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2015-RafaelAntunesAlmeida

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Universidade de Brasília 
Departamento de Antropologia 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social 
 
 
 
 
"Objetos intangíveis": 
Ufologia, ciência e segredo 
 
 
 
 
 
 
Rafael Antunes Almeida 
 
 
 
 
 
 
 
 
2015 
	
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"Objetos intangíveis": 
 Ufologia, ciência e segredo 
 
Rafael Antunes Almeida 
 
 
 
 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Departamento de 
Antropologia, da Universidade de Brasília, como 
parte dos requisitos necessários à obtenção do título 
de Doutor em Antropologia Social. 
 
 
Orientador: Guilherme José da Silva e Sá 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília, 2015 
 
 
	
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"Objetos intangíveis": 
Ufologia, ciência e segredo 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 
Departamento de Antropologia, da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social. 
 
 
 
Aprovada por: 
 
 
__________________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Guilherme José da Silva e Sá 
PPGAS/ Departamento de Antropologia – UnB 
 
 
__________________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Marcela Stockler Coelho de Souza 
PPGAS/Departamento de Antropologia - UnB 
 
 
__________________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Carlos Emanuel Sautchuk 
PPGAS/Departamento de Antropologia – UnB 
 
 
__________________________________________________________________________ 
Dr. Jayme Moraes Aranha Filho 
Pesquisador Independente 
 
 
__________________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Emerson Alessandro Giumbelli 
PPGAS/ Departamento de Antropologia - UFRGS 
 
 
___________________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Fabrício Monteiro Neves 
PPGS/Departamento de Sociologia -UnB (Suplente) 
	
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Antunes Almeida, Rafael 
 
"Objetos intangíveis": Ufologia, ciência e segredo/ Rafael Antunes Almeida. Brasília, PPGAS, Departamento 
de Antropologia, Universidade de Brasília. 
 
 
508 pp. 
 
Tese de doutorado – Universidade de Brasília , Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. 
Antropologia Social. 2 Antropologia da Ciência. 3. Antropologia da ufologia. 4. Título. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília, 2015 
	
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Para os pesquisadores e pesquisadoras em ufologia que 
me receberam em suas casas, que dividiram as suas 
trajetórias comigo e que me acolheram nos espaços 
onde discutiam com intensidade o tema da vida 
extraterrestre. 
 
Para Ana Flávia Bedin, muito mais que amiga. 
 
Para Silvana Antunes, Omar Almeida e Henrique Antunes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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Agradecimentos 
 
 
Os agradecimentos que ora vos dirijo destacam no tempo não só as contribuições efetivas 
a este trabalho, mas também dão conta daqueles que, em tempos passados, deram-me condições 
para que pudesse me inclinar a um ou outro assunto da maneira mais confortável possível. 
Assim, agradeço ao Prof. Guilherme José da Silva e Sá, por acolher a minha pesquisa e 
por ter se empenhado de modo tão diligente na orientação do trabalho. Agradeço-lhe também 
pela amizade, incentivo, sensibilidade e por partilhar comigo um interesse pelos outros mundos 
possíveis além-Terra. 
Agradeço à Profa. Debbora Battaglia, com quem partilhei no inverno de Massachusetts 
tantas tardes de conversas e trocas. A Profa. Battaglia foi e continua sendo uma influência 
intelectual significativa e, acima de tudo, uma companheira neste já não mais tão solitário mundo 
da outer space anthropology, que tanto nos apraz coabitar. 
Agradeço ao Professor Eduardo Viana Vargas. Devo-lhe os cursos iniciais em 
Antropologia da Ciência e reputo o inicio do interesse pela disciplina à sua influência. 
Agradeço ao Prof. Renan Springer de Freitas, que há dez anos atrás iniciou-me no tema 
da sociologia, da filosofia e da história da ciência. 
Agradeço aos membros que aceitaram o convite para compor a banca formada para a 
avaliação desta tese. Desta feita, agradeço à Profa. Marcela Coelho, ao Dr. Jayme Aranha, ao 
Prof. Carlos Sautchuk, ao Prof. Emerson Giumbelli e ao Prof. Fabrício Monteiro Neves. 
 
 
	
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Gostaria de expressar a minha gratidão aos professores do Departamento de Antropologia 
da UNB, em especial àqueles que ministraram cursos dos quais tomei parte como aluno. Em 
particular, agradeço às professoras Marcela Coelho, Lia Zanotta, Soraya Fleischer e ao professor 
Carlos Sautchuk. Estendo os referidos agradecimentos aos demais funcionários da Universidade, 
pela gentileza e dedicação: Adriana, Branca, Cristiane, Jorge e Rosa. 
Agradeço o apoio financeiro concedido pelo CNPQ, que me forneceu uma bolsa de 
doutorado durante três anos e seis meses. Igualmente agradeço o apoio da CAPES, instituição 
que financiou a minha pesquisa durante o período de doutorado sanduíche nos Estados Unidos. 
Aos amigos que passaram pelo mesmo percurso que o meu, ofereço também os meus 
agradecimentos. Em especial, agradeço ao estímulo intelectual e pessoal de Márcio Adriano de 
Paula, Raoni da Rosa, Hugo Loss, Guilherme Moura e Potyguara Alencar. O caminho ficou mais 
interessante na companhia de vocês. Aos demais amigos do PPGAS estendo também os votos de 
gratidão: Graciela Froehlich, Aline Alcade Balestra, Carolina Perini, Chirley Mendes, Rosana 
Castro, Daniela Lima, Paulo Henrique Duques, Eduardo Nunes, Denise da Costa, Felipe Areda, 
Fabiano Souto, Mariana Lima, Sandro Almeida, Júlia Brussi, Gretel Echazú, Mariana 
Guimarães, Paula Balduíno, Fabíola Gomes, Yoko Souza, Fabiano Bechelany, Pedro Stoeckli, 
Simone Soares, Martiniano Neto, Paloma Maroni, Isabel Naranjo, Caio Csermak, Rodrigo 
Rocha, Rayssa Martins e Thaís Brayner. 
Ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Mount Holyoke College, por ter me 
acolhido entre setembro de 2013 e março de 2014. Em especial, agradeço ao Professor Joshua 
Roth, que me forneceu todo o apoio necessário para realizar a pesquisa. Ao departamento de 
Letras Clássicas, agradeço pela cessão do escritório. De igual modo, agradeço aos amigos 
	
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Alessandro Angelini e Nicole Labruto, que fizeram a minha estada em South Hadley mais fácil e 
agradável. 
Agradeço também aos amigos do Laboratório de Antropologia das Controvérsias 
Sociotécnicas, na UFMG: Levindo Pereira, Daniel Alves de Jesus, José Cândido, Flora 
Gonçalves, Briza Toti e Eduardo Ferreira. Aos Profs. Luiz Abrahão, Tiago Ribeiro Duarte e 
Fabrício Neves, muito mais do que espectadores dos meus primeiros passos na filosofia e na 
sociologia da ciência, obrigado. 
Aos ufólogos e ufólogas sem os quais esta tese não poderia ser imaginada. O maior entre 
os meus agradecimentos se dirige a vocês, aos quais esta tese é dedicada. Citarei alguns nomes 
em seguida, e aqueles que não se encontrarem listados aqui, perdoem-me a displicência e sintam 
que a vocês também dispenso enorme gratidão. A Alberto Francisco do Carmo, pesquisador de 
inteligência arguta, companheiro de conversas nos últimos anos e meu orientador em matéria de 
ufologia. Agradeço as muitas horas de dedicação que você me emprestou e aos inumeráveis 
insights que, de algum modo, tentei trazer para este texto. 
A Ademar Gevaerd, que dispõe das virtudes do diplomata e do representante da ufologia 
brasileira, que com enorme gentileza me instruiu neste tema que para ele é toda uma vida. A 
Daniela Gevaerd (in memoriam), com quem me encontrei pouco, mas que nos contatos com a 
Revista UFO sempre me tratou com absoluta cortesia e eficiência. A Fernando Ramalho, pelo 
seu competente trabalho pela desclassificação de documentos militares e pela gentileza de ter me 
ajudado com a produção capítulo seis. A Fábio Gomes, pela delicadeza no trato e por me ajudar 
a me sentirfamiliar com os temas que lhe ocupam. A Fabio Jed, Marcelo Bonfim, Max Diniz, 
Dalila, Patrícia e aos demais membros do grupo EBE-ET, que me acolheram em suas reuniões. A 
Mônica Medeiros, por ter me recebido na Casa do Consolador e por ter me encantado com as 
	
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suas palestras. A Paulo Aníbal, ufólogo especialista em pesquisas de campo, que em um 
momento de grande turbulência não se importou em dividir comigo as suas preocupações. A 
Daniel Conrado, com que muito aprendi. A Rafael Amorim, quem me instruiu sobre os modos de 
operação da ufologia gaúcha. A Ernesto Bono, por sua perspicácia. A Toni Inajar, por ter 
recebido em seu trabalho para falar de ufologia e por ter me instruído no mundo das imagens 
ufológicas. A Wilson Geraldo, por ter escrito o belo relatório sobre o Caso Papuda e por ter me 
dispensado bastante cortesia. A Ubirajara Franco Rodrigues, por ter me apresentado uma entrada 
alternativa na ufologia. 
A Teresa Miranda, à época Secretária de Cultura do Município de Colares, que não só 
partilhou a sua experiência sobre os eventos ufológicos ocorridos na Ilha na década de 70, como 
me forneceu acomodação durante a minha estada no Pará. De igual maneira, agradeço a Dona 
Benevenuta, Seu Bacaba, Dona Maria, Hilberto Freitas, Juraci, Seu Diquinho, Maria Benedita, 
Moacir Santos, Profa. Terezinha, Dona Maria Nazaré, Seu Fernando, Tia Alda e Tio Chico, pelas 
entrevistas concedidas relativas aos ataques das luzes chupa-chupa. 
Aos companheiros Leonardo Martins, Daniel Pícaro, Rodolpho Santos e Arthur 
Maccdonal pela partilha do interesse pelo tema e por me salvarem de um monólogo. 
Agradeço à minha mãe, Silvana Antunes, e ao meu pai, Omar Almeida. Não fosse por 
vocês, eu não estaria escrevendo estas linhas. Esta tese é dedicada a vocês. Ao meu irmão, 
Henrique Antunes, por ser alguém com quem eu possa falar de qualquer coisa sem me preocupar 
em ser mal entendido. 
Aos queridos amigos Patrícia Mattar, Luciano Mattar, Tiago Moreira, Carolina Ilídia, 
Ivanildo, Cláudio, João Nicolato, João Ayub, Luís Barros, Nelissa, Bruno Soares, Anabelle 
Lages, Daniel Pondé, Ruy Harayama, Daniel Toledo, Nelissa, Luana Marota, Gustavo 
	
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Mangualde, Rodrigo Nippes, Rafael Barbi, Ely Jr., Leonardo Penna, Diogo Caminhas, Juliana 
Anacleto, Juliana Vasconcelos, Daniela Tartari, Alex, Marina Casaril, Alison Roberto, Simone 
Valentini, Jeimy e Robison. 
A Ana Flávia Bedin, companheira de exílio e de Desterro. Não fosse por seu apoio, 
companheirismo e gentileza esta tese não seria completada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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"Deus me livre de um dia completar algo. Este livro todo 
é apenas um esboço - não! Apenas um esboço de um 
esboço" Moby Dick, Herman Melville 
 
 
 
 
 
 
“Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos 
homens em quem supomos juízo são reclusos por 
dementes, quem nos afirma que o alienado não é o 
alienista?” O Alienista, Machado de Assis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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Resumo 
 
 
A presente tese consiste em um estudo etnográfico junto a um coletivo de ufólogos brasileiros. A 
etnografia acompanha os seus processos de construção de conhecimento, as relações destes 
pesquisadores com os seres extraterrestres e a luta pela desclassificação de documentos em posse 
do Estado. Os eixos mais significativos deste trabalho são a descrição dos processos de 
conhecimento forjados em relação a uma imagem particular de Ciência, a temática do segredo e 
o problema da desinformação. Argumenta-se que aquilo que define a ufologia, enquanto uma 
"disposição de relações" particular, é o fato de que para que ela perdure, o seu objeto, o seu tema 
principal, deve se manter nos confins da invisibilidade. Este texto constrói-se enquanto uma 
narrativa na qual se discutem o problema da “crença”, os processos de construção de evidência 
levados a cabo pelos ufólogos brasileiros e o modo como apresentam os seus dados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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Abstract 
 
This dissertation is the result of an ethnographical study of a Brazilian UFOlogists collective. 
The ethnography follows their processes of knowledge construction, the relation between the 
researchers and the extraterrestrials and the activism towards the disclosure of UFO documents 
possessed by the State. The main topics of this work are the way UFOlogists build their 
knowledge in relation to a certain image of Science, their elaborations on secrecy and the 
problem of disinformation. It claims that what defines Ufology, as a specific set of relations, is 
the fact that in order to persist, its objet, its main theme, must remain invisible. This work 
discusses the problem of "belief", the processes of evidence construction undertaken by the 
Brazilian UFOlogists and the ways they present their data. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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Nomenclatura e siglas utilizadas 
 
“Fenômeno UFO”- Em diversas ocasiões valho-me da expressão fenômeno UFO, que é 
empregada de modo corrente pelos ufólogos para dar conta da variedade de eventos que 
estudam. Desta feita, a expressão concerne a toda gama de interações com extraterrestre que os 
pesquisadores se ocupam de estudar. 
Abdução- Transporte de um humano para dentro de uma nave extraterrestre. As descrições sobre 
aquilo que ocorre durante o processo e logo que ele termina contêm variações. Há propostas de 
substituição do termo por “sequestro”, para dar conta da feição violenta do evento. 
Agroglifos (em inglês: Crop Circles) - Desenhos de grandes dimensões feitos em plantações, 
visíveis a partir da visão aérea. 
Avistamento -Termo usualmente empregado pelos ufólogos para designar o contato visual com 
um óvni. 
CBPDV - Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores 
CBU - Comissão Brasileira de Ufólogos 
CICOANI - Centro de Investigação Civil dos Objetos Aéreos Não Identificados 
CINDACTA -Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo 
COREG: Coordenação Regional do Arquivo Nacional 
EBE-ET - Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres 
NASA – National Space Agency 
NEUS - Núcleo de Estudos Ufológicos de Santa Cruz do Sul 
OVNI - Acompanho esta grafia quando o termo assim ocorre em documentos, livros ou recortes 
de jornais. 
Óvni - Objeto voador não identificado. (Os dicionários dão conta de que a palavra foi 
incorporada ao nosso idioma e figura como um substantivo masculino. Como "paroxítona" 
terminada em "i", a palavra é acentuada) 
UFO - Unidentified Flying Object 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
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Sumário 
 
Introdução 18 
Sobre como fui capturado pelos extraterrestres e nunca mais retornei para casa 18 
Sobre o que fiz com os extraterrestres quando com eles passei a ter maior intimidade 34 
Trabalho de campo 41 
Organização dos capítulos 55 
Capítulo 1 – Observações sobre um evento em ufologia 60 
O aliciamento das redes virtuais 63 
Um congresso temático 65 
O local e a estrutura de apoio do congresso 70 
Comercialização de Souvenires e profissionalização dos produtos 72 
Mecenato 76 
Impressões sobre o público e a noção de “experiência ufológica” 77 
Abertura 82 
As comunicações durante a convenção 83 
O domínio do testemunho 84 
O regime da comparação 96 
Congressos ufológicos: rearticulação 101 
Capítulo 2 - No itinerário dos congressos ufológicos 109 
Acusações de plágio 110 
Notas sobre as diferenças entre os congressos 117 
7º Encontro Ufológico de Peruíbe 121 
II Encontro de Ufologia Avançada do Distrito Federal 139 
IV UFOPAX 146 
Ufologia mística, ufologia científica e ufologia holística 153 
Capítulo 3 – Estudo de um grupo ufológico: Os UFOs e a sua parcial visibilidade 158 
A Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres: seus rastros e a sua oficialidade 168 
Encontros com a EBE-ET 179 
Parcial visibilidade 200 
Capítulo 4 – Linhas de propagação: etnografia de uma revista ufológica 204 
Grupos? 206 
Mão dupla 208 
Multiplicação de aliados209 
As operações de redução 230 
O trabalho de diferenciação 237 
Aumento do fluxo de casos 245 
Capítulo 5 – Os meandros de um caso ufológico: A operação Prato 249 
Informe 255 
“Combate-se melhor nas sombras” 261 
Luzes e aparelhos 265 
A Operação Prato 277 
Um laboratório natural 284 
	
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Sobre pinguins e ursos polares: os experimentos extraterrestres 286 
A médica da Unidade Sanitária de Colares 289 
As relações entre a Doutora Wellaide e o Capitão Hollanda 293 
As circunstâncias da morte do comandante da Operação Prato: outros elementos 294 
As fotos da Operação Prato e a polêmica sobre as ampliações intencionais 299 
Outros desdobramentos: a Operação Prato nunca terminou? 301 
Capítulo 6 – A pragmática do segredo 307 
Acobertamento ufológico: duas perspectivas 309 
Efeito Miragem 310 
O governo detém informações sobre extraterrestres 315 
Alianças com extraterrestres 317 
As naves alienígenas expõem a fragilidade dos sistemas de defesa aérea dos governos 320 
Pânico: o efeito Orson Welles 322 
Acusações de silenciamento no interior da ufologia 324 
Abertura ufológica 330 
O problema da “desinformação” 350 
Contatados e desinformação 351 
A pragmática do segredo 356 
Capítulo 7 – “Não são produto desta lógica, são produto desta mágica” 360 
Três instâncias de recusa 360 
Ciência – (x) 372 
Outras pesquisas 376 
Ufologia e ciência: notas a partir do campo 390 
Ufologia e o devir ciência 390 
Ufologia, efedrina e o tio chinês: “Science is not always what scientists do” 394 
Pasteur, os micróbios e os UFOs: a analogia com a história das ciências 400 
Mímesis e diferença: da semelhança à “similitude” com a Ciência 402 
Agroglifos: notas sobre um relatório de pesquisa 414 
Vigílias 419 
A pesquisa a partir das imagens ufológicas 423 
Mariposas, ontologias alienígenas e seus quefazeres terrestres 431 
Conclusão - “Radar[es] não têm crença” 445 
Breves observações sobre uma pergunta 445 
A noção de crença: um dispositivo de relação 454 
Radar[es] não têm crença: um antropólogo entre ufólogos e cientistas 462 
Ontologias alienígenas 473 
Referências bibliográficas 477 
Anexo I – Mapas 494 
Anexo II – Fotografias 496 
Anexo III – Documentos ufológicos – Mídia impressa 505 
 
 
 
	
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Lista de Figuras 
 
 
Figura 1 - Tipologia dos seres extraterrestres ............................................................................. 126 
Figura 2 - Box informativo da Revista UFO .............................................................................. 157 
Figura 3- Deslocamento do óvni avistado no Presídio da Papuda - DF ..................................... 175 
Figura 4- Box de divulgação de um curso em Ufologia - Revista UFO ..................................... 225 
Figura 5 - Convite aos tradutores - (Revista UFO) ..................................................................... 226 
Figura 6 - Box informativo sobre a lista de e-mails da Revista UFO ......................................... 228 
Figura 7- Carta de Brasília ......................................................................................................... 359 
Figura 8 - Retrato falado de um extraterrestre (Alberto F. do Carmo) ....................................... 406 
Figura 9 - Destaque para o recipiente usado pelo extraterrestre (Alberto F. do Carmo) ............ 407 
Figura 10 - Reprodução em papel do recipiente (Alberto F. do Carmo) .................................... 408 
Figura 11 - Amostra de solo que entrou em contato com um óvni. ............................................ 412 
Figura 12- Foto de Óvni - Operação Prato .................................................................................. 429 
Figura 13 - Foto de Óvni - Operação Prato (Depois do tratamento da imagem) ........................ 430 
Figura 14 - Paulo Aníbal em Programa da Rede Record ............................................................ 433 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
   18 
Introdução 
Sobre como fui capturado pelos extraterrestres e nunca mais retornei para casa 
 
“Before they could even look at it, it was gone. So, I was thinking: by the time I 
get close to it, it would be gone. But the closer I got, I could see it wasn’t 
leaving. And I was becoming more and more fearful. And the guys in the truck 
were getting more and more scared. The closer I got... And they would yell at 
me to get away from them. Swearing at me to get back in the truck. I got close 
and I was looking at it, at about 45 degrees, and it was making a strange sound: 
a mixture of high frequency sounds and low frequency off the range of human 
hearing. A sound you could kind of feel rather than hear. The guys in the truck 
said: ‘it seems that something is about to happen’. And it wasn’t because I was 
getting dangerously close to this thing; it was also because, I think, there was 
some sort of electrical charge building up in the air that you could kind of sense. 
It got louder and started to move. I moved forward a little bit. The crew was 
yelling at me to get back to the truck. That was when my head was closed to the 
craft. And I think what happened next was some kind of charge that jumped 
from the craft through my body to the ground. And it was much more violent 
than you see in the movie. [...] The crew said it was more like I have stepped on 
a land mine, a grenade. It was a blast of energy that was so violent, that they 
immediately yelled at each other that it had killed me. [...] My body went flying 
to the air into this blast of energy.” (Depoimento do abduzido Travis Walton 
durante o II Fórum Mundial de Contatados – Curitiba, maio de 2014) 
 
A passagem anotada acima consiste em um trecho da palestra do lenhador e abduzido1 
Travis Walton2, proferida no II Fórum Mundial de Contatados, ocorrido em Curitiba nos mês de 
maio de 2014. Nela, Travis descreve o exato momento em que, pela primeira vez, teria tido 
contato com seres alienígenas, que com a mesma violência que uma mina terrestre leva ao céu 
aquele que nela pisa, conduziram o abduzido para dentro da nave. 
Como se nota, não se tratava de um avistamento de pequenas proporções, tampouco 
estavam os condutores daquela nave dispostos a apenas deixarem-se fotografar. Ao contrário, o 
que se passou naquela floresta do Arizona, onde o lenhador trabalhava em tempo integral, foi 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1Na economia conceitual da ufologia a abdução, – tradução para o português do termo em inglês ‘abduction’ – diz 
respeito à retirada de um ou mais humanos do local onde estavam e a sua permanência junto aos alienígenas. 
Vigoram entre os ufólogos diferentes explicações para os eventos desta classe, as quais, de modo geral, respondem à 
variabilidade empírica dos relatos. 
2Travis Walton narra o episódio de sua abdução no livro Fire in the sky: The Walton Experience (Walton, 1996). O 
mesmo foi base para o roteiro de um longa metragem de mesmo nome. 
	
   19 
aquilo que os ufólogos chamam de um “contato imediato de quinto grau”.3 Isto é, uma abdução 
levada a cabo por extraterrestres, que, de maneira não usual, ocorreu na presença de outras 
testemunhas humanas. A partir daquele momento, Travis, já desacordado, foi dado como morto e 
encontrado cinco dias depois em uma cabine telefônica. 
Diferentemente do que ocorrera com Travis Walton e com outros abduzidos como Betty 
e Barney Hill4, Antônio Vilas-Boas5, Debie Jordan6, e o casal Hermínio e Bianca, a minha captura 
seu deu de maneira menos abrupta. De modo diverso do que se passou com as pessoas citadas, 
cujos relatos são marcados por experiências de perda da dimensão do tempo (missing time), por 
lembranças sobre os eventos que ocorrem sob a forma de pesadelos, por visitas constantes dos 
abdutores e, em um dos casos, pela imposição de ter relações sexuais com umser alienígena, a 
ação dos extraterrestres sobre mim se deu de modo mais ameno. 
Se digo que fui capturado, isto não ocorreu porque eu tenha tomado parte em um caso 
abdução, no qual fosse eu o abduzido. Tampouco uso aqui a palavra captura em sentido 
alegórico, ou valho-me do termo como uma analogia. Se fui capturado pelos extraterrestres, ou 
melhor, pelo que posteriormente chamarei de ontologias alienígenas, o digo em referência à 
capacidade que estas tiveram de me aliciar para dentro de seus contornos – sempre abertos – , 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3“Contato imediato” é a tradução do termo “close encounters”, cunhado por J. Allen Hynek (Hynek,1974) para 
categorizar as modalidades de interação com os extraterrestres.Segundo Hynek, seriam três as categorias para definir 
o encontro: “close encounters of the first kind”, quando não há interação entre o UFO e o “observador”; “close 
encouters of the second kind”, quando o UFO deixa registros do seu encontro com o “observador”; close encounters 
of the third kind”, são aqueles nos quais se reporta a presença de criaturas animadas. As categoria “encontro 
imediato de quinto grau” foi forjada posteriormente e diz respeito às situações nas quais um humano é conduzido 
para dentro de um aparato alienígena, com ou sem o seu consentimento. 
4A abdução de Betty e Barney Hill é narrada no livro The Interrupted Journey: the lost hours“aboard a flying 
saucer”, assinado por John Fuller. (Fuller,1966) 
5A abdução de Antônio Villas-Boas é considerada pelos ufólogos o primeiro caso do gênero na dita “Era Moderna 
dos Discos Voadores”. O evento se passou em 15 de outubro de 1957. 
6Debie Jordan apareceu com o pseudônimo de Cathy Davis no livro Intruders: The incredible visitations at copley 
woods (Hopkins, 1987) 
	
   20 
instando-me a produzir uma tese que, em relação a esta miríade de coisas, máquinas, seres e 
textos, ganha tons de mais um agenciamento7. 
Fosse comparado a Travis Walton, ou a qualquer uma das outras pessoas que citei acima, 
sob certo ponto de vista – afora a truculência empregada em certos casos – nossas diferenças de 
engajamento com o que doravante chamarei de “fenômeno UFO”8 permanecem aqui como como 
distintas em grau, mas não em natureza. Se de modos muito diferentes fomos abduzidos para 
dentro da ufologia, isto não impede que se afirme que dela, de algum modo, ambos tomamos 
parte. 
Ele, interpelado por uma nave aos 22 anos, enquanto dava conta de uma extenuante 
empreitada em uma floresta americana. Eu, aos 24, interessado pelos temas dos monstros, dos 
bestiários, dos cinocéfalos, dos centimanos9, dos dispositivos produtores de bestas, dos espaços 
limítrofes. Não quero aqui ocupar-me da reconstrução das origens do meu interesse pelo tema, 
mas devo notar que nos anos que antecederam a pesquisa sobre a ufologia eu havia trabalhado 
com o tema da produção da ciência – durante a graduação – e, posteriormente, durante o 
mestrado, empreendi uma discussão a respeito das fronteiras do humano a partir de duas 
controvérsias separadas no tempo e no espaço por quase quinhentos anos.10 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7Defino o trabalho que agora se apresenta como um agenciamento, atendendo ao desdobramento que Gilles Deleuze 
e Félix Guattari fazem do termo no primeiro capítulo do livro Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia (Deleuze & 
Guattari,1995) “Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está somente em conexão com 
outros agenciamentos, em relação com outros corpos sem órgãos. Não se perguntará nunca o que o livro quer dizer, 
significado ou significante, não se buscará nada compreender um livro, perguntar-se-á como ele funciona, em 
conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a 
sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu. Um livro existe apenas pelo fora e no fora." (Deleuze & 
Guattari, 1995:3) 
8A expressão “Fenômeno UFO” é usada de modo corriqueiro pelos ufólogos para designar desde as experiências de 
avistamentos de Objetos Voadores Não Identificados no céu, até casos de abdução. É um termo genérico para dar 
conta do conjunto de eventos abrigados na ufologia e, em relação aos quais, ela se constrói. 
9Em Dom Quixote, Miguel de Cervantes faz referência a esta classe de bestas de cem mãos. 
10 ALMEIDA, Rafael Antunes. O que é um humano? Anotações sobre duas controvérsias.2010.Dissertação 
(Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais, 
Belo Horizonte. 
	
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 Na primeira ocasião, lembro-me muito vividamente de ter me impressionado com os 
escritos do naturalista francês Geoffroy Saint-Hilaire relativos ao tema da teratologia, sobre a 
qual quem ignora o Livro das Maravilhas de Marco Polo ou os escritos de Plínio, o velho, diz 
que ele foi o “criador”11. Alguns anos mais tarde eu me via inundado com descrições de seres 
fantásticos e de viagens por paisagens povoadas por seres não-humanos. 
 É que naquele tempo, por ocasião da pesquisa de mestrado eu me ocupava da leitura dos 
escritos de Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés Sepúlveda, que se digladiaram na primeira 
metade do século XVI sobre a questão de saber se os índios americanos eram humanos e se era 
justa a guerra para convertê-los. Sepúlveda, em particular, valia-se de um arsenal de autores para 
corroborar a tese de que os habitantes dos trópicos eram bárbaros por natureza e, para referendá-
la, preenchia o texto com muitas descrições de historiadores da Índias Ocidentais nas quais toda 
a sorte de monstruosidades tomavam lugar. 
Se digo que o que me atraía nestas descrições não era a feição pitoresca dos relatos, não 
estarei mentido. De outra feita, interessava-me o fato de que, nestas máquinas de guerra 
montadas em salões e bibliotecas, se figurasse o outro como monstro, seja por meio de um 
retrato daquilo que lhe faltava – em relação a um humano (espanhol) – , seja pelos excessos – 
extremamente vis, extremamente bons, extremamente inconstantes – , seja pelas faltas, que 
podiam se manifestar nas virtudes, na inteligência ou na razão. Restava ainda o espaço das 
combinações, das formas parcialmente bestiais e parcialmente humanas, como é o papagaio 
sobre o qual Locke testemunha. (ver Agamben, 2004) 
Se a princípio restei impressionado com o tema da figuração do outro como monstro, 
logo me dei conta de que perseguir esta linha de investigação não me levaria muito longe. Isto é, 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
11À época eu vinha trabalhando há mais de dois anos com a controvérsia entre Georges Cuvier e Geoffroy Saint-
Hilaire relativa à noção de bauplan, ou "planos de composição", sob a orientação do Prof. Renan Springer Freitas. 
 
	
   22 
para pensá-la, de modo quase necessário, teria eu de ser socorrido pela noção de imaginário e 
com ela acatar a distinção moderna entre um baixo mundo – dos quefazeres mundanos, portanto, 
sociológico – e o universo das representações simbólicas 12 . Simplifico demais, dirão os 
partidários nesta noção, mas não o faço menos que os seus defensores apaixonados quando 
traduzem tudo ao domínio das representações. 
Estimo que caso cedesse à noção de imaginário, estaria então capturado pelo dilema que 
Jorge Luís Borges percebe no monstro Baldanders, o “Já outro”. 
[...] a estátua lhe diz que é Baldanders e assume formasde um homem, de um 
carvalho, de uma porca, de um salsichão, de um prado coberto de trevos, de 
esterco, de uma flor, de um ramo florido, de uma amoreira, de um tapete de 
seda, de muitas outras coisas e seres e depois, novamente, de um homem. Finge 
instruir Simplicissimus na arte de “falar com as coisas que por sua natureza são 
mudas, como as cadeiras e os bancos, as panelas e os jarros” ( Borges,2011:39) 
 
O monstro polimorfo Baldanders encerra em si um tropo. Trata-se de um ser multiforme, 
um polimorfo, capaz de se transformar em diferentes formas, mas ao fim da demonstração, volta 
à forma original. É, mais uma vez, o monstro que tudo pode ser, mas, “outra vez”, homem. O 
artifício da noção de imaginário não opera de modo dessemelhante ao proceder de Baldanders: a 
multitude de formas de existência sobre a qual se elabora, ao final, é reduzida a um traço 
humano, a uma projeção. 
Ainda que agora recuse este movimento, devo dizer que durante o processo de captura 
pelas ontologias alienígenas, queria fazer delas material para o tema das alteridades radicais, ou 
melhor, das alteridades extraterrestres. Eis a suma deste argumento que, se um primeiro 
momento figurou como uma inspiração para a pesquisa que ora vos apresento, à medida que 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
12Para ver uma das mais bem acabadas críticas à noção de representação ver “Lines: a brief history” (Ingold,2007). 
Alternativamente, ver a conclusão de Diferença e Repetição (Deleuze,1998). Quando se adere a uma tipo de agenda 
que coloca a representação simbólica como matriz para a interpretação das afirmações de nossos interlocutores, 
estamos transformando estas noções, ou melhor, estes dispositivos com os quais operamos, em ferramentas de 
análise. (Ver Strathern,1988). A noção de um mundo de símbolos que gravita sobre nós, portanto, tem melhor 
“caimento” como uma antropologia do mundo euro-americano, do que como ferramenta heurística que nos 
permitiria entrar em diálogo com outros modos de existência. 
 
	
   23 
passei a tomar parte do universo ufológico terminei dele me distanciando: tudo se passaria como 
se a figura do extraterrestre não fosse outra coisa que a expressão moderna de um sujeito hiper 
tecnológico, que ou bem resultava das ansiedades do mundo pós-guerra, ou prestava-se a figurar 
como uma unidade de um par de oposições entre o selvagem e o civilizado. A figura do 
extraterrestre não seria nada além de um outra forma de imaginar a alteridade, uma vez que 
projetava a imagem de um ser que era dotado de aparatos mais rápidos e mais precisos do que 
aqueles dos quais dispõem os euro-americanos – e, por isto, precisa ter a sua origem fora da 
Terra – , em compasso com outra alteridade moderna, qual seja, o bárbaro, o homem do 
neolítico. 
 Nesta versão, esta forma de alteridade se manifestaria na imagem do “excessivo” que 
recai sobre os extraterrestres – em particular, no domínio das técnicas – passível de ser 
contrabalanceada pela ausência de um senso moral. Caso desejássemos colocar as imagens do 
bárbaro e do alien em oposição, bastaria apontar para a ausência de tecnologia combinada a um 
arguto senso moral. O argumento que aqui acabo de balizar foi confeccionado por Jean-Bruno 
Renard, no artigo intitulado The wild man and the extraterrestrial: two figures of the evolucist 
fantasy (Renard,1984) Renard observa que: “The thrust of our argument is that the image of the 
Extraterrestrial is an inverse image of the image of the Wild Man, and that both share the 
attribute at this point in time of belonging to the same mythology: the mythology of evolution.” 
(Renard,1984:64) Nos termos do autor, portanto, o selvagem e o extraterrestre, dispõem-se como 
figuras inversas, mas que ocupam posições em um mesmo contínuo, uma vez que “[t]hey are the 
two limiting figures to Werstern man: the wild man representing the inferior limit and the 
extraterrestrial representing the superior limit”. (Renard,1984:74) Tudo se passaria como se a 
partir do estudo destas “figuras”, pudesse o pesquisador “ler” certo modo como se conforma na 
	
   24 
cosmologia ocidental a noção de evolução. Isto só seria possível, no entender do autor, porque 
“... extraterrestrial societies are projections in celestial space of inhabitants of paradisiacal 
islands.” (Renard,1984:77), representações que desenham no horizonte extremos, a caminho dos 
quais, figura então o humano. 
Tomei contato com o artigo de Jean-Bruno Renard a partir de uma referência que a ele 
faz Jayme Aranha, em sua dissertação de mestrado.13 Em relação ao artigo do sociólogo francês, 
entretanto, tenho uma relação ambivalente. Se por um lado, Renard demonstra grande erudição, 
pois cita com proficiência obras clássicas e de ficção científica nas quais as figuras do selvagem 
e do extraterrestre ocorre, ao mesmo tempo em que constrói um argumento bem desenhado, por 
outro lado, o autor de The Wild Man and The Extraterrestrial, em suas interpretações, não faz do 
extraterrestre outra coisa que um elemento de uma mitologia moderna. Deste modo, se a leitura 
de seu texto serviu-me de gatilho para estabelecer uma ponte entre os interesses que eu vinha 
alimentando e o tema da vida extraterrestre, a quadratura na qual ele se inscrevia, para mim, 
resultava em certo desconforto. Não o digo apenas pela ausência de uma explanação sobre aquilo 
que, naquele texto, se compreendia como “mitologia", mas também pela construção de todo o 
seu argumento sobre a noção de representação social. Guardadas as diferenças, trata-se de 
movimento homólogo àquele que Roland Barthes, no comentário que tece sobre os marcianos, 
anota nas Mitologias: 
Provavelmente, se um dia desembarcássemos em Marte tal como o construímos, 
não encontraríamos senão a própria Terra, e perante estes dois produtos de uma 
mesma História, não saberíamos reconhecer o nosso. Pois para que Marte tenha 
alcançado o saber geográfico, é preciso que tenha tido também o seu Estrabão, o 
seu Michelet, o seu Vidal de la Blanche, e por conseguinte, também, as mesmas 
nações, as mesmas guerras, os mesmos cientistas e os mesmos homens que 
nós.”(Barthes, 2001:33) 
Barthes prossegue: 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
13ARANHA, Jayme. Inteligência extraterrestre e evolução: As especulações sobre a possibilidade de vida em outros 
planetas no meio científico moderno. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, 1990. 
 
	
   25 
Marte não é apenas a Terra, é a Terra pequeno-burguesa, é o pequeno domínio 
da mentalidade cultivado (ou expresso) pela imprensa ilustrada. Mal acabara de 
se forma no céu, Marte foi assim alinhado pela mais forte das apropriações, a da 
identidade. (Barthes,2001:34) 
 
Não fosse este desconforto, era a ufologia um pasto límpido para que eu pudesse estender 
e elaborar estes tipos de considerações. Não tivesse atinado para aquilo que o argumento de 
Renard deixa implícito, dos extraterrestres teria feito uma forma dos modernos imaginarem a si 
mesmos sob a forma de monstros: sem pelos, com largas caixas cranianas, minorados em suas 
funções físicas, integrados completamente às máquinas, em suma, tratar-se-ia sobretudo de uma 
forma de organizar o futuro sem sair do presente. Os extraterrestres seriam, em última análise, a 
forma como encontraram para pensar a si mesmos e, de modo complementar, a via de acesso 
para que se fizesse deles uma antropologia: suas imagens, seus projetos, suas obsessões, 
resultariam em expressões de tantas outras coisas. 
Aprendi com Guimarães Rosa, que o mundo é um rio com mais de duas margens. Estimo 
que seja possível entãohabitar estas outras, ou ainda, nelas permanecer sem maiores prejuízos. 
Antes de apresentar como tentei fazê-lo, cumpre dizer que, interessado no tema dos 
monstros, vi na discussão concernente à vida extraterrestre a possibilidade de prolongá-la, fosse 
por meio do estudo do modo como a ficção científica – na literatura e no cinema – produz esta 
classe de quimeras; fosse pelas descrições dos ufólogos, especialistas no tema alienígena, sobre a 
maneira segundo a qual o além-Terra é povoado por criaturas de raças, feitios e intenções 
dirigidas aos humanos muito diversas entre si. Como já observei, estimei desde muito cedo que 
por um outro caminho, eu correria o risco ser capturado pela intenção de pesquisar as 
equivalências entre figuras extraterrestres e as ditas projeções humanas. 
Inicialmente, tateava um modo de conseguir enquadrar o tema extraterrestre dentro 
daqueles interesses que eu havia nutrido: os estudos sociais da ciência e a temática da produção 
	
   26 
dos monstros. Tratei de proceder com a leitura da bibliografia disponível sobre o tema. Entre os 
trabalhos, proliferavam muitos estudos que, ou bem se auto classificavam no domínio das 
pesquisas de folclore ou, de maneira diversa, eram destes arremedos não confessos. Estes artigos 
pouco ou nada me inspiravam. Eram, via de regra, feitos à maneira de interpretações genéricas 
acerca do “fenômeno UFO”. Ocupavam-se de tentar rastrear a origem das “histórias” sobre 
visitantes extraterrestres e, sobretudo, de comparar as narrativas que em relação a eles se faziam 
com outras narrativas do dito folclore, anotando as regularidades e também as diferenças. Este é 
o caso, por exemplo, do texto On the nature and origin of flying saucers and little green men 
(Saranov,1981), que declara que “...flying saucers and little green men do not exist in reality” 
(Saranov,1981:165) e que era necessário pensar os extraterrestres e as suas naves como 
símbolos, todavia não explicados. 
Via de regra, a maior parte do corpo de trabalhos produzidos a respeito da questão 
extraterrestre, se não enunciava os seus postulados de modo tão peremptório como fez Saranov, 
de algum modo partia do princípio de que aquilo que importava era o fato das narrativas sobre 
estes seres, suas naves e seus modos de proceder, configurar um tipo de mitologia moderna que 
era preciso descrever.14 Era, na visão destes autores, necessário rastrear as origens do “fenômeno 
UFO”, anotando em seus capítulos cada passo que terminaria desaguando na configuração atual. 
A obra Watch de Skies: A chronicle of the Flying Saucer Myth (Peebles,1994), conquanto 
tenha-a tomado como uma referência em diversas partes desta tese – pois se configura como um 
estudo acurado e atencioso às fontes documentais – , é a realização exata das observações que fiz 
no parágrafo acima. Cada um dos capítulos do livro se desenha de tal forma a mostrar não só 
como a ufologia resulta de uma composição de elementos heteróclitos, como contém, em suas 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
14Este é o caso, por exemplo, do livro Angels and Aliens: UFO’s and the mythic imagination. (Thompson,1993) 
 
	
   27 
últimas páginas, um resumo de cada elemento da dita “mitologia viva”. A proposta de Peebles se 
configura como uma tentativa de produzir uma história social dos discos voadores.15 
A assunção de fundo que organiza este e outros estudos, é que a questão extraterrestre 
deve ser alvo de um extensivo estudo que, rastreando-lhe as origens, é capaz de mostrar como ela 
é uma construção social. Assumem, de antemão, que a tarefa do pesquisador é fornecer ao 
caráter furtivo do fenômeno – como se verá nas linhas seguintes – uma explicação, seja pelo 
traçar de homologias como eventos que reputam de natureza similar, seja por uma sócio-história. 
Para estes estudos, o trabalho de Carl Gustav Jung, intitulado Um mito moderno sobre coisas 
vistas no céu (Jung,1988) é uma referência quase incontornável. Jung não nega a priori que os 
testemunhos individuais possam ter uma base causal equivalente, no entanto reconhece nos 
diversos avistamentos que enchiam os jornais na década de 50, não a operação das máquinas 
extraterrestres, mas a possível resposta à tensão emocional diante da situação de calamidade 
coletiva vivida na Guerra Fria. Tal tensão, dificilmente poderia ser integrada conscientemente, o 
que resulta na criação de boatos universais das massas (Jung,1988), matizados em um frenesi de 
observações de objetos redondos, em formato de disco. Os objetos extraterrestres evocam, na 
qualidade de representações, a imagem arquetípica da mandala, do redondo, símbolo da 
totalidade psíquica, que trabalha no sentido de “unir opostos internos” (Jung,1988). A mandala, 
descobre Jung depois de analisar um sem número de casos de sonhos, é um tipo de arquétipo 
ordenador de situações caóticas, o que resulta as visões de discos voadores em forma redonda.16 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
15Há trabalhos acadêmicos no Brasil que se dedicam a uma empreitada similar àquela que desenvolve o americano, 
como é a dissertação de mestrado de Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, intitulada A invenção dos discos 
voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958), e a também dissertação de mestrado de Milton 
José Giaconeti, intitulada As luzes no céu e a Guerra Fria: do limiar do conflito ao imaginário dos discos voadores 
(1945-1953). 
16Leonardo Breno Martins descreve do seguinte modo o teor da interpretação fornecida pelo texto de Jung: “Jung 
(1958/1988) salienta que, na ausência de um símbolo integrador mundano (dado o interesse político na manutenção 
da Guerra Fria) ou metafísico (com a fé esquecida pelo racionalismo), criar-se-iam condições para o surgimento, 
alimentado pela tensão psíquica, de um símbolo de integração ‘novo’ e estranho à consciência. O símbolo emergiria 
	
   28 
Cristopher Patridge (Patridge,2004) passa com muita proficiência em revista a 
demonologia cristã, comparando as imagens que aí tem lugar àquelas dos aliens, que passam a 
aparecer a partir de certo período. O autor consegue entrever nas narrativas o processo de 
emergência de um tipo de demônio tecnológico. Digno de nota é que se o trabalho de 
comparação das similitudes entre as imagens não entrevejo qualquer obstáculo, quando as 
associações passam a ser usadas para conduzir o leitor à percepção de que elas tem por base os 
mesmos fenômenos – quando se fala de aliens e discos voadores, nunca se poderá estar falando 
realmente deles – já não posso mais acompanhá-lo. Observações como “ What aliens stories do 
show – loud and clear – is that we need something to scream out” (Patridge,2004:11), terminam 
esvaziando as ontologias alienígenas, na medida em que nelas tenta-se perceber nada além de 
identidades. 
Some-se ao tratamento da ufologia e da pesquisa sobre vida extraterrestre tentativas de 
reduzir todas as descrições sobre os seres, encontros e movimentos, a outras variáveis. Antes de 
tudo o que se faz é impor uma lógica da redução à diversidade matizada nas ontologias 
alienígenas. O trabalho de David Drysdale, que leva o título Alienated histories, Alienated 
futures (Drysdale,2008), o faz a partir de uma espécie de rediscussão de um dos mais famosos 
casos de abdução na história da ufologia, envolvendo o já mencionado casal Betty e Barney Hill. 
De acordo com o autor, o evento da abdução, quando estes retornavam de uma viagem de férias 
no Canadá, não seria outra coisa além de um modo de tematizar as relações raciais – Barney era 
negro e Betty era branca –, tendoem vista que quando as raças de Ets apareceram, as diferenças 
entre raças terrestres teriam sido borradas. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
de forma não integrada, não reconhecido pela consciência como uma conteúdo psíquico, mas projetado como um 
evento externo. (Martins,2011) 
 
	
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 Michael Sturma, em Aliens and Indians: A Comparison of abduction and Captivity 
Narratives (Sturma, 2002) repete o mesmo procedimento, também lidando com narrativas 
colocadas sob comparação. Mas desta vez o que se faz é analisar as coincidências entre 
narrativas de cativeiro de pessoas raptadas por nativo-americanos no século XVIII – que mais 
tarde se desenvolvem em um gênero literário –, e as narrativas sobre abdução que emergiram a 
partir de 1947, com vistas a verificar que tipo de elementos elas evocam: 
The central metaphor of both Indian captivity and Alien Abduction narratives 
concerns crossing frontiers and forced experience of another culture. 
(Sturma,2002:321) 
 
Note-se que aqui, além de comparar narrativas que por vezes têm o status abertamente 
declarados de ficcionais com relatos de experiências de dor e sofrimento – como via de regra 
aparecem nas incisões operatórias seguidas de implantes alienígenas, raptos no meio da noite e 
experiências com material reprodutivo – Sturma faz delas metáforas. As histórias concernentes 
aos encontros com extraterrestres manteriam a sua validade no campo metafórico, mas, quando 
sobre elas se debruça o pesquisador, seria preciso então ancorá-las na Terra. 
Vale lembrar que esta operação, ainda que guarde a mesma tentativa de reduzir tais 
fenômenos a elementos subjacentes – por vezes, o motivo da comparação – se difere da posição 
de alguém como Ronald Grunloh, que em artigo publicado na revista da Royal Anthropological 
Institute no ano de 1977 (Grunloh,1977), procede com uma inversão da tese atualmente 
conhecida como “Hipótese dos alienígenas do passado”, segundo a qual inúmeros eventos 
históricos, desde a “Carruagem de Fogo” do profeta Ezequiel, até a construção das pirâmides 
egípcias, tiveram a participação de seres alienígenas, ou resultaram de sua aparição. Desta forma: 
What I propose is a counter-argument: rather than ascribing ancient religious 
phenomena to the land of flying saucers, to explain the sighting of flying saucers 
as experiences of a kind similar to the religious visions of the past. 
(Grunloh,1977:1) 
 
	
   30 
 Ora, de acordo com o autor, as visões de discos voadores, da mesma forma que as 
experiências religiosas, não resultariam da participação de qualquer tipo de entidade alegada, 
mas sim de estados alterados de consciência, causados por um dos elementos a seguir: cansaço, 
meditação, consumo de psicotrópicos, privação do sono ou stress severo. (Grunloh,1977). 
Afora estas abordagens que, de uma ou outra forma, se voltaram para o tema da vida 
extraterrestre tratando-o como um campo discursivo, quando comecei a tatear o tema da 
ufologia, havia ainda outras matrizes na academia que se dedicaram a pensá-lo. Eu me refiro 
àqueles estudos que se debruçavam sobre o tema da pesquisa científica sobre a vida 
extraterrestre, isto é, sobre as iniciativas que, levadas a cabo por agências de pesquisa do governo 
americano, valiam-se de meios como mensagens enviadas a bordo de naves (Aranha,1990), a 
captura de emissões de rádio do espaço (Aranha,1990; Dorneles Barcelos, 1993; Dick,2006) e, 
mais recente, do estudos dos extremófilos17. (Helmreich,2009) 
Ainda no domínio das ciências sociais, grande parte da literatura que se dedicara ao tema 
ocupou-se de estudos sobre os Novos Movimentos Religiosos ou das science-based religions. 
Susan Palmer escrevera uma etnografia sobre o movimento Raeliano (Palmer,2004), tema que 
também foi alvo de artigos assinados por Debbora Battaglia (Battaglia, 2005; 2007). 
Desconsideradas as dissonâncias teóricas, a relação com o trabalho de campo e armação destas 
pesquisas, elas se inscrevem na linha inaugurada pelo livro When prophecy fails (Festinger et al, 
1956), na medida em que o seu objeto principal são grupos religiosos. Somam-se a estes casos a 
pesquisa de Diana Tumminia relativa ao grupo Unarius Academy of Science (Tumminia,1998).18 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
17Stephan Helmreich, que escreveu uma etnografia sobre a pesquisa de biólogos marinhos com os extremófilos, 
define-os como “lovers of extremes” (Helmreich,2007:1), isto é, microrganismos que habitam ambientes cujas 
condições de temperatura, pressão ou salinidade são extremas. 
18No capítulo três entabulo uma discussão com o tema das “science-base religions” e comparo as suas descrições 
com o caso de um grupo ufológico. 
 
	
   31 
Em outro diapasão, encontramos os trabalhos de Susan Lepselter (2005) e Jodin Dean 
(1998).19 A obra da primeira talvez seja um dos melhores textos etnograficamente informados 
relativo ao “fenômeno UFO”. Em seu trabalho, que resulta de uma etnografia junto aos grupos 
de suporte e apoio mútuo às pessoas abduzidas e, paralelamente, de uma cidade nas 
proximidades da Área 51, a autora segue as conexões que os seus interlocutores em campo fazem 
entre grandes narrativas sobre os UFOs e diversas teorias conspiratórias, aos aspectos ditos 
“banais” da vida. Não tão banais, comenta a autora, desde o ponto de vista dos sujeitos que 
narram sensações de deslocamento e desempoderamento em relação ao que chama de 
“powers-that-be” (Lepselter, 2007). Não tão banais porque as pistas sobre o acobertamento20, 
que alimentam a intuição de que algo lhes escapa, vivem nos detalhes. “Detalhes” que a autora 
nos conta em um texto absolutamente poético e que se matizam na impossibilidade de se 
conseguir uma carteira de motorista, na perda de parentes ou em uma doença inesperada. 
O que torna este trabalho interessante, merece dizer, é que autora não reduz as 
experiências com UFOs ou os casos de abdução a epifenômenos destas circunstâncias. Os UFOs, 
na obra de Lepselter, não são “apenas” a linguagem através da qual estes sentimentos de 
deslocamento ganham expressão: 
In the stories I tell later, the uncanny occurs not as an articulated response to 
oppression in any specific historical moment or against any specific group. 
Instead it speaks of the hair-raising feeling of a creeping hegemony, a forgotten 
trauma distilled into the air, the terrible conviction that something isn’t right. 
(Lepselter, 2007:35) 
 
Digo “apenas” porque, uma leitura cuidadosa de sua tese, mostra que se em alguns 
trechos a autora afirma que “I am not suggesting that UFO abduction is a symptom for a more 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
19Nos capítulos que seguem em mais de uma ocasião entro em diálogo com os trabalhos das autoras. Desta feita, 
entendi que para efeitos da introdução deveria fazer uma exposição mais econômica. 
20Dediquei um tópico completo no capítulo seis ao tema do acobertamento.32 
real trauma, like child sex abuse” (Lepselter,2007:56), em outros, termina fazendo o que, em 
algumas páginas antes, havia renunciado: 
At UFO abductee meetings it’s as if all the hurts of a life have collected into this 
one gigantic unbelievable trauma of alien abduction and become organized 
there, under its name: abduction, the biggest imaginable rip-off in the whole 
wide universe. (Lepselter,2007:110) 
 
 O trabalho de Jodi Dean, intitulado Aliens in America: Conspiracy Cultures from 
outerspace to cyberspace se insere mais fortemente no campo dos estudos culturais do que 
propriamente na antropologia. Segundo Dean a ufologia e os episódios de abdução que se 
tornaram populares nos Estados Unidos, são uma espécie de veículo para pensar a paranoia e a 
desconfiança. 
* 
Ao passar em revista a literatura supracitada, embora encontrasse muitos elementos com 
os quais, durante a escrita da tese terminei entrando em diálogo, eu ainda ressentia da leitura de 
um trabalho que fizesse o nexo entre a pesquisa em ufologia e a antropologia da ciência.21 Por 
certo, muitas das pesquisas citadas, obrigatoriamente, continham notas sobre o modo como o 
conhecimento em ufologia é construído. Entretanto, foi só no conjunto de artigos assinados por 
Pierre Lagrange (Lagrange,1988;1990:2005) e na tese de doutorado defendida por Anne Cross 
(Cross,2000) que encontrei a ocasião para desenvolver meu projeto de pesquisa. Lagrange, 
contornava completamente o problema da representação social e, atencioso ao evento mais 
clássico que a ufologia já conheceu – o episódio envolvendo Keneth Arnold, em 1947 – 
colocava-se a questão concernente ao problema de como se constrói um caso ufológico. 22 Anne 
Cross, por seu turno, havia produzido um estudo etnograficamente informado acerca da 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
21Nesta época eu ainda não havia tomado contato com a dissertação de mestrado de Daniel Pícaro (Pícaro,2007), que 
também versa sobre o tema. 
22"Que se passe-t-il dans une affaire d'ovni, quelles sont les stratégies mises en place par leurs passionnés, et leurs 
détracteurs, pour construire, ou déconstruire la réalité de cet objet ? ”(Lagrange,1990:3)	
  
 
	
   33 
comunidade ufológica nos Estados Unidos dando especial ênfase às relações entre este domínio e 
a Ciência. 23 Como mostrarei no capítulo sete, embora Cross tivesse produzido uma pesquisa 
repleta de insights sobre a relação entre os ufólogos e aquilo que ela designa por mainstream 
science, seu trabalho assumia em alguns momentos que a ufologia e a Ciência eram 
“instituições” com fronteiras definidas, ademais, congelava uma imagem de Ciência que, embora 
não resultasse do desconhecimento da literatura nos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, 
parecia desconsiderá-la. Ainda assim, a partir de seu trabalho e dos textos de Pierre Lagrange, 
decidi-me por desenhar um projeto de pesquisa que, de fato, se baseasse no trabalho de campo 
junto aos ufólogos brasileiros e que não fosse, simplesmente, um estudo do modo como os 
ufólogos se organizam. Neste ponto a formação que tivera anos antes nos estudos de ciência, de 
certa forma, motivou um tipo de detour em relação às pesquisas que se desenhavam com o 
objetivo de descrever a ufologia enquanto mitologia moderna, sinalizando para uma mudança 
destes aspectos para a própria prática dos ufólogos. Isto é, seguindo a pista de Lagrange, eu 
passei a me interessar pela questão relativa à forma como os ufólogos constroem a ufologia e, 
atencioso aos comentários de Cross, estimei que o tema da “evidência” da ufologia teria bom 
rendimento. 
A partir destes dois trabalhos, portanto, consegui amarrar o interesse pela pesquisa 
relativa à ufologia ao domínio dos estudos da ciência e da tecnologia. O movimento mostrava-se 
não apenas possível, como aparentemente profícuo, considerando que o volume de pesquisas 
sobre as ditas paraciências no próprio campo da Antropologia da Ciência e da Tecnologia era, e 
estimo que ainda continue sendo, pequeno relativamente a outras áreas de concentração. 24 
 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
23Neste momento eu já havia tomado contato com o texto de Ron Westrum, intitulado Social Intelligence about 
anomalies (Westrum,1977) mas não lhe dispensei muita atenção. 
24No capítulo sete esboço alguns motivos que suspeito participarem nesta espécie de desinteresse pelo tema. 
	
   34 
Sobre o que fiz com os extraterrestres quando com eles passei a ter maior intimidade 
As observações que forneci nas linhas acima, feitas ao modo de um esboço de trajetória 
de pesquisa, almejam dar ao leitor os subsídios para compreender aquela que seria a atitude que 
eu adotaria em momentos futuros em relação às pesquisas sobre o tema da vida extraterrestre e, 
em particular, da ufologia. Devo notar que as alterações que a ela se impuseram, resultam, como 
é de se esperar, não só dos encontros no bojo da academia que nos anos passados se fizeram, mas 
também do aumento da intensidade do contato com os ufólogos em campo. 
Originalmente, escrevi uma proposta que, reconhecendo a impossibilidade – teórica, mas 
também pragmática – de definir o campo como o estudo da ufologia como um grupo25, acatava a 
observação de Bruno Latour (Latour,2005) segundo a qual importava menos definir um grupo de 
antemão, do que estar atento “aos seus processos de formação”. (Latour,2005)26 Desta feita, o 
projeto se definia como uma tentativa de seguir na prática os esforços rotineiros de investigação 
sobre o “fenômeno UFO”. Definia assim o campo menos como um espaço localizado a partir do 
qual eu trabalharia, mas, sobretudo, pelos encontros com os ufólogos que se dariam durante o seu 
próprio trabalho de campo. Naquele momento, o nexo que eu havia encontrado entre a pesquisa 
que faria e a antropologia da ciência não era outro senão a tentativa de descrever como um grupo 
de paracientistas constrói pragmaticamente as suas evidências e provas, movimento que eu 
percebia como homólogo ao trabalho que o domínio dos Estudos Sociais da Ciência e da 
Tecnologia vinha realizando com cientistas desde a década de 70. Havia, entretanto, uma 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
25 Abordo este ponto com maior profundidade no tópico seguinte. Ademais, em vários momentos da tese elaboro a 
questão de modo mais detido. 
26“To sum up, whereas for sociologists the first problem seems to settle on one privileged grouping, our most 
common experience, if we are faithful to it, tells us that there are lots of contradictory group formations, group 
enrollment—activity to which social scientists are obviously crucial contributors. The choice is thus clear: either we 
follow social theorists and begin our travel by setting up at the start which kind of group and level of analysis we 
will focus on, or we follow the actors’ own ways and begin our travels by the traces left behind by their activity of 
forming and dismantling groups.” (Latour, 2005:29) 
 
 
	
   35 
diferença: os coletivos com os quais eu me envolveria, embora falassem da Ciência em diversas 
ocasiões, nem sempre se definiam, ou ainda, eram tomados como científicos. 
Posteriormente, submeti o projeto original a uma reformulação, pois desde o início de 
2011 eu já vinha trabalhando junto aos ufólogos27 e durante a pesquisa encontrei na expressão “É 
real?” um tipo de imagem a partir da qual organizaria o meu trabalho. Naquelemomento eu me 
interessava fortemente pelo tema das experiências extraordinárias na antropologia – fossem elas 
experimentadas pelo pesquisador ou pelos seus interlocutores em campo – e, seguindo a pista de 
Susan Lepselter, reconheci nesta expressão a pergunta que inaugurava as condições de 
possibilidade do saber ufológico. Logo, na medida em que os ufólogos se colocavam diante um 
evento ufológico – fosse ele uma abdução ou um avistamento – terminavam colocando para si a 
referida pergunta “É real?”. Esta terminava agindo como um dispositivo, na medida em que 
comportava uma injunção à explicação. Ora, diante deste argumento entendi que a minha tarefa 
na tese deveria se desenvolver de tal modo que eu contornasse o problema da realidade dos 
discos voadores e seguisse as “explicações” que resultavam deste questionamento primeiro. Para 
tanto, eu me apoiava na discussão que Eduardo Viveiros de Castro fizera no artigo O Nativo 
Relativo (2002), no qual importava menos saber se eram os pecaris humanos, mas, de acordo 
com o autor, “[e]m que agenciamentos ela pode entrar? Quais são as suas consequências?”28 
(Viveiros de Castro,2002:136) Também foi fundamental para que eu me engajasse com o 
trabalho a partir desta matriz, a observação que Debbora Battaglia fazia na introdução do livro 
E.T Culture: Anthropology in outerspaces (Battaglia, 2005), segundo a qual as pesquisas 
referentes ao tema da vida extraterrestres colocar-se-iam em melhor posição se seguissem o que 
a autora chama de “E.T effect” (Battaglia, 2005). A atenção ao “E.T effect” sugere uma mudança 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
27No tópico seguinte dedico-me a descrever as situações de campo a partir das quais esta tese foi escrita. 
28Na conclusão retomo este texto para discutir o tema da crença. 
 
	
   36 
de posição das representações sociais sobre a vida fora da Terra para aquilo que os extraterrestres 
provocam ou ensejam. 
Convém aqui resumir a mudança de posição que esta reformulação do desenho primeiro 
da pesquisa implicava: se antes o mote do trabalho, na esteira da discussão de Pierre Lagrange, 
era a tentativa de discutir de que forma as noções de prova e evidência são construídas na 
ufologia, neste novo momento o problema assumia outros contornos, na medida em que se 
definia pela tentativa de pensar de que modo a pergunta “É real?” permitia aos ufólogos 
construírem a sua disciplina.29 
Esta segunda solução me parecia bastante conveniente. Com ela era possível passar ao 
largo da questão da crença, que de modo implícito ocupava grande parte das abordagens sobre o 
tema extraterrestre e, de modo correlato, livrava-me de escrever mais uma tese sobre as 
“representações sociais dos ufólogos”. A questão que eu perseguia, embora parecesse 
promissora, deixava entrever duas dificuldades. Na forma como estava formulada, a tese se 
esquivaria de fornecer “explicações sobre o fenômeno extraterrestre”, fossem elas de qualquer 
natureza. Mas, por outro lado, se há algo que se configura como um traço absolutamente central 
na ufologia é exatamente o trabalho rotineiro de oferecer as referidas explicações. Estimo que 
esta tenha sido a dificuldade central daquela última formulação da pesquisa que, não fosse pelas 
observações de Marcela Coelho, Jayme Aranha e Guilherme Sá teria passado sem percebê-la. 
Estas apontavam para uma disjunção entre o argumento que me conectava à ufologia e, em 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
29Ao qualificar a ufologia valho-me de forma intercambiável dos termos disciplina, domínio do saber e campo do 
saber. As expressões, sem nenhuma dúvida, dispõem de significados totalmente diferentes e sei que o seu uso 
alternado evidentemente causa confusões. Peço ao leitor(a), entretanto, que os leia sem neles imputar a carga 
conceitual que carregam, seja porque aparecem nos trabalhos de Michael Foucault ou Pierre Bourdieu. Estas 
ocorrências diversas de qualificativos não correspondem, desta forma, à abordagem que desenvolvo ao longo de 
minha pesquisa. De modo totalmente diverso daquilo que os termos compreendem, talvez a expressão que melhor 
qualifique a ufologia, nos termos que esta tese com ela se relaciona, seja uma "disposição de relações". O termo 
acompanha a expressão "assemblage of relations", empregada por Axel Morten Pedersen no artigo "Islands of 
Nature: insular objects and frozen spirits at Mongolia" (Pedersen,2013) 
 
	
   37 
última análise, a própria descrição do trabalho dos ufólogos. Em uma palavra, a recusa em 
responder à questão de saber o que os UFOs são entrava em atrito com o desejo dos meus 
interlocutores de descobrir, em definitivo, não só a natureza das naves, mas também as formas e 
intenções dos ufonautas. Ao limitar o objetivo do trabalho a uma antropologia da ufologia, eu 
terminava ignorando que aquilo que interessava aos ufólogos, em certa medida, era uma 
exoantropologia.30 Remoí esta questão por um longo tempo e a cada novo encontro com os 
ufólogos, fosse nos congressos ou nas entrevistas, tornava-me mais ciente de que precisaria 
alterar o “enquadramento” que daria ao trabalho. Havia ainda um segundo aspecto que tornou-se 
visível com o passar dos meses. Ao concentrar a discussão em torno da injunção à explicação 
contida na pergunta “é real?”, eu me mantinha nos confins do problema relativo à forma como se 
produz conhecimento na ufologia. E ainda que os termos fossem modificados, no fim das contas 
sobraria uma tese que em pouco se separaria dos trabalhos que, nas linhas anteriores, pontuei 
operarem um processo de redução. 
Apenas quando já tinha em mãos grande parte do material etnográfico consegui dar uma 
solução mais ou menos satisfatória às duas dificuldades que o problema da tese, como vinha 
sendo formulado, comportava. De fato, procedi uma completa inversão daquela abordagem.31 Ao 
contrário de me perguntar, como fizera antes, sobre como os ufólogos constroem os discos 
voadores, sobre como definem o que conta como uma evidência, estimei que a questão, de 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
30Este ponto tornou-se particularmente visível durante a partilha da escrita de um artigo com o ufólogo Alberto 
Francisco do Carmo. Na ocasião eu havia modificado o documento e incluído o subtítulo: “Protótipos de um 
exoantropologia”. Alguns dias depois recebi de Alberto a cópia do trabalho e nela encontrei algumas alterações. 
Uma delas dizia respeito exatamente ao subtítulo proposto: ele havia aberto uma nota de rodapé com os seguintes 
comentários: “Tudo o que estudamos e sabemos é baseado no “homo sapiens”, cujas variedades tem o mesmo 
genoma. Mas alienígenas, embora morfologicamente similares, podem ter capacidades diferenciadas em relação a 
nós.[...] Isto pede que tenhamos, futuramente, noções de que tenham uma psiquê um tanto diversa da nossa, à qual 
não podem ser extrapoladas características da psiquê humana “in totum”. Daí, no caso, uma exoantropologia pode 
ser pensada como o estudo destas diferenças, que não são apenas biológicas, mas também psicológicas e sociais”. 
(Violência extraterrestre e violência científica: protótipos de uma exoantropologia – Mimeo) 
31Em parte esta mudança de curso da pesquisa tem que ver com a análise do material etnográfico que fiz sob a 
orientação da Professora Debbora Battaglia durante o período do doutorado sanduíche. 
 
	
   38 
maneira alternativa, gravitava em torno do problema de sabercomo os UFOs criam as 
socialidades32 ufológicas. 
Decerto que para seguir o curso deste argumento era necessário não só uma outra 
linguagem para descrever os coletivos de extraterrestres e humanos que conformam a ufologia, 
como se impunha um deslocamento que tirasse o foco de certa “epistemologia ufológica” 
(Pícaro, 2007) – ainda que orientada para as definições pragmáticas dos agentes ali envolvidos – 
para o que decidi chamar de ontologias alienígenas. Os UFOs e os extraterrestres não restariam 
apenas como objetos sobre os quais sobreviriam elaborações dos meus interlocutores mas, neste 
enquadramento alternativo, tomariam parte de uma assemblage (Latour, 2005), onde figurariam 
não como objetos passivos, mas como o gatilho para a própria concepção da ufologia. 
As inspirações para este detour, que me levou da questão concernente ao problema de 
“como os ufólogos constroem o conhecimento”, para a descrição das ontologias alienígenas, 
provém dos trabalhos de Bruno Latour, Michel Serres, Eduardo Viveiros de Castro, Martin 
Holbraad e, de modo muito substancial, no apontamento de Debbora Battaglia, segundo quem os 
Raelianos tornavam-se visíveis “[...]as a legitimate knowledge community” (Battaglia,2005:163) 
na relação com os agroglifos que, nos seus termos, “makes visible claims to an invisible truth 
that is “out there”, always partially hidden” (Battaglia, 2005:163). Combinei este argumento, que 
estimo como fundamental para que eu pudesse organizar o material etnográfico, com alguns 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
32Ao usar a noção de socialidade, acompanho o emprego que Marilyn Strathern faz da expressão. No artigo 
intitulado "The concept of society is theoretically obsolete - (For the motion 1) (Strathern,1996), Strathern nos 
lembra que o conceito de socialidade constitui uma alternativa à noção de sociedade. O primeiro compreende a 
perspectiva segundo a qual "[s]ocial relations are intrinsic to human existence, no extrensic." (Strathern,1996:55) 
Tim Ingold, ao comentar o referido artigo, observa que: "Their plea is for an alternative conceptual vocabulary, 
anchored on the concept of "sociality", that would enable us to express the way in which particular persons both 
come into being through relationships and forge them anew, without relegating both personhood and relationship to 
a domain of reified abstraction - epitomized by the concept of society - which, in a certain strand of contemporary 
political rhetoric, is but a prelude to their dismissal as illusory." (Ingold, 1996:47) 
 
	
   39 
elementos de teoria etnográfica de tal modo a reformulá-la para os meus propósitos33. Se os 
UFOs eram os responsáveis pela criação das socialidades ufológicas, só o eram porque restavam 
“parcialmente visíveis” – uma pequena modificação em relação à noção de partially hidden. E 
esta qualidade, que os tornava furtivos, raramente nítidos nas fotos, difíceis de serem captados 
pelas medidas humanas, instava os ufólogos a formarem, em relação a eles, domínios de 
proximidade.34 No decorrer desta tese, mostrarei como este processo se faz, na medida em que 
articularei a questão da impossibilidade de ver completamente com o tema do segredo. Os UFOs, 
passei a concluir a partir do encontro com os meus interlocutores, são máquinas de fazer 
segredo. Em última análise, se são eles o motivo para a criação das sociabilidades ufológicas, só 
o fazem na medida em que circulam encriptados, gerando documentos, pareceres, relatos e fotos, 
que partilham desta mesma propriedade. 
Diante disso as obras de Michel Serres e Annemarie Mol tiveram para mim grande valor. 
A partir do ensaio do ensaio de Serres sobre o tema dos parasitas fui capaz de pensar a noção de 
grupo ufológico menos como o resultado da partilha de disposições, características ou os ditos 
valores. Não foi sem a sua ajuda que consegui delinear que aquele coletivo se definia antes pela 
circulação dos UFOs pelos seus canais do que propriamente sobre uma “construção social sobre 
o tema extraterrestre”. Neste ponto, socorreu-me a noção de coreografia, aportada por Mol. Foi 
lendo-a que fui capaz de me proteger da ideia de que os UFOs eram objetos em relação aos quais 
se acumulavam representações, a partir de sua indicação de que os objetos se modificavam na 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
33Mais uma vez as contribuições Debbora Battaglia foram centrais neste ponto. Lembro-me com muita clareza que, 
ao discutirmos o material que será apresentado no capítulo cinco, contava-lhe que os habitantes da Ilha de Colares 
que aí viviam quando as luzes Chupa-Chupa começaram a aparecer, raramente viam os objetos emissores dos raios 
que os atingiam. Debbora então comentou que aquilo que podiam ver não era outra coisa senão “the shell of 
technology”. 
34Como se verá no capítulo três, a noção de “proximidade” provém da economia conceitual do autor de um relatório 
sobre um óvni avistado nas imediações do presidio da Papuda, no Distrito Federal. Devo a sua formulação a Wilson 
Geraldo de Oliveira. No capítulo 7, recupero a ideia de "proximidade" por via diversa, a partir da obra de Martin 
Heidegger. 
 
	
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medida em que circulavam por diferentes “bundles of practices” (Mol, 2002). Apesar deste 
trabalho ser aqui uma referência importantíssima, as falas dos meus interlocutores apontavam 
para o fato de que os UFOs, ainda que se articulassem em relação aos ufólogos, podiam ter uma 
existência fora destas mesmas relações. Na maioria dos relatos os óvnis e os seres que os 
ocupam, não só podem aparecer como anteriores aos humanos, como podem figurar como os 
seus criadores. 
De certo modo, o material etnográfico me dirigia a perceber que as ontologias alienígenas 
se concebiam na medida em que os UFOs não podiam ser completamente integrados aos 
coletivos ufológicos. Em última análise, a sobrevivência dos últimos dependia exatamente do seu 
caráter furtivo, da recusa em deixarem-se ser capturados com nitidez nas imagens, nas 
mensagens interrompidas aos abduzidos, nos segredos contidos nas imagens nas plantações. 
Ainda assim, conservam algumas modalidades de ação, reconhecíveis pela sua capacidade de 
produzir segredos, aos quais, atribuo o status daquilo que, paradoxalmente, busca-se revelar mas, 
neste mesmo movimento, termina-se alimentando os seus aparelhos secretores. 
Foi através do trabalho de Roy Wagner, em particular no artigo Our very Own Cargo 
Cult (Wagner, 2000) que encontrei a formulação segundo a qual aquilo que caracteriza o tema 
dos UFOs era a questão de saber "quem está “desinformando” quem? (Wagner,2000:363)35. Este 
apontamento coincidia com o material etnográfico sobre o qual eu trabalhava. Mais tarde entendi 
que, de certa forma, ele poderia ser acoplado à observação de Martin Holbraad de acordo com a 
qual uma antropologia que, de fato, fosse capaz de promover a emancipação dos objetos, deveria 
ser capaz de pensar como os objetos produzem os seus próprios contextos (Holbraad, 2011). O 
nexo entre estes dois elementos não podia então ser outro além da ideia de que os UFOs 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
35Alternativamente,"It is, or was, or will be only a trick, but who could tell who was tricking whom?" 
(Wagner,2000:362) 
	
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produzem os seus próprios contextos na medida em que se recusam a permitir que se veja, 
completamente, como o fazem. 
Dito de outro modo, a maneira

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