Maranhão. A aprovação da 
legislação que fundava a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, 
em 1755, causou alvoroço entre os padres da Companhia de Jesus e foi o estopim que 
desencadeou a luta aberta entre os jesuítas e a administração pombalina (1755). 
A fundação da Companhia de Comércio do Grão-Pará tinha como objetivo, 
além do fomento do comércio do Estado, inserir mão-de-obra escrava africana em 
8 
 
substituição dos escravos indígenas. A preocupação com a substituição da mão-de-
obra deu-se por causa da maior valorização do contingente populacional indígena 
dentro do contexto das demarcações das fronteiras entre Portugal e Espanha. Os 
portugueses que conheceram os benefícios do uti possidetis nas negociações para 
assinatura do Tratado de Madrid procuraram, mesmo após o acordo, dar continuidade 
à política de povoação das fronteiras para assegurar a posse do território. 
Nesse contexto, os índios ganharam importância que sobrepujava tradicionais 
preocupações de ordem humanitária, das quais os eles eram comumente objeto. 
Doravante, a partir do novo projeto, os índios passaram a ser úteis, pois supriam os 
vácuos populacionais em territórios estrategicamente vulneráveis e contribuíam para 
assegurar a posse da coroa portuguesa em seus domínios americanos. Desse modo, 
deixava de serinteressante para o governo português a existência de índios na 
condição de escravos ou como catecúmenos tutelados pelas ordens religiosas, tornado-
se imperativo promover sua emancipação para que estivessem aptos a cumprir com os 
aludidos objetivos da coroa portuguesa. Preocupação que levou a administração 
portuguesa a incentivar a miscigenação de brancos com índios que, por sua vez, 
deveriam ser instruídos no aprendizado da língua portuguesa. 
Para o entendimento do funcionamento das Companhias de Comércio são 
fundamentais os trabalhos de Antônio Carreira, que é autor de “As companhias 
pombalinas de Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba”, bem como do tomo 
específico sobre o Grão-Pará, intitulado A Companhia Geral do Grão-Pará e 
Maranhão: documentos. O essencial deste trabalho é a compilação dos documentos 
mais importantes produzidos ao longo da história da Companhia de Comércio, desde a 
apresentação oficial da instauração da Companhia até os pontos da sua legislação. No 
livro, constam informações sobre os principais acionistas da empresa, bem como as 
posteriores queixas apresentadas por todos aqueles interessados em fraudá-las. A 
maioria das reclamações era dos jesuítas e de outros comerciantes, que se sentiam 
prejudicados pelo funcionamento da Companhia de Comércio, que, segundo eles, 
levaria ao fim do livre comércio entre o Estado do Grão-Pará e Portugal. 
Como salientamos anteriormente, o tema Pombal e os jesuítas na Amazônia 
ainda é muito pouco estudado. A maioria dos autores quando trata da questão de 
Pombal e os jesuítas, embora sempre mencionem os acontecimentos do Grão-Pará, 
abordam-nos de forma marginal. O mais célebre estudo que se ocupa especificamente 
do papel dos jesuítas no Pará ainda é o trabalho de João Lúcio de Azevedo, intitulado 
9 
 
Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Publicada no início do século 
XX, continua a ser obra de referência obrigatória e, ainda hoje, é exaustivamente 
utilizada por todos aqueles que se ocupam do assunto. O estudo abrange mais de cem 
anos de trabalho dos jesuítas no Estado, mas termina por dedicar pouca atenção, já no 
epílogo, à gestão de Mendonça Furtado. Posteriormente, o mesmo João Lúcio de 
Azevedo produziu trabalho sobre o marquês de Pombal, O marquês de Pombal e sua 
época, em que dedica parte do estudo à influência dos acontecimentos no Grão-Pará 
que teriam influenciado na perseguição jesuítica em todo o reino de Portugal. É uma 
biografia política que tende a supervalorizar, na pessoa de Pombal, todas as decisões 
de sua gestão, negligenciando, talvez, outras personagens de importância naquele 
contexto e a própria mentalidade de uma época em Portugal. Como João Lúcio de 
Azevedo tem profundo interesse na contenda Pombal versus jesuítas, apresenta 
detalhes da crescente tensão entre ambos os partidos, dando destaque aos 
acontecimentos no reino e aos problemas no Grão-Pará, assim como no sul da 
América, que culminou na expulsão da Companhia de Jesus do mundo lusitano. 
Quiçá, nenhum outro autor contribuiu tanto para a história dos jesuítas no 
Brasil como o historiador e também padre jesuíta Serafim Leite. A obra A História da 
Companhia de Jesus no Brasil, um monumento historiográfico, é composta de dez 
volumes e abrange o trabalho dos jesuítas em todos os recônditos da América 
portuguesa, bem como o importante papel histórico que desempenharam durante 
período colonial. O autor dedicou dois tomos (3º e 4º) exclusivamente para o estudo 
dos jesuítas na Amazônia, desde a chegada dos seus primeiros missionários, seguida 
da passagem do padre Antônio Vieira, aquele que foi o mais destacado missionário da 
região, até os intermitentes conflitos com os moradores, a história das missões, e 
também a apresentação dos títulos e das datas das legislações indígenas. Muito embora 
seja uma obra seminal, o livro não registra de forma abrangente a temática Pombal, os 
jesuítas e a Amazônia. Leite preocupa-se em demonstrar a atuação positiva que os 
jesuítas tiveram na região, desde a educação e proteção aos índios, o ineditismo na 
produção de gêneros como o cacau e o café em suas fazendas, até o estabelecimento 
de algumas manufaturas, assim como o treinamento dos índios nos ofícios mecânicos. 
No que diz respeito à expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, Leite 
posiciona-se de forma parcial na defesa da congregação e, nesse aspecto, sua obra tem 
um quê de apologética. O autor enumera as diversas acusações formuladas contra a 
atuação da ordem no Brasil durante o período pombalino e procura refutá-las. Dentre 
10 
 
as acusações, constam as supostas irregularidades que os jesuítas praticavam no 
comércio amazônico. Eles desempenharam papel negativo no momento em que as 
fronteiras entre Portugal e Castela estavam por ser definidas e opuseram-se à formação 
da Companhia Geral de Comércio de Grão-Pará e Maranhão. O monopólio da mão-de-
obra indígena por parte das ordens religiosas foi considerado, desde sempre, a 
principal causa da antiga e persistente miséria do Grão-Pará e Maranhão. Por todas 
essas razões, os jesuítas entraram em choque com o governador do Grão-Pará, que 
passou a ver neles seu grande inimigo para levar a cabo medidas que visavam reformar 
o Estado. 
A linha de defesa que Serafim Leite apresenta para a questão do comércio 
ilegal da Companhia de Jesus é a repetição dos mesmos argumentos empregados pelos 
missionários jesuítas da Amazônia desde o século XVI. As fazendas da Companhia de 
Jesus geravam riquezas para um único intuito: o reinvestimento daqueles cabedais no 
aumento e no aperfeiçoamento das missões junto aos indígenas. Se as missões 
alcançaram maior prosperidade material em comparação com os negócios dos 
moradores, isso se devia pela exploração inteligente que faziam da terra e pelos 
melhores cuidados que tinham com a mão-de-obra indígena. Isentos do pagamento de 
impostos e taxas de exportação quando embarcavam o produto para o reino, os jesuítas 
justificam esses privilégios como necessários à manutenção do oneroso custo das 
missões. Para o autor, os religiosos jamais agiam fora dos ditames estabelecidos pelas 
suas Constituições (escritas por Inácio de Loyola). Além disso, todos os seus bens de 
raiz adquiridos, que eram fonte de polêmica, eram posses com respaldo legal. 
Serafim Leite admite que sua análise seja insuficiente quando o assunto são as 
causas que levaram à perseguição dos jesuítas pelo governador Mendonça Furtado. 
Afirmou que o tema, por ser matéria tão vasta, não pode ser pensado isoladamente, 
dado que englobaria muitas modalidades, desde o Amazonas até a Colônia do 
Sacramento, no Rio da Prata. A observação nos deu a entender que Serafim Leite não 
teve acesso a parte importante da documentação do pesquisador Marcos Carneiro de 
Mendonça para o estudo do tema. Provavelmente, ele referia-se à correspondência 
entre Mendonça Furtado e Pombal, que, quando citada, era por meio de excertos de 
fontes secundárias, quase sempre do livro de João Lúcio de Azevedo, Os jesuítas no 
Grão-Pará. Serafim Leite advoga a tese de que Pombal é o grande mentor do 
“sequestro” dos bens da Companhia de Jesus na Amazônia, quando a perseguição aos 
jesuítas já havia se tornado pública, e seu irmão, Mendonça Furtado, não representava 
11 
 
mais do que um executor de sua vontade – diferentemente do que aqui apresentamos, 
pois a leitura das fontes pesquisadas sugerem um protagonismo de Mendonça Furtado 
no processo. O motivo da apreensão dos bens seria a inevitável transferência do capital 
das fazendas dos jesuítas aos cofres públicos para sanar a ruína econômica em que 
jazia o Estado do Grão-Pará, e o meio usado foi a fraudulenta manipulação de 
documentos que provassem que os bens de raiz que a Companhia de Jesus explorava 
eram juridicamente ilegais. Serafim Leite afirmava que a apresentação de outros 
documentos deitava facilmente abaixo aquelas“meias-verdades”. 
Finalmente, o autor analisa os eventos ocorridos entre Mendonça Furtado e os 
jesuítas, mas sublinha que são questões menores e que o próprio governador já trazia a 
expulsão da Companhia de Jesus nas Instruções Secretas. A maioria dos historiadores, 
ao contrário, chama a atenção para o artigo 22º das Instruções, a qual orienta 
Mendonça Furtado a dar preferência aos padres da Companhia de Jesus sempre que 
precisassem do auxílio de eclesiásticos para fundar novas povoações em limites 
estratégicos, não obstante tendo a cautela de não lhes entregar poderes temporais. 
É fato que do outro lado do mar, na época, havia uma nova mentalidade em 
ascensão, que defendia o despotismo esclarecido e, pela sua lógica, o enfraquecimento 
do poder eclesiástico, que fora a principal causa da desgraça da Companhia de Jesus, e 
que culminaria na sua expulsão de Portugal pelo decreto de 3 de setembro de 1759. 
Percebemos que era necessário, de fato, dirigir nosso olhar às mudanças no reino de 
Portugal, as quais tiveram desdobramentos que atingiram o Grão-Pará e Maranhão. 
Mas cabe frisar que não concordamos inteiramente com Serafim Leite em sua 
minimização da importância dos eventos amazônicos. Acreditamos que a preocupação 
do marquês de Pombal em relação aos jesuítas do Pará fez com que ele adotasse 
medidas draconianas contra a Companhia de Jesus no Brasil. E em Portugal, tendo em 
vista que a questão paraense gerava problemas entre o Pará e o reino, o processo de 
expulsão dos jesuítas foi acelerado. A expulsão foi consequencia também da ascensão 
de novos fatores históricos, que falaremos a seguir. 
A argumentação de Serafim Leite, baseada nas normas da Companhia de Jesus, 
levou-nos a fazer leitura integral das Constituições da Companhia de Jesus e dos 
documentos de sua fundação, contidos no mesmo livro. Percebemos que conhecer a 
posição de Leite significa, provavelmente, ter a noção do raciocínio dos jesuítas do 
período colonial brasileiro, pois o autor apropriou-se da linha argumentativa dos 
religiosos do século XVIII e a reproduz em sua apologia. Por se assemelharem a 
12 
 
artifícios jurídicos, todos os argumentos construídos pelos jesuítas para tocar seus 
empreendimentos mercantis baseavam-se em argumentações que não feriam de forma 
direta as normas internas. É possível identificar a lógica interna do Instituto, sua 
vocação no seio da cristandade católica e o modo de ser e proceder dos seus membros. 
A aludida leitura constituiu exercício de considerável importância para a compreensão 
da trama envolvendo os jesuítas e o governo de Mendonça Furtado. 
Trabalho de suma importância para compreender as transformações que 
operaram no reino de Portugal em meados do século XVIII, vem a ser o de Francisco 
José Calazans Falcon: A época pombalina – política econômica e monarquia 
ilustrada. O autor faz abrangente estudo da legislação pombalina no período que ficou 
conhecido como auge do despotismo esclarecido em Portugal. Calazans Falcon ocupa-
se do marquês de Pombal não como um fenômeno ímpar, ou um mito do seu tempo, 
mas como um porta-voz e principal agente catalisador de reformas que foram levadas 
a cabo pela ascensão de um grupo vanguardista que representava a ilustração 
portuguesa. Falcon analisa os escritos produzidos pelos pensadores, que considerou 
relevante, para justificar a existência de um movimento de ilustração tipicamente 
português e que fora preponderante no século XVIII. Os “estrangeirados” tinham como 
principal proposta reformar o Estado. Esse termo foi posteriormente adotado pela 
historiografia portuguesa para denominar os intelectuais portugueses que viveram no 
estrangeiro em contato com as idéias iluministas, em voga pela intelectualidade 
europeia, que eram pouco divulgadas em Portugal. O grande projeto dos 
estrangeirados consistia em trazer propostas para reformar o Estado. 
A nova intelligentsia era partidária da secularização de instituições do Estado 
português. Colocadas em prática as idéias dos estrangeirados, durante o período 
pombalino, o país experimentou mudanças significativas. Houve a tentativa de renovar 
os quadros burocráticos para que operassem de forma mais racional. No aspecto 
educacional, as instituições de ensino, em todos os níveis, que eram praticamente um 
monopólio do clero, mais precisamente da Companhia de Jesus, passaram por uma 
reforma curricular, que teve como objetivo favorecer a transformação de uma 
mentalidade considerada na época retrógrada na época. 
No campo econômico, as transformações foram dinamizadas pela criação de 
companhias comerciais monopolistas, com o intuito de fortalecer o Estado português 
para fazer frente à competição estrangeira, sanar as sangrias provocadas pelos 
contrabandistas e fortalecer os grupos comerciais que faziam o comércio de grosso 
13 
 
trato. Nesse contexto, como o Brasil exercia um papel fundamental no sistema 
comercial luso-atlântico, essas medidas afetavam diretamente a vida econômica e 
social na colônia, como aconteceu no Grão-Pará e Maranhão. 
Aparentemente, essas podem parecer questões marginais para a nossa pesquisa, 
mas fornecem nova perspectiva para o estudo do antijesuitismo do período pombalino, 
naquilo que afeta diretamente o Grão-Pará e Maranhão. Não podemos analisar o 
conflito no cenário amazônico entre os jesuítas e o grupo pombalino sem nos 
lembrarmos de que ele é, em certa medida, o reflexo dos conflitos que aconteciam na 
metrópole entre os mesmos grupos de poder. 
No entanto, percebemos no trabalho de Falcon, uma tendência em minimizar a 
importância das questões do Grão-Pará, que seriam como que um desdobramento 
inevitável de transformações mais amplas, as quais tinham origem em práticas 
reformistas previamente ensejadas na metrópole. Não obstante, neste trabalho, creditar 
importância aos acontecimentos do Grão-Pará justifica-se face às evidências 
identificadas nas fontes pesquisadas, em que encontramos provas de que este espaço 
joga uma importância relativa naquele embate Pombal-jesuíta. 
Perfilamo-nos ao lado dos defensores de no Grão-Pará, que acreditavam que o 
Estado serviu como laboratório para testar medidas reformistas engendradas pelo 
grupo pombalino. Em razão do seu resultado satisfatório, tais experiências foram 
analogamente aplicadas em outros espaços da colônia, a exemplo da criação da 
primeira Companhia de Comércio para o desenvolvimento e integração de espaços 
econômicos (Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755), que 
tinha sua versão para o Nordeste brasileiro, a Companhia Geral de Pernambuco e 
Paraíba (1756), bem como a invenção de uma legislação que pudesse por fim à antiga 
e irresoluta questão indígena. Todas essas inovações procuravam fortalecer a 
autonomia do poder público. No entanto, essas medidas receberam forte oposição dos 
religiosos, que costumavam influir em questões próprias da esfera civil, vendo nelas 
uma ameaça ao poder estabelecido. Ressaltamos que todas essas medidas, dentre 
outras mais, antes de serem aplicadas ao restante do Brasil, foram testadas no Grão-
Pará e Maranhão. A futura guerra aberta que se desencadearia entre Pombal e a 
Companhia de Jesus em Portugal teve o seu estopim no mesmo Estado do Grão-Pará, 
onde os jesuítas se posicionaram contrários a todas aquelas decisões do grupo 
pombalino, ali representado pelo governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 
14 
 
O historiador inglês Kenneth Maxwell é autor de importante trabalho sobre 
Sebastião José de Carvalho e Melo: Marquês de Pombal – paradoxo do iluminismo, 
uma biografia da trajetória política de Pombal. A obra descreve a rede de contatos 
formada nos anos que ele desempenhou funções como diplomata, experiência 
fundamental à formação do ideário do futuro ministro e à aplicação das medidas mais 
marcantes ao longo de sua gestão. O trabalho inclui também a influência do 
pensamento ilustradona formação de uma nova mentalidade no reino de Portugal, a 
importância das reformas econômicas e educacionais naquela gestão e a situação de 
Portugal, no concerto europeu de nações, com maior destaque à dependência lusitana 
frente à Inglaterra. 
Maxwell acabou fazendo um balanço do legado pombalino. Dedicou 
considerável atenção à questão jesuítica e estabeleceu relação entre os acontecimentos 
do Grão-Pará com a futura perseguição da congregação no mundo lusitano. Centrado 
também em individualidades históricas, e não apenas em ideias e instituições, esse 
autor aponta o papel que os padres jesuítas desempenharam na crescente tensão entre a 
Companhia de Jesus e Pombal. Dentre outros nomes, cita o padre Ballester, que 
proferira em Lisboa sermão contra a formação da Companhia de Comércio do Grão-
Pará e Maranhão, e, em especial, o padre Gabriel Malagrida, que foi missionário no 
mesmo Estado e incomodou os planos de Pombal após o terremoto. O padre 
aproveitou o acontecimento para proferir pregações públicas de sentido ambíguo, o 
que Pombal entendeu como mensagens subliminares contra a sua pessoa. 
Arthur Cezar Ferreira Reis dedicou o seu trabalho de historiador ao espaço 
amazônico. Ferreira Reis dá demasiada ênfase à geografia amazônica, o que nos leva a 
entender que para esse autor, o meio ambiente foi de fundamental influência para a 
história social da região e, seguindo a linha de Caio Prado Júnior e Celso Furtado, 
divide a história econômica colonial da Amazônia em ciclos. Primeiramente, o ciclo 
das drogas do sertão (XVI-XVII), em que os colonos coletavam as riquezas oferecidas 
espontaneamente pela natureza, seguido pelo segundo ciclo, o da experiência agrária 
(XVIII), em que o trabalho sistemático e racional da terra passa a ser valorizado. 
O segundo ciclo foi inaugurado no consulado pombalino, cujo início, para 
Reis, está registrado nas Instruções enviadas a Mendonça Furtado, cabendo a ele 
executá-la, o que levou o irmão de Pombal a reunir muitos esforços nesse sentido: 
“Para que à aventura da droga, sucedesse o cometimento agrário”. De fato, o artigo 6º 
das Instruções exorta o governador a incentivar a produção agrícola. A importância da 
15 
 
fundação de uma companhia monopolista, como fora a Grão-Pará e Maranhão, 
sugerida por Mendonça Furtado a Pombal, seria enlaçar o comércio amazônico ao 
europeu. Para Ferreira Reis, os resultados foram positivos, a despeito da insatisfação 
dos mercadores que não eram associados à Companhia de Comércio, porque ela teria 
alcançado aquele objetivo quando elevou o crescimento da produção exportável. No 
entanto, não encontramos nas análises de Reis, no tempo de Pombal, nada 
especificamente voltado à questão religiosa na Amazônia. 
Os autores acima citados são os que mais balizaram nossa abordagem. Isso se 
confirma pelo nosso tratamento em relação às diversas facetas do tema, tanto das 
políticas pombalinas quanto da questão jesuítica, conforme fica registrado na lista de 
fontes e na bibliografia apresentada neste estudo. Também utilizamos para o estudo 
especifico das políticas pombalinas, as pesquisas de Borges de Macedo; as cartas que 
Pombal escrevia para importantes jesuítas, que foram publicadas na coleção 
organizada por António Lopes; assim como a análise política do período pombalino 
sob a ótica de António Moreira. 
É importante salientar também os estudos sobre a ideologia pombalina, os 
aspectos econômicos e a influência de uma nova mentalidade relativa aquele período. 
Nesses aspectos, uma das obras mais elucidativas é o Testamento político de D. Luís 
da Cunha. Ainda sobre a influência jesuítica na dimensão mundana, destaca-se o 
trabalho de Paulo de Assunção sobre os negócios temporais da Companhia de Jesus no 
Brasil. Baêta Neves, por outro lado, chama atenção para um projeto jesuítico 
elaborado ainda antes do período por nós estudado, e que fora engenhado pelo padre 
Antônio Vieira. Mas é interessante notar que em relação a este tema, maiores 
informações advêm dos escritos produzidos pelos padres do Grão-Pará, na época de 
em que foram expulsos do Estado, bem como das cartas de Mendonça Furtado para o 
marquês de Pombal. 
Considerando que grande parte das polêmicas em torno da expulsão da 
Companhia de Jesus diz respeito ao enriquecimento da ordem no Estado do Pará-
Maranhão e no Estado do Brasil, ficamos por dever uma análise quantitativa que 
mensure a riqueza da mencionada ordem religiosa. O presente trabalho é insuficiente 
nesse sentido. Apesar de reconhecermos a importância desse importante aspecto, os 
dados estatísticos sobre as entradas e saídas de riquezas não só das missões como 
também em relação aos comerciantes leigos, para Lisboa, ou o número de navios que 
16 
 
entraram e saíram do porto de Belém e São Luís não compõem o escopo desta 
pesquisa. 
A informação estatística ajudaria a avaliar o argumento das ordens religiosas e 
dos comerciantes universais, os quais consideravam o monopólio, que seria ensejado 
pela fundação da companhia de comércio, desnecessário e prejudicial aos negócios 
particulares e públicos. A administração pombalina, ao contrário, encarava o recurso 
ao monopólio como necessário para o fomento do comércio. Uma análise dos dados 
comerciais, antes do estabelecimento da Companhia Geral, poderia fornecer números 
que corroborassem ou questionassem alguns dos argumentos de Mendonça Furtado, o 
qual defendia a existência de uma companhia de comércio como instituição 
fundamental ao desenvolvimento econômico. Por outro lado, a informação estatística 
poderia contribuir para desvendar possível artifício engenhado pelo governador a fim 
de justificar a fundação da companhia de estanco com o objetivo de concentrar o 
comércio dentro dos interesses estatais de Portugal. 
A estrutura desta dissertação foi elaborada com o intuito de demonstrar o papel 
relevante da Companhia de Jesus no império colonial lusitano, para em seguida 
esclarecer sua incompatibilidade com uma nova mentalidade de poder em ascensão em 
Portugal. O consulado pombalino engendrou projetos reformistas que iam contra o 
antigo papel desempenhado pela Companhia de Jesus na América portuguesa. O 
Estado do Grão-Pará e Maranhão foi escolhido para ensaiar algumas das medidas 
típicas da Era Pombalina. 
No primeiro capítulo, contextualizamos Portugal no cenário europeu, 
ilustramos os desafios para manutenção de sua soberania e do seu Império Colonial no 
jogo da competição com os demais reinos do mesmo continente. A independência 
portuguesa se deve, em grande parte, ao alinhamento diplomático com a Inglaterra. No 
entanto, daquela aliança excessiva resultaram efeitos perversos para a administração 
portuguesa que exigiriam correções no futuro. As soluções originais para inúmeros 
problemas da vida política portuguesa, desde a dependência e fragilidade de sua 
política externa, ou mesmo da defasagem da intelectualidade nacional, partiu de um 
grupo que representava a ilustração em Portugal, denominados de “estrangeirados”, o 
qual fazia parte o marquês de Pombal. 
No capítulo posterior, discorremos sobre a fundação da Companhia de Jesus, o 
espírito da organização e os seus objetivos institucionais, para em seguida analisar o 
rápido poder que alcançaram em Portugal, em razão da união de interesses entre o seu 
17 
 
projeto e o da coroa portuguesa durante o amadurecimento da sua colonização 
ultramarina. No terceiro capítulo, partimos à análise da importância que os jesuítas 
tiveram na colonização portuguesa, desde os seus primórdios, e também como foram 
relevantes para o estabelecimento dos lusitanos na América portuguesa. Depois do 
enfoque abrangente do papel dos jesuítas na América portuguesa, evidenciamos aqui 
os trabalhos da Companhia de Jesus no Estado do Grão-Pará e Maranhão, que são de 
grande importância para os objetivos de nossa análise. 
No quarto capítulo da segunda parte da dissertação,apresentamos o Projeto 
Português para a Amazônia. Justificamos a existência de um projeto específico da 
coroa portuguesa para aquela região, baseando-nos em documentação emitida pelos 
reis de Portugal: as Instruções Secretas enviadas ao governador Mendonça Furtado e 
as cláusulas do Tratado de Madrid assinado entre Portugal e Espanha. As medidas 
sinalizavam a marca da gestão pombalina. A aplicação da proposta de modernização 
da Amazônia ficou na responsabilidade do novo governador do Grão-Pará e 
Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. O governador, que era meio-irmão 
do marquês de Pombal procurou aplicar as medidas reformistas em obediência às 
Instruções Secretas, regimento que continha vontade expressa do monarca lusitano. 
No quinto capítulo, expusemos a tentativa de aplicação do Projeto Português 
para a Amazônia. Apesar de sua factibilidade, o Projeto esbarrou na oposição de 
vários setores da sociedade local e, aparentemente, também na má-vontade da 
Companhia de Jesus local. Isso por que, com o tempo, os jesuítas paraenses ganharam 
determinado poder e relevância, muitas vezes, superior ao poder dos funcionários 
burocráticos dentro do Estado. Eles perceberam nas reformas propostas alguns 
inconvenientes em relação ao funcionamento do seu projeto, o missionário, que 
caminhava paralelo ao estatal. Finalmente, no sexto e último capítulo, evidenciamos as 
consequências resultantes da consolidação das reformas pombalinas na Amazônia. A 
radicalização dos partidos antagônicos no Grão-Pará e também no reino de Portugal – 
entre representantes da ilustração, liderados Pombal, contra poderes conservadores, 
encabeçados pela Companhia de Jesus –, resultou em luta aberta em que o resultado 
foi a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal. 
 
 
 
 
18 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PARTE I – PORTUGAL, SEUS DOMÍNIOS E A COMPANHIA 
DE JESUS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
19 
 
 I. Portugal no Contexto Europeu e suas Circunstâncias Ultramarinas 
 
 
Podemos dizer que o Estado português surgiu em sua forma embrionária ainda 
no século XI, se partirmos do pressuposto de que o seu nascimento é resultado da 
fundação do pequeno feudo denominado Condado Portucalense (1095). A autonomia 
do Condado, que nunca foi totalmente aceita por Castela, era alvo de constante 
ameaça, uma vez que qualquer desagregação do tecido social, ou conflito político mais 
sério, sinalizava para os castelhanos a possibilidade de tentar avançar contra o 
pequeno território, a fim de controlar a totalidade da península ibérica mediante sua 
anexação. De fato, essa perspectiva concretizou-se, por exemplo, durante a Revolução 
de Avis (1383-1385), deflagrada por uma crise dinástica em que parte da nobreza se 
posicionou em prol da união com os castelhanos. Eclodida a guerra aberta entre os 
dois reinos, o exército luso sai vencedor rechaçando Castela na Batalha de Aljubarrota 
(1385). Portugal teve parte de sua vitória graças a ajuda prestada pela nação inglesa 
que, no campo diplomático, prestou algum suporte durante o conflito bélico. 
Imediatamente após a guerra, as boas intenções entre ingleses e os lusos levou à 
assinatura do Tratado de Windsor (1386), que em substância previa reciprocidade em 
assistência militar e favores comerciais.1 
Posteriormente, em 1580, pairou novamente a ameaça do domínio castelhano, 
mais uma vez em razão de nova crise sucessória. Dessa feita, as Cortes reunidas em 
Tomar deliberaram pela aceitação do domínio Habsburgo, que chegou a durar 60 anos 
(1580-1640) – período que interrompeu provisoriamente a aliança com a Inglaterra, 
que era inimiga da Espanha, e tornou os Países Baixos de antigos aliados em 
irrevogáveis rivais de Portugal no domínio pelo comércio do Brasil. Desse modo, 
observa-se a situação delicada do reino lusitano: cobiçado e carente de um exército 
satisfatório, administrava um Império Colonial de proporções normalmente 
inimaginável para as dimensões de suas forças política e militar. 
O trunfo à preservação de sua soberania esteve desde sempre articulado em 
estratégias formuladas no campo diplomático. Para Portugal, residiu justamente na 
 
1 Cf. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve história de Portugal. 2. ed. Lisboa: Presença, 2001. p. 117. & 
NOVAIS, Fernando. Portugal e o Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Editora 
Hucitec, 1978. p. 20-21. 
20 
 
trama das relações internacionais a chave para a manutenção não só de sua fronteira 
europeia, mas também do seu império marítimo, o que depois da sua expansão no 
século XVI, tendia para o desaparecimento na Ásia ou África (em contraste, cabe 
ressaltar que na América suas possessões estavam em expansão). Em virtude das 
desvantagens de poderio bélico em relação aos seus concorrentes europeus, sua 
política externa pautava-se pela neutralidade e procura por alianças com nações mais 
poderosas para manter sua soberania. 
Essa estratégia de neutralidade por parte do reino lusitano ainda era mantida no 
século XVIII, século do despotismo esclarecido de Dom José I e seu mais destacado 
ministro, o marquês de Pombal. Em uma Europa dominada por Inglaterra e França, os 
demais Estados orbitavam ao redor destes dois pólos conforme seus interesses. 
Portugal manteve aliança com a Inglaterra. Esse cenário foi possível em face de um 
dos eventos mais significativos do século XVII, o declínio da hegemonia mundial 
espanhola; processo que se confirmou nos acordos celebrados em Utrecht e Halstaat 
(1713-1715), os quais modificaram o equilíbrio de poder entre as potências europeias, 
a partir de então lideradas por Inglaterra e França, à qual Espanha se aliou. Portugal há 
muito na condição de estrela de segunda grandeza no cenário internacional, 
aprofundou a disposição de reforçar a aliança com a Inglaterra, motivo pelo qual 
realizou acordos com os ingleses para manter a existência de seus domínios 
ultramarinos, – principalmente o americano – assim como a sobrevivência da 
metrópole constantemente ameaçada pelo fantasma de uma nova invasão espanhola. A 
independência de Portugal aceita pela Espanha em 1658 inaugurou um período de 
intensa procura da casa de Bragança por garantias na defesa da soberania nacional e 
proteção do território colonial. 
Portanto, um dos maiores alicerces da proteção portuguesa seria o 
recrudescimento das tradicionais relações externas com a Inglaterra, a exemplo da 
celebração do Tratado de Windsor (1386) com o fim da Revolução de Avis (1385). O 
primeiro tratado anglo-português após a restauração da autonomia do reino lusitano é 
celebrado em 1642, entre Carlos I, Stuart, e D. João IV. Nele, constava que Portugal, 
para obter apoio político e militar dos ingleses, abriria para eles seus portos na 
península e suas colônias na África e na Índia. Acordo emergencial em decorrência do 
fato de que ao fim da União Ibérica, Exército e Marinha portuguesa não se 
encontravam modernizados. Além disso, seus melhores generais tinham sido 
21 
 
voluntariamente incorporados por Castela.2 Também foram concedidos em Portugal 
privilégios especiais aos comerciantes ingleses lá residentes: ficou estipulada a 
obrigatoriedade de Portugal adquirir mercadoria inglesa em navios de mesma 
bandeira. Posteriormente, novo tratado celebrado em 1654 entre as mesmas nações, 
praticamente uma imposição de Oliver Cromwell, beneficiava os ingleses com o 
comércio, o transporte e também com a abertura do mercado brasileiro à exceção de 
alguns produtos, além de tolerância às práticas religiosas inglesas.3 
Em 1661, por ocasião do casamento de Catarina de Bragança com Carlos II da 
Inglaterra, foram selados acordos que reforçaram tratados anteriores.4 Dom João IV, 
que havia assinado em 1641 uma trégua com os holandeses, antes que ela expirasse, 
apressou-se em oficializar o consórcio da filha com CarlosII, para assim obter maiores 
garantias defensivas contra aquela potência marítima que já havia arrancado grandes 
quinhões dos domínios ultramarinos portugueses. Mas o acerto das bodas, que 
ocorreria em 1661, custou para Portugal, como dote, o sacrifício da Ilha de Bombaim e 
da praça de Tânger, acrescidos de dois milhões de cruzados. Poucos meses depois do 
acordo, os castelhanos invadiram Portugal e chegaram a tomar o controle de Évora, 
mas o avanço foi repelido com a ajuda de soldados ingleses. 
Assim, a despeito da Paz de Vestfália (1648), que arquiteta uma nova ordem 
entre os Estados europeus, e na historiografia é apontada como marco inicial do 
sistema moderno do Estado-Nação, a ameaça castelhana continuava uma constante, 
com refregas frequentes entre os dois países no âmbito da península ibérica. Se tudo 
isso não bastasse, no ultramar persistia a ameaça batava na incansável luta pelo 
controle do comércio mundial do açúcar. Além disso, o Tratado Hispano-Holandês 
(um dos tratados que compõe a série de diplomas da Paz de Vesfália) libera a Espanha 
do esforço de guerra até então concentrado no palco da Europa Central, fato este que 
aumenta os receios portugueses em relação à investida espanhola intensificada contra 
sua independência. Concernente à Paz de Vestfália, Giovanni Arrighi ressalta ainda 
que: 
 
 
2 Cf. MARQUES, A. H. de Oliveira. op. cit. p. 301. 
3 Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. O Marquês de Pombal e a sua época. São Paulo: Alameda, 2004 p. 39-40. 
4 Cf. MOREIRA, Antônio. Desenvolvimento industrial e atraso tecnológico em Portugal na segunda metade do 
século XVIII. In: SANTOS, Maria Helena Carvalho dos. Pombal Revisitado. Vol. II. Editorial Estampa. Lisboa, 
1984. p. 16. 
22 
 
O sistema mundial de governo criado em Vestfália teve também um objetivo 
social. À medida que os governantes legitimaram seus respectivos direitos 
absolutos de governo sobre territórios mutuamente excludentes, estabeleceu-se o 
princípio de que os civis não estavam comprometidos com as disputas entre os 
soberanos. A aplicação mais importante desse princípio deu-se no campo do 
comércio. Nos tratados que se seguiram ao Tratado de Vestfália, inseriu-se uma 
cláusula que visava a restabelecer a liberdade de comércio (...). 5 
 
Portugal respirou com duplo alívio em relação à Espanha e aos Países Baixos 
quando no dia 3 de fevereiro de 1668, Dom Afonso VI, o rei português, e Carlos II de 
Espanha assinaram o Tratado de Paz, em que o vizinho ibérico reconhecia a absoluta 
independência de Portugal. O mediador do concerto foi Carlos II da Inglaterra.6 
Finalmente, em julho de 1669, foi firmado com os Países Baixos um tratado de paz, 
aliança e comércio, situação ratificada com o Tratado de Transação de 28 de 
novembro de 1692.7 
Desse modo, pode-se afirmar, sem grandes exageros, que ao longo da História 
do seu Império Marítimo, desde o período dos Descobrimentos, Portugal, algumas 
vezes, viu-se na injunção de utilizar suas colônias como moedas de troca para 
preservar sua soberania ou seu domínio sobre a parte mais lucrativa do seu Império 
Ultramarino. Conforme assinalou Fernando Novais, "(...) no plano político 
internacional, a preservação do ultramar português se torna condição mesma da 
existência da metropolitana; é a sua moeda de garantia”.8 A mesma tese foi 
anteriormente defendida por Borges de Macedo, para quem “(...) a independência 
portuguesa – sem o contrapeso e o veículo marítimo de auxílio, estaria em perigo, num 
equilíbrio continental que lhe seria fatalmente desfavorável.” 9 Assim, a aliança 
inglesa foi a pedra angular dos esforços da diplomacia portuguesa para atingir aquele 
fim. 
Não de somenos importância na pauta estratégica da diplomacia portuguesa, 
foi o reconhecimento da fragilidade de Portugal, que urgiu pela manutenção da 
neutralidade nos conflitos europeus. Embora no geral, bem-sucedido na estratégia, o 
país não conseguiu passar incólume à Guerra de Sucessão Espanhola (1701 - 1713) e à 
Guerra dos Sete Anos (1756 - 1763). A França, muitas vezes, teve intenções de 
 
 5 ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto. São Paulo: Editora UNESP, 1996. p. 43 
6 Cf. SOARES, Álvaro Teixeira. O Marquês de Marquês de Pombal. Brasília: UnB, 1983. p. 22. 
7 Ibid., p. 24. 
8 NOVAIS, Fernando. op. cit. p. 55. 
9 MACEDO, Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal: alguns aspectos. 2. ed. Lisboa: Editores 
Moraes, 1982. p. 61. 
23 
 
sabotar a aliança luso-inglesa, na medida em que auferia, com a aliança espanhola, 
proveitos comerciais do Império Colonial Hispano-Americano, que poderiam ainda ser 
multiplicados em um hipotético alinhamento luso-francês. Na Guerra de Sucessão 
Espanhola, iniciada em 1701, Portugal, em primeira instância, reconheceu a ascensão 
de Felipe d’Anjou, um Bourbon e neto de Luís XIV, ao trono de Espanha (Carlos II, 
Habsburgo, por não deixar herdeiros indicou Felipe d’Anjou como seu sucessor). 
Desse modo, Portugal apoiou a situação, deixando a Espanha na condição de reino 
aliado e vassalo da França, o que geraria desequilíbrio no jogo de forças do contexto 
internacional. A precipitação de Dom Pedro II de Portugal foi uma resposta às 
calorosas promessas de cooperação de Luís XIV feitas a um reino lusitano já então 
sufocado pela aliança britânica. A França, que se articulava para uma esperada crise de 
sucessão na Espanha, esboçou uma estratégia de aproximação entre Portugal e o eixo 
franco-espanhol. 
Parecia se desenhar entre Portugal, França e Espanha a possibilidade real de se 
formar uma inédita coalizão. Dando continuidade à aproximação com os franceses, 
Dom Pedro II de Portugal, conforme acordado no Tratado Provisional de 4 de março 
de 1700, comprometeu-se em abdicar das suas pretensões no norte do estuário do 
Amazonas, garantindo a destruição dos fortes construídos e a evacuação dos colonos. 
Posteriormente em Lisboa, no dia 18 junho de 1701, as duas monarquias ibéricas 
assinaram um tratado de aliança mútua e, em contrapartida, a Espanha tinha de ceder 
definitivamente o litigioso território da Colônia do Sacramento aos lusitanos. 
Finalmente, no mesmo dia e cidade, Portugal e França subscrevem um tratado de 
aliança, que garantia o cumprimento do testamento do rei Carlos II da Espanha.10 
Ainda em Lisboa, o embaixador da França em Portugal, Rouillé, conseguiu um projeto 
de aliança, em que Portugal se comprometeria a fechar seus portos aos inimigos 
franceses. 
Dividida a diplomacia portuguesa entre a manutenção da aliança inglesa e o 
ensaio de uma nova aliança francesa quando a neutralidade parecia inexequível, Dom 
Pedro II optou pela primeira. A aproximação com a França tinha como objetivo 
primordial reforçar a neutralidade e, portanto, a não-participação em conflitos. Assim, 
com a inevitabilidade da guerra generalizada na Europa, eclodida pela rivalidade 
anglo-francesa, os diplomatas portugueses, que perceberam da parte de Felipe V 
 
10 Cf. SOARES, Álvaro Teixeira. op. cit. p. 25. 
24 
 
d´Anjou certo pendor hegemônico sobre seu país, além do perigo de uma guerra naval 
contra as duas maiores potências marítimas de então (Inglaterra e Holanda que eram 
inimigas declaradas de França e Espanha), conjeturaram a voltar ao velho e seguro 
alinhamento com os ingleses – principalmente por que as promessas de Rouillé, de que 
certo suporte naval seria fornecido aos portugueses, jamais foram cumpridas. Por 
outro lado, havia a promessa da parte dos aliados (composta principalmente pela 
Inglaterra, Países Baixos e Áustria) de entregar a Portugal, em caso de vitória, várias 
cidades espanholas na Galiza e Estremadura.11 Assim, os imperativos da conjuntura de 
então, recrudesceram a aliança anglo-portuguesa. 
Embora Portugal ainda tenha ensaiado um emparelhamentofrancês no intuito 
de se desvincular da excessiva dependência inglesa, a eclosão da guerra fez com que a 
Rainha Ana da Inglaterra despachasse para Lisboa, na condição de embaixador 
britânico, o antigo Chanceler da Irlanda, John Methuen, com o objetivo de trazer 
Portugal definitivamente para o seu lado. Dessa forma, foram assinados os 
“famigerados” Tratados de Methuen.12 O primeiro como aliança ofensiva e defensiva 
(maio de 1703) e o segundo com caráter econômico (dezembro de 1703). Tais 
tratados, no juízo severo de Lúcio de Azevedo, fariam de Portugal “(...) a mais 
excelente colônia da Grã-Bretanha”13, porque colocava definitivamente o comércio 
nacional nas mãos dos britânicos. Da parte dos ingleses, um dos objetivos do tratado 
era escoar para Portugal produtos de pano e outras manufaturas laníferas em troca de 
vantagens fiscais em relação aos vinhos portugueses, diminuindo assim a dependência 
da produção vinícola francesa. O Tratado de Methuen, como é largamente sabido, é 
acusado de desestruturar as manufaturas portuguesas, até então protegidas pelo 
governo, o qual impedia a entrada de produtos manufaturados laníferos estrangeiros.14 
Portugal conseguiu manter a neutralidade na Guerra de Sucessão Austríaca 
(1740-1748), mas não evitou sua participação na Guerra dos Sete Anos (1756-1763). 
O conflito representou um choque de interesses continentais entre a Áustria e a 
Prússia, mas, sobretudo, uma luta entre França e Inglaterra, que disputavam as 
possessões coloniais atlânticas, questão que também era do interesse português. A 
 
11 Acordo fixado em dois artigos secretos no tratado de aliança de maio de 1703 quando obteve, de fato, com o 
findar da guerra e a assinatura do tratado de Utrecht, o reconhecimento dos direitos de navegação e comércio do 
rio Amazonas, dos terrenos a norte do mesmo, e a restituição da Colônia de Sacramento. 
12 Cf. SOARES, Teixeira. op. cit. p. 28. 
13 AZEVEDO, João Lúcio de. op. cit. p. 220. 
14 Cf. CORTESÃO. Jaime. Alexandre de Gusmão & o Tratado de Madrid. São Paulo: FUNAG, 2006. Tomo I. p. 
45. 
25 
 
crise foi originada pelo “Pacto de Família” – assinado em agosto de 1761 pela França, 
Espanha e o Duque de Parma e representou a tentativa de unir as monarquias de 
sobrenome Bourbon, a qual Portugal foi intimado a participar. A contenda mais uma 
vez reafirmava a incapacidade portuguesa de se defender valendo-se de seus próprios 
meios, uma vez que o auxílio à sua defesa foi organizado pela Inglaterra que, apesar 
da parcimoniosa ajuda sob o comando de Lorde Tirawley (seis regimentos de 
infantaria, um de cavalaria e armas), desembarcou suas tropas em Portugal, onde o 
precário exército nacional era comandado pelo conde Lippe. 
 
 
1.1 Domínios Sul-Americanos – Ocupação dos Territórios e os Tratados de limites 
 
 
Desde a Restauração (1640), a economia colonial portuguesa ficou cada vez 
mais dependente das riquezas do Brasil, fenômeno denominado pela moderna 
historiografia de “Atlantização” da economia ultramarina portuguesa.15 Depois da 
perda de entrepostos comerciais nas Índias e a tendente desvalorização das 
mercadorias ali obtidas, o comércio brasileiro ascendeu como componente 
privilegiado pelos interesses lusitanos. O complexo colonial brasileiro fornecia 
mercadorias como açúcar e tabaco, além de bons negócios com o tráfico de escravos e 
a extração de metais preciosos. Se os problemas comerciais oriundos da falta de 
regulamentação e de instituições públicas ineficazes assombravam as finanças no 
reino, o Brasil de forma análoga sentia seus reflexos. Entrementes, havia o problema 
adicional da ambigüidade dos limites fronteiriços na América do Sul. Com o fomento 
da competição colonial, Espanha e Portugal articulavam-se para definir oficialmente 
as linhas limítrofes daqueles espaços. 
Os primeiros tratados celebrados entre Castela e Portugal para demarcar o 
território americano aconteceram em 1493 e, posteriormente, foi assinando, em 1494, 
o Tratado de Tordesilhas, que anulou o anterior de 1493. O Tratado estipulava que as 
novas terras descobertas ficavam dividias entre Castela e Portugal, e, por convenção, 
uma linha divisória deveria restringir os portugueses no Ocidente, no limite de 370 
léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Realizados numa época em que a cartografia, 
 
15Cf. MATTOSO, José. op. cit. p. 98. 
26 
 
a astronomia e os instrumentos de medição eram ainda rudimentares para os padrões 
atuais, restaram muitas incertezas em relação ao exato ponto de passagem do 
meridiano latitudinal. Também foi urgente realizar o novo tratado, o de Saragoça 
(1529), para estabelecer o ponto de encontro oriental do meridiano, que se deslocava 
do Ocidente em direção àqueles confins do mundo. Desnecessário dizer que tais 
intentos não vingaram. Eles restaram em letra morta com a simples entrada de outros 
reinos na competição pelo controle comércio colonial marítimo, que ignoraram os 
tratados que não foram consultados ou que não fizeram parte durante as negociações. 
Além disso, o território americano era vasto demais para que as nações ibéricas 
pudessem fazer frente a tais investidas. No entanto, entre os remotos pactuantes, os 
tratados ainda eram evocados em casos pontuais, a exemplo dos frequentes litígios 
entre os colonos castelhanos e os lusitanos nas zonas fronteiriças, entre os dois 
impérios na América do Sul. Os luso-brasileiros em contínua expansão ocuparam e 
colonizaram a hinterlândia do continente. A interiorização resultou principalmente da 
necessidade de ocupar certos pontos do litoral além dos limites oficiais de Tordesilhas. 
Dessa forma, podemos dizer que são três os fatores que fizeram com que a fronteira 
do Tratado de Tordesilhas fosse desrespeitada pelos moradores do Brasil, são eles: a 
busca por metais precisos, a captura de índios, a prática da pecuária e a necessidade de 
ocupar territórios, que, a despeito de sua localização, estava fora dos limites 
estipulados entre Portugal e Espanha, obrigando, por razões estratégicas, que os 
moradores invadissem a parte que pertencia aos espanhóis. 
Os luso-brasileiros não encontraram entraves para ocupar, no Norte, a foz do 
Amazonas e os colaterais que compunham sua bacia. Para tanto, em 1616, fundaram a 
povoação estratégica de Santa Maria de Belém para tomar conta da entrada do 
Amazonas. No Sul, a expansão paulista culminou na fundação da Colônia do 
Santíssimo Sacramento, em 1680, com a finalidade de dar continuidade, após o fim da 
União Ibérica, ao desvio do fluxo da prata extraída desde Potosí, no vice-reino do Peru 
– sem mencionar, todavia, as ininterruptas incursões para o Centro-Oeste. Dessa 
maneira, controlavam, à margem dos dois mais caudalosos rios, os dois principais 
pontos de acesso ao interior do continente. 
Apesar da coroa portuguesa ocupar territórios que extrapolavam os limites do 
Tratado de Tordesilhas, permanecia a questão da legalidade duvidosa daquelas 
possessões. A maior e talvez a única zona de grande atrito tenha sido a região das 
Missões Orientais do Uruguai, localizada na província jesuítica no Paraguai, região da 
27 
 
bacia do Prata. As Missões fundavam-se em povoados onde viviam os índios que 
estavam sob a tutela dos padres jesuítas espanhóis. Os povoados eram um todo 
orgânico sofisticado, bem-sucedidos em sua gestão, auto-suficientes em termos 
econômicos e gozavam de autonomia administrativa. Foi justamente nessa pequena 
localidade, onde as fricções entre luso-brasileiros e espanhóis, mais especificamente os 
padres espanhóis da Companhia de Jesus, alcançaram o paroxismo. Não raro, 
sertanistas brasileiros efetuavam nos Sete Povos ou regiões adjacentes redes com o 
escopo de escravizar os habitantes indígenas das povoações. Para exemplificar, 
salienta-se o caso da Província do Guairá (atual Paraná), que apenas noséculo XVII 
sofreu inúmeras investidas. O território foi invadido em 1606 e 1612 pela bandeira dos 
irmãos Manuel, em 1612 por Sebastião Preto, em 1623 por Fernão dias Paes, em 1627 
por Paulo do Amaral e Raposo Tavares e, novamente, em 1629 por Manuel Preto. 
Somente entre 1628 até meados de 1630 foram capturados, pelos padres espanhóis da 
Companhia de Jesus, no Guairá, aproximadamente 40 a 60 mil guaranis dos 
aldeamentos administrados.16 
Ademais, a coroa espanhola incentivava o desenvolvimento missionário na 
América Meridional, na medida em que as povoações funcionavam no sentido duplo 
de ser uma continuidade da política também expansionista castelhana, ao mesmo 
tempo que detinham o avanço luso-brasileiro no território espanhol, conforme afirma 
Quevedo, para quem: “(...) a Missão funcionou geopoliticamente no sentido de coibir a 
tal expansão mercantilista, escravista e geopolítica (dos luso-brasileiros).” 17 Assim, 
surgia a “(...) a necessidade de disporem povoados próximos, para dar maior segurança 
e transformá-los numa barreira eficaz ante o perigo luso.” 18 Cabe lembrar que as 
missões receberam autorização para armamento dos índios para defesa de sua 
propriedade e do território espanhol. Os lusitanos astutamente utilizavam o Prata para 
práticas comerciais, de onde conseguiam razoáveis quantidades de prata 
contrabandeada. 
Aparte os conflitos entre os colonos, de ambos os Impérios coloniais, persistia 
a necessidade de ver definida e legitimada, diante da comunidade internacional, as 
fronteiras sul-americanas. Isso por que no século XVIII ninguém questionava se as 
 
16 Cf. ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e 
XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 192. 
17 QUEVEDO, Júlio. As missões: crise e redefinição. São Paulo: Ática, 1993. Série Princípios. p. 37. 
18 Ibid., p. 37. 
28 
 
nações ibéricas, i.e., Espanha e Portugal, tinham pleno direito à totalidade da America 
do Sul (à exceção das Guianas e Suriname). Por conseguinte, Castela e Portugal 
necessitavam assinar um tratado de caráter definitivo para pôr fim às ambigüidades de 
ordem territorial, sobretudo quando a economia e a estratégia diplomática de ambos 
dependiam cada vez mais das receitas coloniais. Exceto que, dessa vez, o ajuste seria 
embasado numa considerável quantidade de ordenações, que resultaram de 
convenções anteriores e que serviriam de base para a elucubração do que viria a ser 
praticamente o tratado definitivo, o Tratado de Madrid de 1750. Curiosamente, o 
Tratado, tão custoso em suas negociações e demarcações, acabou revogado em 1761, 
com a assinatura do Tratado de El Pardo. Porém, constatamos que acordos posteriores 
como o Provisional (1777) e o Tratado de El Pardo (1778) terminaram por restaurar, 
em linhas gerais, a anterior proposta do Tratado de Madrid. Daí o maior destaque 
histórico do Tratado de Madrid em comparação com os subsequentes.19 
A Paz de Utrecht (Países Baixos) põe fim à Guerra de Sucessão Espanhola 
(1701-1714), em que estava em jogo interesses de várias potências europeias. 
Derrotada a França de Luís XIV pela Inglaterra, à qual Portugal estava associado, a 
diplomacia portuguesa, tendo como chefes da negociação Dom Luís da Cunha e do 
Conde da Silva Tarouca, logrou oficializar o reconhecimento, por parte da França, da 
soberania portuguesa nas terras do Cabo do Norte (atual Amapá). Assim, conforme 
artigo VIII, do Tratado de Utrecht: 
 
Sua Majestade Cristianíssima desistirá para sempre, como presentemente desiste 
por este Tratado pelos termos mais fortes (...) qualquer direito e pretensão que 
pode, ou poderá ter sobre a propriedade das Terras chamada do Cabo do Norte, e 
situadas entre o Rio das Amazonas e o de Japoc ou de Vicente Pinsão, sem 
reservar, ou reter porção alguma das ditas terras, para que elas sejam possuídas 
daqui em diante por Sua Majestade Portuguesa.20 
 
Logo, estabelecia-se o Rio Oiapoque como fronteira natural entre ele e a região 
francesa de Caiena. Por sua vez, o Artigo X reconhecia definitivamente o direito 
exclusivo dos portugueses sobre navegação e uso do Rio Amazonas. Posteriormente, 
coube aos Habsburgos, como ônus da derrota, assinar o acordo de Utrecht de 6 de 
fevereiro de 1715. Com o acordo, Portugal, além de anexar ao seu território alguns 
espaços no continente europeu, teve como vitória mais importante o compromisso de 
 
19 Cf. GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das 
fronteiras do Brasil. p. 205-208. 
20 Tratado de Utrecht. Disponível em: < http://www.info.lncc.br/utrech1.html.> 
29 
 
Sua Majestade Católica, conforme artigo V e VIII, em ordenar o governador de 
Buenos Aires a entregar prontamente a Colônia do Sacramento dos lusitanos.21 
Mas os moradores de Buenos Aires, indignados com a ideia de restituir 
Sacramento aos portugueses, impuseram-lhe rapidamente um bloqueio pelo mar e 
terra. Como afirmou Jaime Cortesão, “(...) o Tratado de Utrecht, de 1715, não era mais 
do que um compromisso dúbio e o adiamento, a prazo incerto, dum conflito real, 
dissimulado na letra do convênio”.22 Os eventos demonstravam a inevitabilidade de 
empreender nova negociação para superar irresolutas e antigas incertezas. 
O reinado de Dom João V (1701-1750) foi considerado o momento propício às 
maquinações de um novo acordo territorial. O longo reinado, que durou quase a 
totalidade da segunda metade do século XVIII, consolidou o já propenso absolutismo 
lusitano, conjunturalmente favorecido para pretensões do gênero. Não obstante Dom 
João V haver sido entronizado durante a Guerra de Sucessão Espanhola, o reinado 
viria a coincidir na maior parte de sua duração com período de relativa paz na Europa, 
sendo fartamente beneficiado com o descobrimento das minas auríferas e dos 
diamantes no Brasil. O período joanino terminou foi um reinado de opulência 
perdulária e afirmação do absolutismo lusitano, surgindo inevitáveis comparações de 
Dom João V com Luís XIV, o que o levou a ser cognominado de Roi Soleil português. 
Entretanto, seria errôneo pensar em Dom João V apenas como um rei frívolo. 
Embora somas exorbitantes do ouro brasileiro terminassem consumidas em futilidades 
festivas e edifícios religiosos – cujo símbolo foi o gigantesco convento de Mafra –, o 
rei encarava conscienciosamente os assuntos do Estado. O rei Dom João V operou 
uma reforma administrativa que reforçava o seu poder absoluto, concentrando nas 
mãos de poucos ministros a gestão do reino. Pelo alvará de 28 de julho de 1736, foram 
criadas as três Secretarias de Estado: a dos Negócios do Reino e Mercês, dos Negócios 
da Marinha e Ultramar, e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. 
Uma de suas obras mais significativas de D. João V foi o investimento na 
ocupação e na colonização de espaços no Brasil, a exemplo de Santa Catarina e do Rio 
Grande do Sul. A medida, na observação de Jaime Cortesão, funcionou como uma 
“(...) sábia e metódica preparação do uti possidetis.”, o que serviria futuramente na 
requisição de Portugal de espaços estratégicos nas fronteiras coloniais.23 Ademais, 
 
21 Ibid. 
22 CORTESÃO, Jaime. op. cit. p. 179. 
23 Ibid., p. 67. 
30 
 
parte das riquezas auríferas contribuiu à edificação de praças e às fortalezas ao longo 
da costa no Brasil, desde o Rio de janeiro até o Sul. 24 Dom João V não apenas 
enxergou a importância do comércio colonial luso-brasileiro, como também agiu na 
tentativa de solidificar o domínio português no Brasil. 
Outro aspecto fundamental a ser destacado no período joanino foi a promoção 
de certo desenvolvimento científico em Portugal. Dom João V importou alguns 
intelectuais europeus para a renovação da ciência. Em seu reinado, também, foi 
construídaa fundação da Academia Real de História Portuguesa (1720). Podemos 
dizer que D. João foi o grande mecenas da Academia. Nas renovadas Academias 
Militares, também fundadas no período, foram preparados engenheiros, geógrafos e 
cartógrafos que constituíram amplo quadro de profissionais, os quais se destacaram em 
suas respectivas especialidades e se adiantaram na realização de uma gama de 
experimentos nos espaços estratégicos na América, tanto na construção de 
fortificações quanto esboços cartográficos. De tal modo, que mesmo antes da 
execução do acordo de limites, Portugal havia se adiantado na realização de uma série 
de experimentos nos espaços estratégicos na América. Curiosamente, na esteira de 
algumas dessas inovações, constata-se alguma influência do pensamento iluminista em 
Portugal, tendo em vista que o país era apontado como o reino defasado na atualização 
de ideias na Europa. Assim sendo, aquelas decisões, de algum modo, forneceram 
instrumentos para a preparação do que seria o Tratado de Madrid, um dos feitos mais 
significativos do reinado de Dom João V.25 
Ambas as coroas buscavam soluções pacíficas para resolver as divergências de 
fronteiras na América. Em 13 de janeiro de 1750, as coroas assinavam o Tratado de 
Madrid, composto de 36 artigos. Em primeiro lugar, as coroas anulavam o Tratado de 
Tordesilhas e o de Saragoça. Posteriormente, deixavam claro que a base do ajuste 
consistia no princípio do uti possidetis, que reconhece a soberania do território em 
 
24 Ibid., p. 67. 
25Coube a Alexandre de Gusmão a incumbência de ser principal artífice e negociador de um tratado de fronteiras 
com Espanha. Nascido em Santos, passou pela universidade de Coimbra, estudou Direito na Sorbonne, e era 
polivalente em conhecimentos que iam desde a literatura, matemática, mecânica ou a filosofia empirista, sendo 
grande apreciador de Newton. Sobre o Brasil, escreveu o tratado intitulado Resumo histórico, cronológico e 
político do descobrimento da América, obra na qual faz levantamento topográfico e descritivo das coisas da 
terra. A carreira de Gusmão diplomática deslanchou quando foi privilegiado com a nomeação de secretário do 
embaixador português na corte de Luís XIV. Futuramente seria embaixador do próprio rei em missão junto à 
Santa Sé em Roma para obter para sua majestade o honorifico título de Fidelíssimo. Bem-sucedido em sua 
missão, Gusmão voltou à corte em Lisboa para assumir o cargo de Secretário Particular de Dom João V e, 
posteriormente, ficou responsável pelo Conselho Ultramarino, daí sua nomeação como chefe responsável pelas 
negociações do tratado de limites. 
31 
 
litígio como um apanágio do Estado, que o ocupava na prática, “(...) cada parte há de 
ficar com o que atualmente possui (...)”. 26 De forma que no Oriente, Portugal abria 
mão das Filipinas. Na America, Espanha cedia à coroa de Portugal “(...) tudo o que 
tem ocupado pelo rio das Amazonas, ou Maranhão acima, e o terreno de ambas as 
margens deste rio [...] como também tudo o que tem ocupado no distrito de Mato-
Grosso” 27 No artigo XIII, Sua Majestade Fidelíssima comprometia-se em ceder para 
sempre à coroa de Espanha “(...) a Colônia do Sacramento, e todo o seu território 
adjacente a ela, na margem setentrional do Rio da Prata (...)” 28, sendo que a margem 
oriental do Rio Uruguai era de posse portuguesa, que estabeleceu que os povos que ali 
moravam, precisamente os índios tutelados pela Companhia de Jesus, deveriam se 
retirar “(...) com todos os bens móveis, e efeitos, levando consigo os índios para os 
aldear em outras terras de Espanha (...)”.29 Em resumo, os portugueses permutavam 
Sacramento pelas terras que iam do norte, compreendendo a totalidade do Alto 
Paraguai, somando-se a vastidão da bacia amazônica. Restava, todavia, colocar o 
acordo em prática. 
Foi justamente no reinado seguinte, de Dom José I, que a política portuguesa 
sofreu substancial reviravolta. Nesse reinado, aconteceu a transferência de poderes 
concentrados em grupos tradicionais, nobreza e clero, retransmitindo-os para forças 
políticas que, até então, eram relativamente marginalizadas em relação às decisões 
palacianas, que passaram a gravitar proximamente deste monarca lusitano, que seria o 
mais absolutista da história portuguesa. 
 
1.2 Estrangeirados, Regalismo e Oposição aos Jesuítas 
 
 
Um dos fenômenos mais interessantes do período josefino foi o protagonismo 
desempenhado por um grupo social denominado pela historiografia de 
“estrangeirados”, assim chamados por serem portugueses que residiram tempo 
substancial no exterior, geralmente empossados de cargos diplomáticos ou, até 
mesmo, exilados por conta de questões religiosos (caso de cristãos-novos ou de 
 
26 Tratado de Madrid. In: CORTESÃO, Jaime. op cit. p. 366. 
27 Ibid., p. 366. 
28 Ibid., p. 369. 
29 Ibid., p. 370. 
32 
 
indivíduos perseguidos pelo Santo Ofício, por conta de suas ideias), mas que não 
diminuíram seu interesse pela sociedade portuguesa e sua atualidade política. Esse 
grupo começou a ganhar espaço no reinado de Dom João V, mas se afirmou no 
primado josefino, galvanizados também por um estrangeirado, o marquês de Pombal. 
O marquês de Pombal, na condição de destacado ministro de Estado do rei Dom José 
I, consolidou os estrangeirados para o papel da nova intelligentsia nacional. 
A vivência no exterior havia dado aos estrangeirados a possibilidade de 
entrarem em contato com as idéias que, embora tivesse origem na Europa, eram 
essenciais. Porém, tais ideias eram censuradas pelo clero português. Os estrangeirados 
desenvolveram um “viés” crítico que fez com que se tornassem observadores 
contumazes da tradicional política e da mentalidade lusitana, que, substancialmente, 
em suas opiniões, estavam obsoletas a ponto de comprometer Portugal numa situação 
de defasagem intelectual e de dependência econômica. Para Francisco Falcon, os 
estrangeirados “(...) representam as novas ideias, têm uma visão ampla, criadora, são 
dotados de capacidades intelectuais que os fazem necessários à monarquia”. 30 
Sobretudo, em seu cosmopolitismo e racionalismo, demonstram hostilidade “(...) ao 
provincianismo cultural e político ao império da escolástica e ao terrorismo 
inquisitorial”.31 
Os estrangeirados inauguram um período em que o consulado pombalino 
representava as características do despotismo ilustrado – política secularizada 
resultante da afirmação do racionalismo moderno no mapa do Ocidente europeu na 
época moderna, e que na península ibérica teve o regalismo como corolário.32 Falcon 
ressalta que a principal característica do regalismo em Portugal foi o antijesuítismo; se 
o regalismo consistia na afirmação da autoridade real sobre todos os setores da vida 
 
30 FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: mercantilismo e transição. São Paulo: Brasiliense, 
1981. p. 321-322. 
31 FALCON, Francisco José Calazans. op. cit. p. 204. 
32 Em suas duas vertentes, política e religiosa, o regalismo apresentava vantagens para supremacia do Estado 
nacional e do poder régio sobre o primado do papa. Como a igreja, na prática, também representava um poder 
com funções seculares, para a monarquia a perspectiva de reforçar a supervisão tutelar da Igreja necessariamente 
resultava no fortalecimento do poder do Estado absoluto. Da perspectiva das igrejas nacionais, a 
descentralização do poder romano significava maior autonomia para a jurisdição episcopal. Dessa forma, na 
esfera religiosa, o regalismo tem afinidades declaradas com o conciliarismo (relativização do poder papal perante 
o corpo cardinalício e oposição ao dogma da infalibilidade) e o episcopalismo (recrudescimento da autoridade 
jurídica e maior independência dos bispos em suas dioceses). Longe de ser um fenômeno ibérico, teve sua 
vertente austríaca com o josefismo,na França com o galicanismo, na Inglaterra com o erastianismo e o 
jurisdicionalismo italiano. De forma análoga, visavam à reforma da Igreja dentro do próprio catolicismo, e 
estavam empenhados na luta política para reforço do poder régio. Cf. Dicionário de História Religiosa de 
Portugal. Direção de Carlos Moreira Azevedo. Apêndices J-P. p. 7-10; P-V p. 96-98. 
33 
 
social e instituições, invariavelmente se mostrava adversário da ordem religiosa mais 
influente no reino.33 A Companhia de Jesus, por sua vez, era também uma organização 
supranacional. Os estrangeirados procuraram protagonizar uma ruptura na vida 
política portuguesa.34 
Os estrangeirados apontavam aquilo que consideravam as deficiências de 
Portugal. No plano político, acreditavam que a constante intromissão do clero nos 
assuntos de Estado era claramente maléfica para um bom governo, dado que 
representavam ideias defasadas em comparação com as novas possibilidades 
oferecidas pelo Movimento das Luzes, que começara a se manifestar no século XVII, 
cuja tendência era a formação, no plano político, de um despotismo ilustrado. Como 
ironizou o historiador Boxer, o Estado português, antes da ditadura pombalina, “(...) 
era dominado pelos padres mais do que em qualquer outro país, à possível exceção do 
Tibete (...)”.35 
Dentre as figuras de proa da ilustração portuguesa, destacamos desde o início 
do século XVIII: os diplomatas D. Luís da Cunha, Alexandre de Gusmão, o Conde de 
Tarouca; os pedagogos Luís Antônio Verney e Martinho de Mendonça de Pina e 
Proença; na medicina, os doutores António Nunes Ribeiro Sanches e Jacob de Castro 
Sarmento; no pensamento econômico, o Conde de Ericeira e o advogado e diplomata 
Duarte Ribeiro de Macedo; na Matemática e Engenharia, Manuel de Azevedo Fortes, 
o 4º Conde de Ericeira, e o bacharel José da Cunha Brochado. Poder-se-ia citar outros 
nomes. Como catalisador político do movimento, citamos o espírito pragmático do 
marquês de Pombal, que não era um intelectual, mas, indubitavelmente, um 
representante do movimento estrangeirado. 
Uma das figuras mais ilustres do movimento estrangeirado foi o diplomata 
Dom Luís da Cunha. Homem de larga experiência nos assuntos estrangeiros, que 
ocupou cargos diplomáticos na Inglaterra, na República Holandesa, na França, na 
Espanha e foi o negociador português no Congresso de Paz de Utrecht e Cambrai. O 
diplomata escreveu em seu Testamento Político, entre os anos de 1747 e 1749, uma 
série de conselhos concernentes ao príncipe do Brasil, Dom José e, sobretudo, o que 
considerava as diretrizes fundamentais para bem governar o reino. Analisar o 
pensamento de Luís da Cunha é apresentar uma síntese das ideias de uma geração 
 
33 FALCON, Francisco José Calazans. Despotismo esclarecido. São Paulo: Ática, 1986. p. 28. 
34 Ibid., p. 321. 
35 BOXER, C. R. O império marítimo português. p. 202. 
34 
 
inconformada com os rumos da política portuguesa e com o atraso econômico e 
intelectual do reino, tal como o anticlericalismo de alguns setores. O pensamento de 
Cunha também representou a necessidade imediata de se tomar medidas emergenciais 
para desafogar o país. 
Logo no início do seu Testamento, o diplomata recomenda o nome de 
Sebastião José de Carvalho e Melo (marquês de Pombal) para formar o novo gabinete, 
em decorrência do seu “(...) gênio paciente, especulativo e ainda que sem vício, um 
pouco difuso, se acorda com o da nação; (...)”.36 Dom Luis da Cunha ainda advertia o 
rei para abolir o papel tradicional do confessor religioso para aconselhamento de 
questões políticas, porque estavam sempre propensos a abusar do cargo para obter 
informações valiosas e convenientes ao fortalecimento de suas congregações, parentes 
e amigos. Mas que na imperiosa necessidade de tranquilizar a consciência, “(...) que 
escolhesse de sua freguesia um cura desinteressado, prudente, de boa vida e costumes 
(...)”, evitando, sobretudo, os jesuítas, pois “(...) são os que mais estudam e por isso 
mais aptos para adotarem as opiniões que possam agradar ao confessado, se for 
príncipe e não um pobre lavrador.”37 
Para Dom Luís da Cunha, o papel do clero e da Inquisição na vida pública era 
claramente oposto a qualquer tentativa de progresso e modernização da nação. Ele 
preocupava-se com a constante incorporação de bens de raiz pela Igreja que, segundo 
suas especulações, possuía “a terceira parte do reino”.38 A perseguição aos judeus 
também era alvo de suas observações, porque era comum encontrar no exterior 
hebreus que buscaram refúgio do inclemente tribunal do Santo Ofício e que 
perseguiam também todos aqueles que fossem suspeitos de possuir antepassados 
judaicos, os chamados cristãos-novos ou velhos (a depender do tempo decorrido desde 
a conversão da ancestralidade do individuo de origem israelita). O resultado direto da 
perseguição do Santo Ofício era criar uma “fábrica de judeus”, porque a própria força 
da instituição dependia de constantes descobertas de descendentes de hebreus no reino. 
Mas a perseguição aos judeus trazia um problema maior para Portugal, que era a 
evasão de capitais levados por eles para os reinos que concediam asilo político. Isso 
prejudicava as finanças do reino. 
 
36 CUNHA, Dom Luís da. Testamento Político. São Paulo: Alfa-Omega, 1976. p. 4. 
37 Ibid., p. 2-3. 
38 Ibid., p. 19. 
35 
 
Em outro escrito importante de D. Luís da Cunha, Instruções Marco Antônio 
de Azevedo Coutinho (1736), são expostas suas opiniões sobre economia. No texto, o 
autor critica o grande número de conventos no país, porque prejudicavam o bom uso 
da terra, e sugeria ao rei que assumisse o controle sobre os inúmeros benefícios 
eclesiásticos, tão onerosos para o reino. O excessivo número de celibatários 
prejudicava o aumento da população, porque era benéfico para o reino que os povos 
tivessem ocupações a fim de pagar tributos e também que fossem numerosos para 
defender a nação. Do mesmo modo, o autor lamentava o fracasso da política industrial 
do Conde de Ericeira e ainda salientava que era urgente desenvolver companhias de 
comércio nos moldes anglo-holandeses, como tentativa de sanar os problemas do 
comércio ultramarino com as diferentes colônias. Segundo Dom Luís da Cunha: 
 
Não há dúvida que tais companhias não são no fundo mais que uns monopólios 
defendidos pelas leis; porque tiraram ao povo a liberdade de fazer certos comércios 
(...) mas os príncipes e as repúblicas as permitem, quando não vêem que se nesta 
parte prejudicam os vassalos, em outras lhes procuram maior utilidade (...) e creio 
que em Portugal seria mais conveniente, porque os homens não têm onde possam 
empregar e fazer valer o seu dinheiro.39 
 
Antes mesmo da ascensão de Dom José I, algumas figuras ligadas ao rei D. 
João V, como o cardeal da Mota, um dos ministros do rei, questionava a ausência de 
manufaturas no reino. Ele foi um dos defensores da ideia, futuramente praticada por 
Pombal, de instalar fábricas de seda no reino, elemento fulcral para amenizar a evasão 
das espécies de Portugal, quando parecia óbvio, segundo doutrina da época, que um 
país tinha de importar ou reter matérias-primas e dar proeminência à exportação de 
manufaturados. Dom Luís da Cunha e os demais estrangeirados também se queixavam 
das preocupações da sociedade em adquirir bens de luxo, porque Portugal não era 
produtor, mas sim importador de mercadorias de segunda necessidade – o que pesava 
de forma negativa no equilíbrio da balança comercial.40 
Outra preocupação dos estrangeirados era com a censura intelectual. As novas 
ideias que circulavam nos países, em que havia liberdade intelectual, eram, em 
Portugal, automaticamente censuradas pelo clero e pelo Santo Oficio. A “Revolução 
Científica” do século XVII e os seus desdobramentos, naquilo que ficou conhecido39 CUNHA, Dom Luís da. Instruções Marco Antônio de Azevedo Coutinho. Apud. FALCON, Franciso J. C. op. 
cit. p. 95. 
40 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: mercantilismo e transição. São Paulo: 
Brasiliense, 1981. p. 235. 
36 
 
como passagem da transcendência para a imanência, pouco ecoou no país, dado que o 
clero dominante, apoiado pelo Santo Ofício, era refratário àquelas inovações, 
mantendo-se fiel aos ideais do Concílio de Trento (1545-1563), como arauto do 
espírito da Contra-Reforma, o que resultou num certo isolamento do país. Talvez, no 
bojo da Revolução Científica, não estavam apenas contidos elementos de 
deslumbramento científico, como a transformação da natureza, segundo os desígnios 
do homem, mas também uma nova visão de mundo, operado por um corpo técnico 
especializado e comprometido com a gestão eficaz, que, para o caso do Estado, traria 
consequências em sua reorganização, passando de “tradicional” para “racional-
burocrático”. Acreditamos que tais transformações, que reconfiguram a organização 
do Estado, entraram em confronto com a postura tradicional do clero. 
Se os estrangeirados representavam o grupo mais “progressista”, os jesuítas, ao 
contrário, eram, para muitos, os fiéis representantes e defensores de uma tendência 
contrária a grandes e profundas renovações no reino. Além da prerrogativa de terem 
sido os tradicionais confessores dos reis e os nobres da dinastia de Bragança, 
comprovava-se a influência real dos padres da Companhia de Jesus nas questões de 
Estado, incumbidos, muitas vezes, da execução de funções público-administrativas. 
Igualmente, a Companhia de Jesus surgia como um entrave a qualquer mudança no 
plano pedagógico, dado que detinha o controle das únicas universidades portuguesas: 
Coimbra e Évora. 
Aparentemente, os jesuítas tinham postura pouco favorável à renovação dos 
estudos em seus estabelecimentos educacionais. Com ensino fundamentado nos 
princípios escolásticos e apoiado no humanismo cristão, eram criticados por não 
atualizar o seu método ratio studiorum, demonstrando pouca inclinação para a adoção 
das inovações que originaram o racionalismo moderno, desde então largamente 
difundidas pela Europa. A escola conimbricense baseava-se em uma perspectiva da 
teologia e repúdio a tudo o que era associado ao avanço do espírito matemático e 
natural. Eram rejeitados estudos de Locke, de Descartes, de Spinoza, de Newton, 
apenas para citar alguns pensadores inovadores, os quais se apoiavam na perspectiva 
racional e, geralmente, no método empírico, contrariando o pensamento tradicional – 
apoiado pelas ideias de algumas autoridades com reconhecimento. Possivelmente, os 
jesuítas perceberam que a adoção de tais interpretações do universo e da natureza era, 
invariavelmente, contrária aos seus dogmas mais estritos, pois contribuíam para a 
divulgação de ideias contrárias ao seu posicionamento teocentrista, isto é, para o 
37 
 
pensamento que transcendia a natureza física das coisas (místico e metafísico). Tal 
pensamento entrou em crise depois dos descobrimentos geográficos e científicos 
surgidos a partir do século XVII, em que a dimensão imanente, que valorizava os 
aspectos concretos, materiais e empíricos da realidade, parecia ganhar terreno e 
afirmar uma visão secularizada da natureza. Isso retirava a hegemonia do pensamento 
teológico na compreensão da realidade. 
A visão de Portugal como um país atrasado em comparação aos outros reinos 
europeus não ficava apenas circunscrita ao círculo dos estrangeirados, mas também 
ecoava no exterior. Dentre vários exemplos, o mais expressivo de todos foi a célebre 
obra Cândido, da autoria de Voltaire, que não poupou comentários cáusticos a 
Portugal de meados do século XVIII. O autor faz eloquente representação de como o 
país era encarado pela intelectualidade europeia. 
Na obra, o personagem homônimo aportou em Lisboa no momento que ocorria 
um terremoto. A cena foi inspirada na verídica hecatombe que devastou e deitou a 
cidade de Lisboa em 1º de novembro de 1755. Cândido reparou com horror na solução 
supersticiosa encontrada pela sociedade lisboeta como medida de urgência para 
controlar o caos e remediar futuras tragédias: a celebração de um auto-de-fé.41 Na 
representação de Voltaire, os lisboetas enxergavam o terremoto como fenômeno 
diretamente relacionado a forças sobrenaturais. O que, de certa maneira, estava bem 
 
 41 “Depois do tremor da terra que destruiu três quartas partes de Lisboa, os sábios do país não encontraram meio 
mais eficaz para prevenir uma ruína total do que oferecer ao povo um belo auto-de-fé; foi decidido pela 
Universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas queimadas a fogo lento, em grande cerimonial 
era um infalível segredo para impedir que a terra se pusesse a tremer”. Cf. Voltaire, Cândido ou o Otimismo p. 
166. Exageros a parte, ficaram registros da profunda religiosidade portuguesa, aqui, no testemunho de ingleses 
que residiam em Lisboa: “Parece que a população estava toda absorta com a ideia de que era o Dia do Juízo 
Final; e desejando, portanto, empregar-se em boas ações, tinham-se coberto de crucifixos e santos; homens e 
mulheres sem distinção, durante os intervalos, estavam quer a cantar ladainhas, quer, num fervor de zelo, a 
atormentar os moribundos com cerimônias religiosas; e sempre que a terra tremia, bradavam: Misericórdia! 
Todos de joelhos, nos tons de voz mais dolorosa que se possam imaginar”. Carta anônima, Lisboa, 19 de 
novembro. 1755. In: O terremoto de 1755: testemunhos britânicos. p. 91. Apud PRIORE, Mary del: O mal sobre 
a terra: uma história do terremoto de Lisboa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 152. 
 Segundo Thomas Chase, os portugueses estavam “(...) completamente entregues a uma espécie de loucura 
religiosa, arrastando santos sem cabeças ou braços, dizendo uns aos outros, de uma maneira bastante lastimável, 
como sentiam tais infortúnios; e todo o seu clero afirmando tratar-se de um julgamento sobre eles pela sua 
maldade. Alguns diziam mesmo que era por terem mostrado tanta generosidade para com os hereges, De indo 
de maneira tumultuosa à Corte, declararam ser esta a causa do sofrimento do povo. Pensavam eles que era quase 
ímpio tentar tratar de si e muitos chamavam-lhe lutar contra o Céu!... Finalmente um milagre trouxe a população 
razoavelmente a si própria, levada a efeito, segundo supomos, por uma ordem secreta da Corte. A meio da noite, 
a Virgem Maria foi vista sentada entre as chamas de fogo das ruínas, acabadas de ser deitadas abaixo pelo 
terremoto, de uma igreja pertencente a um famoso convento a ela dedicado, do nome de Nossa Senhora da Penha 
de França, situado sobre o cimo de uma colina muito alta, acenando com um lenço branco para o povo. Isto foi 
imediatamente declarado ser um perdão por todas as suas ofensas passadas e uma promessa de vida”. Narrativa 
do Sr. Thomas Chase do terremoto de Lisboa”. In: Ibid., p. 152-153. 
38 
 
próximo da verdade, pois para muitos, sobretudo para o clero local, houve a tendência 
para a propagação da versão mística das causas do terremoto. 
Mas se Portugal precisava renovar sua mentalidade e a educação nacional, o 
reino carecia de um grupo de pensadores que pudessem levar adiante a necessária 
renovação. Curiosamente, a sinalização para a reformulação e atualização dos 
conhecimentos em Portugal veio do próprio clero, sendo conduzida pela Congregação 
do Oratório. A Congregação, considerada como sociedade de padres seculares 
submetidos à hierarquia episcopal, foi fundada em Roma, em 1550, e introduzida em 
Portugal, em 1668, pelo padre Bartolomeu de Quental, de origem ítalo-francesa. 
Além dos trabalhos filantrópicos, os oratorianos eram totalmente dedicados à 
educação. Em consonância às novas ideias, eles inclinaram-se para o platonismo, 
rejeitando a interpretação corrente do aristotelismo. Com otempo, os oratorianos 
abraçaram, em seus colégios, o cartesianismo, assim como outros conhecimentos 
modernos. Em Portugal, os eles tiveram, desde a entrada no reino, a boa sorte de 
receber a proteção régia. A presença dos membros da congregação do oratório em 
Portugal resultou em desentendimentos com a Companhia de Jesus. Segundo 
Francisco Falcon, os oratorianos entraram em choque com os jesuítas, porque o rei 
autorizou que os egressos das instituições de ensino dos oratorianos teriam os mesmos 
direitos dos estudantes que tinham saído das escolas jesuíticas42. A Congregação do 
Oratório findou com o monopólio pedagógico jesuítico, embora a balança, todavia, 
inclinava-se para a ampla influência da Companhia de Jesus, em Portugal. Uma das 
grandes contribuições do Oratório foi a introdução daquilo que os jesuítas 
demonstravam pouca disposição em adotar: as ciências experimentais e a filosofia 
moderna, em sua passagem de Descartes e Spinoza para Locke e Newton, e 
conjuntamente os estudos literários e linguísticos. 
Mas o grande golpe dos oratorianos contra a Companhia de Jesus seria a 
publicação do Verdadeiro Método de Estudar, de autoria do oratoriano Luís Antônio 
Verney (1713-1792), redigida entre 1746-1747. Verney, não obstante ser um religioso 
de nacionalidade portuguesa e ter sido aluno dos jesuítas em Évora, inclui-se no rol 
dos estrangeirados. Ele viveu grande parte de sua vida adulta na Itália, aonde chegou 
em 1736. Ficou amigo do enciclopedista italiano Ludovico Antonio Muratori (1672-
1750) e também tornou-se membro da Arcádia Romana. Verney defendia que a 
 
42 FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: mercantilismo e transição. São Paulo: Brasiliense, 
1981.. p. 208-209. 
39 
 
gramática deveria ser ensinada na língua nacional e não no latim. Do mesmo modo foi 
firme adepto da adoção dos métodos experimentais. Em consonância com as 
conquistas da idade da razão, criticava o método de ensino dos jesuítas, que para ele 
era baseado em uma escolástica peripatética, defasada, e apoiada em um sistema de 
debate pautado na autoridade.43 A biblioteca dos oratorianos no convento de Nossa 
Senhora das Necessidades possuía mais de 30 mil volumes. Havia também um 
laboratório experimental com instrumentos a fim de complementar o curso de física.44 
A publicação do Verdadeiro Método, que, curiosamente, não deixou de incluir uma 
dedicatória à própria Companhia de Jesus, deu origem a debates polêmicos entre 
jesuítas e oratorianos sobre questões de método pedagógico. 
Os jesuítas perceberam que havia nas ideias oratorianas não só semelhanças 
com as doutrinas jansenistas, conformidades que vão além dos aspectos relacionados a 
posições teológicas, como livre-arbítrio ou predestinação, mas também, 
principalmente, por que discerniram, em seu posicionamento, críticas à histórica 
supremacia do poder papal perante o régio. Posicionamento totalmente contrário ao 
tradicional alinhamento da Companhia de Jesus ao poder romano, mas sumamente 
conveniente à doutrina regalista, que amadureceria no período do domínio 
pombalino.45 
Verney declarou-se inimigo dos jesuítas, manifestando, assim, guerra aberta à 
Companhia de Jesus. Ele auxiliou Pombal junto à representação portuguesa em Roma, 
ocupando o cargo de secretário da legação portuguesa, sob o comando do embaixador 
Francisco de Almada e Mendonça, na campanha antijesuítica junto à cúria romana. 
 
43 Cf. MAXWELL, Kenneth. O marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Paz e Terra: São Paulo, 
1996. p. 12. 
44 Cf. MAXWELL, Kenneth. op. cit. p. 14. Maxwell nos lembra que a Companhia de Jesus, embora apegada a 
uma pedagogia mais tradicional, não era exageradamente obtusa às ideias modernas, dado que no inventário da 
biblioteca universitária de Évora, estavam trabalhos de Bento Feijó, Descartes, Locke, Wolff e, até mesmo, o 
exemplar do Verdadeiro Método de Estudar. Cf. Ibid., p.13 
45 O jansenismo foi uma teologia fundada pelo monge holandês Cornélio Jansen. Na França, tiveram crescente 
importância ao defender posições polêmicas como o galicanismo, vertente francesa do regalismo, que defendia 
maior autonomia para a igreja francesa, em oposição ao ultramontanismo; e a predestinação absoluta, pedra de 
toque da religião apóstata de Calvino. No campo político, foram grandes adversários dos jesuítas, que defendiam 
o poder absoluto do papa e sua intromissão na política dos Estados europeus. As querelas teológicas entre as 
duas ordens ficaram imortalizadas, principalmente nas 18 cartas que compunham Les Provinciales (1656-1657) 
de Blaise Pascal, o renomado matemático, que se fizera porta-voz dos jansenistas, tudo em defesa de seu grande 
divulgador Antoine Arnauld, que estava a ser julgado pelos teólogos de Paris, contra as doutrinas teológicas 
defendidas pela Companhia de Jesus. Defensores da doutrina da predestinação, quando os jesuítas se 
digladiavam para afirmar o livre-arbítrio, ainda criticavam-nos pela sua defesa do casuísmo-probabilismo, o que 
para os jansenismo favorecia o laxismo moral. O jansenismo terminaria por ser proscrito da França pelo rei que 
ainda decidiu pela destruição do seu principal reduto, o convento “Port Royal”. Foram, sem sombra de dúvidas, 
os maiores rivais históricos da Companhia de Jesus, os que deixaram as piores marcas contra o Instituto de 
Loiola. O que teve influência para a futura dissolução da ordem em 1773. 
40 
 
Esse plano de Pombal trouxe consequências desastrosas para a congregação. Se a 
publicação do Verdadeiro Método teve impacto direto contra a Companhia de Jesus, 
não são de somenos importância outras propostas à renovação dos estudos 
portugueses. Dessa forma, destacamos a publicação de Martinho de Mendonça Pina 
Proença (1693-1743), que tentou adaptar para Portugal o pensamento de Locke. 
Proença é também autor de Apontamentos para a educação de um menino nobre 
(1734), obra que propõe a renovação dos métodos e do conteúdo de ensino. 
Ressaltamos também os escritos do cristão-novo, o Dr. Jacob do Castro Sarmento 
(1692-1762), o qual introduziu em Portugal o pensamento de Newton e de Francis 
Bacon. Ele divulgou e traduziu os trabalhos desses autores para a língua portuguesa.46 
Do mesmo modo, destacamos as pesquisas do Dr. Antônio Nunes Ribeiro 
Sanches, cuja proposta era promover a renovação do ensino médico em Portugal, além 
de ter traduzido alguns dos trabalhos de Newton. O autor deixou Portugal em 1726 na 
condição de fugitivo da Inquisição. Em Viena, conheceu o marquês de Pombal, 
quando Pombal servia como diplomata na Áustria. A proposta de Sanches para a 
renovação educacional veio a lume com a publicação de Cartas para a educação da 
mocidade (1759). Todos os pensadores acima citados tinham alguma experiência fora 
do país e suas ideias jamais encontrariam possibilidade de execução enquanto os 
grupos tradicionais ocupassem os cargos de importância no Estado. 
 
 
1.2 Dilemas na Seara Econômica 
 
 
As questões de ordem econômica também estavam na pauta das preocupações 
da administração portuguesa. A sólida relação comercial e diplomática entre Portugal 
e Inglaterra criou um vínculo de dependência em que as vantagens pesavam mais para 
o lado inglês, tornando-se, ao contrário, sumamente onerosas para Portugal. As razões 
que levaram o país com o passar do tempo a estreitar tais vínculos, não obstante as 
inconveniências que trariam para o desenvolvimento econômico e, até mesmo, para o 
orgulho nacional, não podem ser entendidas se nos esquecermos de que o Portugal 
restaurado, a partir 1640, estava tão desgastado pela União Ibérica que era possível 
 
46 Cf. MAXWELL, Kenneth. op. cit. p. 10-12. 
41 
 
duvidar se o país não voltaria a ser conquistado pela já enfraquecida Espanha. 
Principalmente por que a parte mais lucrativa,que já tinha sido do império atlântico, 
estava nas mãos dos holandeses. 
Por mais evidentes que fossem os prejuízos da onerosa, porém necessária 
aliança luso-inglesa, ela ainda contrariava as teorias econômicas em voga na Europa, 
que eram de caráter mercantilista e absolutista, por excelência. O problema da 
dependência portuguesa em relação à Inglaterra seria uma das principais preocupações 
do marquês de Pombal. Durante sua permanência na Inglaterra, Pombal reuniu várias 
impressões sobre a política externa portuguesa e, sobretudo, pôs-se a analisar as causas 
do crescente poderio econômico dos britânicos. 
Mesmo antes do período pombalino, o Estado português sempre preocupou-se 
com as constantes remessas de ouro para fora do país. Mas foi logo no início do 
reinado josefino que foram atacadas a arrecadação de quintos e reintroduzidas a casas 
de fundição e o imposto da derrama. No tocante à balança comercial, persistiu o 
favorecimento das exportações desde que não fossem de materiais que pudessem ser 
fabricados no próprio reino; seguiram-se lenitivos para a produção manufatureira, 
aliás, um dos esforços mais significativos da política pombalina foi a criação das 
indústrias de base, como as manufaturas, exemplificada na indústria de tecidos da Real 
Fábrica de Sedas. 
O sistema colonial luso-brasileiro, como não poderia deixar de ser, tendo em 
vista a dependência econômica de Portugal em face de sua colônia, foi um dos 
principais alvos da política pombalina. Marquês de Pombal recrudesceu na relação 
Brasil-Portugal a noção de “exclusivismo colonial”. Para potencializar a exploração 
das riquezas coloniais brasileiras, foram criadas as chamadas “Companhias de 
Comércio”, que embora já existissem há muito tempo em Portugal, tiveram no reinado 
josefino o seu apogeu. As principais companhias responsáveis para regulamentar o 
sistema de frotas para o Brasil foram a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, 
criada em 1756, e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, criada em 1755, com o 
objetivo específico de povoar e fomentar o desenvolvimento econômico do Estado. 
Mas as Companhias comerciais não restringiram sua ação apenas ao espaço colonial 
lusitano. Pombal também criou as companhias de comércio metropolitanas, como a 
Companhia da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro (1756), a fim de resolver a 
constante desvalorização do vinho português no mercado inglês, e a Companhia Geral 
das Reais Pescas do Reino do Algarve (1773). É imprescindível mencionar também 
42 
 
que as pequenas empresas, no caso das colônias africanas, como a Companhia dos 
Mujaos em Moçambique, que faziam comércio com o Brasil e tinham livre acesso aos 
portos lusitanos em África. 
Curiosamente, um dos maiores defensores da instituição das companhias 
comerciais no século XVIII foi justamente um clérigo jesuíta, o padre António Vieira 
– mas não o único e sequer o primeiro. À época da Restauração, António Vieira foi o 
principal conselheiro do rei Dom João IV para várias questões. Para o jesuíta, a 
fundação de uma companhia de comércio tinha funções bem diferentes daquelas 
pensadas no período josefino. A fundação visava, sobretudo, defender os interesses da 
ordem religiosa na Amazônia. Com a fundação daquela companhia de comércio, 
esperava-se introduzir braços escravos africanos na região, com o intuito de amenizar 
a pressão dos colonos, que eram constantemente lesados pelo monopólio das ordens 
religiosas locais, no controle da única mão-de-obra escrava a que tinham acesso, a do 
indígena. Por outro lado, cabe lembrar que a instituição da Companhia Geral de 
Comércio do Brasil (1649) também teve, para muitos, a influência de Vieira. As 
companhias de comércio nos moldes mercantilistas e de fluxo comercial em larga 
escala, embora jamais tenham sido sustadas da vida econômica portuguesa, receberam, 
em meados do século XVIII, novo impulso, alcançando, assim, seu apogeu no período 
moderno. 
Nosso objetivo com a composição desse pano de fundo foi demonstrar a 
inadequação da Companhia de Jesus em Portugal e no Ultramar, na metade do século 
XVIII, quando novas disposições estavam em via de ser aplicadas. Concluímos, dessa 
forma, que havia no país, substancialmente, dois partidos que foram os principais 
agentes históricos do período por nós estudado: um “conservador” e outro 
“reformista”. Os conservadores faziam parte dos setores tradicionais da política 
portuguesa – a nobreza tradicional e, principalmente, o clero, o qual encontrava seu 
maior alicerce na Companhia de Jesus. Os reformistas constituem a incipiente 
burguesia, incluindo também parte da nobreza e, fundamentalmente, os estrangeirados. 
É evidente que centrado no problema de nossa análise, excluímos outros setores 
também importantes, porém menos relevantes para a compreensão do tema estudado. 
A Companhia de Jesus representou grande obstáculo às tentativas dos grupos 
engajados com a renovação da política portuguesa, não só por que ela defendia uma 
postura mais tradicional, mas também por que o seu poder na política e na sociedade 
43 
 
portuguesa impedia qualquer transformação, caso os grupos emergentes não 
negociassem ou partissem para luta aberta contra o Instituto de Loyola. 
Percebemos que na primeira fase do governo de Dom José I, antes do 
terremoto que devastou Lisboa em 1755, quando Pombal não era ainda ministro 
plenipotenciário, as decisões de gabinete não iam diretamente contra a Companhia de 
Jesus. As ações políticas visavam reformar problemas na esfera das relações externas e 
das questões de ordem econômica. Os atritos contras os inacianos surgiram na 
reformulação da política externa portuguesa de meados do século XVIII. Em síntese, a 
administração portuguesa enfrentava amplos desafios para solucionar problemas que, 
dentre os mais emergenciais, destacaríamos alguns, como a modernização da indústria 
precária, a correção da balança comercial deficitária, o controle ao contrabando das 
riquezas coloniais e a definição das fronteiras americanas. 
Dentro do contexto da América portuguesa, mais especificamente da realidade 
do Grão-Pará e Maranhão, percebemos a aplicação de medidas que caracterizam o 
pombalismo. No intuito de recrudescer o comércio luso-paraense, foi necessário criar 
no Grão-Pará, onde as potencialidades econômicas ainda eram mal-exploradas, 
condições para fomentá-lo, a fim de que ele pudesse funcionar, na medida do possível, 
à revelia do domínio inglês ou dos agentes contrabandistas. Todavia, era urgente 
povoar e fortificar o domínio português naquela região, mormente quando os franceses 
e outras nações adversárias possuíam bases próximas à foz do Rio Amazonas. A 
criação da companhia monopolista visava não só incentivar o comércio, como também 
fazer com que o enriquecimento da região servisse como atrativo para o 
estabelecimento de colonos, com objetivo de povoar e de proteger o Norte do Brasil. 
 
 
 
 
44 
 
II. A Companhia de Jesus em Portugal 
 
 
Neste trabalho, sustentamos a ideia de que a Companhia de Jesus era uma 
congregação religiosa voltada tanto para assuntos de caráter espiritual quanto para 
organização supranacional de abrangência global, cuja disciplina, espírito 
empreendedor e pragmatismo favoreceram a expansão do catolicismo no Novo 
Mundo. Em relação especificamente a Portugal, a instituição exerceu, dentre outras 
funções, a missão civilizadora, no papel de agente colonizador, proporcionando um 
sólido alicerce para a concretização de uma América Portuguesa. 
Nascida às vésperas do Concílio de Trento (1545-1563), considerada um dos 
três concílios fundamentais da Igreja Católica, convocada para assegurar a fé e a 
disciplina eclesiástica, a Companhia de Jesus é um dos símbolos da reação católica ao 
cisma representado pela Reforma Protestante. A ruptura da unidade cristã foi, em 
parte, consequencia de novas e profundas transformações, que provocaram rearranjosnas tradicionais estruturas sociais europeias, assim como a ascensão de novos grupos 
de poder. 
Pela Europa afora, alguns espíritos ousados, a exemplo de Lutero, Calvino e 
Erasmo, desafiavam os cânones e as práticas da Igreja Romana, e suas vozes podiam 
ecoar além dos púlpitos ou das praças públicas, com relativa velocidade, graças à 
invenção artesanal de Gutenberg. 
Na esteira daquelas profundas transformações sociais que engendraram uma 
nova visão de mundo, as concepções geográficas sofreram radical reviravolta em 
decorrência da expansão marítima europeia, o que possibilitou conhecer novos 
territórios. Para o filósofo escocês Adam Smith, “A descoberta da América e de uma 
passagem para as Índias Orientais pelo Cabo da Boa Esperança” constituía “os dois 
maiores e mais importantes eventos registrados na história da humanidade”.47 A 
Europa, cada vez mais urbana e ligada internamente pelo seu florescente comércio, 
recebeu renovado impulso com as trocas mercantis entre as duas metades do mundo. 
 Os monarcas, em forte ascensão, ao reforçarem a autonomia dos reinos, 
gradualmente, passaram a desafiar o universalismo político romano nas questões de 
ordem internacional. Destarte, impôs-se, forçosamente, uma nova ética secular para o 
 
47 SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo. Abril Cultural, 1983, vol.2, p.100. 
45 
 
jogo político baseada em interesses nacionais, definida como “razão de Estado”, que, 
no terreno da prática, vai superar, como afirmou Michel de Certeau, “a contradição 
entre razão e violência”48, amparada nos objetivos de negócio e poder. Assim sendo, 
“(...) reordena o país como empresa capitalista e mercantilista”.49 
A América “descoberta” por Colombo desvelou a existência de outros povos 
que, para os cristãos europeus, viviam no abominável paganismo. Para os católicos, 
urgia retirá-los da cega ignorância, antes que “hereges” luteranos, calvinistas ou 
anglicanos o fizessem em seu lugar. Essa é também uma época de insegurança. O 
cisma religioso favoreceu certa desintegração política do Ocidente, resultando nas 
chamadas “Guerras de Religião”, que derramavam sangue pela Europa e dividiram 
reinos, a exemplo do Sacro Império Romano-Germânico e da guerra civil na França 
entre huguenotes e católicos, cuja violência e caos atingiram o paroxismo no episódio 
conhecido como Noite de São Bartolomeu (1572). Ademais, os turcos, em viril 
expansão, colocavam o Leste em intermitente Estado de alerta, a exemplo do Cerco de 
Viena (1529). 
Nesse contexto conturbado, e na esteira de tantas transformações, foi criada a 
Companhia de Jesus – filha dessa contemporaneidade. Para Serafim Leite, o mais 
destacado historiador da Companhia de Jesus no Brasil, o evento foi “(...) um dos fatos 
mais significativos do século XVI, e Santo Inácio, o seu fundador, um dos homens de 
maior influência espiritual no mundo moderno (...)”.50 Não obstante a veracidade da 
afirmação, em nada exagerada, convém ressaltar que o peso do Instituto de Loyola não 
ficou circunscrito ao terreno espiritual, como anteriormente aludido. A sua influência 
retumbou igualmente nos terrenos da imanência com um poder jamais antes visto na 
história de nenhuma outra ordem religiosa, tornando a Companhia de Jesus, sem 
sombra de dúvidas, a mais polêmica de todos os tempos. Mas o que foi a Companhia 
de Jesus? Como ela ingressou em Portugal? Mais importante, como alcançou tamanho 
poder a ponto de sua incômoda influência levar o Estado português a torná-la proscrita 
do seu império e a perseguir violentamente todos os seus membros? 
Para respondermos as duas primeiras questões, é imprescindível fazer breve 
apresentação do seu principal fundador e também apresentar a organização interna do 
 
48 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 159. 
49 Ibid., p. 160. 
50 LEITE, Serafim. A história da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I, Livro I. Lisboa/Rio de Janeiro: 
Portugália/ Instituto Nacional do Livro, 1938-1949. p. 3. 
46 
 
seu Instituto e do seu ingresso em Portugal e no Brasil. Já a tentativa de entender o 
papel da Companhia de Jesus na política do Império português, a ponto de ser expulsa, 
é, dentro de alguns limites, o principal objetivo do presente trabalho. Aqui, o que entra 
em questão é a expulsão da Companhia de Jesus a partir do recorte regional – 
nominalmente do extinto Estado do Grão-Pará e Maranhão. A partir de uma 
perspectiva regional e circunscrita, pretende-se, ainda que modestamente, esclarecer 
algumas facetas da questão da expulsão dos jesuítas do Império português. Para tanto, 
parece-nos fundamental apresentar uma sinopse de como o poder jesuítico fez-se 
crescente no Brasil a começar pela chegada dos seus primeiros padres e também como 
enraizou-se desde o princípio da colonização na política local dos dois Estados que 
compunham a América portuguesa: o Estado do Brasil e o do Grão-Pará e Maranhão. 
Inácio de Loyola (1491 -1556), o principal fundador da Companhia de Jesus, 
nasceu no Castelo de Loyola, de propriedade familiar, localizado próximo à aldeia de 
Azpeitia, província basca de Guizpúzcoa, na Espanha. Membro integrante da nobreza 
rural, o jesuíta sentiu, ainda jovem, pendor pela vida militar e pelos prazeres 
mundanos, como a jogatina, a bebida e a volúpia, o que lhe causou problemas com a 
justiça. Entretanto, os motivos desses problemas nunca ficaram totalmente 
esclarecidos.51 Por volta dos 13 anos de idade, foi enviado por seu pai a Arévalo, para 
ficar sob custódia de Velázquez de Cuéllar, então tesoureiro-mor do rei Fernando de 
Aragão. A experiência proporcionou-lhe o contato com um mundo nobiliárquico 
superior ao seu próprio. 
Com o falecimento de Velázquez em 1517, Inácio tornou-se cavaleiro a serviço 
do vice-rei de Navarra, Antonio Manrique de Lara, duque de Nájera. Ele participou da 
defesa de Pamplona, quando os franceses invadiram a cidade para tentar reconquistar a 
região de Navarra, então possessão espanhola. Caiu ferido em 20 de maio de 1521, 
quando uma alabarda o atingiu nas duas pernas, sendo que uma delas ficou seriamente 
machucada. O acidente obrigou Inácio de Loyola a realizar repetidas e dolorosas 
cirurgias; embora tenha sobrevivido, ficou aleijado e jamais voltou a caminhar sem 
coxear.52 
É no longo período de convalescença que ocorreu a “conversão” de Inácio. 
Para distrair-se do período de ócio causado pela imobilidade física, pediu que lhe 
conseguissem um exemplar das façanhas cavalheirescas de Amadis de Gaula. Na falta 
 
51 Cf. LACOUTURE, Jean. Os jesuítas: a conquista. Vol. 1 Editorial Estampa: Lisboa, 1993. p. 19. 
52 Cf. LACOUTURE, Jean. Op.cit. p. 98-99. 
47 
 
do livro, trouxeram-lhe a obra Vida de Cristo, de Ludolf, o Saxão, e uma coletânea de 
relatos hagiográficos – a Fábula Dourada, de Jacopo da Voragine. Aquelas leituras 
provocaram inquietações em Inácio, que, julgando que sua existência não tinha mais, 
até então, nenhum significado, interpretou sua angústia como um “chamado divino” e 
prometeu a si próprio dedicar a vida ao serviço de Deus. 
Em fevereiro de 1522, sem estar completamente recuperado, decidiu partir em 
peregrinação para Jerusalém. Durante o percurso, resolveu visitar importantes 
santuários europeus e ensaiou pregações públicas. Frugal, pedia esmolas para seu 
sustento. Nesse ínterim, quando chegou a Manresa, na Catalunha, retirou-se para uma 
gruta e impôs-se algumas austeridades, como jejuns prolongados, orações e 
autoflagelações. Durante o retiro, leu com muita devoção a Imitação de Cristo, livro 
que se tornou para ele fonte de inspiração. Nessas condições, semelhante a um 
eremita, viveu por quase um ano. Em seu fervor místico, experimentou algumas 
visões, que considerou revelações divinas e, inspiradonelas, deu início à redação dos 
Exercícios Espirituais, manual que, futuramente, seria a base da espiritualidade 
inaciana. 
Ainda obstinado em conhecer Jerusalém, foi a caminho da Cidade Eterna para 
obter do pontífice autorização e benção para se trasladar à Terra Santa. Feita a 
concessão, embarcou para a Palestina onde ficou por poucos dias (entre 3 e 23 de 
setembro de 1523). Inácio chegou a Jerusalém em um contexto desfavorável para a 
segurança dos peregrinos, e os franciscanos que o abrigaram, e em relação aos quais 
estava sob autoridade, obrigaram-no a partir de volta para a Europa.53 
Já em Barcelona, quando retornou a Espanha, em 1524, e ainda devotado às 
coisas espirituais, pôs-se a pregar publicamente e a divulgar os seus Exercícios 
Espirituais. O pregador errante percebeu que a falta de uma educação formal era 
desvantajosa para alcançar seus intentos e, com quase 40 anos de idade, procurou 
adquirir estudo superior. Assim, logo que voltou da Terra Santa, começou a estudar 
latim na cidade de Barcelona. Dois anos depois, partiu para a Universidade de Alcalá 
e, em seguida, para a Universidade de Salamanca. A ousadia de suas pregações 
imediatamente chamou a atenção da Santa Inquisição, que cogitou ser Inácio um 
alumbrado ou “iluminado”.54 
 
53 Cf. MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. I – O Perído da Reforma. São Paulo: 
Loyola, 1995. p. 229. 
54 Cf. LACOUTURE, Jean. Op.cit. p. 41. 
48 
 
O movimento dos alumbrados teve grande repercussão na região de Castela na 
virada do século XV para o XVI. O termo era designado a indivíduos que praticavam e 
divulgavam isoladamente o cristianismo sem levar em consideração a hierarquia do 
clero romano ou das suas tradições. Inácio de Loyola levantou desconfianças causadas 
por suas pregações e pela divulgação dos seus Exercícios Espirituais. Essas denúncias 
resultaram no seu encarceramento por 42 dias. Depois de absolvido, passou pelo 
mesmo infortúnio quando viajou para Salamanca em busca do aprimoramento de sua 
formação. Novamente Inácio e seus Exercícios foram ilibados e, depois de 22 dias de 
encarcerado, ganhou a liberdade e recebeu autorização, até mesmo, para fazer suas 
pregações. 
Influenciado pelo currículo da Universidade de Alcalá, de caráter mais 
humanista, entrou em contato com o movimento do humanismo Renascentista. Assim, 
dirigiu-se para a Universidade de Paris, um dos principais centros de estudos 
humanistas da Europa, por causa do patrocínio dado pelo monarca Francisco I para a 
divulgação do movimento em seu reino. Logo, aproximou-se do humanismo. 
Em fevereiro de 1528, chegou a Paris. Nesse mesmo ano conseguiu ingressar 
no Colégio de Montaigu, onde alguns anos antes estudaram Erasmo de Roterdão e 
João Calvino. Posteriormente, mudou-se para o Colégio de Santa Bárbara. Em 1534, 
recebeu o grau de Mestre em Artes.55 No período em que estudou em Paris, Inácio 
travou conhecimento com jovens estudantes que junto a ele seriam fundadores da 
Companhia de Jesus. No Colégio de Santa Bárbara, por exemplo, conheceu Diego 
Laynez e Francisco Xavier, que foram seus companheiros de quarto. Alguns dos 
estudantes mais devotos sentiram o poder do carisma e a devoção cristã de Inácio, 
fazendo daquele veterano de longa experiência nas coisas espirituais o seu mentor. 
Muitos se tornaram praticantes dos seus Exercícios Espirituais. Desse cenáculo 
parisiense, surgiu o projeto da formação de uma ordem religiosa. 
Assim, a semente do que seria a Companhia de Jesus nasceu em agosto de 
1534, quando Inácio de Loyola e o núcleo de seus seguidores, todos eles ainda leigos, 
realizaram, na capela de Nossa Senhora na colina de Montmartre em Paris, os votos de 
pobreza, castidade, administração de sacramentos, além da promessa de irem à Terra 
Santa para converter os moradores. Os dez companheiros, além do próprio Inácio, 
eram os sabóios, Pedro Favre e Cláudio Lê Jay; dois franceses, Brouet e João Cordure; 
 
55 Cf. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I. Livro I. p. 4. 
49 
 
e quatro espanhóis, Francisco Xavier, Diogo Lainez, Afonso Salmeron e Nicolau 
Afonso de Bobadilla; e o controverso português, Simão Rodrigues.56 Embora tenham 
recebido autorização do papa Paulo III (1534-1549) para realizar a viagem, a 
peregrinação à Palestina foi impossibilitada em razão dos endêmicos conflitos naquela 
região. 
Obstinados em trabalhar pelo catolicismo romano, tendo em vista que Inácio e 
alguns dos companheiros de Montmartre já tinham sido ordenados sacerdotes, 
trocaram o plano anterior de viajar para a Palestina pela ideia de formar uma nova 
ordem religiosa. O projeto foi submetido à sanção do papa Paulo III em 1539 e logrou 
reconhecimento em 27 de setembro de 1540, oficializada na Carta Apostólica Regimi 
militantis Ecclesiae. Nas Fórmulas da Companhia, aprovadas e confirmadas pelos 
papas Paulo III e Júlio III, ficou declarado o que deveria ser a missão da nova ordem, à 
qual seus fundadores batizaram de Companhia de Jesus, cujo membro seria 
denominado jesuíta. A opção pelo nome causou antipatia no círculo das ordens 
religiosas, pois a apropriação do nome Jesus foi considerada demasiada audaz e 
arrogante. 
 A base da organização dos padres estava assentada na disciplina e na 
obediência. A obediência era tão importante para a congregação que Loyola 
aconselhava aos jesuítas: 
 
(...) deixar-se guiar e dirigir pela divina Providência, por meio do Superior como se 
fossem um cadáver que se deixa levar seja para onde for, e tratar à vontade; ou 
como o bordão de mesmo velho que serve a quem tem à mão, em qualquer parte, e 
para qualquer coisa em que o quiser usar. Assim o obediente deve fazer com 
alegria tudo àquilo em que o Superior o que quiser ocupar para ajudar todo o corpo 
da ordem.57 
 
 Daí surgiu o afamado lema da ordem, geralmente pronunciado em latim, que 
afirmava ter o jesuíta de viver “perinde ac cadaver” ou seja, “tal como um cadáver”. 
Apesar da impressão causada pelo conteúdo enfático da assertiva, vale lembrar que o 
seu cumprimento era apenas de jesuíta para jesuíta. A obediência não anulou os 
talentos individuais de muitos religiosos que foram formados nos quadros da 
Companhia. A lista de padres inacianos que se destacaram pelos seus talentos e feitos 
individuais na política é volumosa, tanto nas letras quanto ciências. 
 
56 Cf. DICKENS. A. G. A contra-reforma. Lisboa: Verbo, 1972. 
57 Constituições da Companhia de Jesus e normas complementares. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 162. 
50 
 
 Além dos três votos obrigatórios a todas as ordens religiosas: pobreza, 
castidade e obediência, alguns jesuítas realizavam um quarto voto, o de obediência 
exclusiva ao pontífice, no que dizia respeito ao deslocamento às missões. Entre os 
jesuítas, havia diferentes graus, como, por exemplo, o professo de quatro votos, o 
professo de três votos e o coadjutor temporal. Os dois primeiros eram padres, o último 
ingressava como irmão leigo, sem receber ordens sacras. 
 Ao membro da Companhia de Jesus estava vetado ocupar qualquer cargo 
eclesiástico fora do quadro hierárquico da própria ordem. Jamais poderia ser bispo ou 
papa enquanto fosse membro da ordem. O quarto voto e a proibição de ocupar cargos 
seculares dentro da Igreja foram convenientemente interpretados pela Companhia de 
Jesus como Instituto que poderia agir livre da jurisdição episcopal, à qual, 
habitualmente, todos os católicos deveriam estar submetidos. Curiosamente, nas 
Constituições ou na bula de aprovação não havia nenhuma menção explícita a essa 
prerrogativa. Por consequência, vários desentendimentos com bispos e arcebispos 
foram registrados na história da Companhia de Jesus, em diferentes partes do mundo, 
quando eles tiveram a autoridade desafiadae ignorada pelo Instituto de Loyola. Um 
dos primeiros desentendimentos entre ambas as jurisdições aconteceu exatamente na 
América Portuguesa, palco onde o atrito se repetiu inúmeras vezes, como veremos 
adiante. 
 O Instituto exortava os membros da congregação a observarem com rigidez os 
preceitos morais clericais, tais como o celibato e a pobreza individual, embora 
coletivamente pudessem possuir bens, desde que a aquisição atendesse à edificação da 
fé católica; a respeitarem o juramento de submissão e de obediência aos romanos 
pontífices; a responsabilizarem-se pela propagação da fé em regiões longínquas ou 
entre os gentios; a comprometerem-se pela catequese dos pagãos e pela renovação da 
Instrução dos já batizados; e, finalmente, no campo educacional, no qual a Companhia 
de Jesus tanto se destacou, permitiu-se à congregação fundar e gerir escolas e 
universidades, sendo que para sua fundação e manutenção, poderia receber doações de 
bens de raiz (bens imóveis), com autorização para produzir riquezas (a exemplo de 
fazendas produtoras de alimentos, gado, etc.), mas apenas para a manutenção daquele 
51 
 
propósito. Igualmente, o ensino seria gratuito e o reitor do colégio teria a obrigação de 
prover vestuário e alimentação para os alunos.58 
 Uma faceta interessante da Companhia de Jesus foi sua adequação, em muitos 
pontos, às transformações daquela contemporaneidade. A Companhia optou por uma 
espiritualidade mundana, atuante no espaço secular, impedindo seus membros de viver 
em mosteiros ou de levar uma vida contemplativa. Se os beneditinos ou cistercienses 
de tradição medieval e, portanto, de contemplação passiva, atuavam no meio rural, a 
Companhia de Jesus, ao contrário, teve predileção pelo espaço público, em 
conformidade com a proposta inaciana para o “(...) aperfeiçoamento das almas na vida 
e na doutrina cristãs, por meio de pregações públicas (...)”.59 Dessa forma, a instituição 
saiu do claustro e foi para as ruas. 
 Na Europa, em que a urbanização era a tendência, parecia lógica a opção da 
Companhia de Jesus em privilegiar seu desenvolvimento nas urbes, de tal forma que 
atuaria junto aos indivíduos com um maior dinamismo, em seu serviço filantrópico 
(hospitais e presídios), tal como reforçar seu tendente controle sobre as instituições 
universitárias, todas elas, ordinariamente, citadinas. Logo, os jesuítas viviam em 
“casas” ou em “colégios”, evitando os mosteiros ou conventos – típicos de regiões 
bucólicas. Para se ter uma ideia da opção urbana da Companhia de Jesus, quando os 
jesuítas se deslocavam para os meios rurais, aldeias ou vilas, era geralmente em 
caráter de missão – uma das preocupações da Igreja pós-Tridentina era reafirmar uma 
versão oficial do catolicismo em detrimento de práticas religiosas populares no espaço 
rural europeu, que cresciam por conta da ausência de clérigos ou pela sua má-
formação. Os jesuítas, a exemplo de outras ordens, divulgavam a catequese naquele 
meio. 60 É curioso reparar que na América portuguesa, onde o ministério missionário 
jesuítico era mais desafiador, aconteceu o fenômeno contrário, com o isolamento dos 
missionários e seus catecúmenos em locais afastados dos colonizadores. 
 Loyola ainda lutou para criar uma ordem despojada de ornamentos. Cantar 
diariamente as Horas litúrgicas em coro, além da adoção de um vestuário padronizado 
era considerado por ele como embaraço para a boa execução dos ministérios da 
Companhia de Jesus, pautados na ação missionária. Nada obstante, o papa Júlio III 
 
58 Cf. Fórmulas do Instituto da Companhia de Jesus. In: Constituições da Companhia de Jesus & normas 
complementares. p. 29-36. 
59 Ibid., p. 29. 
60 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. II – O absolutismo. São Paulo: Loyola, 
1995. p. 92. 
52 
 
(1487-1585), na carta apostólica de confirmação da ordem, a Exposcit Debitum, dada 
em 21 de julho de 1550, modificou a intenção original dos fundadores e exigiu a 
reincorporação dos aspectos supracitados, o que foi cumprido, mas houve alguma 
relutância. 
 Em 1547, com o início da redação das Constituições da Companhia de Jesus, 
pelo próprio Inácio, foi reafirmada a missão inicial da ordem e também a definição da 
sua organização interna, assim como os papéis a serem desempenhados pelos 
membros da congregação, dependendo da posição hierárquica e da função para a qual 
foram admitidos. No mais, a Companhia tinha uma administração centralizada na 
autoridade do Geral da ordem. Eleito pelo voto dos representantes das várias 
províncias, em Roma, cidade-sede da ordem, o Geral detinha poder absoluto e o seu 
parecer era definitivo. Por unanimidade de votos, foi eleito o primeiro-geral da 
Companhia de Jesus, em 1541. 
 Convém ressalvar que a Companhia de Jesus, nascida às vésperas do Concílio 
de Trento, não foi o resultado exclusivo de uma resposta à Reforma Protestante, como 
tornou-se comum afirmar, dado a época de sua fundação coincidir com o início do 
combate por parte dos católicos contra aquele movimento reformista. Tal tese é 
refutada por eminentes historiadores da Companhia e da Igreja.61 Percebe-se nas 
Fórmulas que a preocupação original era a execução de ministérios como a pregação e 
a caridade, com a disponibilidade de seus membros para auxiliar hospitais e ajudar aos 
mais necessitados. Contudo, é inegável que as circunstâncias históricas elevaram a 
instituição a um dos maiores baluartes da Igreja na Contra-Reforma. 
 Talvez, indiretamente, Inácio de Loyola tenha dado uma resposta aos 
problemas do catolicismo de sua época. A Reforma Protestante desestruturou o 
cristianismo na Europa, e o seu eco ainda grassava pelo continente, minando a 
influência do clero romano. O movimento luterano, a exemplo de outros que surgiriam 
depois, deu publicidade ao relaxamento do clero com as questões morais. O 
movimento luterano denunciou a substância e a simplicidade da pregação dos textos 
evangélicos que se contrapunham com as práticas da Igreja, que eram bastante 
questionáveis, a exemplo da simonia e do comércio de indulgências – problemas que 
também foram percebidos por Inácio de Loyola. 
 
61 Ver comentários de Jean Lacouture sobre as pesquisas do historiador jesuíta Pedro Letúria a respeito da 
questão. In: LACOUTURE, Jean. Os jesuítas: a conquista. Vol. 1 Editorial Estampa: Lisboa, 1993. p. 98-99. A 
mesma tese é defendida pelo historiador e também jesuíta Giacomo Martina. op. cit. p. 200. 
53 
 
 Uma das consequências mais desagradáveis da reforma protestante para a 
Igreja foram os ataques ao cargo papal. Se os papas, de certo modo, eram os 
representantes da personificação da Igreja Católica, inevitavelmente tornaram-se o 
alvo vivo das críticas dos protestantes, de tal modo que o seu poder e a sua santa 
infalibilidade foram postos em xeque. É interessante perceber no texto Fórmulas uma 
estreita sintonia entre a razão de existir da ordem e a urgente busca de soluções para a 
crise do catolicismo romano do século XVI. Ainda em consonância com as injunções 
daquela conjuntura, Loyola, de certo modo, declarou posição favorável aos papas, 
tendo em vista que o jesuíta professo de quatros votos, incluindo o Geral, devia 
obediência inquestionável ao pontífice, novidade entre as ordens religiosas da época.62 
 Finalmente, um dos traços mais marcantes da Companhia de Jesus foi a sua 
organização interna disciplinada com vistas à evangelização europeia e mundial, cujo 
corolário foi a adaptação da sua regra aos espaços pertencentes aos impérios 
ultramarinos católicos. Foi justamente na Ásia, África e, principalmente nas Américas, 
que a Companhia de Jesus teve papel mais atuante. 
 Se a península ibérica foi pioneira nos descobrimentos marítimos, 
imortalizando a façanha dos navegadores Cristovão Colombo e Vasco da Gama, o 
catolicismoviu-se beneficiado em razão de sua inabalável hegemonia religiosa nos 
dois reinos e com a possibilidade de expandir sua influência para novos territórios, 
sobretudo quando o ímpeto dos conquistadores, ou colonizadores, foi desde sempre 
auxiliado pela dedicação do clero. Cada qual, na busca de seus objetivos, de tal forma 
que no ultramar a união entre cruz e espada se fez notória, significando edificação 
espiritual e conquista temporal. Havia interesse romano (católico) de levar religião às 
terras descobertas, e da parte dos reis, buscar riquezas e poder. Ambos trabalhavam em 
conjunto, auxiliavam-se, embora procurando objetivos aparentemente diferentes. 
 Longe de ter sido uma prática consuetudinária, o estreito vínculo entre Igreja e 
Estado estava juridicamente definido na península ibérica no conceito de Padroado 
português (jus patronatus), ou Patronato, para a nomenclatura de Espanha. No caso 
específico de Portugal, o padroado pode ser mais ou menos definido como “um direito 
honorífico, oneroso e útil sobre alguma Igreja ou renda eclesiástica que compete a 
alguém que, com o reconhecimento do Ordinário, erigiu uma igreja ou beneficio ou os 
 
62 Cf. Fórmulas do Instituto da Companhia de Jesus. In: Constituições da Companhia de Jesus & normas 
complementares. p. 32. 
54 
 
dotou os (sic) que herdou esse direito de que (sic) o tenha feito dotado”.63 Ou seja, 
funções como a construção de edifícios religiosos, a organização da hierarquia 
eclesiástica e o pagamento das côngruas dos padres, que atuavam na condição 
semelhante a funcionários do Estado, ficavam sob responsabilidade dos monarcas 
ibéricos. Em contrapartida, dentre alguns dos direitos do rei, destacamos a prerrogativa 
na cobrança e na administração dos dízimos; as nomeações de clérigos para os cargos 
eclesiásticos de menor ou maior importância; e o envio de missionários para suas 
conquistas que, sem o régio beneplácito, não poderiam embarcar. Na prática colonial 
portuguesa, o Padroado terminou por significar “uma combinação de direitos, 
privilégios e deveres concedidos pelo papado à Coroa de Portugal como patrona das 
missões e instituições eclesiásticas católicas romanas em vastas regiões da África, da 
Ásia e do Brasil.” 64 Destarte, ficou selada a cooperação entre a esfera civil e a 
religiosa no Império português. 
 Em Portugal o rei era o patrono da Igreja e tinha à sua disposição territórios, 
nos quais viviam súditos ainda pagãos, que no caso da America Portuguesa, dizia-se 
vulgarmente que viviam sem conhecer fé, lei ou rei 65 (acredita-se que o adágio surgiu 
da inexistência na língua tupi de fonemas derivados das consoantes F, L e R), e as 
ordens religiosas, inevitavelmente, encontraram uma vinha fértil para o trabalho de 
catequese. Dessa forma, o caráter proselitista da Companhia não permitiu que ela 
ficasse negligente às possibilidades de evangelização mundial resultantes da maior 
integração planetária – desdobramento, que no jargão da história é conhecido como 
“Era dos Descobrimentos”. Foi o próprio Loyola quem afirmou que “A Companhia 
entendeu que não foi feita para um lugar determinado, mas para ser dispersa pelas 
diversas regiões e países do mundo (...).” 66 
 A organização da Companhia de Jesus na Europa, para atender aos seus 
propósitos proselitistas, ficou “(...) repartida em províncias, e cada grupo de 
províncias, segundo critérios geográficos ou lingüísticos, constitui uma Assistência”.67 
Até meados do século XVIII, existiram ao todo seis Assistências: Itália, Portugal, 
 
63 HESPANHA, Antônio Manuel. História de Portugal moderno. p.138. Apud. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios 
jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Edusp, 2004. p. 93 
64 BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415-1825). Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2002 
p. 242. O mesmo autor esclarece que a primeira e última das sucessivas bulas e breves pontificais, que 
construiriam a noção de padroado, foram a Inter Coetera de Calisto III, em 1456 e a Praecelsae devotionis em 
1514. 
65 VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1977. Vol. I. p. 97. 
66 Constituições da Companhia de Jesus e normas complementares. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 175. 
67 Cf. LEITE, Serafim. op. cit. p. 12. 
55 
 
Espanha, Alemanha, França e Polônia. A Assistência de Portugal, adaptada à extensão 
do Império marítimo português, desdobrou-se em novas Províncias, como as de Goa, 
Malabar, Japão e a Vice-Província da China. A Assistência de Portugal ainda tutelou 
missões em Angola, Moçambique e Etiópia. Na América Portuguesa foi criada a 
Província do Brasil, além da Vice-Província do Maranhão.68 Destarte, os espaços 
coloniais portugueses tornaram-se também parte constituinte da organização 
administrativa da Companhia de Jesus. 
 Em Portugal, a Companhia de Jesus viu-se muito beneficiada, tendo em vista 
que encontrou mais hospitalidade nesse país do que em outro reino europeu. Os 
loyolistas chegaram a Portugal em de abril de 1540, no reinado de D. João III (1521-
1557). O influente humanista português, o doutor Diogo de Gouveia (1471-1557), 
mestre em Artes e embaixador de D. João III no Concílio de Trento, recomendou ao 
rei que abrisse as portas do reino à nova congregação, que estava em pleno 
desenvolvimento. Gouveia foi professor e principal diretor do já mencionado Colégio 
de Santa Bárbara em Paris, importante centro de estudos humanistas, que funcionava 
por causa do generoso patrocínio do próprio D. João III. 
 Em Paris, Gouveia teve contato com Inácio e seus companheiros. O humanista 
português notou o fervor daqueles indivíduos que pregavam o cristianismo não só com 
palavras, mas também com atos de caridade cristã. A aprovação da Companhia de 
Jesus pelo papa é atribuição, em parte, de D. João III. Quando Loyola tentou 
influenciar o papa Paulo III a aprovar o seu Instituto, ele procurou recorrer a algumas 
figuras importantes. Dentre as várias personalidades com poder político, e que 
demonstraram receptividade ao projeto de Inácio de Loyola, o rei D. João III foi quem 
lhe emprestou o maior suporte. Diogo de Gouveia, que já havia construído junto a D. 
João III uma opinião favorável em relação a Inácio de Loyola e aos seus seguidores, 
influenciou o monarca Dom João III a enviar uma missiva, no dia 4 quatro de agosto 
de 1539, a D. Pedro de Mascarenhas, seu embaixador em Roma, exortando-o a 
trabalhar pela aprovação da ordem.69 
 
68 Ibid., p. 12. 
69 Cf. ALDEN, Dauril. The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond 
(1540-1750). California: Stanford University Press, 1996. p. 25-26. Dentre outras personalidades que tiveram 
influência para a aprovação da ordem, podemos destacar Hercule D´Este, Margarida de Áustria (bastarda de 
Carlos V e esposa do sobrinho do papa, Ottavio Farnese, e a filha bastarda do próprio papa, D. Constanza 
Farnese, com quem Loyola se correspondeu. A grande oposição partia do cardeal Giudiccioni para quem a 
proliferação de ordens religiosas favorecia a fragmentação da unidade da Igreja. Cf. LACOUTURE, Jean. op. cit. 
p. 109-110. 
56 
 
 A solicitação de Inácio de Loyola feita a D. João III veio em momento propício 
para ambos os desígnios; enquanto Loyola queria fundar uma ordem religiosa, o 
monarca lusitano demonstrava preocupação com a unidade religiosa do seu Império 
ultramarino. Conhecedor das intenções proselitistas de Loyola, D. João III, assim que 
soube da aprovação da Companhia de Jesus, pediu a D. Pedro de Mascarenhas que 
fizesse esforços para embarcar alguns jesuítas para o seu reino. Dessa forma, os 
jesuítas Simão Rodrigues e Francisco Xavier partiram para Lisboa para evangelizar o 
Oriente. Lisboa era o trânsito obrigatório paratodos os missionários que partiam para 
os domínios ultramarinos portugueses. 
 Por ser a Companhia de Jesus uma congregação de índole carismática, os 
primeiros jesuítas que chegaram ao reino procuraram dar provas públicas de virtude, 
repetindo, em Portugal, os mesmos atos de caridade que praticaram em Paris e Roma. 
Os jesuítas rezaram missas, ouviram confissões e ajudaram os doentes nos hospitais; 
ofereceram assistência aos internos dos presídios e aos condenados a pena capital; e, 
junto à aristocracia, convidaram seus membros a praticarem os Exercícios Espirituais. 
Desse modo, a Companhia apresentou-se aos portugueses despojada dos vícios 
apresentados por algumas das ordens de presença histórica em Portugal, como, por 
exemplo, as carmelitas, os beneditinos e os cistercienses, acusadas de laxismo.70 
 A história do advento da Companhia de Jesus em Portugal é inseparável da 
contribuição pessoal daquele que foi também um dos principais fundadores da 
Companhia, o português Simão Rodrigues (1510-1579), que se tornou, ainda, o 
primeiro Provincial de Portugal, depois que o território foi constituído Província 
Jesuíta em 1546 – a primeira Província da história da Companhia de Jesus. 
 Simão Rodrigues, que tinha intenção de fazer de Portugal apenas base de 
partida para a evangelização, teve, ao contrário de Francisco Xavier, sua viagem para 
o Oriente proibida por D. João III, que pretendia utilizar o jesuíta para outros projetos. 
Desse modo, D. João o reteve em Portugal. Simão Rodrigues ao lado de Antonio 
Vieira foram, talvez, as duas personalidades mais marcantes na história da Companhia 
de Jesus na Assistência de Portugal. Enérgico, empreendedor, dono de uma 
personalidade voluntarista e complexa, Simão Rodrigues não poupou esforços para 
aumentar a importância do seu Instituto no reino e, de fato, conseguiu um rápido 
crescimento em Portugal beneficiado pelos generosos auspícios do monarca. Em 1541, 
 
70 Cf. ALDEN, Dauril. op cit. p. 27. 
57 
 
Simão recebeu terrenos para a construção do Colégio de Coimbra. E em 1547, foi 
construída moradia adjacente no novo Colégio para abrigar o crescente número de 
neófitos que ingressavam na ordem. Oito anos depois, a congregação recebeu a 
administração do Colégio das Artes, anexo à Universidade de Coimbra. Mais tarde, 
Simão Rodrigues fundou o Colégio do Espírito Santo, em Évora, primeira medida 
rumo à fundação de uma universidade administrada diretamente pela Companhia de 
Jesus; a Universidade de Évora. Esses foram passos importantes que consolidaram o 
futuro monopólio dos loyolistas sobre o ensino em todos os âmbitos em Portugal. O 
maior estabelecimento do país, o Colégio de Santo Antão, alcançou, no século XVI, 
cerca de dois mil alunos.71 Ainda no reinado de D. João III, fundou-se, em 1553, a 
Casa Professa de São Roque. 
 Convém ressaltar que sempre esteve nos propósitos de D. João III monopolizar 
o tribunal da Inquisição como instrumento de poder, colocando-o sob os cuidados da 
coroa, à semelhança do que acontecia na Espanha. Para tanto, ele pediu o apoio de 
Inácio de Loyola para interceder junto ao papa, prometendo à Companhia de Jesus a 
direção da Santa Inquisição no reino. O pedido foi seriamente considerado por Loyola, 
que contou com o voto favorável dos seus conselheiros. Mas terminou por não aceitar 
a embaixada, ao que tudo indica, para manter sua ordem voltada exclusivamente para 
seus próprios objetivos.72 
 A influência palaciana da ordem tornou-se crescente. O rei nomeou o jesuíta 
Luís Gonçalves da Câmara (1518-1575) como seu confessor – o padre tinha ainda 
influência pessoal sobre o rei D. Sebastião, o qual foi educado pelo jesuíta Amador 
Rebelo (1539-1622).73 O costume de nomear confessores de Companhia de Jesus 
tornou-se habitual na casa de Avis e repetiu-se, em grande parte, na dinastia 
bragantina. A ascensão vertiginosa dos inacianos não foi bem vista por alguns setores 
políticos e principalmente religiosos, mormente no que se refere às aquisições 
materiais. A Companhia de Jesus foi acusada de agir com ambição que contrariava o 
seu ideário religioso, maculando, assim, seu voto de pobreza. No entanto, Simão 
Rodrigues tinha como objetivo criar bases materiais sólidas para o bem-sucedido 
estabelecimento da Companhia de Jesus portuguesa. 
 
71 Cf. BOXER, C. R. Salvador de Sá: a luta por Brasil e Angola. Companhia Editora Nacional, Editora da 
Universidade de São Paulo. Coleção Brasiliana, Vol. 353, 1963. p. 24. 
72 Cf. O´MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas. EDUSC. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS; Bauru, SP: 
Edusc, 2004. p. 479-480. 
73 Luís Gonçalves da Câmara seria o jesuíta a quem Loyola ditaria sua autobiografia. 
58 
 
 Entretanto, em Roma, as polêmicas de Simão Rodrigues desagradaram ao 
Geral Inácio de Loyola. As reclamações não estavam restritas apenas a questões de 
posses materiais. Muitas das atitudes do jesuíta, às vezes, eram tidas como excêntricas, 
e tornaram-no, aos poucos, personagem inconveniente junto à corte portuguesa. De tal 
modo que Loyola teve de substituí-lo no cargo de provincial e, posteriormente, 
remanejá-lo para Roma. Nos primórdios da Companhia de Jesus, ainda longe de 
ocupar posição privilegiada junto à nobreza, como veio a acontecer em Portugal, a 
facilidade com que Rodrigues se adaptou à corte foi muito criticada, pois tal atitude 
era um desvio em relação ao que se esperava ser o “modo de proceder” de um jesuíta. 
Todavia, Simão Rodrigues foi fundamental para o marcante papel desempenhado pela 
Companhia de Jesus na história do Império português. 
 Historicamente, o advento da Companhia de Jesus em Portugal coincidiu com 
o problema da colonização da América Portuguesa. A necessidade e o desafio da 
colonização do Brasil como um empreendimento estatal e sério foram, talvez, as 
questões mais emergenciais a serem resolvidas no reinado de D. João III. Conforme 
crescia a competição comercial ultramarina entre os reinos europeus, assim como a 
tendência decrescente da lucratividade do comércio oriental para Portugal, o Brasil 
tornava-se um território cada vez mais importante para a coroa. Destarte, a opção 
escolhida pelo rei foi manter o maior controle político sobre o monopólio da 
exploração da América Portuguesa, medida consubstanciada na instalação do 
Governo-Geral (1549). Se os jesuítas foram chamados para fortalecer a unidade 
religiosa do Império português, a América portuguesa, em plena ocupação, era para 
eles um objetivo inadiável, dado a potencialidade da terra em fornecer futuros 
conversos, além da possibilidade de construir o catolicismo no Novo Mundo – a 
Companhia de Jesus pôde, assim, colocar em prática todos os aspectos da sua raison 
d´étre. 
 Apesar das petições de Simão Rodrigues, junto ao monarca, para ser o 
fundador da missão do Brasil, a negativa do rei obrigou o jesuíta a procurar outro 
nome para realizar o empreendimento. A escolha recaiu sobre o experiente padre 
Manuel da Nóbrega (1517-1570), que terminou por ser o primeiro provincial da 
Companhia de Jesus naquela colônia. O grande legado de Simão Rodrigues foi o 
estabelecimento da Assistência de Portugal. Outro mérito também de Simão Rodrigues 
foi torná-la um corpo político influente dentro do reino, com ingerência nos negócios 
públicos, possibilitados pela instituição do padroado régio. 
59 
 
 Com o pacto entre Companhia de Jesus e a dinastia de Avis, os loyolistas 
ficaram ligados à política portuguesa – interna e ultramarina – como importante e 
necessário instrumento para a concretização de suas estratégias de Estado. Desse 
modo, em Portugal, e nos domínios do seu Império, a Companhia de Jesus não teve 
pudores em tocar empreendimentos comerciais para concretizar seus objetivos. 
Destarte, mesmo na condição de ordem religiosa, a Companhia de Jesus não ficouapenas ocupada no domínio do espiritual. Ela foi a mais mundana de todas as ordens 
religiosas da história da talassocracia lusitana. Os jesuítas tiveram engenhos no litoral 
brasileiro, praticaram o extrativismo na Amazônia, exploraram o negócio da 
escravidão na África e das especiarias no Oriente, dentre outras operações de caráter 
mais mercantilista. A diversificação de suas atividades produtivas justificou-se pela 
busca de bases sólidas para a difusão da catequese e consequente civilização dos 
povos americanos, o que terminou por favorecer a expansão portuguesa no Novo 
Mundo. A vantagem da Companhia de Jesus portuguesa, em relação às outras ordens 
estabelecidas em Portugal, no aspecto da administração dos negócios mundanos, foi o 
fato de ser dotada de pragmatismo. Assim, segundo Jorge Couto, os padres jesuítas 
tiveram que “(...) optar entre expandir o ritmo da atividade missionária, o que 
implicava a aceitação de propriedades e a utilização de escravos, ou recusar essa via e, 
por conseguinte, abdicar dos objetivos de alastramento do seu âmbito de atuação”.74 
 Portanto, a Companhia de Jesus ensejou um modus operandi singular, 
consubstanciado numa praxe religiosa adequada a uma nova mentalidade mais 
adaptada ao período mercantil. Vale sempre lembrar que a Companhia de Jesus não foi 
ordem medieval e, portanto, em nada solidificada em valores que, diga-se de 
passagem, estavam em desintegração. Ao contrário, ela surgiu na Idade Moderna. 
Assim, na explicação de Assunção: 
 
A fusão da imagem dos jesuítas com a dos senhores de engenho não foi difícil de 
ser empreendida pelas práticas que os religiosos exerceram; um novo espectro 
surgira misturando fé, missionarismo, fortuna e poder, atributos de uma empresa 
cristã que os religiosos construíram. 75 
 
 Multifacetada, a Companhia de Jesus ainda consolidaria importante monopólio 
da educação em Portugal, sem precedentes na história de qualquer outro reino 
 
74 COUTO, Jorge. O colégio jesuítico do Recife. p. 219. Apud. ASSUNÇÃO, Paulo de. op. cit.. p. 81. 
75 ASSUNÇÃO, Paulo de. op. cit. p. 84. 
60 
 
europeu. A Companhia de Jesus controlou o ensino desde a esfera básica até superior, 
seja no reino ou no ultramar português, onde forneceu a maioria das oportunidades 
para os filhos dos colonos estudarem – ensino baseado no escolasticismo e amparado 
no seu método pedagógico por excelência, o ratio studiorum. Não seria exagero 
afirmar que o domínio na esfera da educação permitiu, por muito tempo, uma natural 
reafirmação e retransmissão de valores coadunados com os da própria ordem, forma 
de manutenção do seu status quo. 
 As vantagens e os privilégios adquiridos com o rei Dom João III foram 
preservados e, em parte, ampliados aos reinados posteriores, a fim de favorecer os 
jesuítas, não só de Portugal, mas também do Brasil. Para esse efeito, isenções fiscais e 
favorecimentos reais foram prerrogativas que a Companhia de Jesus sempre almejou – 
as doações e as heranças faziam parte do patrimônio construído pela ordem. 
 Posteriormente, em 1558, dona Catarina d’Áustria, viúva de D. João III, que 
ocupava o cargo de regente em razão da menoridade do príncipe e futuro rei, D. 
Sebastião, dotou a ordem do padroado sobre 18 igrejas, vinculando-as ao Colégio de 
Coimbra, e também todas as outras pertencentes ao acerbispado de Braga. Ademais, 
transferiu a renda dos mosteiros de outras ordens para a Companhia de Jesus, muitas 
vezes, sob o argumento de que beneditinos e agostinianos subaproveitavam as 
potencialidades dos recursos anteriormente concedidos.76 Apesar da própria rainha ter 
escolhido um confessor jesuíta, esteve nos planos da regente colocar um preceptor 
dominicano ou agostiniano para o infante Dom Sebastião. Mas o influente cardeal D. 
Henrique, tio-avô do príncipe, conseguiu renovar a influência do Instituto de Loyola, 
impondo o padre Luís Gonçalvez da Câmara, ex-confessor de D. João III para a 
função. 
 Quando o próprio cardeal assumiu a regência, entregou, no curto período de 
sua governança (1578-1580), certo poder burocrático aos inacianos, que exerceram, 
em algumas situações, papel de tabeliães públicos e judiciais.77 No segundo reinado de 
D. Henriques, que assumiu o trono depois da morte de D. Sebastião, manteve-se a 
política de favorecimentos aos jesuítas, concedendo-lhes a invejável prerrogativa de 
isenção no pagamento de sisas sobre bens de raiz comprados, vendidos ou permutados. 
O privilégio, como nos lembra Paulo de Assunção, foi a base jurídica que possibilitou 
e também incentivou os jesuítas a circularem mercadorias entre as varias unidades 
 
76 ASSUNÇÃO, Paulo de. op. cit. p.118 
77 Ibid., p. 120. 
61 
 
jesuíticas espalhadas pelo mundo.78 Foi sem dúvida esta integração produtiva que 
possibilitou à Companhia de Jesus criar um circuito econômico paralelo ao estatal, em 
que, talvez, o exemplo mais flagrante foi aquele que se desenvolveu no Grão-Pará e 
Maranhão. Ligados diretamente a Lisboa, os jesuítas do Grão-Pará eram legalmente 
isentos de prestar contas ao Estado. 
 O período filipino não foi desvantajoso para a Companhia de Jesus, que 
recebeu parcela considerável da culpa pelo desastre de Alcácer-Quibir (nome da 
batalha que levou o ainda solteiro e sem herdeiros rei D. Sebastião à morte, gerando 
uma crise dinástica em Portugal) por não haver controlado o ímpeto cruzadístico do 
rei, na condição de tutora daquele monarca. Em Roma, Mercurian que era o atual 
Geral da ordem, exigiu que a Companhia de Jesus portuguesa favorecesse o partido 
espanhol na sucessão ao trono português. No entanto, a Companhia de Jesus 
portuguesa expôs oficialmente sua posição contraria àquele pedido, manteve-se 
partidária à candidatura da casa de Bragança.79 Segundo o historiador Dauril Alden, o 
braço português da Companhia de Jesus manteve, no geral, postura sempre contrária à 
União Ibérica, sendo, até mesmo, um dos grandes divulgadores do mito sebastianista. 
Esse posicionamento político desacelerou o crescimento da ordem, mas não aboliu 
privilégios anteriormente conquistados. Porém, durante o interlúdio filipino, as ordens 
religiosas, em geral, não encontraram possibilidade de enriquecimento, em razão da 
orientação política de Madri, cuja principal preocupação foi a grande crise econômica 
que minava o Império espanhol, impondo, dessa forma, uma política austera sobre o 
rendimento eclesiástico. 
 Com a independência portuguesa e o início da dinastia bragantina, a 
Companhia de Jesus viu-se favorecida pelo seu apoio à entronização de Dom João IV. 
Se na cultura política portuguesa as ordens religiosas proporcionavam forte apoio ao 
rei, os jesuítas retomavam assim a função que tinham adquirido desde sua chegada a 
Portugal. O padre João Nunes foi designado confessor da rainha Dona Maria Ana de 
Áustria, e o próprio D. João IV teve como principal conselheiro, para os mais variados 
assuntos, até mesmo para temas estratégicos, como o de política externa, o jesuíta 
Antônio Vieira. Apesar da falta de recursos que grassava a economia portuguesa 
depois da independência, a Companhia de Jesus, do ponto de vista ideológico, foi 
significativamente beneficiada pela representatividade desempenhada por Vieira no 
 
78 Ibid., p. 120. 
79 Cf. ALDEN, Dauril. op. cit. p. 89. 
62 
 
paço real, de tal modo que o poder jesuítico no controle dos ameríndios e na difusão 
da catequese esteve mais do que assegurado nas colônias. 
 Vieira, que ao longo de sua vida intercalou o papel de missionário (na 
Amazônia) com o de estadista, sempre se aproveitou de sua ascendência como 
principal conselheiro do monarca para defender os interesses da Companhia no Brasil, 
principalmente na questão do controle e da liberdade dos indígenas. Na Amazônia, 
onde residiu por muitosanos na condição de missionário e onde teve inúmeras 
desavenças com moradores e governo local (chegou mesmo a ser embarcado à força 
para Portugal), conhecia profundamente os problemas da exploração da mão-de-obra 
indígena. Assim, as petições que o padre enviou à corte, como solução para o 
problema da disputa pelo índio, valeram-lhe o direito de elaborar, a próprio punho, o 
chamado Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Pará, de 1º de dezembro 
de 1686, publicado no reinado de Dom Pedro II. 
 A confecção do Regimento das Missões, apesar de essencialmente inspirado no 
caso específico do Maranhão-Pará, foi publicado como norma válida para todo o 
Brasil. O objetivo do Regimento consistia em regular a exploração do trabalho do 
índio que, de acordo com a lei, ficaria sob a tutela exclusiva das ordens religiosas. A 
legislação, na prática, concedeu o controle da mão-de-obra indígena aos missionários, 
fato que aumentou o poder dos jesuítas no Brasil. A questão da mão-de-obra era um 
grande problema nos lugares em que o tráfico negreiro não chegava e, 
consequentemente, também para os menos abastados, que encontravam no índio fonte 
de trabalho mais barata. Logo, as condições para a obtenção do braço indígena e a 
quantidade de tempo e de trabalho que eles seriam submetidos dependiam das regras 
estipuladas pelo Regimento das Missões, assim como da boa vontade dos missionários 
em disponibilizá-los aos colonos. O realista Vieira parecia perceber que não bastava a 
mera aplicação de um regimento para sanar a falta de mão-de-obra e aliviar a pressão 
da população sobre os índios, razão pela qual defendeu a introdução de companhias de 
comércio no Brasil, a exemplo da do Maranhão e Grão-Pará, engenhada por ele 
mesmo, com o intuito de introduzir o trabalho de escravos africanos a preços mais 
acessíveis. 
 Os seguintes reinados, de Dom Afonso VI (1643- 1683) e de Dom Pedro II de 
Portugal (1648-1706), apesar de antecederem as descobertas das riquezas auríferas no 
Brasil, não frearam o crescimento econômico das ordens religiosas na América 
portuguesa ou, ao menos, não conhecemos dados que contrariem a tendência. 
63 
 
Heranças e doações ainda representavam possibilidades para dilatar o patrimônio da 
Companhia que já havia adquirido um cabedal considerável de bens de raiz, o que 
possibilitava a produção de riqueza nos próprios reinvestimentos na atividade 
produtiva – há muito auto-suficiente. 
 O posterior reinado de Dom João V (1689-1750) coincidiu em sua inteireza 
com o reerguimento econômico português, em razão da produção aurífera. Mas foi no 
reinado joanino, principalmente em sua etapa final, que aconteceram algumas 
alterações na política portuguesa, o que afetou direta e sensivelmente o poder religioso 
no reino. Embora Dom João V tenha sido, no começo, um perdulário na construção e 
remodelação de igrejas, além dos dividendos enviados a Roma – o que lhe valeu o 
título de “Sua Majestade Fidelíssima” – redirecionou de alguma forma essa tendência 
a partir da revogação das isenções fiscais concedidas a religiosos, quando eles 
procuravam adquirir edifícios religiosos. Como era de praxe na dinastia de Bragança, 
D. João V recebeu educação da Companhia de Jesus e sempre fora cercado de 
confessores jesuítas. No entanto, no crepúsculo do seu reinado, em idade avançada, 
dispensou os padres da Companhia, inclinando-se pelos oratorianos (Congregação do 
Oratório de São Felipe de Nery), uma congregação de padres seculares sem ainda 
grande tradição em Portugal. Sintomática ou não, esta decisão do rei apontava para o 
fato de que no final do período joanino surgiu a tendência pelo fortalecimento do 
absolutismo. Se os religiosos católicos estavam naturalmente divididos entre duas 
autoridades como o papa romano e o monarca do Estado nacional, os Padres da 
Companhia de Jesus ainda subdividiam em outros graus a hierarquia à qual 
obedeciam, porque antes de prestarem satisfação ao papa ou ao rei, deveriam, em 
primeiro lugar, obedecer diretamente ao geral da ordem. Por razões ainda pouco 
conhecidas, sabemos que D. João V proibiu os jesuítas portugueses de se 
comunicarem com o geral da ordem Miguel Ângelo Tamburini, pedido mais do que 
infactível. Dauril Alden sustenta que a decisão se deveu à tentativa de cessar com o 
habitual envio de recursos da Companhia de Jesus portuguesa para o quartel general 
da ordem em Roma. 80 Com a morte de D. João V e a posterior entronização de D. 
José I, a situação reverteu-se definitivamente contra o clero e, também, a Companhia 
de Jesus. Portanto, o enfraquecimento do clero começou no final do reinado de Dom 
João V. Os religiosos detinham um poder de influência nas decisões de Estado que não 
 
80 Cf. ALDEN, Dauril. op. cit. p. 607. 
64 
 
necessariamente atendia apenas ao interesse monárquico, mas também algumas vezes 
ao de Roma. É natural que a Companhia de Jesus terminasse afetada por certo 
desprestígio em relação aos mais destacados representantes da Igreja no reino, ainda 
que em fase bastante incipiente. 
 O reinado de D. José I inaugurou um ciclo de novos desafios que urgia por 
soluções e havia sido negligenciado desde o reinado anterior. As índias portuguesas, 
que há muito não abasteciam o reino de riquezas, fizeram com que a coroa voltasse 
sua atenção para o Brasil que, mesmo assim, já no final do reinado anterior, não 
oferecia as riquezas em metais preciosos como outrora. Todavia, se o Brasil afirmava-
se como a mais importante colônia portuguesa, havia problemas emergências como a 
resolução da indefinição das fronteiras americanas entre Portugal e Castela. Se no 
final do reinado joanino o declínio das rendas auríferas era flagrante, o problema 
chamava atenção para a questão do contrabando, em nada circunscrito ao extrativismo 
mineral, mas que se manifestava em outros setores da economia portuguesa, que sofria 
com a sangria de dividendos para fora do reino, consubstanciada no contrabando 
controlado por grupos mercantis portugueses ou estrangeiros. Outro problema sensível 
enfrentado por Dom José I foi a presença asfixiante de clérigos como componentes do 
aparelho burocrático e sua influência real na política de Portugal. Curiosamente, esse 
que parecia um desafio menor, representou um dos episódios mais dramáticos do 
reinado josefino, e faz parte do tema deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
65 
 
 III. A Companhia de Jesus na América Portuguesa 
 
 
 
O ingresso da Companhia de Jesus no Brasil e o crescimento de sua 
importância é evento larga e exaustivamente mencionado na historiografia brasileira, e 
objeto de estudo multifacetado, abordado a partir de diversas perspectivas. 
Os primeiros jesuítas desembarcaram na América portuguesa precisamente 
no dia 29 de março de 1549. Liderados pelo padre Manuel da Nóbrega (eram ao todo 
seis jesuítas) acompanhavam aquele que foi o primeiro Governador-Geral das 
possessões portuguesas, Tomé de Souza.81 O Regimento que D. João III entregou a 
Tomé de Souza, que instalou administração por parte do Governo-Geral, tinha como 
escopo instaurar o Estado burocrático português com vias à centralização do domínio 
lusitano, para a efetiva exploração comercial em seu quinhão americano. No 
Regimento constava a exigência de catequizar os ameríndios, o que explica a vinda 
das ordens religiosas para o Brasil, tendo em vista que os nativos tinham papel crucial 
naquele projeto.82 Os missionários podiam negociar alianças com os povos autóctones 
numa etapa em que o domínio português no Brasil ainda era desafiado por outros 
reinos. 
A historiografia registra que era objetivo dos jesuítas fazer com que os 
indígenas se tornassem dóceis, pois conjecturavam sua utilização como principal fonte 
de mão-de-obra para tocar os empreendimentos agrícolas. Manuel da Nóbrega foi o 
primeiro difusordos costumes, dos povos e das características do Brasil. Manuel da 
Nóbrega fazia sempre referência ao escândalo que o clero secular lhe causou por causa 
da baixa instrução, “Cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem”, 83 além da 
conivência com os maus costumes dos colonos, a exemplo daqueles moradores que 
viviam amancebados com as índias: “Nesta terra há um grande pecado (...) que é terem 
 
81 Eram os Padres Leonardo Nunes, João de Azpilcueta Navarro e Antonio Pires; e os irmãos leigos Vicente 
Rodrigues e Diogo Jacome. Cf. VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus no Brasil. 3. ed. 
Vol. I. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 185. 
82 Cf. CARVALHO, Laerte Ramos de. Ação missionária e educação. In: História Geral da civilização 
brasileira. 13. ed. Tomo I. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 156. 
83 Carta de Manuel da Nóbrega ao Padre Mestre Simão Rodrigues. ?/?/1549. In: NÓBREGA, Manuel da. Cartas 
do Brasil, 1549-1560. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988 p. 77. 
66 
 
muitas mulheres”.84 Ao mesmo tempo, Nóbrega punha em execução ministérios como 
a aplicação de sacramentos entre moradores e nativos, aos quais ainda teve de 
combater o hábito da antropofagia. Esses podem ser considerados os primeiros 
prenúncios de uma “missão civilizadora” dos jesuítas. 
O historiador Serafim Leite entende que desde o princípio Manuel da 
Nóbrega demonstrou ter grandes projetos em relação ao Brasil. Tais planos deixavam 
a Companhia de Jesus em sintonia com os desígnios da coroa portuguesa em relação 
as suas possessões americanas – ocupar e colonizar os povos nativos e o território. O 
inaciano, que logo conjeturou a expansão das missões, não perdeu tempo em pedir a 
Simão Rodrigues que enviasse mais jesuítas, que de fato chegaram a meados de 1550, 
acompanhados de sete meninos órfãos para auxílio dos padres.85 Assim, escreveu 
Manuel da Nóbrega para Simão Rodrigues: “Esta terra é a nossa empresa, e o mais 
Gentio do mundo”. 86 A palavra “empresa” tem sido interpretada pela moderna 
historiografia, talvez com algum exagero, com duplicidade de sentido, embora Manuel 
da Nóbrega faça referência a um empreendimento catequético, comumente faz-se 
emprego do termo para identificar intenções de caráter mercantilista nos projetos da 
Companhia de Jesus na América portuguesa. No entanto, é inegável que Manuel da 
Nóbrega reuniu imensos esforços para que a Companhia de Jesus tivesse sólida 
presença no Brasil, baseada na exploração econômica de suas propriedades, bens de 
raiz, tendo como principal mão-de-obra os escravos africanos ou os indígenas. Da 
perspectiva da “missão civilizadora”, os jesuítas lutaram pela educação dos colonos e 
catequese indígena. E por isso, os religiosos da Companhia de Jesus foram autorizados 
a construir e a administrar escolas, igrejas e aldeamentos indígenas. O objetivo era que 
a conversão e a catequese do indígena não fossem apenas nominais. Por conseguinte, 
os inacianos tornaram-se tão colonizadores quanto o Estado português ou os grupos 
mercantis. 
Para entendermos o rápido e bem-sucedido desenvolvimento da 
Companhia de Jesus na América portuguesa em termos de poder espiritual e temporal, 
é necessário analisar as estratégias que os jesuítas lançaram mão para aumentar o seu 
poder. Os jesuítas gozaram de favorecimentos como a aquisição de bens de raiz e 
lograram se afirmar como Instituto fundamental para ensejo da colonização 
 
84 Carta de Manuel da Nóbrega ao Padre Mestre Simão Rodrigues de 9 de agosto de 1549. In: Ibid., p. 79. 
85 LEITE, Serafim. op. cit. p. 34. 
86 Carta de Manuel da Nóbrega ao Padre Mestre Simão Rodrigues de 9 de agosto de 1549. In: Ibid., p. 82. 
67 
 
portuguesa. Desse modo, os benefícios, ao longo do período colonial, foram mantidos 
e ampliados. 
A colaboração estreita entre Nóbrega e Tomé de Sousa trouxe resultados 
positivos à Companhia. Logo de início, o governador-geral entregou à Companhia sua 
primeira sesmaria no Brasil e como esmola vieram agregados mais três escravos da 
Guiné. Dádiva irrisória comparada aos futuros e maiores benefícios que a Companhia 
ainda receberia.87 Tomé de Souza ainda privilegiou de forma inusitada os inacianos ao 
pôr à disposição dos jesuítas os armazéns da fazenda real, a fim de que os padres 
encontrassem o necessário para o seu sustento. Nóbrega fundou uma escola de 
alfabetização a pedido dos moradores, ademais do Colégio dos Meninos de Jesus, com 
fins catequéticos, para os órfãos, nos mesmos moldes que o da ordem em Lisboa. Isso 
por que os jesuítas utilizavam os meninos como tradutores na comunicação com os 
nativos e como exemplo de virtude para os demais catecúmenos. O colégio teve vida 
curta e foi abandonado a pedido do próprio Inácio, porque a aquisição começou a 
trazer problemas políticos para a Companhia de Jesus. 
Sob os auspícios da coroa e auxiliada pela boa relação com o governo-
geral, a Companhia de Jesus teve à sua disposição o direito de dispor do erário régio 
para conseguir sustento e manutenção na América Portuguesa e ainda conseguiu 
favores adicionais. Com a entronização de D. Sebastião (1557- 1578), a Companhia de 
Jesus alcançou novos benefícios. Apesar do curto reinado, Dom Sebastião não poupou 
aos inacianos dádivas, como privilégios, isenção fiscal e dotação de terras no Brasil. 
Também foi elaborada a primeira das legislações indígenas que visavam proteção dos 
ameríndios. O reconhecimento dos indígenas estava juridicamente em sintonia com a 
política romana para o Novo Mundo, conforme documento publicado pelo papa Paulo 
III, em junho de 1537 (Altitudo divini consilii), que ratificava a dignidade e 
humanidade dos povos americanos nativos.88 A resolução emitida por Dom Sebastião, 
em sete de novembro de 1564, foi dada com o intuito de facilitar a “(...) conversão das 
gentilidades das partes do Brasil e instrução e doutrina dos novamente convertidos 
(...).” 89 A ordem reforçava, além da prerrogativa de tutela dos missionários de todas 
as ordens religiosas que atuavam no Brasil, o direito dos religiosos disporem de 
 
87 LEITE, Serafim. op. cit. tomo I p.23-24. 
88 Cf. AGNOLIM, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi 
(séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas Editorial, 2007. p. 136. 
89 LEITE, Serafim. op. cit. tomo I p.131. 
68 
 
autoridade moral para combaterem o ímpeto escravagista dos colonos. Dom Sebastião 
ainda autorizou os missionários da Companhia de Jesus a dotar e aplicar: 
 
(...) uma redízima de todos os dízimos e direitos que tenho e me pertencem e ao 
diante pertencerem, nas ditas partes do Brasil, assim na capitania da Bahia de 
Todos os Santos, como nas outras capitanias e povoações delas; para que o dito 
Reitor e Padres do dito Colégio tenham e hajam a dita redízima. 90 
 
 Aquela determinação foi considerada beneficente para a manutenção e o 
engrandecimento da Companhia de Jesus, dotando, com recursos financeiros, o recém-
fundado Colégio da Bahia. Esse benefício estendeu-se depois, em 1568, para os 
colégios do Rio de Janeiro, e em 1576, para o de Olinda.91 
 Embora as fórmulas do Instituto (as Constituições, cuja redação estava em 
andamento, só seriam publicadas em 1556) falassem em pobreza absoluta e 
exortassem os padres a viverem de esmola, os jesuítas no Brasil logo perceberam que 
a “empresa” sonhada por Manuel da Nóbrega jamais poderia acontecer com tão parco 
auxílio. Ao estilo dinâmico de um Simão Rodrigues, e com a adaptabilidade exigida 
pelo cenário e especificidades da América Portuguesa, não restam dúvidas de que 
Nóbrega teve de reconsiderar, ainda que intimamente, aquela proposta de humildade 
material tão valorizada pelos fundadores da Companhia de Jesus. Assim, Manuel da 
Nóbregapôs em prática uma política de maior realismo nos trabalhos de 
evangelização na América portuguesa. 
 Dessa maneira, chegamos a uma questão que desde sempre foi fonte de 
polêmica na história da presença dos inacianos no Brasil: a da legalidade e da 
moralidade de suas possessões na colônia.92 Apoiados na instituição do padroado, os 
jesuítas forçosamente exerceram papel na administração política do Brasil colonial. 
Por outro lado, ficou estabelecido nas fórmulas da Companhia de Jesus que a 
incorporação de bens materiais ao patrimônio da congregação estava expressamente 
vetada. De fato, as Constituições da Companhia de Jesus, que só foram publicadas 
menos de uma década depois da chegada dos jesuítas ao Brasil, reforçaram a proibição 
 
90 Ibid., p.131 
91 Ibid., 124. 
92 Cf. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: 
Edusp, 2003; LEITE, Serafim. A História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo IV. Lisboa/Rio de Janeiro, 
Portugália/ Instituto Nacional do Livro, 1938-1949. Rio de Janeiro, 1943. ; AZEVEDO, João Lúcio de. Os 
jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Porto, 1901. 
69 
 
de aquisições de fazendas e de escravos, bens que a congregação não abriu mão da 
posse, contrariando as normas do seu Instituto. 
 Assim, ficou flagrante uma contradição intrínseca entre a proposta 
evangelizadora do Instituto de Loyola e o veto à possessão de riquezas materiais. 
Embora o texto das Constituições faça menção ao problema da manutenção dos 
Institutos de ensino da Companhia, ela silencia a questão da sustentação econômica 
das missões. O problema ficou evidenciado na América portuguesa, onde os inacianos 
se defrontaram com as potencialidades econômicas tentadoras da terra, pois havia a 
dificuldade em manter a catequese sem a produção de riquezas. Um projeto tão 
ambicioso não poderia negligenciar as injunções de ordem econômica. Assim, por 
conta das circunstancias, formou-se uma Companhia de Jesus com uma organização e 
um modus operandi peculiares no espaço luso-brasileiro. Assim, concordamos com a 
asserção de Paulo de Assunção que estudou a fundo o papel temporal da congregação 
no Brasil. Para ele, “Ao chegar à terra dos brasis, algumas práticas dos membros da 
Companhia de Jesus se modificaria segundo a necessidade da integração colonial”. 
Ainda salienta que: 
 
Na América Portuguesa não era possível obter rendas de mosteiros ou e terras 
coutadas, condição que exigia um empenho maior quanto à criação de formas 
alternativas de obtenção de bens para manutenção [apenas] dos religiosos”. Assim, 
“Os missionários designados para a América portuguesa ficavam praticamente 
isolados do seu contexto europeu, sendo obrigados, pelas circunstâncias que o meio 
revelou, a se incorporarem e a interagirem junto aos novos valores culturais e às 
estruturas políticas e econômicas coloniais. 93 
 
Segundo depreende-se da leitura das Constituições, os jesuítas não 
poderiam justificar, pelas normas do seu Instituto, a aquisição de bens de raiz, que foi 
acumulado deliberadamente no Brasil. O argumento da Companhia tinha sempre por 
base que as suas práticas se justificavam pelas prerrogativas que historicamente 
receberam dos monarcas lusitanos, o que fazia com que fossem amparados na 
instituição do padroado régio. No mais, os jesuítas explicaram que sempre mantiveram 
a pobreza individual e procuravam argumentos que os respaldassem nas Constituições, 
porque tudo que possuíam era coletivamente. Mesmo assim, eles só poderiam possuir 
coletivamente bens que fizessem funcionar seus estabelecimentos de ensino. Quando 
 
93 ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Edusp, 
2003. p. 93. 
70 
 
interpelados sobre essa questão, dado que possuíam fazendas que comportavam 
cabeças de gado, manufaturas, ferramentas e escravos, responderam que todas essas 
riquezas eram extensões dos Colégios juridicamente a eles ligadas. Segundo eles, os 
bens constituíam uma continuidade dos Colégios, embora diversificados na forma de 
fazendas ou de engenhos, tendo um único fim: manter os colégios e os alunos, sendo 
que os catecúmenos – número majoritário de indivíduos sob a tutela da Companhia – 
estavam no rol de estudantes que, pela lei da Companhia de Jesus, deveriam ser 
sustentados com gratuidade em relação à alimentação, moradia e vestimentas. 
Destarte, o fato de possuírem muitos bens justificava-se pela quantidade de prosélitos 
que traziam para o seio da Igreja e também pelo trabalho de edificação da fé. 
O fato é que essa argumentação, empregada por jesuítas da antiga 
Companhia de Jesus e posteriormente por uma historiografia leniente para com a 
ordem, jamais impressionou seus mais severos críticos, no passado e atualmente. 
Talvez o advento da Companhia de Jesus na América portuguesa tenha ido além do 
planejado por Inácio de Loyola, assim como a rapidez com que operaram no 
continente, escapando a situação do controle dos inacianos mais próximos ao 
fundador. Os jesuítas criaram, portanto, uma Companhia de Jesus com uma 
organização e um modus operandi peculiares no espaço luso-brasileiro. Eles 
perceberam desde o início que os índios seriam o alvo principal para realização da 
evangelização da América. Essa opção pelos índios desencadeou graves e continuados 
atritos com os moradores que dependiam da mão-de-obra indígena. Entretanto, a 
Companhia de Jesus que sempre precisou dar provas da legitimidade de sua luta contra 
o cativeiro indígena, procurou, frequentemente, influenciar papas e reis para reforçar a 
ilegalidade daquelas práticas. A quase inutilidade daqueles esforços foi constatada 
pela copiosa legislação indígena que procuravam reforçar leis anteriormente emitidas, 
mas que não fizeram surtir os efeitos desejados.94 
É necessário sublinhar que a postura da Companhia de Jesus em relação 
aos indígenas jamais foi unívoca e variava no tempo em resposta às injunções das 
novidades conjunturais – e foi modificada continuamente, como comprova a farta 
legislação indígena, cujas alterações eram inevitavelmente influenciadas pela 
Companhia de Jesus. Em Portugal, o rei D. Sebastião (1557-1578), pela lei de 20 de 
 
94 Cf. NEVES, Luiz Felipe Baêta. Vieira e a imaginação social jesuítica – Maranhão e Grão-Pará no século 
XVII. Rio de Janeiro: TopBooks, 1997. p. 253-270. O autor apresenta compilação das principais legislações 
indígenas portuguesas. 
71 
 
março de 1570, tentou restringir a escravização indígena, limitando-a a situações de 
“Guerra Justa”. Embora a legislação tenha deixado inúmeras brechas para 
interpretações, sem fazer surtir grandes efeitos, sinalizou um primeiro esboço de um 
sem-número de leis que ainda seriam publicadas no período colonial. Antes, em 1537, 
o papa Paulo III, por meio da bula Sublimus Dei (23 de Maio) e da encíclica Veritas 
ipsa (9 de Junho), lembrava aos cristãos que os índios “(...) das partes ocidentais, e os 
do meio-dia, e demais gentes (...) eram seres livres por natureza”. O papa Gregório 
XIV (1590-1591) publicou a Cum Sicuti (1591). Nos séculos seguintes, contra a 
escravidão e o tráfico, pronunciam-se também os papas Urbano VIII (1623-1644), na 
Commissum Nobis (1639) e Bento XIV (1740-1758), no breve Immensa Pastorum 
(1741). No século XIX, no mesmo sentido, o papa Gregório XVI (1831-1846) 
pronunciou-se ao publicar a bula In Supremo (1839).95 
Quando se fala em cativeiro indígena é recorrente a menção ao termo 
“guerra justa”, cuja definição foi primeiramente trabalhada por Tomás de Aquino em 
sua Suma Teológica. Na América portuguesa, o conceito de guerra justa aplicava-se 
em alguns casos específicos, são eles: quando a nação a ser atacada havia 
anteriormente declarado guerra aos portuguesesou a nações aliadas dos portugueses; 
no caso de determinada nação indígena não aceitar a conversão ao cristianismo após 
algumas tentativas fracassadas por parte dos missionários; ou caso o índio fosse 
“resgatado”, ou seja, estivesse destinado a sacrifício pelo grupo indígena que o 
capturou, mas foi resgatado antes de receber o suplício. Nesses casos, considerava-se a 
escravização legal. 
De início, conjecturava-se que Manuel da Nóbrega, logo que ensaiou o 
primeiro contato com os indígenas, estivesse longe de acreditar em uma conversão 
satisfatória. O historiador norte-americano Stuart B. Schwartz, estudioso da 
colonização na Bahia, defende a teoria de que os jesuítas tentaram, embora sem grande 
sucesso, transformar os indígenas num campesinato submisso e disciplinado para tocar 
os empreendimentos agrícolas na capitania da Bahia, mais do que simplesmente em 
catecúmenos ociosos. Segundo a exegese que Eduardo Hoornaet fez do tratado 
teológico de Manuel da Nóbrega, Diálogo sobre a Conversão do Gentio (1556), a 
 
95 Cf. CUNHA, Marta Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz, 2008 p. 
529 & FLORES, Moacy. Dicionário de história do Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. p. 321. 
72 
 
submissão irrestrita do índio à cultura ocidental – neste caso, à ideia de “trabalho” – 
era imprescindível para sua completa conversão.96 
Entretanto, Manuel da Nóbrega deu ensejo aos propósitos da ordem no 
Brasil que, em resumo, consistiam em construir escolas para a educação dos colonos; 
catequizar os indígenas; prover os religiosos da Companhia de posses como escolas e 
igrejas que viabilizassem a continuidade do trabalho de catequese, para que a 
conversão do indígena não fosse apenas nominal; promover a fundação de aldeias para 
povoar o Brasil e organizar as missões. 
Também foi Manuel da Nóbrega quem colocou a questão de se inaugurar a 
primeira diocese brasileira em Salvador. Ele defendia ser importante a presença de um 
vigário-geral para facilitar o trabalho de conversão e moralização dos costumes na 
terra. As influências de Simão Rodrigues e da diplomacia portuguesa junto à Santa Sé 
lograram que o pedido conseguisse resposta satisfatória, conforme a bula Super 
specula militantis Ecclesiae de 5 de fevereiro de 1541, que também confirmou D. 
Pedro Fernandes Sardinha como o primeiro bispo do Brasil, quando tomou posse da 
diocese em 22 de junho de 1552.97 Ele e Manuel da Nóbrega tiveram sérios 
desentendimentos em decorrência de questões de método de conversão e poder. 
A heterodoxia dos inacianos causava estranheza ao bispo Sardinha, que 
reprovou a prática de usar crianças como intérpretes nas confissões junto aos 
indígenas.98 Para o bispo, os jesuítas tendiam para gentilismo, porque aceitavam 
alguns dos costumes indígenas. Em relação a isso, somava-se também a esquisitice 
comum dos padres da Companhia de Jesus de autoflagelar-se em público ou diante dos 
seus alunos, cujo objetivo era dar provas ostensivas de humildade. 
O bispo ainda criticava as prerrogativas que os jesuítas dispunham de 
usufruir das verbas do rei e do rápido enriquecimento que alcançaram no Brasil. Para 
conturbar ainda mais as tensas relações entre os regulares e a eminência, Manuel da 
Nóbrega recebeu instruções da cúpula da Companhia de Jesus em Roma e do próprio 
Inácio de Loyola, que, como prelado regular, não estava submetido ao bispo, em 
consonância com as Constituições da Companhia de Jesus; posicionamento que só 
 
96 Cf. HOORNAET, Eduardo. A igreja católica no Brasil colonial. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. p. 554. In: 
BETHELL, Leslie (org). História da América Latina. Vol. I. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 
Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. p. 
97 Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. A instituição do Governo-Geral. In: História Geral da civilização 
brasileira. 13.ed Tomo I. p. 129. 
98 Cf. AGNOLIM, Adone. op. cit. p. 101. 
73 
 
reforçou recíprocas intransigências.99 Esse foi o primeiro dos muitos atritos entre 
jesuítas e poder episcopal no Brasil. 
Logo a seguir, Nóbrega deu início ao alastramento da Companhia no 
restante do Brasil. O padre viajou com Tomé de Souza e cumpriu as determinações do 
regimento de visitar as capitanias “de baixo”, dando início à jornada para reforçar o 
poder do governo-geral. Manuel da Nóbrega, que precisava arrefecer as tensões com o 
bispo, aproveitou aquela oportunidade para acompanhar o governador e, quiçá, 
fortalecer a presença da ordem no Brasil. Por outro lado, o jesuíta desejava tomar 
conhecimento do gentio da terra. Ele foi seduzido pelas histórias sobre os guaranis, 
aparentemente diferentes dos demais índios. De fato, a viagem trouxe resultados 
positivos. Nesse percurso, eles partiram de Salvador, em 1552, e perpassaram todas as 
capitanias até o sul de São Vicente. Manuel da Nóbrega procurou criar condições para 
o estabelecimento da Companhia de Jesus nas capitanias em que visitou, edificando 
estabelecimentos, algumas vezes precários, para garantir o início dos trabalhos da 
ordem em cada uma delas. É sabido que em algumas capitanias os resultados foram 
mais proveitosos que em outras, mas o jesuíta tinha o cuidado de esclarecer o objetivo 
de não abandonar nenhuma das zonas de importância estratégica na América 
portuguesa, mesmo quando, ao invés de fundar importantes colégios, apenas 
inaugurava pequenas escolas de alfabetização. Em algumas das capitanias mais 
prósperas, Manuel Nóbrega fundou colégios, conforme privilégio adquirido mediante 
dotação régia, como já mencionamos. 
Dentre as capitanias litorâneas, destacam-se, por exemplo, a de São Jorge 
de Ilhéus que teve os padres Leonardo Nunes e o irmão Diogo Jacome como um dos 
primeiros jesuítas. Em decorrência das dificuldades com os índios, como a hostilidade 
deles, por exemplo, o trabalho desses padres sofreu alguns reveses. Em Ilhéus, o 
Colégio da ordem foi construído em 1565 e a igreja em 1569, com ênfase na catequese 
dos índios. Os padres da capitania de Ilhéus ficaram ligados e submetidos à capitania 
da Bahia. Os padres que foram para a capitania de Porto Seguro, fizeram-no apenas 
como trânsito para as capitanias do Sul. A ida dos jesuítas para aquele território partiu 
da iniciativa dos próprios moradores, os quais pediram a Nóbrega que estabelecesse 
padres inacianos e escola para educação dos seus filhos, o que de fato aconteceu em 
 
99 Cf. LEITE, Serafim. op. cit. tomo II. p. 517. 
74 
 
1552. A Companhia de Jesus, no entanto, só por volta de 1563 é que retomou os 
trabalhos de forma continuada. 
A colonização do Espírito Santo, empreendimento que mais apresentou 
dificuldade no sistema das capitanias, foi recuperada por Mem de Sá e Manuel da 
Nóbrega, o que abriu caminho para a vinda de outros padres da Companhia, liderados 
pelo padre José de Anchieta. Os primeiros jesuítas a atuarem no Espírito Santo foram 
o padre Afonso Braz e o coadjutor temporal Simão Gonçalves. Eles chegaram um ano 
antes que Nóbrega, que também passou pela cidade em 1552, juntamente com Tomé 
de Souza. Eles incentivaram a construção do Colégio de Santiago para a Companhia, 
quando já estava em atividade a Confraria dos Meninos de Jesus, nos moldes da 
baiana e da vicentina. O Colégio foi inaugurado apenas em 1589. 
A análise do desenvolvimento da capitania de São Vicente é extremamente 
interessante, pois serve como esboço histórico sobre o papel dos jesuítas no Brasil, par 
excellence. Eles lutaram pela repressão do cativeiro indígena, o que levou a frequentes 
atritos com os moradores, tão dependentes da mão-de-obra nativa. Para efetuar a 
catequese do indígena, os jesuítas desenvolveram também o sistema dos aldeamentos. 
Nele, os índios ficavam separados dos moradores, servindo de mão-de-obraem 
quantidade e tempo determinados pelos padres, sistema semelhante ao adotado no 
Pará-Maranhão, e que levavam sempre a grandes e insolúveis desentendimentos entre 
colonos e jesuítas. 
Quando Nóbrega passou por São Vicente, em 1553, os trabalhos da 
catequese estavam bastante adiantados pelo padre Leonardo Nunes. Reunindo esforços 
com Leonardo Nunes, eles tiveram o cuidado de fundar São Paulo de Piratininga. O 
Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente foi inaugurado em 1553, na presença de 
Nóbrega. Lá, os trabalhos da Companhia deram bons resultados, eles chegaram a 
receber incentivos do poder civil em dotação de terras naquela que foi capitania de 
Martim Afonso de Sousa. 
Há várias discussões sobre as razões que levaram Nóbrega a incentivar a 
fundação de São Paulo, transferindo para lá posses e moradores que viviam em Santo 
André. Acreditava-se que o jesuíta tentou fazer da vila um centro de partida para os 
sertões do Brasil, em razão da existência de vias terrestres e fluviais naquele ponto, o 
que talvez colocou o Sudeste brasileiro em contato com os guaranis nas proximidades 
com a região que hoje conhecemos como Paraguai. Isso facilitou o comércio, mesmo 
que ilegal, com o Vice-reinado do Prata. Por outro lado, considerando os guaranis 
75 
 
mais receptivos, Manuel da Nóbrega tentou obter autorização de Tomé de Sousa, em 
vão, para ficar nas proximidades da capitania de São Vicente, no intuito de tentar pôr 
em prática a catequese entre São Vicente e o Paraguai. 
Manuel da Nóbrega, ao que tudo indica, muitas vezes, demonstrou pouco 
otimismo em uma conversão satisfatória dos nativos na região nordestina. A sua 
provável incredulidade, no que dizia respeito a uma conversão sincera daqueles 
ameríndios, tarefa tão difícil e ingrata, ficou relatada no ensaio Diálogo sobre a 
conversão do gentio. No relato, demonstrou as dificuldades em se conseguir bons 
resultados na conversão do gentio ao cristianismo, o que podia gerar problemas 
adicionais como um indesejável ceticismo na prática da catequese por parte dos 
missionários.100 
 No entanto, aqueles guaranis, como Leonardo Nunes havia relatado, 
pareciam mais desenvolvidos na agricultura e raramente caíam na antropofagia. 
Outrossim, demonstravam maior capacidade de organização, e isso levou os jesuítas a 
acreditarem nas potencialidades dos guaranis. Apesar das tentativas de Nunes e de 
Nóbrega de partir para o Paraguai, Tomé de Sousa vetou veementemente a aspiração 
dos padres. Foi com muita relutância que aceitaram a decisão do governador, de modo 
que os padres da Companhia de Jesus, pelo menos no século XVI, fizeram de São 
Vicente ponto limite de suas ambições. 
No Rio de Janeiro, a ocupação portuguesa significou luta contra os 
Tamoios e os huguenotes. Nóbrega e o padre Paiva dirigiram-se para a capitania 
vizinha para organizar a luta contra a Confederação dos Tamoios, que representava 
ameaça a São Vicente. Nóbrega e Anchieta ainda serviram como embaixadores para 
apaziguar as hostilidades e romper aquela aliança dos indígenas com os calvinistas 
franceses. Resolvida a questão, deu-se impulso à construção de um Colégio da 
Companhia na capitania que teria Nóbrega como primeiro reitor. 
Resta-nos comentar os resultados obtidos pelos jesuítas em parte do 
Nordeste brasileiro, que são pouco satisfatórios, pelo menos no século XVI. Embora 
saibamos que a colonização portuguesa não ficou restrita ao sul de Salvador, no norte 
as coisas foram muito mais difíceis e houve pouco progresso, principalmente em 
decorrência da hostilidade dos índios daquelas redondezas. Os jesuítas fundaram 
igrejas, a partir de 1575, nas capitanias que hoje são os Estados de Sergipe e de 
 
100 NÓBREGA, Manuel da. Diálogo sobre a conversão do gentio. In: op. cit. p. 77. 
 
76 
 
Alagoas, mas nunca chegaram a construir colégios. Nóbrega chegou a Pernambuco em 
1551, que na época era governada por Duarte Coelho. E em 1576, fundaram um 
importante Colégio. 
A Paraíba, que foi reconquistada pelos franceses em 1584, quando 
vigorava a monarquia dual ibérica, teve ocupação antecedida pelos franciscanos. A 
competição com os franciscanos na dotação de rendas e na disputada dos métodos 
catequéticos foram cruciais para frustrar os progressos da Companhia na capitania. 
Posteriores desentendimentos com os franciscanos levaram os jesuítas a abandonar a 
Paraíba, onde eles ficaram quase uma década. A Companhia voltou mais tarde, 
comandada principalmente pelo jesuíta Francisco Pinto, importante incentivador do 
estabelecimento da Companhia de Jesus na Amazônia. 
Deslocamo-nos, finalmente, para a atuação da ordem no extremo-norte da 
América Portuguesa, cuja realidade particular também está toda inserida em uma 
conjuntura própria – o período final da União Ibérica (1580-1640) – e que exige um 
salto cronológico do século XVI para o XVII. Nesse período, tiveram princípio os 
trabalhos da catequese jesuítica, assim como a colonização tardia daquele recôndito da 
América. Na Amazônia, o papel da congregação não foi diferente do efetuado no 
restante do Brasil, ainda que em alguns aspectos, teve desafios semelhantes aos 
enfrentados pela Companhia em São Vicente. A Companhia de Jesus teve presença 
marcante na Amazônia e assumiu funções que iam muito além da mera catequese 
indígena. A colonização da Amazônia era, sem exageros, em grande parte, obra dos 
jesuítas. O Instituto de Loyola, em determinadas conjunturas, foi a instituição mais 
influente na história política e social da Amazônia no período colonial. 
A união nominal das coroas de Castela e de Portugal trouxe uma mudança 
significativa para a história administrativa da Amazônia. Pela Carta Régia de 13 de 
junho de 1621 era criado o Estado do Maranhão (que compreendia as capitanias do 
Maranhão, Pará e Ceará). Logo a seguir, em 1623, outro decreto régio repartiu a 
América portuguesa em duas áreas administrativamente autônomas e diretamente 
submetidas ao controle da metrópole: o Estado do Brasil (com sede em Salvador) e o 
Estado do Maranhão (com sede inicialmente em São Luís).101 
 
101 Cf. AVELLAR, Hélio de Alcântara. História administrativa do Brasil: a administração pombalina. 2. ed. 
Brasília, Fundação Centro de Formação do Servidor Público – FUNCEP/Ed. Universidade de Brasília, 1983. P. 
55. 
77 
 
O Estado era formado pelas capitanias reais do Maranhão, do Pará, do 
Gurupá, do Ceará (até 1656) e pelas capitanias privadas (donatárias) de Tapuitapera, 
de Cametá, de Caeté, do Cabo do Norte e da Ilha Grande de Joanes. O Piauí juntou-se 
ao Maranhão e Grão-Pará no início de 1700. E em 1755 foi criada a capitania de São 
José do Rio Negro (futuro Amazonas) também submetida ao Estado. A tendência, até 
meados do século XVIII, foi a Coroa incorporar as capitanias privadas existentes. De 
1751 até 1772, a região passou a ser denominada de Estado do Grão-Pará e Maranhão, 
com capital sediada em Belém. Em 1772, desmembrou-se em dois: Estado do Grão-
Pará e Rio Negro e Estado do Maranhão e Piauí. Somente em 1811, as capitanias do 
Maranhão e do Piauí separaram-se. A capitania do Pará nem sempre esteve subjugada 
à administração do Maranhão. Entre 1653 e 1655, elas estiveram separadas, ficando 
Belém oficialmente como capital do Pará. Em 1680, a capital do Estado foi por um 
tempo sediada em Belém. 
A fundação das principais cidades do Grão-Pará e Maranhão, as capitais 
das capitanias do Maranhão e Pará, foram primordialmente uma empresa de franceses. 
Durante o período da monarquia dual ibérica, os inimigos do reino de Castela, 
principalmente os franceses – além de holandeses e ingleses – aproveitaram-se 
daquela rivalidade para estabelecer fortificações no norte da América portuguesa e 
ensaiar um novo empreendimento colonial. Nesse período, foi fundado pelos franceses 
um fortim que deu origemà cidade de São Luís (1612) na capitania do Maranhão, e 
que foi tomada por Portugal. A conquista de São Luís obrigou os luso-brasileiros a 
fundarem o Forte do Presépio (1616), origem de Santa Maria de Belém na capitania do 
Pará – com o objetivo estratégico de fechar a entrada do estuário do Amazonas ao 
contrabando e invasões estrangeiras. Assim, ficou selado domínio regional pelos luso-
brasileiros a leste da Amazônia. 
A separação da América Portuguesa em dois Estados não aconteceu 
apenas por condições geográficas, cujas contradições eram e são flagrantes. As 
comunicações das capitanias do norte, muitas vezes, chamadas capitanias da costa 
“leste-oeste”, com as capitanias que se estendiam do cabo se São Roque ao Rio da 
Prata, da costa “norte-sul”, eram malogradas pelas correntes marítimas desfavoráveis, 
e o conhecimento das técnicas de navegação à vela não permitiam uma ligação fluida 
entre os dois Estados. Condição que dificultou a realização de viagens em direção ao 
Sul, embora não em sentido contrário. Conforme explicação de Caio Prado Júnior, as 
ligações fluidas entre o Nordeste, Sul e Centro conformavam uma unidade, excluindo 
78 
 
a Amazônia do restante da colônia. Desse modo, a Amazônia, no período colonial, 
teve contexto histórico peculiar. Assim, segundo Caio Prado Júnior: “(...) a sua 
história se contará sem necessidade de apelar para a deste último. Forma-se e evoluirá 
por contra própria”. Dado que: 
 
Mesmo as ligações entre os dois grupos de capitanias brasileiras são ainda mais 
que tênues; os ventos na costa sopram desfavoravelmente e orientam as linhas de 
navegação amazonense diretamente para o Reino, sem atenção ao sul da colônia. 
Por terra, veda as comunicações, o inextrincável da floresta equatorial que envolve 
todo o território das capitanias setentrionais. É só pelos rios que elas se poderão 
fazer. E de fato, por aí se farão. Mas ainda aí, quantos obstáculos. Num certo 
trecho, todos eles se encachoeiram e interrompem a passagem que se tem de fazer 
‘varando’ por terra; e as dificuldades para atravessar centenas de léguas por 
florestas insalubres e desertas a não ser de índios hostis e agressivos?102 
 
O grande desafio da colonização amazônica foi de ordem econômica. Logo 
após a conquista do Norte, foi preciso iniciar o desenvolvimento econômico. A 
experiência ensinava que em terras americanas a simples ocupação sem a construção 
de defesas militares adequadas ou o incentivo ao povoamento, o que dependia de um 
alicerce econômico, era estrategicamente desvantajoso e oneroso. Mas esse foi, então, 
o grande desafio do período colonial naquela região. A base da economia, que era o 
extrativismo vegetal – coleta das chamadas “drogas do sertão” ou produtos da floresta 
(algodão selvagem, salsaparrilha, cravo selvagem, cacau e outras mercadorias 
semelhantes) –, não fomentava um comérico rentável e de grande importância para 
ligar comércio amazônico ao europeu. Conforme salientou Eduardo Hoornaert: 
 
A Amazônia portuguesa ficou sendo uma area predominante militar e geopolítica, 
menos aproveitável economicamente: as drogas do sertão nunca conseguira 
rivalizar com a cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro, por exemplo, ou mesmo 
com a nascente economia do gado no interior nordestino.103 
 
 A região enfrentaria o desafio de não receber investimento econômico, dado 
que era exatamente onde tinha início a capitania do Rio Grande que a colonização 
portuguesa havia sido interrompida. Justamente nessa região terminava o solo do tipo 
massapé, tendo início a formação do solo tipo arenoso, que se estende no sentido oeste 
perpassando o Ceará, e que termina apenas depois do Rio Jaguaribe. A partir daí 
 
102 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Brasiliense: Publifolha, 2000. p. 60-61. 
103 HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na Amazônia. CEHILA (Comissão de estudos da história da 
Igreja na América Latina). Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1990. p. 53. 
79 
 
começava-se a vicejar a floresta e a reaparecer os solos férteis para o desenvolvimento 
de engenhos, assim como madeiras de qualidade. 
Contudo, ao contrário do Nordeste, as condições geográficas não favoreceram 
uma exploração efetiva e rentável para a coroa lusitana. O litoral nordestino 
apresentava as condições objetivas para a reprodução de práticas e técnicas, que em 
Portugal tinha um domínio histórico: agricultura baseada na lavoura açucareira com 
base no trabalho escravo, nos moldes da que era praticada nas ilhas atlânticas 
portuguesas; geralmente a produção do valioso açúcar. O empreendimento açucareiro 
rapidamente espalhou-se pelo litoral, tendo como principais centros Pernambuco e 
Bahia, favorecidos pelo clima tropical úmido e solos do tipo massapé. Mas era 
precisamente na região do Rio Grande do Norte, limite oriental do Estado do 
Maranhão que: 
 
(...) desaparecem os solos férteis, que são substituídos por extensões arenosas 
impróprias para qualquer forma de agricultura. Somente pequenos núcleos de 
importância mínima vão surgir esparsos na costa setentrional do Brasil: no 
Maranhão, na foz do rio Amazonas.104 
 
 A despeito da esterilidade do solo, a movimentação das forças fluviais de 
comportamento imprevisível correspondeu a mais um fator complicador que 
contrariou o desenvolvimento de uma agricultura extensiva e regular para exportação. 
Segundo Caio Prado Júnior: 
 
(...) as condições naturais lhe são desfavoráveis. Na mata espessa e semi-aquática 
que borda o grande rio; em terreno baixo e submetido a um regime fluvial cuja 
irregularidade, com volume enorme de águas que arrasta, assume proporções 
catastróficas, alagando nas cheias áreas imensas, deslocando grandes tratos de solo 
que são arrancados às margens e arrastados pela correnteza; nesta remodelação 
fisiográfica ininterrupta de um território longe ainda do equilíbrio, o homem se 
amesquinha, se anula. Além disso, a pujança da vegetação equatorial não lhe dá 
tréguas. A luta exige esforços quase ilimitados se quiser ir além da dócil submissão 
às contingências naturais. E tais esforços, a colonização incipiente não os podia 
fornecer. A agricultura, que requer um certo domínio sobre a natureza, apenas se 
ensaiou.105 
 
 Somavam-se às dificuldades de ordem natural, o problema conjuntural da 
colonização tardia do Norte, que, na análise de Celso Furtado, jamais poderia ser 
viabilizada em grande escala econômica, porque enfrentou, sobretudo, problemas 
 
104 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 32. ed. Editora Brasiliense: São Paulo, 1988. p. 39. 
105 Ibid., p. 69. 
80 
 
como a crise do mercado do açúcar e das ocupações estrangeiras. Ainda, segundo Caio 
Prado Júnior: 
 
(...) a desorganização do mercado do açúcar, fumo e outros produtos tropicais, na 
segunda metade do século XVII, (...) impediu aos colonos do Maranhão 
dedicarem-se a uma atividade que lhes permitisse iniciar um processo de 
capitalização e desenvolvimento. As suas dificuldades eram as mesmas que 
enfrentava o conjunto das colônias portuguesas na América, apenas agravadas pelo 
fato de que eles tentaram começar numa etapa em que os outros consumiam parte 
do que haviam acumulado anteriormente. (...) Os maranhenses tentaram o mesmo 
caminho, mas logo tiveram de enfrentar o isolamento provocado pela ocupação de 
Pernambuco pelos holandeses e, mais adiante, a própria decadência da economia 
açucareira.106 
 
 Criado por necessidades estratégicas e políticas, era flagrante a ausência de um 
projeto econômico para a região. A crise do século XVII prejudicou o 
desenvolvimento maranhense, região que sobreviveu precariamente nos moldes de 
uma colônia de povoamento. O Maranhão permaneceu com uma região periférica à 
margem das prioridades de Portugal. Assim, 
 
(...) a inexistência de qualquer atividade que permitisse produzir algo 
comercializávelobrigava cada família a abastecer-se a si própria de tudo, o que só 
era praticável para aquele que conseguia pôr as mãos num certo número de 
escravos indígenas.107 
 
A desfavorável conjuntura internacional, a falta de investimentos por parte do 
reino, a inexistência de mão-de-obra escrava regular e numerosa e as vicissitudes do 
meio envolvente estagnaram o desenvolvimento do Estado, que estava fadado a 
conviver com os mesmos e insolúveis problemas resultantes da falta de investimento 
por quase duzentos anos. 
O extrativismo vegetal e animal eram a fonte de sustento da população, que 
recorriam à escravização indígena para realização da coleta dos gêneros naturais. A 
escravidão africana era rara, pois não existiam rotas comerciais para aquelas 
localidades, tampouco existia um mercado de compradores, em decorrência da 
inexistência de uma atividade produtiva lucrativa, regular e em larga escala. Para se ter 
noção aproximada da situação, podemos salientar a precariedade econômica local, que 
de tão primitiva, desprezava a circulação de moedas. A inexistência de moedas tinha 
 
106 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Editora Nacional. 24. ed. 1991. p. 66. 
107 Ibid., p. 67. 
81 
 
relação com a dispersão da baixa densidade populacional, que habitava o território 
excessivamente vasto para conseguir promover encontros regulares com compradores 
e mercadores. Ainda mais quando a obtenção das mercadorias, geralmente extraídas 
da natureza e, portanto, sempre exposta às intempéries do meio, não era regular o 
suficiente para realização de qualquer planejamento para o estabelecimento das feiras. 
Nesse sentido, as contingências tornaram as moedas obsoletas e vigoravam as trocas 
diretas, conforme necessidades imediatas. A única mercadoria que fazia, por vezes, a 
função de moeda para facilitar as trocas eram os rolos de pano. Ademais, do ponto de 
vista econômico, era pouco provável que os índios, como maioria da população (os 
brancos raramente passavam de 800 moradores) e principal fonte de obtenção de 
mercadorias, incentivassem a utilização de moedas que, para o universo cultural 
indígena, era objeto desprovido de valor. Pelo menos até o século XVIII, todas as 
tentativas para fazer circular a moeda resultaram infrutíferas. 
Para melhor compreendermos a situação econômica local, principalmente no 
que se refere aos desafios de se encontrar mão-de-obra, convém citar o testemunho 
cenário social descrito pelo padre Antônio Vieira: 
Na vida dos índios consiste toda a riqueza e remédio dos moradores e é muito 
ordinário virem a cair em pouco tempo em grande pobreza os que se têm por mui 
ricos e afazendados, porque a fazendo não consiste nas terras, que são comuns, 
senão nos frutos ou indústrias com que cada um os fabrica e de que são os únicos 
instrumentos os braços dos índios.108 
Fosse para tocar uma roça ou remar grandes distâncias em busca de gêneros de 
extrema necessidade, o índio contratado ou escravizado – o segundo mais habitual – 
era elemento essencial. Porém, a escravização dos índios era sempre dificultada pela 
má-vontade das ordens religiosas, que dava a última palavra para autorização e 
legalização dos cativeiros. Depois da restauração portuguesa, foi criada a Junta das 
Missões, conforme lei de 7 de abril de 1681. A Junta era composta pelo governador, 
bispo, ouvidor-geral, provedor da fazenda e os prelados das ordens religiosas.109 
A Junta era convocada, geralmente, para declarar guerra justa aos indígenas, 
autorizar descimentos, resgates ou para resolver litígios sobre a licitude de alguns 
cativeiros. Os índios, depois de serem capturados, para serem registrados como 
escravos lícitos, tinham de ser apresentados perante a Junta para receber parecer 
 
108 DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 
2004.Vol. II. p. 80. 
109 Cf. CUNHA, Manuela Carneiro da; SALZANO, Francisco M. op. cit. p. 442-443. 
82 
 
favorável e ter registro na chancelaria, que, todavia, ainda estabelecia a sua 
distribuição entre as partes que, conforme a lei, poderiam solicitá-los. A lei garantia 
que eles poderiam ser requisitados por moradores, pelo poder público e pelas ordens 
religiosas, sempre por prazos determinados pela lei. As ordens religiosas, enquanto 
membros integrantes da Junta, e por isso com poder decisório de peso, sempre foram 
acusadas de levar vantagens diante dos moradores no momento das repartições e nas 
quantidades estabelecidas entre religiosos e moradores, além de reprovar a escravidão 
de alguns índios após exame. Observe o argumento utilizado por Vieira, segundo o 
registro de um dos moradores que escreveu em representação contra o padre, quando 
ele examinava a legalidade de escravização em guerra justa: 
 
Posto em juízo este caso, votou o Padre Antônio Vieira que estes índios não eram 
absolutamente cativos, conforme a lei de sua Majestade. Primeiro porque a lei 
proíbe todo o gênero de cativeiro, tirando e quatro casos, um dos quais é se forem 
tomados em guerra justa: [ao que haveria respondido o Padre] estes índios não se 
prova que fossem tomados em guerra justa, porque eles só disseram que foram 
tomados em guerra, e nem eles, nem outra alguma pessoa disse se a tal guerra fora 
justa: logo, conforme a lei, não são, nem se podem julgar por cativos os tais 
índios.110 
 
Outro fator complicador para os moradores, na luta para adquirir escravos, 
estava relacionado às próprias ordens religiosas, principalmente à Companhia de 
Jesus, que participava, em Lisboa, da elaboração da legislação para regulamentar os 
cativeiros e condicionar o cotidiano dos indígenas sob ampla tutela dos missionários. 
Os padres das ordens religiosas mantinham os indígenas em seus aldeamentos, 
procurando, sobretudo, dar-lhes catequese e mantê-los isolados da população em geral. 
Cabia aos indígenas trabalhar para a manutenção dos aldeamentos religiosos, como 
coletores, caçadores ou artesãos. A liberdade deles era cerceada pelo controle dos 
missionários. 
A conquista do Maranhão partiu de interesses particulares e foi geralmente 
comandada por donatários das capitanias de Paraíba e Pernambuco, projeto 
incentivado pelo governo-geral do Brasil. Uma das fontes mais utilizadas para 
conhecimento dos eventos, que descrevem o avanço dos luso-brasileiros no Grão-Pará, 
são os Anais históricos do Estado do Maranhão, de autoria de Bernardo Pereira de 
 
110 GIORDANO, Cláudio (org). VIEIRA, Antônio. Escritos instrumentais sobre os índios. In: Informação que 
deu o Padre Antônio Vieira sobre o modo com que foram tomados e sentenciados por cativos os índios no ano 
de 1655. São Paulo: EDUC; Loyola; Giordano, 1992. p. 33. 
83 
 
Berredo, que foi o governador do Estado do Maranhão (1718 – 1722). Compulsando 
os manuscritos dos arquivos públicos do Maranhão, e em seguida os de Portugal, 
Berredo reconstruiu em estilo épico a incorporação da Amazônia nos domínios 
lusitanos, desde a descoberta do caudaloso “Rio das Amazonas” até o início da própria 
administração portuguesa.111 
Bernardo Berredo reservou o sucesso da conquista da Amazônia ao 
voluntarismo e ao heroísmo de homens como Pedro Teixeira, primeiro português a 
navegar o rio em sua totalidade. E também a Castelo Branco, Bento Maciel Parente e 
Jerônimo de Albuquerque, exploradores responsáveis pela expulsão dos franceses da 
capitania do Maranhão. A obra é muito criticada, porque é pobre em informação 
econômica e social. De acordo com Gonçalves Dias, crítico de seus trabalhos, Berredo 
“(...) não escrevia a história do Maranhão, escrevia uma página das conquistas de 
Portugal, daí seu principal defeito”.112 O autor ainda apresenta os religiosos das 
distintas congregações como coadjuvantes na conquista do Norte. No entanto, existea 
versão diferente de alguns historiadores e, principalmente, dos cronistas da Companhia 
de Jesus, que destacaram o protagonismo dos religiosos como agentes responsáveis 
pela moral dos combatentes e embaixadores junto aos indígenas, a fim de convencê-
los a fornecer apoio aos índios guerreiros. 
A primeira missão que avançou sobre São Luís, em 1615, foi liderada em terra 
por Alexandre de Moura, enquanto o capitão Castelo Branco ficou incumbido de 
ocupar o restante da região pelo mar, o que favoreceu a fundação da cidade de Belém, 
em 1616, para fechar o estuário amazônico a outras nações. Entre 1616 e 1647, os 
portugueses ainda lutaram contra a tentativa holandesa de estabelecer feitorias na 
região ao mesmo tempo em que combatiam ingleses e irlandeses.113 As ordens 
religiosas sempre estiveram presentes nestas conquistas. Um dos principais líderes da 
conquista do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque, viajou acompanhado de 
franciscanos, que ficaram estabelecidos na região desde 1617. 
 
111 Cf. BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais históricos do Estado do Maranhão. Rio de Janeiro: Tipo Editor, 
1988. p. 14-15. 
112 DIAS, Gonçalves. Reflexões sobre os Anais Históricos do Estado do Maranhão, por Bernardo Pereira 
Berredo. In: Guanabara (Rio de Janeiro, tomo I. 1849, 25-28, incompleto, e reproduzido completo como 
introdução à 2ª edição dos Anais Históricos do Maranhão, 1849). Apud RODRIGUES, José Honório. História da 
história do Brasil. 1ª parte. Historiografia Colonial. São Paulo: Nacional-MEC, 1979. p. 93. 
113 Cf. HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na Amazônia. CEHILA (Comissão de estudos da história da 
Igreja na América Latina). Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1990. p. 52. 
84 
 
A armada de Alexandre de Moura, que auxiliou na conquista do Maranhão, 
trazia dois padres jesuítas: o superior da missão de Pernambuco, Manuel Gomes e 
Diogo Nunes. Ambos foram úteis ao chefe da expedição, pois ajudaram nas tarefas de 
conquista, levando com eles índios guerreiros de seus aldeamentos. E, no interregno 
da viagem rumo ao Maranhão, quando arribaram no Ceará, recrutaram outros mais. Os 
padres, no entanto, não ficaram na região. Coube ao padre Luís Figueira afirmar as 
missões da Companhia no Estado do Maranhão e Grão-Pará. De pouca idade e sem 
ter, todavia concluído seus estudos, partiu de Portugal para o Brasil, região entre as 
capitanias do Gurupá e Maranhão, acompanhando o padre jesuíta Francisco Pinto, 
chefe da missão. Vale ressaltar que ele também participou da expedição à Serra do 
Ibiapaba. Em janeiro de 1607, ambos saíram de Pernambuco escoltados por índios 
aliados. No entanto, no caminho para o Maranhão, o grupo foi atacado e, embora Luís 
Figueira tenha se salvado, o padre Francisco Pinto não teve a mesma sorte. O padre 
voltou para Portugal, porém o estabelecimento da Companhia de Jesus na Amazônia 
ficou temporariamente adiado. 
No tocante à questão do estabelecimento das missões no Estado do Maranhão, 
Luis Figueira e Antônio Vieira são os dois grandes nomes na concretização dos 
projetos jesuíticos. Depois de fracassada a missão a Ibiapaba, Luís Figueira trabalhou 
em Portugal durante algum tempo com foco no estabelecimento definitivo da 
Companhia de Jesus no Maranhão. 
Luís Figueira retornou ao Estado do Maranhão somente em 1636, data que é 
considerada um marco no arranque do empreendimento missionário da Companhia na 
Amazônia. Do mesmo modo, desembarcou no Estado o jesuíta siciliano Benedito 
Amodei, acompanhado pelo governador-geral do Maranhão-Pará Diogo de Mendonça 
Furtado, o que causou grande alvoroço na sociedade local, a qual via nos padres uma 
ameaça ao controle da mão-de-obra indígena. Os membros das instituições públicas 
tentaram impedir o desembarque dos religiosos. Antônio Moniz Barreiras, capitão-
mor, intermediou a contenda e solicitou ao padre que assinasse um termo de 
compromisso, em que ele abdicava tratar das questões indígenas, justa ou injustamente 
escravizados, sob pena de ser expulso e de ter os bens alienados. Amodei assinou a 
petição com a ressalva de que cumpriria as exigências, exceto nas situações, segundo 
uma das cláusulas, “em que a consciência ou a obrigação assim o requeresse”. A 
ambigüidade do acordo abriu brechas para interpretações subjetivas e não satisfez os 
85 
 
moradores. A despeito das oposições, o capitão-mor declarou solenemente junto ao 
Senado da Câmara: 
 
Quanto aos inconvenientes, que o povo propõe, para que não fiquem na terra, não 
têm mais fundamento que os remorsos das consciências de alguns, que lhes parece 
que os padres lhes não aprovarão o seu modo de viver, porque o que apontam em 
particular, de que os padres lhes tirarão os índios de seu serviço e ficarão pobres e 
sem o seu remédio, não tem fundamento pelo termo que os mesmos padres têm 
feito; nem pretendem mais que fabricar casa nesta cidade e reduzir todos à nossa 
fé. (...) E quando estas minhas razões não bastem, protesto por todos os tumultos, e 
desobediências que sucederem na expulsão dos padres, e o des-serviço de Deus, e 
de El-Rei ser tudo por culpa de Vossas Mercês.114 
 
As palavras do capitão-mor ilustram situação recorrente nos mais de cem anos 
da presença dos jesuítas no Estado do Maranhão: insatisfação dos colonos com os 
jesuítas que foram acusados de proibir o usufruto da mão-de-obra indígena sem, no 
entanto, obstarem-se de utilizá-la em benefício próprio. 
Mas as tentativas dos colonos em sabotar a vinda dos inacianos justificavam-
se, à luz da experiência anteriormente conhecida, pelas dificuldades que os jesuítas 
impunham à obtenção do servilismo indígena em terras carentes de mão-de-obra 
escrava. A situação vicentina, no que dizia respeito aos atritos dos moradores contra os 
inacianos pelo controle da mão-de-obra indígena, era inegavelmente conhecida pelos 
colonos amazonenses, por ser mais antiga. As semelhanças entre os dois espaços na 
questão do trabalho indígena, forçosamente, trazia preocupação para os moradores. 
Em São Vicente, as consequências oriundas da edificação das missões jesuítas em 
terras deficientes na obtenção de mão-de-obra indígena havia resultado em rusgas 
entre religiosos e moradores. A Companhia de Jesus mais de uma vez foi expulsa de 
São Vicente como aconteceu em 1632, quando os colonos liderados por Antonio 
Raposo Tavares expulsaram os padres de Barueri, acusando os jesuítas de dificultar, 
entre moradores, a repartição dos índios dos seus aldeamentos.115 
Como não concordavam com essa situação, os jesuítas revidaram em 1640, 
depois de conseguir pressionar Roma com a publicação do breve de 3 de dezembro de 
1639, o qual reforçava a bula de 1537, que proscrevia a escravidão dos índios nas 
Américas. Os jesuítas divulgaram com grandiloquência o conteúdo das instruções 
papais, mas não esperavam que as Câmaras Municipais de São Vicente se articulassem 
 
114 São Luís do Maranhão, 2 abril de 1622. Carta assinada por Antônio Barreiros. 
115 Cf. MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1994. p. 142. 
86 
 
contra o cumprimento da lei. As Câmaras foram pressionadas pela população a 
expulsar de forma incondicional os padres. O argumento utilizado era pautado no 
excessivo e abusivo poder dos inacianos, que representava naquela altura uma fonte de 
transtornos para a ordem pública. A Companhia de Jesus também teve suas 
propriedades e os índios dos seus aldeamentos distribuídos entre os moradores. 
Contudo, foram readmitidos na capitania treze anos depois.116 
Analogamente, as mesmas contendas ocorreram no Maranhão-Pará. As 
disputas entre jesuítas e Senado da Câmara das capitais do Estado sempre foram 
mediadas por governadores, geralmente favoráveis aos trabalhos da ordem. Porém, 
mesmo quando os governadores atuavam comoêmulos dos jesuítas, eles, até a época 
do reinado de D. José, sempre encontraram nos reis de Portugal seus melhores aliados. 
Mesmo conturbadas, as disputas terminavam, muitas vezes, favoráveis ao Instituto de 
Loyola. Curiosamente, a história da região no período colonial tem sido explicada 
essencialmente como uma tensão entre dois protagonistas: religiosos e colonos que a 
disputavam o controle do trabalho indígena e os choques daí decorrentes. A aparente 
simplificação não foi superada e, até o momento, desconhecemos a existência de 
novas abordagens que possam superar este convencionalismo. 
A edificação do projeto missionário, depois das visitas de Luís Figueira e de 
outros padres, precisou ainda de mais alguns anos para ser firmemente iniciada até 
receber a dedicação daquele que foi o mais marcante missionário da Companhia de 
Jesus no Estado, o padre Antônio Vieira. Antes do seu desembarque, antecederam-no 
os jesuítas Gaspar Fragoso e João de Souto Maior, acompanhados pelo capitão-mor 
Inácio do Rego Barreto, que chegou a Belém em dezembro de 1652. Os moradores, 
sabendo dos problemas causados pela presença dos padres, exigiram, mais uma vez, a 
assinatura de um termo, em que os padres assumissem o compromisso de não se 
meterem na questão dos escravos indígenas ou com a administração dos forros. As 
exigências deixavam claro que eles podiam apenas cuidar da catequese de índios e da 
educação dos filhos dos brancos. Astuto, não se eximiu Souto Maior em assinar os 
tratados, conforme a proposição de seus rivais, jurando somente pregar a palavra de 
Cristo. No entanto, bastava apenas um alvará régio com o poder para autorizar o 
trabalho missionário nos moldes conhecidos. Dessa forma, qualquer documento 
elaborado por instâncias inferiores era derrubado. O que interessava a Souto Maior, de 
 
116 Ibid., p. 145-146. 
87 
 
antemão, era o estabelecimento da Companhia no Pará, empresa difícil, que não era 
vantajosa em sua fase incipiente receber aberta oposição das massas. Aproveitando-se 
do armistício com os moradores, os jesuítas conseguiram inaugurar o seu colégio no 
Pará, naquele mesmo ano de 1652. 
Assim, ficou lançado no Estado do Maranhão e Grão-Pará o antagonismo entre 
jesuítas e colonos, embates pela única mão-de-obra local, a indígena. Ambos a 
reclamavam para objetivos aparentemente distintos: exploração pelos colonos e 
proteção e liberdade, da parte dos jesuítas. A disputa na localidade mais pobre da 
América portuguesa justificava-se, do ponto de vista dos colonos, por não haver 
recursos suficientes para iniciar o comércio negreiro. Eles acreditavam que os 
ameríndios eram a solução para os problemas econômicos. 
Em janeiro de 1653, Antônio Vieira chegou ao porto de São Luís. O padre 
conseguiu desembarcar porque concordou que as leis de emancipação indígena, 
recentemente publicadas, mas ainda sem cumprimento, fossem temporariamente 
suspensas. Vitória parcial dos colonos. Sabemos, em análise retrospectiva, que, com 
ou sem lei a vigorar, a presença de Vieira significou um cavalo de Tróia nos planos 
dos colonos. 
Ainda assim, as missões entraram em franco crescimento e rapidamente 
superaram os franciscanos, que foram os primeiros missionários portugueses na 
Amazônia, ultrapassando também, em importância, outras ordens que por lá atuavam 
como mercedários, carmelitas, dentre as mais importantes. As relações entre colonos e 
religiosos, geralmente tensas, cresciam ou diminuíam dependendo da situação de 
maior ou menor empobrecimento da população. O perigo de alvoroço era uma 
constante. Durante o governo Pedro de Melo (1658 - 1662), depois de sucessivos 
governadores coniventes com os jesuítas, houve um novo quadro de hostilidades 
contra a Companhia de Jesus. A Câmara Municipal de Belém, em representação junto 
ao povo, exigia maior frequência na prática de resgates ou na autorização para efetuar 
guerras justas após longo período de proibição. Os vereadores de Belém conseguiram 
solidariedade de seus homólogos em São Luís. Bem articuladas, as duas câmaras 
levantaram a voz contra os religiosos da Companhia de Jesus, dando início a motins 
nas respectivas cidades. A maioria dos padres jesuítas, incluindo Vieira, terminou 
embarcado à força para o Lisboa. Os colonos, liderados pelo procurador Jorge de 
Sampaio, enviaram seus representantes para o reino, na tentativa de justificar a ação 
88 
 
hostil contra organização sabidamente privilegiada junto à corte. Apesar dos debates 
entre Sampaio e Vieira, promoveu-se uma anistia geral para os moradores e religiosos. 
Entretanto, Jorge de Sampaio regressou com duas excelentes notícias para os 
seus pares. Vetou-se o retorno de Vieira ao Estado do Maranhão e ainda entrou em 
vigor a Provisão de 12 de setembro de 1663, que retirava das ordens religiosas a 
administração temporal dos nativos.117 No entanto, os colonos não conseguiram 
manter os inacianos longe do Grão-Pará-Maranhão, os quais receberam autorização 
para voltar. 
Desde então, Vieira trabalhou incansavelmente no paço real para o 
fortalecimento da Companhia de Jesus na Amazônia. Menos fortalecido na corte 
depois da morte de D. João IV, do qual era valido e conselheiro, o que lhe retirou o 
prestígio de outrora, conseguiu ainda sua última vitória para a Sociedade de Jesus, 
pelo Decreto de 1º de abril de 1680. A nova lei declarava a liberdade dos índios que 
deveriam viver em aldeias católicas.118 Outrossim, restituía à Companhia de Jesus o 
controle temporal das aldeias. Na prática, os jesuítas conseguiam o monopólio e o 
controle da distribuição do trabalho indígena a partir dos seus aldeamentos. Assim, 
coube aos jesuítas a supervisão da repartição dos índios entre moradores e o serviço 
público, segundo norma estabelecida pela lei, e a terça parte dos índios aldeados ficou 
sob domínio permanente e exclusivo da Companhia de Jesus. Todo o processo foi 
supervisionado pela Junta das Missões, e os jesuítas ainda dispunham do direito de 
voto nas deliberações como membros representantes do conselho. 
Dessa vez, Vieira calculou que para a lei semelhante não voltar a amotinar 
moradores, uma companhia monopolista nos moldes mercantilistas (das quais era 
grande apreciador) deveria ser criada para fomentar o comércio e subsidiar a compra 
de escravos africanos por parte dos moradores, o que diminuiria consideravelmente a 
pressão sobre os índios. Proposta ao rei, a companhia de estanco recebeu aprovação 
com promessas de funcionar a partir de 1682, conforme alvará de 12 de fevereiro do 
mesmo ano, com o nome de Companhia de Comércio do Estado do Maranhão. 
Entrando em vigor a companhia de estanco, os moradores só poderiam importar ou 
exportar por intermédio da companhia, sempre com valores tabelados, tornando, desse 
 
117 AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Porto, 1901. p. 107. 
118 Cf. NEVES, Luís Felipe Baêta. Vieira e a imaginação social jesuítica: Maranhão e Pará no século XVII. Rio 
de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 264. 
89 
 
modo, possível o pagamento pelos escravos que desembarcavam a preços acessíveis 
aos compradores. 
Posta em prática, a companhia de comércio não durou dois anos. Os 
desmandos e a má-administração por parte dos agentes do monopólio, somados aos 
escravos prometidos que nunca chegaram, levaram à insurreição popular contra a 
empresa. Na falta de escravos africanos, as pressões sobre os índios, cuja obtenção 
estava vetada pela lei de 1680, canalizou a ira popular contra as religiões, 
principalmente contra a Companhia de Jesus. A revolta estourou em São Luís em 
1684. A população, liderada por Manuel Beckman, deteve os funcionários das duas 
companhias, a de Comércio e a de Jesus. Depois do encarceramento, receberam 
deportação para o reino. 
A reação dos revoltos teve efeito inverso.É fato que a Companhia de Estanco 
foi abolida, mas a Companhia de Jesus, a principal ordem perseguida pelos revoltosos, 
e expulsa de São Luís (Belém não aderiu), retornou mais fortalecida do que antes para 
o Estado. Jorge de Sampaio, antigo inimigo da Companhia de Jesus e representante 
dos moradores na primeira expulsão dos inacianos do Maranhão-Pará, na condição de 
cúmplice e co-autor do levante recebeu, da mesma forma que Manuel Beckman, pena 
capital a ser executada em Lisboa. Depois de evento tão dramático, a Companhia 
protelou sobre a sua permanência na Amazônia, mas mesmo assim continuaram. 
Poucos anos depois, uma nova e definitiva legislação foi criada até a última expulsão 
da Companhia. Os jesuítas adquiriram um poder que os tornaram a corporação mais 
poderosa do Estado, por um período de quase setenta anos: o Regimento das Missões 
de 1686. 
O rei Pedro II assinou, em 21 de dezembro de 1686, o Regimento das Missões 
do Estado do Maranhão e Grão-Pará. A principal participação jesuíta na criação do 
Regimento recaiu sobre Luís Felipe Bettendorff, experiente missionário na Amazônia. 
O documento foi integralmente publicado pelo historiador Serafim Leite. Nele, ficava 
acertado que os padres da Companhia “terão o governo, não só espiritual, que antes 
tinham, mas o político, e temporal das aldeias de sua administração, e o mesmo terão 
os padres de Santo Antonio, nas que lhes pertencer administrar (...)”.119 
Pelo regimento, os índios teriam procuradores nas cidades de São Luís e 
Belém. Os jesuítas iam auxiliá-los na escolha dos nativos e enviariam um número de 
 
119 LEITE, Serafim. op. cit. Vol. IV. p. 368. 
90 
 
candidatos para que o governador fizesse a escolha definitiva. Vetava-se a entrada ou a 
permanência de indivíduos estranhos nas aldeias (4º artigo), até mesmo de altos 
funcionários do Estado ou clero sem autorização da Companhia de Jesus. Retirar os 
índios para serviços dependia da aquiescência dos padres, que estabeleciam o prazo 
pelo qual seriam emprestados, sob ameaça de penas severas como prisão somada à 
multa, em caso de não cumprimento do Regimento das Missões. Pelo documento, 
ficava determinado que o tempo de serviço prestado pelo indígena não podia 
extrapolar o máximo de seis meses no Pará. No Maranhão, o tempo de serviço era de 
apenas quatro meses. Caso os moradores que usufruíssem do índio o casassem como 
escravo, estratégia comum para mantê-lo em sua propriedade, seriam penalizados com 
a alforria do casal. 
Aos padres era exigido aumento do número de aldeias e catecúmenos de modo 
que os índios pudessem ser fartamente repartidos entre as diferentes ordens religiosas, 
moradores e serviço público, norma explícita no artigo 15º.120 Essa exigência nada 
mais fazia do que incentivar os descimentos (deslocamento consentido pelos índios 
desde seu habitat natural para os aldeamentos construídos pelos religiosos), muito a 
gosto dos jesuítas. O descimento constituía uma maneira menos dramática de 
submissão do índio em comparação com as outras modalidades abertamente 
compulsórias, como o resgate e a guerra justa. Depois de descidos, exigir-se-ia dos 
índios um tempo mínimo de dois anos de permanência nas aldeias para receber 
devidamente a catequese antes de sua distribuição para o trabalho. 
Constatou-se que o Regimento das Missões deveras fortaleceu o trabalho 
missioneiro e sua expansão. A multiplicação das missões entre as ordens religiosas 
levou à publicação da Carta Régia de 19 de março de 1693, que tinha por objetivo 
organizar os espaços de atuação dos religiosos na Amazônia, evitando conflitos de 
atuação. Segundo a jurisdição, confiava-se aos jesuítas a catequese no distrito sul do 
Rio Amazonas até a fronteira com as colônias espanholas; aos religiosos da Piedade e 
de Santo Antônio, a margem esquerda do dito rio. 
 
Aos da Companhia de Jesus cabiam os trabalhos ao Sul do Amazonas até as 
incertas fronteiras da Coroa Espanhola, aos Franciscanos da província brasileira de 
Santo Antônio e da portuguesa de Nossa Senhora da Piedade, a margem esquerda 
do Amazonas até o Rio Urubu.121 
 
 
120 Ibid., p. 372. 
121 NEVES, Luís Felipe Baêta. op.cit. p. 267. 
91 
 
A Companhia de Jesus pediu alterações do decreto em razão da enormidade do 
que lhe coube. Em reposta, a Carta Régia de 29 de novembro de 1694 entregava aos 
mercedários as localidades adjacentes ao Rio Urubu, e os carmelitas ficavam com a 
administração dos povos do Rio Negro, anteriormente sob jurisdição dos jesuítas.122 
De modo a tornar flexível o Regimento das Missões e inclinar um pouco a 
balança para o lado dos moradores, publicou-se o alvará de 28 de abril de 1688, que 
sancionava cativeiros dentro das situações comumente justificadas, como guerras 
justas e resgates. Contudo, tais entradas só podiam ser autorizadas pelos religiosos que 
tinham o direito de acompanhar as expedições. 
No essencial, o Regimento das Missões inaugurava um inconteste monopólio 
sobre o trabalho indígena, na Amazônia, pelos franciscanos e jesuítas, as únicas ordens 
às quais a legislação contemplava, com alguma vantagem para os jesuítas que 
dispunham de maior número de aldeias sob sua custódia. Curiosamente, durante os 
pouco mais de setenta anos em que vigorou o Regimento das Missões, não foram 
registrados conflitos marcantes entre moradores e religiosos. Talvez por temor das 
autoridades coloniais, os moradores tenham percebido a inutilidade de brigar com a 
Companhia de Jesus e, provavelmente, preferiram negociar, pois as ordens religiosas 
detinham o exclusivismo na intermediação do fornecimento de braços para o trabalho. 
Mas, ainda que velada, a contenda continuou em aberto. Dessa vez, a estratégia 
apoiou-se naquilo que Lúcio de Azevedo chamou de “campanha dos libelos”. Os 
moradores, por intermédio de representantes, e em nome do Senado da Câmara das 
capitais do Estado, enviavam um sem-número de reclamações contra os religiosos, no 
que consideravam desmandos por eles praticados. Em um futuro próximo, sabemos 
que aqueles protestos aparentemente infrutíferos resultaram num acúmulo de 
reclamações que, no período pombalino, foram utilizados contra todas as religiões do 
Estado – em especial contra a Companhia de Jesus. 
Dentre as reclamações, destacam-se as formuladas pelo procurador dos 
moradores em Lisboa, Paulo da Silva Nunes. Inimigo acérrimo da Companhia, o 
procurador dedicou os últimos anos da sua vida a combater o poderio jesuítico na 
Amazônia. Como destacou o jesuíta, José Caeiro, perseguido pelo governo do marquês 
de Pombal: 
 
 
122 Cf. REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; Manaus: 
Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. p. 72. 
92 
 
(...) no reinado de Dom João V, a Câmara do Maranhão organizou com sumo 
cuidado e emprenho um libelo em que figurassem as acusações [contra a 
Companhia de Jesus] (...). Como procurador oficial da Câmara, foi enviado a 
Lisboa Paulo da Silva Nunes, no ano de 1734. Dirigiu-se ele em pessoa, muitas 
vezes a El-Rei; recorreu frequentissimamente a ministros poderosos e nada 
favoráveis aos jesuítas,e por palavra e por escrito espalhou em toda a parte 
inúmeras acusações contra os Padres. Nem faltaram pessoas que de bom grado 
apoiavam os esforços daquele homem contra os jesuítas do Maranhão.123 
 
Durante o consulado pombalino, o meio-irmão de Sebastião José, o então 
governador do Estado, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, surpreendeu-se ao 
descobrir, em Belém, a existência no Conselho Ultramarino, de toda uma quantidade 
de material que poderia fornecer argumentos contra a Companhia de Jesus. Assim, 
durante sua campanha antijesuítica, Mendonça Furtado lembrou ao marquês de 
Pombal da existência de Paulo da Silva Nunes, antigo procuradordos moradores do 
Estado, quando o tema era o comércio praticado pelos padres: “(...) houve no tempo do 
governador Alexandre de Sousa Freire, e à queixa que nele fez contra o comércio dos 
padres um Paulo da Silva Nunes que se dizia procurador das Câmaras deste Estado 
(...)”. Queixas “(...) contra o grosso comércio que estes padres aqui fazem (...)”.124 Em 
1756, atendendo à solicitação do irmão, Pombal recopilou aquelas acusações que 
jaziam esquecidas no Conselho Ultramarino e as publicou com o título 
“Terribilidades”.125 
O governador Mendonça Furtado ainda afirmou que a aplicação do Tratado de 
Madrid e o enlaçamento do Grão-Pará na economia luso-brasileira não poderiam ser 
feito enquanto o Regimento das Missões fornecesse aos padres o controle sobre o 
indígena. Os padres impediam a ocupação de vácuos populacionais num Estado que 
precisava ser estrategicamente ocupado e prejudicavam a economia ao impedir a 
oferta de trabalho. Para Mendonça Furtado, a aplicação do tratado de fronteiras recebia 
oposição das ordens religiosas, as quais faziam de tudo para frustrar as demarcações. 
Para o governador e os moradores, a Companhia de Jesus aproveitava-se do dever de 
cuidar e de zelar dos índios, subvertendo aquela prerrogativa em abuso de poder, 
dispondo-os a trabalhar para seu interesse particular. Dessa forma, a Companhia criava 
riquezas, que circulavam dentro das unidades jesuíticas, mas permanecia isenta do 
 
123 CAEIRO, José. História da expulsão da Companhia de Jesus da Província de Portugal (século XVIII). Vol I. 
p. 230. 
124 MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Papel no qual Francisco Xavier de Mendonça Furtado mostra em 100 
itens que o negócio que os Padres fazem não é lícito nem necessário. Tomo II. p. 137-138. 
125 AZEVEDO, João Lúcio de. O marquês de Pombal e a sua época. São Paulo: Alameda, 2004. p. 140-141. 
93 
 
pagamento de impostos. Assim, o Estado perdia em progressos econômicos e 
dividendos na arrecadação fiscal, justamente numa época em que Mendonça Furtado 
necessitava de fundos para construção de fortificações em pontos estratégicos, reforço 
das forças armadas, para a fundação de vilas e povoados. Mas, para sua grande 
consternação, encontrou os almoxarifados do Estado totalmente sem recursos. Para o 
governador, as receitas não entravam nos cofres públicos, porque o controle do 
comércio pelos religiosos exauria o Estado. Reclamações desse teor foram 
exaustivamente remetidas para o marquês de Pombal. 
As mudanças estruturais que operavam no reino, que precisavam urgentemente 
de reformas, tiveram espaço privilegiado no Grão-Pará, servindo, dessa forma, de 
laboratório de experiências. As medidas consistiam na criação de uma nova 
companhia monopolista de comércio, como remédio para erradicar o contrabando, a 
emancipação indígena, para viabilizar ocupação do interior brasileiro, e a exclusão dos 
clérigos das decisões de Estado, à secularização da administração pública. Esse 
conjunto de decisões, que foram operacionalizadas no reino, foi aplicado 
primeiramente pelo marquês de Pombal na Amazônia. O projeto pombalino, em 
alguns aspectos, entrou em choque com o jesuítico na Amazônia – a Companhia de 
Jesus foi sinônimo de expansão missionária do catolicismo, baseada na conversão do 
índio e na conquista dos povos nativos para torná-los leais e submissos aos reis de 
Portugal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
94 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PARTE II – FORTALECIMENTO DO ESTADO PORTUGUÊS 
NA AMAZÔNIA: CONTENDAS ENTRE MENDONÇA 
FURTADO E OS JESUÍTAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
95 
 
IV. Mendonça Furtado na Amazônia: Antecedentes da Modernização 
 Pombalina 
 
 
 Os governadores ou vice-reis dos domínios ultramarinos lusitanos, quando 
partiam de Portugal para tomar posse do seu cargo, quase sempre traziam em sua 
bagagem documentos geralmente chamados de “Instruções Régias”. Os Regimentos 
ou Instruções eram documentos que consistiam em ordens, as quais deveriam ser 
cumpridas pelos governadores ultramarinos. Os regimentos ou instruções eram 
documentos de conteúdo extenso e tinham o objetivo de instruir os governadores, 
numa linguagem clara e direta. Como representantes pessoais do rei, os governadores 
deveriam esforçar-se para cumprir o programa contido nas instruções régias.126 
Nas Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de 
Mendonça Furtado, Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão 
(doravante Instruções), documento datado de 31 de maio de 1751, encontramos aquilo 
que poderia ser definido como um Projeto Português para a Amazônia.127 No aludido 
documento, exortava-se Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como governador e 
capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, a colocar em execução medidas 
que tivessem o objetivo fundamental de incorporar um território habitualmente 
esquecido e pouco explorado pela coroa portuguesa, no sistema mercantil luso-
brasileiro. O objetivo das Instruções não foi combater diretamente nenhuma forma de 
poder estabelecido no Grão-Pará e Maranhão. No entanto, a ousadia das medidas 
tomadas em obediência ao conteúdo das Instruções afetou a vida dos moradores, além 
de modificar a estrutura local de poder, o que, neste trabalho, é aspecto de primordial 
interesse. 
No mesmo período que Mendonça Furtado recebeu suas Instruções, Dom 
Rolim de Moura, na condição de governador da capitania do Mato Grosso, também 
auferiu um regimento com instruções que deveriam orientá-lo no exercício da sua 
 
126 Cf. HESPANHA, António Manuel. Antigo Regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo político do 
Império colonial português. p. 60-61. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das 
redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 
2010. 
127 Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão-General do 
Estado do Grão-Pará e Maranhão. Lisboa, 31 de maio de 1751. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A 
Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 67-80 
96 
 
função.128 A leitura de ambas as Instruções permitiu perceber a relação de 
complementaridade proposta nos documentos, o que sugeriu a existência de um 
Projeto Português para a Amazônia, na medida em que demonstram uma nova 
orientação da geopolítica portuguesa para territórios, ainda, por colonizar no Oeste e 
no Centro-Oeste da América portuguesa. As Instruções recebidas por Mendonça 
Furtado consistiam na parte essencial daquele projeto, enquanto as do governador 
Dom Rolim de Moura formavam parte complementar de um projeto, nos quais 
medidas de maior importância irradiavam do Estado do Grão-Pará e Maranhão. 
 Francisco Xavier de Mendonça Furtado, meio-irmão do marquês de Pombal, 
ficou incumbido da aplicação do projeto português para a Amazônia, substancialmente 
contido nas Instruções Secretas. Pouco se conhece da biografia de Francisco Xavier de 
Mendonça Furtado (1700-1769) até o seu ingresso na vida pública como o décimo 
nono governador de Estado do Grão-Pará. 129 Sabemos que ele detinha o título 
honorífico de Comendador de Santa Marinha de Mata de Lobos da Ordem de Cristo e 
alcançou o posto de Capitão-Tenente da Real Marinha portuguesa.130 Era filho de 
Francisco Luís da Cunha e Ataíde, renomado jurista e chanceler-mor no reinado de D. 
João V, e de Dona Teresa de Mendonça. É mais do que provável que ele trafegasse 
com maior frequência nas rotas atlânticas do sistema mercantil português, nas ligações 
entre Portugal, África e Brasil, do que nas da Ásia portuguesa, o que talvez o tivesse 
levado a conhecer de antemão o Estado do Grão-Pará. Presume-se satisfatória a 
experiência de Mendonça Furtado nos assuntos ultramarinos portugueses na medida 
em que participou no socorro enviado em 1736 à Colônia doSantíssimo Sacramento. 
Ele nunca se casou e também não registrou descendentes. Mendonça Furtado faleceu 
em Vila Viçosa, em 15 de novembro de 1769, por conta de um abscesso no peito.131 
Para Lúcio de Azevedo, a nomeação de Mendonça Furtado era consequência 
do favorecimento crescente de seu meio-irmão materno Sebastião José de Carvalho e 
Melo (futuro marquês de Pombal), junto à corte. O mesmo autor ainda destaca que 
Mendonça Furtado não era mais do que “(...) um obscuro oficial de marinha sem 
 
128 Cf. Instruções dadas pela rainha D. Mariana D’ Áustria, mulher de Dom João V, ao governador da nova 
capitania de Mato Grosso Dom Antônio Rolim de Moura em 19 de janeiro de 1749. In: MENDONÇA, Marcos 
Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 55-65. 
129 VAINFAS, Ronaldo (Direção). Dicionário de Brasil colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 
p. 388. 
130 BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Org. Ferreira Reis. 
Universidade Federal do Pará, 1969.p. 159. 
131 ECKHART, Anselmo. Memórias de um jesuíta prisioneiro de Pombal. Braga, São Paulo: Livraria A.I.- 
Braga e Edições Loyola, 1987. p. 176. 
97 
 
antecedentes para tão elevado cargo [governador do Estado do Grão-Pará] o 
recomendassem.” 132 No entanto, foi justamente naquela governança que Mendonça 
Furtado despontou o seu talento mais do que satisfatório para assuntos de Estado. No 
quase decênio em que ocupou o cargo de “governador e capitão-general” do Estado 
setentrional do Brasil (entre 1751 e 1759), acumulou um poder que, considerado em 
visão retrospectiva, foi inigualável na história administrativa do Estado por qualquer 
outro governador no período colonial. 
Mendonça Furtado ocupou também a função de chefe plenipotenciário da 
equipe portuguesa, a qual colocou em execução do Tratado de Madrid de 1750. 
Também foi nomeado governador para realizar modificações na estrutura do Estado. 
Durante sua gestão, encaminhou novas propostas para Lisboa, influenciando 
diretamente nas reformas do Estado. Mendonça Furtado promoveu uma dramática 
reviravolta na tradicional estrutura do Estado do Grão-Pará. Emancipou irrestritamente 
os indígenas (com publicação de leis de 6 e 7 de junho de 1755); foi responsável pela 
fundação da capitania do Rio Negro (1755) e inaugurou pessoalmente vilas no interior 
da selva para colonizar a Amazônia; também contribuiu para a criação de uma 
companhia de comércio monopolista estatal (1755); lutou para reorganizar o Exército; 
investiu na reforma e na construção de fortes militares; e instituiu o Regime do 
Diretório dos Índios (1755) para secularizar a administração dos aldeamentos 
religiosos. 
A ousadia trouxe grandes inimizades para Mendonça Furtado, principalmente 
da Companhia de Jesus. As reformas atingiram a congregação, a qual Mendonça 
Furtado foi infatigável em denunciar. Como interlocutor do marquês de Pombal, 
tornou-se um dos mais importantes incentivadores da propaganda contra a Companhia 
de Jesus, embora tal contribuição raramente seja evocada – foi importante eminência 
parda no fomento do antijesuitísmo no Portugal do século XVIII. 
Neste trabalho, consideramos seriamente a hipótese de que o maior de todos os 
algozes da Companhia de Jesus da história de Portugal, o marquês de Pombal, tenha 
alimentado parte de sua aversão aos jesuítas a partir da contribuição de Mendonça 
Furtado. Como admitiu o jesuíta José Caeiro, contemporâneo de todos aqueles 
acontecimentos, e vítima da perseguição pombalina, “(...) o incêndio rebentou 
abertamente, primeiro no Maranhão [Grão-Pará e Maranhão] e depois em 
 
132 AZEVEDO, João Lúcio de. O Marquês de Pombal e a sua época. São Paulo: Alameda, 2004. p. 128. 
98 
 
Portugal.”133, culminando na expulsão da ordem dos domínios lusitanos com a 
publicação do alvará régio de 3 de setembro de 1759. Falcon parece corroborar com 
tal perspectiva, ao afirmar que os primeiros atritos entre jesuítas e administração 
pombalina, “(...) tiveram início com as dificuldades surgidas no Grão-Pará e Maranhão 
a partir da chegada ali, como capitão-general, de Francisco Xavier de Mendonça 
Furtado [...] cujas providências administrativas chocaram-se quase sempre com a 
reação dos inacianos.”134 
Mendonça Furtado foi, por casualidade e em brevidade, louvado pela literatura 
luso-brasileira no antijesuítico poema O Uraguai (1768), de Basílio da Gama. O autor 
que chegou a ser preso e acusado de nutrir simpatias pelos jesuítas publicou o poema 
para evitar o degredo para Angola. O desesperado Basílio da Gama, logo no início do 
poema, pede que seus versos sejam protegidos por Mendonça Furtado, a quem recorda 
ter o mérito da emancipação indígena no Brasil: 
 
E Vós, por quem o Maranhão pendura 
Rotas cadeias e grilhões pesados, 
Herói, e irmão de heróis, saudosa e triste 
Se ao longe a vossa América vos lembra, 
Protegei meus versos.135 
 
Ainda na esteira do crescente poder do seu meio-irmão, somado aos resultados 
obtidos durante sua estadia no Brasil, Mendonça Furtado retornou para Portugal para 
ocupar o cargo de adjunto da Secretaria de Estado da Marinha e dos Negócios 
Estrangeiros e, posteriormente, o de Secretário da Marinha e Ultramar. 
Na correspondência entre os irmãos, salta à vista a cálida afeição mútua. Não 
raro, segundo Lúcio de Azevedo, 
 
“(...) no meio dos assuntos mais árduos, a expressão carinhosa vem contrastar com 
a gravidade própria do discurso político. Paternal e sentencioso, Sebastião José, 
como primogênito, e pela sua elevada posição e superiores talentos, é o chefe 
venerado da família.136 
 
A afeição fraterna ainda pode ser confirmada no afresco intitulado Concordia 
Fratrum, que ilustra Sebastião José e Mendonça Furtado, além do terceiro irmão, 
 
133 CAEIRO, José. História da expulsão da Companhia de Jesus da Província de Portugal (século XVIII). Vol I. 
p. 41. 
134 FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São 
Paulo: Editora Ática, 1982. p. 379. 
135 GAMA, Basílio da. O Uraguai. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 21-22. 
136 AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. p. 234. 
99 
 
Paulo de Carvalho, representados num abraço triplo. A indicação do irmão de 
Carvalho para o governo do Grão-Pará não aconteceu unicamente pelo inegável 
favorecimento do novo ministro de Dom José I. Nada obstante à crescente afirmação 
de Carvalho na política portuguesa, só após 1755, ano do terremoto, é que o ministro 
se tornou figura de poder incontestado no reino. 
A aclamação de Mendonça Furtado para o cargo, além de alicerçada na 
considerável influência que ele gozava na corte, também demonstrava que, por 
convívio familiar e social, ele estava invariavelmente em sintonia ideológica com o 
novo grupo de poder que começava a tomar espaço na corte.137 Longe de ser mero 
executor das decisões do reino, Mendonça Furtado propôs ousadas reformas para a 
Amazônia, todas elas levadas em consideração no paço e, em sua maioria, postas em 
prática. Tomar posse do cargo de governador do Grão-Pará representava para 
Mendonça Furtado um grande desafio, na medida em que o Estado português punha 
em prática, logo no início do reinado josefino, um projeto específico para minar graves 
incertezas econômicas e administrativas que imperaram por muito tempo na Amazônia 
e territórios adjacentes. 
Uma das preocupações geopolíticas portuguesas no século XVIII estava 
relacionada à valorização da América Portuguesa em decorrência do declínio do 
comércio asiático, em contraste com certa prosperidade no Brasil, o qual oferecia 
cobiçadas riquezas, como metais preciosos, açúcar, tabaco, etc. Para tanto, era urgente 
reafirmar o poderio português sobre um vasto território americano quenão dispunha 
satisfatoriamente de defesas terrestres e, para piorar, ainda havia incertezas e falta de 
acordos internacionais que pusessem fim à ambigüidade na delimitação do território 
pertencente à Espanha, Holanda, França e Inglaterra, no Norte e Sul da América. Mas 
com a assinatura do Tratado de Madrid (1750), principiou-se a oportunidade para 
erradicar aquelas incógnitas, o que permitia dar início ao povoamento e 
consequentemente explorar o território. 
 
137 Mendonça Furtado era sobrinho do influente Marco Antônio de Azevedo Coutinho, que influenciou na sua 
nomeação para recebimento do título do conselho de Estado, assinada por ele junto ao Secretário de Estado dos 
Negócios do Reino Pedro da Mota e Silva em 24 de abril de 1751. A Carta Patente de Governador e Capitão-
General do Estado do Maranhão vinha com assinatura do Secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte-Real e 
conforme atesta o próprio documento, a confecção teve participação do seu próprio pai, Francisco Luís da Cunha 
e Ataíde. Mais tarde, as instruções em que constavam as diretrizes da missão que deveria executar na posse do 
governo do Estado vinham mais uma vez assinadas por Diogo de Mendonça Corte-Real, figura da geração do 
reinado de João V. 
 
100 
 
Como anteriormente frisamos (capítulo I), o Tratado estipulava, grosso modo, 
a permuta da bacia do Prata pela Amazônica, que, doravante, pertenceria a Portugal. 
Mas o assenhoreamento do território punha alguns desafios para a coroa portuguesa. 
Se a obtenção da região amazônica, somada ao território atualmente entendido como 
Centro-Oeste brasileiro, foi facilitado pelas incursões de sertanistas, de missionários e 
de bandeirantes, que povoaram aqueles quinhões, de modo a fornecer a Portugal o 
argumento jurídico baseado no uti possidetis. A implementação do acordo de 
fronteiras também dependia da formação de povoados sedentários, com habitantes em 
proporções que preenchessem satisfatoriamente as vastas dimensões do território. Por 
outro lado, a ocupação real, ou seja, em bases sólidas, dependia do fomento 
econômico em território relativamente desconhecido. Destarte, a preocupação com o 
contingente populacional, mais do que componente do ideário mercantilista então em 
voga, era no Brasil uma preocupação de ordem prática, sendo imperativo povoar para 
explorar economicamente os territórios, adquiridos por Portugal, de forma legal. 
A noção de um projeto português para a Amazônia também pode ser 
encontrada extra-oficialmente nos comentários escritos que circulavam entre 
personagens influentes da administração josefina. O marquês de Pombal escreveu para 
Gomes Freire de Andrade (futuramente o chefe português responsável pelas 
demarcações do Tratado de Madrid no Prata) uma carta “secretíssima”, datada de 21 
de janeiro de 1751, em que dizia: “Como o poder e riqueza de todos os países 
consistem principalmente no número e na multiplicação das pessoas que os habitam, 
esse número e multiplicação de pessoas é mais indispensável agora nas fronteiras do 
Brasil, para suas defesas”.138 Pombal ainda sublinhava que o aumento do contingente 
populacional no Brasil não seria possível por meio da migração de portugueses do 
continente ou das ilhas atlânticas, sob pena de convertê-los em “completamente 
desertos”, o ministro demonstrava ser importante, também na América meridional, 
abolir “todas as diferenças entre índios e portugueses”, para que eles se retirassem das 
comunidades missioneiras e se casassem com os luso-brasileiros.139 Ainda, em 1752, o 
duque da Silva Tarouca, diplomata e estrangeirado, escreveu, desde Viena, para 
Pombal, dizendo que “Os reis de Portugal podem vir a ter no Brasil um Império como 
 
138 “Carta secretíssima [do marquês de Pombal] a Gomes Freire de Andrade (...)”, Lisboa, 21de setembro de 
1751. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Pombal e o Brasil, p. 188. Apud. MAXWELL, Kenneth. Op. cit. p. 
53. 
139 Ibid., p. 53. 
101 
 
a China. (...) Mouros, brancos, negros, mulatos ou mestiços, todos servirão, todos são 
homens e são bons, se bem governados. (...) A população é tudo, muitos milhares de 
léguas de desertos são inúteis.”140 
Outro comentário significativo sobre o problema da baixa densidade 
populacional do Brasil foi feito pelo estrangeirado e renomado diplomata Luís da 
Cunha. O influente crítico do Estado português, um dos principais responsáveis pela 
indicação do marquês de Pombal para o cargo de ministro de D. José I, alertou o rei 
para o gravíssimo problema da povoação do Brasil. Luís da Cunha propôs medidas 
ousadas, como, por exemplo, o ingresso, até mesmo, de estrangeiros católicos ou, na 
pior das hipóteses, “hereges” estrangeiros. 
 
O Brasil não sangra menos a Portugal. (...) O modo de poder povoar aquelas 
imensas terras, de que tiramos tantas riquezas, sem despovoar Portugal, seria 
permitir que os estrangeiros com as suas famílias se fossem estabelecer em 
qualquer das suas capitanias que escolherem, sem examinar qual seja a sua religião, 
recomendando aos governadores todo o bom acolhimento, e arbitrando-lhes a 
porção de terra que quiserem cultivar. De que se seguiria que sé lá casariam e 
propagariam, e em poucos tempos os seus descendentes seriam bons portugueses e 
bons católicos romanos em o caso que seus avós fossem protestantes.141 
 
Destarte, território e população eram encarados como quesitos complementares 
para a administração portuguesa e havia nos vastos territórios recém-adquiridos uma 
flagrante desproporcionalidade que precisava ser sanada. Tais preocupações com o 
Brasil, embora não fossem antigas, certamente começaram a aumentar desde a 
assinatura do tratado de fronteiras, quando se tornou notória a existência de pontos 
estratégicos limítrofes sensivelmente vulneráveis e, portanto, de forte inconveniência à 
garantia da soberania portuguesa. Assim, o governador Mendonça Furtado, em 
obediência ao cumprimento das Instruções Secretas, ficou responsável por encarar o 
desafio de realizar a ocupação do território adjacente ao vale do Rio Amazonas. 
Se compararmos as instruções públicas recebidas por Dom Antônio Rolim de 
Moura, quando nomeado para o cargo de governador da nova capitania do Mato 
Grosso (datada de 19 de janeiro de 1749), 142 com as Instruções entregues a Mendonça 
 
140 Carta de Silva Tarouca a Sebastião José de Carvalho e Melo. Viena, 12 de agosto de 1752. Anais da 
Academia Portuguesa de História. p. 323-329 Apud. MAXWELL, Kenneth. Op. cit. p. 54. 
141 CUNHA, Dom Luís da. Testamento Político. JANOTTI, Maria de Lourdes M.; PESSOA, Reynaldo Xavier 
Carneiro; WITTER, José Sebastião. São Paulo: Alfa-Omega, 1976. 
142 Cf. Instruções dadas pela rainha D. Mariana D’ Áustria, mulher de Dom João V, ao governador da nova 
capitania de Mato Grosso Dom Antônio Rolim de Moura em 19 de janeiro de 1749. In: MENDONÇA, Marcos 
Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 55-65. 
102 
 
Furtado, são notórias semelhanças que, em substância, obedeciam a um objetivo 
maior: expandir o domínio de Portugal em terras já habitadas, embora precariamente, 
pelos lusos. Os territórios compreendiam duas áreas de importância estratégia para 
afirmação de Portugal no Brasil, como o extremo-oeste (capitania do Mato Grosso) e o 
extremo noroeste brasileiros (Estado do Grão-Pará). 
Nas instruções entregues a Rolim de Moura percebemos as bases para 
coordenação de uma estratégia que manteria e expandiria aqueles territórios a partir da 
capitania do Mato Grosso. Quando o acordo de Madrid ainda era ensaiado, pediram 
ao governador do Mato Grosso que reforçasse a argumentação portuguesa do uti 
possidetis. Como constam nas Instruções a Rolim de Moura, composta de 32 
parágrafos, a capitania de Mato Grosso era instituída por conta da sua situação 
fronteiriça, mais especificamentepor ser o “propugnáculo do sertão do Brasil pela 
parte do Peru”143 e, por esse motivo, considerava-se necessário “que naquele distrito se 
faça população numerosa”.144 O governador Rolim de Moura deveria fundar a vila 
(seria Vila Bela, com o status de capital do Mato Grosso), próxima ao Rio Guaporé, 
ou outro rio, desde que navegável. Isenções e privilégios deveriam ser entregues aos 
povoadores para crescimento e desenvolvimento rápidos. A força militar também era 
preocupação, esperava-se que uma Companhia de Dragões fosse imediatamente 
arregimentada. 
O governador tinha a incumbência de manter nas fronteiras a boa convivência 
entre luso-brasileiros e castelhanos, reprimindo e punindo sertanistas que atacassem as 
missões religiosas espanholas, como as de São Miguel e de Santa Rosa, ambas 
localizadas naquelas imediações e administrativamente subordinadas ao governo de 
Santa Cruz de La Sierra. As instruções enviadas a Dom Rolim de Moura lembravam-
no de que mesmo que os padres castelhanos tivessem fundado a missão de Santa Rosa, 
nas margens do Rio Guaporé, muito provavelmente em razão de fortes suspeitas de 
abundantes jazidas de ouro de aluvião, ou talvez também para controlar a navegação 
fluvial, o governador deveria, por enquanto, contentar-se em dominar apenas uma das 
margens, assim como deter conflitos de posse de minas auríferas entre os vassalos das 
duas coroas naquela fronteira. O governador deveria doar sesmarias aos luso-
 
143 Instruções dadas pela rainha D. Mariana D’ Áustria, mulher de Dom João V, ao governador da nova capitania 
de Mato Grosso Dom Antônio Rolim de Moura em 19 de janeiro de 1749. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro 
de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 56. 
144 Ibid., p. 56. 
103 
 
brasileiros para que os índios espanhóis não se aproximassem do local. Portanto, o 
interesse da coroa era garantir aquelas terras, povoando-as mediante fundação de vilas 
e lugares. 
No tocante à questão indígena, o governador tinha, por exigência, de estimular 
na população um tratamento respeitoso em relação aos índios. Curiosamente, a 
Instrução deixava explícito que à Companhia de Jesus deveriam ser entregues todos os 
capturados ilegais que demonstrassem ser de “nações mansas”, i.e., de temperamento 
pacífico e, portanto, passíveis de adaptação ao meio e à rotina de vida das missões 
jesuíticas. Rolim de Moura também deveria doar sesmarias para que as missões 
avançassem e progredissem economicamente. A exclusividade e o controle dos 
jesuítas em relação aos índios eram demasiados, chegando ao extremo da Companhia 
proibir, durante muito tempo, a entrada de seculares nas missões. No entanto, os 
padres da Companhia de Jesus tinham de se habituar a receber côngruas, precisamente 
quarenta mil-réis ano per capta e por conta dos cofres da Fazenda. As Instruções 
enviadas a Dom Rolim de Moura recebeu, dentre outras assinaturas, a de Marco 
Antônio de Azevedo Coutinho, tio de Pombal, e de Mendonça Furtado. 
Por outro lado, as medidas para a reforma política e social da Amazônia 
estavam substancialmente contidas nas Instruções Secretas enviadas a Mendonça 
Furtado, governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão. 
Lúcio de Azevedo, autor de Os jesuítas no Grão-Pará, que publicou o 
documento na mesma obra, salienta que antes da análise do conteúdo das Instruções 
Secretas, é imprescindível ressalvar um dado aparentemente singelo, porém de grande 
significado. O autor esclarece (em discreta nota de rodapé na última página dos 
apêndices da obra) que descobriu, ao compulsar documentação na Biblioteca Nacional 
de Lisboa, Coleção Pombalina, a existência de dois exemplares das Instruções para 
Mendonça Furtado: um secreto e outro público – o que, aliás, é sugerido no próprio 
título. Os documentos eram, aparentemente, semelhantes entre si. Contudo, Lúcio de 
Azevedo percebeu que a documentação pública omitia as Instruções 13, 14, 24, 25 e 
26 que, curiosamente, diziam respeito diretamente ao poder dos padres jesuítas. 
Mendonça Furtado só recebeu a nomeação de governador e capitão-general do 
chamado Estado do Maranhão em junho de 1751, mas as Instruções a ele dirigidas 
datavam de maio do mesmo ano. 
A primeira novidade contida nas Instruções era relativa à divisão do Estado 
num duplo governo e com relativa autonomia para o governador do Maranhão, que 
104 
 
ficou submetido ao do Pará, em razão de sua maior prosperidade comercial no Estado 
Grão-Pará e Maranhão. Destarte, São Luís deixava de ser a capital, como aconteceu na 
maior parte do tempo da história do Estado. A Instrução nomeou Luís de Vasconcellos 
Lobo como governador do Maranhão. Curiosamente, o indicado faleceu em 11 de 
dezembro de 1752, e o posto ficou vacante, mas sob domínio de Mendonça Furtado, 
sendo frequentemente visitado pelo bispo do Pará, frei Miguel de Bulhões, maior 
aliado do governador no Estado. 
Nas Instruções, há menção a uma questão que é considerada problema central e 
endêmico do Estado: a liberdade indígena. Acreditava-se que “(...) a decadência e 
ruína do mesmo Estado, e as infelicidades que se tem sentido nele, são efeitos de se 
não acertarem ou de se não executarem minhas reais ordens [no sentido de libertar o 
índio] que sobre estes tão importantes negócios se tem passado”.145 Segundo as 
Instruções, as leis indígenas nunca eram satisfatoriamente executadas. Isso era 
consequência não apenas da falta de interesse da população, mas também do poder 
abusivo que a Junta das Missões se outorgou para “(...) estender suas faculdades, a 
mais do que lhe era permitido.” 146, cujo efeito foi aumentar a emissão de licenças para 
o cativeiro. Posteriormente, o texto das Instruções dedicava algumas linhas para fazer 
suscinta retrospectiva do histórico das legislações indígenas e do fracasso de todas as 
leis, até as que ainda vigoravam no Estado: como, por exemplo, a de 1º de abril de 
1680, que instituiu a Junta das Missões, e o alvará de 21 de abril de 1688, que voltou a 
permitir cativeiros em alguns casos excepcionais. Conforme o sexto parágrafo do 
documento, o governador deveria pôr em ação o decreto de 28 de maio de 1751, 
aprovado pelo Conselho Ultramarino, que colocou fim à escravização do índio no 
Pará-Maranhão (mas que tão cedo não seria publicada). Pelo decreto, acabava-se com 
a escravização, obrigando os moradores a utilizar o trabalho indígena apenas mediante 
contrato remunerado, “(...) pagando a estes os seus jornais e tratando-os com 
humanidade, sem ser, como até agora se praticou com injusto, violento e bárbaro 
rigor.”147 
Para resolver o problema da falta de mão-de-obra, o governador deveria 
averiguar, segundo pedidos das Instruções, junto aos moradores, as possibilidades dos 
domiciliados adquirirem escravos negros, conforme a Resolução de 27 de maio de 
 
145 Instruções. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. p. 68. 
146 Ibid., p. 69. 
147 Ibid., p. 69. 
105 
 
1750. Essa medida seria o primeiro passo do governo josefino para tentar sanar o 
antigo problema do Grão-Pará, que era a ausência do fluxo de escravos provocada pela 
pobreza dos moradores. 
Em tese, as medidas apontavam para o aberto favorecimento da inserção do 
índio ao projeto português para a Amazônia. Livres, eles ocupariam os vácuos 
populacionais e também prestariam serviços públicos nas zonas urbanas. Portanto, 
para auxiliar na concretização do objetivo, o traslado dos índios, ainda “selvagens” 
para as aldeias religiosas, seria incumbido aos padres. Assim, os religiosos deveriam: 
 
(...) descer e atrair voluntariamente (para as aldeias religiosas), pelo cuidado dos 
missionários que os exortarão (aos índios) a virem cultivar as terras, propondo-lhes 
para esse fim conveniências nos jornais e comodidades que hão de perceber no dito 
exercício, prometendo-lhes, ao mesmo tempo,o uso da sua liberdade e 
conveniências com uma fé inalterável, que vós fareis executar e cumprir, de sorte 
que a experiência confirme a estes índios, em tudo e por tudo o que com eles se 
ajustar.148 
 
Não seria necessário, em alguns casos, retirar os índios das aldeias religiosas, 
ficando a Fazenda Real comprometida em fornecer amparo necessário para 
administrar a vida da comunidade.149 Mais uma vez, repetiu-se o que antes ficou 
acertado para nova capitania do Mato Grosso: o deslocamento de contingentes 
populacionais, principalmente indígenas, para zonas fronteiriças, a fim de garantir a 
posse da terra. Novamente, repetia-se o que dantes ficou acertado para nova capitania 
do Mato Grosso: o deslocamento de contingentes populacionais, principalmente 
indígenas, para zonas fronteiriças para garantir a posse da terra. Outra vez os 
religiosos ficavam como auxiliares daqueles planos. Uma das medidas mais 
emergenciais era a fundação de aldeias no Cabo do Norte (atual Amapá) com o 
objetivo de frear a expansão francesa e, em parte, holandesa, a partir de Caiena (atual 
Guiana Francesa). Em obediência a essa exigência, os religiosos, especialmente da 
Companhia de Jesus, deveriam cooperar com o governador: 
 
(...) preferireis (informava-se ao governador) sempre os Padres da Companhia, 
entregando-lhes os novos estabelecimentos [...] por me constar que os ditos Padres 
da Companhia são os que tratam os índios com maior caridade e os que melhor 
sabem formar e conservar aldeias (...).150 
 
 
148 Instruções. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. p. 70. 
149 Cf. Instruções. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. p. 73. 
150 Ibid., p. 75 
106 
 
Nesse sentido, as Instruções serviam de alertava ao governador para não 
permitir que aqueles religiosos extrapolassem suas funções religiosas e ficassem 
subordinadas ao poder civil, “(...) e cuidareis no princípio destes estabelecimentos em 
evitar quanto vos for possível o poder temporal dos missionários sobre os mesmo 
índios, restringindo-o quanto parecer conveniente.”151 
 Assim, mesmo dentro do novo contexto político, os regulares continuariam 
cooperando com a formação espiritual do índio. Em sua função espiritual, os 
missionários ficariam com papel circunscrito à cristianização do indígena, i.e., no 
intuito de promover uma doutrinação para tornar o índio aproveitável para os objetivos 
do reino de Portugal. 
Todavia, um dos pontos mais delicados da ocupação eram os lindes com os 
domínios espanhóis. No vastíssimo território amazônico, era preciso que se “(…) 
estabelecessem aldeia no rio das Amazonas, seus colaterais, e nos confins e limites dos 
meus domínios, para aumento da cristandade nos índios, como também para a 
conservação dos domínios (…)”. 152 Para a concretização desse objetivo, governador 
tinha de contatar o vice-provincial da Companhia para estabelecer aldeias em 
territórios mais a leste, em direção à fronteira com Espanha, para conseguir assegurar 
a “(...) conservação dos índios, como também, para a conservação dos meus domínios 
por aquela parte do sertão (...)”.153 Os jesuítas surgiam como figura-chave para auxiliar 
a coroa na ocupação dos territórios, desde a publicação da lei de 19 de março de 1693 
(ver página 84), que entregou oficialmente aos inacianos todo o território à margem 
sul do Rio Amazonas até os limites ocidentais com Espanha. Isso favoreceu o 
estabelecimento de aldeamentos jesuítas afixadas em locais estratégicos, que viriam a 
ser úteis na nova conjuntura, para os esforços de demarcação fronteiriça por parte da 
administração portuguesa, que via nas missões uma base estratégica para que se “(...) 
cultivem, povoem e segurem os vastíssimos países do Pará e Maranhão (...).”154 
Sobretudo por que os jesuítas controlavam os territórios contingentes populacionais 
indígenas, e suas missões passaram a ser vistas como instrumento útil para 
cumprimento dos objetivos religiosos. 
 
151 Ibid., p. 75 
152 Ibid., p. 75 
153 Ibid., p. 74. 
154 Ibid., p. 73. Grifo nosso. 
107 
 
Os jesuítas e os religiosos de outras ordens não desconfiaram que todos os 
povoados por eles anteriormente construídos e os demais que vieram a fundar, 
brevemente, teriam sua administração transferida para o poder civil e foram 
renomeadas, em alguns casos, com nomes de cidades portuguesas. Mas a menção à 
fundação de vilas nos leva a uma questão colateral ao projeto português para a 
Amazônia: a das reformas urbanas. Ao longo do período colonial brasileiro, as cidades 
não tinham grande importância em razão do predomínio da economia rural, e os 
núcleos urbanos existentes careciam de planejamento, pois não nasciam de planos 
abstratos, mas de um planejamento insuficiente que mais os fazia parecer construções 
espontâneas, em alguns aspectos. Na colônia, e curiosamente também na metrópole, as 
cidades não eram geométricas, abstratas, conforme as concepções romanas de 
Vitrúvio, como acontecia em algumas cidades da hispano-américa. Uma das 
consequencias dessa espontaneidade era a insalubridade que gerava surtos de 
epidemias e a desorganização dos espaços públicos, “(...) as ruas quase sempre se 
acomodando ao terreno acidentado, eram irregulares, tortuosas e estreitas.” 155 Como 
os portugueses construíam cidades encima de pontos altos, convivia-se 
incomodamente com ladeiras íngremes a exemplo de Salvador e do Rio de Janeiro, 
onde o plano de urbanização modelou-se às linhas topográficas. 
No entanto, durante o período pombalino, foram realizadas as chamadas 
reformas urbanas. Na metrópole, após o terremoto, houve a remodelação de Lisboa. 
Dessa vez com muito planejamento urbano e arquitetônico, cujo maior expoente foi a 
baixa pombalina. Nas cidades fronteiriças com Espanha, podemos mencionar Vila 
Real de Santo Antônio, também obra da política urbana de Pombal, que impressiona 
por destoar do aspecto comum às outras cidades portuguesas, porque foi 
metodicamente planejada – exemplo de cidade racional e iluminista: construída em 
território plano, suas ruas consistem em linhas retas de grande apuro geométrico, cujo 
centro é uma praça que funciona como núcleo administrativo-político. 156 
Assim sendo, os territórios adquiridos pelos lusitanos depois da assinatura do 
Tratado de Madrid também foi alvo de medidas no mesmo sentido. Mas a 
remodelação urbana na Amazônia e nas adjacências era preocupação colateral do novo 
 
155 ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de 
Janeiro: José Olympio, 1993. p. 43. 
156 As impressões acima referidas chamaram a atenção do autor que conheceu cidade de Vila Real de Santo 
Antônio. Somente anos depois, ao estudar o pombalismo, chegou ao entendimento de que as características 
urbanas previamente observadas estavam circunscritas a um contexto histórico tão peculiar. 
108 
 
projeto, e os resultados ficaram longe de ser satisfatórios. Houve recomendações 
enviadas a Dom Rolim de Moura para edificação do novo centro político da capitania 
do Mato Grosso, que passou a ser a cidade de Vila Bela. Dessa vez, chama-se a 
atenção para a salubridade do terreno base que deveria evitar espaços insalubres. As 
ruas deveriam ser traçadas “(...) direitas e largas, o mais que vos parecer conveniente, 
para que a mesma vila desde o principio se estabeleça direção.”157 
A cidade de Belém aparentemente foi construída fora das concepções 
tradicionais ao modo lusitano. Como notou o famoso cientista francês Charles de La 
Condamine, por volta de 1743, (quando viajava pela Amazônia em missão científica a 
realizar observações astronômicas), depois de ter permanecido meses no interior da 
selva. O cientista sentiu-se na Europa ao vislumbrar a cidade de Belém “(...) uma 
grande cidade [com] ruas bem alinhadas,casas risonhas, a maior parte construídas 
desde trinta anos em pedra e cascalho, igrejas magníficas”. 158 No entanto, Belém 
passou por remodelações em sua arquitetura. A figura de destaque é Giuseppe Antonio 
Landi, enviado ao Grão-Pará na função de desenhista de história natural, junto à da 
comissão científica responsável pelas demarcações das fronteiras acertadas pelo 
Tratado de Madrid, na condição de auxiliar de outro italiano, o astrônomo Angelo 
Brunelli. Além de desenhista, geógrafo, astrônomo, Brunelli também foi exímio 
arquiteto e urbanista. O reconhecimento da competência de Antônio Landi por parte 
de Mendonça Furtado valeu-lhe trabalhos como a remodelação do Palácio dos 
Governadores, da Capela de São João Batista, da Igreja de Santana e de alguns prédios 
de Belém; obras iniciadas no final da gestão de Mendonça Furtado e continuadas no 
governo seguinte.159 
Com a necessidade de melhor colonizar a Amazônia, o governador erigiu 
inúmeras vilas e lugares. O artifício do uti possidetis foi a pedra basilar do Tratado de 
Madrid, e os portugueses conheciam perfeitamente a eficácia de se ocupar e povoar 
 
157 Instruções dadas pela rainha D. Mariana D’ Áustria, mulher de Dom João V, ao governador da nova capitania 
de Mato Grosso Dom Antônio Rolim de Moura em 19 de janeiro de 1749. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro 
de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 57. 
158 LA CONDAMINE, Charles de. Viagem na América meridional descendo o Rio das Amazonas. Brasília: 
Senado Federal, 2000. P. 112. 
159 O projeto urbano esteve longe de ser bem-sucedido. Um balanço posterior realizado pelo naturalista 
Alexandre Rodrigues Ferreira, que percorreu a capitania de São José do Rio Negro entre 1785 e 1787, deixa a 
impressão de que não houve desenvolvimento satisfatório do ponto de vista urbano e comercial, alcançando 
aquelas vilas e lugarejos uma condição em nada superior á obtida na época dos Padres missionários, inclusive na 
administração da vida do índio. Segundo o naturalista, “Sem gente, sem lavoura e sem comércio, não sei para 
que servem mIlhares de povoações” In: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica ao Rio Negro. 
Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, s.d. apud. ARAÚJO, Emanuel. op. cit. p. 43. 
109 
 
territórios dentro das suas fronteiras ou em regiões litigiosas. Desse modo, para 
avançar a colonização da Amazônia, mantiveram aquela política de povoação durante 
o governo de Mendonça Furtado, como a fundação de vilas e lugares em zonas 
limítrofes, para garantir vantagens na incorporação de territórios. 
Outra medida para assegurar um contingente populacional necessário, para 
efetuar a ocupação do território, além da construção de novas aldeias missionárias que 
foram incumbidas aos religiosos, consistiu na vinda de casais da Ilha dos Açores. Esse 
plano foi previamente ensaiado na história amazonense, a exemplo do que aconteceu 
em 1618, quando aproximadamente trezentos colonos açorianos imigraram com 
direito a terras e escravos. Os benefícios de que gozaram na chegada não evitou que 
largassem mão do trabalho sistemático, ao qual estavam culturalmente habituados, 
lançando-se, igual aos sertanistas, na coleta das drogas do sertão.160 
A importação de casais açorianos como recurso para o povoamento deveria ser 
novamente ensaiada, segundo exigência das Instruções. Ainda assim, alertava-se para 
o problema ocorrido no início do século XVII que, dessa vez, não poderia se repetir. 
Como os moradores não tinham o hábito de trabalhar, os colonos serviram de exemplo 
para os antigos habitantes. Desse modo, Mendonça Furtado era instruído: 
 
(…) quando os estabelecerdes, cuideis muito que eles [os açorianos] sigam a sua 
condição, acostumando-os ao trabalho e cultura das terras na forma que praticavam 
nas Ilhas; porque, não sendo diferente o gênero de trabalho e indo acostumados a 
ele, não há motivo para que não cultivem pelas suas mãos as terras que se lhes 
repartirem, evitando-se assim uma ociosidade muito prejudicial (…).161 
 
Mendonça Furtado foi alertado alertou pelas Instruções sobre o antigo 
problema do Brasil colonial, que era a predisposição social contra o trabalho: 
 
(…) e da minha parte declarareis aos ditos povoadores que cultivarem as suas 
terras por suas mãos, que este exercício nas suas próprias lavouras os não 
inabilitará para aquelas honras a que, pelo costume do pais, pudessem aspirar, antes 
para este mesmo efeito poderão ter a preferência que merecem, pelo serviço que 
me tiverem feito e ao público, na referida cultura das suas terras.162 
 
Do ponto de vista defensivo, exigia-se a construção de fortes para a defesa da 
Amazônia. Primeiro, deveria ser emergencialmente construída defesas nas missões do 
 
160 AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará, suas missões e a colonização. Porto, 1901. p. 130. 
161 Instruções. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. p. 71. 
162 Ibid., p.71. 
110 
 
Cabo do Norte, localizadas na costa do Macapá, enquanto que no Maranhão, as já 
existentes, deveriam ser reformadas. Segundo as Instruções Secretas, cabia ao 
governador observar que as fortalezas deveriam ser construídas: 
 
(…) de forma e modo que não pareça receio dos nossos confinantes, havendo ao 
mesmo tempo a cautela precisa para que eles não nos surpreendam para que, pelos 
meios de fato não renovem pretensões antigas, e não queiram impossibilitar-nos 
para lhes disputarmos em todo o tempo por força.163 
 
O governador também deveria prestar séria atenção na renovação dos 
contingentes militares em equipamento e na conservação da disciplina. O último 
desafio para a coroa portuguesa na reforma do Estado do Pará-Maranhão, talvez o 
maior de todos, consistia em ressuscitar, ou mesmo dar à luz, ao praticamente 
inexistente comércio regional. A falta de mão-de-obra, a ausência de moeda e a 
escassez de mercados tornavam aquela zona portuária rota pouco explorada no sistema 
mercantil luso-brasileiro. Mais do que boa-vontade, o fomento comercial dependeria 
de uma investigação sobre as riquezas que poderiam ser produzidas no Estado. 
Geralmente, a economia do Estado dependia do comércio das chamadas drogas do 
sertão, produtos de obtenção irregular em suas quantidades e de disponibilização 
incerta para os mercados. Dentro do novo contexto, exortava-se o governador à 
pesquisa dos produtos da terra e da realização de experimentos agrônomos para 
conhecimento do que poderia ser produzido e em que qualidade e também em sua 
utilidade mercantil, 
 
(…) para servirem ao mesmo comércio, e de quais a mais fácil, mais barata e mais 
fértil a sua produção; e na informação que dareis sobre esta matéria, imporeis o 
vosso parecer, ouvindo as pessoas mais peritas no comércio e cultura dos ditos 
gêneros, para se facilitar e favorecer o aumento e a cultura deles.164 
 
Assim, Mendonça Furtado deveria incentivar os fazendeiros a trabalhar e a 
manter uma produção disciplinada e abundante para facilitar as experiências 
agrônomas com a promessa de que receberiam ajuda régia mediante a Secretaria de 
Estado do Conselho Ultramarino. A ausência de moedas no Estado também era um 
problema a ser considerado pela nova administração. A moeda, como a conhecemos, 
era inexistente na medida em que não havia mercados regulares e, mesmo assim, sua 
 
163 Ibid., p. 77. 
164 Instruções. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Op. cit. p. 78. 
111 
 
importância não era sentida pela população. Estranhamente, a moeda corrente 
consistia na utilização de panos e novelos de algodão, e o seu valor nominal era taxado 
pelas Câmaras; serviam até mesmo como instrumento de pagamento para índios forros 
ou para transações comerciais.165 Esperava-se que desta vez o governador superasse 
aquele problema. 
Todas as medidas tomadas para o Pará deveriam também alcançar oMaranhão 
não obstante a nova cidade-sede ser Belém, e os moradores deveriam ficar a par da 
preocupação da coroa para com os maranhenses. Finalmente, ficava esclarecida a 
proibição de extrair metais preciosos das minas do Estado. Como a experiência 
ensinava, o comércio aurífero impedia o desenvolvimento de alguns setores 
econômicos do Estado, o que não era do interesse da coroa. Ainda, as Instruções 
alertavam ao governador da importância de se iniciar a comunicação por meio de 
estradas com a capitania de Mato Grosso. 
A exigência de segredo sobre o conteúdo das Instruções, como reforçado no 
parágrafo final, lembrava a Mendonça Furtado que mesmo o governador do 
Maranhão, Vasconcelos Lobo, só deveria ser comunicado em alguns dos pontos das 
instruções apenas quando inevitavelmente necessário. Destarte, acreditamos ter 
demonstrado que o projeto português para a Amazônia estava assente no tripé 
território, população e comércio. A administração portuguesa via os três quesitos 
como complementares e de aplicação sincrônica; de fato Mendonça Furtado operou os 
três pontos em grau equacionado. 
Alguns historiadores se perguntam se as Instruções seriam, no seu bojo, hostis 
contra a Companhia de Jesus (como declarou Serafim a partir da interpretação das 
Instruções 13 e 14) 166 ou pelo contrário, se não favoráveis, pelo menos isentas 
(posicionamento de Lúcio de Azevedo, em interpretação amparada na Instrução 22).167 
De certo modo, as Instruções denotam certa ambigüidade quanto ao tema das ordens 
religiosas e sinalizavam, para uma provável oposição deles às suas determinações. Isso 
porque as ordens religiosas agiam de forma independente do poder civil. Ao mesmo 
tempo, era flagrante a exigência da subordinação dos religiosos ao poder laico. De 
toda forma, é pouco provável que se previsse a guerra que ali eclodiu. 
 
 
165 Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará, suas missões e a colonização. Porto, 1901. p. 134. 
166 Cf. LEITE, Serafim. A História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VII, Livro IV. p. 338. 
167 Cf. Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. O marquês de Pombal e a sua época. São Paulo: Alameda, 2004 p. 136. 
112 
 
 V. O Projeto Português para a Amazônia: as Instruções em Desafio 
 
 
Se o conteúdo formal do Projeto Português para a Amazônia foi extraído das 
Instruções Secretas, dirigidas a Mendonça Furtado, os passos e os desafios para sua 
execução são constatados nas cartas que o governador enviava ao marquês de Pombal. 
É a partir da leitura das missivas entre os irmãos Mendonça Furtado e marquês de 
Pombal, que constatamos o confronto entre a Companhia de Jesus e os representantes 
do consulado pombalino no Grão-Pará e Maranhão. A aludida correspondência é o 
principal substrato de análise daquele embate. 
Em cinco de junho de 1751, Mendonça Furtado recebeu a nomeação de 
Governador e Capitão-General do Estado do Maranhão. No dia 12 de junho, ele 
embarcou em Lisboa, aportando em São Luís no dia 26. A primeira medida 
administrativa tomada por ele foi dar posse ao novo governador do Maranhão, Luís de 
Vasconcelos Lobo. A partida de Mendonça Furtado para Belém foi adiada por 
problemas com a embarcação. No entanto, Furtado aproveitou a oportunidade para 
viajar, por terra, até Belém. Segundo ele, a viagem iria permitir-lhe conhecer melhor o 
Estado do Grão-Pará e Maranhão.168 
Pouco antes de iniciar a viagem, Mendonça Furtado fez sua primeira acusação 
ao laxismo do clero no Estado, censurando o abandono de certa aldeia às margens do 
Rio Turiaçu, sob a jurisdição da Ordem do Carmo. Chegou ao conhecimento do 
governador que, há quatorze anos, os moradores da aldeia não participavam de missas 
e nem recebiam os sacramentos. Por esse motivo, ainda em Belém, Mendonça Furtado 
admoestou o prior a enviar missionários à povoação e garantiu, em sua viagem para 
Belém, que se deslocaria até o local para ter certeza do cumprimento dos ofícios 
religiosos junto à população. E caso não encontrasse nenhum sacerdote lá, 
permaneceria no local até que aparecesse algum religioso, o que terminou por não ser 
necessário.169 
 
168 Cf. Carta de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte Real de 10 de dezembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 144. 
169 Cf. Carta de Mendonça Furtado a Pedro da Mota e Silva de 2 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 57. 
113 
 
A viagem para Belém demorou 21 dias. Mendonça Furtado chegou no dia 20 
de setembro e tomou posse do governo no dia 24 do mesmo mês.170 O novo 
governador assumiu o cargo no lugar de Francisco Pedro de Mendonça Gurjão. O 
tempo previsto para a execução do mandato de governador no Estado durava 
geralmente três anos, mas as prorrogações eram frequentes, como aconteceu com 
Mendonça Furtado. A cidade de Belém, doravante, passou a ser não só a capital da 
capitania, mas também de todo o Estado do Grão-Pará, em razão de sua crescente 
produção comercial, que havia superado a de São Luís. Também por estar geográfica e 
estrategicamente melhor localizada, o que facilitava a aplicação das novas diretrizes 
do Estado português para a Amazônia. 
A chegada do novo governador ao Grão-Pará e Maranhão foi bem conturbada. 
A partir da leitura da correspondência de Mendonça Furtado, foi possível identificar a 
ideia que ele fazia de si próprio. O governador considerava-se um homem 
assumidamente temperamental e colecionador de desafetos, mas que lograva, em 
contrapartida, contrabalançar e frear a própria pusilanimidade, consciente de que para 
um homem público o mais sensato era que o cálculo e a cautela se sobrepusessem ao 
feitio. Contudo, o historiador João Lúcio de Azevedo trouxe à luz o episódio que 
contradiz o suposto comedimento que o governador sugeriu impor a si próprio. O 
historiador relata que Mendonça Furtado, logo ao chegar a São Luís, teve um 
desentendimento com o Ouvidor-Geral do Estado, o bacharel Manuel Luís Pereira de 
Melo. João Lúcio conta que o ouvidor foi ao gabinete de Mendonça Furtado para tratar 
da delicada questão dos índios. Na ocasião, os dois desentenderam-se e trocaram 
desaforos. Dos crescentes desentendimentos, os dois partiram para as agressões 
físicas, sendo necessária a intervenção da criadagem para pôr fim ao triste espetáculo. 
Ainda assim, depois que Manuel Luís foi embora, o governador continuou a discussão 
da janela de sua sala, dizendo impropérios contra o bacharel, que, por sua vez, 
respondeu como um desvairado pela rua. 
Depois dessa cena, Mendonça Furtado passou, obsessivamente, a falar mal de 
Manuel Luís, em suas correspondências para amigos e familiares. Em uma das 
correspondências, o governador informou a seu irmão que o ouvidor era “(...) mui 
curto de talento, sumamente malcriado e proporcionalmente atrevido, soberbo, e 
 
170 Cf. BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. p. 159. 
114 
 
incivil, com o pior modo que eu via a homem nenhum (...)”.171 Manuel Luís Pereira de 
Melo ainda demonstrou sua oposição a Mendonça Furtado quando, de passagem por 
São Luís, aproveitou a ocasião para desacatar Vasconcelos Lobo, governador da 
capitania do Maranhão.172 Contudo, Mendonça Furtado recebeu autorização para 
mandá-lo a uma fortaleza na condição de prisioneiro. Posteriormente, o governador 
enviou o ouvidor para o reino como cativo, onde foi exonerado de seu cargo público e 
banido das proximidades da corte.173 
Em comentário sobre a personalidade de Mendonça Furtado, o historiador 
Arthur Cézar Ferreira Reis asseverou que ele era um “Grosseiro, irascível”, que por 
abusar de sua “(...) condição de mano de Carvalho e Melo, o governador não 
enxergava obstáculos à sua vontade e por isso se cercavade animosidade pública”. 
Desse modo, “(...) os seus partidários não se contavam em número elevado”.174 Um 
traço marcante da personalidade do governador e capitão-general do Grão-Pará foi sua 
tendência obsessiva e infatigável em perseguir os seus desafetos, deixando o marquês 
de Pombal exaustivamente a par de suas amarguras. O governador dedicou muitas 
linhas para criticar todos os seus adversários. Às vezes como método catártico, 
noutras, apenas para ver os agravos recebidos dos seus inimigos, devidamente 
justiçados. 
Mas Mendonça Furtado teve no Estado seus próprios partidários, ademais 
conhecia personalidades influentes que o respaldavam no Grão-Pará. Dentre essas 
figuras, destacamos o bispo Dom Miguel de Bulhões. O bispo foi um dos grandes 
expoentes do regalismo no período pombalino. Ora, absolutismo e regalismo tinham 
objetivos semelhantes, pelo menos em parte, como a independência das decisões 
tomadas nacionalmente, à revelia da intromissão de Roma, i.e., o papa. E, de fato, 
marquês de Pombal rompeu durante longos anos relações diplomáticas com o papado, 
de 1760 a 1769. O bispo, que tomou posse antes do governador, terminou por ser o 
maior aliado de Mendonça Furtado no Estado e chegou a ocupar interinamente o 
governo do Maranhão, depois do falecimento de Vasconcelos Lobo, em 11 de 
dezembro de 1752. Posteriormente, o bispo Bulhões foi governador interino de todo 
 
171 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Francisco Luís da Cunha e Ataíde. Pará, em 22 de dezembro de 1751. 
In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit. Tomo I. p. 183.. 
172 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 6 de dezembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 161-162. 
173 Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. Os Jesuítas no Grão-Pará. Porto, 1901. p. 236. 
174 FERREIRA REIS, Arthur Cézar. História do Amazonas. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: 
Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. p. 105. 
115 
 
Estado do Grão-Pará e Maranhão por causa da longa ausência de Mendonça Furtado, 
no período em que participou das demarcações das fronteiras e fundação de vilas. 
Mendonça Furtado, em terras americanas, além de secretário do governo, João 
Antônio Pinto da Silva, levou apenas em consideração o ouvidor da capitania do 
Maranhão, o bacharel João Antônio da Cruz Diniz Pinheiro. Embora jamais tenha 
conhecido o bacharel pessoalmente, ambos correspondiam-se e partilhavam afinidades 
em relação aos assuntos do Estado. Mendonça Furtado sempre demonstrou profunda 
reverência ao Diniz Pinheiro, chegando mesmo a lamentar o descompasso entre os 
dois mandatos: “Com grande mágoa minha se recolhe para essa Corte o bacharel João 
da Cruz Diniz Pinheiro, ouvidor que acabou na Capitania do Maranhão, Ministro que 
eu nunca conheci (...)”.175 O novo governador baseou-se em relatório do bacharel para 
formar conceito sobre as coisas do Estado. É da autoria de Diniz Pinheiro o escrito 
intitulado Notícia do que contém o Estado do Maranhão em comum, e em particular 
sucintamente dentro no seu distrito, preciosidade documental publicada por Lúcio de 
Azevedo.176 O bacharel voltou para Lisboa como peça-chave da propaganda 
antijesuítica. Tempo depois, o governador pediu ao marquês de Pombal que o 
testemunho do ouvidor fosse seriamente considerados no paço. 
Quanto ao aludido relatório, em um texto descritivo e conciso, seu autor 
procurou deixar claro o panorama político e social do Grão-Pará na época em que 
Mendonça Furtado tomou posse do governo do Estado. O documento apresenta, de 
forma geral, informações didáticas sobre o que é o Estado, contabilizando o número de 
capitanias e sua condição de régia ou privada, bem como a quantidade de rios e suas 
características. O relatório aponta também o número de ordens religiosas atuantes e 
faz um inventário do cômputo de seus edifícios por capitanias, dos índios forros e 
escravos ali residentes sob tutela dos missionários. Diniz Pinheiro enumerou os 
engenhos de açúcar e as cabeças de gado existente no Estado, destacando quais, entre 
os bens existentes em cada uma das capitanias, estavam vinculados às instituições 
religiosas, as quais alguns destes bens pertenciam. O autor calculou o número das 
aldeias existentes, deixando flagrante a desproporção entre o maior número de 
povoações religiosas em relação às civis. Por fim, o bacharel encerrou o escrito com a 
preocupante e acusatória consideração “Nenhuma desta gente que se compreende em 
 
175 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 6 de dezembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 164. 
176 AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará. Porto, 1901. p. 343-347. 
116 
 
aldeias, doutrinas e fazendas dos padres paga dízimos, por serem todos participantes 
dos privilégios ou abusos que eles inculcam para também os não pagarem”.177 
Esse ponto, em particular, o da isenção tributária, era o principal alvo da 
reflexão e da denúncia de Mendonça Furtado apresentado na sua correspondência ao 
marquês de Pombal. No Maranhão, Mendonça Furtado levantou informação sobre a 
condição da capitania e tomou conhecimento da alarmante situação. Mendonça 
Furtado explicava, em carta para Gonçalo José da Silva Preto, em 4 de dezembro, a 
quantidade de problemas que defrontou desde o começo do seu governo.178 A Fazenda 
Real da capitania era pura desordem, e o comércio maranhense além de ínfimo, era 
também precário. Mendonça Furtado apontava que o pouco comércio existente estava 
em poder dos comerciantes particulares que faziam o trânsito Maranhão-Lisboa, 
prejudicando, assim, o sustento dos moradores. Segundo o governador, o comércio 
autônomo gerava dois graves problemas: extorquia o que deveria ser dos moradores e 
estimulava o aumento do preço dos gêneros. Os comerciantes particulares ou 
“comissários volantes”, como também eram conhecidos, muitas vezes, adulteravam 
valor e medida das mercadorias. Como é sabido, os comissários volantes eram figuras 
detestadas pela administração pombalina na condição de agentes provocadores de 
sangrias nos cofres públicos. 
 Tabela – Notícia do que contém o Estado do Maranhão em comum, e em 
 particular sucintamente dentro no seu distrito.179 
 
ORDEM 
RELIGIOSA 
Conventos Hospícios
Engenhos de 
Açúcar 
Fazendas 
de Gado 
Aldeias 
Administradas 
Carmelitas 4 3 2 7 18 
Mercedários 4 – – 4 2 
Franciscanos 3 3 1 – 26 
Jesuítas 4 3 2 44180 30 
Total 15 9 5 55 76 
 
177 PINHEIRO, João Antônio da Cruz Diniz Pinheiro. Notícia do que contém o Estado do Maranhão em comum, 
e em particular sucintamente dentro no seu distrito. In: AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará. 
Porto, 1901. p. 343-345. 
178 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Gonçalo José da Silva Preto. Belém, 4 de dezembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 144-150. 
179 Fonte: AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará. Porto, 1901. p. 343-345. 
180 O número não é preciso: apesar de afirmar número de fazendas nas demais capitanias do Estado, afirma-se 
que “Na capitania do Piauí [ao menos] pertencem vinte e tantas [fazendas] à administração dos Padres da 
Companhia da Bahia”. De tal modo que, segundo o relator, o número seria superior às 44 por ele registradas. Cf. 
AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará. Porto, 1901. p. 346. 
117 
 
Mendonça Furtado acreditava que era a partir da organização da Fazenda Real 
da capitania que ele poderia ensaiar a defesa do patrimônio régio, ao exercer controle 
sobre gastos públicos, assim como das entradas e saídas de gêneros comerciais. Dessa 
forma, lançou arrematação sobre o controle dos dízimos da alfândega e, 
posteriormente, pôs em execução a Provisão de 13 de março de 1751, queexigia 
tributo de 10% encima de todas as fazendas que entrassem na alfândega. O governador 
colocava-se, destarte, em prática, um dos componentes do que viria a ser a doutrina 
pombalina para a América portuguesa, o fiscalismo como medida controladora da 
administração do comércio. 
O governador percebeu, logo de entrada, que a execução das medidas secretas 
que trazia em sua bagagem resultaria num gigantesco desafio, cujo maior obstáculo 
estava tanto na mentalidade quanto nos antigos hábitos arraigados entre os moradores. 
Mendonça Furtado sentia estranhamento, por exemplo, pelo fato de que a moeda 
corrente para as transações comerciais eram rolos de pano, o que facilitava 
falsificações e confundia a medida precisa do valor.181 O pagamento dos “filhos da 
folha”, como eram chamados os funcionários régios, também dependia dessa moeda 
oficiosa. Porém, os funcionários permaneciam com soldo em permanente atraso, 
negligência bastante habitual com os servidores na colônia. O pagamento dos 
funcionários de escalões mais baixos, como os soldados, chegava a ser feito em 
farinha ou sementes de cacau, como avisou Mendonça Furtado em missiva a um dos 
ocupantes das três secretarias do reino, o ministro dos Negócios Estrangeiros e da 
Guerra, Diogo de Mendonça Corte-Real.182 Essa situação era decorrente da má 
administração e desmandos dos administradores do erário público local. 
As tropas militares eram inexistentes, e os poucos militares ativos formavam, a 
partir da percepção do governador, uma “Gente miserável, sem outra cousa de 
soldados mais do que estarem alistados nos livros da Vedoria, sem disciplina, ordem 
ou forma de militar, digo de milícia, e em tal desprezo, que se tinha por injuriado 
aquele homem a quem se mandava sentar praça de soldado”.183 
Ademais, como percebeu o governador, além do despreparo e da falta de 
recursos para equipar os soldados, o ingresso na tropa recebia bastante resistência dos 
 
181 Cem varas de pano equivaliam a “um rolo”. 
182 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Corte Real, de 20 de novembro de 1751. In: MENDONÇA, Marcos 
Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 106-107. 
183 Carta de Mendonça Furtado para o Conde de Atalaia. Pará, em 20 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 180. 
118 
 
moradores, que não queriam se alistar. Um dos motivos da oposição estava 
relacionado ao tempo de serviço exigido, aos salários que não eram pagos e ao 
sentimento de desonra que representava servir às forças militares. Os mais abastados, 
por exemplo, enviavam solicitação de dispensa para a metrópole. Ainda em São Luís, 
ao passar mostra às ordenanças, o governador percebeu que muitos dos cidadãos não 
portavam armas, recusando-se a carregá-las sob o privilégio de serem “Cidadãos do 
Porto”, argumento que, muitas vezes, também servia de pretexto para receberem 
exoneração do serviço militar. Alguns dos moradores mais abastados sequer aceitavam 
servir à Companhia dos Nobres, que foi especialmente criada para vencer resistências 
da nata local. 
O desenvolvimento do comércio esbarrava em outros desafios. Os poucos 
engenhos existentes, longe de produzir açúcar, tinham sua atividade restrita à 
produção de aguardente, na medida em que requeria menos esforços de investimento e 
trabalho em relação à indústria açucareira. A prática gerava duas situações 
indesejáveis: não desenvolvia o comércio em larga escala e disseminava o alcoolismo 
entre a população. Assim, Mendonça Furtado pediu ao rei que lhe permitisse pôr em 
execução a lei de 10 de julho de 1748, que há tempos restava em letra morta, a qual 
proibia a entrega de licenças para a produção da bebida nos engenhos. Todavia, o 
governador solicitou a emissão de decreto régio a fim de destruir todos os molinetes 
em atividade.184 A medida tinha por finalidade dar cumprimento à Instrução 32, 
conteúdo das Instruções Secretas, que determinava o desenvolvimento das 
potencialidades agrícolas do Grão-Pará. De fato, o governador realizou experiências 
agrônomas com vários produtos da terra para produzir gêneros do interesse da 
metrópole. Os produtos eram cacau, canela, café, tabaco, arroz, anil, azeites, cravo, 
etc.; tintas extraídas do carajuru e do urucu, e também almíscar e âmbar. Podemos 
citar também outros produtos de primeira necessidade, como a estopa para calafetar os 
navios, a cera para fabricação de velas e as madeiras para a construção naval. Talvez a 
mais curiosa de todas as experiências tenha sido a tentativa de plantar amoreiras para 
alimentar o bicho-da-seda. O objetivo era desenvolver fios que seriam levados para a 
Real Fábrica de Sedas, empreendimento têxtil que o marquês de Pombal levou adiante 
 
184 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Dom José I, de 9 de novembro de 1751. In: MENDONÇA, Marcos 
Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 105. 
119 
 
para tentar criar um surto manufatureiro em Portugal, diminuindo, dessa forma, a 
necessidade de panos ingleses.185 
A pecuária parecia atividade promissora. Mas, na recorrente fórmula do 
discurso do governador, a grande lástima era o fato de todas as fazendas criadoras do 
maior número de cabeças de gado pertencerem às ordens religiosas. Mendonça 
Furtado estimou o número de cabeças de gado vacum das principais fazendas dos 
religiosos. Os dígitos oferecidos pelo governador, apesar de não conhecermos a fonte 
em que baseou o cálculo, devem ser conhecidos, pois sua impressão foi tida como 
oficial pela administração de Dom José I. Mendonça Furtado afirmava que os padres 
mercedários detinham algo aproximadamente entre 60 a 100 mil cabeças de gado 
bovino. Os jesuítas ficavam atrás com algo em torno de 25 a 30 mil cabeças; e, 
finalmente, os carmelitas, aos quais era creditado o controle de açougues públicos no 
Pará, eles teriam oito mil reses.186 
Por outro lado, o desenvolvimento econômico do Estado também esbarrava na 
dependência dos moradores em relação ao trabalho escravo do indígena. A obtenção 
do trabalho manual era dificultada pelas ordens religiosas. Tal situação era agravada 
por estar dentro de uma conjuntura desfavorável à obtenção de mão-de-obra indígena. 
É que no Grão-Pará e Maranhão, principalmente na capitania do Pará, uma epidemia 
de varíola grassou entre o período transcorrido de 1743-1749,187 vitimando, 
principalmente, os indígenas. Tais moléstias acirraram a competição em relação ao 
índio. Mendonça Furtado percebeu que as ordens religiosas exerciam um poder 
provavelmente superior ao poder civil no Estado, o qual era baseado no controle do 
trabalho indígena, legalmente amparado na legislação do Regimento das Missões. A 
legislação era tão favorável às ordens religiosas, que levou o governador a perceber 
nela a base de um poder despótico dos religiosos dentro do Estado ou, como ele 
próprio dizia, os religiosos formavam no Estado um “Corpo Poderoso”.188 Em carta ao 
 
185 Cf Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 22 de janeiro de 1752. Ibid., p. 
164. 
186 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Diogo de Mendonça Corte Real, de 22 de dezembro de 1751 Ibid., p. 
190. 
187 Cf. ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de 
Janeiro: José Olympio, 1993. p. 55. 
188 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 21 de novembro de 1751. Ibid., p. 
121. 
120 
 
marquês de Pombal, datada de 29 de novembro, o governador dizia que a legislação 
indígena em vigor consistia no “mais forte inimigo que temos que vencer”.189 
Se os comissários volantes eram vistos pela a administração pombalina como 
fraudadores dos interesses comerciais régios, as ordens religiosas apresentavam-se 
como um problema imensamente maior. Mendonça Furtado apontou para uma ideia 
bastante difundidaentre os colonos, a de que os regulares monopolizavam o comércio 
do Grão-Pará e Maranhão, excluindo a população leiga e o Estado português. As 
impressões levam-nos a formular a hipótese de que principalmente os jesuítas, em 
conjunto com as outras ordens religiosas, formavam no Estado um circuito comercial 
fechado. Tal hipótese baseia-se no fato de que os jesuítas eram donos de todos os 
índios, controlavam e administravam inúmeras missões religiosas que funcionavam 
como centros econômicos ativos com mercadorias e valores a circular dentro das 
mesmas unidades. Desse modo, criava-se uma situação em que moradores e o poder 
público terminavam excluídos de qualquer favorecimento na produção das riquezas. 
 Os religiosos, geralmente, não comercializavam seus produtos no Grão-Pará e 
Maranhão. As mercadorias eram diretamente depositadas nos armazéns dos conventos 
ou, a exemplo da Companhia de Jesus, no seu colégio em Belém, para depois serem 
prontamente transportados para a Província portuguesa da Companhia de Jesus. 
Acusavam-se os jesuítas de transformarem sazonalmente os armazéns dos colégios em 
feiras que vendiam produtos a preços superfaturados. Para agravar o quadro, a 
Companhia de Jesus e demais Institutos religiosos gozavam da prerrogativa de isenção 
no pagamento dos tributos ao Estado, de modo que a coroa não obtinha dessas 
negociações quaisquer dividendos. Essa situação de prosperidade no seio das missões 
religiosas, em contraste com o empobrecimento geral, desde sempre, foi motivo de 
ressentimento contra os religiosos, situação que se tornou cada vez menos aceitável, 
sobretudo na nova conjuntura, quando o governador precisava de recursos. Porém, a 
Fazenda Real estava falida. 
Na carta ao conde de Atalaia, Mendonça Furtado comentou a condição das 
rendas reais das capitanias do Grão-Pará, em que havia encontrado muitas 
“desordens”. E, dessa forma, via o “Estado na última ruína”.190 Outra situação delicada 
 
189 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 29 de novembro de 1751. Ibid., p. 
208. 
190 Carta de Mendonça Furtado para o Conde de Atalaia. Pará, em 20 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 181. 
121 
 
era as suspeitas de que as ordens religiosas praticavam contrabando entre elas e com 
suas homólogas castelhanas. Tal impressão, bastante difundida pelo governador, nunca 
chegou de fato a se comprovar. Contudo, com o descrédito que ele próprio derramou 
em cima das ordens religiosas, é inegável que ela chegou a ser levada a sério pelos 
inimigos da Companhia de Jesus. 
Desse modo, desenhou-se um cenário desfavorável para a execução do projeto 
do qual o governador foi incumbido. Para Mendonça Furtado, a situação era bastante 
óbvia: os jesuítas sangravam os cofres públicos. Nada obstante as inúmeras críticas 
que fez à Companhia de Jesus, sua maior preocupação foi retirar-lhes as amplas 
vantagens, do ponto de vista econômico, que usufruíram no Grão-Pará e Maranhão. 
Assim, Mendonça Furtado comentava, em sua primeira carta ao marquês de Pombal, 
impressões que reuniu desde que chegou ao Estado. O tema versou substancialmente 
sobre as ordens religiosas, principalmente a Companhia de Jesus. A aludida carta é 
quase uma síntese completa de todas as acusações futuramente feitas contra os 
jesuítas. Alarmista, Mendonça Furtado asseverava: 
 
É preciso assentar que cada Religião desta forma, em sim mesma uma República; 
nela se acha toda a casta de oficial; nela há pescadores; nela há os grandes currais 
e, por conseguinte, são senhores das carnes, e das pescarias, tanto de peixes como 
de tartaruga, porque todas são feitas pelas canoas e pelos seus índios, sem que haja 
uma só canoa que sirva ao público neste útil trabalho. As manteigas das mesmas 
tartarugas são também feitas por ordem dos missionários. Finalmente, todos os 
viveres são das Religiões, à exceção de alguma pequena parte que algum morador, 
ainda que raro, manda fabricar. 191 
 
Ainda, na mesma carta, Mendonça Furtado continuou com um sem-número de 
críticas ao poder religioso, sempre com maior destaque para a Companhia de Jesus, a 
fim de justificar o lastimável estado de coisas no Grão-Pará-Maranhão. Todavia, o 
governador fez digressão sobre a história do estabelecimento da Companhia de Jesus 
no Grão-Pará e Maranhão, desde sua fundação em 1652. Mendonça Furtado lamentava 
que a tendência das legislações indígenas fosse entregue aos religiosos “(...) o governo 
espiritual e temporal [e] total soberania de todos os gentios (...) e infinitos homens que 
nascem nestes sertões.” 192 Por conseguinte, acreditava-se que o favorecimento dado 
aos religiosos, no tocante ao controle dos índios, engendrou inúmeras desordens e 
 
191 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 21 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 110-111. Grifo nosso. 
192 Ibid., p. 110-111. 
122 
 
injustiças para toda a população do Estado. Isso por que os religiosos terminaram por 
fazer monopólio do serviço dos índios, “(...) em total ruína das fazendas dos 
moradores e da conservação do Estado”. 193 Segundo Mendonça Furtado, os 
religiosos se fizeram: 
 
(...) senhores absolutos desta gente e das suas povoações; como se foram fazendo 
senhores das melhores e maiores fazendas deste Estado, vieram a absorver 
naturalmente todo o comércio, assim dos sertões como o particular desta cidade 
[Belém], e vieram a cair os direitos reais e dízimos, e em consequencia a cair o 
Estado, sem remissão.194 
 
O governador Mendonça Furtado acrescentou, ainda, a questão do 
desenvolvimento manufatureiro, de grave importância aos olhos dos homens do 
Estado português. O governador percebeu irregularidades no Grão-Pará: a existência 
de manufaturas, que embora estivessem vetadas aos colonos, existiam dentro das 
missões religiosas. Para Mendonça Furtado, parecia um absurdo que os conventos 
religiosos abrigassem oficiais mecânicos: 
 
(...) não só para se servirem a si, mas aos particulares, sem que haja algum que 
possa fazer obra que não seja com socorro das comunidades, largando-lhes por 
grossos jornais os obreiros, vindos de toda a sorte a ficar dentro dos claustros o 
cabedal que deveria girar na República, e que devera sustentar nela o grande corpo 
de oficiais, que é uma das partes principais que a constituem e que a animam.195 
 
O governador Mendonça Furtado enfatizava as consequencias óbvias daquelas 
prerrogativas, que faziam “(...) carregar sobre o povo a quantidade de pobres que o 
monopólio dos padres tem feito, e que deveriam ser homens ricos e de importância ao 
público.”196 Do ponto de vista mercantilista, o monopólio econômico é apanágio do 
Estado, objetivo a ser alcançado para sua própria prosperidade. Porém, no então quase 
desvalorizado Grão-Pará e Maranhão, o Estado português, que pouco havia 
demonstrado sua presença, procuraria, assim, reverter a situação, buscando o 
fortalecimento do poder do Estado. O governador acreditava que o comércio 
maranhense não deveria sequer entrar em contato com o do Estado do Brasil, porque 
as trocas efetuadas eram grosseiramente desvantajosas para o Grão-Pará, e ele chegou 
 
193 Ibid., p.110-111. Grifo nosso. 
194 Ibid., p. 119. 
195 Ibid., p. 122. 
196 Ibid., p.122. 
123 
 
mesmo a solicitar a Dom José I que vetasse as trocas entre os dois Estados; tamanho 
era sua fé nas vantagens do protecionismo comercial.197 
Retomando o Regimento das Missões de 1686, se o domínio sobre o indígena 
teve como corolário a influência do comércio para as ordens religiosas, a aludida 
legislação era a inconteste base jurídica daquela prerrogativa dos religiosos sobre os 
nativos. A legislação representava, de certa maneira, a expressão do padroado reale 
demonstrava a interdependência entre o religioso e o político. Assim, habitualmente, 
os religiosos não prestavam satisfação ao poder político local, porque antes havia um 
canal direto de comunicação entre as ordens religiosas e o soberano, prática que 
estavam acostumados. Doravante, parecia notório que o Regimento das Missões e o 
projeto contido nas Instruções, francamente disposto a minimizar o poder religioso, 
não poderiam, por diversas razões, coexistir. 
O Regimento das Missões permitiu aos padres administrar as aldeias com base 
nos seus próprios valores, porque a lei permitia-lhes isolar os nativos do contato com 
os moradores, sob o argumento de que tal feita era fatalmente nocivo para os índios. O 
poder dos religiosos nas missões era, sem exageros, absoluto, e, para muitos, abusivo e 
despótico. As autoridades episcopais não podiam interferir com o trabalho dos 
regulares dentro das missões, mesmo em caso de discordância com os métodos de 
evangelização por eles aplicados – e eram muitas as críticas feitas contra os 
missionários nesse sentido. Nem mesmo governadores poderiam dar ordens aos 
religiosos ou tentar controlar o rumo da administração das missões religiosas. Nesse 
caso, a Lei do Regimento das Missões tomava o poder civil do governador nulo, 
dentro do espaço missioneiro. Nenhum morador ou tipo de autoridade, não importando 
o segmento ou status, poderia permanecer nas aldeias sem autorização prévia dos 
padres que, comumente, não outorgavam a permanência por prazo superior a um ou 
dois dias. Por essa razão, Mendonça Furtado denominou o Regimento das Missões de 
“poder tirânico” administrado com “soberania e despotismo”,198 porque os padres 
tinham em suas mãos, não só “(...) o governo espiritual das aldeias, mas também o 
temporal e político” e, por conseguinte, governavam uma “tão grande república”.199 
Em comentário lapidar, Mendonça Furtado advertia o marquês de Pombal: 
 
197 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Dom José I. Pará, em 7 de novembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 104. 
198 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 21 de novembro de 
1751. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 112. 
199 Ibid., p. 117. 
124 
 
 
Já V. Excelência está informado do grande poder dos regulares neste Estado, que o 
tal poder o tem arruinado, que os religiosos não imaginam senão o como o hão de 
acabar de precipitar, que não fazem caso de rei, tribunal, governador ou casta 
alguma de governo, ou justiça que se consideram soberanos e independentes, e que 
tudo isto é certo, constante, notório e evidente a todos os que vivem destas 
partes.200 
 
Os missionários detinham amplo controle sobre o indígena. Nesse regime 
tutelar, terminavam por transmitir, consciente ou indiretamente, valores em harmonia 
com os propósitos do projeto missionário, sendo que o clero secular sequer poderia 
interferir no controle dos regulares dentro das missões. Daí ser conhecida a antipatia 
dos bispos contra as ordens religiosas no Estado do Grão-Pará e Maranhão, em relação 
às quais não tinham controle, enquanto os governadores, mais precavidos, procuravam 
fazer aliança com elas, principalmente com a Companhia de Jesus, que era a mais 
poderosa. O passado havia ensinado que a celeuma contra as ordens religiosas 
resultava ser desastrosa para os administradores civis. Havia um ditado popular, que se 
aplicava a governadores e vice-reis do Império português, que, geralmente, não 
governavam por tempo superior a um triênio: “Vice-rei vá, vice-rei vem, padre jesuíta 
sempre tem.” 201 No entanto, tal situação viria a ser, pela primeira vez, radicalmente 
modificada, justamente onde o poder jesuíta era inigualável – e muito provavelmente 
por ser tão nítidas as contradições entre os dois poderes – no Estado do Grão-Pará e 
Maranhão. 
Da perspectiva do governador, uma grande incoerência dentro das missões 
religiosas consistia numa espécie de hibridismo cultural que os padres tinham 
desenvolvido no bojo do espaço missioneiro, ao invés de divulgar aspectos da cultura 
ibérica propriamente dita entre os nativos. Causou estranheza ao governador o fato de 
missionários e indígenas se comunicarem numa língua inventada pelos padres, o 
nheengatu, como era chamada a língua geral amazônica.202 Mendonça Furtado 
também considerou uma aberração que a catequese fosse ministrada na língua geral. O 
governador citou alguns vocábulos inventados pelos padres para construir conceitos da 
 
200 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 29 de dezembro de 
1751. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 203 
200 Ibid., p. 117. 
201 BOXER, Charles R. O Império Marítimo Português (1415-1825). Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 
2002 p. 89. 
202 Assim como a língua falada nas missões jesuíticas no Estado do Brasil e na zona do Prata, também o 
“nheengatu” foi adaptado pelos jesuítas. 
125 
 
doutrina católica. Por exemplo, juntava-se o vocábulo “Tupana” (Deus) com outro, 
“Açu” (Grande), portanto a expressão “Tupana Açu” designava “Deus”. Ainda, para 
se dizer “Santo”, agregava-se ao vocábulo “Tupana” o sufixo “Mirim” (pequeno), de 
modo que de “Tupana Mirim” se obtinha a palavra que designava “Santo”. O 
isolamento do índio impedia que aquele estado de coisas se modificasse, mas pelo 
amparo legal do Regimento das Missões, pouco poderia ser feito, porque os jesuítas, 
de praxe, não prestavam contas diretamente aos bispos locais, como já referimos. Com 
efeito, toda aquela indignação se justificou à luz da Instrução 16, que exigia 
precisamente a civilização do índio em semelhança com os valores e costumes 
portugueses. 
Desde o princípio, Mendonça depositou muita fé nas potencialidades do índio. 
Em algumas passagens dos seus escritos, demonstrou crença na bondade natural do 
indígena e no seu potencial para receber aprendizado, i.e., ser facilmente aculturado. O 
governador afirmava que caso fosse dispensado um bom tratamento ao índio e sobre 
eles aplicada uma educação que levasse em conta que eram seres racionais, o Grão-
Pará e Maranhão estaria destinado a se transformar, em breve, numa “República civil e 
polida”. 203 Não se tem notícia da familiaridade de Mendonça Furtado com o 
pensamento de Michel Eyquem de Montaigne ou de Jean Jacques Rousseau. Mas da 
epístola daquele endereçada ao marquês de Pombal, datada de 28 de novembro de 
1751, depreende-se que o governador considerava que os índios estivam na situação 
equivalente à de uma tábula rasa (segundo a crença de que não conheciam fé, lei ou 
rei), estando prontamente aptos para que lhes inculcassem novos valores. Embora as 
questões de ordem antropológica fujam do foco de nossa pesquisa, é tentador 
comentar o otimismo ingênuo do governador em relação ao índio. Sabemos que 
alegoria e catequese constituem esforços complementares. Para o missionário levar ao 
índio a mensagem católica, ele deveria necessariamente adaptar os significados ao 
esquema mental dos nativos, mediante emprego de recursos alegóricos, porque os 
missionários não poderiam jamais apagar o imaginário preexistente.204 Ademais, o 
método de evangelização pela inculturação controlada e consciente dos padres era 
ratificada por Roma. 
 
203 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 28 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 129. 
204 Cf. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 65 
126 
 
É pouco provável que a preocupação de Mendonça Furtado com o método 
catequético dos jesuítas dissesse respeito a desvios contra a ortodoxia romana. Parece-
nos mais provável que o próprio Mendonça Furtado percebeu o grande inconvenienteno método de evangelização adotado pelos missionários na Amazônia, que consistia 
na manutenção da herança cultural indígena. 
Do ponto de vista dos interesses lusitanos expressos nas Instruções entregues a 
Mendonça Furtado, uma das consequências nefastas daquela prática era o 
distanciamento do índio da cultura portuguesa, enfraquecendo o vínculo deles com a 
autoridade civil, quando segundo o novo projeto, os índios deveriam se sentir 
portugueses e defender fronteiras e interesses de Portugal. O sentimento pátrio, para 
esses fins, costuma ser fundamental. Para piorar, os moradores, para estabelecer 
comunicação com os nativos, viam-se, segundo Mendonça Furtado, com a necessidade 
de aprender o nheengatu, o que sem dúvida diminuiu ainda mais a importância do 
idioma português no Grão-Pará. Aliás, a cafrealização (tendência dos lusos em 
adquirir costumes dos povos nativos conquistados) era problema antigo e temido pela 
administração portuguesa nos recônditos do seu Império colonial. Quanto à língua 
indígena, registraram-se ainda outros problemas de ordem prática. As autoridades 
públicas desconheciam a tal gíria e, sendo assim, perdiam para os missionários na 
disputa pelo controle e autoridade sobre os povos aldeados. Destarte, Mendonça 
Furtado percebeu na perpetuação do nheengatu uma estratégia dos padres no intuito de 
dificultar a comunicação dos índios com os moradores, para assim controlarem o 
nativo e auferirem vantagens no comércio. Além do mais, os índios preferiam negociar 
com os regulares, em quem depositavam mais confiança no cumprimento dos acordos 
– como admitiu o próprio Mendonça Furtado. 
Mas a utilização da língua geral serviu de pretexto, sincero ou inventado, de 
que subjacente à manutenção da língua havia mais um sintoma que comprovava a 
suspeita para as autoridades portuguesas de que os padres, em geral, e principalmente 
os jesuítas formavam um Estado dentro do Estado, alicerçando, com o tempo, uma 
nova República. 
Nas cartas de Mendonça Furtado para o marquês de Pombal, o governador 
utiliza com tanta redundância o termo república, em relação aos projetos dos 
inacianos, que não temos aqui dúvidas que suas contribuíram para a construção de um 
dos libelos mais significativos da propaganda antijesuítica dentro do mundo lusitano: a 
127 
 
Relação Abreviada (ver anexo B). 205 No essencial do seu conteúdo, consta a acusação 
de que os padres procuraram, por meio da manipulação e da doutrinação dos índios, 
construir uma república independente das coroas de Portugal e Castela, motivo pelo 
qual os índios, instigados pelos padres, entraram em guerra contra os poderes públicos 
de Portugal e da Espanha, na região dos Sete Povos (a chamada Guerra Guaranítica 
que, de fato, aconteceu entre 1753-1756), período em que na Amazônia tentaram 
abertamente sabotar a missão demarcatória. Desse modo, permaneceram as suspeitas 
de que os jesuítas contribuiram para o fracasso da execução do Tratado de Madrid – 
que realmente não se realizou, talvez mais pela falta de vontade e pela desconfiança 
mútua de ambos os reinos, a despeito dos desentendimentos realmente existentes com 
os jesuítas. 
O Regimento das Missões também trazia o que era considerado um grave 
obstáculo para o enriquecimento público no Grão-Pará. Um dos fatores era a regra de 
repartição dos índios entre moradores e utilidade pública. As ordens religiosas 
controlavam a escassa e cobiçada mão-de-obra indígena no Estado e não 
disponibilizavam para os moradores um excedente entre os índios aldeados que, 
segundo a lei, estavam de fato isentos de oferecer. Desse modo, os índios terminavam 
trabalhando, na maior parte do tempo, nas propriedades religiosas. 
Conforme os ditames legais, segundo explicou o jesuíta e missionário no Grão-
Pará, João Daniel, contavam-se os índios de qualquer “missão de repartição” – isto é, 
missão de índios especificamente voltada para distribuir índios para servir de mão-de-
obra – em três partes iguais. A primeira parte era para os moradores, a segunda deveria 
permanecer na missão e a última era repartida entre os demais interessados: 
geralmente um cômputo de 25 índios a serviço dos missionários para manutenção do 
organismo das aldeias, ou seja, alimentar mulheres e crianças; outros 25 para os 
prelados episcopais; e os últimos 25 iam diretamente para o serviço público. Todos os 
índios fornecidos para serviços deveriam ter entre 13 e 50 anos. Os índios recebiam 
como pagamento um valor estimado em duas varas de algodão mensais, e só podiam 
trabalhar com os brancos em anos alternados e por prazos não superiores a três 
 
205 Título completo: Relação abreviada da república que os religiosos jesuítas das Províncias de Portugal e 
Espanha estabeleceram nos domínios ultramarinos das duas monarquias, e da guerra que neles tem movido e 
sustentado contra os exércitos espanhóis e portugueses. Formada pelo registro das secretarias dos dois 
respectivos e plenipotenciários e por outros documentos autênticos. Reproduzido em anexo a partir da 
publicação de José Caeiro: História da expulsão da Companhia de Jesus da Província de Portugal. Volume I. p. 
315-330. 
128 
 
meses.206 A requisição do índio era dificultada por tramitações legais e burocráticas. 
Existia uma chancelaria que emitia as chamadas “portarias”, que autorizavam 
requisição dos índios nas aldeias, mas se o morador não estivesse munido do 
documento, ele não poderia fazer qualquer solicitação. Em defesa do seu Instituto, o 
jesuíta João Daniel declarou que a lei procurava se ajustar à defesa e à proteção do 
indígena “(...) atendendo a que eles são os verdadeiros senhores daquelas terras (...).” 
207 
No entanto, Mendonça Furtado escreveu ao marquês de Pombal queixando-se 
profundamente do sistema de repartições. O governador lembrou que na contagem dos 
índios, os missionários não colocavam na divisão os tecelões, os barbeiros e todos os 
oficiais mecânicos, sobretudo quando havia aldeias como a de Maraçu no Maranhão 
ou Gonçari no Pará, dentre outras, que não eram de repartição e, portanto, não deveria 
emprestar índios, o que deixava os aldeados à margem do sistema de repartição e, 
como já foi mencionado, prontamente disponíveis aos padres. Outro método que 
utilizavam para manter os índios sob controle dentro das aldeias, segundo acusação do 
governador Mendonça Furtado, era o artifício dos casamentos contra a vontade dos 
índios para vinculá-los às missões. O próprio Mendonça Furtado contava casos de 
índios que foram até ele pedir pela liberdade negada pelos padres. 
Para termos melhor noção dos benefícios que o domínio dos índios auferia a 
quem os controlasse, é preciso lembrar que o indígena era fundamental para remar nas 
embarcações do principal meio de transporte da rede fluvial amazônica, as canoas, 
pelo prazo de vários meses. Os índios ficavam responsáveis durante a viagem pela 
coleta dos gêneros selvagens, as chamadas drogas do sertão, e a pouca agricultura 
praticada dependia, do plantio de gêneros de subsistência, ou seja, do braço indígena. 
O problema decorrente do controle do trabalho no Grão-Pará gerava outros 
efeitos perversos que iam muito além do conflito social proporcionado pela falta de 
trabalhadores. Mendonça Furtado, preocupado em sanar a deficiência dos cofres 
públicos, deparou-se com a incapacidade de obter receitas, pela simples razão de que o 
comércio, por ser praticamente inexistente entre os moradores brancos, não gerava 
receita para o Estado. Não obstante, o polpudo comércio praticado pelos religiosos 
ficou à margem de qualquer forma de tributação nas alfândegas, por causa da isenção 
 
206Cf. DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. V. 2. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. 
p. 70-71. 
207 Ibid., p. 71. 
129 
 
gozada pelos religiosos. Para Mendonça Furtado, osmissionários retiravam o 
comércio dos leigos e o praticavam em benefício próprio. Pelo princípio antitético 
mercantilista, para existir lucro da parte de um agente, é certo que deve haver prejuízo 
para o outro. Assim, as missões enriqueciam e o Estado soçobrava. Mas a teoria do 
governador, na prática, parecia bastante acertada, tendo em vista o fato dos religiosos 
desenvolverem um circuito econômico fechado no Estado, como explicado 
anteriormente. 
Para reforçar a tese da existência de certa autonomia econômica por parte dos 
religiosos, Mendonça Furtado alertou as autoridades portuguesas para o fato de que 
era dentro das missões religiosas que parte considerável da moeda local era produzida: 
os rolos de pano – produzidos para os padres, que sabiamente se utilizavam das 
notáveis habilidades manuais dos indígenas na tecelagem e no artesanato. No entanto, 
Mendonça Furtado observou que os índios eram incentivados pelos religiosos a 
consumirem bens dentro das próprias missões para evitar extorsões comumente 
praticadas pelos moradores brancos, no ato da permuta dos panos por produtos – e 
tudo indica que essa era a preferência dos nativos. Dessa forma, a própria moeda local 
também acabava canalizada para dentro do espaço das missões, que controlavam e 
concentravam parcela altamente significativa da economia do Estado. Em cálculos 
feitos por Mendonça Furtado e apresentados ao marquês de Pombal, os regulares 
levavam uma vantagem de 80%, consideradas as vantagens de entrada e de saída 
dentro das alfândegas de seus produtos isentos de taxação, monetariamente estimados 
em 80 milhões de cruzados anuais, em detrimento dos moradores e em prejuízo da 
Fazenda Real.208 
O governador estimava que nas aldeias da Companhia de Jesus no Pará havia 
475 índios/homens disponíveis para o trabalho apenas para os padres, além dos que 
permaneciam temporariamente nas aldeias para cumprir prazo de descanso obrigatório 
(segundo norma do Regimento das Missões), depois de período de trabalho. 
Mendonça Furtado calculava que em todo o Estado do Grão-Pará e Maranhão existiam 
12 mil almas indígenas sob o monopólio dos padres missionários. Os números, na 
questão do conflito entre consulado pombalino e jesuítas, é sempre objeto de 
discussão. Contudo, a querela pode ser considerada irrelevante, o importante é nos 
apegarmos mais à proporcionalidade do comércio praticado pelas ordens religiosas e 
 
208 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 21 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 121. 
130 
 
pela população leiga. Sem dúvida, apesar de não arriscarmos fazer cálculos precisos, 
parece fato que uma porcentagem significativa era controlada pelos regulares. 
Por seu turno, a falta de verbas era sentida em inúmeros aspectos no projeto 
que deveria ser executado. Mesmo os recém-chegados açorianos, na escassez de 
recursos, tiveram de esperar pela autorização do governador para partirem para o 
distrito de Mearim, no intuito de fundar a vila de Macapá. Mendonça Furtado 
reclamava que não existiam verbas para a manutenção dos ilhéus por conta da Fazenda 
Real, mas os jesuítas preparavam vivendas e agricultura que só deram resultado no ano 
posterior. Outra questão perturbadora para o governador foi a construção e a reforma 
de algumas fortificações militares, quando não havia cabedais disponíveis para este 
fim. 
Uma das principais preocupações do governo de Mendonça Furtado era a 
aplicação da sexta Instrução, que dizia respeito à emancipação irrestrita do indígena 
com a exploração da sua força de trabalho por meio do pagamento de salários. Porém, 
o governador percebia que a dependência do trabalho indígena não permitia uma 
emancipação irrestrita e absoluta dentro do sistema de servidão praticado pelos padres, 
ou a escravidão propriamente dita levada a cabo pelos moradores. Mendonça Furtado 
chegou ao Estado pouco depois da grande epidemia de varíola, que em sete anos 
seguidos provocou número considerável de óbitos entre os índios. O governador sabia 
que a emancipação resultaria em sublevações populares, problema constante que 
assolava o Estado do Grão-Pará – fato semelhante que ocorreu em 1652 com o 
governador Baltasar Teles. O governador comentou com o marquês de Pombal que em 
caso de motim, sequer os militares serviriam de grande ajuda, uma vez que também 
eram donos de escravos indígenas. 
Um sintoma da falta de braços disponíveis para os moradores foi a diminuição 
do número de canoas pertencentes ao serviço público, que eram enviadas como tropas 
de resgate ou para coletar drogas dos sertões nos últimos anos. Mendonça Furtado 
informava ao marquês de Pombal que em 1726 partiram, em média, 150 canoas para 
buscar as drogas do sertão; número que caiu drasticamente ao longo dos anos, até que 
no fim de 1751, apenas três canoas pertencentes ao serviço dos interesses públicos 
131 
 
saíram para buscar gêneros, para a população civil, ao passo que os missionários 
Capuchos enviaram, no mesmo ano, 24, e os da Companhia, em torno de 28 canoas.209 
Assim, o governador começou a apressar o esboço do que viria a ser a futura 
legislação indígena do Estado do Grão-Pará, o “Diretório dos Índios”, com o intuito de 
emancipar os nativos da tutela dos missionários, criando uma mão-de-obra regular e 
assalariada para o serviço dos moradores, porém vivendo em igualdade jurídica, 
baseada na noção de Direito Natural. Com a instauração do Diretório dos Índios, a 
meta foi retirar o poder decisório dos missionários entregando-o aos “diretores”, que 
seriam, de preferência, os líderes indígenas das aldeias, diretamente supervisionados 
pelo governador do Estado. O missivista confessava ainda ao marquês de Pombal que 
era necessário, ao menos, se educar o indígena para que ele tivesse como sobreviver 
sem a tutela de missionários. O índio jamais ficaria livre da manipulação dos 
religiosos e dos maus tratos dos moradores. No “Diretório dos Índios”, cujas diretrizes 
surgiram com otimismo e entusiasmo dos próprios punhos de Mendonça Furtado, os 
caciques ou principais, como chamavam os líderes tribais, eram os diretores das 
aldeias antes controladas pelos missionários, que doravante, em substituição aos 
padres, tinham autoridade para administrar o cotidiano e as querelas da comunidade. 
Muito entusiasmado, o governador avisou ao marquês de Pombal que sua proposta 
chegou aos ouvidos do rei, mas lembrava ao ministro que a matéria precisava ser 
ponderada com o devido sigilo, pois ele desconfiava do poder das ordens religiosas no 
paço real, que comumente respaldava os jesuítas em questões relativas às legislações 
indígenas.210 
Parte considerável do Diretório foi embasada no tratado intitulado Política 
Indiana, de Juan de Solórzano y Pereira, que foi ouvidor no vice-reino do Peru no 
século XVII.211 Cotejando os dispositivos do Diretório com o pensamento de 
Solórzano, encontramos além da preocupação com tratamento mais humanitário ao 
indígena, uma reorganização da vida social e cotidiana pautada no trabalho metódico 
na agricultura e justamente remunerado, também com a obrigatoriedade no pagamento 
de tributos ao rei. Igualmente, exigia-se a utilização da língua do colonizador e o 
 
209 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 21 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 121. 
210 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo, de 28 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 127. 
211 Cf. Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal , de 8 de novembro de 1752. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 357. 
132 
 
incentivo ao matrimônio entre nativos e brancos, além da oferta de educação 
privilegiada às elitesindígenas.212 Todos esses pontos foram postos em prática pela lei 
do Diretório que, ademais, previa vantagens na contratação para serviços de 
administração pública para os que desposassem indígena. 
Acertadamente, Mendonça Furtado sabia que a emancipação indígena seria a 
mais dramática decisão da sua administração, e, portanto, uma das últimas resoluções 
a ser tomada. Em suma, a emancipação era medida de grande importância no projeto 
de secularização do Estado e de inserção do indígena na vida civil, para que tivessem 
igualdade de direitos com os outros moradores. No entanto, o Diretório colocado em 
prática fracassou. Um dos problemas foi a falta de escrúpulos dos diretores, que, 
muitas vezes, não eram indígenas. É imprescindível salientar que nem todos os índios 
demonstravam interesse em seguir a nova e, talvez do seu ponto de vista, artificial 
legislação. 
Em cumprimento da Instrução número 11, que pretendia acabar com a 
escravização do índio em substituição pela do africano, Mendonça Furtado levou 
adiante maiores investigações para efetivar aquele desígnio. O governador reuniu os 
comerciantes paraenses e os moradores mais influentes que contribuíam na formação 
de opinião, para averiguar a vontade e a possibilidade da aquisição de escravos. O 
prospecto foi desolador. Mendonça Furtado sugeriu a Corte Real que desejava ver os 
moradores abastecidos de escravos africanos, porque “os negros são melhores 
trabalhadores do que os índios”, mas lembrava ao Secretário de Estado que os 
moradores respondiam, em relação à possibilidade de abrir rota de tráfico negreiro 
entre o Pará e a África, que não tinham “(...) meios para comprar negros, que custam 
muito mais que dinheiro; que ainda que lhes dêem fiado, que depois não os poderão 
pagar (...).”213 
Se o governador rapidamente detectou os desafios de sua administração, 
tampouco demorou em propor soluções. Nesse sentido, a fundação de uma companhia 
de estanco surgiu como desdobramento lógico dentro de um quadro de injunções que 
exigiam fomento comercial e liberdade indígena. Se não havia capital entre os 
 
212 Cf. FLEXOR, Maria Helena Ochi Flexor. Repovoamento e reurbanização: as relações entre o Diretório dos 
Índios do Grão-Pará e Maranhão e o direito indiano. In: Territórios e fronteiras. Revista do Programa de Pós-
Graduação em Historia da Universidade Federal do Mato Grosso. Vol. 4n. 2 jul-dez/2003 - Cuiabá- MT. p. 65-
66. 
213 Carta de Mendonça Furtado para Diogo de Mendonça Corte Real, de 30 de novembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 136. 
133 
 
moradores, a empresa monopolista poderia fazer tais empréstimos com certa 
segurança, pois seria ressarcida, porque o comércio dos moradores seria controlado. 
Ora, uma companhia de comércio era instituição não só valorizada pelo marquês de 
Pombal, como também parecia ser a única solução conhecida para driblar todos os 
desafios que se colocavam para a aplicação do projeto português para a Amazônia. 
Isso por que a Instrução número 11 determinava a introdução de escravos africanos 
para desenvolver a economia, medida que também tinha como escopo auxiliar no 
cumprimento da Instrução número 6, que previa a emancipação indígena em 
substituição do aumento do número de braços africanos. A fé na eficácia das 
companhias de comércio monopolistas foi uma das marcas da administração 
pombalina, como comentamos na primeira parte deste trabalho. 
Mendonça Furtado naturalmente conhecia a predileção do irmão pelas 
companhias de comércio, e ele próprio percebeu na medida um ponto de partida para 
solucionar alguns entraves. A emergência de tentar, pela segunda vez, o 
estabelecimento de uma empresa monopolista no Pará foi proposta pelo próprio 
governador, que viu na medida a única solução para colocar de uma vez por todas o 
comércio dos religiosos sob controle do Estado português: 
 
Entre diversas ideias que me têm ocorrido para se poder reparar em parte o 
lastimável estrago a que estas duas capitanias se reduziram, nenhuma me pareceu 
melhor do que estabelecer aqui uma Companhia Geral de Comércio, que pudesse 
introduzir neste Estado tal quantidade de negros que os senhores de engenho e das 
mais fazendas achassem uma feira pronta, onde os comprassem por preço 
competente e se pudessem assim remir da última ruína em que se acham. 214 
 
Com acidez, avisou Pombal que a existência da companhia de comércio do 
Estado ainda poderia ser ameaçada pela companhia de comércio das ordens 
religiosas.215 Enquanto refletia sobre seu funcionamento e esquadrinhava de próprio 
punho os estatutos,216 lutava por persuadir os burocratas do reino e os comerciantes do 
Grão-Pará e Maranhão de que o estanco consistia na melhor e única solução para 
florescer o comércio local. 
 
214 Carta de Mendonça Furtado para marquês de Pombal, de 29 de novembro de 1751. In: MENDONÇA, Marcos 
Carneiro de. op. cit.. Tomo II. p. 68. 
215 Carta de Mendonça Furtado para o marquês de Pombal, de 29 de novembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 206. 
216 Cf. Condições com que se deve fundar a nova Companhia que os moradores da capitania do Pará intentam 
estabelecer para com ela fornecerem negros ao Estado do Maranhão e Minas do Mato Grosso. Pará, 15 de 
fevereiro de 1754. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo II. p. 94. 
134 
 
O primeiro desentendimento aberto entre o governador e a Companhia de Jesus 
surgiu com a aplicação da Instrução número 21, que determinava a fundação de novas 
aldeias na hinterlândia amazônica, observando a ressalva da Instrução 22, que 
restringia o papel dos religiosos à esfera espiritual, isto é, aldeamentos secularizados. 
Desde o princípio, a Companhia de Jesus demonstrou pouca disposição para trabalhar 
na fundação de novas aldeias, em que o governador estipulava a participação dos 
missionários apenas na observação do espiritual, restringindo a administração secular 
ao Estado. 
O governo havia feito poucos progressos para transladar os açorianos e alguns 
outros portugueses vindos de Mazagão (Norte da África) para o sítio que deu lugar à 
povoação e à fortaleza de São José do Macapá. A responsabilidade recaiu sobre a 
Companhia de Jesus. O jesuíta Antônio Machado, que obviamente não tinha 
conhecimento da Instrução 22, demonstrou boa colaboração com o governador que, 
por outro lado, culpava outros religiosos inacianos pelo atraso na fundação da 
povoação no Cabo do Norte – havia dificuldades na remoção dos mais de quinhentos 
ilhéus, porque o Estado não só não tinha canoas para transporte, como também 
dependia da pouca disposição dos jesuítas em emprestar as embarcações. Até então, 
Mendonça Furtado só havia despachado 68 pessoas para a nova povoação que 
precisava de mantimentos, gado e equinos para subsistir. O governador expôs a Tomé 
Joaquim da Costa Corte Real, (futuro secretário de Estado da Marinha e Ultramar em 
lugar de Diogo de Mendonça Corte Real que se tornaria desafeto de Pombal) com 
indignação, que ainda deveria adquirir os mantimentos necessários dos únicos 
fornecedores existentes – os padres.217 Havia grande esperança naquela povoação, que 
era a semente da nova mentalidade imposta ao Estado, na qual seriam valorizados os 
trabalhos sistemáticos e sedentários. Mendonça Furtado, em comunicação com o vice-
provincial da Companhia de Jesus (autoridade máxima da Companhia no Estado do 
Grão-Pará), José Lopes, deixou esclarecida a intenção de Dom José I de contar com a 
cooperação dos inacianos na fundação de novas e estratégicas povoações no interior da 
selva amazônica, nas fronteiras com os limites das possessões de Castela; duas 
próximas aos Rios Javari, e outra no Rio Japurá – em conformidade com a exigência 
da Instrução número 21. 
 
217Carta de Mendonça Furtado para o marquês de Pombal. Pará 19 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 175. 
135 
 
Contudo, o vice-provincial respondeu falando da incapacidade de se fundar 
mais um povoado no prazo de um ano, porque as paragens eram inóspitas e requeriam 
trabalho em longo prazo. A recusa levantou suspeita contra a Companhia de Jesus, 
pois o governador acreditava que aqueles rios já eram utilizados há muito tempo para 
contrabando entre castelhanos e portugueses. A aldeia faria parte de uma estratégia 
velada de aproveitamento do adiantamento dos missionários para transformá-la em 
vila ou, até mesmo capital, para uma nova capitania que se planejava inaugurar ao 
Oeste do Pará. 
Embora as ordens reais exigissem a fundação das povoações, Mendonça 
Furtado aproveitou-se da situação para alarmar as autoridades no reino. O governador 
afirmava que certamente os padres abusariam da falta de fiscalização naqueles 
recônditos da selva para fazerem comércio ilegal com os castelhanos, o que causaria 
prejuízo aos cofres públicos. Para melhorar a supervisão dos supostos negócios ilícitos 
dos padres, Mendonça Furtado acreditava ser importante deslocar os militares e o 
ministro de justiça para aquela localidade. A grande preocupação do governador era 
em relação ao ouro de Mato Grosso ou, quem sabe, na possibilidade de que as ordens 
religiosas já estivessem a explorar as reservas auríferas. A Instrução 30 vetava a 
abertura de minas auríferas, o que obrigou o maior controle em um lugar tão difícil de 
fiscalizar. Mendonça Furtado sugeriu a Pombal que aconselhasse o rei, estipulando 
que futuramente todas as novas aldeias funcionariam com o controle do Estado dentro 
dos ditames da Instrução 22.218 
A fundação de aldeias era tema sumamente delicado. O desígnio era fazer com 
que as povoações construídas nas linhas da fronteira legal assegurassem a validade do 
Tratado de Madrid e, caso restasse em letra morta, ainda salvaguardariam um 
argumento de força, o uti possidetis. Aparentemente, as ordens religiosas dificultaram 
o estabelecimento de aldeamentos que minassem sua influência e poder na Amazônia. 
O estopim aconteceu com a troca de missivas entre governador e vice-provincial José 
Lopes. Ignorando que o pedido do governador era na verdade ordem do rei, o vice-
provincial questionou a exigência dos jesuítas fundarem um aldeamento sem poder 
exercer nele a jurisdição secular, prerrogativa contemplada no Regimento das Missões. 
O vice-provincial recusou-se a aceitar aquelas condições, porque as considerava 
lesivas. 
 
218 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Diogo de Mendonça Corte Real, de 20 de janeiro de 1752. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 261-262. 
136 
 
A situação complicou-se depois que o jesuíta italiano Gabriel Malagrida 
começou a se manifestar contrário às medidas do governo do Pará. Este jesuíta, com 
fama de clarividente, evangelizou os índios maranhenses por trinta anos.219 Malagrida 
voltou à Amazônia no mesmo navio que trouxe o governador Mendonça Furtado ao 
Estado do Grão-Pará. Houve certa prevenção contra o jesuíta, que, em pouco tempo, 
voltou para Portugal, porque a rainha mãe, Dona Mariana de Áustria, o fez este pedido 
de retorno. Isso comprova que ele era, de fato, muito ligado à rainha, como diziam 
alguns. 
Mendonça Furtado demonstrou preocupação quando soube que Malagrida 
começou a espalhar boatos no Maranhão de que ele desejava acabar com o cativeiro 
do índio. As Instruções mencionavam especialmente o clérigo no seu desejo de fundar 
seminário em Cametá, como dantes acordado, para a instrução dos jovens. Havia a 
ressalva de que o prédio e a manutenção dos seus moradores seriam realizadas pelas 
redízimas do erário régio, vetando a participação do capital oriundo das missões dos 
jesuítas. A medida tinha por objetivo, em primeiro lugar, esclarecer a verdade que 
muitos clérigos na colônia e em Portugal geralmente se esqueciam: as terras em que 
viviam ou produziam pertenciam, antes de tudo, ao rei; sua utilização pelas ordens 
religiosas consistia em uma benesse do monarca – somava-se a isso a exigência para 
que os novos clérigos, do novo estabelecimento, recebessem côngruas para sua 
manutenção. 
Para esclarecer os parâmetros que normatizariam o funcionamento do novo 
seminário, Mendonça Furtado reuniu-se em assembleia com o vice-provincial, o reitor 
do Colégio do Pará, o padre Julio Pereira e com o missionário Gabriel Malagrida. Em 
discordância com as exigências do governo civil, Malagrida reivindicou a 
continuidade das prerrogativas tradicionais das ordens religiosas no Estado, que 
mediante a exploração fundiária de terras que possuíam, conseguiam manter o 
funcionamento das propriedades da Companhia de Jesus. Malagrida desejava que o 
seminário também funcionasse sem depender das redízimas: que era geralmente de 
pagamento incerto e, sem dúvida, menos vultosas que a exploração da terra da parte 
dos jesuítas que, diga-se de passagem, era feita de forma inteligente e com resultados 
positivos. 
 
219 Cf. CHANTAL, Suzanne. A vida cotidiana em Portugal ao tempo do terramoto. Lisboa: Edição “Livro do 
Brasil”. 1965. p. 29. 
137 
 
Mendonça Furtado acusou o padre Malagrida de ostentar, durante as 
negociações, ter proximidade com o poder em Lisboa, alegando que lutaria pelo 
interesse dos Institutos religiosos, provavelmente mediante intersecção dos jesuítas 
José Carbone e José Ritter, o confessor da rainha-mãe. É fato que o apoio da rainha-
mãe foi um dos últimos alicerces da Companhia de Jesus na corte, e o seu falecimento 
fortaleceu o processo de afastamento dos jesuítas começado por Dom João V, e que 
não foi revertida por D. José I antes mesmo da perseguição contra os inacianos. 
Depois da desventurada reunião com o vice-provincial, Mendonça Furtado 
declarou nas cartas estar em guerra contra a Companhia de Jesus. O conflito, desde 
então, começou a crescer e as partes antagônicas, com o passar do tempo, 
radicalizaram sua postura de intransigência. Daí em diante, o governador ficou atento 
a todos os deslizes dos religiosos e tudo foi colocado no papel, correspondendo-se 
sobre o tema com as pessoas mais influentes do reino.220 
Desde então, todas as altercações menores entre as duas facções passaram a ser 
tratadas como assunto de Estado na correspondência oficial de Mendonça Furtado e 
foram interpretadas por ele como resistência dos padres em obedecer ao poder civil. O 
governador não demorou a pedir ao marquês de Pombal a expulsão dos jesuítas mais 
rebeldes para Portugal, a fim de que o governo civil demonstrasse sua força diante das 
instituições religiosas: “A mim cá de longe, se S. Maj. for servido reformar isto, não 
me lembra outra coisa mais do que mandando ir com modo, e debaixo de algum 
pretexto, alguns destes padres de todas as religiões, que aqui são mais orgulhosos e 
perturbadores.”221 
Na esteira do crescente poder do irmão que se afirmava na corte, Mendonça 
Furtado recebeu notícia, ao que tudo indicava inesperada, de que Sua Majestade, Dom 
José I, honrava-o como seu “Principal comissário e plenipotenciário com amplíssimos 
e ilimitados poderes”. Assim, Mendonça Furtado passou a chefiar a expedição 
 
220 A partir de então o governador ficaria atento a todos os deslizes dos religiosos e tudo colocaria no papel, 
correspondendo-se sobre o tema com as pessoas mais influentes do reino. Disputaria pedras com os Padres para 
a construção da calçada do palácio do Estado, afirmaria ter visto religioso capucho vestido como bandeirante a 
portar mesmo uma arma de fogo, e insistiria na má vontade dos Padres em emprestar canoas. Todas estas 
mazelas seriam divulgadas; a tudo encontrou matéria para lutar contra o detEstadopoder das religiões no Grão-
Pará. Os jesuítas também levariam suas queixas do Grão-Pará para a corte e os acontecimentos teriam grande 
repercussão em Lisboa. A contenda naquele espaço esquecido da América portuguesa se desdobraria e 
continuaria na metrópole. 
221 Carta de Mendonça Furtado para Sebastião José de Carvalho e Melo. Pará, 29 de dezembro de 1751. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit.. Tomo I. p. 207-208. 
138 
 
demarcatória que selaria os acordos de territoriais ibéricos.222 Desse modo, o 
governador teve de organizar os preparativos para organizar a comissão portuguesa, a 
qual se encontraria com a do comissário espanhol Dom José de Iturriaga.223 
A partir de então, o poder e a influência de Mendonça Furtado no Estado do 
Grão-Pará e Maranhão consolidaram-se. A missão demarcatória, que seria realizada 
num futuro próximo, acabou sendo um desastre, e toda a culpa foi descarregada nos 
religiosos da Companhia de Jesus. Mesmo antes, quando a companhia de comércio foi 
posta em prática, a reação contrária e ativa dos jesuítas ao projeto, na colônia e no 
reino, deu ensejo à perseguição dos religiosos no espaço do Império português. Assim, 
os desentendimentos nascidos na periferia começaram a ecoar na metrópole. 
Apesar do anticlericalismo típico das figuras de poder do período pombalino, 
não temos conhecimento de ter existido desavenças abertas entre Pombal e os jesuítas 
até a primeira metade da década de 50, do século dezoito. Mas no Grão-Pará e 
Maranhão eclodiu o primeiro grande atrito que deu fundamental contribuição para o 
dramático e emblemático embate entre Pombal e a Companhia de Jesus.224 
Não obstante a inevitabilidade do choque entre aqueles dois poderes, quando 
dois projetos entravam em contradição, a Companhia de Jesus ainda gozou, durante 
certo tempo, de uma posição bastante tranquila no paço real. Em Portugal, os jesuítas 
ainda eram confessores da família real portuguesa e transitavam confortavelmente na 
 
222 A Nomeação de Mendonça Furtado para o cargo data de 30 de abril de 1753. 
223 Cf. FERREIRA REIS, Arthur Cézar. História do Amazonas. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; Manaus: 
Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. p.104. 
224 O próprio marquês de Pombal abusou da amizade de padres jesuítas influentes na corte e pediu abertamente 
seus favores para conseguir desde ajuda de custo, ou então para tentar por meio daqueles clérigos influentes 
modificar sua imagem antipática perante Dom João V. O futuro ministro recorreu exaustivamente aos favores do 
jesuíta austríaco José Ritter no intuito de favorecer as suas bodas com a também austríaca condessa de Daun, que 
de fato veio a ser sua esposa. Junto aos jesuítas José Celle e Rafael Mendes, Pombal buscou ajuda na resolução 
de pendências jurídicas e de ordem familiar. Mas foi com o inaciano italiano João Batista Carbone que 
encontramos a maior quantidade de missivas trocadas. Carbone era pessoa bem quista por Dom João V a ponto 
de o monarca vetar sua ida para o Brasil. Destinado a ser missionário no Maranhão, o monarca intercedeu contra 
a sua partida e fez do jesuíta matemático oficial da corte e preceptor dos infantes Dom José e Dona Maria 
Bárbara. O marquês de Pombal procurou continuamente reforçar vínculos fraternos com o mencionado Padre, a 
quem habitualmente denominava “Meu amigo, e muito meu Senhor”, numa aparente estratégia de aproximação 
para encontrar no valido de Dom João V apoio que modificasse sua condição desfavorável junto ao monarca. 
Recorreu também ao jesuíta Carbone para esclarecer que sofria perseguições do embaixador português junto à 
Santa Sé, Manuel Pereira de Sampaio, quando enviado como diplomata para Viena enquanto mediador 
português para resolver desavenças entre Áustria e o papado.224 Posteriormente, no reinado de Dom José I, 
encontrou uma conjuntura francamente favorável para sua participação nos negócios de Estado e ademais da 
indicação de Dom Luís da Cunha, o próprio jesuíta José Moreira, confessor do novo rei, segundo muitos, deu 
voto favorável na escolha de Pombal para integrar o gabinete de Dom José I.224 Cf. LOPES, Antônio. Marquês 
de Pombal e a Companhia de Jesus: correspondência inédita ao longo de 115 cartas (de 1743 a 1751). Cascais: 
Principia, 1999. 
 
139 
 
corte, posição que foram gradualmente perdendo na medida em que as tensões entre o 
partido pombalino e a Companhia de Jesus tomavam rumo cada vez mais radical. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
140 
 
VI. A Consolidação das Reformas Pombalinas e a Expulsão da 
Companhia de Jesus 
 
 
 A entronização de Dom José I coincidiu com o momento histórico em que 
Portugal lutava para reformar e controlar a administração pública e o comércio do 
reino, que funcionavam com uma burocracia ineficiente, superada e com os negócios 
do Estado nas mãos de particulares ou estrangeiros. Uma das particularidades da nova 
administração foi contrariar as formas de manifestação de poder autônomo – como o 
dos jesuítas no Grão-Pará. Assim, as diretrizes traçadas pela direção pombalina, 
quando postas em prática, inevitavelmente, levantaram oposições de inúmeros grupos 
sociais influentes, principalmente do religioso. A participação massiva do clero na 
política portuguesa foi combatida com o objetivo de secularizar o Estado para torná-lo 
mais racional e eficiente. A reforma na educação desafiou o poder religioso, 
principalmente a Companhia de Jesus, a qual era detentora das universidades 
portuguesas e privilegiava um ensino considerado defasado. 
A expulsão da Companhia de Jesus da Amazônia foi consequência da execução 
das reformas pombalinas para o Estado do Grão-Pará e Maranhão. A proscrição da 
Companhia de Jesus do Império português teve início precisamente no Grão-Pará que, 
à semelhança das reformas que viriam a ser aplicadas no reino, tiveram na Amazônia 
uma espécie de laboratório para medidas que caracterizaram o consulado pombalino, e 
que posteriormente foram aplicadas em Portugal e no seu Império. É surpreendente 
notar que naquele recôndito da América portuguesa apareceram, pela primeira vez, ou 
pelo menos de forma mais nítida, os contrastes entre as novas diretrizes, preparadas 
pelo governo de Dom José I, e a existência das facções tradicionalmente estabelecidas 
na política portuguesa (quase todas as que encontraríamos no reino como clérigos, 
comerciantes universais, etc., com exceção da nobreza), que serviram como oposição a 
algumas medidas, como a secularização do Estado e a instauração de companhias 
monopolistas de comércio. 
Dessa forma, como o Estado do Maranhão, por injunções geográficas e pela 
própria organização administrativa, estava mais atrelado a Portugal do que ao Estado 
do Brasil, também as questões pertinentes à Vice-Província do Maranhão, da 
Companhia de Jesus, repercutiam diretamente em Portugal. Desse modo, o início da 
crise entre Pombal e os jesuítas deu-se justamente pela emulação entre a Companhia 
141 
 
de Jesus e a administração pombalina no Grão-Pará e Maranhão, governada então por 
um legítimo representante da mentalidade de estado que então geria Portugal. 
A aplicação das reformas no Grão-Pará e Maranhão, contidas nas Instruções 
Secretas, provocaram uma reviravolta radical num sem-número de itens da 
administração pública local, que terminaram por reorganizar a sociedade paraense. Por 
conseguinte, a execução das Instruções Secretas deslocou o poder que os governadores 
dividiam com as ordens religiosas, tornando-o exclusivamente apanágio civil. Dessa 
forma, o intuito da Instrução era fazer com que os governadores não tivessem limites 
em relação ao exercício do seu poder. Os religiosos viviam amparados por uma sólida 
legislação, que foi construída para defender seus próprios interesses. Assim, as ordens 
religiosas tornaram-se poderosas e influentesno governo do Estado, limitando o 
exercício de poder dos funcionários civis na vida pública do local. 
A plena execução das Instruções orientou a aplicação de novas medidas, que 
não estavam previstas na proposta inicial do projeto. A emancipação do indígena 
demonstrou ser inexorável sem substituição por outra mão-de-obra servil ou escrava. 
Essa constatação levou a administração pombalina a ponderar a fundação de uma 
companhia de comércio majestática como solução ao problema, ideia que foi 
incentivada pelo governador Mendonça Furtado, o qual acabou convencendo o 
monarca e o seu ministério a levar aquele ideia adiante. 
Por outro lado, o Grão-Pará-Maranhão ainda seria um dos espaços de aplicação 
do tratado de limite de 1750. Em 24 de junho de 1752, os representantes das cortes de 
Madri e de Lisboa assinaram o “Tratado de instruções dos comissários da parte do 
Norte”, com a novidade de que o próprio capitão-general e irmão do marquês de 
Pombal, Mendonça Furtado, chefiariam a comitiva portuguesa, que deveria se 
encontrar com a espanhola nos confins do Rio Negro, para a realização das medições 
que ratificariam o acordo. 
Assim, duas preocupações-chave orientavam a política do governo português 
para o Grão-Pará e Maranhão: conseguir aplicar as Instruções Secretas e efetivar o 
diploma de Madrid de 13 de janeiro de 1750. Destarte, como jamais havia acontecido, 
aquela área até então periférica, e ainda por colonizar, do Império marítimo português, 
passou a ser acompanhada com grande interesse pela monarquia lusitana. 
Curiosamente, ambas diretrizes tiveram sérios confrontos na colônia, repercutindo 
também na orientação da política metropolitana. 
142 
 
A Companhia do Comércio nasceu da sugestão do governador Mendonça 
Furtado para o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o marquês de Pombal. 
A solicitação feita a Dom José I foi consentida, embora com a ressalva de que deveria 
ter a aprovação popular ou de uma classe empresarial nas capitanias do Grão-Pará e do 
Maranhão, a adesão tinha de estar comprometida com o funcionamento do pedido225. 
Ora, uma companhia de comércio naqueles moldes exigiria, tanto em Portugal quanto 
no Grão-Pará, que tivessem grupos, nos dois lados do oceano, como vendedores-
compradores, que viabilizassem o projeto. Para grande decepção do governo do Pará, 
os moradores interessados não conseguiram reunir soma superior a trinta mil cruzados 
de fundos para a Companhia de Comércio.226 Todavia, não houve esmorecimento no 
Pará. Mendonça Furtado trabalhou sofregamente pela fundação da Companhia. O 
governador sensibilizou pessoas influentes em Lisboa e no Estado do Grão-Pará 
explicando a importância daquele empreendimento. Entrementes, Mendonça Furtado 
desenhava os estatutos da companhia de comércio, para normatizar o fluxo entre o 
Estado do Maranhão e Portugal, e as regras para enquadramento dos acionistas locais e 
para o braço português da empresa. O governador estudava também o número e o 
respectivo valor das ações que deveriam ser lançadas na praça, bem como o justo 
preço que fixaria para a exportação das drogas do sertão, como cacau, algodão, café, 
salsa e cravo, com o intuito de evitar prejudiciais especulações.227 
Em cumprimento da Instrução 31, que exigia pesquisa dos produtos naturais da 
terra para comércio, o governo paraense comprovou a existência de atrativos para 
Companhia de Estanco, o que ensejou cultura organizada do cacau, canela, algodão, 
arroz, dentre outros. Mendonça Furtado também pôs em prática experiências como o 
cultivo do tabaco de Maryland e Virgínia e fez todos os esforços para plantar 
amoreiras no Grão-Pará; empreendimento que de tão bem-sucedido passou para etapa 
seguinte, que era trazer o bicho-da-seda, o qual se alimentava daquela planta, para 
produzir os fios. Lourenço Kaulen, um irlandês radicado na capitania do Maranhão, e 
interessado no negócio da fabricação dos fios, recebeu incentivo do governo do Pará 
 
225 Cf. Carta de Dom José I para Mendonça Furtado. Lisboa, 22 de novembro de 1752. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. p. 399-400. 
226 Cf. Carta de Mendonça Furtado para Diogo de Mendonça Corte Real. Pará, 18 de janeiro de 1754. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 67. 
227 Cf. Condições com que se deve fundar a nova companhia que os moradores da capitania do Pará intentam 
estabelecer para com ela fornecerem de negros o Estado do Maranhão e minas do Mato Grosso. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 88-94; Cf. Carta de Mendonça Furtado para o Marquês 
de Pombal. Belém, 9 de novembro de 1752. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit. Tomo I. p. 364. 
 
143 
 
para produzir a matéria-prima fundamental para a indústria têxtil no reino. O bem-
sucedido empreendedor recebeu nacionalidade portuguesa e o título da Ordem de 
Cristo – atitude típica da administração pombalina que contratava ou naturalizava 
técnicos estrangeiros para desenvolver setores fabris estratégicos. Mendonça Furtado 
também pensou em trazer outros irlandeses para produzir tabaco com qualidade 
semelhante ao das Treze Colônias Inglesas. Mendonça Furtado via nos estrangeiros a 
oportunidade de uma boa parceria e sugeriu a Pombal dar preferência à naturalização 
dos holandeses ou franceses encontrados no território amazônico, ao invés proceder a 
uma expulsão hostil. Curiosamente, o marquês de Pombal, para levar a cabo o projeto 
do desenvolvimento têxtil no reino, em gesto emblemático, chegou a incentivar o 
plantio das amoreiras em Lisboa. Como nos lembra a historiadora Suzanne Chantal, 
“Ele próprio [marquês de Pombal] plantou a primeira das trezentas e trinta amoreiras 
que haviam de dar o seu nome ao bairro [Bairro das Amoreiras] e que, de certo modo, 
eram simbólicas.”228 
O governador Mendonça Furtado, em outro gesto também repleto de expressão 
simbólica e de conteúdo irônico, comentou ter achado dentro do colégio dos padres da 
Companhia de Jesus: 
 
(...) uma [amoreira] que estava quase morta, e dando-me a notícia de que naquele 
sítio havia uma tão preciosa árvore, fui com as minhas mãos cortar-lhe umas 
poucas de estacas que pus no quintal do Palácio da residência governadores. [...] 
(...) bastou-me aquela experiência, para ver que aquela terra produz estas 
utilíssimas árvores, e se davam excelentemente bem nestas terras, e que 
poderíamos aqui lavrar sedas, que não só provêssemos quantas fabricas 
quiséssemos estabelecer no reino, ma que nos muito sobejaria se considerasse que 
era útil, fazer-se com ela um grosso ramo de comércio afora.229 
 
Na falta de recursos para viabilização da companhia de comércio, surgiu, para 
angariação expediente discutível do ponto de vista ético, mas indubitavelmente 
tentador para uma administração pública abertamente anticlerical, a estatização dos 
bens das ordens religiosas. Uma das grandes polêmicas que envolvia a Companhia de 
Jesus dizia respeito à questão da legalidade dos seus bens imóveis, como fazendas e 
engenhos. Legalmente, a Companhia de Jesus não possuía e não podia possuir bens de 
raiz, e tudo o que pertencia às ordens religiosas era explorado como benefício régio, 
 
228 CHANTAL, Suzanne. A vida cotidiana em Portugal ao tempo do terramoto. Lisboa: Edição “Livro do 
Brasil”. 1965. p. 215. 
229 Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal. Arraial de Mariuá, 14 de outubro de 1756. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo III. p. 187-188. 
144 
 
que poderia ser imediatamente revogado. Os jesuítas, pelos critérios do seu regimento 
interno (Constituições da Companhia de Jesus), poderiam possuir bens imóveis desde 
que estivessem vinculados aos colégios e que fossem para a manutenção dos mesmos, 
tal prática não feria o voto de pobreza individual. É provável que mesmo uma análise 
exaustiva das Ordenaçõesportuguesas não nos permita chegar a um parecer 
satisfatório sobre tão polêmica questão. Mas é fato que os religiosos não podiam 
comprar bens de raiz sem licença expressa do rei, e a Companhia de Jesus parecia ter 
feito uso deliberado de tal expediente, provavelmente pela falta de supervisão do 
Estado sobre seus atos.230 
Aproveitando-se das controvérsias jurídicas sobre os bens das ordens 
religiosas, o governo do Grão-Pará deu início ao registro das riquezas dos padres, 
conjeturando uma possível estatização como artifício para arrecadação de fundos para 
os inúmeros empreendimentos reformistas. Com autorização do marquês de Pombal, 
Mendonça Furtado começou a inventariar as propriedades dos regulares para informar 
o rei do “(...) valor e do rendimento das fazendas que neste Estado possuem (...)”, 
porque “(...) seria mais conveniente para a subsistência do Estado tirar todas as 
fazendas dos regulares e dar-lhes S. Maj. uma côngrua suficiente para a sua 
sustentação (...)”. Desse modo, além de conseguir dividendos para as reformas, 
esvaziar-se-ia o poder dos regulares, que era para Mendonça Furtado, “(...) o inimigo 
mais poderoso do Estado (...)”.231 Para realizar a dita estatização seria fundamental 
uma ação de propaganda no reino que espalhasse notícia duvidosa daquelas posses, 
para que tudo não parecesse ser ato de injustificada violência. Por conseguinte, se os 
regulares permanecessem no Estado, sem a administração temporal dos bens que 
geriam, teriam de administrar as aldeias recebendo as côngruas, sendo que o produto 
econômico das comunidades indígenas tinha de ser distribuído entre população e 
governo. 
Outras hipóteses levantadas pela administração do Grão-Pará e Maranhão, em 
relação aos negócios dos jesuítas, eram de que os inacianos andavam a contrabandear 
ouro com os jesuítas de Castela na Amazônia. Logo, a administração especulava que o 
 
230 Marcos Carneiro de Mendonça teve a agudeza de publicar na coleção de cartas trocadas entre Mendonça 
Furtado e Marquês de Pombal, por nós exaustivamente utilizada, os excertos mais importantes de algumas das 
“Leis Extravagantes” de Portugal, ajudando a iluminar a questão do controverso litígio pelos bens religiosos da 
Companhia de Jesus. Cf. op. cit. tomo I. p. 303-311. 
231 Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal. Pará, 18 de fevereiro de 1754. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 113 
145 
 
sequestro dos bens dos religiosos traria surpresas adicionais, como tesouros 
escondidos dentro de suas propriedades. Mendonça Furtado, em relação aos jesuítas, 
dizia que eles “Têm certíssimamente em Lisboa uma soma considerável de dinheiro, 
fora o muito que aqui tem entesourado (...).”232 
Do mesmo modo, como a antiga tendência do Estado português era adquirir as 
capitanias particulares ainda existentes no Estado do Brasil, no Grão-Pará e Maranhão 
parecia óbvio que o passo seguinte seria a tomada do poder civil das aldeias 
controladas pelos religiosos.233 De tal sorte que, também, a secularização das aldeias 
religiosas seria levada a êxito, processo que pode ser entendido como forma de 
centralização do poder do Estado português. 
A partir da intenção de sequestrar os bens das ordens religiosas, 
automaticamente, o poder religioso era substituído pelo civil. Embora as Instruções 
exigissem das novas aldeias apenas que o poder temporal não fosse entregue aos 
missionários, certamente aconteceria grande confusão na definição dos papéis dos 
religiosos nas aldeias, às quais habitualmente eram governadas com base no artigo 
primeiro do Regimento das Missões, que garantia o poder espiritual e temporal aos 
missionários. Com efeito, dizia o governador: 
 
(...) tirarem-se as fazendas aos regulares, dando-se-lhes côngruas suficientes para a 
sua subsistência, julgo que toda a eficácia deste meio ficaria sendo totalmente inútil 
e infrutífera conservando os regulares o domínio temporal das aldeias: porque, 
depois nada importava privar os regulares dos rendimentos das suas fazendas, se 
tendo eles a administração dos índios ficava, como agora estão, senhores de todas 
as preciosas drogas do sertão. 234 
 
O próprio governador exortava Pombal a efetuar não só a incorporação 
mediante pagamento pelas capitanias dos donatários, mas também sublinhava que o 
mesmo gesto contra as posses dos missionários não seria em nada dispendioso, porque 
nenhuma indenização deveria ser paga, pois não existia legislação que resguardasse 
suas reclamações. As propriedades e as aldeias religiosas, a depender do número de 
 
232 Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal. Pará, 18 de fevereiro de 1754. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 101. 
233 Ainda no consulado pombalino, as últimas capitanias privadas seriam revertidas para a coroa, como as de 
Cumá, Cumã, Tapuitapera, Marajó (Ilha grande de Joanes), Caité, Gurupá, Cabo do Norte e Cametá. Tendência 
que levou em 1763 à erradicação de todas as capitanias privativas da América portuguesa. Cf. AVELLAR, Hélio 
de Alcântara. História administrativa do Brasil; a administração pombalina. 2.ed. Brasília, Fundação Centro de 
Formação do Servidor Público – FUNCEP/Ed. Universidade de Brasília, 1983. P. 52. 
234 Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal. Pará, 18 de fevereiro de 1754. In: MENDONÇA, 
Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 117. 
146 
 
habitantes, seriam elevadas a vilas ou lugares. Assim, o mais apropriado parecia 
convencer o rei para: 
 
(...) transformar e reduzir aquelas fazendas a povoações que se farão 
popularíssimas, declarando por livres todos os escravos que nelas existem, e 
mandando distribuir por eles as terras de que se compõem as tais fazendas, do 
mesmo modo que se pratica com os novos povoadores, onde em cada uma destas 
povoações um oficial de guerra que as governe e ordenando aos seus ministros que 
todos os anos sindiquem dos tidos oficiais para se saber se observam exatamente as 
ordens que se lhes devem dar, respectivas àqueles importantíssimos 
estabelecimentos.235 
 
A substituição do controle das aldeias pela administração civil resolveria 
imediatamente dois problemas sumamente desagradáveis para aquela administração: 
extinção do poder religioso sobre os índios e missões e o favorecimento do 
povoamento das zonas estratégicas da Amazônia. 
O marquês de Pombal expressou sua satisfação ao projeto apresentado pelo 
irmão. O ministro aceitou todas as sugestões e autorizou Mendonça Furtado a 
inventariar prontamente os bens dos jesuítas e o número de religiosos no Estado, com 
a finalidade de calcular o montante necessário para pagamento de côngruas – já 
existia, nesse sentido, desde 17 de maio de 1751, uma lei de pagamento de côngruas 
aos religiosos, mas ainda não tinha sido publicada. Pombal ainda ressaltava que tudo 
estava sendo articulado com sumo segredo na corte.236 Assim sendo, constatou-se o 
amadurecimento do plano de perseguição às ordens religiosas, mas não ainda não 
estava em voga o plano de expulsão dos jesuítas. No entanto, havia dúvidas sobre 
como os religiosos reagiriam ao tomar conhecimento das novas regras. 
Nesse ínterim, outra questão sumamente importante preocupava o governo do 
Pará: o cumprimento do Tratado de Madrid. A confirmação da efetivação das 
demarcações ficou acertada no Tratado das Instruções dos Comissários, assinado em 
24 de junho 1752. Como consequência do crescente poder do irmão e ministro, 
Mendonça Furtado recebeu, em 30 de abril de 1753, a carta régia assinada pelo próprio 
marquês de Pombal nomeando-o à posição de “Principal Comissário e 
Plenipotenciário com amplíssimos e ilimitados poderes” da comissão portuguesa.237 
Assim, Mendonça Furtado deveria deslocar-se para o Rio Negro, nas proximidades do 
 
235 Ibid., p. 116. 
236 Cf.Carta do Marquês de Pombal para Mendonça Furtado. Belém [Portugal], 4 de agosto de 1755. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo II. p. 471-472. 
237 Carta do Marquês de Pombal para Mendonça Furtado. Belém [Portugal], 6 de julho de 1752. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo I. p. 318. 
147 
 
arraial de Mariuá, em que seria o ponto de encontro com o comissário espanhol D. 
José de Iturriaga, o qual ostentava o título de Cavaleiro da Ordem de São Tiago e 
Chefe de Esquadra da Armada Real.238 Entrementes, na zona do Prata, outras duas 
comissões, lideradas pelo português Gomes Freire de Andrade e pelos espanhóis 
marquês de Valdelírios e D. José de Andonaegui, iam efetuar as demarcações no Sul 
do continente. 
Mas Pombal salientava ao governo do Pará que a realização das demarcações 
necessitava de uma preparação rápida. Marquês de Pombal sublinhou a Mendonça 
Furtado, que ele tinha, imediatamente, de recrutar índios ao serviço público e ao 
auxílio militar, ele frisava também que o irmão deveria organizar mantimentos para 
sustentar os espanhóis, a equipe técnica portuguesa e os militares que chegariam de 
Lisboa. Pombal considerava importante a construção de uma fachada que causasse 
impressão positiva aos olhos estrangeiros, de modo que a fragilidade do controle 
português, na Amazônia, não parecesse tão flagrante. Ele também ressaltava a 
necessidade de reunir copiosa informação com os práticos do país, porque desejava 
considerar a opinião que os entendidos faziam do Tratado, a fim de saber como 
proceder para levar vantagens no ato das demarcações. 239 
Mais uma vez, os religiosos surgiam como peça fundamental na efetivação do 
Tratado de Madrid. Mendonça Furtado dependia da cooperação dos religiosos para 
auxiliar no deslocamento da comitiva pela selva, e, principalmente, para conseguir 
abastecer sua equipe de mantimentos e oferecer mão-de-obra para auxiliar a comissão. 
O governador suspeitava que a excessiva dependência local do trabalho indígena 
poderia malograr o curso da expedição, porque eram frequentes as debandadas de 
índios refratários a trabalhos duradouros. Por outro lado, de alguma maneira, 
Mendonça Furtado desconfiava de pouca vontade dos missionários em emprestar os 
índios, que eram fundamentais para remar e pilotar canoas, bem como buscar alimento 
para a equipe durante o deslocamento pela selva. 
Com os preparativos para organização da expedição, muitas dificuldades foram 
notórias. Em primeiro lugar, um dos entraves foi em relação à condução, porque as 
canoas, principal meio de transporte para aquela missão, eram insuficientes. Não havia 
 
238 Cf. REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. 2.ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: 
Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. p. 104. 
239 Cf. Carta do Marquês de Pombal para Mendonça Furtado. Belém [Portugal], 6 de julho de 1752. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo I. p. 318-319. 
148 
 
recursos, tempo e obreiros suficientes para prepará-las dentro do prazo esperado. 
Também não houve ação de coagir a população ou religiosos para que eles fornecerem 
as próprias embarcações, porque ninguém possuía mais do que o número necessário 
para custeio de famílias ou aldeias, nem mesmo os religiosos. Entretanto, esperava-se 
que as religiões cooperassem com o poder civil na oferta de mantimentos como a 
farinha, para manutenção dos membros da expedição. As exigências em quantidade de 
alimentos seriam elevadas, considerando as possibilidades reais da contribuição do 
Estado e das missões religiosas. A comitiva era de aproximadamente mil membros. 
Com a longa espera pelos espanhóis, quase dois anos (1754-1756), parte vultosa do 
encargo recaiu, de fato, sobre os religiosos. Outro fato a ser levado em consideração, 
contrário aquelas exigências, era a diminuição da população indígena, que foi 
dizimada pela epidemia de varíola, o que prejudicou bastante o potencial produtivo 
das missões religiosas. 
Evidentemente que para a empobrecida população do Pará e o seu falido 
governo, quaisquer que fossem as desculpas dos religiosos, considerados abastados, 
justificadas ou não, dificilmente soariam convincentes. Desse modo, o capitão-general, 
que via nas missões religiosas a causa da decadência e da pobreza do Grão-Pará, 
achou razoável submeter os religiosos e suas missões ao financiamento de parte 
considerável da expedição. 
Além disso, alguns eventos de pequena gravidade, envolvendo missionários 
jesuítas, chegaram ao Palácio dos Governadores. O governador logo suspeitou que os 
padres planejavam oposição ao Tratado. Quando os quartéis da fortaleza dos Pauxis 
pegaram fogo, um dos tenentes pediu ao missionário jesuíta da aldeia de Tapajós, 
Joaquim de Carvalho, empréstimo de dois índios para ajudar na reedificação, contudo 
o tenente teve resposta negativa. A fortaleza, ademais de ser edifício público, era o 
tipo de construção que o governo do Pará desejava preservar e multiplicar nas selvas, a 
fim de defender o território. Para piorar, outro missionário jesuíta, Lourenço Kaulen, 
da aldeia de Sumaúma, não só negou um carpinteiro indígena, que deveria trabalhar 
para a construção das embarcações da expedição, como também o puniu com castigos 
físicos severos, por ter o índio partido para o estaleiro sem autorização do padre.240 
Vale ressaltar que, nesse contexto, grande parte dos índios enviados para a fundação 
de Macapá fugia. O governador e capitão-general, que ficou de março a maio de 1752 
 
240 Cf. Carta de Mendonça Furtado para o Marquês de Pombal. Pará, 11 de novembro de 1752. In: 
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op.cit. Tomo I. p. 376. 
149 
 
na nova fundação, tomou conhecimento que dos sessenta índios enviados para a 
povoação, pouco mais de um terço havia fugido. A apatia com que os missionários, 
responsáveis em Macapá pelos índios, encararam as fugas, fez levantar a desconfiança 
de que os indígenas escapavam instigados pelos missionários. Assim, o governador 
demonstrou certo alarmismo, contudo lembrou-se de que a Companhia de Jesus era a 
instituição da qual o governo do Estado mais dependeria para organizar a viagem. No 
entanto, era notório que tal parceria se mostrava arriscada. 
Este procedimento dos religiosos na Amazônia era um sintoma do modo de 
proceder dos jesuítas no Estado do Grão-Pará, tradicionalmente voluntarioso e 
negligente com outras formas de autoridade. Em virtude do ocorrido, Mendonça 
Furtado tomou a iniciativa de pedir a intersecção de Pombal para sanar possíveis 
problemas. Primeiro, o governador sugeriu que ao marquês de Pombal que fizesse uma 
reunião com os provinciais das ordens religiosas em Lisboa para que admoestassem os 
missionários residentes no Grão-Pará e Maranhão para reprimir as fugas. Em seguida, 
Mendonça Furtado sugeriu a Pombal pedir ao rei emissão de ordem, para que tornasse 
oficial e obrigatória a cooperação e o auxílio dos missionários com a empresa 
demarcatória, dando ao governador amplos poderes para requisitar o número de índios 
que fosse necessário, até mesmo, de índios escravos dentro das aldeias religiosas,241 
revogando provisoriamente, para esse efeito, as prerrogativas do Regimento das 
Missões. A resposta não tardou a chegar. Em 18 de maio de 1753, o próprio rei 
autorizou o ministro Joaquim Corte Real a obrigar os prelados de todas as ordens 
religiosas a dar suporte à comitiva, que seria alimentos e índios, conforme a 
necessidade da comissão, não importando justificativas dos religiosos. 
Surpreendentemente, o rei autorizou literalmente a retirada dos índios à força, no caso 
de negativa dos religiosos.242 
Enquanto o aludido respaldo oficial não chegava ao Pará, Tomé Joaquim da 
Costa Corte Real cuidou em emitir uma carta circular a todas as ordens religiosas do 
Estado, informando-lhes que deveriam doar para o

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