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Responsável Técnico: Lorena de Fátima Vidal (CRB: 410/11-AM) Biblioteca CEUNI-FAMETRO FAMETRO Av. Djalma Batista, Nossa Sra. das Gracas. Manaus, AM L372s Lima, Nata Souza. Sociologia e antropologia. / Nata Souza Lima. -- Manaus: CEUNI- FAMETRO, 2021. 178 p. ISBN: 978-85-64293-06-9 1. Sociedade 2. Cultura 3. Diversidade cultural 4. Fato social I. Título. CDU.:572 Ficha catalogada na Biblioteca CEUNI-Fametro Todos os direitos reservados © FAMETRO IME Instituto Metropolitano de Ensino Ltda Wellington Lins de Albuquerque | Presidente - IME Maria do Carmo Seffair Lins de Albuquerque | Reitora Cinara da Silva Cardoso | Pro-Reitora Iyad Amado Hajoj | Diretor de EaD e Expansão Leonardo Florêncio da Silva | Diretor Editorial e Gestor de EaD Luciana Braga | Projeto Gráfico e Direção de Arte Amenayde Cristine Corrêa | Assistente Editorial Ana Augusta de Oliveira Simas | Supervisora de Produção e Revisora Liene Costa | Revisora Flávia Bahia Lacerda | Revisora Técnica Imagens | depositphotos.com "Nos termos da Lei n.º 9.610/98, o autor desta obra é titular de todo o complexo de direitos autorais sobre a presente criação. Assim, é vedada a cópia, reprodução, edição ou distribuição desta obra sem autorização expressa do Autor ou da Editora e, ainda é vedado utilizar, citar, publicar esta obra integral ou parcialmente sem deixar de indicar ou anunciar o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor sob pena da aplicação das medidas previstas nos Art. 101 a 110 da Lei n.º 9.610/98." “Sejam todos e todas bem-vindos ao EaD do Centro Universitário Fametro” O Centro Universitário Fametro acredita que o papel de uma instituição de ensino é formar não apenas profissionais, mas também formar profissionais no Ensino Superior, com valores éticos, humanísticos e com respeito ao meio ambiente capazes de contribuir para o desenvolvimento da nossa Amazônia. A Fametro, portanto, tem premissas claras a cumprir como instituição de ensino de qualidade. Praticar o ensino, pesquisa e extensão é a sua principal bandeira. A Fametro, ao longo das últimas duas décadas, vem se consolidando como a melhor instituição de ensino do Norte, um espaço democrático e docentes com variadas visões de mundo. Somos uma instituição de ensino plural que avança a cada ano em busca sempre de desenvolver a economia da Amazônia. Nossa estrutura é moderna, estamos em diversos municípios levando uma educação inclusiva e de qualidade. Conheça o Centro Universitário Fametro e viva a experiência em estudar numa instituição com o corpo docente com mestres e doutores e de qualidade de ensino comprovada pelo MEC. Maria do Carmo Seffair Reitora Pa la vr a da R ei to ra “É a educação que faz o futuro parecer um lugar de esperança e transformação”. (Marianna Moreno) UNIDADE I Debates fundamentais em Sociologia A noção de "ciência social" Sociologia e método sociológico Industrialização e mudança social Individualismo e estigma Modernidade e globalização Su m ár io 13 13 16 22 31 38 UNIDADE II Debates fundamentais em Antropologia Evolucionismo social Natureza e cultura Etnocentrismo e Alteridade Trabalho de campo e Etnografia Populações tradicionais e vozes ameríndias UNIDADE III Problemas sociais do Brasil Formação nacional Questões étnico-raciais no Brasil Conflitos agrários e as lutas pela terra Cidades e violência urbana A Amazônia no debate social 53 53 59 65 68 74 85 85 91 99 105 110 UNIDADE IV Desigualdades sociais e direitos humanos Direitos humanos e justiça Gênero: desigualdades e violências Migração e fronteiras Poder e subalternidades Estado e intervenção social Referências Caderno de exercícios 121 121 125 136 142 146 152 159 U ni da de 1 Videoaula 1 Videoaula 2 13 DEBATES FUNDAMENTAIS EM SOCIOLOGIA A NOÇÃO DE “CIÊNCIA SOCIAL” As ciências sociais são um campo do conhecimento moderno que compreende três disciplinas principais: Sociologia, Antropolo- gia e Ciência Política. Esses três sa- beres propõem olhares diferentes sobre a vida social humana. Embora estas áreas do conhecimento sejam muito próximas entre si, não são to- talmente iguais. A Sociologia busca estudar as relações do indivíduo na sociedade, a estrutura e dinamici- dade das sociedades modernas, fa- 14 Anotações: zendo uma análise no percurso histórico e as suas transformações ao longo do tempo. A antropologia analisa a distinção das culturas humanas, a diversi- dade dos grupos sociais ou étnicos e as mudanças que ocorrem, devido à interação entre os grupos. Ao passo que a Ciência Política estuda a siste- matização do poder do estado, as instituições e o processo político partidário de um país, as políticas públicas em todas as suas etapas, ou seja, na elabo- ração, implantação e avaliação do resultado de sua aplicação. Neste livro, nosso enfoque será sobre Sociologia e Antropologia, duas áreas das Ciências Sociais, que têm origens aproximadas, mas formas distintas de observar e refletir sobre as relações sociais. Numa percepção clássica, a Sociologia se constrói a partir de três principais teóricos, que produzem visões diferentes sobre a sociedade e as transformações modernas. Primeiramente, veremos a consolidação da Sociologia como uma Ciência moderna, a partir de Émile Durkheim, na França. Em seguida, estudaremos outros dois teóricos fundadores de problemas sociológicos modernos, mas que não estiveram intrinsecamente ligados à formação da Sociologia como um campo disciplinar, mas cada um adotando compromissos diferentes em relação à ciência e à compreensão das transformações da modernidade. São eles: Karl Marx e Max Weber, ambos alemães. 15 Anotações: A formação da Sociologia como Ciência O Iluminismo foi um movimento filosófico do século XVIII, que propôs a separação radical entre igreja e ciência. Esse foi o marco da ciência moderna, onde autores como Renè Descartes, Jonh Locke, Rousseau, Voltaire, entre outros, elaboraram ensaios sobre as leis, as formas de desigualdade, as relações de poder e, sobretudo, a necessidade do método como meio pelo qual se conhece a realidade. A partir desse movimento intelectual, consolida-se a modernidade, baseada na técnica, no método e na comprovação científica. Desse processo, as ciências exatas e da natureza consolidam métodos e regras para a investigação científica, apreensão e acúmulo do conhecimento. O método científico proporciona maior veracidade e controle de uma determinada experiência. Além disso, assegura o acúmulo de conhecimento, uma nova descoberta, devidamente testada e aprovada pelos cientistas que compõem um campo disciplinar, não precisa ser testada do zero. Outras teorias e experimentações podem ser realizadas a partir dos conhecimentos já adquiridos cientificamente. No final do século XIX, havia uma lacuna em torno da produção de conhecimentos sobre a humanidade e as sociedades, que até ali era feita pela Filosofia ou pela Teologia, a primeira com mais ênfase nas questões do espírito humano, a segunda, com ênfase na crença e na fé. Nas duas, a produção do conhecimento não passava por métodos científicos, nem por processos de testagem e comprovação. 16 Anotações: Movidos por essas questões, dois autores do final do século XIX buscaram consolidar abordagens científicas sobre a vida social. O primeiro foi Gabriel Tarde, que propôs a literatura (por meio da interpretação literária) como meio para a análise social. Essa ideia não repercutiu com a mesma proporção que a proposta de Auguste Comte, que inaugurou a noção de “física social”, uma ciência que seria capaz de analisar a sociedade, a partir do método científico já consolidado nas ciências “duras” (exatas e da natureza, principalmente). Comte teve grande influência na educação francesa, sendo primeiramente um crítico do elitismo em torno do acesso ao conhecimento,o que o levou a ser apoiado por diversos intelectuais da época. Foi mentor de Émile Durkheim, quem o ajudou a formular as primeiras ideias em torno da “física social’’. Ocorre que Comte, antes de finalizar suas formulações em torno da nova ciência, fora acometido de “colapsos nervosos”, o que abalou seu trabalho e, sobretudo, sua criatividade. Assim, foi Émile Durkheim, aluno de Auguste Comte, quem seguiu com a tarefa de construir a primeira ciência social, a qual chamou de “Sociologia”. SOCIOLOGIA E MÉTODO SOCIOLÓGICO Émile Durkheim foi fundamental para a criação formal da Sociologia no espaço acadêmico francês, tendo sido o primeiro a ocupar uma cadeira universitária com esse nome (em Bordéus, 1887) e fundou, em 1896, o L’Année sociologique (anuário sociológico), que se tornou a principal revista de Sociologia da França, divulgando o pensamento da 17 Anotações:“escola” durkheimiana, que teve muitos discípulos, entre eles, seu sobrinho Marcel Mauss (fundamental para os estudos em Etnologia, como veremos posteriormente). Figura 1 - Émile Durkheim Fonte: Domínio público. Esse processo envolveu a defesa da existên- cia de um objeto propriamente sociológico, o “fato social”, distinto do objeto de outras áreas do conhe- cimento, como a Biologia, a Filosofia, a Psicologia, o Direito, a Economia, etc. Esse objeto demandaria a codificação de um método específico para tratá- lo e de uma ciência distinta e autônoma — a Sociolo- gia — para descobrir as leis de seu funcionamento. Em “As regras do método sociológico”, Durkheim defende que os fatos sociais existem “acima” das consciências individuais, sendo-lhes exteriores e as antecedendo. Essa definição sobre 18 Anotações: os fatos sociais, implica na construção do conceito de “sociedade”, na sociologia durkheimiana, para a qual a “sociedade” existe acima (sobrepondo) dos indivíduos. Para Durkheim, “sociedade” não significa meramente uma coletividade de sujeitos, mas uma “consciência pública ou coletiva que exerce um poder de coerção ou se impõe, de maneira mais ou menos perceptível, aos indivíduos” (CASTRO, 2014). O método sociológico seguirá, portanto, algumas premissas importantes, distinguindo- se de outras ciências, da Filosofia e da Religião. Durkheim afirma que o fato de ter nascido a partir das doutrinas filosóficas consideradas relevantes, a Sociologia não alterou o hábito de se apoiar em qualquer sistema no qual se sinta solidário, a exemplo de ser positivista, evolucionista, espiritualista, ao invés de cultivar simplesmente a Sociologia (idem). Quanto às ideologias, a Sociologia de Durkheim não deve “tomar partido” entre as grandes hipóteses que dividem os metafísicos. Tampouco lhe cabe defender a liberdade ou o determinismo. Nesse aspecto, distingue-se muito das teorias socialistas que ganharam força na Europa no final do século XIX, principalmente com a publicação das obras de Karl Marx. A Sociologia, segundo o princípio da tradução francesa, deve limitar-se a que o “princípio de causalidade seja aplicado aos fenômenos sociais’’. Isso significa tratar os fenômenos sociais como dotados de “causas” que também produzem “efeitos” próprios. Além disso, esse princípio é estabelecido por ela não como uma necessidade racional, mas tão somente como um postulado empírico, produto de legítima indução. 19 Anotações:Durkheim (apud CASTRO, 2014, p. 38) reafirma: A sociologia assim entendida não será individualista, nem comunista, nem socialista, no sentido vulgarmente atribuído a essas palavras. Por princípio, irá ignorar essas teorias, nas quais não poderia reconhecer valor científico, uma vez que elas tendem claramente não a exprimir os fatos, e sim a reformá-los. Se ela se interessa por eles, é tão somente na medida em que vê neles fatos sociais capazes de ajudar a compreender a realidade social por manifestarem as necessidades que operam a sociedade. A ênfase na ausência de um viés ideológico à Sociologia, proposta por Durkheim, estava atrelada principalmente ao seu esforço de objetividade, cru- cial para sua consolidação como Ciência. Para tanto, o autor defendia que os fatos sociais (como objetos sociológicos) deveriam ser tratados como coisas. Nesse processo de construção da objetividade, o sociólogo deveria abrir mão das “pré-noções” e ob- servar os fatos como eles são, buscando examinar suas características mais objetivas. 20 O suicídio (1897) O livro de Émile Durkheim, publicado pela primeira vez em 1897, marcou a Sociologia por ter sido a primeira obra a se debruçar sobre um problema social (fato social), a crescente onda de suicídios na França, a partir de dados estatísticos e empíricos. As explicações sobre o Suicídio, na época, tratavam esse fenômeno como um problema de ordem individual. Analisando taxas de mortes autoprovo- cadas, a partir de regiões, concentração em períodos, Durkheim pôde argumen- tar que o suicídio não era um fenômeno isolado a cada caso, mas tinha influên- cias coletivas e sociais. Essas unidades de motivação agrupariam os casos de suicídio, demonstrando que havia uma dimensão coletiva a ser con- siderada. Comparando diferentes ex- pressões de suicídio (ou morte au- toprovocada), Durkheim estabele- ceu três principais motivações geradoras dessas mortes. A primeira, chamou de egoísta, a qual as altas taxas estavam associa- das à diminuição da integração social. Pessoas com maior isolamento de gru- pos onde houvesse sensação de per- tencimento, eram as que estavam en- quadradas nesssa categoria. Durkheim salienta, por exemplo, que o individu- 21 Anotações:alismo se expressava também na desagregação das comunidades religiosas, nas quais os protestan- tes prezavam mais pela individualidade, enquanto católicos costuravam suas relações de forma mais comunitária. A segunda, a altruísta era caracterizada pelas mortes auto cometidas em nome de um grupo ou causa. Nesta, ao contrário da primeira motivação, o sujeito estaria tão imerso pelo pertencimento e pelas crenças de um grupo (religiosas, políticas, ideológicas, culturais), que sua morte ocorre como um serviço final, ou uma defesa, do conjunto de crenças que o grupo representa. A terceira, chamada de anômica, categoriza situações em que um indivíduo está se sentindo sem direção social. Diferente da primeira, em que o suicídio se baseia na ausência e diminuição da integração social, na anômica, a morte está relacionada aos eventos de ruptura da crença no grupo social. Está relacionado aos momentos de crise social profunda, como grandes crises econômicas, guerras e situações pós-traumáticas. 22 A noção de “fato social” A noção de “fato social” é fundamental para a construção da perspectiva francesa da Sociologia. Durkheim afirma que, “embora consideremos os fatos sociais como coisas, é como coisas sociais.” Assim, o valor dos fatos sociais é seu aspecto sociológico. O suicídio, a devoção religiosa, por exemplo, são fatos sociais com explicações sociológicas, dotados de complexidade que vinham sendo reduzidas por explicações psíquicas, orgânicas, de fé, ou seja, descaracterizados de dados objetivos sobre eles mesmos. O esforço da Sociologia durkheimiana foi o de tratar desses fatos sociais, sem descaracterizá-los. INDUSTRIALIZAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL O surgimento da Sociologia, além do contexto acadêmico de sua criação na França, está relacionado à preocupação em torno da vida moderna. E o marco inicial da Modernidade como conhecemos, é a industrialização. A primeira revolução industrial ocorreu na Inglaterra, com o surgimento da máquina a vapor. Esse processo deu início às transformações nas relações com a propriedade e o trabalho. A demanda por mão de obra, o avanço das grandes propriedades — principalmente para plantação de algodão, motivada pelo crescimento da indústria têxtil — geraram um grande êxodo rural e vários problemas urbanos. Rapidamente, a indústria dominou a economia europeia,provocando muitos problemas sociais, como a superlotação das cidades, o trabalho precário, a fome, entre outros. Para maior aprofundamento de como o método de investigação sociológica de Durkheim se aplicava aos fatos sociais, ler “O Suicídio”, a primeira investigação sociológica publicada sobre um fenômeno social. Sugiro também a leitura de “As estruturas elementares da vida religiosa”. 23 Anotações:Figura 2 - Karl Marx Fonte: Domínio público. A obra de Karl Marx, apoiada por seu amigo Friedrich Engels, dialoga com esse contexto social. Ambos não são definidos como sociólogos, mas as ideias de Marx, que passam pela Filosofia, História, Direito e Economia, são de grande interesse sociológico e exercem muita influência nas Ciências Sociais. Suas obras de maior destaque são (1) “O Manifesto do Partido Comunista”, livro de caráter mais panfletário, mas extremamente mobiliza- dor e inquietante, que apresenta um resumo das suas teorias em torno da exploração do proletaria- do pela burguesia, da luta de classes sociais, da necessidade de união dos trabalhadores do mun- do contra as apropriações e acúmulos do Capi- tal industrial; e (2) “O Capital”, obra que contém 3 volumes principais, além de outras publicações 24 Anotações: após a morte de Marx, onde o autor apresenta sua teoria econômica sobre a lógica do Capital, seu processo de produção, circulação e o sistema de Mais-Valia. Aqui falaremos sobre “A ideologia Alemã”, publicado originalmente em 1932, quando Marx desenvolveu, em parceria com Engels, as princi- pais noções sobre o “materialismo histórico”. O ar- gumento de “A Ideologia Alemã” segue como uma resposta aos filósofos alemães seguidores de He- gel, cujas teorias partiam do pressuposto de que o mundo das ideias antecede à realidade material (nunca alcançada). Marx e Engels argumentam que a história é material, existe no mundo real e são as condições histórico-materiais que dão suporte às relações de poder. Essa concepção materialista da história hu- mana permitiria compreender como as relações dos indivíduos entre si e suas formas de proprie- dade se alterariam, à medida que fossem se desen- volvendo forças produtivas novas e mais podero- sas. Para Marx, o cerne das relações sociais são as formas de como os homens produzem seus meios de existência, transformando inclusive a natureza. Não se deve considerar esse modo de produção sob esse único ponto de vista, ou seja, enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Ao contrário, ele representa, já, um modo determinado da atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida 25 Anotações:reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (MARX apud CASTRO, 2014, p. 12). Esse debate é fundamental para as propostas de Marx em torno da construção de sua própria obra. Ao contrário dos filósofos até ali, Marx não tinha interesse em produzir reflexões distantes da realidade (material). Seu esforço era de compreender como a sociedade moderna produziu as condições da desigualdade, e como as massas, o proletariado (trabalhadores), em condições de subalternidade, poderiam produzir condições materiais para o Comunismo. Ao contrário de outros autores do panteão sociológico que se limitaram à compreensão da realidade social, a obra de Marx e Engels, tem um comprometimento com a mudança social, tendo o trabalho e a economia como as principais chaves conceituais de análise. De certa forma, pode-se dizer que todos os grandes paradigmas da Socio- logia foram inquietados por questões da sua época, alguns com limites institucionais, outros nem tan- to. Marx talvez tenha sido o mais inadequado para as instituições acadêmicas. Já seu conterrâneo, Max Weber, foi um exímio acadêmico, apesar de não gostar da docência. 26 Anotações: Figura 3 - Max Weber Fonte: Domínio público. Weber teve seus primeiros trabalhos publi- cados, cerca de vinte anos após a morte de Marx, interessava-se a respeito de como a modernidade transformou-se em grandes instituições sociais, como a Igreja e o Estado. Suas análises também têm grande influência nos campos de Economia, Política e Direito, sobretudo por conta das estru- turas de organização burocráticas e do poder. Porém, Weber construiu um trabalho dito “soci- ológico” e, semelhante a Durkheim, preocupou-se com a consolidação da disciplina, com o método sociológico, com os interesses de investigação da Sociologia. Sua proposta para a constituição dos problemas sociológicos e apreensão das reali- dades sociais se constituirá tomando como base as conexões conceituais entre os problemas. Para isso, Weber se debruçou sobre a abrangência do que chamamos “social”, argu- 27 Anotações:mentando que o termo nos levaria a um sentido muito generalizado da realidade, tornando por vezes, indeterminado: “se é encarado no seu sig- nificado geral, não oferece qualquer ponto de vis- ta específico a partir do qual se possa iluminar a importância de determinados elementos cul- turais” (WEBER apud CASTRO, 2014, p. 62). Contu- do, a proposta de Weber para a construção de uma análise sociológica, que apreenda as complexi- dades da realidade social de forma abrangente (sem desconexão com o social e o real), é a elabo- ração de “tipos ideais”. O “tipo ideal” é uma consolidação de padrões sociais em um conceito emblemático. Lançando mão da construção de “tipos ideais” sobre as instituições, Weber consegue apontar elementos constituintes da sociedade, dos fenômenos históricos e das organizações. A sua relação com os fatos empirica- mente dados consiste apenas em que, onde quer que se comprove, ou sus- peite de que determinadas relações — do tipo das representadas de modo abstrato naquela construção, a saber, as dos acontecimentos dependentes do “mercado” — chegaram a atuar em algum grau sobre a realidade, podemos representar e tornar compreensível pragmaticamente a natureza par- ticular dessas relações mediante um tipo ideal. Esta possibilidade pode ser valiosa, e mesmo indispensável, tanto para a investigação como para a ex- posição (WEBER apud CASTRO, 2014, p. 63). 28 Anotações: Nessa elaboração sobre o método e a construção dos objetos da Sociologia, Weber não deixa de criticar Durkheim por conta do debate sobre “distanciamento” e “neutralidade” em torno dos fatos sociais. Para Weber, nossa interpretação da realidade social não poderia ser feita sem “pressuposições”, mas seria de antemão elaborada a partir de alguns significados atribuídos sobre as coisas sociais. Além disso, em sua teoria, os tipos ideais são o caminho para a análise social, e não o seu fim. Constituí-los é, portanto, criar as ferramentas da análise sociológica. A construção de tipologias mais importante dentre as obras de Weber se dá em torno do conceito de poder e dominação, que são os meios pelos quais um sujeito ou organização conseguem a submissão ou obediência a partir de certos comandos. Pode depender diretamente de uma situação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de van- tagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também depender de mero “costume”, do hábito obtuso de um comportamen- to inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação pessoal do dominado. Não obstante, a dominação que repou- sasse apenas nesses fundamentos seria relativamente instável. Nas relações entre dominantes e domi- nados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em bases jurídicas, nas quais se funda a 29 Anotações:“legitimidade”, e o abalo dessa cren- ça na legitimidade costuma acarretar consequências de grande alcance. Em forma totalmentepura, as “bases de legitimidade” da dominação são somente três, cada uma das quais se acha entrelaçada – no tipo puro – com uma estrutura sociológica fundamen- talmente diversa do quadro e dos meios administrativos (WEBER apud CASTRO, 2014, p. 65). Os tipos de Dominação elencados por Max Weber: 1. Dominação legal em virtude do estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua ideia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. A associação dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são empresas. O quadro administrativo consiste em funcionários nomeados pelo senhor, e os subordinados são membros da associação (“cidadãos”, “camaradas”). Obedece-se não à pessoa, em virtude de seu próprio direito, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à “lei” ou “regulamento” de uma norma formalmente abstrata. O tipo daquele que ordena é o “superior”, cujo direito de mando está legitimado por uma regra estatuída, no âmbito de uma competência concreta, em que a delimitação e especialização têm como base a utilidade objetiva e nas exigências profissionais 30 Anotações: estipuladas para a atividade do funcionário. O tipo do funcionário é aquele de formação profissional, pois as condições de serviço baseiam-se num contrato, com pagamento fixo, graduado segundo a hierarquia do cargo e não do volume de trabalho, e direito de ascensão conforme regras fixas. Sua administração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo do cargo. Corresponde naturalmente ao tipo de dominação “legal” não apenas à estrutura moderna do estado e do município, mas também a relação do domínio numa empresa capitalista privada, numa associação com fins utilitários ou numa união de qualquer outra natureza que disponha de um quadro administrativo numeroso e hierarquicamente articulado. 2. Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. A associação dominante é de caráter comunitário. O tipo daquele que ordena é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”, enquanto o quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada pela tradição: por fidelidade. O conteúdo das ordens está fixado pela tradição, cuja violação desconsiderada por parte do senhor colocaria em perigo a legitimidade do seu próprio domínio, que repousa, exclusivamente, na santidade delas. No quadro administrativo, as coisas ocorrem exatamente da mesma forma. Ele consta de dependentes pessoais do senhor (familiares ou funcionários domésticos) ou de parentes, ou de amigos pessoais (favoritos), ou de pessoas que 31 Anotações:lhe estejam ligadas por um vínculo de fidelidade (vassalos, príncipes tributários). Falta aqui o conceito burocrático de “competência” como esfera de jurisdição objetivamente delimitada. 3. Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes por graça (carisma) e, particularmente faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam e constituem aqui a força de devoção pessoal. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. A associação dominante é de caráter comunitário, na comunidade ou no séquito. O tipo que manda é o líder. O tipo que obedece é o “apóstolo”. INDIVIDUALISMO E ESTIGMA Se para os três grandes paradigmas da Socio- logia, o foco de análise se deu sobre temas de grande abrangência, outros autores importantes para esta Ciência optaram por objetos de análise mais “mar- ginais”. Provavelmente, um dos primeiros desses sociólogos foi Georg Simmel, contemporâneo de Max Weber, que se interessou por desdobramentos da modernidade no comportamento individual e na psique. Podemos dizer que o conjunto de autores a seguir, estabelecem relações entre dilemas sociais coletivos e aspectos individuais ou o que conhece- mos atualmente como “subjetividade”. Um dos trabalhos mais célebres de Simmel é “A Metrópole e a Vida Mental”, onde desenvolve uma análise sobre como o novo ritmo urbano afetou 32 Anotações: a relação das pessoas com o tempo e com as implicações em torno dos laços de solidariedade. Simmel viveu no tempo dos primeiros relógios de bolso, do controle mais aguçado do tempo, do surgimento dos automóveis e do ritmo das máquinas de fábrica na vida social. Os problemas mais graves da vida moderna derivam da reivindicação que faz o indivíduo de preservar a autonomia e individualidade de sua existência em face das esmagado- ras forças sociais, da herança, da história, da cultura externa e da técni- ca de vida. (...) O século XVIII concla- mou o homem a que se libertasse de todas as dependências históricas quanto ao Estado e a religião, a moral e a economia. Juntamente com maior liberdade, o século XVIII exigiu a espe- cialização funcional do homem e seu trabalho; essa especialização torna um indivíduo incomparável a outro e cada um deles é indispensável na medida mais alta possível. Entretan- to, esta mesma especialização tor- na cada homem proporcionalmente mais dependente de forma direta das atividades suplementares de to- dos os outros. Nietzsche vê o pleno desenvolvimento do indivíduo condi- cionado pela mais impiedosa luta de indivíduos; o socialismo acredita na supressão de toda competição pela mesma razão. Seja como for, em to- das estas posições, a mesma mo- 33 Anotações:tivação está agindo: a pessoa resiste a ser nivelada e uniformizada por um mecanismo sociotecnológico (SIMMEL apud CASTRO, 2014, p.11). Para caracterizar esse tempo das transformações radicais que a modernidade impôs sobre os sujeitos, Simmel elaborou a noção de “sentimento blasé”, uma forma de “não reação” a novidades, problemas graves, violações, por exemplo, que seriam “resultado dos estímulos contrastantes que a vida moderna impõe aos nervos”: Uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade por um tempo tão longo que eles finalmente cessam completamente de reagir. Da mesma forma, através da rapidez e contraditoriedade de suas mudanças, impressões menos ofensivas forçam reações tão violentas, estirando os nervos tão brutalmente em uma e outra direção, que suas últimas reservas são gastas; e, se a pessoa permanece no mesmo meio, eles não dispõem de tempo para recuperar a força. Surge assim a incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada. Isto constitui aquela atitude blasé que, na verdade, toda criança metropolitana demonstra quando comparada com crianças de meios mais tranquilos e 34 Anotações: menos sujeitos a mudanças (SIMMEL, 1973 apud CASTRO, 2014, p. 16). Outra influência geradora da “atitude blasé” para Simmel, seriam as relações com o dinheiro, que acirra a distinção social, estabelecendo valores em torno de quem tem mais. A essência da atitude blasé con- siste no embotamento do poder de discriminar. Isto não significa que os objetos não sejam percebidos, como é o caso dos débeis mentais, mas antes que o significado e va- lores diferenciais das coisas, e daí as próprias coisas, são experimentados como destituídos de substância. Elas aparecem à pessoa blasé num tom uniformemente plano e fosco; obje- to algum merece preferência sobre outro. Esse estado de ânimo é um fiel reflexo subjetivo da economia do dinheiro completamente interiorizada. Sendo o equivalente a todas as múl- tiplas coisas de uma mesma forma, o dinheiro torna-se o mais assustador dos niveladores (ibid, p.16). Se para Simmel, as transformaçõesda vida moderna impactaram, significativamente, na po- tencialização do individualismo, da distinção e do desprezo, para Erving Goffman um processo con- tínuo da vida social, aprofundado em outros es- paços do cotidiano — inclusive das interações face a face, da individualidade — foi a segregação de certos grupos e sujeitos a partir de estigmas soci- 35 Anotações:ais. Goffman é um dos primeiros autores modernos a refletir sobre a noção de “Estigma” como resul- tado de certas regras de convívio, que corroboram em atitudes preconceituosas e discriminatórias contra grupos e pessoas. Apesar de ser usado como um termo sobre a depreciação, o conceito de Estigma vai além disso. É uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. Por exemplo, alguns cargos nos Estados Unidos obrigam seus ocupantes que não tenham a educação universitária esperada a esconder isso; outros cargos, entre- tanto, podem levar os que os ocupam e que possuem uma educação superi- or a manter isso em segredo para não serem considerados fracassados ou estranhos (GOFFMAN apud CASTRO, 2012, p.13). Goffman argumenta ainda, que se pode elencar o Estigma em pelo menos três tipos: 1. As deformidades físicas, tidas como abominações do corpo (considerando que Goffman escreveu sobre essas formas de estigma na metade do século XX, devemos ponderar que há uma série de políticas sociais em torno da diferença de corpos, contudo, alguns estigmas ainda persistem, porém, passíveis de punição por lei). 36 Anotações: 2. As culpas de caráter individual percebidas socialmente como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas in- feridas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualidade, de- semprego, tentativas de suicídio e com- portamento político radical. 3. Estigmas raciais, de nação e religião, que geralmente são repassados para uma família inteira. As atitudes de pessoas tidas como normais para com uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendido em relação a ela são bem conhecidas na medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Contudo, as pessoas debaixo de algum estigma social são percebidas numa posição de inferioridade (menos humanos). Dessa forma de tratamento consolidada socialmente, surgem diversos preconceitos que funcionam como uma ideologia para explicar a suposta inferioridade, indicando que ela representa algum perigo. Numa análise sociológica que se aproxima dos interesses de Goffman, sobre os estigmas sociais, Howard Becker coloca sua ênfase no estudo de grupos considerados outsiders [marginais], refletindo sobre os impactos das regras sociais e suas quebras (violações). Becker argumenta que todos os grupos sociais têm regras de funcionamento interno, sejam as leis, conjuntos de normas jurídicas que norteiam uma sociedade, 37 Anotações:sejam as regras da tradição, que não são escritas e normatizadas como leis, mas tem força de imposição social e são transmitidas entre gerações. Muitas regras não são impostas, e, exceto no sentido mais formal, não constituem o tipo de regra em que estou interessado. Exemplos disso são as leis que proíbem certas atividades aos domingos, que permanecem nos códigos legais, embora não sejam impostas há cem anos. (É importante lembrar, contudo, que é possível reativar uma lei não imposta por várias razões e recuperar toda a sua força original...). Regras informais podem morrer de maneira semelhante por falta de imposição. Estou interessado sobretudo no que podemos chamar de regras operantes efetivas de grupos, aquelas mantidas vivas por meio de tentativas de imposição (BECKER apud CATRO, 2014, p. 103). As violações a essas regras sociais, geram grupos e sujeitos marginalizados. Porém, o grau em que uma pessoa é considerada marginalizada varia. Essa diferença é atravessada tanto pela forma do crime, quanto pelas proteções sociais em torno de quem os comete. Um exemplo, são os crimes de atropelamento cometidos contra ciclistas, por jovens filhos de grandes empresários com carros de luxo, que sequer sofrem alguma punição. Já crimes tidos como mais graves (ainda dependendo de quem o cometa), como assassinato ou estupro, 38 Anotações: nos levam a ver o transgressor como um verdadeiro marginal. Com essa análise sobre como reagimos às violações das regras sociais, e a partir disso, como estabelecemos quem é ou não um outsider (marginal), Becker pretende desenvolver uma sociologia do desvio, deixando de absorver unicamente as noções patologizantes do desvio como verdades absolutas, mas problematizando quais os pesos sociais, os valores morais, envolvidos na classificação do desvio e dos desviantes. Em sua concepção sociológica, afirma que “desvio é a falha em obedecer às regras do grupo’’. O desvio como a infração de alguma regra, geralmente, aceita. Se um ato é ou não desviante, depende de como outras pessoas reagem a ele. As violências domésticas podem ser um exemplo disso. No caso do Brasil, são absolutamente criminalizadas, mas ainda pouco denunciadas. Essas violências que ocorrem no ambiente doméstico podem se tornar queixas policiais, ou se manter como segredo de família e vizinhança, sem gerar sanções legais aos agressores. Portanto, o grau em que outras pessoas reagirão a um ato dado como desviante varia enormemente. “O grau em que um ato será tratado como desviante depende de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele” (idem, p. 108). MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO Se a industrialização marcou uma nova fase de transformações sociais globais, a internacionalização da indústria, assim como o fim da Guerra Fria em 1989, marcara uma fase explicada por muitos au- 39 Anotações:tores como “globalização”, “mundialização” ou até mesmo “pós-modernidade”. Essa era das transfor- mações globais tem classificações ainda não total- mente consolidadas, pois diz respeito ao passado recente e ao presente. Contudo, alguns sociólogos trataram de debater essas mudanças. Para Giddens (1991), sociólogo britânico, o fim do século XX é de fato uma era de transição, marcada pelo consumo desenfreado e pela informação. Alguns dos debates sobre estas questões se concentram principal- mente sobre transformações insti- tucionais, particularmente as que sugerem que estamos nos deslocan- do de um sistema baseado na manu- fatura de bens materiais para outro relacionado mais centralmente com informação (GIDDENS, 1991, p.8). O autor, ao invés de classificar taxativamente essa era “pós-moderna”, prefere refletir sobre quais as transformações e consequências da modernidade (a do século XX). Um dos seus elementos de análise é a nossa relação com o tempo e o espaço. Todas as culturas pré-modernas pos- suíam maneiras de calcular o tempo. O calendário, por exemplo, foi uma característica tão distinta dos esta- dos agrários quanto à invenção da escrita. Mas o cálculo do tempo que constituía a base da vida cotidiana, certamente para a maioria da popu- lação, sempre vinculou tempo e lu- 40 Anotações: gar — e era geralmente impreciso e variável. Ninguém poderia dizer a hora do dia sem referência a outros marca- dores socioespaciais: “quando” era quase, universalmente, ou conectado a “onde” ou identificado por ocorrên- cias naturais regulares (idem, p.21). Essa vinculação entre tempo e lugar seria fundamental, na visão de Giddens, para pensar num dos pontos da transformação impulsionada pela invenção do relógio mecânico, que estabeleceu mais precisão em torno do tempo, possibilitando maior controle em torno das horas — pagas, gastas, etc. — desvinculando efetivamente o tempo do espaço. Não seria mais necessário usar algum ponto espacial como parâmetro de medidado tempo. As horas estavam sendo controladas universalmente, à disposição de todos, mesmo aqueles sem a autonomia de “olhar as horas” por si mesmos. O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face. A separação entre o tempo e o espaço não deve ser vista como um desenvolvimento unilinear, no qual não há reversões ou que é todo abrangente. Pelo contrário, como todas as tendências de desenvolvimento, ela tem traços dialéticos provocando características opostas (GIDDENS, 1991, p.22). 41 Anotações:Por que a separação entre tempo e espaço é tão crucial para o extremo dinamismo da modernidade? Giddens (1991, p. 23) explica: 1. “Em primeiro lugar, ela é a condição princi- pal do processo de desencaixe que passo a analisar de maneira breve. A separação entre tempo e espaço e sua formação em dimensões padronizadas, “vazias”, pene- tram as conexões entre a atividade social e seus “encaixes” nas particularidades dos contextos de presença.” 2. “Em segundo lugar, ela proporciona os mecanismos de engrenagem para aquele traço distintivo da vida social moderna, a organização racionalizada. As organi- zações modernas são capazes de conec- tar o local e o global de formas que seriam impensáveis em sociedades mais tradi- cionais e, assim fazendo, afetam rotinei- ramente a vida de milhões de pessoas.” 3. “Em terceiro lugar, a historicidade radi- cal associada à modernidade depende de modos de “inserção” no tempo e no es- paço que não estavam disponíveis para as civilizações precedentes. Um sistema de datação padronizado, agora univer- salmente reconhecido, possibilita uma apropriação de um passado unitário, mas muito de tal “história” pode estar su- jeito a interpretações contrastantes. Em acréscimo, dado o mapeamento geral do globo que é hoje tomado como certo, o passado unitário é um passado mundial; 42 Anotações: tempo e espaço são recombinados para formar uma estrutura histórico-mundial genuína de ação e experiência.” Se Giddens estava interessado nas mudanças geradas pelo processo de globalização (a uni- formização de padrões globais, como da relação com o tempo), Zygmunt Bauman, sociólogo po- lonês, por sua vez, tem um olhar muito mais trági- co e pessimista sobre os tempos pós-modernos. Para Bauman, vivemos o tempo da “liquidez”, ter- mo que baseará grande parte de sua obra. A liqui- dez faz referência à fluidez/pressa/fragilidade das relações sociais, mediadas pela vida moderna e pelo consumo. A necessidade de consumir, nos le- varia a um nível de relações sociais efêmeras, se- melhante a obsolescência das coisas (capitalistas). Nosso mundo seria, portanto, marcado pelas incer- tezas em múltiplas dimensões. Nesse novo mundo “líquido”, a incerte- za passa a dominar a cena social, em várias dimensões: as organizações sociais (estruturas que limitam as es- colhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, pa- drões de comportamento aceitável) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se decompõem e se dis- solvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reor- ganizadas, para que se estabeleçam (CASTRO, 2014, p. 128). 43 Anotações:A crise do Estado-Nação é a provável ruptura histórica e epistemológica nas ciências sociais. A partir do fim da dualidade, URSS e EUA (Comunismo e Capitalismo), que abriu as possibilidades para um processo de globalização, visto que as instituições internacionais, principalmente, as que lidam com dinheiro ou com o comércio, trataram de promover ou até exigir uma reformulação nas economias do globo, passando a controlá-las e dando início a um processo de mundialização do capital. São diver- sas, diferentes e insistentes as pressões externas e internas destinadas a provocar a reestruturação do Estado. A sujeição das economias (e políticas) nacio- nais, a uma ordem global, é justificada como forma de ideais capitalista ou socialista para que sejam incogitados diante de uma dinâmica capitalista que depende e se relaciona numa rede transna- cional, que pode ser administrada dos diversos lugares do globo, mas nunca internamente. Desta forma, a nação transforma-se em mera província do capitalismo mundial, sem soberania assegu- rada para construir suas políticas independente- mente dos órgãos financeiros internacionais ou das grandes multi e transnacionais. Para as multinacionais (isto é, empre- sas globais com interesses e compro- missos locais dispersos e cambiantes), “‘o mundo ideal’ é um mundo sem Es- tados. “A menos que tenha petróleo, quanto menor o Estado, mais fraco ele é, e menos dinheiro é necessário para se comprar um governo.” O que temos hoje é, com efeito, um sistema 44 Anotações: dual, o sistema oficial das “economias nacionais” dos Estados, e o real, mas não oficial, das unidades e instituições transnacionais. Ao contrário do Esta- do com seu território e poder, outros elementos da “nação” podem ser e são facilmente ultrapassados pela glo- balização da economia. Etnicidade e língua são dois exemplos óbvios. Sem o poder e a força coercitiva do Esta- do, sua relativa insignificância é clara. Como a globalização da economia procede aos saltos, “comprar gover- nos” é, certamente, cada vez menos necessário. A clara incapacidade dos governos de equilibrar as contas com os recursos que controlam (isto é, os recursos que eles podem estar certos de que continuarão no domínio de sua jurisdição independente do modo que escolham para equilibrar as contas) seria suficiente para fazê-los não só se renderem ao inevitável, mas tam- bém colaborarem ativamente e de bom grado com os “globais” (BAUMAN apud CASTRO, 2011, p. 200). Uma questão atual ocupou o etnólogo francês Bruno Latour: o debate sobre clima e negacionismo. As ideias defendidas pelo intelectual francês em “Onde Aterrar? — Como se orientar politicamente no Antropoceno,” é de que os acontecimentos políticos dos últimos 50 anos estão mobilizados em torno da discussão sobre o fenômeno das mudanças climáticas da Terra — e de sua negação. Segundo Latour (2020), a desregulamentação dos 45 Anotações:Estados após a queda do muro de Berlim, o aumento das desigualdades sociais em todo o planeta e a negação da existência de mudanças climáticas, são processos de uma mesma situação histórica em que as elites perceberam que não existe mais espaço para sua existência (e de seus hábitos, relações com o capital e o consumo) no mesmo tempo e nas mesmas condições que o restante dos habitantes do planeta. Se nos anos 90 havia um notório esforço das lideranças globais e redes de ativistas e organi- zações sociais em torno do debate ambientalista, vide a realização de grandes eventos sobre o Clima, como a ECO 92 no Rio de Janeiro, como respos- ta ao escasseamento de recursos naturais diante do avanço predatório das demandas capitalistas, houve também a compreensão de que o modo de vida industrial moderno, não era sustentável para a manutenção da vida, principalmente humana, no planeta. As elites optaram, então, por incentivar a negação do fim dos recursos naturais, do desgaste das condições climáticas, assim como construir comunidades muradas para si, entre outras es- tratégias de proteção como a exploração de novos planetas e viagens espaciais. Dessa forma, tam- bém incentivaram a negação da globalização, para assim apregoar a ideia de que não somos codepen- dentes e interligados por relações e decisões políti- co-econômicas. Para Latour, é possível identificar dois mar- cos temporais que evidenciam essa estratégia de negação à globalização. O primeiro é a saída dos EUA, por meio da decisão de Donald Trump, do acordo de Paris em 2017; o segundo é o Brexit, 46 Anotações: movimento de desvinculação da Inglaterra à União Europeia. O autor defende que o movimento ini- cial dasondas negacionistas globais, começa com a negação das mudanças climáticas. Seu ápice é o engajamento produzido pelo movimento políti- co de Trump, pautado pela questão ecológica, e pela negação da globalização. Fazer a “América grandiosa de novo [Make America Great Again]” no trumpismo, pressupõe o acirramento das relações de fronteira, a negação da escassez de recursos, o retorno ao modelo de crescimento americano dos anos 60/70. Se antes, as disputas ideológicas eram marcadas pelas diferenças entre os projetos de futuro, entre progressistas e reacionários, esquerda e direita, atualmente vivemos numa retração dessa disputa, que produz, de ambos os “lados”, um efeito de recolhimento desses movimentos ideológicos às suas próprias bolhas. As posições políticas, agora, baseiam-se principalmente na defesa de territórios ideológicos (e delimitação destes). Assim, para Latour (2020), o Antropoceno – era da intervenção humana na biosfera – impõe desafios em torno de habitar a Terra. Nesse novo processo político, capitaneado pelas alterações climáticas e sua negação, a Terra se torna um sujeito político, mobilizando os seres humanos a refletirem sobre suas ações no planeta, indicando através das catástrofes globais, do surgimento de novos vírus, que as consequências da ação humana serão vivenciadas comunitariamente, seja pelos que ficarão sem casa e terão de migrar de seus territórios de origem, seja pelos que serão afetados pelas alterações num território que “não é seu”. 47 Anotações:Por fim, o autor sustenta que a negação da mudança climática global é, em si mesma, a negação da racionalidade científica. As elites produziram e optaram por negar a evidente finitude de recursos naturais, criando e patrocinando uma atmosfera de negacionismo, principalmente em torno da ciência e de suas evidências, de modo que confundiu as classes populares em relação aos fatos, engajando milhares de fake news, que além de distorcerem as verdades, distraem as massas sobre os problemas que virão. Nas palavras do autor, “não se trata de uma política da ‘pós-verdade’, mas sim de uma política da pós-política, ou seja, literalmente sem objeto, na medida em que ela rejeita o mundo que reivindica habitar” (LATOUR, 2020, p. 35). 48 Filmes para conferir: O Jovem Karl Marx (Raoul Peck, 2018): retrato biográfico de Karl Marx que narra as vivências de sua juventude e o início de sua amizade com Engels, que o levaria a se tornar uma das personalidades mais importantes do século 19. Trabalho Interno (Charles Ferguson, 2010): documentário sobre a recessão econômica global, com início nos EUA, em 2008. Demonstra como bancos e acordos de falência amarrados com o Estado, levaram ao aumento de desemprego e pessoas desabrigadas. Para seguir: Tese Onze: canal no YouTube organizado por Sabrina Fernandes, socióloga, que debate temas contemporâneos à luz das teorias sociológicas. U ni da de 2 Videoaula 1 Videoaula 2 52 Anotações: 53 DEBATES FUNDAMENTAIS EM ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISMO SOCIAL Diferente da Sociologia, cujos paradigmas circulam muito mais em torno da obra de autores emblemáti- cos, na Antropologia, os marcadores paradigmáticos serão construídos, principalmente, a partir de “escolas de pensamento”. Há uma miríade de perspectivas teóricas em Antropolo- gia, porém, a subdivisão mais clássica se dá pelo marcador da nacionalidade onde o conjunto teórico foi desenvolvi- do. As principais são: 54 Anotações: a. Antropologia Francesa1: originada a par- tir da Escola de Sociologia francesa, com influência de Émile Durkheim e, principal- mente, Marcel Mauss, com preocupações teóricas voltadas para a compreensão de sistemas e estruturas universais da hu- manidade. Nos anos 50, tem grande re- percussão a partir da obra de Claude Lévi- Strauss e sua Antropologia Estruturalista. b. Antropologia Britânica: é uma escola de pensamento com grande ênfase na Et- nografia e no Trabalho de Campo. A an- tropologia britânica é sobretudo empírica. Esteve diretamente ligada aos projetos coloniais ingleses, principalmente no con- tinente africano, provocando intensos de- bates nos anos 80 sobre a ética da finali- dade do trabalho antropológico. c. Antropologia Americana: marcada por diferentes fases, do Evolucionismo Social ao Culturalismo e Interpretativismo, a Antropologia Americana tem a noção de Cultura como ponto de partida, destacando sua diversidade. É a partir dela que o olhar para os problemas internos — da sociedade em que se situa — tiveram destaques e confrontamentos. Aqui citaremos alguns desses debates de forma introdutória, lidando com as transformações 1 LAPLATINE, Françoise. Aprender Antropologia. São Paulo, Ed. Brasiliense, 2010. 55 Anotações:de objeto da Antropologia e, sobretudo, com as mudanças em torno do conceito de Cultura. O primeiro paradigma teórico em Antropologia foi o “Evolucionismo Social”, tendo como principais autores: Lewis Morgan (EUA)2: os interesses de Morgan nos estudos antropológicos se iniciam a partir dos temas “família”, “herança” e “parentesco”. Dedicou muitos anos ao estudo e comparação de sistemas de parentesco humanos, distinguindo como os “selvagens” faziam suas classificações em comparação às sociedades “civilizadas”. Suas pesquisas resultaram na publicação de “Sistemas de Consanguinidade e Afinidade da Família Humana” e, posteriormente, “a sociedade antiga”, a qual demonstra os estágios de progresso da sociedade humana através da análise de cinco casos exemplares: os aborígines australianos, os índios iroqueses, os astecas, os gregos e os romanos. Edward Tylor (UK/EUA)3: foi o primeiro autor a estabelecer uma definição para o conceito de “cultura”, em seu livro “Cultura primitiva”. Descreveu Cultura como equivalente à Civilização, estabelecendo, a partir desse pressuposto, que os povos “não civilizados” (todos os povos fora da Europa e não-colonizados) não detinham cultura. Seu conceito dizia “Cultura ou Civilização, “é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras 2 CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor e Fazer. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2009. 3 Ibidem. 56 Anotações: capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.” James Frazer (UK)4: sua obra principal foi “O Ramo de Ouro”, publicado pela primeira vez em 1890, em dois volumes, com um total de oitocentas páginas. A segunda e a terceira versões foram publicadas com respostas a várias críticas de outros autores da mesma época, chegando a 13 exemplares no total. Em 1922, Frazer preparou uma versão condensada em um volume que se tornou a versão mais conhecida, publicada até os dias atuais. É importante destacar que o Evolucionismo Social é uma perspectiva teórica considerada superada, porém, estudá-la é necessário para entender qual o percurso da Antropologia, como surgem as compreensões modernas do conceito de cultura, e quais as “sombras” do evolucionismo social que ainda permanecem. O postulado básico do evolucionismo, em sua fase clássica, era o de que, em todas as partes do mundo, a sociedade humana teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa trajetória unilinear e ascendente. Nessa lógica, toda a humanidade deveria passar pelos mesmos estágios de evolução social, seguindo uma direção que ia do mais simples (os selvagens) ao mais complexo (civilização). Como decorrência da visão de um único caminho evolutivo humano, os povos “não ocidentais”, “selvagens” ou “tradicionais” existentes, no mundo contemporâneo, eram vistos como uma 4 Ibidem. 57 Anotações:espécie de “museu vivo” da história humana, tidos como representantes de etapas anteriores da trajetória universal do homem rumo à “civilização”; como exemplos vivos daquilo “que já fomos um dia”. Na medida em que a arqueologia era, então, pouco desenvolvida e não havia registroshistóricos disponíveis para a reconstituição dos estágios supostamente mais “primitivos”, o estudo dessas sociedades assumia enorme importância, pois assim se poderia reconstituir o caminho evolutivo da humanidade, através de suas diferentes etapas. Passava-se a dispor de uma espécie de “máquina do tempo” que permitia, observando o mundo dos “selvagens” de hoje, ter uma ideia de como se vivia em épocas passadas. Para Frazer (apud CASTRO, 2009, p. 107), “a selvageria é a condição primitiva da humanidade e, se quisermos entender o que era o homem primitivo, temos que saber o que é o homem selvagem hoje”. A solução para preencher as “lacunas” do longo período “primitivo” de evolução cultural humana era utilizar o método comparativo, aplicando-o ao grande número de sociedades “selvagens” existentes contemporaneamente. 58 Marcel Mauss Mauss foi aluno notável e sobrinho de Émile Durkheim, sendo iniciado na Sociologia pelo seu tio, na Universidade de Bordeaux. Diferente de Durkheim, que escreveu obras extensas ao longo da vida, Mauss era um intelectual de ensaios, com olhar mais direcionado para questões de etnologia (estudo das sociedades “simples”) e sua obra se dedica, principalmente, aos aspectos mais elementares da cultura humana, na perspectiva de que a partir da compreensão sobre a vida social na sua forma mais simplifi cada, pode-se alcançar os signifi cados dos fenômenos nas sociedades complexas. Sua obra de maior importância foi o “Ensaio sobre a dádiva”, onde analisa diversas formas de trocas econômicas entre sociedades ditas “arcaicas”. É crucial para a teoria antropológica, pois estabeleceu uma série de comparações entre formas elementares de troca entre diferentes sociedades, assim como acordos e relações que essas trocas asseguram. Em termos gerais, defende que a troca se baseia em um sistema de Dádiva, onde “dar”, necessariamente cria uma expectativa pela retribuição. O esquema da Dádiva se prolonga num processo que implica em “dar”, “receber” e “retribuir”. Em 1902 assumiu a cátedra de “História das religiões dos povos não civilizados”, como professor e diretor de pesquisas da École Pratique des Hautes Études, de Paris. elementares da cultura humana, na perspectiva de que a partir da compreensão sobre a vida social na sua forma mais simplifi cada, pode-se alcançar os signifi cados dos fenômenos nas sociedades complexas. Sua obra de maior importância foi o “Ensaio sobre a dádiva”, onde analisa diversas formas de trocas econômicas entre sociedades ditas “arcaicas”. É crucial para a teoria antropológica, pois estabeleceu uma série de comparações entre formas elementares de troca entre diferentes sociedades, assim como acordos e relações que essas trocas asseguram. Em termos gerais, defende que a troca se baseia em um sistema de Dádiva, onde “dar”, necessariamente cria uma expectativa pela retribuição. O esquema da Dádiva se prolonga num processo que implica em “dar”, “receber” e “retribuir”. Em 1902 assumiu a cátedra de “História das religiões dos povos não civilizados”, como professor e diretor de pesquisas da École Pratique des Hautes Études, de Paris. 59 Anotações:NATUREZA E CULTURA O embate a partir do Evolucionismo Social é sobre a qualidade dos aspectos que compõem a humanidade. Somos humanos pela nossa unidade biológica, mas seríamos equivalentes mesmo com formas de organização social tão diferentes? Para os evolucionistas, havia aprendizados necessários e inevitáveis para que os povos ditos “selvagens” adquirissem equivalência no status de humanidade em relação às sociedades ditas “civilizadas”. Nessa perspectiva, há vários problemas, principalmente, pela posição em que as teorias são produzidas pelos seus contextos. A dúvida em torno da humanidade dos “selvagens” era colocada pelos colonizadores, que tinham suas próprias sociedades como espelho da “civilização”. Essa inferiorização social das sociedades ditas “selvagens”, reverberou em projetos racistas contra sociedades africanas, asiáticas e ameríndias, como se o aprendizado da civilização tivesse, necessariamente que passar pela universalidade racial (europeia, branca). Laraia (2001, p. 12) afirma que: São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específi- cas inatas a ‘raças’ ou a outros grupos humanos. Muita gente ainda acredita que os nórdicos são mais inteligen- tes do que os negros; que os alemães têm mais habilidade para a mecânica; que os judeus são avarentos e nego- ciantes; que os norte-americanos são empreendedores e interesseiros; que os portugueses são muito tra- 60 Anotações: balhadores e pouco inteligentes; que os japoneses são trabalhadores, traiçoeiros e cruéis; que os ciganos são nômades por instinto, e, final- mente, que os brasileiros herdaram a preguiça dos negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses. Os antropólogos estão totalmente convenci- dos de que as diferenças genéticas não são deter- minantes das diferenças culturais. A experiência do nazismo a partir da 2ª Guerra Mundial, levou a UNES- CO a estabelecer junto a antropólogos, geneticistas, biólogos e outros especialistas, a declaração uni- versal dos Direitos Humanos, que assegura a uni- versalidade da humanidade e o direito à diferença étnica, racial e cultural. A partir da Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos, Laraia (2001) destaca, principalmente, os seguintes itens: 10. Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segundo a qual as diferenças genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se manifestam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos étnicos. Eles nos informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural de cada grupo. Os fatores que tiveram papel preponderante na evolução do homem são a sua faculdade de aprender e a sua plasticidade. Esta dupla aptidão 61 Anotações:é o apanágio de todos os seres humanos. Ela constitui, de fato, uma das características específicas do Homo sapiens. 15. b) No estado atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada a validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traços psicologicamente inatos, quer se trate de inteligência ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos (UNESCO apud LARAIA, 2001, p. 13). Mesmo diante da superação científica do determinismo biológico, ainda é comum ouvir- mos sobre qualidades — positivas ou negativas — transmitidas pela genética, pelo “sangue”. O bom desempenho em práticas esportivas é justificado pela herança de um avô que quase foi jogador da seleção; o sucesso musical de um cantor, porque seus pais eram músicos. São exemplos comuns dessa crença na transmissão de qualidades pela natureza. Contudo, o determinismo também opera para reducionismos negativos sobre as pessoas. O crime de um adolescente acaba sendo jus- tificado pelos comportamentos dos pais, pela sua diferença racial/biológica, como se as condições sociais e históricas não pesassem em desfavor do seu destino. O mesmo pode ser descrito so- bre o sucesso de grandes empresários jovens, comumente retratados nas grandes revistas de negócios, que vendem uma narrativa de esforço 62 Anotações: pessoal, quando sua biografia demonstra uma série de privilégios sociais e uma herança farta que explica o “sucesso incomum”. O homem é o resultado do meio cul- tural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acu- mulativo, que reflete o conhecimen- to e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o ante- cederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite às inovações e às invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultadodo esforço de toda uma comunidade (idem, p. 42). Compreender a Cultura como uma influência forte no processo de socialização, também passa pelo entendimento de que as Culturas humanas são diversas. Em seu artigo “Raça e História”, Lévi- Strauss (2017) escreve uma passagem linda para refletir sobre a diversidade cultural humana. É indubitável que os homens elabora- ram culturas diferentes em virtude do seu afastamento geográfico, das propriedades particulares do meio e da ignorância em que se encontravam em relação ao resto da humanidade, mas isso só seria rigorosamente verdadeiro se cada cultura ou cada sociedade estivesse ligada e se tivesse desenvolvido no isolamento de todas as outras. Ora, isso nunca aconteceu, salvo 63 Anotações:talvez em casos excepcionais como o dos Tasmanianos (e ainda aí para um período limitado). As sociedades humanas nunca se encontram isoladas; quando parecem mais separadas, é ainda sob a forma de grupos ou de feixes. Assim, não é exagero supor que as culturas norte-americanas e as sul-americanas tenham permanecido separadas de quase todo o contato com o resto do mundo durante um período cuja duração se situa entre dez mil e vinte e cinco mil anos (LÉVI-STRAUSS, 2017, p. 341). Para Lévi-Strauss (2017), não se pode supor que essa “separação” entre as sociedades desco- bertas pelos europeus através do contato colo- nial, significasse o total isolamento desse grande fragmento da humanidade. Essas sociedades eram grandes, mantinham contatos e relações es- treitas entre si. Quando se mantinham isoladas ou distantes umas das outras, estavam demarcando oposição e distinção buscando fortalecimento de seus próprios costumes. Essas culturas não sur- giram de acidentes, ou do acaso evolutivo, mas de disputas acirradas pelo desejo de não se tornarem “atrasadas” em relação aos seus vizinhos. Portan- to, a diversidade humana não pode ser reduzida ao isolamento desses grupos, mas das relações (de disputa, conflito, comparação, distinção) que es- tabelecem entre si. Margareth Mead (1901-1978), antropóloga americana, foi fundamental para a compreensão de como a cultura molda os comportamentos e 64 Anotações: papéis sociais. Também foi uma das intelectu- ais responsáveis pela desnaturalização dos ditos “papéis sexuais”. Em seu livro "Sexo e Tempera- mento", Mead (1969) fez uma comparação sobre como homens e mulheres desempenhavam pa- péis diferentes de acordo com cada cultura, (que atualmente compreendemos como relações de gênero) a partir de três tribos da Nova Guiné, (Ara- pesh, Mundugumor e Tchambuli). A cultura Arapesh é caracterizada como maternal, tendo seu valor atribuído por meio da “doçura” nas expressões e comportamentos. Quanto aos Mundugumor, tinham o comportamento agressivo e fomentado a homens e mulheres. A comparação entre sociedades com proxi- midade geográfica ajuda a esclarecer que, embora certas ideias vigentes em determinados lugares sociais relacionem certos trabalhos com um dos sexos, em outra sociedade a coisa se passa de modo muito distinto. Mead nos ajuda a compreender que os ditos “instintos”, não são aspectos inatos da hu- manidade, mas são elaborados a partir de nossa educação e se reproduzem por meio de aprendiza- gem social. A autora afirma, por exemplo, que até a amamentação, ato que poderia ser considerado exclusivo das mulheres (que possuem mamas, seios), pode ser transferida a um marido moderno por meio da mamadeira. Se ideias como “instinto materno” ou “instinto sexual” fossem padrões ge- neticamente determinados, todas as sociedades agiriam da mesma forma diante das mesmas situações. 65 Anotações:ETNOCENTRISMO E ALTERIDADE Apesar de muitos avanços e debates que consolidam a ideia de diversidade cultural, ela, ainda, parece sempre escandalosa. Nosso pon- to de vista sobre “o outro” opera sempre a partir da nossa própria cultura e, esse primeiro olhar, tendencioso, preconceituoso, tende a considerar outros modos de vida como menos apropriados. Esse comportamento é chamado de “etnocentris- mo” e, levado ao extremo, reverbera em conflitos sociais e marginalizações entre diferentes grupos (ou de um grupo sobre outro): O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a cren- ça de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As auto denomi- nações de diferentes grupos refletem este ponto de vista. Os Cheyene, ín- dios das planícies norte-americanas, se autodenominavam “os entes hu- manos”; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se “os homens”; os esquimós também se denominam “os homens”; da mesma forma que os Navajo se intitulavam “o povo”. Os australianos chamavam as roupas de “peles de fantasmas”, pois não acreditavam que os ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos Xavantes acreditam que o seu ter- ritório tribal está situado bem no cen- tro do mundo. É comum assim a cren- ça no povo eleito, predestinado por 66 Anotações: seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada con- tra os outros. A dicotomia “nós e os outros” expressa em níveis diferentes essa tendência (op.cit., p. 70). Sendo assim, em uma mesma sociedade, a primeira distinção que fazemos é entre pessoas da família e pessoas de fora da família. Tendemos a estabelecer um tratamento diferenciado entre nossos familiares e pessoas que não pertencem a esse círculo. De tal modo, ampliamos essa diferenciação nas formas de tratar as pessoas, a partir do pertencimento delas ao mesmo grupo de amigos, à mesma vizinhança, à mesma região do país e à mesma nação. Desse processo de aglutinação e diferenciação, resultam distinções, preconceitos e formas extremas de preservação que priorizam as nossas identificações. Como dissemos, a tendência mais comum entre os grupos humanos é de considerar lógico, apenas o próprio sistema cultural, atribuindo a outras culturas e sociedades certo grau de irracionalidade. Porém, os dados sobre uma cultura devem ser analisados como um sistema com lógicas próprias, e não na perspectiva de um estrangeiro (que em nosso caso também pode ser o pesquisador/antropólogo). Em “O Pensamento Selvagem”, Claude Lévi- Strauss dedicou-se a refutar as teorias evolucion- istas cujas conclusões indicavam que os sistemas de pensamento dos “selvagens”, eram inferiores e 67 Anotações:“pré-lógicos” em relação à ciência das sociedades brancas, ditas civilizadas. Muitas sociedades tidas como “primitivas” confirmam valores e constro- em seus sistemas de crenças em torno da magia, de cosmologias próprias que dão sentido ao seu mundo. Lévi-Strauss comprovou que o pensamen- to mágico ou cosmológico tem uma estrutura com- plexa e bem articulada. Ao contrário do que as teorias evolucionistas faziam crer, o pensamento mágico não antecede o pensamento científico, ambos existem simulta- neamente. A Antropologia constitui-se como uma ciência que se opõe ao etnocentrismo. Essa não é uma tarefa fácil, pois o antropólogo quase sem- pre se constitui como um sujeito que não com- partilha do mesmo ponto de vista daquelas culturas ou sociedades que estuda. Para desvencilhar-se do etnocentrismo, a Antropologia recorre à noção de “alteridade”: A abordagem antropológica provoca uma verdadeira revolução do olhar. Ela implica um descentramento radi- cal, uma ruptura com a ideia de que existe um “centro do mundo”, e cor- relativamente, uma ampliação do sa- ber e uma mutação de si mesmo. A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade com a Humanidade (em sua totalidade), e correlativa- mente deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós mesmos. Con- frontados com a multiplicidade das 68 Anotações: culturas, somos aos poucos levados a romper com a abordagem comum que operana naturalização da vida social (como se nossos comporta- mentos estivessem inscritos em nós desde o nascimento e não fossem adquiridos no contato com a cultura em que nascemos) (...) (LAPLAN- TINE, 2010, p. 22). A partir do pensamento antropológico contemporâneo, a alteridade torna-se um elemento fundamental para que o exercício antropológico de aproximação de culturas diferentes das nossas, seja realizado de forma respeitosa, estabelecendo possibilidades de aprendizados e trocas culturais. Além de necessária na realização do trabalho antropológico, a noção de alteridade será muito útil para tornar mais saudável o convívio com a diferença social. TRABALHO DE CAMPO E ETNOGRAFIA Uma das rupturas em relação à fase do Evolucionismo Social na construção da teoria antropológica, foi a construção da etnografia, como resultado da pesquisa empírica junto às sociedades e povos estudados. Bronislaw Malinowski (1884-1942) foi canônico ao propor o método de “observação participante” como meio para obtenção de dados sobre a vida dos nativos. Hoje, a pesquisa em antropologia ainda segue a tradição inaugurada por Malinowski. É muito comum que nossas pesquisas prezem pela proximidade com os sujeitos dos grupos sociais investigados, 69 Anotações:produzindo documentos sobre nossas impressões, conversas, sobre festividades e momentos rituais, entre outras circunstâncias importantes da vida social. A pesquisa de campo realizada por Malinowski teve as Ilhas Trobriandesas, na região ocidental do Pacífico, como lócus de pesquisa. Dessa experiência, escreveu “Argonautas do Pacífico ocidental”, “A vida sexual dos selvagens” e “Jardins de coral”. Dessas três obras, “Argonautas” é a de maior destaque, pois além de descrever o circuito do kula (sistema de trocas e hierarquias) e a construção das wagas (navegações), é nessa obra que apresenta seu método e as etapas de sua pesquisa. Segundo Malinowski (2018), Em etnografia, o autor é ao mesmo tempo seu próprio cronista e o his- toriador, enquanto suas fontes sem dúvida são facilmente acessíveis, mas também supremamente esqui- vas e complexas; elas não estão cor- porificadas em documentos mate- riais, fixos, mas no comportamento e na memória de homens vivos. Em etnografia, muitas vezes há enorme distância entre o material bruto da informação — tal como é apresentado ao estudioso em suas próprias obser- vações, nas afirmações dos nativos, no caleidoscópio da vida tribal — e a apresentação final autorizada dos re- sultados. O etnógrafo tem de transpor essa distância nos laboriosos anos que decorrem entre o momento no qual pisa numa praia nativa, faz suas 70 Anotações: primeiras tentativas de entrar em contato com os nativos, e o momento em que redige a versão final de seus resultados (p. 57). O pensador também explica como devem ser estabelecidas as relações em campo, enfatizando que o contato primordial deve ser com os “nativos”. Durante o processo de aprendizado sobre um grupo ou cultura diferente do nosso, a imersão nas lógicas e rotinas do lugar são essenciais. Além disso, é importante não perder de vista nosso status de “outro” diante daqueles de quem queremos informações. Esses laços não são desinteressados, mas nem por isso chegam a ser superficiais. Como foi dito, elas consistem prin- cipalmente em afastar-se da com- panhia de outros brancos e per- manecer no contato mais estreito possível com os nativos, o que real- mente só pode ser alcançado acam- pando em suas aldeias. É muito bom ter uma base nas instalações de al- gum homem branco para os materiais e saber que há um refúgio ali quando estamos adoentados ou cansados dos nativos. Mas ela deve estar su- ficientemente afastada para não se transformar no meio permanente em que você vive e do qual emerge em horas fixas somente para “trabalhar na aldeia”. Não deveria nem ser próxi- ma o bastante para que recorramos a ela a qualquer momento em busca de distração (idem p. 58-59). 71 Anotações:Figura 4 - Malinowski, em pesquisa de campo nas Ilhas Trobriand Fonte: Fotografia de Billy Hanckock. In: Malinowski, 2018. Outro aspecto das relações é a forma de como obtemos os dados em campo. Dificilmente, as pessoas têm respostas prontas para as nossas perguntas e, às vezes, dependendo dos nossos questionamentos, elas não se sentem confortáveis para responder. Todas as sociedades têm temáticas tabu, situações que não são faladas abertamente para estranhos. Malinovski (2018) apresenta algumas estratégias para lidar com esse dilema: Embora não possamos interrogar um nativo sobre regras gerais, abstratas, podemos sempre indagar como um dado caso seria tratado. Assim, por exemplo, ao perguntar como eles tratariam o crime, ou o puniriam, seria inútil fazer a um nativo uma pergunta abrangente como “De que maneira você trataria e puniria um criminoso?”, porque não seria possível sequer 72 Anotações: encontrar palavras para expressá-la em um idioma nativo. Mas um caso imaginário ou, melhor ainda, uma ocorrência real estimulará o nativo a expressar sua opinião e a fornecer informações abundantes (p. 68-69). Há, ainda, muitas situações e fenômenos importantes que não conseguimos registrar imediatamente. A convivência envolve múltiplas formas de participação e atenção, que podem nos fazer deixar de anotar ou gravar as cenas e conversas no calor dos acontecimentos. Esses fenômenos são chamados de “os imponderáveis da vida real”. São coisas como a rotina do trabalho, formas de cuidado com o corpo, maneiras de preparar e consumir os alimentos, as expressões emocionais, os laços fortes de amizade e as antipatias entre pessoas. Todos esses fatos podem e devem ser cientificamente formulados e registrados, mas é necessário que isso não seja feito com um registro superficial de detalhes, como é costume entre os observadores não treinados, porém com um esforço para penetrar a atitude mental que neles se expressa (idem, p. 72). Malinovski (2018) sugere três caminhos para abordar o trabalho de campo. São eles: 1. A organização da tribo e a anatomia de sua cultura devem ser registradas num esboço firme, claro. O método de documentação 73 Anotações:concreta, estatística, é o meio pelo qual esse esboço deve ser feito. 2. Os imponderáveis da vida real e o tipo de comportamento devem ser inseridos no interior dessa estrutura. Eles têm de ser colhidos mediante observações minuciosas, detalhadas, na forma de algum tipo de diário etnográfico, possibilitando estreito contato com a vida nativa. 3. Uma compilação de depoimentos et- nográficos, narrativas características, pro- nunciamentos típicos, itens de folclore e fórmulas mágicas devem ser considerados um corpus inscriptionum, como documen- tos da mentalidade nativa. Uma sequência para a construção do trabalho antropológico, clássico na antropologia brasileira, foi proposto por Roberto Cardoso de Oliveira em seu livro “O trabalho do Antropólogo”. Oliveira (2006) argumenta que o trabalho do antropólogo consiste em três atos cognitivos primordiais: Olhar, Ouvir e Escrever. Os dois primeiros são executados, quase sempre, simultaneamente. O autor propõe algumas experimentações em torno de cada um. Imagine chegar em uma sociedade completamente desconhecida, da qual não se domina o idioma nativo? As primeiras impressões serão construídas a partir do Olhar. Pelo Olhar, podemos notar como as pessoas se vestem, com quem se relacionam, como se alimentam, como são as casas, por exemplo. Ouvir, complementa o Olhar. Por meio das conversas podemos desfazer dúvidas, criar relações com as pessoas do lugar, entender como as pessoas se 74 Anotações: chamam, quais os pronomes de tratamento dados, os status atribuídos aos membros de um grupo. Por fim, Oliveira (2006) fala sobre o ato de escrever, subdividindo-o em dois momentos: “Estar aqui” e “Estar lá”. Se recorrermos ao exemplo de Malinovski, veremos que ele tinha registros locais,
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