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2014-JoaquimPaulodeLimaKaxinawAí-PortuguAs

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB 
INSTITUTO DE LETRAS – IL 
DEPTO. DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS – LIP 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA – PPGL 
UMA GRAMÁTICA DA LÍN 
Brasília 
2014 
JOAQUIM PAULO DE LIMA KAXINAWÁ 
 
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Linguística do 
Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de 
Letras da Universidade de Brasília, como requisito parcial à 
obtenção do título de Doutor em Linguística. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2014 
JOAQUIM PAULO DE LIMA KAXINAWÁ 
UMA GRAMÁTICA DA LÍN 
Esta tese foi julgada adequada à obtenção do 
título de Doutor em Linguística e aprovada em 
sua forma final pelo Curso de Doutorado em 
Linguística, do Programa de Pós-Graduação 
em Linguística do Instituto de Letras da 
Universidade de Brasília. 
 
 
Brasília, 19 de dezembro de 2014. 
 
Professora e orientadora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, Dra. (Presidente) 
Universidade de Brasília 
Prof. Roberto Zariquiey, Dr. (Membro externo) 
Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP) 
Prof. Sanderson Castro Soares de Oliveira, Dr. (Membro externo) 
Universidade do Estado do Amazonas, Centro de Estudos Superiores de Tabatinga 
Prof. Aldir Santos de Paula, Dr. (Membro externo) 
Universidade Federal de Alagoas 
Prof. Andérbio Márcio Silva Martins, Dr. (Suplente) 
Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD 
 
 
 
Ao .
AGRADECIMENTOS 
Aos meus pais Yube, Francisco Reginaldo Kaxinawá e Ayani (Maria Amélia 
Kaxinawá), já falecidos, que me ensinaram a viver nos dois mundos: o mundo de 
conhecimentos ni k e m nd de r s c nhecimen s q e n s cerc m com muitas 
ameaças. Em homenagem aos dois é que terminei o doutorado em linguística com muito 
sacrifício. Meu pai, em sua entrevista no documetári “M n B i”, em 2007, disse que tinha 
me colocado na escola para um dia eu me tornar doutor. Mas o que ele queria dizer com 
doutor era ser médico, cuidar da saúde humana. Não me tornei um médico que trata das vidas 
humanas, mas posso dizer que sou um médico da minha língua nativa Hãtxa kui . Pois com os 
meus estudos posso hoje tratar, posso incentivar e fortalecer o uso da língua oral e escrita do 
povo Huni kui . 
Às minhas companheiras, amigas de todas as horas, com as quais tive a 
oportunidade de gerar nove vidas – Bismani, Socorra de Lima Kaxinawá, Yube, José de Lima 
Kaxinawá, Siã, Gilson de Lima Kaxinawá, Tene, Antônio de Lima Kaxinawá, Mawapai, Lira 
de Lim in wá, Bism ni, Cris in de Lim in wá, Bi k , Fern nd ni k , Y k 
 ni e Y be P l ni k i ). 
A estes meus filhos que me ensinam lições de id ni k e q e f zem r e d 
minha vida social, cultural e espiritual e que são minha “ er i ”. 
A todos os meus parentes, do lado paterno e do materno, e ao meu povo, tanto a 
parte que vive em 11 terras indígenas no Acre, como a parte vive no Peru. 
Às instituições que me têm apoiado na minha carreira profissional, como 
professor e pesquisador: 1. Comissão Pró-índio do Acre (CPI-AC); 2. Organização de 
Professores Indígenas do Acre (OPIAC); 3. Associação de Produtores e Criadores Kaxinawá 
da Praia da Carapanã (ASKAP); 4. Secretaria Estadual de Educação do Acre (SEE); 5. 
Fundação Nacional do Índio (FUNAI); 6. Universidade Estadual de Mato Grosso 
(UNEMAT); 7. Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI) do Ministério da 
Educação (MEC); 8. Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas (LALLI) da 
Universidade de Brasília; 9 Observatório da Educação Escolar Indígena da CAPES 
Aos idealizadores, professores e colaboradores das organizações empenhadas em 
garantir os direitos dos povos indígenas do Estado do Acre: Terri Vale de Aquino (Txai); 
Nietta Lindeberg Monte; Vera Olinda Paiva; Marcelo Piedrafita; Maria Uchoa (Malu); 
5 
 
Terezinha de Jesus Maher; Adair Pimentel Palácio; Aldir Santos de Paula; Marilda 
Calvacante; Kleber Matos Gesteira; Márcia Spayer; Ruth Monserrat; Renato Gavaze ; Dêdê 
Mais; Conceição Mais; Marcelo Piedra Fita. 
Agradeço a todos os outros, cujos nomes não me vêem à memória, e que têm 
colaborado na construção da educação escolar indígena do Estado do Acre. A todos esses, 
meu muito obrigado! 
Agradeço, ainda, em especial, aos dois lingüistas e professores que têm lutado 
intensamente para abrir a pós-graduação em lingüística para os próprios falantes das línguas 
indígenas, habilitando-os para que pesquisem, analisem as estruturas das suas respectivas 
línguas indígenas: 
Ao professor Dr. Aryon Dall'Igna Rodrigues, já falecido em abril de 2014, que 
deixou muitas pesquisas de várias línguas, assim como ensinamentos para muitas pessoas que 
ele orientou. Assim, ele se foi para outro mundo, mas as obras dele e ensinamentos dele 
ficaram para terem a continuidade com carinho e respeito às línguas e povos que forem 
pesquisados. 
À professora Drª Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, que é uma das professoras 
“g erreir s”, trabalha dia e noite para fazer as coisas acontecerem, lutando pelos direitos dos 
povos indígenas e das línguas que têm pesquisado. Uma das sábias, competentes e corajosas 
que tem aberto oportunidades para os povos indígenas que querem pesquisar as suas próprias 
línguas e assim fortalecer cada vez mais a língua oral e escrita dos povos indígenas do Brasil. 
Aos povos indígenas que continuam lutando em prol dos nossos direitos 
territoriais, sociais, culturais, linguísticos e educacionais; 
Aos membros da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI); 
à d “f míli ” d L b r óri de Línguas e Literaturas Indígenas (LALLI), 
que conviveram comigo nestes 4 anos de doutorado: Aissanain Páltu Kamaiurá, Anita Tikuna, 
Edilson Melgueiro Martins Baniwa, Wary Kamaiurá, Sanderson Soares Castro de Oliveira, 
Andérbio Márcio Silva Martins, Ariel Pheula do Couto e Silva, Chandra Wood Viegas, 
Fernando Orphão de Carvalho, Letícia de Souza Aquino, Lidiane Szerwinsk Camargos, 
Maxwell Gomes Miranda e Suseile Andrade Sousa, Jorge Domingues Lopes, Ana Maria 
Aguilar, Kaman Pedrinho Chandro, Makaulaka Mehinaku, Ticiane Cavalcante, Gabriel 
Barros, Rodrigo Prudente, Namblá Gakran, Mauro Luiz Carvalho, Altacir Correia Rubim, 
Austria Rodrigues Brito, Eliete de Juseus Bararuá Solano. 
6 
 
Agradeço, particularmente, a Ariel Pheula do Couto e Silva, Jorge Domingues 
Lopes e Suseile Andrade de Sousa pela parceria e coleguismo que fizeram-me superar 
dificuldades no dia-a-dia da vida de um indígena de aldeia em uma universidade. 
 
RESUMO 
A presente tese de doutorado trata de aspectos fundamentais da língua Hãtxa kuin à luz de 
uma abordagem linguística antropológica. Parte de uma descrição das classes de palavras, 
pondo em foco a classe dos nomes, cujos morfemas constituintes são minuciosamente 
descritos. São abordados vários tipos de nomes, e são colocadas em relevo as suas respectivas 
características específicas. Descrevemos os pronomes, os demonstrativos, os quantificadores, 
as posposições, os adjetivos, os verbos, os advérbios, as conjunções, os ideofones e as 
interjeições. Abordamos o sistema de alinhamento, as interfaces entre tempo, aspecto, modo 
e modalidade e as combinações de orações, com exemplos especialmente extraídos de 
discursos. Também falamos sobre o povo Huni kuin, ressaltando a sua educação tradicional, 
contextualizando-a, e mostrando como ela é responsável pela nossa continuidade enquanto 
povo Hui kuin, mas também considerando-a a referência para o modelo de ensino a inspirar as 
escolas das aldeias do povo Huni kuin. O método analítico utilizado foi basicamente o que 
lança mão do bom conhecimento de uma língua, do contraste, da distribuição complementar, 
da necessidade de interpretar adequadamente as funções linguísticas no discurso. Nenhuma 
teoriaem particular foi norteadora do trabalho, mas abordagens sobre temas específicos de 
autores diversos que contribuem para o que pode ser uma descrição de uma língua em uso, 
modelada na experiência cultural dos seus falantes. 
 
Palavras-chave: r má ic d Líng . Classes de palavra. Alinhamento. 
Combinação de orações. Tempo, aspecto, modo e modalidade. Família Pano. 
 
ABSTRACT 
The present Ph.D dissertation is about fundamental aspects of the Hãtxa kuin language, under 
an anthropological linguistic approach. It starts with a description of Hãtxa kuin word classes, 
focusing on its internal constituent morphemes which are closely detailed described. We have 
also described nouns, personal pronouns, demonstratives, quantifiers, postpositions, 
adjectives, verbs, adverbs, conjunctions, idiophones and interjections. We have also described 
the alignment system of the language, the interface between tense, aspect, mood and modality, 
ans the combination of clauses. We have also made some considerations on the Huni kuin 
people, with focus on its traditional education, contextualizing it, and showing how it is 
importante for the continuity of the Huni kuin people, and the necessary Huni kuin schools 
main reference . The analytic method used here is basically the one which makes use of 
contrast, complementary distribution, and the one which imposes a strong knowledge of the 
language being analyzed, and the necessity of interpreting adequately the linguistic functions 
in discourse. None specific theory had been the guide of the present work, but we have made 
use of specific studies on relevant grammatical topics by different authors who have 
contributed to the view that a grammar of a language must be conceived as built upon the 
cultural experience of its speakers. 
 
Keywords: Hãtxa Kuin Grammar . Word classes. Alignment. Combination of clauses. Tense, 
aspect, mood and modality. The Panoan linguistic family. 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS HUNI KUĨ DO ESTADO DO ACRE (BALÕES 
VERMELHOS), EXTRAÍDO DO ATLAS GEOGRÁFICO DO ACRE, CPI/ACRE, 1995. ...............22 
FIGURA 2 – ONÇA VERMELHA – TXASHU INU ...........................................................................62 
FIGURA 3 – ONÇA-PINTADA – INU KENEYA ...............................................................................64 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
TABELA 1 – PRONOMES PESSOAIS SÉRIE 1 .................................................................................74 
TABELA 2 – SÉRIE 2 ...........................................................................................................................74 
TABELA 3 – PRONOMES POSSESSIVOS .........................................................................................75 
TABELA 4 – DEMONSTRATIVOS ....................................................................................................76 
TABELA 5 – DEMONSTRATIVOS – FUNÇÕES ARGUMENATAIS ...........................................164 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
1.NOM Primeira pessoa nominativa 
123 Primeira pessoa do plural 
2 Segunda pessoa do singular 
23 Segunda pessoa do plural 
3 Terceira pessoa 
ABS Absolutivo 
ASS Associativo 
ATEN Atenuativo 
AUX Auxiliar 
AUX.D Auxiliar dinâmico 
AUX.EST Auxiliar estático 
COL Coletivo 
CON Conectivo 
DECL.1 Modo declarativo de conteúdos informacionais realizados 
DECL. 2 Modo declarativo de conteúdos informacionais em realização 
DECL. 3 Modo declarativo de conteúdos informacionais não atestados ou de um 
passado mítico 
ERG Ergativo 
EST Estativo 
EXIST Existencial 
EST.EM.PÉ Estar em pé 
FOC Foco 
GEN Genitivo 
HAB Habitual 
IMPR Imperativo 
IMPERF Imperfectivo 
INSS Inessivo 
INSTR Instrumentico 
MS Mesmo sujeito 
SD Sujeito diferente 
NOM Nominativo 
PASS.DIST Passado distante 
PRED Predicativo 
PRIV Privativo 
PROJ Projetivo 
PROSP Prospectivo 
RECR.1 Passado anterior ao momento da fala 
RECR.2 Passado recrente de um dia atrás ou mais 
REFL Voz reflexiva 
REM Passado remoto 
 
 
12 
REM.NA Remoto não atestado 
RETR Retrospectivo 
TH Terra Huni kuin 
SUMÁRIO 
0. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................16 
0.1 JUSTIFICATIVA.........................................................................................................................16 
0.2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................17 
0.3 OBJETIVOS ................................................................................................................................18 
0.4 ORGANIZAÇÃO DESTA TESE ................................................................................................19 
 P O 1. ...................................................................................................................20 
1.1 HUNI UĨ ...................................................................................................................................20 
1.2 ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DO POVO HUNI KUĨ ....................................................23 
1.2.1 Terr s nde m i ri d s ni k é f l n e de Hãtxa kuĩ ..................................................23 
CAPÍTULO 2. DESAFIOS DE ENSINAR E APRENDER A LÍNGUA E A CULTURA HÃTXA 
KUĨ NAS ESCOLAS DO POVO HUNI KUĨ DO BRASIL ..............................................................24 
2.1 O QUE ENSINAR ........................................................................................................................24 
2.1.1 Etnônimos .............................................................................................................................24 
2.1.2 Um pouco sobre o ritual da incorporação .............................................................................25 
2.1.3 A transmissão dos conhecimentos na cultura Huni kuĩ ........................................................27 
2.1.4 Trabalho do dia a dia dos homens e das mulheres e a antroponímia Hãtxa Kuĩ ..................27 
2.1.5 Ensinamento de acordo com classe de idade ........................................................................28 
2.1.6 Rituais de transmissão de conhecimentos.............................................................................29 
2.1.7 As perdas ..............................................................................................................................31 
2.1.8 Consanguinidade e casamentos ............................................................................................33 
CAPITULO 3. CLASSES DE PALAVRAS .......................................................................................35 
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................................35 
3.1.1 Nomes ...................................................................................................................................35 
3.1.1.1 Morfologia do Nome .....................................................................................................36 
3.1.1.1.1 “Es d de e is ênci d s seres” ............................................................................36 
3.1.1.1.2 Aspecto Atenuativo e intensivo .............................................................................39 
3.1.1.1.3 Número, humanidade e definitude .........................................................................40 
3.1.1.1.4 Privativo .................................................................................................................41 
3.1.1.1.5 Formação de nomes por meio de justaposição.......................................................41 
3.1.1.2 Formação de nomes por meio relações de determinação ..............................................43 
3.1.1.3 Consideraçõessobre a formação de algumas subclasses semânticas de nomes ............43 
3.1.1.3.1 Nomes de partes do corpo - Yura kna arabu .......................................................43 
3.1.1.3.2 Algumas observações sobre os nomes de peixe - Baka kena arabu .....................50 
3.1.1.3.3 
 aka rawr i ‘ ei es c m esc m ’ ..................................................................52 
3.1.1.3.4 Ş k k i ‘c m c sc d r ’ .................................................................................54 
3.1.1.3.5 Animais aquáticos que não entram na categoria de peixes ....................................54 
3.1.1.3. lg m s bser es s bre f rm de n mes de ei es em k ..........55 
3.1.1.3.7 Observações sobre nomes de abelhas - r kɨn arabu .......................................56 
3.1.1.3.8 Notas sobre nomes de plantas - Ni kna arabu ....................................................57 
3.1.1.3.9 Nomes de cores ......................................................................................................59 
3.1.1.3.1 bre s n mes ró ri s ni ......................................................................61 
3.1.1.3.11 Algumas notas sobre termos de parentesco referenciais e vocativos ..................66 
3.1.1.3.12 Nomes interrogativos ..........................................................................................71 
3.1.1.4 Flexão nominal .............................................................................................................71 
3.1.1.5 Pronomes pessoais ........................................................................................................74
3.1.1.5.1 Série pronominal nominativa ................................................................................74 
3.1.1.5.2 Pronomes possessivos ............................................................................................75 
3.1.1.6 Pronomes demonstrativos .........................................................................................76 
3.2 ADJETIVO ..................................................................................................................................79 
3.3 NOMES E ADJETIVOS EM FUNÇÃO PREDICATIVA ...........................................................80 
3.4 ORAÇÕES ESSIVAS ESTATIVAS COM ADJETIVOS NO NÚCLEO ....................................91 
3.5 PREDICADOS EXISTENCIAIS .................................................................................................92 
3.6 FORMAÇÃO DE VERBOS TRANSITIVOS A PARTIR DE NOMES, DE ADJETIVOS E DE 
VERBOS INTRANSITIVOS ............................................................................................................93 
3.7 QUANTIFICADORES (HUNI KUIN  TANATI ARABU) (MATEMÁTICA) ...................................94 
3.8 IDEOFONES .............................................................................................................................112 
3.9 POSPOSIÇÕES .........................................................................................................................122 
3.10 VERBOS ..................................................................................................................................128 
3.10.1 Verbos transitivos .............................................................................................................128 
3.11 VERBOS AUXILIARES ........................................................................................................132 
3.11.1 Verbos auxiliares que expressam movimento e direção ...................................................132 
3.11.2 Auxiliares estativos ..........................................................................................................133 
3.12 NOMINALIZAÇÕES .............................................................................................................134 
3.13 ADVÉRBIOS ...........................................................................................................................136 
3.14 CONJUNÇÕES .......................................................................................................................139 
3.14 INTERJEIÇÕES......................................................................................................................140 
CAPÍTULO 4. ALINHAMENTO EM H KUĨ .......................................................................141 
4.1 SÉRIE PRONOMINAL NOMINATIVA ..................................................................................141 
4.2 SÉRIE 2 ......................................................................................................................................145 
4.3 PRONOME ENFÁTICO ............................................................................................................148 
4.4 ALINHAMENTO NOS NOMES...............................................................................................152 
4.5 SUJEITO DE PREDICADOS ESSIVOS ...................................................................................159 
4.6 DEMONSTRATIVO SUPLENTE DE TERCEIRA PESSOA ..................................................164 
4.7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE ALINHAMENTO ..................................169 
CAPÍTULO 5. MODO, MODALIDADE E ASPECTO .................................................................171 
5.1 AS PARTÍCULAS KI, KIKI E KIAKI COMO EXPRESSÃO DO MODO DECLARATIVO EM 
PREDICADOS VERBAIS ..............................................................................................................171 
5.1.1 O morfema ki .....................................................................................................................171 
5.1.2 O morfema kiki ...................................................................................................................173 
5.1.3 A partícula kiaki .................................................................................................................174 
5.2 AS PARTÍCULAS KI, KIKI E KIAKI EM PREDICADOS DE NATUREZA NOMINAL ...........175 
5.3 AS PARTÍCULAS KI, KIKI E KIAKI EM SENTENÇAS COM MAIS DE UMA ORAÇÃO ......177 
5.3.1 Ki em duas orações de uma mesma sentença .....................................................................178 
5.4 TEMPO DE MODALIDADE ....................................................................................................180 
5.5 MODO IMPERATIVO ..............................................................................................................183 
CAPÍTULO 6. PERGUNTA ............................................................................185 
CAPÍTULO 7. COORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO ..............................................................192 
7.1 COORDENAÇÃO .....................................................................................................................192 
7.2 SUBORDINAÇÃO CONDICIONAL .......................................................................................194 
7.3 SUBORDINAÇÃO TEMPORAL ..............................................................................................195 
7.4 SUBORDINADAS DE SUCESSIVIDADE ..............................................................................198 
7.5 SIMULTANEIDADE ................................................................................................................199 
7.6 SUBORDINADAS FINAIS .......................................................................................................200 
CAPÍTULO 8. SOBRE AS PARTÍCULAS RÃ, TÃ E NÃ ..............................................................203 
CONCLUSÃO ....................................................................................................................................207
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................209 
ANEXO 1 ............................................................................................................................................212ANEXO 2 ............................................................................................................................................286 
ANEXO 3 – FOTOS ...........................................................................................................................299 
 
 
 
16 
0. INTRODUÇÃO 
Esta tese de doutorado trata de importantes aspectos gramaticais da língua Hãtxa 
 uĩ, construída em uma abordagem linguística antropológica, em que língua e cultura são 
vistas como indissociáveis e na qual a experiência cultural de um povo é o principal norteador 
da configuração interna de sua língua. Vista assim, uma língua está em relação permanente, 
dinâmica e recríproca com a cultura dos falantes dessa língua. 
Privilegiamos como tópicos deste estudo, as classes de palavras, d k , s 
processos de formação de palavras, os tipos de frases existentes e, particularmente os 
predicados nominais. Descrevemos como a língua expressa as noções de tempo, aspecto, 
modo e modalidade, que, ao nosso ver, não foram devidamente tratadas nos trabalhos 
anteriores, assim como processos de relativização, e sentenças complexas, formadas por 
coordenação e por subordinação. Retomamos o tema alinhamento, bastante recorrente em 
trabalhos anteriores, contribuindo com novos dados para um conhecimento linguístico mais 
completo sobre o mesmo. Ampliamos a descrição das perguntas, da negação e contribuimos 
com um estudo sobre focalização em Hãtxa kuĩ do povo Huni kuĩ. 
0.1 JUSTIFICATIVA 
Há vários estudos gramaticais sobre a língua Hãtxa Kuĩ, dentre os quais, Abreu 
(1914), Montag (1979), Camargo (2002, 1999, 1997, 1996, 1994). O presente estudo 
considerou esses trabalhos anteriores e procurou ampliar o conhecimento que já se dispunha 
sobre essa língua, mas considerando também o conhecimento nativo experiente do autor do 
trabalho com respeito à língua e à cultura de seu povo. 
Não havia ainda um estudo mais aprofundado das classes de palavras do Hãtxa 
Kuĩ, assim como um estudo que descrevesse as expressões de tempo, aspecto, modo e 
modalidade nessa língua. Também pouco se conhecia sobre os ideofones, as interjeições, os 
antropônimos, os nomes de abelhas, dos peixes, sobre os adjetivos e sobre a importância da 
correferência e transitividade nas combinções de orações em Hãtxa kuin. Buscamos nesta 
tese, contribuir para a ampliação do conhecimento desses e de outros tópicos, mas cientes de 
que muito há que se estudar sobre o léxico e sobre a morfossintaxe e sintaxe dessa língua. A 
presente tese considerou também a necessidade de se promover um estudo da gramática da 
língua que fosse de ilid de r s r fess res de líng k e r s es d ntes das 
escolas desse povo no Brasil. Essa foi uma das razões que nos levaram a ilustrar 
 
 
17 
abundantemente os tópicos analisados e a realizarmos uma versão da tese em Hãtxa kuin, de 
forma que ela fosse em todos os sentidos voltada para as necessidades do meu povo. 
0.2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO 
Os dados coletados junto a parentes Huni kuĩ consistiram em entrevistas 
autorizadas por eles sobre conhecimentos tradicionais de diferentes áreas do conhecimento. 
conversas naturais entre adultos, adultos e crianças e entre crianças, relatos míticos, discursos 
cerimoniais, fraseologias, letras de músicas, dentre outros. A maioria dos dados coletados 
foram gravados em sistema de áudio digital e parte deste dados foram também gravados em 
vídeo. 
O estudo fundou-se, além do conhecimento nativo do autor dessa tese sobre sua 
língua, em dados coletados junto a falantes nativos de diferentes faixas etárias, principalmente 
ao longo dos últimos quatro anos, seja por meio de entrevistas orais, questionários escritos, 
seja por meio de gravações de diferentes tipos de fala – conversas, relatos históricos, relatos 
míticos, explicações culturais, recreitas, fala dos professores e de alunos em salas de aula, 
conversas em festas, mutirões, conselhos de pais para filhos, linguagem infantil, baby talk, 
entre outros. 
Fizemos uso de procedimentos analíticos básicos, como contraste de estruturas e 
seus respectivos significados e funções, com atenção voltada também para a 
complementaridade de formas e funções. Observamos os atos de fala e principalmente as 
funções que as diferentes estruturas linguísticas têm no discurso e o que determina a escolha 
de uma ou de outra pelos falantes. 
Foram de importância fundamental para esta tese, os estudos sobre a teoria da 
enunciação de Bienveniste (1966), o estudo sobre categorias lexicais de Eugênio Coseriu 
(1972), por um lado, e complementarmente, o estudo sobre classes de palavras de Andersen 
(1985a, 1985b), e de Shachter (1985). Igualmente importante foram os estudos sobre tempo e 
aspecto (COMRIE, 1976) e modalidade (PALMER, 2002), também os estudo sobre tempo de 
autoria de Dietrich (2012) e Guentcheva (2011, 2012), e a abordagem de estruturas conexas 
por hipotaxis e por parataxis de Foley e Van Valin (1986). Muito importante para o estudo das 
expressões de pessoa e de argumento em geral, foram os estudos sobre ergatividade de Dixon 
(1994) e de Comrie (1987). A nossa análise dos ideofones orientou-se por Kaufman (2009) e 
considerou o estudo de Lima-Kaxinawá e Cabral sobre ideofones em Hãtxa kuin (em 
preparação). 
 
 
18 
De grande valia para a presente descrição gramatical são as teses de doutorado 
sobre línguas Páno de (ABREU 1914; CAMARGO 1994, 1996, 1997, 1999, 2002; 
VALENZUELA, 2002, 2003, 2012; PAULA, 2004; FLECK, 2003; ZARUKIEJ, 2011; e 
OLIVEIRA, 2014). 
0.3 OBJETIVOS 
A presente tese de doutorado tem como seu principal objetivo contribuir para o 
conhecimento linguístico da língua Hãtxa kuĩ, principalmente por ter como referência o 
conhecimento linguístico de falantes nativos dessa língua, entre os quais, o próprio autor deste 
trabalho, que, além de contribuir com a sua vivência e intuições, incluiu novos dados de 
relevância para os estudos de classes de palavras em línguas Páno, ignorados nos trabalhos 
anteriores sobre a língua Hãtxa kuĩ, como detalhes sobre os elementos que compõem a classe 
dos nomes. 
Os objetivos específicos da presente tese são os seguintes: 
Ampliar o conhecimento sobre as classes de palavras Hãtxa kuĩ, com novos dados 
e em uma perspectiva linguística antropológica. 
Apresentar um estudo dos diferentes nomes da língua Hãtxa kuĩ, pondo em relevo 
as relações entre o modo como se organizam e seus respectivos significados, e a cultura 
tradicional do povo Huni kuĩ. 
Descrever as construções focalizadas, as quais constituem um tema ainda não 
explorado devidamente na literatura sobre a língua Hãtxa kuĩ. 
Contribuir para uma descrição do sistema de alinhamento do Huni Kuĩ do Brasil e 
discutir a diferença entre os casos genitivo e ergativo. 
Propor uma análise alternativa das expressões de tempo, aspecto, modo e 
modalidade em Hãtxa kuĩ. 
Descrever os tipos de sentenças complexas obtidos por meio de coordenação e 
subordinação. 
Os resultados dos estudos linguísticos sobre a língua Hãtxa kuĩ têm privilegiado 
as variedades faladas no Peru, além do que a participação Huni kuĩ nesses estudos restringiu-
se de ni k n q lid de de inf rm n es. resen e ese privilegia as variedades Hãtxa 
kuĩ faladas no Brasil e tem como meta a socialização do conhecimento resultante em prol da 
formação de linguistas Huni Kuĩ e o fortalecimento linguístico e cultural desse povo. 
 
 
19 
0.4 ORGANIZAÇÃO DESTA TESE 
A presente tese terá como primeiro capítulo uma introdução contendo 
considerações gerais sobre o trabalho proposto, sobre a metodologia utilizada, sobre o 
referencial teórico, os objetivos e a justificativa do mesmo. Nesta introdução é também 
apresentada a organização da tese em capítulos. O Capítulo 1 versa sobre o Povo Huni Kuĩ. 
Uma pequena introdução é feita sobre as diferentes comunidades Huni kuĩ, o estágio de 
vitalidadeda língua, a distribuição das terras e os principais aspectos socio-culturais desse 
povo que vive no Brasil. O Capítulo 2 trata dos desafios de ensinar e aprender a língua e a 
c l r h k n s escolas do povo Huni kuĩ do Brasil.Tecemos considerações sobre o que 
ensinar na escola, considerando as necessidades do povo Huni kuĩ, como também sobre os 
modos de transmissão de conhecimentos tradicionais e as idades de aprendizagem, segundo 
esse povo. Esta parte coloca em evidência o povo Huni kuĩ a partir da visão de mundo sua, do 
seu conhecimento tradicional, pondo em relevo o que é ensinado nos mitos de origem e que 
preparam as novas gerações para a preservação dos costumes tradicionais e manutenção da 
ordem social Huni kuĩ. 
O Capítulo 3 dá início ao estudo propriamente linguístico, focalizando as classes 
de palavras em Hãtxa Kuĩ. O Capítulo 4 trata de aspecto, modalidade e tempo em Hãtxa kuin 
e o Capítulo 5 trata de alinhamento nessa língua. O Capítulo 6 trata da combinação de 
orações, pondo em foco o sistema de correferência alternada do Hãtxa kuin, e que é uma das 
principais caratrísticas das línguas Pano. Em seguida apresentamos um conclusão da análise 
realizada, as referências das obras que nortearam o estudo, e três anexos, dois dos quais 
ilustrando os tipos de dados que nos ajudaram a descrever aspectos gramaticais fundamentais 
da língua Hãtxa kuin. O último anexo traz fotografias de momentos importantes da pesquisa e 
de pessoas que contribuíram fundamentalmente para a realização do presente estudo. 
 
 
20 
CAPÍTULO 1. 
1.1 UNI UĨ 
Os Huni kuĩ são um povo de origem Pano, que se localiza geograficamente na 
região norte do Brasil, no estado do Acre e no sudeste do Peru. Falam uma língua da família 
linguística Pano (Rodrigues 1986), uma das famílias linguísticas menores da América do Sul. 
No Brasil os Huni kuĩ concentram-se no estado do Acre, onde representam o maior grupo 
indígena em termos populacionais, e estão distribuídos em cinco municípios (Tarauacá, 
Jordão, Feijó, Marecrhal Taumaturgo e Santa Rosa) e vivem nas 100 comunidades/aldeias de 
11 terras indígenas. No Acre, são aproximadamente 11.506 pessoas. Antes do contato com os 
não índios, o número de pessoas Huni kuĩ era muito maior. Com os violentos massacres 
comandados por grileiros e senhores da exploração da borracha peruanos e brasileiros (Cf. 
AQUINO 1982, 1994), foram diminuindo e se dividindo, subindo os rios principais do estado 
do Acre em busca de locais em que pudessem escapar dos inimigos. Nessa fuga os Huni kuĩ 
foram perdendo muitos dos seus conhecimentos tradicionais, sementes e outros bens, 
materiais e imateriais que constituíam o seu mundo social e cultural. 
Com as fugas, as famílias foram se desestruturando e deixando de praticar vários 
de seus rituais e conhecimentos, alguns deles associados ao tempo certo das suas festas, com 
vários significados com os quais se identificavam e que fortaleciam os seus hábitos e 
costumes. Grande parte das práticas culturais e ciências foram sendo abandonadas, por um 
lado porque com a divisão das famílias em fuga, o conhecimento coletivo se fracionava, e por 
outro lado, pela morte de muitos velhos sábios que eram guardiões e repositórios do 
conhecimento tradicional Huni kuĩ. Esses grupos foram sendo dominados pelos patrões 
seringalistas que os obrigavam a trabalhar no barracão, plantando, caçando, viajando, 
servindo de segurança aos seringueiros e obrigados até mesmo a matar os próprios parentes 
para ganhar armas e material de trabalho. Esses grupos não vivendo mais o calendário 
temporal e cultural dos Huni kuĩ deixaram de praticar seus rituais, principais situações em que 
o conhecimento tradicional se perpetua. Muitos dos que sobreviveram aos barracões guardam 
apenas na lembrança de como era o passado Huni kuĩ. Outros, mesmo sob o domínio dos 
patrões seringalistas, faziam suas práticas culturais às escondidas. Também foram 
enfraquecidas as regras tradicionais de casamento, pois famílias refugiadas de uma 
divisão/clã, no decorrer do tempo, viam-se obrigadas a realizar casamentos com a divisão não 
apropriada, mesmos sabendo que fugiam às regras, mas por uma questão de sobrevivência do 
 
 
21 
grupo. Da mesma forma, a língua Hãtxa kuĩ foi sendo pressionada pela língua do 
colonizador, e quando as famílias se comunicavam em Hãtxa kuĩ, os nawa (portugueses ou 
brancos) faziam descaso, depreciavam e falavam para eles falarem direito, certo, como gente, 
e q e n “c r sse gir ”. C m ess s re ress es, s Huni kuĩ foram ficando com medo de 
falar na frente dos nawa e foram deixando também de transmitir a língua materna para seus 
filhos e netos. 
Das 11 terras Huni kuĩ existentes no Acre, em seis delas, em que a pressão da 
sociedade envolvente foi mais intensa, só s m is elh s f l m h k , e as crianças e 
jovens não a falam mais. As festas são feitas com pouca frequência, e mesmo assim por 
motivações externas, como por exemplo, quando recrebem visitantes de fora. 
Percebe-se que entre vários grupos Huni kuĩ a vida e cultura não são mais as 
mesmas. Muita coisa mudou, a convivência social, a alimentação, as plantações, as 
construções de casas, as sementes tradicionais reduziram-se, o tratamento social, os 
casamentos, as festas, os artesanatos e a língua oral. 
Por outro lado, outros grupos Huni kuĩ mesmo em constante contato com os não 
índios, dominando a língua e a cultura destes, ainda detêm conhecimentos tradicionais como 
danças, músicas, artes e a língua Hãtxa kuĩ. 
Já com quase aproximadamente duzentos anos de contato, o povo Huni kuĩ tem-se 
organizado cada vez mais para manter os conhecimentos tradicionais e, assim, transmiti-los 
para os jovens, que futuramente serão os que irão continuar a praticar esses conhecimentos. O 
maior desafio do povo Huni kuĩ é manter esses conhecimentos, mesmo adquirindo novos 
conhecimentos e tecnologias do mundo que nos cerca. 
Os Huni kuĩ vêm se organizando através de suas respectivas associações 
comunitárias fortalecidas com a implantação de escolas nas comunidades. Hoje são 13 
associações, 100 escolas e 165 professores Huni kuĩ. Definiu-se que os conhecimentos 
tradicionais sejam ensinados nas escolas como uma disciplina obrigatória, para que os alunos 
Huni kuĩ passem a dominar muito bem os dois conhecimentos – o conhecimento dos Huni kuĩ 
e o conhecimento dos nawa; na escrita, na oralidade e nas práticas nas duas línguas (Hãtxa kuĩ 
e Português). Assim, pretende-se garantir a manutenção dos conhecimentos tradicionais desse 
povo e, com isso, garantir igualmente as histórias dos nossos ancestrais, verdadeiro povo 
brasileiro que ajudou a crescer e a povoar o estado do Acre na sua revolução. 
 
 
 
22 
Figura 1 – Localização das Terras Huni kuĩ do estado do Acre (balões vermelhos), extraído do Atlas 
Geográfico do Acre, CPI/ACRE, 1995. 
 
 
As terras em que a maioria dos seus respectivos habitantes é falante língua Hãtxa 
kuĩ são as seguintes: 
1 - Rio Jordão 2.419 
2 - Seringal Independência 515 
3 - Rio Breu 554 
4 - Alto Purus 2.837 
5 - Carapanã 602 
Total 6.927 (2014)
1
 
 
 
 
 
1
 Os cálculos feitos por nós em 2014, professores Huni kuĩ , apontam para uma população atual de 
aproximadamente 11.506 pessoas, só no Brasil. Entretanto, como essa soma inclui Huni kuĩ urbanos e como não 
sabemos ainda quantos deles vivem nas Terras Indígenas, preferimos manter o último senso. 
 
 
23 
1.2 ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DO POVO HUNI KUĨ 
1.2.1 erras onde a maioria dos uni kuĩ é falante de Hãtxa kuĩ 
A língua Hãtxa kuĩ é falada nas seguintes TIs e sofre graves pressões do 
Português que a leva lentamente à obsolescência. 
Regiões em que vivem os Huni kuĩ do Brasil: 
 
Tarauacá 1.754 pessoas 
Jordão 2.934 pessoas 
M. Thaumaturgo 554 pessoas 
Feijó 2.331 pessoas 
Santa Rosa 
 
3.300 pessoas 
Totalgeral 11.969 pessoas (2014) 
 
 
Os Huni kuĩ que vivem nas cidades: 1.096 pessoas. 
Total: 11.214 Huni kuĩ 
 
Em seguida apresentamos o número de pessoas de cada TI, nas quais os jovens 
estão deixando de se comunicar em Hãtxa kuĩ. 
 
1 – Humaitá 277 
2 - Igarapé do Caucho 702 
3 - Colônia 27 173 
4 - Seringal Curralinho 126 
5 - Novo Olinda 705 
6 – Paroá 1.500 
Total 3.483 
 
 
 
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CAPÍTULO 2. DESAFIOS DE ENSINAR E APRENDER A LÍNGUA E A 
CULTURA H KUĨ NAS ESCOLAS DO POVO HUNI KUĨ DO BRASIL 
2.1 O QUE ENSINAR 
Pensar no ensino da língua e da cultura do povo Huni Kuĩ req er rimeir men e 
 ri riz d c ncei ni k e d s his óri l ng d r cess ed c ci n l. E sua 
história inclui as necessidades oriundas do próprio contato do povo com a sociedade brasileira 
em geral. 
2.1.1 Etnônimos 
Huni Kuĩ é a expressão auto-denominativa mais usada atualmente por esse povo, a 
q l signific ‘gen e erd deir ’. En re n , s Huni kuĩ também usam como expressões 
autodenominativas, nuku kuĩ ‘nós mesm s’, nuku kaya ‘c m n ss c r só nós’, e 
para referir-se aos falantes de línguas Pano mais próximas, usam a expressão nuku betsa 
‘n ss r n ss irm ’. Os Huni Kuĩ se referem aos não indígenas por meio da 
expressão raku nawá ‘ es id ’, sej , embr lh d c m ecid , mas atualmente a 
expressão mais usada para se refrirem aos indígenas é “n wá”. 
Os Huni Kuĩ, ao longo da história do contato com os ocidentais, foram chamados 
 ej r i men e de in wá ‘ gri d r’, rq e s Huni kuĩ, quando estão reunidos, no 
trabalho coletivo ou em festas, estão sempre gritando e buzinado com os dois instrumentos de 
sopro, o umu ‘fei de cerâmic ’ e yaiina ‘rabo de tatu’, que contém em seu interior um 
pedaço de taboca. 
Foram também chamados de shete ‘ r b ’ de pisi nawá, q e q er diser ‘povo 
com cheiro de carniça, ou povo fedido’. O n me q e m is se dif ndi f i Kaxi nawá ‘ d 
m rceg ’ q e mbém s b endi q e er m c med r de c rne h m n , c m m i 
de morcego que suga seres humanos. 
Entretanto, os Huni kuĩ não comiam cadáveres, nem tão pouco carne humana crua, 
no sentido banal do verbo comer. Apenas possuiam rituais de passagem, nos quais, por meio 
de cerimônias espefícas, incorporavam qualidades ou substâncias de um morto, de acordo 
com as suas necessidades socio-culturais. 
Havia e há entre os Huni Kuĩ, pessoas importantes, detentoras do conhecimento 
tradicional, conhecedores das regras que mantêm a unidade da sociedade Huni kuĩ, como os 
conhecedores das músicas, das plantas medicinais, das flechas e plumagens, da história da 
 
 
25 
origem, dos ritos e de como se processam os rituais. Comer da carne de uma pessoa sábia e já 
morta em rituais de passagem específicos, um Huni kuĩ estaria impedindo que o espírito do 
morto levasse consigo a sua sabedoria, pois esta tinha que ficar com uma das pessoas da 
aldeia. 
2.1.2 Um pouco sobre o ritual da incorporação 
O conhecedor de remédios da mata rau takabuya escolhia uma pessoa gorda, 
homem ou mulher, para que seu cadáver o alimentasse, pois o espírito dos remédios 
precrisava se alimentar dessa carne. Essa era uma forma de os espíritos das plantas não se 
afastarem do rau takabuya. 
Quando alguém era sacrificado e ao morrer ficava com os olhos abertos, 
significava que estava adivinhando a morte de outra pessoa, que deveria morrer logo depois. 
Quando ficava de boca aberta, adivinhava que uma pessoa mais próxima iria morrer. Se fosse 
homem, seria sua mulher a próxima pessoa a morrer. Mas se fosse uma viúva ou viúvo, 
estaria adivinhando a morte de um filho. 
A carne do morto era ingerida cozida. Se durante o cozimento a panela se partisse 
ao meio, significava que o morto não queria ser o único a ser comido, queria mais pessoas 
com ele. Queria mais companheiros de cozimento, acompanhantes da festa espiritual da qual 
participavam, pois este era o pensamento entre os uxĩ “s mbr , lm ”, os que eram viventes 
do mundo dos mortos. 
Partindo-se a panela, o huni rau takabuya – o homem que usa as plantas 
medicinais para matar –, já era avisado pelos espíritos sobre quem ele iria selecionar para 
matar. Se ele não tivesse em mente quem iria matar, ele iria procurar vítimas, como mulheres 
novas com quem ele iria primeiramente tentar namorar, mas se estas recruzassem a sua 
empreitada, já ficavam sob à sua mira. 
Também saía em busca das coisas boas e bonitas das pessoas da comunidade. Mas 
aquelas pessoas que não quisessem dar objetos para ele, seriam as marcadas como alvos para 
a próxima festa da morte. 
Os ossos da pessoa incorporada eram bem guardados para a segunda etapa da 
festa, que ocorria no mês seguinte. Esses ossos eram assados e tostados para serem pilados. 
Enquanto isso, as famílias mais próximas do morto caçavam, sendo que as mulheres faziam 
fubá de milho e também massa de mandioca para o preparo da sopa à qual se adicionava o pó 
dos ossos e as carnes das caças. Antes de começarem a comer a sopa, choravam tanto quanto 
 
 
26 
choravam na hora da partida do morto, falando e comentando sobre os feitos deste quando era 
vivo. A sopa era então dividida em porções e colocadas em vasos, que eram distribuídos 
primeiramente aos familiares mais próximos. Após esse ritual de incorporação, continuavam 
chorando até o dia seguinte. Nessa música de choro, chamavam os animais para perto de casa, 
pedindo para que o espírito do morto trouxesse as caças para perto da comunidade, para que 
os próximos rituais de morte fossem animados e com fartura de carnes de caças. 
Quando os Huni kuĩ morriam ou quando eram mortos por rau takabuya, todos os 
pertences deles eram destruídos – quebrados e/ou queimados – e enterrados com ele. Alguém 
que quisesse ficar com algum pertence do morto, tinha que pedir antes do último suspiro do 
agonizante, seguindo a seguinte fórmula discursiva: 
- Vou ficar (com os pertences) e cuidar muito bem deles! (se não fizer isso o 
espírito do morto, uxĩ, ficava perturbando as pessoas da família, perguntado 
sobre os pertences que ficaram). 
 
Quando uma pessoa estava muito doente, já com sinal de morte, as pessoas mais 
próximas da família – filhos, noras, netos, entre outros –, eram notificados a respeito do 
estado do sacrificado para virem visitá-lo. 
Quando morria uma pessoa, os discursos sobre os feitos do morto eram feitos 
durante toda a espera da chegada dos familiares. Punham em evidência seus feitos, tudo que 
gostavam de fazer e, aos poucos, iam começando a destruir as coisas do morto, uma atrás das 
outras em ritmo de dança. 
Quando morria uma pessoa que era chefe de aldeia, an  ibu, ou um sábio que 
conduz as práticas culturais, ubuwã ‘c s gr nde r dici n l’ ‘cupichaua (regionalismo 
acreano)’, c s er q eim d c m d s s er ences d m r , e d í eles r c r m r 
local para construir novos ubuwã para plantar e fazer roçados de legumes. Mudavam de local 
de habitação para esquecer mais rápido o morto, pois se morassem no mesmo lugar, a 
impressão era a de que o morto estaria sempre presente nas atividades que faziam no dia-a-
dia. 
Mudando-se para local novo, não havia a impressão de que se lembrariam do que 
o finado fazia quando era vivo. Essa prática de mudança de local de morada após a morte de 
 lg ém ind é “ i ” em m i s f míli s de h je. e c rre f lecimen de m ren e 
próximo, saem da aldeia e procuram outro local mais distante. Essa é uma das razões pela 
 
 
27 
qual os Huni kuĩ estão sempre de mudança, embora não pratiquem mais com intensidade a 
prática de destruição dos bens do morto. 
Os filhos de quem morreu, ou a viúva ou viúvo do finado ou da finada praticam a 
pintura corporal para esquecer a tristeza e espantar o uxĩ, que é o espirito do corpo e da 
mente do morto. Os filhos fazem dois tipos de pintura, além de rasparem a cabeça: pintam de 
jenipapo o corpotodo, ou só uma parte deste. A mulher do morto se pintava ou com jenipapo 
ou com urucum, por um certo período. Eram essas práticas realizadas, vistas e vividas pelos 
jovens, que as perpetuavam. 
2.1.3 A transmissão dos conhecimentos na cultura Huni kuĩ 
Os Huni kuĩ transmitiam o seu conhecimento da seguinte forma: (a) pessoas 
escolhidas aprendiam conhecimento especializado, que lhes era reservado, e (b) certos 
conhecimentos eram coletivos, ensinava-se tanto aos de casa quanto às pessoas escolhidas 
pelos sábios e pelos chefes de famílias mais próximas. Essa transmissão coletiva era feita 
visando a participação de todos – crianças, jovens e adultos. Ela se dava também através das 
seguintes festas: 
kata nawá (festa do milho verde) 
ti ĩ (festa de pena do gavião real) 
nipu pima (festa de pintar os dentes na adolescência) 
bunawa (festa da banana) 
2.1.4 Trabalho do dia a dia dos homens e das mulheres e a antroponímia Hãtxa Kuĩ 
Os agentes de transmissão de conhecimento mais característicos dos Huni kuĩ são 
os conhecedores da origem e do pertencimento clânico de cada um. Esses agentes são também 
os que sabem a quem dirigir o conhecimento das plantas medicinais, e quais são os alvos do 
ensino, que podem ser homens ou mulheres. Já os conhecimentos tecnológicos, como os 
relativos à construção de barcos, de casas, de roças, da fiação, da produção de tintas, assim 
como os conhecimentos relativos às artes musicais, à arte do grafismo, da cerâmica, entre 
outros, são dirigidos à comunidade em geral. Sempre foi assim, até hoje. 
Os Huni kuĩ transmitem os conhecimentos sobre a sua vida social principalmente 
em casa, que é o lugar preferencial para as crianças aprenderem com suas respectivas 
famílias, vendo, ouvindo e fazendo o que são instruídos a fazer. Assim, as crianças vão 
aprendendo desde cedo os desejos dos pais, das mães e das avós de que elas perpetuem a 
 
 
28 
cultura do seu povo. Quando os avós participam do processo de ensino-aprendizagem, a 
criança aprende muito mais coisas básicas da cultura, antes de serem selecionadas para outras 
aprendizagens específicas da vida social Huni kuĩ. 
Os sábios dos conhecimentos Huni kuĩ não se oferecrem para ensinar o que 
sabem. Os jovens e suas respectivas famílias é que devem procurar os sábios e estimulá-lo a 
repassar os conhecimentos mais específicos para a vida de um adulto, de forma que este 
entenda, domine e pratique o conhecimento nos momentos certos. Assim, por exemplo, o 
aprendiz deve saber como usar as plantas medicinais para curar uma doença, quando 
procurado pelo doente ou por sua família. E para que quando ele não conseguir a cura do 
doente não seja acusado de tê-lo feito piorar ou mesmo morrer. 
Os sábios têm essas noções porque, muitas famílias de pessoas doentes têm sido 
pressionadas ou acusadas quando o doente não restabelece a saúde ou quando chega a 
morrer. Assim, quando as famílias de um doente procuram o curador, há acertos sobre a 
possibilidade de não haver cura total ou parcial. E aí o doente ou a família se compromete, 
antes do início do processo de cura, de não acusar o curador em caso de falha do processo. 
2.1.5 Ensinamento de acordo com classe de idade 
Os processos de ensinamentos sociais do povo Huni kuĩ são, em princípio, 
coletivos e dirigidos a toda a comunidade. 
A criança, desde cedo começa a praticar os ensinamentos. Há entretanto, algumas 
restrições de idade. Por exemplo, há algumas danças e músicas que não devem ser aprendidas 
pelas crianças pequenas, de sorte que são praticadas durante a madrugada, que é o intervalo de 
tempo em que estão dormindo.Um exemplo dessas músicas é a música katxa nawá, que os 
homens e as mulheres cantam para provocar uns aos outros. Trata-se de música cujo texto fala 
de intimidades e são estimuladoras de sexo. Quando começam a cantar a música, as mulheres 
fazem um rolo de palha seca, que serve de tocha de fogo para esquentar/queimar as pernas dos 
homens que podem namorar/ou casar. Os sábios orientam para que as famílias guardem esse 
ensinamento para quando os aprendizes estiverem em idade de namorar e casar, garantindo 
que a aprendizagem dessa pática cultural ocorra na idade certa, daí a prática ser restrita à 
madrugada. 
Quando se trata da aprendizagem de música que faz com que o espírito de um 
morto caminhe seguindo o seu destino sem obstáculos, é exigido que o aprendiz tenha uma 
boa audição, pois a música tem que ser bem aprendida e executada. Essa música é cantada em 
 
 
29 
uma cachoeira de igarapé ou de rio, e nem os animais podem ouvi-la, muito menos os 
humanos que não são escolhidos para fazer esse tipo de celebração aos mortos. Dessa música, 
na atualidade, só alguns dos mais velhos sabem alguns trecrhos. 
Segundo Maru, cujo nome em Português é Miguel Macario, já com os seus 87 
anos de idade, e que é um dos últimos Huni kuĩ que domina alguns trecrhos das músicas mais 
tradicionais, os sábios não cantavam mais do que três vezes quando ensinavam. Ele 
argumenta que aprender músicas como a do kata nawa não era para qualquer um, só para as 
pessoas que tinham muita vontade de praticá-las, tendo em vista a função que essas pessoas 
exerciam na sociedade. Os que eram escolhidos como futuros detentores desse ensinamento, 
não podiam falar alto, rir alto e tinham que tomar banho com cuidado. Deviam cantar um 
pouco antes de dormir e ao acordar, antes de fazer qualquer coisa. 
Quando se tratava de velório, o mestre convidava os aprendizes a cantarem no 
momento certo, e eram supervisionados pelo mestre. Se um aprendiz cantasse de forma 
apropriada, era elogiado e já poderia participar dos velórios sem acompanhamento. Se não 
cantasse certo, era convidado a ir ao mesmo lugar, para que ouvisse o sábio cantar mais uma 
vez. 
2.1.6 Rituais de transmissão de conhecimentos 
A transmissão de conhecimentos tradicionais obedece a um ritual. Assim, é 
necessário que o mestre passe pimenta malagueta na boca dos jovens que pretendem aprender 
as músicas difíceis. O sábio canta o canto dos animais que gritam alto enquanto vai passando 
a pimenta na ponta da língua do aprendiz. 
Quando se trata de garantir a boa memória, a visão clara, o sentir apurado e o 
poder de adivinhar, o mestre passa o sumo da folha de uma planta específica no olho do 
aprendiz, que pode ser, por exemplo, uma jovem que quer ser boa na tecelagem (com algodão, 
palhas ou cerâmica). O mestre procura uma mulher que seja profissional nessa arte e pede 
para que ela coloque o sumo (líquido, caldo, ou seiva) na vista da aprendiz. Enquanto a 
detentora ou detentor do conhecimento está colocando o sumo nos olhos do aprendiz, o sábio 
canta uma música falando dos animais e insetos que são motivos gráficos das pinturas. 
Para um jovem ser bom caçador, há que proceder de forma similar. Um bom 
caçador deve ser o que vai ser alvo do sumo das plantas que amansam as caças. Este caçador 
deve ser também adivinhador dos lugares mais próximos onde há caça. 
 
 
30 
Depois dessas etapas é que são iniciados os ensinamentos. Os sábios são 
responsáveis por repassar os conhecimentos aos homens e as sábias ficam responsáveis por 
ensinar os conhecimentos às mulheres. Os sábios são respectivamente o pai e a mãe. Assim o 
povo Huni kuĩ vai ensinando e aprendendo ao mesmo tempo, de forma que todos tenham o 
mesmo domínio dos conhecimentos. 
Como já dissemos anteriormente, a escolha dos aprendizes com respeito a certos 
conhecimentos é seletiva. Há que se considerar como o candidato fala, como come, o que 
gosta de fazer, como se relaciona com as famílias, o que fez na infância e por que quer 
aprender tal conhecimento. 
Para o povo Huni kuĩ há dois ensinamentos muito restritos que são ensinados só 
para pessoas “es eci is”: m deles ser e r q e m lher n engr ide, r é s d 
para matar pessoas usando as plantas medicinais. A planta para não ter filhos não podia ser 
conhecida porqualquer mulher, principalmente as jovens Só eram ensinadas a mulheres que 
não podiam ter mais filhos e que se comprometiam a não ensinar às mulheres novas. Essa 
prática era aplicada só para as mulheres que tinham os partos de risco ou quando a família 
(pais e mães) não queriam que ela/ele tivesse mais filhos. Aí o produto era aplicado, mas em 
sigilo absoluto e eram requeridas dietas, nas quais havia a proibição de comer doces e carnes, 
e de não ter relações sexuais por um período de seis meses. 
As plantas usadas para matar, eram ensinadas para o irmão, filho(a), ou neto(a) da 
pessoa de maior confiança. Tudo era feito em sigilo, pois ninguém podia saber que esse 
conhecimento estava sendo ensinado alguém. Se os que são contra essas práticas viessem a 
saber, o ensinador corria o risco de ser morto, assim como o aprendiz. Este tinha que passar 
por umas experiências de adaptação de algumas alimentações, amizades e trabalhos. Quanto à 
alimentação, não podia comer carnes, coisas doces e perfumadas, nem ficar perto de crianças 
e mulheres. Ele só podia comer banana verde cozida com amendoim, e mingau de banana ou 
de milho torrado. Quando ele se aproximava da planta, tinha que trabalhar muito, cortando 
lenha, carregando muito peso para suar bastante, pois isso lhe fazia bem e também ganhar 
resistência para manter contato com a planta. Na outra fase desse contato, o aprendiz devia 
pegar a folha da planta e prepará-la com o auxílio do sábio até terminar. Depois disso, ele 
redobrava a atividade física para adquirir mais resistência e para não sentir os efeitos da planta 
“m r ífer ”. C m re ro feito, ele procurava testar a porção, ou fazendo uma pessoa ou um 
animal (cachorro, por exemplo) ingerí-la, ou passá-la na pele ou no objeto com o qual a 
pessoa-alvo teria contato físico. O veneno bem feito era o que matava em 24 horas. Se no 
 
 
31 
teste fosse comprovada a morte rápida, o aprendiz já poderia usar o preparo para matar quem 
ele quisesse, mas podia esperar para usá-lo quando fosse mandado por alguém para matar. 
Os conhecimentos Huni kuĩ, eram e são ensinados dessa forma para os jovens com 
interesse em aprender os conhecimentos mais restritos da sua sociedade. 
Ressaltamos que os sábios têm as suas regras de restrições que proíbem a 
transmissão de conhecimentos para qualquer um, mas se esforçam para repassá-lo para as 
novas gerações, de forma que o conhecimento continue circulando e sendo útil para as suas 
finalidades sociais, garantindo assim que os que aprenderem usem os preparos medicinais de 
forma correta, sem criar polêmicas nas suas respectivas comunidades. 
2.1.7 As perdas 
O povo Huni kuĩ quando foi contatado pelos colonizadores – seringalistas e 
caucheiros peruanos no final do século XVII, foram subindo os rios principais até às 
cabeceiras destes. Das lembranças que os mais velhos ainda guardam, principalmente alguns 
idosos que vivem nas regiões do Purus (Peru) e do Juruá (Jordão), ressaltamos a de que os 
Huni kuĩ moravam na beira de um rio muito largo, tão largo que poucas aves e pássaros 
conseguiam atravessar para o outro lado. Esse rio se chamava kuşu pu inia, que significa que 
o pássaro cujubim caiu quando tentava atravessar o rio. Ao se ouvir trecrhos das histórias, dá 
para se imaginar que os Huni kuĩ moravam no rio Amazonas,Solimões ou no Ucaiale. 
Saindo desse rio largo por conta dos raku nawá, ‘ es id /enr l d c m 
roupas’, c me r m erder m i s d s se s bens, c m semen es r dici n is, l n s 
medicinais uati rau ‘ l n s c r d r s’ q e s rauya usavam para fazer os tratamentos das 
doenças Huni kuĩ. Perderam os vasos de cerâmica grandes (pois não tinham como levá-los), 
assim perderam as tintas feitas das cascas e de folhas, entre outros bens. Depois de cada 
mudança que faziam, eram geralmente atacados. Assim eles foram perdendo cada vez mais 
seus objetos tradicionais, os conhecimentos de muitas práticas que faziam no seu dia-a-dia. 
Com os ataques sofridos, as famílias começaram a se dividir na esperança de 
escapar dos invasores que os atacavam. Na intenção de se esconder melhor dos invasores, os 
Huni kuĩ começaram a procurar fazer casas longe do rio largo, nos lugares mais altos da terra 
firme, mas perto de igarapés. Enquanto parte das famílias iam se estalando nas beiras dos 
igarapés, os que ficavam nas beiras de rios largos, eram os que eram atacados em primeiro 
lugar. Ouvindo os tiros dos ataques, os que estavam na terra firme fugiam para mais distante. 
Foi dessa pática que surgiu a palavra correria. Com as correrias os Huni kuĩ foram se 
 
 
32 
dividindo e criando outros grupos de Huni kuĩ, assim como novas tecnologias e novos modos 
de vivência, que se refletiam na cultura renovada (modificada). 
Nessa correria ocorrida no final do século XIX, os invasores seringalistas do 
Brasil se encontraram com invasores peruanos caucheiros na cabeceiras dos rios Envira 
(Baria) e Juruá (Tĩt n). Com a presença dos caucheiros, o povo Huni kuĩ continuou se 
dividindo muito mais, e muitas famílias foram pegas, tanto no Brasil pelos seringalistas, 
quanto no Peru por caucheiros peruanos. Os que não queriam fazer contato iam para as 
cabeceiras do rio Purus e do rio Curaja no Peru. Estes últimos foram anos depois contatados 
pelos missionários peruanos. 
Essas divisões foram fatais para os Huni kuĩ, os quais perderam muito dos 
conhecimentos culturais e recrriaram um novo modo de viver, mediante a pressão das novas 
situações de contato com ocidentais. Assim os Huni kuĩ perderam muito de suas práticas 
milenares. Os rituais e outras práticas anuais ou mensais não foram sendo mais praticadas 
pelos sábios, e os neo-colonizadores exigiam dos homens Huni kuĩ que trabalhassem como se 
fossem escravos, sem que mesmo tivessem tempo para praticar e ensinar seus conhecimentos 
tradicionais. 
No Brasil, os Huni kuĩ foram considerad s s “ e es” d sering . Eram eles que 
abriam os seringais, as colocações, os ramais e as estradas de seringa. Eram eles que 
conheciam os caminhos e igarapés. Muitas famílias tinham que ocupar uma colocação para 
cortar seringa, tendo que andar várias horas ou dias. E, para a cultura Huni kuĩ, ficar distante 
da família significava sofrer perdas muito grandes dos seus conhecimentos culturais. Assim 
não tinham mais condições de fazer as festas verdadeiras que duravam várias semanas com 
muitas comidas. O que faziam nessas condições era apenas uma amostra de suas práticas 
culturais, cantando pouco, com poucas músicas, por exemplo, pois já não tinham mais 
cantores especializados. Mas também porque no dia seguinte teriam que trabalhar muito cedo 
para o patrão. Estes os chamavam de preguiçosos se fizessem festas de muitos dias. 
As famílias que se agrupavam em uma colocação enfrentavam o problema de 
casamento permitido pela cultura Huni kuĩ. O casamento que é definido pela cultura Huni kuĩ 
é o que se dá de acordo com a divisão clânica apropriada. Como em um grupo pequeno não 
dava para fazer isso, quando os rapazes e moças tinham vontade de casar, tinham que 
recrorrer ao casamento não apropriado, mesmo as famílias não gostando do casamento, pois, 
de toda forma, as pessoas tinham que casar. Com o casamento não apropriado, os termos de 
 
 
33 
tratamentos familiares e os nomes próprios foram se modificando. Vejamos em seguida como 
funcionava o sistema de casamento tradicional. 
2.1.8 Consanguinidade e casamentos 
O povo Huni kuĩ dá um nome à pessoa logo que ela nasce. Deve ser um nome de 
um dos dois clãs a que pertence à pessoa, o clã Inu (Homem) / Inani (Mulher), ou o clã Rua 
(homem) / Banu (Mulher) 
 
 Homem Mulher 
A Inu Inani 
B Rua Banu 
 
A só casa com B, ou seja, um homem Rua só casa com mulher Inani (anu 
‘m lher c m q em se de c s r’) e um homem Inu só casa com mulher Banu (anu). 
Cada subclasse tem seus próprios nomes próprios, mas cada pessoa pode receber 
vários nomes aolongo de sua vida, desde que relacionados ao seu clã. Os nomes só podem ser 
dados a quem é gerado de uma união de Rua com Inani. Se um Rua casa com um Banu, o 
filho dessa união não é nem Rua nem Inu. Pode até recreber um nome, mas não é tratado nem 
como Rua nem como Inu, fugindo assim do padrão cultural do povo Huni kuĩ. 
O primeiro filho de um casal recreberá o nome do avô do pai, se for homem, e o 
nome da avó materna, se for mulher. 
Os filhos seguintes seguem a seguinte regra: os homens dão os nomes de seu pai e 
tios paternos a seus filhos homens, e as mulheres dão o nome de sua mãe e das irmãs destas às 
suas filhas. Caso o homem ou a mulher não tenha respectivamente muitos tios e tias, os dois 
têm direito de dar outros nomes, mas dentro da tradição clânica. Se uma mulher é Inani, o 
nome de seu filho homem tem que ser nome de Rua ou sendo mulher, nome de Banu. Sendo a 
mulher Banu e o Homem Inu, os filhos desta podem recreber apenas nomes Inu (filho 
homem) e Inani (filha mulher). 
Também é permitido que se nomeie os filhos com os próprios nomes dos pais. 
Quando o homem e a mulher fazem essa opção, ela é vista como uma demonstração da 
amizade entre os dois. O casamento, seguindo a tradição, mantém viva a terminologia de 
parentesco que respeita a divisão Rua e Inu. Se os casamentos não respeitarem as regras, os 
 
 
34 
nomes próprios e os termos de parentesco perdem seu significado e refletem a desestruturação 
das regras tradicionais que caracterizam a sociedade Huni kuĩ (ver Capítulo 3 sobre os 
antropônimos Huni kuĩ). 
 
 
 
 
 
 
35 
CAPITULO 3. CLASSES DE PALAVRAS 
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
Neste capítulo, tratamos das classes e subclasses de palavras da língua Hãtxa kuĩ. 
Descrevemos as classes de nomes, de verbos, de adjetivos, de advérbios, das posposições, das 
conjunções, das interjeições, dos ideofones e das classes de palavras que codificam tempo, 
aspecto, modo e modalidade. Consideramos que as classes dos nomes, dos verbos e dos 
ideofones são todas classes abertas. Um dos últimos novos elementos que entraram na classe 
dos nomes do Hãtxa kuin foi, por exemplo, a palavra roiti, palavra adotada do Português 
‘d en e’, adaptada à fonologia Huni kuin. Outra palavra adotada e fonologicamente adaptada 
foi buyu, de ‘b i’ do Português. 
A descre er s cl sses de l r s d líng k , nosso objetivo foi 
mostrar que há palavras monomorfêmicas e palavras complexas, e a análise destas últimas 
FOCalizou os significados de seus morfemas constituintes, com ênfase nos elementos 
formativos com funções relacionadoras, como os casos genitivos, ergativo, acusativo, 
absolutivo, associativo e instrumentivo, pela importância que têm na morfossintaxe da língua. 
O estudo das classes de plavras do Hãtxa kuĩ, como toda a análise linguística aqui 
apresentada, seguiu uma metodologia contrastiva e adotou critérios distribucionais, e 
orientou-se por abordagens teóricas de autores distintos que trataram de tópicos presentes em 
 k j d nd -nos a entendê-los com clareza, sobre os quais faremos referência no 
decorrer desse estudo, quando pertinente, embora ressaltemos, desde já, que seguimos Coseriu 
(1972) em vários aspectos da presente análise das classes de palavras, como também em 
Shachter (1985). Partimos da concepção de que há funções universais que se realizam de uma 
forma ou de outra em toda língua – nome, verbo adjetivo e advébio. Como veremos nas 
próximas seções, os elementos dessas classes têm carcaterísticas específicas de línguas Pano e 
algumas próprias do Hãtxa kuĩ (cf. Everett 2012:196). É mister ressaltar que nossa abordagem 
concebe a cultura huni kuin como a base da estruturação da gramática Hãtxa kuĩ, seguindo 
Everett (2012:196). 
3.1.1 Nomes 
A classe de nomes do Hãtxa Kuĩ reúne todos os elementos que possuem um 
referente, os quais podem ser +/- humano e +/- animado. Estes podem ser concebidos tanto 
c m end m c ns i i físic , c m ‘h mem’,‘c s ’, ‘c br ’, ‘cé ’, ‘ág ’, ‘fri ’, 
 
 
36 
‘c l r’, c m men l/em ci n l, is q is ‘s d de’, ‘r i ’, ‘q erer bem’, ‘ legri ’, 
‘ ris ez ’, ‘n j ’. lém d s es ecificid des semân ic s d s se s res ec i s referen es, s 
nomes funcionam na sintaxe como núcleo de construções genitivas, como complemento de 
posposições, como sujeito de verbos intransitivos e objeto de transitivos, como agentes de 
verbos transitivos e, uma determinada classe de nomes funciona como vocativo. Se 
distinguem das demais classes por se combinarem com sufixos casuais. 
3.1.1.1 Morfologia do Nome 
Em Hãtxa kuĩ, a morfologia nominal é praticamente toda sufixal, a exceção são os 
segmentos que têm sido chamado na literatura Pano de prefixos de partes do corpo, mas há 
que avaliar o estatuto desses segmentos, de modo a comprovar definitivamente se são 
resíduos hitóricos ou morfemas produtivos na atualidade. Nomes recrebem morfologia 
derivacional e morfologia flexional. Uma base nominal que pode ser uma única raiz, ou o 
resultado de uma composição por justaposição de um nome a outro nome, de um nome a um 
adjetivo, de um adjetivo a outro adjetivo, de um nome a um verbo e de um verbo a um nome. 
Os sufixos derivacionais contribuem com as categorias de aspecto nominal, como 
“Es d de e is ênci d s seres” – atual, retrospectivo e prospectivo –, de “in ensid de” – 
 en i e in ensi , de “númer ” – sozinho e coletivo –, e de “ priva de r ried des” 
– atributivo e privativo. 
3.1.1.1.1 “Estado de existência dos se es” 
Em Hãtxa Kuĩ, todos os referentes dos nomes são vistos de acordo com o seu 
estado de existência, seja este “atual”, “retrospectivo” ou “prospectivo”. Em estudos 
 n eri res s bre f míli P n , c gn s desses s fi s f r m ch m d s de “ em 
n min l”. N n ss nálise vimos esses morfemas como expressão de aspecto nominal, pois 
fazem referência ao estado de existência e não ao tempo propiamente. Dessa forma, toda base 
nominal se combina com um dos morfemas que contribuem com o significado de estado de 
existência: 
 
- ‘ l’ 
-ini ‘re r s ec i ’ 
-itiru ‘ r s ec i ’: 
 
 
 
37 
“Es d de e is ênci l” 
O “es d de e is ênci l” é m rc d el m rfem - e significa que o ser 
existe no tempo focalizado, que pode ser o agora, ou um momento outro já ocorrido, mas 
visto como atual em intervalo temporal definido: 
1) 
-ã hiw- haw -rua 
1-GEN casa-ABS bonita-EST 
‘minh c s é b ni ’ 
 
Em um diálogo que se passa em época passada entre personagens já falecidos, 
quando alguém usa uma expressão de parentesco, esta está no estado de existência atual, a 
menos que na ciscunstância do diálogo, o referente do nome já não mais exista, seja porque 
teria falecido ou, no caso de cônjuge, também quando tenha havido separação: 
2) 
-ã ibu- nuku u 
1-GEN pai-ABS chegar RECR 
‘me i cheg ’(diál g c rrid há c s h r s d r n e di ) 
 
O nome ibu do extrato de uma conversa reportada, ilustra o fato de que um nome 
pode RECReber o caso atual se, na circunstância do discurso, o seu referente estaria vivo e 
exerceria o estatuto conferido pela semântica do nome. Entretanto, quando alguém se refere 
ao pai já morto, por exemplo, a palavra pai RECRebe o sufixo correspondente ao estado de 
existência retrospectivo: 
3) 
-ã ibu-ini nuku u 
1-GEN pai-retr chegar RECR 
‘me e - i cheg ’ (falando sobre a chegada do pai falecido no passado) 
 
“Es d de e is ênci re r s ec i ” 
O “es d de e is ênci re r s ec i ” é q ele q e c rres nde es d de 
morto ou acabado de um ser, mas também ao estado de um ser que perdeu uma determinada 
função ou algum atributo. Ressaltamos que o estado de existência retrospectivo, assim visto, 
também põe em relevo que uma função original de um ser foi ou está desatualizada. 
 
 
38 
4) 
-ã hiw haw rua-ini 
1-GEN casa bonita EST-RETR 
‘minh c s er b ni ’ 
 
Nesse exemplo, acasa continua a existir, mas não na qualidade de bonita, 
enquanto que no exemplo seguinte, a casa pode até continuar sendo bonita, mas não existe 
mais na função de casa, em relação ao determinante de primeira pessoa. 
5) 
-ã hiw-ini haw -rua 
1-GEN casa-RETR bonita-EST 
‘minh e -c s b ni ’ 
 
“Es d de e is ênci r s ec i ” 
O es d de “e is ênci r s ec i ” é m rc d n n me q nd se r je 
existência de um ser, por exemplo, quando se ecoleta paxiúba, envira e palhas para se 
construir uma casa e se fala ou pensa: – Essa vai ser minha casa!, ou – Éis minha futura casa! 
6) 
-ã hiw-itiru 
1-GEN casa-PROSP 
‘minh f r c s ’ 
 
É natural que um estado de existência possa ser complexo, como por exemplo, ex-
futuro, ou futuro-ex, de forma a combinar dois morfemas significando estados de existência 
distintos, em qualquer das duas ordens sequenciais: retr-prosp ou prosp-retr: 
7) 
-ã hiw-itiru-ini 
1-GEN casa-PROSP-RETR 
‘minh e -futura-c s ’ (i ser, m s n f i) 
 
8) 
-ã hiw-ini-itiru 
1-GEN casaretr-PROSP 
‘minh f r -e c s ’ (foi vendidae agora vai ser comprada pelo mesmo ex-proprietário) 
 
 
39 
A noção de estado de existência atual, retrospectivo e prospectivo, que é uma 
noção aspectual é de autoria de Rodrigues (Rodrigues 1997, acervo Ary n D ll’Ign 
Rodrigues organizado por Cabral). 
3.1.1.1.2 Aspecto Atenuativo e intensivo 
Os nomes Hãtxa-kuĩ RECRebem os sufixos -pita e -wapa, respectivamente 
atenuativo e intensivo, usados quando se quer atenuar ou intensificar, em tamanho ou 
proporções/ dimensões psicológicas, o referente de um nome. Alguns exemplos ilustrativos 
são: 
9) 
huni-pita-arabu- 
homem-ATEN-COL-ABS 
‘h menzinh s’ 
 
Veja que nesse exemplo, o uso de -pita não quer dizer que os homens são de 
baixa estatura, mas se trata de uma forma carinhosa de alguém se referir a certos homens. 
10) 
-ã hiw-itiru-pita-arabu- 
1-GEN casa-PROSP-ATEN-COL-ABS 
‘minh s f r s c s sinh s’ 
 
O intensivo se forma por meio do sufixo –wã 
bay-wã ‘r d ’ 
huni-wã ‘h memz rr ’ 
aĩ u-wã ‘m lher n ’ 
hãta-wã ‘q e f l m i ’, ‘f l d r’, ‘f l óri ’ 
hiw-wã ‘c s gr nde’ 
kaya-wã ‘ri z ’ 
yuti-wã ‘ imen ’ 
ia-wã ‘ rdid ’ 
matsi-wã ‘fri z ’ 
sina-wã ‘r i ’ 
bnima-wã ‘ legri gr nde’ 
 
 
40 
3.1.1.1.3 Número, humanidade e definitude 
Em Hãtxa kuin, há dois morfemas coletivizadores, -bu e -arabu . Esses 
morfemas têm em comum o fato de que ambos são coletivizadores. -bu se combina com 
referentes unicamente humanos e -arabu com humanos e não-humanos. 
 
-arabu 
huni-arabu ‘m is de m h mem’ 
mapu-arabu ‘mi l s de m is de m ess bich ’ 
takara-arabu ‘g linh s’ 
tara-arabu ‘flech s’ 
 
hunibu ‘m is de m h mem’ 
mapubu ‘mi l s de m is de m ess bich ’ 
 
Não é possível combinar –bu com takara ‘g linh ,’, nem c m tara ‘flech ’, is q e se s 
respectivos referentes são [-humano]. 
 
A diferença entre a semântica de -arabu e a semântica de –bu reside no fato de 
que o primeiro é um coletivo definido e o segundo indefinido. Assim, quando usamos o 
coletivo huni-arabu, significa que os homens são familiares, são conhecidos. Quando o 
falante usa huni-bu, significa que o referente não é conhecido, e sim indefinido e genérico. 
Podemos então concluir que -arabu é + definido e que bu é – definido. Por outro lado, como 
-bu só ocorre com humanos, podemos concluir que há um traço + humano na sua semântica, 
de sorte que coletivo, humanidade e definitude são três noções que se associam em um só 
morfema em Hãtxa kuin, o morfema -bu. 
A palavra para praia pode se combinar com o morfema -arabu, mas o seu 
significado não é o de areia, e sim o de beiradas de rio constituídas principalmente de areia. 
 
mai ‘ r i rei ’ 
mai-arabu ‘ r i s’ 
 
 
 
41 
Os sufixos glosados como ‘cole i ’ seg em os sufixos que expressam estado de 
existência dos seres. 
3.1.1.1.4 Privativo 
O privativo é uma categoria que exprime privação; salienta que um ser é privado 
ou destituído de uma característica ou de uma parte, ou de uma relação de dependência, como 
alguém sem marido, sem-dedo, sem-coragem, etc. 
O sufixo que marca o privativo pode seguir ou precreder os sufixos de estado de 
existência, como mostram os exemplos seguintes: 
 
11) 
-ã hiw-itiru -ma 
1-GEN casa-prosp-PRIV 
‘sem minh f r c s ’ 
 
12) 
-ã hiw-ma-itiru 
1-GEN casa-PRIV-prosp 
‘sem minh c s f r ’ 
 
O morfema privativo se combina também com verbos, como veremos na 
seção 3.10. 
3.1.1.1.5 Formação de nomes por meio de justaposição 
O processo morfológico de justaposição em Hãtxa kuĩ é muito produtivo e 
consiste na combinação de nomes com nomes, nomes com adjetivos, adjetivos com adjetivos, 
nomes com verbos e vervos com nomes. 
 
 Nome+Nome 
13a) bur aĩ 
palmito : caminho, ou listras na pele de certos peixes, simil r c minh s’ 
li er lmen e: ‘ lmi com listras ou com caminhos’ ‘s r bim’ 
 
 
 
42 
13b) pitsu aw 
periquito : jabuti 
‘ r r g c m c sc fle í el enc n r d em l g s’ 
 
13c) ɨ u  ɨ u 
uricuri : olho 
‘ i de s l ’ 
 
13d) bari i 
sol : arraia 
‘li er lmen e s l rr i ( ei e br de m )’ 
 
13e) sanĩ ɨta a, literalmente 
piabinha : dente-ATRI-TOT : 
‘ i binh den d ’, ‘ i binh q e ss i den e’ 
 
13f) nawa baku  
povo : favo de mel (mitológico) 
‘li er lmen e belh ’, ‘ belh r á d s gr ndes’, 
 
 Nome : Adjetivo 
14a) aka : kuia 
casco : duro 
‘ ei es q e ss em c sc d r ’ 
 
14b) tau tia ‘ i de c chimb fin e re ’ ( c m se f sse m nh d lmeir -tia) 
palmeira : reta 
 
14.c) bru yuku ‘c ndirú’ , li er lmen e ‘ lh m ch c d ’ 
olho : machucado 
 
 Adj : Adj 
15) yapa turu ‘m iri’ li er lmen e ‘ i b m iri’ 
chato : redondo 
 
 
43 
 Nome : Verbo 
16) mai kuya ‘c rim ’ ‘li er lmen e g s de b rr ’ 
barro gostar 
 
 Verbo : Nome 
17) ua ãtu ‘es . de c r ng eij de ig r é’ 
dormir carangueijo 
3.1.1.2 Formação de nomes por meio relações de determinação 
Em Hãtxa kuĩ é muito comum a formação de nomes por meio de sintagmas 
envolvendo determinante e determinado. Nestes casos, o determinante é flexionado pelo 
morfema genitivo -ã: 
 
18) rkĩ ui 
nariz.gen buraco 
‘b r c d n riz’ 
 
19) rkĩ au 
nariz.gen osso 
‘ ss d n riz’ 
 
20) bu GEN hn 
olho líquido 
‘l grim ’ 
3.1.1.3 Considerações sobre a formação de algumas subclasses semânticas de nomes 
3.1.1.3.1 Nomes de partes do corpo - Yura kna arabu 
Nesta seção tecemos algumas considerações sobre os nomes de partes do corpo. 
Como veremos adiante, esses nomes se distinguem dos demais por apresentarem, em suas 
respectivas formas, sequências de sons inanalisáveis em vários dos nomes, mas que 
funcionam ou funcionaram em algum momento da história da língua Hãtxa kuĩ, como 
elemento primário na formação de nomes relativos ao corpo. 
 
 
44 
A presente descrição benefeciou-se dos trabalhos sobre morfemas correlatos em 
Matses, por Fleck (2005) e em Kashibo-Kakataibo, por Zarikiey (2011). Concordamos com 
esses autores quanto ao fato de que em Hãtxa kuĩ as sequências iniciais de sons de nomes de 
partes do corpo, pelo menos a grande maioria delas, não pode ser vista como correspondente a 
prefixos, segmentáveis dos temas, embora apareçam nos verbos como prefixos. 
Muito possivelmente, na história passada da língua, essas sequencias funcionavam 
como termos formadores de nomes correspondentes a subclasses de partes do corpo, como 
proposto em Lima Kaxinawá (cf. OLVEIRA, 2014). Seguindo cada uma dessas sequências, 
há outras, mas apenas para uma minoria delas pode-se identificar um significado na 
atualidade. Vejamos cada conjunto desses nomes. 
 
Nomes relacionados à cabeça têm a sequência inicial bu: 
 
21) buka ‘c be ’ 
22) bu ‘c bel ’ 
Nomes relacionados à parte do osso frontal têm

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