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<p>Responsável Técnico: Lorena de Fátima Vidal (CRB: 410/11-AM)</p><p>Biblioteca CEUNI-FAMETRO</p><p>FAMETRO</p><p>Av. Djalma Batista, Nossa Sra. das Gracas. Manaus, AM</p><p>L372s Lima, Nata Souza.</p><p>Sociologia e antropologia. / Nata Souza Lima. -- Manaus: CEUNI-</p><p>FAMETRO, 2021.</p><p>178 p.</p><p>ISBN: 978-85-64293-06-9</p><p>1. Sociedade 2. Cultura 3. Diversidade cultural 4. Fato social I.</p><p>Título.</p><p>CDU.:572</p><p>Ficha catalogada na Biblioteca CEUNI-Fametro</p><p>Todos os direitos reservados © FAMETRO</p><p>IME Instituto Metropolitano de Ensino Ltda</p><p>Wellington Lins de Albuquerque | Presidente - IME</p><p>Maria do Carmo Seffair Lins de Albuquerque | Reitora</p><p>Cinara da Silva Cardoso | Pro-Reitora</p><p>Iyad Amado Hajoj | Diretor de EaD e Expansão</p><p>Leonardo Florêncio da Silva | Diretor Editorial e Gestor de EaD</p><p>Luciana Braga | Projeto Gráfico e Direção de Arte</p><p>Amenayde Cristine Corrêa | Assistente Editorial</p><p>Ana Augusta de Oliveira Simas | Supervisora de Produção e Revisora</p><p>Liene Costa | Revisora</p><p>Flávia Bahia Lacerda | Revisora Técnica</p><p>Imagens | depositphotos.com</p><p>"Nos termos da Lei n.º 9.610/98, o autor desta obra é titular de todo o complexo de</p><p>direitos autorais sobre a presente criação. Assim, é vedada a cópia, reprodução,</p><p>edição ou distribuição desta obra sem autorização expressa do Autor ou da Editora</p><p>e, ainda é vedado utilizar, citar, publicar esta obra integral ou parcialmente sem</p><p>deixar de indicar ou anunciar o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor</p><p>sob pena da aplicação das medidas previstas nos Art. 101 a 110 da Lei n.º 9.610/98."</p><p>“Sejam todos e todas bem-vindos ao EaD</p><p>do Centro Universitário Fametro”</p><p>O Centro Universitário Fametro acredita que o</p><p>papel de uma instituição de ensino é formar não apenas</p><p>profissionais, mas também formar profissionais no</p><p>Ensino Superior, com valores éticos, humanísticos e</p><p>com respeito ao meio ambiente capazes de contribuir</p><p>para o desenvolvimento da nossa Amazônia.</p><p>A Fametro, portanto, tem premissas claras a</p><p>cumprir como instituição de ensino de qualidade.</p><p>Praticar o ensino, pesquisa e extensão é a sua principal</p><p>bandeira.</p><p>A Fametro, ao longo das últimas duas décadas,</p><p>vem se consolidando como a melhor instituição de</p><p>ensino do Norte, um espaço democrático e docentes</p><p>com variadas visões de mundo. Somos uma instituição</p><p>de ensino plural que avança a cada ano em busca</p><p>sempre de desenvolver a economia da Amazônia. Nossa</p><p>estrutura é moderna, estamos em diversos municípios</p><p>levando uma educação inclusiva e de qualidade.</p><p>Conheça o Centro Universitário Fametro e viva a</p><p>experiência em estudar numa instituição com o corpo</p><p>docente com mestres e doutores e de qualidade de</p><p>ensino comprovada pelo MEC.</p><p>Maria do Carmo Seffair</p><p>Reitora</p><p>Pa</p><p>la</p><p>vr</p><p>a</p><p>da</p><p>R</p><p>ei</p><p>to</p><p>ra</p><p>“É a educação que</p><p>faz o futuro</p><p>parecer um lugar</p><p>de esperança e</p><p>transformação”.</p><p>(Marianna Moreno)</p><p>UNIDADE I - DEBATES</p><p>FUNDAMENTAIS EM SOCIOLOGIA</p><p>A noção de "ciência social"</p><p>Sociologia e método sociológico</p><p>Industrialização e mudança social</p><p>Individualismo e estigma</p><p>Modernidade e globalização</p><p>Su</p><p>m</p><p>ár</p><p>io</p><p>13</p><p>16</p><p>22</p><p>31</p><p>38</p><p>UNIDADE II - DEBATES</p><p>FUNDAMENTAIS EM ANTROPOLOGIA</p><p>Evolucionismo social</p><p>Natureza e cultura</p><p>Etnocentrismo e Alteridade</p><p>Trabalho de campo e Etnografia</p><p>Populações tradicionais e vozes ameríndias</p><p>UNIDADE III - PROBLEMAS SOCIAIS</p><p>DO BRASIL</p><p>Formação nacional</p><p>Questões étnico-raciais no Brasil</p><p>Conflitos agrários e as lutas pela terra</p><p>Cidades e violência urbana</p><p>A Amazônia no debate social</p><p>53</p><p>59</p><p>65</p><p>68</p><p>74</p><p>85</p><p>91</p><p>99</p><p>105</p><p>110</p><p>UNIDADE IV - DESIGUALDADES</p><p>SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS</p><p>Direitos humanos e justiça</p><p>Gênero: desigualdades e violências</p><p>Migração e fronteiras</p><p>Poder e subalternidades</p><p>Estado e intervenção social</p><p>Referências</p><p>Caderno de exercícios</p><p>121</p><p>125</p><p>136</p><p>142</p><p>146</p><p>152</p><p>159</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>1</p><p>Videoaula 1</p><p>Videoaula 2</p><p>Videoaula 3</p><p>Videoaula 4</p><p>Videoaula 5</p><p>13</p><p>DEBATES</p><p>FUNDAMENTAIS</p><p>EM SOCIOLOGIA</p><p>A NOÇÃO DE “CIÊNCIA</p><p>SOCIAL”</p><p>As ciências sociais são um</p><p>campo do conhecimento moderno</p><p>que compreende três disciplinas</p><p>principais: Sociologia, Antropolo-</p><p>gia e Ciência Política. Esses três sa-</p><p>beres propõem olhares diferentes</p><p>sobre a vida social humana. Embora</p><p>estas áreas do conhecimento sejam</p><p>muito próximas entre si, não são to-</p><p>talmente iguais. A Sociologia busca</p><p>estudar as relações do indivíduo na</p><p>sociedade, a estrutura e dinamici-</p><p>dade das sociedades modernas, fa-</p><p>14</p><p>Anotações: zendo uma análise no percurso histórico e as suas</p><p>transformações ao longo do tempo. A antropologia</p><p>analisa a distinção das culturas humanas, a diversi-</p><p>dade dos grupos sociais ou étnicos e as mudanças</p><p>que ocorrem, devido à interação entre os grupos.</p><p>Ao passo que a Ciência Política estuda a siste-</p><p>matização do poder do estado, as instituições e o</p><p>processo político partidário de um país, as políticas</p><p>públicas em todas as suas etapas, ou seja, na elabo-</p><p>ração, implantação e avaliação do resultado de sua</p><p>aplicação. Neste livro, nosso enfoque será sobre</p><p>Sociologia e Antropologia, duas áreas das Ciências</p><p>Sociais, que têm origens aproximadas, mas formas</p><p>distintas de observar e refletir sobre as relações</p><p>sociais.</p><p>Numa percepção clássica, a Sociologia se</p><p>constrói a partir de três principais teóricos, que</p><p>produzem visões diferentes sobre a sociedade</p><p>e as transformações modernas. Primeiramente,</p><p>veremos a consolidação da Sociologia como uma</p><p>Ciência moderna, a partir de Émile Durkheim, na</p><p>França. Em seguida, estudaremos outros dois</p><p>teóricos fundadores de problemas sociológicos</p><p>modernos, mas que não estiveram intrinsecamente</p><p>ligados à formação da Sociologia como um campo</p><p>disciplinar, mas cada um adotando compromissos</p><p>diferentes em relação à ciência e à compreensão</p><p>das transformações da modernidade. São eles: Karl</p><p>Marx e Max Weber, ambos alemães.</p><p>15</p><p>Anotações:</p><p>A formação da Sociologia como Ciência</p><p>O Iluminismo foi um movimento filosófico</p><p>do século XVIII, que propôs a separação radical</p><p>entre igreja e ciência. Esse foi o marco da ciência</p><p>moderna, onde autores como Renè Descartes,</p><p>Jonh Locke, Rousseau, Voltaire, entre outros,</p><p>elaboraram ensaios sobre as leis, as formas de</p><p>desigualdade, as relações de poder e, sobretudo,</p><p>a necessidade do método como meio pelo qual se</p><p>conhece a realidade. A partir desse movimento</p><p>intelectual, consolida-se a modernidade, baseada</p><p>na técnica, no método e na comprovação científica.</p><p>Desse processo, as ciências exatas e da</p><p>natureza consolidam métodos e regras para a</p><p>investigação científica, apreensão e acúmulo do</p><p>conhecimento. O método científico proporciona</p><p>maior veracidade e controle de uma determinada</p><p>experiência. Além disso, assegura o acúmulo de</p><p>conhecimento, uma nova descoberta, devidamente</p><p>testada e aprovada pelos cientistas que compõem</p><p>um campo disciplinar, não precisa ser testada do</p><p>zero. Outras teorias e experimentações podem ser</p><p>realizadas a partir dos conhecimentos já adquiridos</p><p>cientificamente.</p><p>No final do século XIX, havia uma lacuna</p><p>em torno da produção de conhecimentos sobre a</p><p>humanidade e as sociedades, que até ali era feita</p><p>pela Filosofia ou pela Teologia, a primeira com mais</p><p>ênfase nas questões do espírito humano, a segunda,</p><p>com ênfase na crença e na fé. Nas duas, a produção do</p><p>conhecimento não passava por métodos científicos,</p><p>nem por processos de testagem e comprovação.</p><p>16</p><p>Anotações: Movidos por essas questões, dois autores do</p><p>final do século XIX buscaram consolidar abordagens</p><p>científicas sobre a vida social. O primeiro foi</p><p>Gabriel Tarde, que propôs a literatura (por meio da</p><p>interpretação literária) como meio para a análise</p><p>social. Essa ideia não repercutiu com a mesma</p><p>proporção que a proposta de Auguste Comte, que</p><p>inaugurou a noção de “física social”, uma ciência</p><p>que seria capaz de analisar a sociedade, a partir</p><p>do método científico já consolidado nas ciências</p><p>“duras” (exatas e da natureza, principalmente).</p><p>Comte teve grande influência na educação</p><p>francesa, sendo primeiramente um crítico do</p><p>elitismo em torno</p><p>culturas, somos aos poucos levados</p><p>a romper com a abordagem comum</p><p>que opera na naturalização da vida</p><p>social (como se nossos comporta-</p><p>mentos estivessem inscritos em nós</p><p>desde o nascimento e não fossem</p><p>adquiridos no contato com a cultura</p><p>em que nascemos) (...) (LAPLAN-</p><p>TINE, 2010, p. 22).</p><p>A partir do pensamento antropológico</p><p>contemporâneo, a alteridade torna-se um elemento</p><p>fundamental para que o exercício antropológico de</p><p>aproximação de culturas diferentes das nossas,</p><p>seja realizado de forma respeitosa, estabelecendo</p><p>possibilidades de aprendizados e trocas culturais.</p><p>Além de necessária na realização do trabalho</p><p>antropológico, a noção de alteridade será muito</p><p>útil para tornar mais saudável o convívio com a</p><p>diferença social.</p><p>TRABALHO DE CAMPO E ETNOGRAFIA</p><p>Uma das rupturas em relação à fase do</p><p>Evolucionismo Social na construção da teoria</p><p>antropológica, foi a construção da etnografia,</p><p>como resultado da pesquisa empírica junto</p><p>às sociedades e povos estudados. Bronislaw</p><p>Malinowski (1884-1942) foi canônico ao propor o</p><p>método de “observação participante” como meio</p><p>para obtenção de dados sobre a vida dos nativos.</p><p>Hoje, a pesquisa em antropologia ainda segue a</p><p>tradição inaugurada por Malinowski. É muito comum</p><p>que nossas pesquisas prezem pela proximidade</p><p>com os sujeitos dos grupos sociais investigados,</p><p>69</p><p>Anotações:produzindo documentos sobre nossas impressões,</p><p>conversas, sobre festividades e momentos rituais,</p><p>entre outras circunstâncias importantes da vida</p><p>social.</p><p>A pesquisa de campo realizada por Malinowski</p><p>teve as Ilhas Trobriandesas, na região ocidental</p><p>do Pacífico, como lócus de pesquisa. Dessa</p><p>experiência, escreveu “Argonautas do Pacífico</p><p>ocidental”, “A vida sexual dos selvagens” e “Jardins</p><p>de coral”. Dessas três obras, “Argonautas” é a de</p><p>maior destaque, pois além de descrever o circuito</p><p>do kula (sistema de trocas e hierarquias) e a</p><p>construção das wagas (navegações), é nessa obra</p><p>que apresenta seu método e as etapas de sua</p><p>pesquisa. Segundo Malinowski (2018),</p><p>Em etnografia, o autor é ao mesmo</p><p>tempo seu próprio cronista e o his-</p><p>toriador, enquanto suas fontes sem</p><p>dúvida são facilmente acessíveis,</p><p>mas também supremamente esqui-</p><p>vas e complexas; elas não estão cor-</p><p>porificadas em documentos mate-</p><p>riais, fixos, mas no comportamento</p><p>e na memória de homens vivos. Em</p><p>etnografia, muitas vezes há enorme</p><p>distância entre o material bruto da</p><p>informação — tal como é apresentado</p><p>ao estudioso em suas próprias obser-</p><p>vações, nas afirmações dos nativos,</p><p>no caleidoscópio da vida tribal — e a</p><p>apresentação final autorizada dos re-</p><p>sultados. O etnógrafo tem de transpor</p><p>essa distância nos laboriosos anos</p><p>que decorrem entre o momento no</p><p>qual pisa numa praia nativa, faz suas</p><p>70</p><p>Anotações: primeiras tentativas de entrar em</p><p>contato com os nativos, e o momento</p><p>em que redige a versão final de seus</p><p>resultados (p. 57).</p><p>O pensador também explica como devem ser</p><p>estabelecidas as relações em campo, enfatizando</p><p>que o contato primordial deve ser com os “nativos”.</p><p>Durante o processo de aprendizado sobre um grupo</p><p>ou cultura diferente do nosso, a imersão nas lógicas</p><p>e rotinas do lugar são essenciais. Além disso,</p><p>é importante não perder de vista nosso status</p><p>de “outro” diante daqueles de quem queremos</p><p>informações. Esses laços não são desinteressados,</p><p>mas nem por isso chegam a ser superficiais.</p><p>Como foi dito, elas consistem prin-</p><p>cipalmente em afastar-se da com-</p><p>panhia de outros brancos e per-</p><p>manecer no contato mais estreito</p><p>possível com os nativos, o que real-</p><p>mente só pode ser alcançado acam-</p><p>pando em suas aldeias. É muito bom</p><p>ter uma base nas instalações de al-</p><p>gum homem branco para os materiais</p><p>e saber que há um refúgio ali quando</p><p>estamos adoentados ou cansados</p><p>dos nativos. Mas ela deve estar su-</p><p>ficientemente afastada para não se</p><p>transformar no meio permanente em</p><p>que você vive e do qual emerge em</p><p>horas fixas somente para “trabalhar</p><p>na aldeia”. Não deveria nem ser próxi-</p><p>ma o bastante para que recorramos a</p><p>ela a qualquer momento em busca de</p><p>distração (idem p. 58-59).</p><p>71</p><p>Anotações:Figura 4 - Malinowski, em pesquisa de campo nas</p><p>Ilhas Trobriand</p><p>Fonte: Fotografia de Billy Hanckock. In: Malinowski, 2018.</p><p>Outro aspecto das relações é a forma de</p><p>como obtemos os dados em campo. Dificilmente,</p><p>as pessoas têm respostas prontas para as nossas</p><p>perguntas e, às vezes, dependendo dos nossos</p><p>questionamentos, elas não se sentem confortáveis</p><p>para responder. Todas as sociedades têm temáticas</p><p>tabu, situações que não são faladas abertamente</p><p>para estranhos. Malinovski (2018) apresenta</p><p>algumas estratégias para lidar com esse dilema:</p><p>Embora não possamos interrogar um</p><p>nativo sobre regras gerais, abstratas,</p><p>podemos sempre indagar como um</p><p>dado caso seria tratado. Assim, por</p><p>exemplo, ao perguntar como eles</p><p>tratariam o crime, ou o puniriam, seria</p><p>inútil fazer a um nativo uma pergunta</p><p>abrangente como “De que maneira</p><p>você trataria e puniria um criminoso?”,</p><p>porque não seria possível sequer</p><p>72</p><p>Anotações: encontrar palavras para expressá-la</p><p>em um idioma nativo. Mas um caso</p><p>imaginário ou, melhor ainda, uma</p><p>ocorrência real estimulará o nativo</p><p>a expressar sua opinião e a fornecer</p><p>informações abundantes (p. 68-69).</p><p>Há, ainda, muitas situações e fenômenos</p><p>importantes que não conseguimos registrar</p><p>imediatamente. A convivência envolve múltiplas</p><p>formas de participação e atenção, que podem nos</p><p>fazer deixar de anotar ou gravar as cenas e conversas</p><p>no calor dos acontecimentos. Esses fenômenos são</p><p>chamados de “os imponderáveis da vida real”. São</p><p>coisas como a rotina do trabalho, formas de cuidado</p><p>com o corpo, maneiras de preparar e consumir os</p><p>alimentos, as expressões emocionais, os laços</p><p>fortes de amizade e as antipatias entre pessoas.</p><p>Todos esses fatos podem e devem</p><p>ser cientificamente formulados e</p><p>registrados, mas é necessário que</p><p>isso não seja feito com um registro</p><p>superficial de detalhes, como é</p><p>costume entre os observadores não</p><p>treinados, porém com um esforço</p><p>para penetrar a atitude mental que</p><p>neles se expressa (idem, p. 72).</p><p>Malinovski (2018) sugere três caminhos para</p><p>abordar o trabalho de campo. São eles:</p><p>1. A organização da tribo e a anatomia de sua</p><p>cultura devem ser registradas num esboço</p><p>firme, claro. O método de documentação</p><p>73</p><p>Anotações:concreta, estatística, é o meio pelo qual</p><p>esse esboço deve ser feito.</p><p>2. Os imponderáveis da vida real e o tipo</p><p>de comportamento devem ser inseridos</p><p>no interior dessa estrutura. Eles têm</p><p>de ser colhidos mediante observações</p><p>minuciosas, detalhadas, na forma de algum</p><p>tipo de diário etnográfico, possibilitando</p><p>estreito contato com a vida nativa.</p><p>3. Uma compilação de depoimentos et-</p><p>nográficos, narrativas características, pro-</p><p>nunciamentos típicos, itens de folclore e</p><p>fórmulas mágicas devem ser considerados</p><p>um corpus inscriptionum, como documen-</p><p>tos da mentalidade nativa.</p><p>Uma sequência para a construção do trabalho</p><p>antropológico, clássico na antropologia brasileira,</p><p>foi proposto por Roberto Cardoso de Oliveira em</p><p>seu livro “O trabalho do Antropólogo”. Oliveira (2006)</p><p>argumenta que o trabalho do antropólogo consiste</p><p>em três atos cognitivos primordiais: Olhar, Ouvir</p><p>e Escrever. Os dois primeiros são executados,</p><p>quase sempre, simultaneamente. O autor propõe</p><p>algumas experimentações em torno de cada um.</p><p>Imagine chegar em uma sociedade completamente</p><p>desconhecida, da qual não se domina o idioma</p><p>nativo? As primeiras impressões serão construídas</p><p>a partir do Olhar.</p><p>Pelo Olhar, podemos notar como as pessoas</p><p>se vestem, com quem se relacionam, como se</p><p>alimentam, como são as casas, por exemplo. Ouvir,</p><p>complementa o Olhar. Por meio das conversas</p><p>podemos desfazer dúvidas, criar relações com as</p><p>pessoas do lugar, entender como as pessoas se</p><p>74</p><p>Anotações: chamam, quais os pronomes de tratamento dados,</p><p>os status atribuídos aos membros de um grupo.</p><p>Por fim, Oliveira (2006) fala sobre o ato de</p><p>escrever, subdividindo-o em dois momentos: “Estar</p><p>aqui” e “Estar lá”.</p><p>Se recorrermos ao exemplo de</p><p>Malinovski, veremos que ele tinha registros locais,</p><p>cadernetas e diários de campo, mas construiu as</p><p>etnografias finais sobre os Trobriandeses em seu</p><p>escritório. No campo, nós também construímos</p><p>registros escritos sobre as experiências imediatas,</p><p>mas o exercício intelectual de construção da</p><p>etnografia e sua relação com a teoria, é feito nos</p><p>momentos de solidão, distantes do espaço de</p><p>pesquisa.</p><p>POPULAÇÕES TRADICIONAIS E VOZES</p><p>AMERÍNDIAS</p><p>Segundo Cunha (2017), o emprego do ter-</p><p>mo populações tradicionais não implica neces-</p><p>sariamente adesão à tradição — no sentido da</p><p>permanência das tradições, pois a teoria antro-</p><p>pológica já concebe a cultura como dinâmica e</p><p>mutável.</p><p>Defini-las como populações que têm</p><p>baixo impacto sobre o ambiente,</p><p>para depois afirmar que são ecologi-</p><p>camente sustentáveis, seria mera</p><p>tautologia. Se as definirmos como</p><p>populações que estão fora da esfera</p><p>do mercado, será difícil encontrá-las</p><p>hoje em dia (p. 268).</p><p>75</p><p>Anotações:Compreendendo esse conjunto complexo</p><p>que engloba as “populações tradicionais”, po-</p><p>demos inferir que as populações tradicionais são</p><p>aquelas que exercem impactos sustentáveis so-</p><p>bre a natureza, mantendo ou não relações com o</p><p>mercado global, que têm status étnico — social,</p><p>administrativo ou jurídico — reconhecido. São os</p><p>sujeitos chamados de “índios”, “indígena”, “tribal”,</p><p>“nativo”, “aborígene” e “negro”, a partir do contato</p><p>com o mundo branco.</p><p>E embora [tais termos] tenham sido</p><p>genéricos e artificiais ao serem criados,</p><p>esses termos foram progressivamente</p><p>habitados por gente de carne e osso.</p><p>Não deixa de ser notável o fato de que</p><p>com muita frequência os povos que de</p><p>início foram forçados a habitar essas</p><p>categorias tenham sido capazes de</p><p>se apossar delas, convertendo termos</p><p>carregados de preconceito em bandei-</p><p>ras mobilizadoras. Nesse caso, a de-</p><p>portação para um território conceitual</p><p>estrangeiro acabou resultando na ocu-</p><p>pação e defesa desse território (idem, p.</p><p>268-269).</p><p>Após um século de predominância de</p><p>antropólogos brancos, de países imperialistas,</p><p>fazendo pesquisa com os povos tidos como</p><p>“selvagens”, houve um importante esforço de</p><p>ressignificação dos papéis de sujeitos fixados na</p><p>posição de meros interlocutores. O movimento</p><p>indígena do Brasil teve grande importância nessa</p><p>reviravolta, fazendo surgir e repercutindo trabalhos</p><p>76</p><p>Anotações: de intelectuais indígenas e de seus grupos étnicos,</p><p>dos quais destacamos dois a seguir.</p><p>Davi Kopenawa (2015) escreve “A Queda do</p><p>Céu” em parceria com o antropólogo Bruce Albert.</p><p>Para muitos teóricos, a cosmologia Yanomami</p><p>apresentada por Kopenawa é um vislumbre da</p><p>ideia de “filosofia ameríndia”, no sentido proposto</p><p>por Eduardo Viveiros de Castro, de que os povos</p><p>ameríndios teriam perspectivas epistemológicas</p><p>próprias e não dicotômicas, sobre a relação entre os</p><p>humanos (a cultura) e os seres da natureza. Mas aqui,</p><p>podemos escapar um pouco dessas categorizações</p><p>e pensar no trabalho do Xamã yanomami, como um</p><p>alerta sobre o avanço predatório “dos brancos”.</p><p>Esse alerta, escrito com muita beleza, apresenta</p><p>aspectos da cosmologia Yanomami e a história</p><p>de como Davi se tornou um Xamã politicamente</p><p>engajado que se encarrega do trabalho de impedir a</p><p>Queda do Céu, que significaria o recomeço da Terra,</p><p>pela vontade de Omama.</p><p>Figura 5 - Davi Kopenawa, liderança política e</p><p>xamã yanomami</p><p>Fonte: Foto de Daniel Klajmic, Instituto Socioambiental, 2019.</p><p>77</p><p>Anotações:Uma das partes mais sensíveis do livro</p><p>é aquela em que Kopenawa, ainda criança, é</p><p>chamado pelo Xapiri nos sonhos. Os sonhos de</p><p>uma criança que poderá se tornar Xamã, são</p><p>sonhos febris, geralmente, sentidos por meninos</p><p>delicados, frágeis, que precisam ser ornados de</p><p>artefatos culturais, carregados de poder simbólico</p><p>que fazem a relação entre o mundo físico e o</p><p>mundo dos espíritos. Davi, vai sendo construído</p><p>como um homem Ianomami, feito de cautelas</p><p>e sensibilidades, sobre a caça, a relação com</p><p>a natureza, o sexo, sobre seu o povo e com os</p><p>espíritos. Ele aprende a ver que a vida é bonita (nas</p><p>danças dos Xapiri nos sonhos, nas visões de pó de</p><p>Yãkoana), por isso, importa manter o Céu.</p><p>Kopenawa nos ajuda a perceber que as</p><p>cosmologias contra-capitalistas, que também são</p><p>epistemologias “não-brancas”, dependem também</p><p>de um engajamento sensível na relação com a</p><p>natureza. Num tom semelhante ao de Kopenawa,</p><p>Ailton Krenak, intelectual indígena e liderança do</p><p>povo Krenak, às margens do Rio Doce (MG), tece um</p><p>conjunto de propostas sobre como evitar a extinção</p><p>da humanidade, diante da crise do clima, provocada</p><p>pela lógica da mercadoria, do sistema capitalista.</p><p>O autor utiliza a dicotomia ocidental entre</p><p>“natureza” e “cultura” (que também é um problema</p><p>antropológico ocidental), como ponto de partida</p><p>para afirmar que os povos ameríndios não fazem a</p><p>mesma separação entre humanidade e natureza.</p><p>Afirma que essa distinção é meramente conceitual,</p><p>e do mundo dos brancos, propondo que nossa</p><p>existência como humanidade depende do aparato</p><p>completo que só a natureza, na Terra, nos dá. O</p><p>78</p><p>Anotações: livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019) é</p><p>uma mensagem de alerta e esperança, diante da</p><p>predação da indústria, do consumismo e destruição</p><p>do meio ambiente. Seu livro mais recente, intitulado</p><p>“A vida não é útil” (2020), adota um tom mais</p><p>duro, quase uma decepção com a humanidade,</p><p>e principalmente com o Brasil – pois foi em parte,</p><p>escrito durante a pandemia do coronavírus.</p><p>É importante salientar que diversos povos</p><p>do planeta vivenciaram tempos difíceis diante das</p><p>incertezas da pandemia do coronavírus iniciada</p><p>em 2019, com primeiros casos reportados pela</p><p>China. Contudo, alguns grupos sociais foram mais</p><p>vulneráveis do que outros, entre eles, os povos</p><p>indígenas. Krenak (2020) reflete sobre como o</p><p>drama vivenciado pela humanidade diante da</p><p>COVID-19, é resultado da nossa relação predatória</p><p>com a natureza e dos descasos sociais entre nós</p><p>mesmos.</p><p>[Disseram] outro dia que brasileiros</p><p>mergulham no esgoto e não acontece</p><p>nada. O que vemos [...] é o exercício da</p><p>necropolítica, uma decisão de morte.</p><p>É uma mentalidade doente que está</p><p>dominando o mundo. E temos agora</p><p>esse vírus, um organismo do planeta,</p><p>respondendo a esse pensamento</p><p>doentio dos humanos com um ataque</p><p>à forma de vida insustentável que</p><p>adotamos por livre escolha, essa</p><p>fantástica liberdade que todos</p><p>adoram reivindicar, mas ninguém se</p><p>pergunta qual o seu preço. Esse vírus</p><p>está discriminando a humanidade.</p><p>79</p><p>Anotações:Basta olhar em volta. O melão-de-</p><p>são-caetano continua a crescer aqui</p><p>do lado de casa. A natureza segue.</p><p>O vírus não mata pássaros, ursos,</p><p>nenhum outro ser, apenas humanos.</p><p>Quem está em pânico são os povos</p><p>humanos e seu mundo artificial,</p><p>seu modo de funcionamento que</p><p>entrou em crise. É terrível o que</p><p>está acontecendo, mas a sociedade</p><p>precisa entender que não somos o</p><p>sal da terra. Temos que abandonar</p><p>o antropocentrismo; há muita vida</p><p>além da gente, não fazemos falta na</p><p>biodiversidade (KRENAK, 2020, p. 39).</p><p>Através desses exemplos, Krenak demonstra</p><p>que a vida na Terra não se restringe à humanidade.</p><p>Independente da nossa existência, as plantas, os</p><p>animais e demais seres da natureza continuarão</p><p>seus processos de desenvolvimento e existência.</p><p>Portanto, o autor reforça a necessidade de uma</p><p>visão contemporânea sobre o planeta, que incor-</p><p>pore o cuidado com a Terra. Assim, as reflexões</p><p>dos povos ameríndios apresentam-se como novas</p><p>perspectivas e desafios para a Antropologia.</p><p>80</p><p>Filmes para conferir:</p><p>O Enigma de Kaspar Hauser (Werner Herzog,</p><p>1974): filme que retrata a vida de Kaspar, um rapaz</p><p>criado longe da sociedade até a juventude, quando</p><p>é deixado em uma cidade alemã. Ao longo do filme,</p><p>o rapaz é tratado como um ser humano em estágio</p><p>primitivo da humanidade, e são questionadas suas</p><p>capacidades de socializar, aprender e interagir com</p><p>outros humanos.</p><p>A última floresta (Luiz Bolognesi, 2021):</p><p>documentário que narra a cosmologia e</p><p>a luta do</p><p>povo Yanomami na defesa de seu território e contra</p><p>a destruição da Terra, através do olhar de Davi</p><p>Kopenawa.</p><p>Para seguir:</p><p>@campopodcast (ins-</p><p>tagram e spotify): pod-</p><p>cast com curadoria e</p><p>pequenas aulas sobre</p><p>autores e autoras clás-</p><p>sicas e contemporâneas</p><p>da Antropologia. Idealizado</p><p>por Carol Parreiras e Paula</p><p>Maria.</p><p>81</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>Videoaula 1</p><p>Videoaula 2</p><p>Videoaula 3</p><p>Videoaula 4</p><p>Videoaula 5</p><p>84</p><p>85</p><p>FORMAÇÃO NACIONAL</p><p>Há uma ideia sobre a formação</p><p>nacional que gira em torno da cor-</p><p>dialidade, das relações amistosas e</p><p>pacíficas entre diferentes povos que</p><p>constituiriam o que conhecemos</p><p>como povo brasileiro. Contudo, essa</p><p>ideia tem uma compreensão que foi</p><p>internalizada pelo senso comum e</p><p>por movimentos que apregoam a</p><p>negação das diferenças sociais e do</p><p>racismo, e outra que percebe a cor-</p><p>dialidade como um efeito corruptivo</p><p>das relações hierárquicas no Brasil.</p><p>Deixando de ser uma colônia portu-</p><p>guesa, a sociedade brasileira con-</p><p>PROBLEMAS</p><p>SOCIAIS DO</p><p>BRASIL</p><p>86</p><p>Anotações: quistou sua independência nacional em 1822, sob</p><p>um regime monárquico.</p><p>Suas bases socioeconômicas e políti-</p><p>cas repousavam na grande proprie-</p><p>dade rural, monocultora e exportadora</p><p>de produtos primários para o mercado</p><p>externo; na exploração extensiva de</p><p>força de trabalho escrava, alimentada</p><p>pelo tráfico internacional de negros</p><p>desenraizados de suas tribos e comu-</p><p>nidades de origem no continente afri-</p><p>cano; na organização social estamen-</p><p>tal que estabelecia rígidas fronteiras</p><p>hierárquicas entre brancos, herdeiros</p><p>do colonizador português, negros es-</p><p>cravizados, homens livres destituídos</p><p>da propriedade da terra e populações</p><p>indígenas. Esses fundamentos soci-</p><p>ais conformaram uma vida associati-</p><p>va, isto é, padrões de socialidade e de</p><p>sociabilidade constituída em torno do</p><p>parentesco, da mescla de interesses</p><p>materiais e morais, da indiferenciação</p><p>entre as fronteiras dos negócios pú-</p><p>blicos e dos interesses privados, no</p><p>adensamento da vida íntima, na in-</p><p>tensidade dos vínculos emocionais,</p><p>no elevado grau de intimidade e de</p><p>proximidade pessoais e na perspecti-</p><p>va de sua continuidade no tempo e no</p><p>espaço, sem precedentes (ADORNO,</p><p>2002, p. 84).</p><p>Por sua vez, o poder político encontrava seus</p><p>fundamentos institucionais no patrimonialismo,</p><p>87</p><p>Anotações:isto é, uma estrutura de dominação cuja legitimi-</p><p>dade se constrói tendo como bases as relações en-</p><p>tre grandes proprietários rurais, representantes do</p><p>estado burocrático e clientelas locais mantidos a</p><p>partir de trocas de favores ou de apoio político.</p><p>Figura 6 - Abaporu, de Tarsila do Amaral (1928),</p><p>símbolo do movimento modernista brasileiro, é</p><p>usado para ilustrar a capa do livro “Raízes do</p><p>Brasil”, de Sérgio Buarque de Hollanda</p><p>Fonte: Google.</p><p>Assim, um dos pontos de partida da formação</p><p>do Brasil é sua relação com a “cordialidade”, conceito</p><p>caracterizado por Sérgio Buarque de Holanda,</p><p>em seu célebre livro “Raízes do Brasil”. Buarque</p><p>de Hollanda tece diferentes pilares (raízes) do que</p><p>constituiu o Brasil. Um desses pilares é o padrão de</p><p>comportamento cordial, que envolve as relações</p><p>estatais, burocráticas, numa teia de vínculos de</p><p>88</p><p>Anotações: apadrinhamento e familiaridade. Em nível ideal,</p><p>o Estado e suas relações não deveriam ser uma</p><p>ampliação do círculo familiar ou da realização de</p><p>vontades privadas. Buarque de Hollanda afirma que:</p><p>Não existe, entre o círculo familiar e o</p><p>Estado, uma gradação, mas antes uma</p><p>descontinuidade e até uma oposição.</p><p>A indistinção fundamental entre as</p><p>duas formas é o prejuízo romântico</p><p>que teve os seus adeptos mais entusi-</p><p>astas durante o século XIX. De acordo</p><p>com esses doutrinadores, o Estado e</p><p>as suas instituições descendem em</p><p>linha reta e, por simples evolução, da</p><p>família. A verdade, bem outra, é que</p><p>pertencem a ordens diferentes em es-</p><p>sência. Só pela transgressão da ordem</p><p>doméstica e familiar é que nasce o Es-</p><p>tado e que o simples indivíduo se faz</p><p>cidadão, contribuinte, eleitor, elegível,</p><p>recrutável e responsável, ante as leis</p><p>da Cidade. Há nesse fato um triunfo do</p><p>geral sobre o particular, do intelectual</p><p>sobre o material, do abstrato sobre o</p><p>corpóreo e não uma depuração suces-</p><p>siva, uma espiritualização de formas</p><p>mais naturais e rudimentares, uma</p><p>procissão das hipóstases, para falar</p><p>como na filosofia alexandrina. A ordem</p><p>familiar, em sua forma pura, é abolida</p><p>por uma transcendência (HOLLANDA,</p><p>1995, p. 141).</p><p>Contudo, o autor vai demonstrar que o Brasil,</p><p>diferente do modelo ideal das relações de Estado</p><p>89</p><p>Anotações:e cidadania, terá a “cordialidade” como base</p><p>civilizacional.</p><p>A contribuição brasileira para a</p><p>civilização será de cordialidade —</p><p>daremos ao mundo o “homem cordial”.</p><p>A lhaneza no trato, a hospitalidade, a</p><p>generosidade, virtudes tão gabadas</p><p>por estrangeiros que nos visitam,</p><p>representam, com efeito, um traço</p><p>definido do caráter brasileiro, na</p><p>medida, ao menos, em que permanece</p><p>ativa e fecunda a influência ancestral</p><p>dos padrões de convívio humano,</p><p>informados no meio rural e patriarcal</p><p>(idem, p. 146).</p><p>A cordialidade não é sinônimo de boas ma-</p><p>neiras, de relações de bom trato entre as pessoas.</p><p>A noção de cordialidade percebida por Buarque</p><p>de Hollanda, passa pelo esforço de, por meio de</p><p>sutilezas cotidianas, estabelecer vínculos sociais</p><p>que funcionem como meios de troca (de favores,</p><p>cuidados, afetividades, obrigações).</p><p>Na civilidade há qualquer coisa de</p><p>coercitivo — ela pode exprimir-se em</p><p>mandamentos e em sentenças. Entre</p><p>os japoneses, onde, como se sabe,</p><p>a polidez envolve os aspectos mais</p><p>ordinários do convívio social, chega</p><p>a ponto de confundir-se, por vezes,</p><p>com a reverência religiosa. Já houve</p><p>quem notasse este fato significativo,</p><p>de que as formas exteriores de</p><p>veneração à divindade, no cerimonial</p><p>90</p><p>Anotações: xintoísta, não diferem essencialmente</p><p>das maneiras sociais de demonstrar</p><p>respeito. Nenhum povo está mais</p><p>distante dessa noção ritualista da</p><p>vida do que o brasileiro. Nossa forma</p><p>ordinária de convívio social é, no</p><p>fundo, justamente o contrário da</p><p>polidez. Ela pode iludir na aparência —</p><p>e isso se explica pelo fato de a atitude</p><p>polida consistir precisamente em</p><p>uma espécie de mímica deliberada de</p><p>manifestações que são espontâneas</p><p>no “homem cordial”: é a forma natural</p><p>e viva que se converteu em fórmula</p><p>(idem, p. 147).</p><p>Essa ambiguidade da “polidez” como narrada</p><p>pelo autor, supõe que a gentileza seja um meio de</p><p>proteção exterior, servindo, quando necessário,</p><p>como uma ferramenta de existência.</p><p>Equivale a um disfarce que permitirá</p><p>a cada qual preservar inatas sua</p><p>sensibilidade e suas emoções. Por</p><p>meio de semelhante padronização das</p><p>formas exteriores da cordialidade, que</p><p>não precisam ser legítimas para se</p><p>manifestarem, revela-se um decisivo</p><p>triunfo do espírito sobre a vida. Armado</p><p>dessa máscara, o indivíduo consegue</p><p>manter sua supremacia ante o social.</p><p>E, efetivamente, a polidez implica</p><p>uma presença contínua e soberana do</p><p>indivíduo (ibidem, p. 147).</p><p>Um exemplo citado por Buarque de Hollanda</p><p>(1995) é o uso da terminação “inho”, aposta nas</p><p>91</p><p>Anotações:palavras, que servem para criar mais familiaridade</p><p>com as pessoas ou os objetos. “É a maneira de</p><p>fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também</p><p>de aproximá-los do coração.” Podemos pensar nos</p><p>desdobramentos dessa “cordialidade” nas relações</p><p>de poder patrimonial e político, por exemplo. Há</p><p>muitos casos em que um patrão que exerce grande</p><p>domínio sobre uma mesma região, estabeleça</p><p>vínculos de familiaridade com famílias ao redor,</p><p>ampliando assim sua autoridade. O mesmo ocorre</p><p>com políticos de perfil coronelista, aqueles que se</p><p>mantêm por muitas décadas em posições de poder,</p><p>por exercitarem essa dicotomia entre autoridade</p><p>estatal e cordialidade familiar.</p><p>QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL</p><p>Quando falamos de questões étnico-raciais</p><p>no Brasil, é comum ouvirmos que não há racismo.</p><p>Esta ideia é fruto de uma teoria que sofreu grande</p><p>influência a partir da publicação de “Casa Grande e</p><p>Senzala”</p><p>(1933), de Gilberto Freyre. Nessa época, em</p><p>virtude da formação da identidade nacional, havia</p><p>inquietações acerca de o que constituiria o ethos</p><p>da sociedade brasileira. Nesse livro, Freyre trazia a</p><p>ideia de que a miscigenação brasileira possibilitou</p><p>um convívio harmonioso entre as diferentes</p><p>raças que compunham o povoamento do Brasil.</p><p>Sendo assim, a interpretação dominante sobre a</p><p>realidade brasileira passou a produzir um discurso</p><p>negacionista em relação às desigualdades raciais,</p><p>reforçando a ideia de que a convivência entre as “três</p><p>raças” (indígenas, negros e brancos) era pacífica e,</p><p>portanto, estávamos sob uma “democracia racial”.</p><p>92</p><p>Anotações: A quebra desse paradigma higienizador sobre</p><p>as relações étnico-raciais no Brasil, se dá a partir</p><p>da obra de Florestan Fernandes, “A integração do</p><p>Negro na Sociedade de Classes”. Essa obra buscou</p><p>compreender o que resulta do encontro dos negros,</p><p>mulatos e brancos, a partir da promulgação da Lei</p><p>Áurea, de abolição da escravatura, em 1888. Foi um</p><p>contraponto à tese freyriana de que as relações</p><p>entre brancos e negros, casa grande e senzala,</p><p>eram complementares, tendo contribuído com</p><p>a formação de uma identidade nacional (mito da</p><p>democracia racial).</p><p>Florestan (2008) afirma que o processo de</p><p>“integração” de pessoas negras foi desde o princípio</p><p>deformador, e que não era possível se pensar que</p><p>o cruzamento ou o processo de branquização que</p><p>ocorrera no “meio negro” havia sido tão eficiente</p><p>para se pensar numa “democracia racial”.</p><p>Sofrimento na adaptação dos recém-</p><p>libertos negros e mulatos às novas</p><p>circunstâncias para as quais foram</p><p>irreversivelmente empurrados.</p><p>Não havia mais um lugar para eles;</p><p>sua importância acabara com o</p><p>fim da escravidão. Ora, o negro não</p><p>estava acostumado a muitas coisas,</p><p>inclusive, à liberdade. Depois de</p><p>tanta dor diante da exploração cativa,</p><p>longe das escolhas, do encontro com</p><p>o outro, fosse ele branco ou mesmo</p><p>negro, o despreparo moral e material</p><p>era real e inevitável. Diante do</p><p>infortúnio experimentado pelo “meio</p><p>negro,” irá se registrar (nas décadas</p><p>93</p><p>Anotações:seguintes a Abolição) um “déficit</p><p>negro” perceptível na cidade de São</p><p>Paulo (FERNANDES, 2008, p. 27).</p><p>Florestan analisa alguns dados censitários</p><p>e faz algumas considerações sobre as causas da</p><p>baixa demográfica do “elemento negro” em centros</p><p>urbanos. Em primeiro lugar, ele esclarece que:</p><p>A baixa no índice vegetativo não foi</p><p>tão alarmante, nem aconteceu pelas</p><p>causas que se imaginou durante</p><p>muito tempo. E, para ser bem</p><p>compreendida, deveria ser pensado</p><p>em conformidade com a alteração</p><p>da estrutura demográfica da cidade</p><p>de São Paulo. Ou seja, a cidade vai</p><p>receber no período do final do século</p><p>XIX e início do século XX uma grande</p><p>quantidade de imigrantes europeus</p><p>(brancos), e isso vai representar um</p><p>salto enorme na população de São</p><p>Paulo (idem, p. 30).</p><p>A ideia de cruzamento entre as raças (como</p><p>parte de um processo de branquização), mesmo</p><p>sendo pequeno, também terá sua importância.</p><p>Muitos indivíduos de pele mais clara e de condições</p><p>socioeconômicas melhores irão mudar de catego-</p><p>ria racial e algumas vezes, aceitos, inclusive, em</p><p>relações matrimoniais pelos brancos. Florestan</p><p>também salienta a discrepância das informações</p><p>sobre a cor das crianças nos registros de nasci-</p><p>mento. Muitas crianças mulatas eram declaradas</p><p>como brancas ao nascer, mas os óbitos continu-</p><p>94</p><p>Anotações: avam sendo fiéis à cor dos indivíduos (declaradas</p><p>como negras/mulatas quando mortas).</p><p>Dessa forma, começou a ter um número</p><p>muito pequeno de nascimentos discrepantes em</p><p>relação ao número de mortes. No entanto, como</p><p>já fora mencionado, o decréscimo na população de</p><p>cor existiu, mas não atingiu proporções alarmantes</p><p>e também não foi causado por inadaptabilidade</p><p>dos negros e mulatos às precárias condições</p><p>de existência em relação aos brancos. Esse não</p><p>foi o maior problema que os negros e mulatos</p><p>enfrentaram em sua luta por sobrevivência no</p><p>mundo do branco.</p><p>Negritude, identidade e racismo</p><p>Se o processo de construção da identidade</p><p>nasce a partir da tomada de consciência das</p><p>diferenças entre “nós” e “outros”, para Munanga</p><p>(2012, p. 06), “o grau dessa consciência é idêntico</p><p>entre todos os negros, considerando que todos</p><p>vivem em contextos socioculturais diferenciados.”</p><p>O essencial para cada povo é reen-</p><p>contrar o fio condutor que o liga a seu</p><p>passado ancestral o mais longínquo</p><p>possível. A consciência histórica, pelo</p><p>sentimento de coesão que ela cria,</p><p>constitui uma relação de segurança</p><p>a mais certa e a mais sólida para o</p><p>povo. É a razão pela qual cada povo</p><p>faz esforço para conhecer sua verda-</p><p>deira história e transmiti-la às futu-</p><p>ras gerações. Também é a razão pela</p><p>qual o afastamento e a destruição da</p><p>95</p><p>Anotações:consciência histórica eram uma das</p><p>estratégias utilizadas pela escravidão</p><p>e pela colonização para destruir a</p><p>memória coletiva dos escravizados</p><p>e colonizados. Nas bases populares</p><p>negras sem vínculos com as comuni-</p><p>dades religiosas de matriz africana, a</p><p>consciência histórica e, consequen-</p><p>temente, a identidade se diluíriam nas</p><p>questões de sobrevivência que toma</p><p>o passo sobre o resto e pode desem-</p><p>bocar num outro tipo de identidade: a</p><p>da consciência do oprimido economi-</p><p>camente e discriminado racialmente.</p><p>Na militância negra há uma tomada</p><p>de consciência aguda da perda da</p><p>história e, consequentemente, a bus-</p><p>ca simbólica de uma África idealizada</p><p>(MUNANGA, 2012, p. 7).</p><p>Munanga (2012) também questiona o fator psi-</p><p>cológico que gera questionamentos sobre o tem-</p><p>peramento do negro, que é diferente do tempera-</p><p>mento do branco e, se isso, pode ser considerado</p><p>como marca da identidade negra. Muitas relações</p><p>são feitas entre pessoas negras e atitudes tidas</p><p>como grosseiras (“a preta é braba”, “o negro briguen-</p><p>to). Ele não nega que possam existir diferenças de</p><p>temperamento relacionadas à negritude, mas es-</p><p>clarece que se essa diferença realmente existir,</p><p>suas causas são “o condicionamento histórico do</p><p>negro e de suas estruturas sociais comunitárias, e</p><p>não com base nas diferenças biológicas como pen-</p><p>sariam os racialistas” (2012, p. 08).</p><p>96</p><p>Anotações: Se historicamente a negritude é,</p><p>sem dúvida, uma reação racial negra</p><p>a uma agressão racial branca, não</p><p>poderíamos entendê-la e cercá-la</p><p>sem aproximá-la do racismo do qual</p><p>é consequência e resultado. Para ser</p><p>racista, coloca-se como postulado</p><p>fundamental a crença na existência</p><p>de “raças” hierarquizadas dentro da</p><p>espécie humana. De outro modo, no</p><p>pensamento de uma pessoa racista</p><p>existem raças superiores e raças infe-</p><p>riores. Em nome das chamadas raças,</p><p>inúmeras atrocidades foram cometi-</p><p>das nesta humanidade: genocídio</p><p>de milhões de índios nas Américas,</p><p>eliminação sistemática de milhões de</p><p>judeus e ciganos durante a Segunda</p><p>Guerra Mundial. Como se não bastasse</p><p>o antissemitismo, a persistência dos</p><p>mecanismos de discriminação racial</p><p>na África do Sul durante a Apartheid,</p><p>nos Estados Unidos, na Europa e em</p><p>todos os países da América do Sul</p><p>encabeçados pelo Brasil e em outros</p><p>cantos do mundo demonstra clara-</p><p>mente que o racismo é um fato que</p><p>confere à “raça” sua realidade política</p><p>e social (idem, p. 08-09).</p><p>Ou seja, se cientificamente a realidade da</p><p>raça é contestada, política e ideologicamente</p><p>esse conceito é muito significativo, pois funciona</p><p>como uma categoria de dominação e exclusão</p><p>nas sociedades multirraciais contemporâneas</p><p>observáveis. Crítica observada na tirinha.</p><p>97</p><p>Anotações:</p><p>Fonte: Laerte, 2012.</p><p>Um dos dilemas da questão racial brasileira é</p><p>a desigualdade econômica, como salienta o verso</p><p>da canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, “E quase</p><p>brancos, quase pretos de tão pobres são tratados”:</p><p>os oprimidos brancos da sociedade não têm</p><p>consciência de que a exclusão política e econômica</p><p>do negro, por motivos racistas, só beneficia a classe</p><p>dominante, o que torna difícil, senão impossível,</p><p>sua solidariedade com o oprimido negro; além</p><p>disso, eles mesmos são racistas pela educação e</p><p>pela</p><p>socialização recebidas na família e na escola.</p><p>Os que pensam que a situação do ne-</p><p>gro no Brasil é apenas uma questão</p><p>econômica, e não racista, não fazem</p><p>esforço para entender como as práti-</p><p>cas racistas impedem ao negro o</p><p>98</p><p>Anotações: acesso na participação e na as-</p><p>censão econômica. Ao separar raça</p><p>e classe numa sociedade capitalis-</p><p>ta, comete-se um erro metodológi-</p><p>co que dificulta a sua análise e os</p><p>condena ao beco sem saída de uma</p><p>explicação puramente economicista</p><p>(idem, p. 14).</p><p>Entre os povos indígenas, as questões étni-</p><p>co-raciais passam pelo apagamento identitário e</p><p>pelos problemas de casamentos entre indígenas</p><p>e brancos. Essa questão aparece na literatura</p><p>antropológica como contato interétnico, que no</p><p>início tinha interesse em compreender se os indí-</p><p>genas sofriam processos de “aculturação” a partir</p><p>do contato e construção de novas relações com os</p><p>brancos. A identidade das crianças nascidas dos</p><p>relacionamentos entre índias e brancos é obje-</p><p>to de controvérsia na etnologia brasileira, por se</p><p>tratar de uma questão sempre em disputa e nego-</p><p>ciação.</p><p>Esses filhos de indígenas com brancos são</p><p>chamados de “caboclos”, e seu pertencimento</p><p>gera polêmicas entre as famílias indígenas, pois</p><p>geralmente são filhos de mulheres indígenas, em</p><p>contextos onde o pertencimento étnico passa pela</p><p>linhagem paterna. Em alguns grupos, essas regras</p><p>sociais são renegociadas, para que os filhos de</p><p>mulheres indígenas com homens brancos, possam</p><p>ter o reconhecimento étnico assegurado.</p><p>99</p><p>Anotações:</p><p>CONFLITOS AGRÁRIOS E AS LUTAS</p><p>PELA TERRA</p><p>Os conflitos pelo direito à terra são muito</p><p>antigos no Brasil e tiveram seu ápice após a</p><p>abolição da escravatura. A população negra, até ali</p><p>escravizada, tinha seu trabalho ligado à produção</p><p>agrícola. Com o fim da escravidão e a substituição</p><p>pela mão de obra migrante (predominantemente</p><p>italiana) nas fazendas e cafezais, essa população</p><p>negra ficou totalmente desamparada, sem uma</p><p>redistribuição das terras nos espaços rurais do</p><p>país, e sobrecarregando as margens das cidades</p><p>que começavam a se reconfigurar diante da lenta</p><p>industrialização nacional.</p><p>Um dos primeiros movimentos sociais</p><p>importantes para a configuração das lutas pelo</p><p>direito à terra e reforma agrária no Brasil foram</p><p>as Ligas Camponesas, que eram associações de</p><p>trabalhadores rurais criadas, inicialmente, no</p><p>estado de Pernambuco, posteriormente na Paraíba,</p><p>no estado do Rio de Janeiro, Goiás e em outras</p><p>regiões do Brasil, que exerceram intensa atividade</p><p>no período que se estendeu de 1955 até a queda de</p><p>João Goulart em 1964.</p><p>O movimento que se tornou nacionalmente</p><p>conhecido como “ligas camponesas,” iniciou-se</p><p>de fato, com 140 famílias no engenho Galileia, em</p><p>Vitória de Santo Antão, em Pernambuco tendo sido</p><p>criado no dia 1º de janeiro de 1955 com o nome de</p><p>Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de</p><p>Pernambuco (SAPPP).</p><p>O processo iniciado em 1955 desencadeou</p><p>novos núcleos até o início dos anos 60. 25 núcleos</p><p>100</p><p>Anotações: foram instalados no estado, com predominância</p><p>visível da Zona da Mata e do Agreste sobre o</p><p>Sertão. Dentre esses núcleos, destacavam-se</p><p>os de Pau d’Alho, São Lourenço da Mata, Escada,</p><p>Goiana e Vitória de Santo Antão. A partir de 1959,</p><p>as ligas camponesas se expandiram rapidamente</p><p>em outros estados, como a Paraíba, estado do Rio</p><p>(Campos) e Paraná, aumentando o impacto político</p><p>do movimento.</p><p>Dentre esses núcleos, o mais importante foi</p><p>o de Sapé, na Paraíba, o mais expressivo e o maior</p><p>de todos. A expansão da Liga de Sapé acelerou-se a</p><p>partir de 1962, quando foi assassinado seu principal</p><p>líder, João Pedro Teixeira, a mando do proprietário</p><p>local. Pouco depois esse núcleo congregava cerca</p><p>de dez mil membros, enquanto outros núcleos iriam</p><p>se espalhar pelos municípios limítrofes.</p><p>De um modo geral, as associações criadas</p><p>tinham caráter civil, voluntário e por isso mesmo</p><p>dependiam de um estatuto e de seu registro em</p><p>cartório. Para constituir legalmente uma liga, bas-</p><p>tava aprovar um estatuto, registrá-lo na cidade</p><p>mais próxima e lá instalar a sua sede. As finalidades</p><p>das ligas eram prioritariamente assistenciais, so-</p><p>bretudo jurídicas e médicas, e ainda de autodefesa,</p><p>nos casos graves de ameaças a quaisquer de seus</p><p>membros. As lideranças pretendiam também, a</p><p>médio e longo prazos, fortalecer a consciência dos</p><p>direitos comuns, que compreendiam a recusa em</p><p>aceitar contratos lesivos, dia de trabalho gratuito</p><p>para aqueles que cultivavam a terra alheia e outras</p><p>prestações de tipo “feudal”.</p><p>Nesse momento, o uso do termo “camponês”</p><p>constituiu-se, no Brasil, como categorias unitárias</p><p>101</p><p>Anotações:para classificar diferentes modos de trabalho sobre</p><p>a terra, com o intuito de unificar trabalhadores</p><p>rurais em oposição aos “latifundiários” (os donos</p><p>da terra — grandes propriedades rurais — que não</p><p>exerciam seu trabalho sobre ela). A desagregação</p><p>do movimento, em 1964, eliminou as organizações,</p><p>mas não desarticulou suas reivindicações básicas,</p><p>que seriam incorporadas pelos sindicatos rurais</p><p>no período seguinte (1965-1983). Convém notar que</p><p>esses sindicatos rurais têm sido, particularmente,</p><p>ativos nas antigas zonas de influência das ligas.</p><p>A ditadura militar, com início em 1964, forçou</p><p>e perseguiu as lideranças que compunham as ligas</p><p>camponesas. Um documentário clássico sobre</p><p>o impacto da ditadura sobre os movimentos de</p><p>reforma agrária no Brasil é “Cabra Marcado para</p><p>Morrer”, de Eduardo Coutinho. Além de narrar de</p><p>forma brilhante como se deu a expansão das ligas,</p><p>Coutinho segue os rastros de Elisabete Teixeira,</p><p>esposa de João Pedro Teixeira, assassinado a</p><p>mando dos coronéis.</p><p>Nos últimos 30 anos, próximo ao fim da</p><p>Ditadura Militar, os movimentos pela terra ganharam</p><p>novas configurações no Brasil. O Movimento dos</p><p>Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é, sem</p><p>dúvida, o movimento sindical mais influente na vida</p><p>rural brasileira, que tem como principal bandeira a</p><p>reforma agrária. Sigaud (2004), ao explicar como</p><p>funcionam os acampamentos e a estrutura de</p><p>organização do MST, afirma:</p><p>A partir do final dos anos 70 as ocu-</p><p>pações foram retomadas no sul do</p><p>país e estiveram associadas à insta-</p><p>lação de acampamentos com deze-</p><p>102</p><p>Anotações: nas, centenas de famílias. As pri-</p><p>meiras foram organizadas por jovens</p><p>filhos de pequenos produtores, com</p><p>apoio da Comissão Pastoral da Ter-</p><p>ra (CPT), vinculada à Igreja Católica.</p><p>Foi este núcleo que criou, em 1984, o</p><p>MST. Em meados da década de 80 há</p><p>registros de ocupações em vários es-</p><p>tados brasileiros, graças a uma políti-</p><p>ca de expansão da organização. Em</p><p>1993, o Congresso Nacional estabele-</p><p>ceu que a improdutividade das terras</p><p>caracterizava o não cumprimento da</p><p>função social da propriedade, caso</p><p>previsto pela Constituição de 1988</p><p>para proceder à desapropriação. As</p><p>ocupações generalizaram-se em todo</p><p>o país. Durante o período, o Instituto</p><p>Nacional da Reforma Agrária (INCRA),</p><p>que até então tinha uma atuação</p><p>modesta, começou a desapropriar</p><p>as terras ocupadas e as redistribuiu</p><p>entre os que estavam nos acampa-</p><p>mentos, tornando-os titulares de uma</p><p>parcela de terra. As ocupações, os</p><p>acampamentos e as desapropriações</p><p>indicam uma inflexão no modo de pro-</p><p>ceder das diversas organizações no</p><p>mundo rural e do Estado. Daí poder-se</p><p>falar de um fato novo (p. 11).</p><p>A Reforma Agrária, por sua vez, consiste na</p><p>reivindicação pelo reordenamento e redistribuição</p><p>de terras improdutivas, ou grandes hectares de</p><p>terra que são usados de maneira industrial para</p><p>produção de um só produto que visa o lucro de</p><p>103</p><p>Anotações:uma pessoa ou família. A ideia de Reforma Agrária</p><p>também está vinculada ao tipo de trabalho sobre a</p><p>terra, uma disputa entre o mercado agroindustrial</p><p>brasileiro e as famílias agricultoras (agricultura</p><p>familiar, modelos de produção orgânica de</p><p>alimentos, agriculturas de subsistência. O Estado</p><p>brasileiro tem conferido legitimidade à pretensão</p><p>dos movimentos, ao desapropriar as fazendas</p><p>ocupadas e redistribuir as terras entre os que</p><p>se</p><p>encontram nos acampamentos. Utilizando o</p><p>exemplo da Zona Rural pernambucana, Sigaud</p><p>(2004) explica como ocorreram as disputas em</p><p>torno da terra e dos modelos de produção rural.</p><p>No final da década de 80, o Governo</p><p>brasileiro alterou as diretrizes em</p><p>relação à agroindústria açucareira,</p><p>no bojo de uma política mais geral</p><p>de retirada do Estado da economia:</p><p>suprimiu os subsídios que há déca-</p><p>das garantiam o preço da cana e do</p><p>açúcar; privatizou as exportações;</p><p>e permitiu a elevação da taxa de ju-</p><p>ros. Estas medidas, assim como uma</p><p>grande seca ocorrida no período,</p><p>desencadearam uma crise no setor.</p><p>Muitos patrões não lograram adap-</p><p>tar-se à falta de proteção do Esta-</p><p>do e faliram. Outros tantos trataram</p><p>de se reestruturar. Milhares de tra-</p><p>balhadores perderam o emprego,</p><p>quer pela falência dos patrões, quer</p><p>pela redução dos efetivos promovi-</p><p>da pelas empresas. No final dos anos</p><p>90, das quatro usinas que exploram</p><p>a cana na área estudada apenas uma</p><p>104</p><p>Anotações: estava em situação tida como sólida</p><p>e equilibrada. A segunda saía de um</p><p>pedido de concordata; a terceira não</p><p>havia moído na safra de 96-97 e desde</p><p>1995 não pagava regularmente seus</p><p>trabalhadores; a quarta entregara ao</p><p>Banco do Brasil treze de seus enge-</p><p>nhos para pagar dívidas e habilitar-se</p><p>a novos empréstimos (p. 15).</p><p>Um dos argumentos contra os movimentos</p><p>de ocupação de Terras no Brasil, é de que os acam-</p><p>pamentos seriam realizados em espaços produti-</p><p>vos, portanto, prejudicariam a economia nacional.</p><p>Sigaud (2004) demonstra que as usinas de produção</p><p>de cana-de-açúcar, ocupadas pelos acampamen-</p><p>tos do MST, nos anos 90, já tinham baixas taxas de</p><p>produção. Isso demonstra que o Movimento dos</p><p>Trabalhadores Rurais Sem Terra estava organizado</p><p>para ocupar, primordialmente, as terras improduti-</p><p>vas. Vale ressaltar, que os acampamentos são orga-</p><p>nizados para produzir alimentos orgânicos a partir</p><p>de “agricultura familiar”, modelo econômico em que</p><p>as famílias produzem alimentos para subsistência,</p><p>com excedente de produção limitado para troca e</p><p>venda.</p><p>Nesse contexto, o MST trouxe a tecnologia</p><p>apropriada para ocupar terras, montar e administrar</p><p>os acampamentos, tendo as ocupações dos anos</p><p>90 como marcos inaugurais do movimento. O</p><p>Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra</p><p>buscou recrutar jovens com objetivo de montar</p><p>uma rede de militantes que passaram a atuar na</p><p>área a serviço do movimento e de suas ocupações.</p><p>Esse modelo de organização das lutas pela</p><p>terra, a partir dos anos 80, passou a perceber a</p><p>105</p><p>Anotações:continuidade dos acampamentos de ocupação</p><p>como meio de adquirir o reconhecimento do</p><p>Estado sobre a propriedade. Isso ocorre a partir</p><p>de uma série de disputas políticas e jurídicas em</p><p>torno de como a propriedade foi adquirida, como</p><p>os regimes de trabalho são administrados. O INCRA</p><p>passou, então, a consolidar “assentamentos rurais”,</p><p>reconhecendo os direitos de propriedade para</p><p>muitos grupos “sem-terra” e comunidades.</p><p>CIDADES E VIOLÊNCIA URBANA</p><p>Os processos de urbanização do Brasil são,</p><p>quase todos, iniciados por uma elite agrária — com</p><p>cidades em zonas portuárias, ou industrial — que</p><p>moldou as principais metrópoles modernas. O</p><p>crescimento das cidades é absolutamente desigual,</p><p>gerando problemas de moradia, de distribuição de</p><p>condições básicas de sobrevivência como rede de</p><p>esgoto, problemas de infraestrutura, mobilidade</p><p>urbana e formação de guetos do crime organizado.</p><p>Dessa forma Milton Santos, geógrafo que se</p><p>especializou em compreender como a globalização</p><p>e a modernidade afetaram as cidades brasileiras,</p><p>explica:</p><p>Alcançamos, neste século, a ur-</p><p>ba-nização da sociedade e a ur-</p><p>banização do território, depois de</p><p>longo período de urbanização so-</p><p>cial e territorialmente seletiva. De-</p><p>pois de ser litorânea (antes e mesmo</p><p>depois da mecanização do território),</p><p>a urbanização brasileira se tornou</p><p>praticamente generalizada a partir do</p><p>106</p><p>Anotações: terceiro terço do século XX, evolução</p><p>quase contemporânea da fase atual</p><p>de macrourbanização e metropoli-</p><p>zação. O turbilhão demográfico e a</p><p>terciarização são fatos notáveis. A</p><p>urbanização se avoluma e a residên-</p><p>cia dos trabalhadores agrícolas é</p><p>cada vez mais urbana. Mais que a</p><p>separação tradicional entre um Bra-</p><p>sil urbano e um Brasil rural, há, hoje,</p><p>no País, uma verdadeira distinção en-</p><p>tre um Brasil urbano (incluindo áreas</p><p>agrícolas) e um Brasil agrícola (in-</p><p>cluindo áreas urbanas). Registra-se,</p><p>todavia, uma atenuação relativa das</p><p>macrocefalias, pois além das cidades</p><p>milionárias desenvolvem-se cidades</p><p>intermediárias ao lado de cidades</p><p>locais, todas, porém, adotando um</p><p>modelo geográfico de crescimento</p><p>espraiado, com um tamanho desme-</p><p>surado que é causa e é efeito da espe-</p><p>culação (SANTOS, 1993, p. 9).</p><p>Entre esses diversos problemas enumerados,</p><p>talvez o mais contingente seja o aumento da</p><p>violência urbana gerada por fatores estruturais da</p><p>desigualdade brasileira, como o acesso aos direitos</p><p>básicos (educação, alimentação, saúde, esporte e</p><p>lazer).</p><p>A sociedade brasileira, egressa do</p><p>regime autoritário, há duas décadas,</p><p>vem experimentando, pelo menos,</p><p>quatro tendências: a) o crescimento</p><p>da delinquência urbana, em especial</p><p>107</p><p>Anotações:dos crimes contra o patrimônio (rou-</p><p>bo, extorsão mediante sequestro) e</p><p>de homicídios dolosos (voluntários);</p><p>b) a emergência da criminalidade or-</p><p>ganizada, em particular em torno do</p><p>tráfico internacional de drogas, que</p><p>modifica os modelos e perfis con-</p><p>vencionais da delinquência urbana</p><p>e propõe problemas novos para o</p><p>direito penal e para o funcionamen-</p><p>to da justiça criminal; c) graves vio-</p><p>lações de direitos humanos que com-</p><p>prometem a consolidação da ordem</p><p>política democrática; d) a explosão</p><p>de conflitos nas relações intersub-</p><p>jetivas, mais propriamente conflitos</p><p>de vizinhança que tendem a conver-</p><p>gir para desfechos fatais. Trata-se</p><p>de tendências que, conquanto rela-</p><p>cionadas entre si, radicam em cau-</p><p>sas não necessariamente idênticas</p><p>(ADORNO, 2002, p. 84).</p><p>A metrópole torna-se o lugar privilegiado do</p><p>capital, onde se colocam todos os recursos, para</p><p>onde as pessoas migrarão em busca de trabalho,</p><p>e onde, consequentemente, muitas pessoas, sem</p><p>espaço nos meios de trabalho formais, realizarão</p><p>uma série de atividades tidas como marginais,</p><p>seja do ponto de vista das tecnologias, seja na</p><p>perspectiva das leis e fiscalizações.</p><p>Ao mesmo tempo, os investimentos e gastos</p><p>na cidade, terão como prioridade os interesses</p><p>econômicos hegemônicos: a população sem acesso</p><p>aos bens, serviços e direitos sociais, permanecerá</p><p>marginalizada, ampliando as crises nas cidades.</p><p>108</p><p>Anotações: Mesmo que algumas atividades comecem a</p><p>crescer, persistirão a pobreza e a desigualdade,</p><p>uma vez que sem investimentos, sem nivelação</p><p>técnica e educacional, a população pobre terá suas</p><p>condições de existência cada vez mais degradadas.</p><p>A violência letal produzida intencionalmente,</p><p>a circulação de armas e a facilitação de sua</p><p>comercialização são desafios para as instituições</p><p>democráticas do Brasil, atualmente. Mais do</p><p>que meros problemas de segurança pública, a</p><p>concentração de assassinatos letais em territórios</p><p>urbanos demonstra como estão localizadas as</p><p>ações de grupos armados e seus domínios em</p><p>zonas e bairros das cidades.</p><p>Seja pela constante ameaça ou mes-</p><p>mo pelo uso concreto da violência,</p><p>tais grupos controlam diversos tipos</p><p>de negócios legais e ilegais nesses</p><p>territórios, garantindo lucros eleva-</p><p>dos para a sustentação e expansão</p><p>de suas atividades, corroendo a insti-</p><p>tucionalidade democrática em nível</p><p>local e apelando para a flexibilização</p><p>do monopólio legítimo da força pelo</p><p>Estado. Nos territórios onde exercem</p><p>ou disputam o poder com os rivais,</p><p>porém, o resultado é parecido: esses</p><p>grupos acabam impondo o silêncio</p><p>forçado aos moradores, que pre-</p><p>cisam se conformar a viver rotinas</p><p>de tiroteios e de corpos amanheci-</p><p>dos nas ruas, como se seus bair-</p><p>ros estivessem fadados a seguir</p><p>sob uma sombra eterna,</p><p>inalcança-</p><p>dos pelo Estado de direito e pela</p><p>109</p><p>Anotações:Justiça. (...) Quando esses grupos</p><p>são mais bem estruturados, como</p><p>ocorre no Rio de Janeiro, tendem</p><p>a funcionar como uma espécie de</p><p>governo territorial ilegal, assumindo</p><p>o monopólio do uso da força em</p><p>seus territórios e desenvolvendo</p><p>com a população uma relação ao</p><p>mesmo tempo tirânica, paternalista</p><p>e clientelista. Na capital fluminense,</p><p>nas centenas de bairros controlados</p><p>pelas facções criminosas — Comando</p><p>Vermelho, Terceiro Comando Puro,</p><p>Amigo dos Amigos e os grupos para-</p><p>militares — o poder político tende a</p><p>ser medido pela quantidade de fuzis</p><p>que tais grupos têm para se defender</p><p>(MANSO e ZILLI, 2021, p. 09).</p><p>A violência urbana insere-se nas relações</p><p>da cidade de tal modo, que seu funcionamento,</p><p>suas interações e seus modos de agir, tornam-</p><p>se parte da rotina da cidade. Tiros a luz do dia, a</p><p>possibilidade de furtos e assaltos nos meios de</p><p>transporte públicos, as grandes ações de grupos</p><p>criminosos organizados em certos períodos de</p><p>tempo ao longo dos anos, dão o tom da presença</p><p>cotidiana da violência nas metrópoles.</p><p>As forças policiais, que deveriam atuar, estra-</p><p>tegicamente, para o rastreio e contenção de grupos</p><p>e sujeitos que se posicionam tiranicamente sobre</p><p>certos territórios urbanos, por vezes são mais um</p><p>grupo que utiliza da violência (do poder de polícia e</p><p>do porte de armas de fogo) para aterrorizar a popu-</p><p>lação disputando o poder local. Não só adotam uma</p><p>110</p><p>Anotações: violência policial deliberada, mais também agem</p><p>como grupos criminosos organizados, ou milícias,</p><p>aproveitando o status de agentes públicos. Com</p><p>isso, fragilizam ainda mais a credibilidade das insti-</p><p>tuições de ordem do Estado, que representam.</p><p>Para Santos (1993), a cidade em si, como</p><p>relação social e como materialidade, torna-se</p><p>criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeco-</p><p>nômico de que é o suporte como por sua estrutura</p><p>física, que faz dos habitantes das periferias (e dos</p><p>cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não</p><p>é apenas o fato do modelo socioeconômico vigen-</p><p>te, mas, também, do modelo espacial.</p><p>A AMAZÔNIA NO DEBATE SOCIAL</p><p>A análise sobre a Amazônia brasileira quase</p><p>sempre privilegia dois temas: a natureza e o que, ge-</p><p>nericamente poderíamos chamar de Amazônia Ofi-</p><p>cial, ou seja, a Amazônia dos Grandes Projetos. Essas</p><p>abordagens, embora importantes, são limitadas. Na</p><p>primeira, considera-se território apenas do ponto</p><p>de vista da natureza, tornando-o inócuo, pois são</p><p>as relações sociais que o constroem, ou destro-</p><p>em, inventam-no e o reconstroem num processo</p><p>que pressupõe conflitos, contradições e lutas dos</p><p>sujeitos. Na segunda, é preciso reconhecer que o</p><p>processo de transformação ocorrido na Região de-</p><p>terminou novos significados para as cidades, no</p><p>entanto, parte significativa da Amazônia não foi</p><p>atingida por este processo o que não quer dizer</p><p>que não seja influenciada por ele.</p><p>Becker (2005) afirma que existem dois</p><p>movimentos internacionais em torno da Amazônia.</p><p>111</p><p>Anotações:O primeiro se dá em nível do sistema financeiro,</p><p>da informação, do domínio do poder efetivamente</p><p>das potências; o segundo tem relação com a</p><p>internacionalização dos movimentos sociais, por</p><p>meio de ONGs, por exemplo:</p><p>Todos os agentes sociais organizados,</p><p>corporações, organizações religiosas,</p><p>movimentos sociais etc., têm suas</p><p>próprias territorialidades, acima e</p><p>abaixo da escala do Estado, suas</p><p>próprias geopolíticas, e tendem a se</p><p>articular, configurando uma situação</p><p>mundial bastante complexa (p. 72).</p><p>O povoamento da Amazônia e seu desenvolvi-</p><p>mento foram fundados a partir de um paradigma de</p><p>relação entre sociedade e exploração da natureza.</p><p>Essa lógica encara o desenvolvimento como linear</p><p>(sempre adiante, sempre em “progresso”) assim</p><p>como, encara os recursos naturais como infinitos,</p><p>o que sabemos ser uma lógica equivocada.</p><p>É imperativo o uso não predatório</p><p>das fabulosas riquezas naturais que a</p><p>Amazônia contém e também do saber</p><p>das suas populações tradicionais que</p><p>possuem um secular conhecimento</p><p>acumulado para lidar com o trópico</p><p>úmido. Já há na região resistências à</p><p>apropriação indiscriminada de seus</p><p>recursos e atores que lutam pelos</p><p>seus direitos (idem, p. 72).</p><p>Outra posição sobre a Amazônia, diferente</p><p>daquela de caráter mais desenvolvimentista</p><p>112</p><p>Anotações: é a percepção de seu território como uma</p><p>imensa unidade de conservação, que deve ser</p><p>preservada integralmente, com vistas a assegurar</p><p>a sobrevivência do planeta, devido aos danos</p><p>provocados pelo desmatamento e exploração de</p><p>recursos minerais sobre o clima e a biodiversidade.</p><p>A natureza foi reavaliada e revalori-</p><p>zada a partir de duas lógicas muito</p><p>diferentes, mas que convergem para</p><p>o mesmo projeto de preservação</p><p>da Amazônia. A primeira lógica é a</p><p>civilizatória ou cultural, que possui</p><p>uma preocupação legítima com a</p><p>natureza pela questão da vida, o que</p><p>dá origem aos movimentos ambien-</p><p>talistas. A outra lógica é a da acumu-</p><p>lação, que vê a natureza como recur-</p><p>so escasso e como reserva de valor</p><p>para a realização de capital futuro,</p><p>fundamentalmente no que tange ao</p><p>uso da biodiversidade condicionada</p><p>ao avanço da tecnologia. Outro recur-</p><p>so de que pouco se fala, mas que já é</p><p>fundamental, é a água como fonte de</p><p>vida e de energia em razão dos isóto-</p><p>pos de hidrogênio, questão teórica</p><p>ainda não solucionada, mas que vem</p><p>sendo pesquisada em muitos países,</p><p>especialmente na Alemanha e nos</p><p>EUA (BECKER, 2005, p. 74).</p><p>Uma postura de oposição à preservação</p><p>da Amazônia são os avanços e investimentos</p><p>em maquinários avançados para o agronegócio.</p><p>Com o crescimento da produção e o aumento da</p><p>113</p><p>Anotações:produtividade da soja, a terra não é mais ocupada</p><p>como reserva de valor, como foi na época da</p><p>fronteira anterior. Agora o que sucede é o uso</p><p>produtivo da terra. Acrescem mudanças também na</p><p>pecuária, principalmente no Sudeste do Pará e no</p><p>Mato Grosso, onde ocorrem melhorias com respeito</p><p>às pastagens, aos rebanhos e à indústria de couro</p><p>e de leite. Mudanças bastante significativas em</p><p>termos econômicos. As redes e cidades permitem</p><p>a expansão dessa área econômica avançada que é</p><p>chamada de “arco de fogo”, ou do desmatamento ou</p><p>“de terras degradadas”, porque foi onde se expandiu</p><p>a fronteira e o desmatamento. Como proposta</p><p>diante dessas posturas, quase sempre externas,</p><p>sobre a Amazônia, Becker (2005) sugere que:</p><p>Se a Amazônia é efetivamente uma</p><p>região, então há que se substituir a</p><p>política de ocupação por uma políti-</p><p>ca de consolidação do desenvolvi-</p><p>mento. Uma política de ocupação</p><p>não tem mais cabimento, porque a</p><p>região já está ocupada. As florestas</p><p>que restaram devem permanecer</p><p>com seus habitantes. É necessário</p><p>articular os diferentes projetos e os</p><p>diversos interesses e conflitos que</p><p>incidem na região (p. 83).</p><p>Oliveira (2004) argumentava que as taxas de</p><p>crescimento da população urbana da Amazônia,</p><p>(Região Norte) na última década foram superiores</p><p>à média nacional, mesmo assim, o grau de</p><p>urbanização é o menor do Brasil, com distribuição</p><p>desigual da população, concentrada principalmente</p><p>114</p><p>Anotações: nas capitais. Com exceção do Pará, nenhum dos</p><p>demais Estados da Região apresentava em 1991,</p><p>outras cidades que não as capitais com mais de 100</p><p>mil habitantes.</p><p>No caso apresentado por Oliveira (2004),</p><p>a cidade de Manaus, capital do Amazonas,</p><p>concentrava até os anos 2000 quase a metade da</p><p>população de todo o Estado. Atualmente, esses</p><p>dados mantêm praticamente o mesmo padrão, ou</p><p>seja, Manaus é a capital mais populosa da região</p><p>Norte do Brasil e concentra 52,8% da população</p><p>do Estado do Amazonas (IBGE, 2021). Com mais</p><p>da metade da população amazônica residindo nas</p><p>cidades é, especialmente, nas pequenas cidades,</p><p>que os problemas urbanos são percebidos de</p><p>forma mais intensa, com as ausências de políticas</p><p>públicas e desigualdades amplificadas.</p><p>115</p><p>Filmes para conferir:</p><p>Cidade de Deus (Fernando Meireles,</p><p>2002):</p><p>através de diferentes linhas narrativas, o filme</p><p>demonstra a formação das favelas no Rio de Janei-</p><p>ro, a violência urbana decorrente da desigualdade</p><p>social e do racismo.</p><p>Auto de Resistência (Natasha Neri e Lula</p><p>Carvalho, 2019): no Rio de Janeiro, mais de 16.000</p><p>inocentes foram mortos em operações policiais nos</p><p>últimos vinte anos, todos sob o argumento policial</p><p>de legítima defesa. Este filme segue as mães das</p><p>vítimas de violência policial enquanto elas lutam</p><p>por justiça contra um sistema corrupto e brutal.</p><p>Cabra marcado para morrer (Eduardo</p><p>Coutinho, 1984): em 1964, um filme sobre a vida</p><p>de João Pedro Teixeira, líder da liga campone-</p><p>sa de Sapé, Pernambuco, começa a ser roda-</p><p>do, com a reconstituição ficcional da ação</p><p>política que levou</p><p>ao assassinato. As</p><p>filmagens são inter-</p><p>rompidas pelo golpe</p><p>militar de 1964, com</p><p>captura de alguns rolos</p><p>de filmes e perseguição à</p><p>viúva de João Pedro, Elisa-</p><p>beth Teixeira. Dezessete anos</p><p>depois, em 1981, Eduardo Coutinho</p><p>retoma o projeto em busca de Elisa-</p><p>beth Teixeira e outros participantes do</p><p>filme interrompido.</p><p>116</p><p>Para seguir:</p><p>Amazônia Real (amazoniareal.com.br): edita-</p><p>do por Elaíze Farias e Kátia Brasil, o portal jornalísti-</p><p>co tem foco em grandes coberturas sobre a região</p><p>Norte do Brasil, especialmente nos temas “meio</p><p>ambiente”, “povos indígenas” e “cultura”. Vencedo-</p><p>ras dos prêmios “Rei da Espanha de Meio de Co-</p><p>municação de Maior Destaque da Ibero-América”</p><p>(2019), Jornalismo Multimídia do 41º Prêmio Vladimir</p><p>Herzog de Anistia e Direitos Humanos (2019), e prê-</p><p>mio especial da Associação Brasileira de Jornalis-</p><p>mo Investigativo – Abraji (2021).</p><p>117</p><p>Anotações:</p><p>118</p><p>Anotações:</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>Videoaula 1</p><p>Videoaula 2</p><p>Videoaula 3</p><p>Videoaula 4</p><p>Videoaula 5</p><p>120</p><p>Anotações:</p><p>121</p><p>DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA</p><p>As consequências da Segunda Guer-</p><p>ra deixaram a Europa devastada. Milhões</p><p>de mortos, muitas pessoas em situação</p><p>de miséria e fome, e milhares de civis que</p><p>tiveram algum direito violado por ataques,</p><p>ações ou crimes de guerra. A Declaração</p><p>Universal dos Direitos Humanos surge</p><p>como uma resposta global a essas vio-</p><p>lações, principalmente o extermínio de ju-</p><p>deus, negros, homossexuais e outras mi-</p><p>norias, durante a Segunda Guerra Mundial.</p><p>DESIGUALDADES</p><p>SOCIAIS E DIREITOS</p><p>HUMANOS</p><p>122</p><p>Anotações: Representantes de 50 países reuniram-se para</p><p>elaborar um organismo mundial que visava a garantir</p><p>a paz e o respeito entre os povos, que viria a ser a</p><p>Organização das Nações Unidas (ONU). A primeira</p><p>ação elaborada foi a formação de uma Comissão de</p><p>Direitos Humanos da ONU, que ficaria responsável</p><p>pela redação de um documento prescritivo para</p><p>listar todos os direitos fundamentais dos seres</p><p>humanos. Em 1948, a Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos foi concluída e aprovada durante a</p><p>Assembleia Geral da ONU naquele mesmo ano.</p><p>Atualmente, 193 países são signatários da</p><p>ONU. Isso significa que, entre outras coisas, eles</p><p>devem garantir em seus territórios o respeito aos</p><p>direitos básicos dos cidadãos. Não há uma maneira</p><p>expressa e objetiva da organização fiscalizar e</p><p>regular o cumprimento dos Direitos Humanos, mas</p><p>as legislações da maioria dos países ocidentais</p><p>democráticos, bem como seus sistemas judiciários,</p><p>recorrem aos artigos expressos no documento</p><p>para formularem seus textos legais e aplicarem as</p><p>decisões e medidas jurídicas.</p><p>Os direitos fundamentais da pessoa humana</p><p>são reconhecidos e protegidos em todos os Es-</p><p>tados, embora existam algumas variações quan-</p><p>to à enumeração desses direitos e à extensão</p><p>de cada um deles, bem como quanto à forma de</p><p>protegê-los. Esses direitos não dependem da na-</p><p>cionalidade ou cidadania, sendo assegurados a</p><p>qualquer pessoa. Entretanto, podem existir cer-</p><p>tos meios de proteção que as leis de um Estado</p><p>criam especialmente para os seus cidadãos.</p><p>As Constituições, geralmente, referem-se a</p><p>esses direitos como “direitos individuais”, o que</p><p>123</p><p>Anotações:não significa que eles possam ser exercidos pelo</p><p>indivíduo sem responsabilidade social. Na Consti-</p><p>tuição brasileira existe um capítulo especial sobre</p><p>os direitos individuais, dispondo-se que eles são</p><p>assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros</p><p>residentes no Brasil. Como se trata de direitos</p><p>fundamentais da pessoa humana, a interpretação</p><p>dos dispositivos da Constituição, em caso de dúvi-</p><p>da, deve ser feita sempre do modo que for mais fa-</p><p>vorável à proteção das pessoas. Assim, por exemplo,</p><p>um estrangeiro que esteja apenas de passagem</p><p>pelo território, sem a intenção de aí residir, tam-</p><p>bém tem direito à mesma proteção.</p><p>A estreita relação entre paz e direitos hu-</p><p>manos, assim como entre paz e desenvolvimento,</p><p>já foi reconhecida pela Carta das Nações Unidas</p><p>que, em seu preâmbulo, declara: “Nós, os povos</p><p>das Nações Unidas, determinados a preservar as</p><p>próximas gerações do flagelo da guerra (...) e a</p><p>reafirmar a fé nos direitos humanos fundamen-</p><p>tais...”. O artigo 55 acrescenta, além disso a fim</p><p>de criar condições de estabilidade e bem-estar,</p><p>necessários para as relações pacíficas entre os</p><p>Estados. As Nações Unidas deverão promover as</p><p>condições para o progresso e o desenvolvimento</p><p>econômico e social e, ao mesmo tempo, o respeito</p><p>universal — e a observância — dos direitos humanos</p><p>e das liberdades fundamentais.</p><p>Debates:</p><p>Direito à Vida: relativamente ao direito à</p><p>vida, existe um artigo da Constituição afirmando</p><p>expressamente que ela é um direito inviolável, que</p><p>124</p><p>Anotações: ninguém tem o direito de tirar de outra pessoa.</p><p>Além disso, o reconhecimento e a proteção do</p><p>direito à vida estão expressos no conjunto dos</p><p>direitos e garantias. Basta assinalar que a própria</p><p>Constituição prevê o julgamento pelo júri dos</p><p>crimes dolosos contra a vida, estando aí contida a</p><p>afirmação de que os atentados contra a vida humana</p><p>são considerados crimes. Há também expressa</p><p>proibição da pena de morte, com a ressalva de que</p><p>ela poderá ser estabelecida por lei apenas para</p><p>punir crimes praticados durante guerra externa</p><p>formalmente declarada. Assim, nem mesmo os</p><p>criminosos mais violentos e cruéis perdem o</p><p>direito à vida. Mas, ainda que não houvesse na</p><p>Constituição aqueles dispositivos, o direito à vida</p><p>estaria implícito, pois, sem ele, nem o Estado nem a</p><p>sociedade humana sobreviveriam.</p><p>Direito à igualdade: a igualdade mais</p><p>proclamada e aparentemente mais assegurada é</p><p>a igualdade de todos perante a lei. Em princípio,</p><p>as obrigações legais são dirigidas a todos, sem</p><p>qualquer diferenciação, além do que a lei deve</p><p>ser aplicada de maneira igual para todos. Pelo</p><p>princípio da igualdade jurídica, acolhido pela</p><p>Constituição brasileira, será inconstitucional uma</p><p>lei que conceda privilégios em relação a direitos e</p><p>obrigações. Mas por força de vários fatores, como</p><p>a condição social e econômica, os preconceitos,</p><p>as preferências e até os interesses dos aplicadores</p><p>da lei, não existe igualdade na aplicação das leis.</p><p>São também expressões do direito à igualdade a</p><p>garantia de direitos iguais para homens e mulheres</p><p>e a proibição de discriminações que ofendam os</p><p>direitos e a liberdade das pessoas.</p><p>125</p><p>Anotações:Os Direitos Humanos estão quase sempre</p><p>sendo ampliados. Esse processo de ampliação</p><p>dos direitos gera inúmeros debates sociais. Um</p><p>exemplo de debate em torno de Direitos Humanos</p><p>é a legalização do Aborto. Atualmente, no Brasil, o</p><p>aborto legal só pode ocorrer em casos de risco à</p><p>vida da gestante ou em casos de estupro. Outros</p><p>países da América Latina, como Argentina, Chile e</p><p>Colômbia, já preveem o direito ao aborto nos meses</p><p>iniciais da gestação, conferindo às mulheres o</p><p>direito de optar ou não pela maternidade.</p><p>Rita Segato (2006), antropóloga Argentina que</p><p>trabalhou por muitos anos no Brasil, argumenta que</p><p>esses movimentos em torno de novas reivindicações</p><p>e reconhecimentos de direitos da pessoa humana,</p><p>podem ser chamados de “ética da insatisfação”. Tal</p><p>postura pode ser encontrada entre os cidadãos de</p><p>qualquer nação e nos membros da mais simples e</p><p>coesa das comunidades</p><p>morais, o que constitui o</p><p>fundamento dos direitos humanos. É por meio das</p><p>insatisfações de certos grupos, principalmente</p><p>os tidos como subalternos em relação a outros,</p><p>que as mudanças legais, em torno da justiça, do</p><p>reconhecimento de novos valores sociais, podem</p><p>ser inscritas, inclusive na lei.</p><p>GÊNERO: DESIGUALDADES E</p><p>VIOLÊNCIAS</p><p>As violências de gênero começam a ser</p><p>problematizadas a partir dos movimentos de</p><p>mulheres nos anos de 1930. No entanto, a maior</p><p>evidência sobre o problema da violência de gênero</p><p>(na época chamada especificamente de “violência</p><p>126</p><p>Anotações: contra a mulher”) tem início nos anos 60. Desde</p><p>então, tanto a militância feminista, quanto as</p><p>intelectuais, vêm discutindo e evidenciando as</p><p>diferentes formas de violência contra a mulher.</p><p>O período dos anos 60 a 80 é marcado pelo uso</p><p>da categoria “mulher”, e teve como fundamento</p><p>teórico, as noções de “estudos das mulheres”,</p><p>“universalização dos problemas da mulher”, e o</p><p>combate à opressão universal das mulheres pelo</p><p>patriarcado.</p><p>No Brasil, a abordagem das teorias do</p><p>“patriarcado” e da “opressão universal das mulheres”</p><p>é iniciada por Heleieth Saffioti, no fim dos anos 60,</p><p>com a defesa de sua tese “A mulher na sociedade de</p><p>classes”. Essa abordagem preocupava-se em como</p><p>analisar a opressão da mulher nas sociedades</p><p>patriarcais, e foi marcada pela relação com o</p><p>conceito de “classe” (GROSSI, 2000).</p><p>Após esse período, a categoria “patriarcado”</p><p>entra em desuso a partir das críticas feitas à</p><p>universalização das mulheres, o acentuamento</p><p>teórico das diferenças entre mulheres e o destaque</p><p>para os diferentes níveis de “opressão”. A categoria</p><p>“gênero”, formulada a partir das relações entre</p><p>homens e mulheres, além da relação entre pessoas</p><p>do mesmo gênero (mulheres e mulheres, homens</p><p>e homens), passa a ser a mais adequada para falar</p><p>das relações, desigualdades e poder entre homens</p><p>e mulheres. Usamos o conceito de Joan Scott, para</p><p>o qual, gênero refere-se ao:</p><p>Discurso sobre a diferença dos sexos.</p><p>Ele não remete apenas a ideias, mas</p><p>também a instituições, a estruturas, a</p><p>práticas cotidianas e a rituais, ou seja,</p><p>127</p><p>Anotações:a tudo aquilo que constitui as relações</p><p>sociais. O discurso é um instrumento</p><p>de organização do mundo, mesmo se</p><p>ele não é anterior à organização social</p><p>da diferença sexual. Ele não reflete</p><p>a realidade biológica primária, mas</p><p>constrói o sentido desta realidade.</p><p>A diferença sexual não é a causa</p><p>originária a partir da qual a organização</p><p>social poderia ter derivado; ela é mais</p><p>uma estrutura social movediça que</p><p>deve ser ela mesma analisada em</p><p>seus diferentes contextos históricos.</p><p>(SCOTT, 1998, p. 88).</p><p>Ao mesmo tempo em que nega a universali-</p><p>dade da opressão das mulheres pelos homens, pro-</p><p>pondo uma análise que leva em conta os diferentes</p><p>contextos históricos e culturais das diferentes</p><p>relações de gênero, esse conceito possibilita uma</p><p>nova perspectiva sobre as violências de gênero,</p><p>ajudando a perceber as subjetividades dos dois</p><p>eixos da relação (masculino e feminino), propondo</p><p>que ambos têm estratégias de subversão da igual-</p><p>dade, que também passam por relações de violência.</p><p>Um dos principais problemas relacionados à</p><p>prática masculina é o acesso à violência. Em nos-</p><p>sa sociedade, espera-se dos homens que usem</p><p>a violência em momentos de fazer valer sua de-</p><p>cisão, em defesa de suas vontades. No Brasil, isso</p><p>é demonstrado pela nossa história legal, a história</p><p>das leis, que até os anos 2000 ainda admitiam a</p><p>“defesa da honra” como justificativa masculina</p><p>para a resolução de conflitos domésticos. Após a</p><p>aprovação da Lei 11.340, Lei Maria da Penha, ocor-</p><p>128</p><p>Anotações: reram alguns avanços nas políticas públicas para a</p><p>proteção e criminalização da violência doméstica.</p><p>Esses avanços seguem em outras leis, como as</p><p>leis que tipificam crimes sexuais, modificadas em</p><p>2008, 2012 e 2014, passando a reconhecer estu-</p><p>pros como sexo sem consentimento, com ou sem</p><p>penetração, estupro de vulnerável, além de dar</p><p>mais crédito ao depoimento das vítimas.</p><p>Figura 7 - Atos de 8 de Março, dia internacional das</p><p>mulheres, na Avenida Paulista (SP), 2022</p><p>Fonte: Google.</p><p>Contudo, mesmo com os avanços das leis</p><p>(ainda que sejam tardios) os problemas relacionados</p><p>à violência de gênero, cujo eixo vítima e agressor</p><p>é, via de regra, ocupado por mulheres/crianças e</p><p>homens em oposição, ainda são gigantescos. Eles</p><p>passam primeiro pela ineficácia na aplicação das</p><p>leis e na distribuição dos recursos para os órgãos</p><p>de proteção. Passam também pela insensibilização</p><p>dos agentes que lidam com esse problema social.</p><p>129</p><p>Anotações:Esbarram na inexistência de uma política de não</p><p>violência voltada para homens.</p><p>Tipos de violência de gênero:</p><p>1. Violência doméstica;</p><p>2. Violência sexual;</p><p>3. Abuso sexual;</p><p>4. Assédio sexual;</p><p>5. Exploração sexual;</p><p>6. Feminicídio;</p><p>7. Violência Psicológica.</p><p>Corrêa (1983) inicia seu livro com alguns</p><p>relatos e indicações sobre “associações femininas”</p><p>e formas de organização feminista, até os anos 70,</p><p>época em que escreveu e pesquisou sobre crimes</p><p>contra mulheres nas relações íntimas. Seu objeto</p><p>de estudo são casos de homicídio entre casais</p><p>— com relações de intimidade — ocorridos entre</p><p>1952 e 1972. Como método da pesquisa, realizou</p><p>levantamento documental dos processos, assistiu</p><p>alguns julgamentos e realizou entrevistas informais.</p><p>Do levantamento realizado, Corrêa selecionou 30</p><p>processos, e subdividiu a dissertação a partir dos</p><p>grandes temas que surgiram desse levantamento.</p><p>Nas defesas dos criminosos e no acolhi-</p><p>mento jurídico dessas argumentações, uma forte</p><p>moralização do gênero (papéis de gênero, papéis</p><p>de homens e mulheres, apesar do desuso dos ter-</p><p>mos). A descaracterização da vítima, através de</p><p>argumentos estritamente morais, elaborados pela</p><p>defesa, ocorre quase que como uma fábula. Em</p><p>um dos casos apresentados no trabalho de Corrêa,</p><p>uma mulher, casada por 16 anos, foi assassinada</p><p>130</p><p>Anotações: pelo marido, sob argumentos de que ela “era vaido-</p><p>sa demais para uma mulher de família”, e que cer-</p><p>tamente “tinha um amante”. Sob suspeita de que</p><p>estava sendo traído, com base nessas argumen-</p><p>tações, ele executou a mulher quase em frente a</p><p>filha.</p><p>Os argumentos da suspeita do marido foram</p><p>levados ao tribunal do júri, e a defesa investiu for-</p><p>temente em desmoralizar a conduta da vítima, as-</p><p>sociando sua família à prostituição, sua vaidade</p><p>“anormal” a uma suposta traição; o fato de ela tra-</p><p>balhar fora ajudou a sustentar a ideia de que ela</p><p>era uma péssima mãe. O assassino foi absolvido</p><p>pelo júri, que acatou a motivação do crime como</p><p>“legítima defesa da honra”. Isso ocorreu entre os</p><p>anos 60, mas o padrão de desmoralização da víti-</p><p>ma, perdura até hoje, recebendo mais resistência</p><p>em casos que se tornam emblemáticos, dadas al-</p><p>gumas transformações sociais provocadas pelo</p><p>movimento feminista no Brasil. Contudo, essas</p><p>transformações não estão cristalizadas na socie-</p><p>dade, muito menos no aparato policial e sistema</p><p>judiciário brasileiro.</p><p>Os casos de estupro são continuamente</p><p>moralizados, em todas as esferas sociais, da família</p><p>até a mídia. A vida da vítima, já fragilizada pela</p><p>violência e exposição das agressões e intimidades,</p><p>é esmiuçada, para que todos possam dar sua</p><p>legitimidade sobre a violência. E foi, se não foi, “por</p><p>que foi?”.</p><p>Outro ponto importante das reflexões de</p><p>Corrêa (1983) sobre os casos analisados em sua</p><p>dissertação, dos anos 70: “os atores jurídicos</p><p>usam os poderes que a lei lhes confere para</p><p>131</p><p>Anotações:reforçar uma ordenação existente na sociedade,</p><p>obscurecendo-a, ao agir como se ela não</p><p>existisse”. As performatividades do judiciário e</p><p>as decisões decorrentes delas, não são isentas,</p><p>mas são investidas de verdade, por meio da fábula</p><p>espetacular construída pela defesa e acatada pelo</p><p>júri ou juiz. Corrêa (1983) adverte sobre a diferença</p><p>entre a lei (escrita) no Brasil, que nem sempre</p><p>corresponde à norma social não escrita, indicando</p><p>que a justiça não é isenta, mas machista, branca,</p><p>heterossexual, burguesa, e manipula, através do</p><p>poder da lei, a vida social, moralizando a vida.</p><p>Por fim, devemos lembrar as proximidades e</p><p>identificações sociais possíveis entre os homens</p><p>que julgam e o homem acusado. Já sabemos,</p><p>pela ampla discussão que existe sobre estupro</p><p>e estupradores no Brasil, que as punições são</p><p>mais rígidas para homens em posições sociais</p><p>não hegemônicas. Corrêa (1983) aponta que, na</p><p>comparação entre decisões sobre assassinatos e</p><p>tentativas de assassinatos de mulheres, as penas</p><p>mais pesadas recaíam sobre homens em posições</p><p>subalternas (negros, “crioulos”, desempregados,</p><p>tidos como desocupados).</p><p>132</p><p>Patriarcado</p><p>O termo “Patriarcado” foi designado pela</p><p>primeira vez para tratar de sociedades cuja cen-</p><p>tralidade do poder (a transmissão de herança,</p><p>parentesco, moral, costumes) era coloca-</p><p>da a partir de um homem. Em algumas</p><p>sociedades, como na região do Medi-</p><p>terrâneo (Portugal, Itália, Espanha)</p><p>essa fi gura era representada</p><p>pelo pai ou pelo avô de uma</p><p>grande família. Esse padrão</p><p>se repete em diferentes so-</p><p>ciedades, seja pelo seu caráter</p><p>estrutural (e universalista), seja</p><p>pela colonização. Nas Américas,</p><p>por exemplo, é comum verifi carmos</p><p>uma estrutura familiar patriarcal, nos</p><p>mesmos moldes das estruturas famili-</p><p>ares de países da região do Mediterrâneo.</p><p>Com o avanço dos estudos femi-</p><p>nistas, a noção de patriarcado se am-</p><p>plia para caracterizar um sistema de</p><p>poder e dominação masculina, que</p><p>subjuga as mulheres, limitando suas</p><p>possibilidades de acesso ao poder,</p><p>estabelecendo a domesticidade como</p><p>espaço feminino, negando às mulheres</p><p>direitos sobre sua sexualidade e repro-</p><p>dução.</p><p>No Brasil, o patriarcado é</p><p>caracterizado por Gilberto Frey-</p><p>re (2006) a partir da Casa-Grande,</p><p>onde o senhor da casa, teria sob</p><p>primeira vez para tratar de sociedades cuja cen-</p><p>tralidade do poder (a transmissão de herança,</p><p>parentesco, moral, costumes) era coloca-</p><p>da a partir de um homem. Em algumas</p><p>sociedades, como na região do Medi-</p><p>terrâneo (Portugal, Itália, Espanha)</p><p>essa fi gura era representada</p><p>pelo pai ou pelo avô de uma</p><p>grande família. Esse padrão</p><p>se repete em diferentes so-</p><p>ciedades, seja pelo seu caráter</p><p>estrutural (e universalista), seja</p><p>pela colonização. Nas Américas,</p><p>por exemplo, é comum verifi carmos</p><p>uma estrutura familiar patriarcal, nos</p><p>mesmos moldes das estruturas famili-</p><p>ares de países da região do Mediterrâneo.</p><p>Com o avanço dos estudos femi-</p><p>nistas, a noção de patriarcado se am-</p><p>plia para caracterizar um sistema de</p><p>poder e dominação masculina, que</p><p>subjuga as mulheres, limitando suas</p><p>possibilidades de acesso ao poder,</p><p>estabelecendo a domesticidade como</p><p>espaço feminino, negando às mulheres</p><p>direitos sobre sua sexualidade e repro-</p><p>dução.</p><p>No Brasil, o patriarcado é</p><p>caracterizado por Gilberto Frey-</p><p>re (2006) a partir da Casa-Grande,</p><p>onde o senhor da casa, teria sob</p><p>133</p><p>Anotações:seu poder, tanto a sua própria extensão familiar (es-</p><p>posa, filhos, netos, etc), quanto todos os habitantes</p><p>da sua propriedade, inclusive a Senzala.</p><p>Esse esquema familiar foi bastante criticado</p><p>por autoras feministas, sob o argumento de que</p><p>ao reconhecer a família patriarcal como o modelo</p><p>familiar do Brasil, deixavam-se de lado todas as</p><p>diferentes configurações familiares, inclusive dos</p><p>negros escravizados nas senzalas, que tinham suas</p><p>próprias famílias e relações.</p><p>Atualmente, as feministas usam a expressão</p><p>“lutar contra o sistema patriarcal”, que significa</p><p>a luta contra a permanência do poder familiar e</p><p>social na mão dos homens e contra a manutenção</p><p>dos papéis sociais de subserviência atribuídos às</p><p>mulheres.</p><p>134</p><p>Anotações: Masculinidades</p><p>Em primeiro lugar, devemos deixar claro o que</p><p>estamos dizendo quando falamos em “masculini-</p><p>dades”. À primeira vista, o termo “masculinidades”</p><p>faz uma referência direta ao “masculino”. Com isso,</p><p>nós dispomos de um conjunto de valores sobre a</p><p>ideia do “masculino”. A questão, portanto, é: o que</p><p>nós sabemos sobre o masculino? Que ideias vêm</p><p>à nossa mente quando pensamos neste termo?</p><p>Geralmente, a noção de “masculino” está associada</p><p>aos homens. Podemos associá-la ao sexo mascu-</p><p>lino, ao gênero masculino (em oposição ao gênero</p><p>feminino), podemos associá-la à força, ao vigor, à</p><p>ideia de “atividade”, autoridade, virilidade, poder.</p><p>Os atributos que, geralmente, vêm à mente</p><p>quando pensamos no termo “masculinidade” não</p><p>são acessíveis apenas aos homens. As mulheres</p><p>também podem exercer força, vigor, “atividade”,</p><p>autoridade, virilidade e poder. Então, o conceito de</p><p>masculinidade trabalha com a ilusão daquilo que</p><p>pensamos ser atributos exclusivamente masculinos</p><p>— atributos dos homens. Connell (1995, 2013) define</p><p>masculinidade:</p><p>Uma configuração de prática em torno</p><p>da posição dos homens na estrutura</p><p>das relações de gênero. O autor</p><p>ainda afirma que existe um modelo</p><p>hegemônico de masculinidade, tão</p><p>predominante que muitos creem</p><p>que as características e condutas</p><p>associadas ao mesmo sejam naturais</p><p>(p. 188).</p><p>135</p><p>Anotações:Deste modo, a autora formula o conceito</p><p>de “masculinidade” a partir de seu estudo dos</p><p>comportamentos de meninos em escolas</p><p>australianas. Ela buscava entender como os</p><p>meninos reproduziam os valores sociais sobre ser</p><p>homem relacionando sua pesquisa, na época, com</p><p>a teoria produzida por Pierre Bourdieu, sociólogo</p><p>francês que, entre outras coisas, dedicou-se</p><p>a compreender a relação entre prática social,</p><p>estrutura e símbolo.</p><p>As noções sobre o que é “ser homem”</p><p>começam a se tornar um problema diante das lutas</p><p>históricas das mulheres por igualdade nos direitos</p><p>civis. Elas têm repercussão na França e EUA, com</p><p>eclosão mundial a partir dos anos 1960. A luta</p><p>das mulheres por direitos civis (o voto, a jornada</p><p>de trabalho, a reprodução sexual e doméstica, a</p><p>violência) explicita uma distinção entre os gêneros.</p><p>Mostra que existe uma desigualdade social entre</p><p>direitos de homens e mulheres.</p><p>A partir de então, vão sendo desnaturalizadas</p><p>as noções sobre o que são papéis masculinos e</p><p>femininos. Isso embaralha as concepções tidas</p><p>como naturais relativas ao significado do gênero</p><p>e do tipo de relação que se queria. Os homens não</p><p>“precisaram” pensar nisso, pois “ser homem” parecia</p><p>algo natural e confortável. A partir do movimento</p><p>das mulheres, principalmente em meados dos anos</p><p>70, muitos homens começaram a acompanhar</p><p>mulheres em suas reivindicações. E isso faz com</p><p>que eles próprios comecem a refletir sobre sua</p><p>masculinidade, descobrindo novas formas de</p><p>“ser homem” que não sejam associadas à ideia do</p><p>masculino viril, controlador, violento, etc.</p><p>136</p><p>Anotações: Um dos grandes problemas do mundo,</p><p>em relação à violência contra as mulheres e a</p><p>desigualdade de gênero, é a ausência de uma</p><p>política de gênero. A questão que nos interessa</p><p>é a dificuldade que há em fazer esse esforço de</p><p>construção de uma “masculinidade” não violenta.</p><p>Pois, homens e mulheres, somos informados desde</p><p>muito cedo sobre os significados de “ser homem”,</p><p>e desde então, afastados de todos os riscos ao</p><p>padrão de masculinidade. Connell (1995) criou duas</p><p>categorias para definir tipos de masculinidade:</p><p>1. Masculinidade hegemônica: é o padrão</p><p>idealizado de masculinidade em uma so-</p><p>ciedade. Como algo idealizado, é também</p><p>inatingível. Na sociedade ocidental, esse</p><p>padrão pode ser representado pelas ideias</p><p>de “homem viril”, heterossexual, “chefe de</p><p>família”, etc;</p><p>2. Masculinidades subalternas: são as mas-</p><p>culinidades tidas como desviantes. Na</p><p>sociedade ocidental, exemplos dessas</p><p>masculinidades são as homossexuais, as</p><p>paternidades afetivas, entre outros es-</p><p>forços de homens contra as práticas he-</p><p>gemônicas de masculinidade.</p><p>MIGRAÇÃO E FRONTEIRAS</p><p>Quando falamos em “fronteiras,” geralmente,</p><p>os significados que vêm à mente são alusivos às</p><p>divisões físicas, geográficas e espaciais em torno</p><p>do pertencimento a um certo lugar. Atravessar uma</p><p>fronteira, nesse sentido elementar, pode significar o</p><p>afastamento de um lugar ao qual se pertence, assim</p><p>137</p><p>Anotações:como</p><p>do acesso ao conhecimento, o</p><p>que o levou a ser apoiado por diversos intelectuais</p><p>da época. Foi mentor de Émile Durkheim, quem o</p><p>ajudou a formular as primeiras ideias em torno da</p><p>“física social’’. Ocorre que Comte, antes de finalizar</p><p>suas formulações em torno da nova ciência, fora</p><p>acometido de “colapsos nervosos”, o que abalou</p><p>seu trabalho e, sobretudo, sua criatividade. Assim,</p><p>foi Émile Durkheim, aluno de Auguste Comte, quem</p><p>seguiu com a tarefa de construir a primeira ciência</p><p>social, a qual chamou de “Sociologia”.</p><p>SOCIOLOGIA E MÉTODO SOCIOLÓGICO</p><p>Émile Durkheim foi fundamental para a</p><p>criação formal da Sociologia no espaço acadêmico</p><p>francês, tendo sido o primeiro a ocupar uma cadeira</p><p>universitária com esse nome (em Bordéus, 1887) e</p><p>fundou, em 1896, o L’Année sociologique (anuário</p><p>sociológico), que se tornou a principal revista de</p><p>Sociologia da França, divulgando o pensamento da</p><p>17</p><p>Anotações:“escola” durkheimiana, que teve muitos discípulos,</p><p>entre eles, seu sobrinho Marcel Mauss (fundamental</p><p>para os estudos em Etnologia, como veremos</p><p>posteriormente).</p><p>Figura 1 - Émile Durkheim</p><p>Fonte: Domínio público.</p><p>Esse processo envolveu a defesa da existên-</p><p>cia de um objeto propriamente sociológico, o “fato</p><p>social”, distinto do objeto de outras áreas do conhe-</p><p>cimento, como a Biologia, a Filosofia, a Psicologia,</p><p>o Direito, a Economia, etc. Esse objeto demandaria</p><p>a codificação de um método específico para tratá-</p><p>lo e de uma ciência distinta e autônoma — a Sociolo-</p><p>gia — para descobrir as leis de seu funcionamento.</p><p>Em “As regras do método sociológico”,</p><p>Durkheim defende que os fatos sociais existem</p><p>“acima” das consciências individuais, sendo-lhes</p><p>exteriores e as antecedendo. Essa definição sobre</p><p>18</p><p>Anotações: os fatos sociais, implica na construção do conceito</p><p>de “sociedade”, na sociologia durkheimiana, para a</p><p>qual a “sociedade” existe acima (sobrepondo) dos</p><p>indivíduos. Para Durkheim, “sociedade” não significa</p><p>meramente uma coletividade de sujeitos, mas uma</p><p>“consciência pública ou coletiva que exerce um</p><p>poder de coerção ou se impõe, de maneira mais ou</p><p>menos perceptível, aos indivíduos” (CASTRO, 2014).</p><p>O método sociológico seguirá, portanto,</p><p>algumas premissas importantes, distinguindo-</p><p>se de outras ciências, da Filosofia e da Religião.</p><p>Durkheim afirma que o fato de ter nascido a partir</p><p>das doutrinas filosóficas consideradas relevantes,</p><p>a Sociologia não alterou o hábito de se apoiar</p><p>em qualquer sistema no qual se sinta solidário,</p><p>a exemplo de ser positivista, evolucionista,</p><p>espiritualista, ao invés de cultivar simplesmente a</p><p>Sociologia (idem).</p><p>Quanto às ideologias, a Sociologia de</p><p>Durkheim não deve “tomar partido” entre as grandes</p><p>hipóteses que dividem os metafísicos. Tampouco</p><p>lhe cabe defender a liberdade ou o determinismo.</p><p>Nesse aspecto, distingue-se muito das teorias</p><p>socialistas que ganharam força na Europa no final</p><p>do século XIX, principalmente com a publicação</p><p>das obras de Karl Marx. A Sociologia, segundo o</p><p>princípio da tradução francesa, deve limitar-se</p><p>a que o “princípio de causalidade seja aplicado</p><p>aos fenômenos sociais’’. Isso significa tratar os</p><p>fenômenos sociais como dotados de “causas” que</p><p>também produzem “efeitos” próprios. Além disso,</p><p>esse princípio é estabelecido por ela não como uma</p><p>necessidade racional, mas tão somente como um</p><p>postulado empírico, produto de legítima indução.</p><p>19</p><p>Anotações:Durkheim (apud CASTRO, 2014, p. 38) reafirma:</p><p>A sociologia assim entendida não será</p><p>individualista, nem comunista, nem</p><p>socialista, no sentido vulgarmente</p><p>atribuído a essas palavras. Por</p><p>princípio, irá ignorar essas teorias,</p><p>nas quais não poderia reconhecer</p><p>valor científico, uma vez que elas</p><p>tendem claramente não a exprimir os</p><p>fatos, e sim a reformá-los. Se ela se</p><p>interessa por eles, é tão somente na</p><p>medida em que vê neles fatos sociais</p><p>capazes de ajudar a compreender a</p><p>realidade social por manifestarem</p><p>as necessidades que operam a</p><p>sociedade.</p><p>A ênfase na ausência de um viés ideológico à</p><p>Sociologia, proposta por Durkheim, estava atrelada</p><p>principalmente ao seu esforço de objetividade, cru-</p><p>cial para sua consolidação como Ciência. Para tanto,</p><p>o autor defendia que os fatos sociais (como objetos</p><p>sociológicos) deveriam ser tratados como coisas.</p><p>Nesse processo de construção da objetividade, o</p><p>sociólogo deveria abrir mão das “pré-noções” e ob-</p><p>servar os fatos como eles são, buscando examinar</p><p>suas características mais objetivas.</p><p>20</p><p>O suicídio (1897)</p><p>O livro de Émile Durkheim, publicado pela</p><p>primeira vez em 1897, marcou a Sociologia por</p><p>ter sido a primeira obra a se debruçar sobre um</p><p>problema social (fato social), a crescente onda de</p><p>suicídios na França, a partir de dados estatísticos</p><p>e empíricos. As explicações sobre o Suicídio, na</p><p>época, tratavam esse fenômeno como um problema</p><p>de ordem individual.</p><p>Analisando taxas de mortes autoprovo-</p><p>cadas, a partir de regiões, concentração</p><p>em períodos, Durkheim pôde argumen-</p><p>tar que o suicídio não era um fenômeno</p><p>isolado a cada caso, mas tinha influên-</p><p>cias coletivas e sociais. Essas unidades</p><p>de motivação agrupariam os casos de</p><p>suicídio, demonstrando que havia</p><p>uma dimensão coletiva a ser con-</p><p>siderada.</p><p>Comparando diferentes ex-</p><p>pressões de suicídio (ou morte au-</p><p>toprovocada), Durkheim estabele-</p><p>ceu três principais motivações</p><p>geradoras dessas mortes.</p><p>A primeira, chamou de egoísta,</p><p>a qual as altas taxas estavam associa-</p><p>das à diminuição da integração social.</p><p>Pessoas com maior isolamento de gru-</p><p>pos onde houvesse sensação de per-</p><p>tencimento, eram as que estavam en-</p><p>quadradas nesssa categoria. Durkheim</p><p>salienta, por exemplo, que o individu-</p><p>21</p><p>Anotações:alismo se expressava também na desagregação das</p><p>comunidades religiosas, nas quais os protestan-</p><p>tes prezavam mais pela individualidade, enquanto</p><p>católicos costuravam suas relações de forma mais</p><p>comunitária.</p><p>A segunda, a altruísta era caracterizada pelas</p><p>mortes auto cometidas em nome de um grupo ou</p><p>causa. Nesta, ao contrário da primeira motivação,</p><p>o sujeito estaria tão imerso pelo pertencimento e</p><p>pelas crenças de um grupo (religiosas, políticas,</p><p>ideológicas, culturais), que sua morte ocorre como</p><p>um serviço final, ou uma defesa, do conjunto de</p><p>crenças que o grupo representa.</p><p>A terceira, chamada de anômica, categoriza</p><p>situações em que um indivíduo está se sentindo</p><p>sem direção social. Diferente da primeira, em</p><p>que o suicídio se baseia na ausência e diminuição</p><p>da integração social, na anômica, a morte está</p><p>relacionada aos eventos de ruptura da crença no</p><p>grupo social. Está relacionado aos momentos</p><p>de crise social profunda, como grandes crises</p><p>econômicas, guerras e situações pós-traumáticas.</p><p>22</p><p>A noção de “fato social”</p><p>A noção de “fato social” é fundamental para a</p><p>construção da perspectiva francesa da Sociologia.</p><p>Durkheim afirma que, “embora consideremos os</p><p>fatos sociais como coisas, é como coisas sociais.”</p><p>Assim, o valor dos fatos sociais é seu aspecto</p><p>sociológico. O suicídio, a devoção religiosa, por</p><p>exemplo, são fatos sociais com explicações</p><p>sociológicas, dotados de complexidade que</p><p>vinham sendo reduzidas por explicações psíquicas,</p><p>orgânicas, de fé, ou seja, descaracterizados de</p><p>dados objetivos sobre eles mesmos. O esforço</p><p>da Sociologia durkheimiana foi o de tratar</p><p>desses fatos sociais, sem descaracterizá-los.</p><p>INDUSTRIALIZAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL</p><p>O surgimento da Sociologia, além do</p><p>contexto acadêmico de sua criação na França,</p><p>está relacionado à preocupação em torno da vida</p><p>moderna. E o marco inicial da Modernidade como</p><p>conhecemos, é a industrialização. A primeira</p><p>revolução industrial ocorreu na Inglaterra, com o</p><p>surgimento da máquina a vapor. Esse processo</p><p>deu início às transformações nas relações com</p><p>a propriedade e o trabalho. A demanda por mão</p><p>de obra, o avanço das grandes propriedades</p><p>— principalmente para plantação de algodão,</p><p>motivada pelo crescimento da indústria têxtil —</p><p>geraram um grande êxodo rural e vários problemas</p><p>urbanos. Rapidamente, a indústria dominou</p><p>a chegada a um lugar estranho. Nas Ciências</p><p>Sociais, a noção de fronteira pode ser concebida</p><p>também a partir da ideia de interstício entre formas</p><p>de ser no mundo, identidades, compreensões sobre</p><p>gênero, família, raça, pertencimento e moralidades.</p><p>A migração pode ser caracterizada a partir da</p><p>mobilidade entre fronteiras, carregando consigo</p><p>não apenas o afastamento espacial/geográfico,</p><p>mas também valores, cultura, estranhamentos e</p><p>estigmas. Se nos debruçarmos para compreender</p><p>“corpos em movimento” como os dos refugiados,</p><p>podemos notar que existem diversas formas de</p><p>criação e estabelecimento de fronteiras.</p><p>Figura 8 - Posto de Migração entre Peru e Equador</p><p>Fonte: Foto de Cris Bouroncle, AFP, 2018.</p><p>A fronteira, nos casos de acolhimento, de re-</p><p>fugiados é marcada pela presença de forte apara-</p><p>to estatal e militar, e sobre os sujeitos que buscam</p><p>refúgio humanitário, geralmente, pairam diver-</p><p>sas dúvidas que devem ser sanadas por meio do</p><p>138</p><p>Anotações: preenchimento de formulários das agências es-</p><p>tatais e organismos internacionais. Fassin (2005)</p><p>nos ajuda a compreender essas práticas estatais</p><p>de acolhimento de refugiados, como controle das</p><p>fronteiras, assim como demarcação de identidades</p><p>e fluxos migratórios. O conceito de “governamen-</p><p>talidade”, articula as noções de “fronteiras sociais”</p><p>e “fronteiras físicas”, demonstrando que, se por um</p><p>lado, concede-se ao migrante um visto por “razões</p><p>humanitárias”, permitindo-lhes a inserção no mer-</p><p>cado de trabalho, por outro, limitam-se o acesso à</p><p>plena cidadania, requerendo a eles, uma série de</p><p>comprovantes de vínculos de trabalho ou estudo no</p><p>país. Tais aspectos foram notados por Silva (2016),</p><p>ao pesquisar a presença de haitianos em Manaus,</p><p>acolhidos pelos processos de ajuda humanitária.</p><p>No caso estudado por Silva (2016), dos pontos</p><p>de vista dos manauaras sobre os migrantes, há uma</p><p>percepção generalizada de que a presença dos</p><p>haitianos é boa, na medida em que são percebidos</p><p>como “trabalhadores e educados, que não se</p><p>envolvem com a criminalidade” e, ao senso comum,</p><p>acrescenta-se a percepção de que “a cidade</p><p>está mais colorida” (uma vez que haitianos são</p><p>predominantemente, negros/pretos). Apesar dessa</p><p>presença cotidiana nas relações com a cidade,</p><p>o autor percebe a ausência de políticas públicas</p><p>que desenvolvam relações socioculturais entre os</p><p>migrantes e os cidadãos nacionais. Isso cria outro</p><p>estigma em torno dos migrantes, pois a diversidade</p><p>não é encarada como troca cultural, mas como</p><p>mera exotização da diferença física e cultural.</p><p>139</p><p>Anotações:A migração tem implicações econômi-</p><p>cas, sociais e culturais, tanto no local</p><p>de partida quanto no de chegada ou</p><p>de passagem. Se do ponto de vista</p><p>econômico a integração se dá de al-</p><p>guma forma via mercado de trabalho</p><p>formal ou informal, o mesmo não se</p><p>pode dizer do ponto de vista social e</p><p>cultural, já que a condição de imigran-</p><p>te, considerado como “trabalhador</p><p>temporário”, impõe uma série de</p><p>limites, seja no exercício da ci-</p><p>dadania política, seja no âmbito das</p><p>trocas culturais, em razão de pre-</p><p>conceitos que poderão enfrentar</p><p>(SILVA, 2016, p. 147).</p><p>Aspectos subjetivos da noção de fronteira po-</p><p>dem ser compreendidos por meio da obra de Veena</p><p>Das (2020), uma antropóloga indiana que se dedicou</p><p>a estudar violências cometidas contra mulheres du-</p><p>rante a guerra da Partição, entre Índia e Paquistão.</p><p>No contexto dessa guerra, mulheres indianas foram</p><p>sequestradas, forçadas ao casamento ou violenta-</p><p>das por soldados paquistaneses. Para os indianos,</p><p>principalmente das zonas rurais, a sexualidade das</p><p>mulheres confere honra a suas famílias, principal-</p><p>mente aos homens. Assim, os raptos de mulheres</p><p>nesse contexto, provocaram longas repercussões</p><p>subjetivas para a reinserção delas nas suas famílias</p><p>e sociedades.</p><p>A autora examina através dos relatos de</p><p>mulheres sobreviventes dos raptos da guerra da</p><p>Partição e reenquadradas nos sistemas de honra</p><p>e casamento indiano, como cada uma descreve os</p><p>140</p><p>Anotações: processos de “divisão” subjetiva, como silenciam</p><p>em torno das violências, do rapto em si mesmo,</p><p>ou dos novos casamentos. O caso de Asha, é uma</p><p>das descrições/conversas emblemáticas da autora</p><p>sobre a temática.</p><p>Asha, tendo enviuvado jovem, no seu caso, o</p><p>potencial para desordens do desejo surgiu dentro</p><p>da família, depois das rupturas brutais da Partição.</p><p>Envolveu-se em várias traições, quebrando as</p><p>regras correntes da viuvez, mas recusando-se</p><p>a viver em má-fé, movendo-se através de suas</p><p>intrincadas relações com as mulheres de sua rede</p><p>familiar, quase forçando os outros a reconhecerem</p><p>a singularidade de seu ser. A via de saída do</p><p>“conhecimento venenoso” não foi uma ascensão</p><p>para a santidade ou a renúncia; foi uma queda em</p><p>direção a um cotidiano diferente.5</p><p>Todos os dias eu tentava ser útil. Estava dividida</p><p>entre a lealdade a meu marido morto, sua irmã, que</p><p>eu amara muito, e os novos tipos de necessidade</p><p>que pareciam brotar da possibilidade de uma nova</p><p>relação.</p><p>Apesar de repudiada, tanto por sua família</p><p>de origem, como por sua família conjugal, por ter</p><p>quebrado o tabu de casta alta quanto a um segundo</p><p>casamento, ela continuou tentando refazer seus</p><p>laços rompidos.</p><p>Uma vez reconhecido o seu ser sexual, nos</p><p>modos novos como passaram a vê-la seus afins</p><p>masculinos, ela teve de fazer uma escolha. Ou</p><p>assumia uma relação clandestina, ou aceitava o</p><p>5 DAS, Veena. Vidas e Palavras - a violência e sua descida ao ordiná-</p><p>rio. Ed. UNIFESP, 2020.</p><p>141</p><p>Anotações:próprio público e até colocava em risco a honra da</p><p>família, por uma nova definição de si mesma que</p><p>prometia uma certa integridade, embora invia-</p><p>bilizasse os projetos de vida que tinha formulado</p><p>anteriormente para si mesma. No processo dessa</p><p>decisão, o self pode ter-se fragmentado radical-</p><p>mente e se tornado fugitivo, mas que foi descrito</p><p>é uma espécie de operação complexa que se tor-</p><p>na evidente, não necessariamente no momento</p><p>da violência, mas nos anos de trabalho paciente</p><p>ao longo dos quais Asha e a irmã de seu primeiro</p><p>marido reataram os laços rompidos.6</p><p>Das (2020) argumenta que as violências mar-</p><p>cam “limites” (fronteiras), pois esgotam nossa ca-</p><p>pacidade de representar os fatos do horror. Fazem</p><p>com que perguntemos “como seres humanos po-</p><p>dem ter sido capazes de atos tão hediondos”, como</p><p>os crimes de guerra, as violações indescritíveis das</p><p>invasões coloniais, as cenas cotidianas de violência</p><p>familiar e estupros.</p><p>A imagem do estado de alerta na</p><p>ocorrência da violência, da capaci-</p><p>dade de resposta onde quer que</p><p>ocorra na teia da vida, nos leva a per-</p><p>guntar se os atos de violência são</p><p>transparentes. Como se pode expres-</p><p>sar a relação entre a possibilidade e</p><p>a ocorrência, e mais ainda, entre o</p><p>factual e o eventual, se a violência,</p><p>quando acontece de modo dramáti-</p><p>co, encerra uma relação com o que</p><p>6 Idem.</p><p>142</p><p>Anotações: está acontecendo de forma repetida</p><p>e não-melodramática, como dizê-lo,</p><p>não numa narrativa única, mas na</p><p>forma de um texto que é constante-</p><p>mente revisado, revisto e acrescido</p><p>de comentários (DAS, 2020, p. 118).</p><p>A partir das diferentes perspectivas apresen-</p><p>tadas sobre a noção de fronteira, podemos com-</p><p>preender como essa noção se expande por meio</p><p>das experiências sociais que os grupos e sujeitos</p><p>têm sobre os limites espaciais; como as políticas</p><p>migratórias e de acolhimento de refugiados pro-</p><p>duzem tensões a partir das diferenças de origem;</p><p>e como corpos e subjetividades são marcadas a</p><p>partir das dores geradas por violências em contex-</p><p>tos de tensões geopolíticas, levando à produção de</p><p>fronteiras/rupturas emocionais.</p><p>PODER E SUBALTERNIDADES</p><p>De um ponto de vista mais amplo, o conceito</p><p>de poder é definido por Bobbio (1995 apud SILVA,</p><p>2001, p. 128) como “a capacidade ou possibilidade</p><p>de agir, de produzir efeitos’’. Tanto pode ser referida</p><p>a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou</p><p>a fenômenos naturais. Assim, para o autor, o Poder</p><p>pode ser entendido, entre outras definições, como</p><p>“poder social”. Este tipo</p><p>de poder diz respeito à vida</p><p>dos seres humanos em sociedade, ou seja, trata-se</p><p>das relações sociais. Portanto, designa capacidade</p><p>de ação, como forma de determinação de um</p><p>indivíduo sobre o outro. De tal modo o Poder, nessa</p><p>concepção social, não é algo que se possui, mas</p><p>uma relação que se estabelece socialmente (SILVA,</p><p>143</p><p>Anotações:2001). Diversos teóricos nas Ciências Sociais se</p><p>desdobraram sobre o conceito de Poder. Aqui</p><p>restringimos sua discussão ao debate promovido</p><p>por Michel Foucault, filósofo francês que se dedicou</p><p>a investigar diferentes aspectos da dominação, do</p><p>poder, da sexualidade, das instituições de controle</p><p>e do Estado.</p><p>Para Foucault, ao contrário de outros analis-</p><p>tas, principalmente marxistas, poder não se esta-</p><p>belece como uma via de mão única, como se per-</p><p>cebe, por exemplo, no poder econômico. Para o</p><p>filósofo, o poder é exercitado de forma relacional</p><p>e em microrrelações. O conceito de poder é usa-</p><p>do como instrumento de interpretação social e as</p><p>“práticas sociais” ou “relações de poder” são o cen-</p><p>tro nervoso de suas análises (SILVA, 2001).</p><p>Como capilaridades de microrrelações, o</p><p>Poder em Foucault deve ser entendido:</p><p>1. Como algo produtivo, como saber, e,</p><p>portanto, não somente repressivo, mas</p><p>também pedagógico;</p><p>2. Uma relação que se estabelece entre</p><p>indivíduos, ao invés de um objeto estático</p><p>e transferível;</p><p>3. Não se estabelece em um só sentido</p><p>(de cima para baixo) nem deve ser</p><p>compreendido unilateralmente.</p><p>Algumas críticas foram feitas à concepção</p><p>de poder concebida por Foucault, principalmente</p><p>em torno das microrrelações que estabeleceriam o</p><p>poder. Spivak, filósofa e ensaísta indiana destacada</p><p>dos estudos “pós-coloniais”, discorda de Foucault</p><p>sobre a ideia de poder como resultado de uma teia</p><p>144</p><p>Anotações: de relações, argumentando que há sujeitos que são</p><p>completamente alijados do poder: os subalternos.</p><p>Em seu ensaio “Pode o subalterno falar?”,</p><p>Spivak (1996) apresenta argumentos do ponto de</p><p>vista não-ocidental sobre a ausência completa da</p><p>capacidade de dizer algo e ser ouvida, por sujeitos,</p><p>instituições e posições que ocupam o poder. Para</p><p>ilustrar seus argumentos, a autora apresenta três</p><p>exemplos na história indiana, em que tentativas</p><p>de estabelecer um diálogo com o poder ou ocupar</p><p>o poder, foram completamente silenciados ou</p><p>assimilados pelas forças que de fato ocupam e</p><p>detém o poder:</p><p>[1] a maneira como a educação in-</p><p>diana foi pensada e instituída pelos</p><p>colonizadores britânicos, voltada a</p><p>formar uma classe de indianos ‘de</p><p>sangue e cor’ mas ingleses ‘no gosto,</p><p>na moral e no intelecto’, com o obje-</p><p>tivo de que esses servissem como</p><p>tradutores e intérpretes na mediação</p><p>entre os governantes europeus e os</p><p>governados indianos; [2] a manei-</p><p>ra como o ritual hindu de sacrifício</p><p>das viúvas foi compreendido histori-</p><p>camente tanto da perspectiva dos</p><p>britânicos (que o aboliram acreditan-</p><p>do que protegiam as mulheres de tal</p><p>violência selvagem), quanto da dos</p><p>indianos nativos (que defendiam sua</p><p>manutenção argumentando que esse</p><p>era o desejo de tais mulheres), mas</p><p>nunca da perspectiva das próprias</p><p>viúvas envolvidas; [3] o caso de Bhu-</p><p>vaneswari Bhaduri, jovem de 16 ou 17</p><p>145</p><p>Anotações:anos envolvida na luta armada pela in-</p><p>dependência da Índia, e que se enforcou</p><p>em Calcutá em 1926 por não conseguir</p><p>realizar um assassinato político ao qual</p><p>foi incumbida. Para que sua morte não</p><p>fosse diagnosticada como ligada a</p><p>uma paixão ilegítima da qual teria re-</p><p>sultado uma gravidez, Bhuvaneswari</p><p>esperou sua menstruação para com-</p><p>eter o suicídio. Mesmo assim, seu ato</p><p>foi traduzido pelos familiares e intelec-</p><p>tuais como um caso de amor ilícito, e</p><p>somente tomou seu sentido real a par-</p><p>tir do discurso dos líderes e partici-</p><p>pantes masculinos do movimento pela</p><p>independência (SPIVAK, 1996 apud</p><p>FREITAS, 2020, p. 34).</p><p>O argumento de Spivak (1996) demonstra a</p><p>armadilha que acaba por retirar a capacidade de</p><p>agência dessas mulheres, incidindo sobre elas a</p><p>subalternidade. Elas não são ouvidas pelos sujeitos</p><p>em posições hegemônicas, são subjugadas pelas</p><p>normas do patriarcado, que impõe às mulheres</p><p>indianas a autonegação, ou ainda, são mulheres</p><p>narradas como tendo permitido (cedido) à “salvação”</p><p>do império britânico. Em seu argumento final, a</p><p>autora afirma que, há sujeitos em posições de</p><p>subalternidade, cuja voz é negada apesar de seus</p><p>esforços, e, portanto, “não podem falar”.</p><p>146</p><p>Anotações: ESTADO E INTERVENÇÃO SOCIAL</p><p>A noção de Estado perpassa grande parte</p><p>dos debates em Sociologia e Antropologia, pois</p><p>a sua esfera e das políticas públicas são os meios</p><p>pelos quais as intervenções sobre as sociedades</p><p>acontecem. Nesse sentido, o Estado atua em</p><p>diferentes frentes: como um espaço a ser ocupado</p><p>pelas minorias sociais, como lugar de reivindicação</p><p>de reconhecimento de direitos sociais, como</p><p>lugar/agente responsável pela implementação das</p><p>leis e da repressão. Essas perspectivas em torno</p><p>do Estado são adotadas de modo diferentes por</p><p>distintos autores e autoras, uns com ênfase nos</p><p>processos legais e repressivos, outros com foco</p><p>nas lutas de movimentos sociais contra repressões</p><p>(de Estado, de outros grupos sociais hegemônicos,</p><p>etc.) e pelo reconhecimento de direitos.</p><p>Nesse sentido, é importante compreender</p><p>como o Estado atua para a produção de pro-</p><p>gramas e projetos sociais, sendo, portanto, uma</p><p>esfera de controle e intervenção social. Tor-</p><p>na-se importante aqui ressaltar a diferenciação</p><p>entre Estado e governo. Numa perspectiva da</p><p>promoção de direitos e políticas sociais, podemos</p><p>considerar o Estado como conjunto de instituições</p><p>permanentes. São os órgãos legislativos, os tri-</p><p>bunais, as instituições de assistência social,</p><p>entre outras que são consolidadas (a partir de</p><p>orientações constitucionais), e que possibilitam</p><p>ações de governo. O Governo, por sua vez, pode</p><p>ser compreendido como um conjunto de pro-</p><p>gramas sociais elaborados a partir de sujeitos</p><p>eleitos pela sociedade civil, ou selecionados pe-</p><p>los poderes que ocupam o Estado.</p><p>147</p><p>Anotações:É dos governos a responsabilidade pela</p><p>implementação de políticas públicas a partir de</p><p>ações do Estado. Governar adquire o sentido</p><p>de implementar um projeto político, validado</p><p>socialmente, dentro dos limites e obrigações</p><p>constitucionais. As ações do Estado, como políticas</p><p>públicas, devem ocorrer por meio de programas</p><p>sociais, não sendo reduzidas à mera burocracia.</p><p>As políticas públicas são de responsabilidade</p><p>do Estado, tanto em sua implementação, quanto</p><p>na manutenção a partir de processos de tomada</p><p>de decisão democráticos e transparentes, que</p><p>envolvem órgãos públicos, diferentes organismos</p><p>institucionais e agentes sociais relacionados às</p><p>políticas que serão implementadas.</p><p>Neste sentido, políticas públicas não podem</p><p>ser reduzidas a políticas estatais. E políticas sociais</p><p>referem-se às ações que determinam o padrão</p><p>de proteção social implementado pelo Estado,</p><p>voltadas, em princípio, para a redistribuição</p><p>dos benefícios sociais visando a diminuição</p><p>das desigualdades estruturais produzidas pelo</p><p>desenvolvimento socioeconômico. As políticas</p><p>sociais têm suas raízes nos movimentos populares</p><p>do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos</p><p>entre capital e trabalho, no desenvolvimento das</p><p>primeiras revoluções industriais.</p><p>Para Bourdieu (2020), as esferas do Estado e</p><p>Governo confundem-se, uma vez que os agentes do</p><p>estado, que ocupam posições legislativas ou mesmo</p><p>administrativas também têm o poder de regular</p><p>(criar leis, implementá-las, interpretá-las, efetivar</p><p>denúncias ou não e cumprir regimentos), mesmo</p><p>estando eles próprios submetidos ao conjunto de</p><p>148</p><p>Anotações: regras e obrigações em torno das próprias funções</p><p>estatais.</p><p>Portanto, o Estado é uma entidade de poder,</p><p>que regula e implementa políticas sociais. Por esse</p><p>mesmo motivo, é um espaço de disputas entre</p><p>ideologias políticas, principalmente partidárias,</p><p>legitimadas socialmente a partir da liberdade de</p><p>manifestação política e expressão, assim como das</p><p>disputas de grupos que compõem a sociedade civil</p><p>organizada (associações, ONGs, coletivos, etc.).</p><p>As lutas em torno do Estado podem ocorrer</p><p>entre agentes sociais do mesmo campo políti-</p><p>co-ideológico, administrativo e também entre</p><p>diferentes esferas constituidoras do Estado</p><p>(jurídica, política, econômica, intelectual, etc.).</p><p>Essa disputa se dá, principalmente, porque as</p><p>possibilidades de intervenção do Estado sobre</p><p>diferentes espaços da sociedade são muito am-</p><p>plas. As decisões tomadas a partir do poder es-</p><p>tatal, influenciam no reconhecimento de violações</p><p>contra mulheres, crianças, negros e negras, LGBTs,</p><p>assim como operam em torno de decisões sobre a</p><p>economia, distribuição de renda, que podem culmi-</p><p>nar no aprofundamento da desigualdade social, da</p><p>fome e da miséria.</p><p>Butler (2016) alerta para como o Estado</p><p>também produz “enquadramentos” que negam</p><p>a existência e, por sua vez, o acesso às políticas</p><p>públicas e sociais a certos sujeitos, corpos e</p><p>grupos. A história do reconhecimento do Estado à</p><p>diversidade e diferença, assim como as mudanças</p><p>nas leis e direitos sociais, são exemplos desses</p><p>enquadramentos. Outros são as leis contra as</p><p>violências domésticas e sobre feminicídios, ganhos</p><p>149</p><p>Anotações:sociais que só foram possíveis a partir de 2006 e</p><p>2014, respectivamente. Antes do reconhecimento</p><p>legal dessas violências, houve décadas de lutas das</p><p>mulheres contra as violências machistas e, mesmo</p><p>com o reconhecimento legal desses direitos,</p><p>ainda são muitos os casos de violações, mortes de</p><p>mulheres e dificuldades em realizar as denúncias.</p><p>Portanto, pensar sobre o Estado e suas pos-</p><p>sibilidades de intervenção é uma tarefa contínua,</p><p>uma vez que há sempre sujeitos à margem do</p><p>reconhecimento e dos direitos sociais.</p><p>150</p><p>Anotações: Filmes para conferir:</p><p>Parasita (Bong Joon-ho, 2019): toda a família</p><p>de Ki-taek está desempregada, vivendo em um</p><p>porão sujo e apertado, mas uma obra do acaso faz</p><p>com que ele comece a dar aulas de inglês a uma ga-</p><p>rota de família rica. Fascinados com a vida luxuosa</p><p>destas pessoas, pai, mãe e filhos bolam um plano</p><p>para se infiltrarem também na família burguesa, um</p><p>a um. No entanto, os segredos e mentiras necessári-</p><p>os à ascensão social custarão caro a todos.</p><p>A Lei do Desejo (Pedro Almodóvar, 1987):</p><p>um cineasta espanhol envolvido em um triângulo</p><p>amoroso, vivencia os limites da negação e do desejo,</p><p>enquanto sua irmã, uma mulher trans devota de</p><p>Nossa Senhora, adota uma menina abandonada por</p><p>uma amiga.</p><p>O Silêncio dos Homens (Ian Leite e Luiza de</p><p>Castro, 2019): o documentário apresenta diferentes</p><p>iniciativas pelo Brasil, de debates e reelaborações</p><p>das masculinidades. Busca apresentar a importân-</p><p>cia de grupos de acolhimento para homens, como</p><p>ferramentas para minimizar os efeitos das violên-</p><p>cias de gênero e outros problemas sociais gerados</p><p>pelo machismo.</p><p>151</p><p>Para seguir:</p><p>@think.olga (instagram): laboratório de inovação</p><p>social que educa e cria soluções para a desigualdade</p><p>de gênero.</p><p>@debora_d_diniz (instagram): professora de</p><p>bioética da UnB, que debate temas relevantes sobre</p><p>direitos humanos, além de questões de pesquisa e</p><p>metodologia em ciências sociais.</p><p>152</p><p>Anotações: REFERÊNCIAS</p><p>ADORNO, Sérgio. Exclusão socioeconômica e</p><p>violência urbana. Sociologias, Porto Alegre, RS, ano</p><p>4, nº 8, 2002, p. 84-135.</p><p>BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de</p><p>Janeiro: Ed. Zahar, 2011.</p><p>BECKER, Bertha. Geopolítica da Amazônia. São</p><p>Paulo: Estudos Avançados, n. 19, 2005.</p><p>BECKER, Howard. Outsiders. In: CASTRO, Celso.</p><p>Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Ed.</p><p>Zahar, 2014.</p><p>BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Cia</p><p>das Letras, 2020.</p><p>BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a</p><p>vida é passível de luto?. Rio de Janeiro: Civilização</p><p>Brasileira, 2016.</p><p>CUNHA, Manuela. Cultura com Aspas. São Paulo:</p><p>Ubu Editora. 2017.</p><p>CASTRO, Celso. Textos básicos de sociologia. Rio</p><p>de Janeiro: Ed. Zahar, 2014.</p><p>CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de</p><p>Morgan, Tylor e Fazer. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,</p><p>2009.</p><p>CONNELL, Raewyn. Políticas da Masculinidade.</p><p>Porto Alegre: Revista Educação e Realidade, n. 20,</p><p>v. 02, 1995, pp. 185-206.</p><p>CONNELL, R. W. MESSERSCHMIDT, J. W. Mascu-</p><p>linidade hegemônica repensando o conceito. Re-</p><p>153</p><p>Anotações:vista Estudos Feministas, Florianópolis: 21.1, 2013.</p><p>CORRÊA, Mariza. Morte em Família: representações</p><p>jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal,</p><p>1983.</p><p>Centro de Pesquisa e Documentação de História</p><p>Contemporânea do Brasil - CPDOC. Atlas Histórico</p><p>do Brasil. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro:</p><p>RJ, 2016.</p><p>DAS, Veena. Vidas e Palavras - a violência e sua</p><p>descida ao ordinário. São Paulo: Ed. UNIFESP,</p><p>2020.</p><p>DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico.</p><p>In: CASTRO, Celso. Textos básicos de sociologia.</p><p>Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2014.</p><p>DURKHEIM, Émile. O Suicídio. São Paulo: Ed. Martins</p><p>Fontes, 2019.</p><p>FASSIN, Didier. Gobernar por los cuerpos: políticas</p><p>de reconocimiento, hacia los pobres y los inmi-</p><p>grantes. Porto Alegre: Educação, v. 28, n. 2, 5 set.</p><p>2006.</p><p>FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na</p><p>sociedade de classes. São Paulo: Biblioteca Azul,</p><p>Globo, 2008.</p><p>FRAZER, James. O Escopo da Antropologia Social.</p><p>in: CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural. Rio de</p><p>Janeiro: Ed. Zahar, 2009.</p><p>FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São</p><p>Paulo: Global Editora, 2006.</p><p>FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de</p><p>154</p><p>Anotações: Janeiro: Graal. 1985.</p><p>FREITAS, Lorena Martoni de. A crítica de Spivak</p><p>à Foucault. São Luís: Revista Húmus, v. 10, n. 29,</p><p>2020.</p><p>GIDDENS, Anthony. As consequências da</p><p>Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.</p><p>GOFFMAN, Erwin. Estigma: Notas Sobre a</p><p>Manipulação da Identidade Deteriorada. São Paulo:</p><p>Editora LCT, 2012.</p><p>GREGORI, Maria Filomena. Cenas e Queixas: um</p><p>estudo sobre mulheres, relações violentas e a</p><p>prática feminista. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São</p><p>Paulo: ANPOCS, 1993.</p><p>GROSSI, Miriam P. Violência, Gênero e sofrimento.</p><p>In: RIFIOTTIS, Teophillos; HYRA, Tiago (org.).</p><p>Educação em Direitos Humanos: discursos críticos</p><p>e temas contemporâneos. Florianópolis: EDUFSC,</p><p>2008.</p><p>HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas</p><p>(públicas) sociais. Centro de Estudos Campinas,</p><p>SP: Educação e Sociedade. Ano 21, volume 55, 2001.</p><p>HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.</p><p>São Paulo: Cia das Letras, 1995.</p><p>IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.</p><p>Estimativa da População 2021. Diário Oficial da</p><p>União, Brasília, Julho, 2021.</p><p>KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A Queda do Céu.</p><p>São Paulo: Cia das Letras. 2015.</p><p>KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Cia das</p><p>155</p><p>Anotações:Letras, 2020.</p><p>LAPLATINE, Françoise. Aprender Antropologia.</p><p>São Paulo: Ed. Brasiliense, 2010.</p><p>LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito</p><p>antropológico. Rio de Janeiro: Ed. 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São Paulo: Unesp, 2006.</p><p>SAFIOTTI, Heleieth. Contribuições feministas para</p><p>156</p><p>Anotações: o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu,</p><p>Campinas 16.1, 2001.</p><p>SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São</p><p>Paulo: Editora HUCITEC, 1993.</p><p>SEGATO, Rita Laura. Antropologia e direitos</p><p>humanos: Alteridade e ética</p><p>no movimento de</p><p>expansão dos direitos universais. Rio de Janeiro:</p><p>Revista Mana, v. 12. n 01, 2006.</p><p>SIGAUD, Lygia. Ocupações de terra, Estado e</p><p>movimentos sociais no Brasil. Buenos Aires:</p><p>Cuadernos de Antropología Social, Nº 20, pp. 11-23,</p><p>2004.</p><p>SILVA, Rubens Alexandre. As teorias sociais e o</p><p>conceito de poder. Cadernos de Campo, São Paulo:</p><p>07, 2001.</p><p>SILVA, Sidney A. Entre o Caribe e a Amazônia:</p><p>haitianos em Manaus e os desafios da inserção</p><p>sociocultural. São Paulo: Estudos Avançados, 30</p><p>(88), pp. 139-152, 2016.</p><p>SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In:</p><p>VELHO, Otávio. O fenômeno Urbano. Rio de Janeiro:</p><p>Ed. Zahar, 1973.</p><p>SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar?. Trad.</p><p>Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira</p><p>Feitosa; André Pereira Feitosa. Belo Horizonte:</p><p>Editora UFMG, 2010.</p><p>WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação</p><p>legítima. In: CASTRO, Celso. Textos básicos de</p><p>sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2014.</p><p>157</p><p>Anotações:</p><p>158</p><p>159</p><p>Ca</p><p>de</p><p>rn</p><p>o</p><p>de</p><p>E</p><p>xe</p><p>rc</p><p>íc</p><p>io</p><p>s</p><p>160</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>1</p><p>QUESTÃO 01</p><p>(UFU, 2012 - Adaptado) Observe a tirinha de</p><p>Quino:</p><p>Se tomarmos como ponto de partida que</p><p>a ilustração indica a concepção de fato social,</p><p>segundo Durkheim, qual característica pode ser</p><p>identificada? Marque a única resposta certa:</p><p>a. Ser geral e igual em todas as sociedades.</p><p>b. Dar liberdade ao indivíduo, em uma dada</p><p>sociedade, de praticar ações e atitudes</p><p>ligadas ao seu senso crítico.</p><p>c. Ser particular de cada indivíduo, sem</p><p>interferência do grupo social no qual está</p><p>inserido.</p><p>d. Exercer sobre o indivíduo uma coerção</p><p>exterior.</p><p>e. A vontade individual se sobrepõe a do</p><p>grupo.</p><p>161</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>1</p><p>QUESTÃO 02</p><p>Quando desempenho meus deveres de irmão,</p><p>de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo</p><p>de encargos que contraí, pratico deveres que estão</p><p>definidos fora de mim e de meus atos, no direito e</p><p>nos costumes. Mesmo estando de acordo com sen-</p><p>timentos que me são próprios, sentindo-lhes inte-</p><p>riormente a realidade, esta não deixa de ser obje-</p><p>tiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os</p><p>por meio da educação. Assim, também o devoto, ao</p><p>nascer, encontra prontas as crenças e as práticas</p><p>da vida religiosa; o sistema de sinais de que me sir-</p><p>vo para exprimir pensamentos; o sistema de moe-</p><p>das que emprego para pagar dívidas; os instrumen-</p><p>tos de crédito que utilizo nas relações comerciais;</p><p>as práticas seguidas na profissão etc., funcionam</p><p>independentemente do uso que delas faço.</p><p>Émile Durkheim. As regras do método</p><p>sociológico. José Albertino Rodrigues</p><p>(Org.). Trad. Laura Natal Rodrigues.</p><p>Rio de Janeiro: Companhia Edito-</p><p>ra Nacional, 1984, p. 1-2 (com adap-</p><p>tações).</p><p>No segmento de texto, Durkheim trata,</p><p>sobretudo,</p><p>a. da anomia social.</p><p>b. da solidariedade social.</p><p>c. da consciência coletiva.</p><p>d. do fato social.</p><p>e. das representações coletivas.</p><p>162</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>1</p><p>QUESTÃO 03</p><p>Em “O Suicídio”, Émile Durkheim faz uso de</p><p>ferramentas metodológicas inovadoras na análise</p><p>social da época, demonstrando que o suicídio não</p><p>era um fenômeno individual, mas coletivo.</p><p>Aponte a alternativa correta a respeito da</p><p>metodologia da obra.</p><p>a. Durkheim aplicou questionários junto às</p><p>famílias de pessoas que haviam cometido</p><p>suicídio para compreender as motivações.</p><p>b. Foi a primeira obra de cunho sociológico a</p><p>utilizar dados estatísticos e interpretar as</p><p>taxas de mortes autoprovocadas.</p><p>c. O autor realizou a pesquisa em necrotérios,</p><p>a fim de verificar a real causa das mortes.</p><p>d. A obra demonstra que o suicídio ocorre</p><p>meramente por questões psicológicas.</p><p>e. Durkheim condena o suicídio e demonstra</p><p>que as mortes autoprovocadas ocorriam</p><p>em ambientes pouco religiosos.</p><p>QUESTÃO 04</p><p>Em seu estudo sobre o suicídio, Émile</p><p>Durkheim classifica três tipos de motivação para</p><p>as mortes autoprovocadas. A respeito da classifi-</p><p>cação dos suicídios elaborada pelo autor, assinale</p><p>a alternativa correta.</p><p>163</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>1</p><p>a. Egoísta, altruísta e distópico.</p><p>b. Altruísta, heróico e anômico.</p><p>c. Egoísta, altruísta e anômico.</p><p>d. Altruísta, anômico e formalista.</p><p>e. Formalista, altruísta e civil.</p><p>QUESTÃO 05</p><p>A sociologia preocupou-se, inicialmente,</p><p>com as mudanças em torno do trabalho, a partir</p><p>da Revolução Industrial e a consequente onda mi-</p><p>gratória do campo para as cidades. Um dos prin-</p><p>cipais teóricos a se debruçar sobre as relações de</p><p>trabalho na modernidade foi Karl Marx.</p><p>Assinale a opção que corresponde correta-</p><p>mente ao pensamento deste autor:</p><p>a. As relações de trabalho expressam valores</p><p>e relações de poder dominantes na</p><p>sociedade.</p><p>b. O trabalho é realizado para satisfazer as</p><p>necessidades imediatas dos produtores</p><p>diretos e de suas famílias.</p><p>c. O mundo burguês caracteriza-se pela pas-</p><p>sagem do trabalho agrícola para o trabalho</p><p>desregulamentado e flexível.</p><p>d. A divisão do trabalho fortalece a solidarie-</p><p>dade entre as pessoas, na medida em que</p><p>fortalece a interdependência entre os in-</p><p>divíduos.</p><p>e. No capitalismo, é através do trabalho que</p><p>se garante o domínio sobre os meios de</p><p>produção.</p><p>164</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>2</p><p>QUESTÃO 06</p><p>(UEL - 2012) Leia o texto a seguir:</p><p>“Desde o início a criança desenvolve uma</p><p>interação não apenas com o próprio corpo e o</p><p>ambiente físico, mas também com outros seres</p><p>humanos. A biografia do indivíduo, desde o</p><p>nascimento, é a história de suas relações com outras</p><p>pessoas. Além disso, os componentes não sociais</p><p>das experiências da criança estão entremeados e</p><p>são modificados por outros componentes, ou seja,</p><p>pela experiência social.”</p><p>(BERGER, Peter L. e BERGER, Bri-</p><p>gitte. “Socialização: como ser um</p><p>membro da sociedade”. In FORAC-</p><p>CHI, Marialice M. e MARTINS, José</p><p>de Souza. Sociologia e Sociedade.</p><p>Rio de Janeiro: Livros Técnicos e</p><p>Científicos, 1977, p. 200).</p><p>A partir da análise do texto podemos concluir</p><p>que:</p><p>I - Os indivíduos, desde o nascimento, são</p><p>influenciados pelos valores e pelos costumes que</p><p>caracterizam sua sociedade.</p><p>II - A relação que a criança estabelece com o</p><p>seu corpo não deveria ser do interesse das ciências</p><p>sociais, mas apenas da biologia.</p><p>III - O fenômeno tratado pelo autor correspon-</p><p>de ao conceito de socialização, que designa o apren-</p><p>dizado, pelos indivíduos, das regras e dos valores</p><p>sociais.</p><p>IV - As experiências individuais, até mesmo</p><p>aquelas que parecem mais relacionadas às nossas</p><p>165</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>2</p><p>necessidades físicas, contêm exclusivamente</p><p>dimensões biológicas.</p><p>V - O desconforto físico que uma criança sente,</p><p>como a fome, o frio e a dor, pode receber dos adultos</p><p>distintas respostas de satisfação, dependendo da</p><p>sociedade na qual eles estão inseridos.</p><p>Indique a única alternativa que contém as</p><p>premissas corretas:</p><p>a. Apenas I, II e III estão corretas.</p><p>b. Apenas I, II e IV estão corretas.</p><p>c. Apenas II e III estão corretas.</p><p>d. Apenas I, III e V estão corretas.</p><p>e. Apenas III, IV e V estão corretas.</p><p>QUESTÃO 07</p><p>Diferente da Sociologia, que tem seu cânone</p><p>clássico subdividido a partir de três autores (para-</p><p>digmas) principais, a Antropologia se subdivide em</p><p>três escolas de pensamento:</p><p>a. Escola de Sociologia Francesa, Escola</p><p>Britânica, Escola Alemã.</p><p>b. Escola Britânica, Escola Francesa e Escola</p><p>Americana.</p><p>c. Escola Brasileira, Escola Indiana, Escola</p><p>Americana.</p><p>d. Escola Francesa, Escola Americana,</p><p>Escola Espanhola.</p><p>e. Escola Britânica, Escola Mexicana e Escola</p><p>Americana.</p><p>166</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>2</p><p>QUESTÃO 08</p><p>As origens da Antropologia são fortemente</p><p>marcadas pelo Evolucionismo Social. Suas</p><p>primeiras teorias argumentavam que o processo</p><p>de evolução da humanidade passava por três fases</p><p>principais:</p><p>a. Selvageria, monarquia e civilização.</p><p>b. Barbárie, tribo e cidade.</p><p>c. Tribo, barbárie e democracia.</p><p>d. Selvageria, barbárie e civilização.</p><p>e. Tribo, feudalismo e civilização.</p><p>QUESTÃO 09</p><p>Marcel Mauss (2015) foi um autor importante</p><p>para a antropologia, apesar de sua obra ter grande</p><p>influência da Sociologia de seu tio, Émile Durkheim.</p><p>Sua obra mais importante para os estudos</p><p>em etnologia foi “Ensaio sobre a Dádiva”, onde</p><p>apresenta</p><p>aspectos elementares dos sistemas de</p><p>trocas sociais, baseadas nos princípios:</p><p>a. Dar, tomar e emprestar.</p><p>b. Dar, receber e negar.</p><p>c. Receber, doar e devolver.</p><p>d. Dar, receber e retribuir.</p><p>e. Receber, negar e retribuir.</p><p>167</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>2</p><p>QUESTÃO 10</p><p>É comum ouvirmos sobre qualidades —</p><p>positivas ou negativas — transmitidas pela</p><p>genética, pelo “sangue”. O bom desempenho em</p><p>práticas esportivas é justificado pela herança de</p><p>um avô que quase foi jogador da seleção, o sucesso</p><p>musical de um cantor, porque seus pais eram</p><p>músicos. São exemplos comuns dessa crença na</p><p>transmissão de qualidades pela natureza. O trecho</p><p>se refere ao:</p><p>a. Relativismo cultural.</p><p>b. Determinismo sociológico.</p><p>c. Determinismo biológico.</p><p>d. Determinismo geográfico.</p><p>e. Racismo.</p><p>168</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>QUESTÃO 11</p><p>A imaginação sociopolítica brasileira for-</p><p>mou-se no contexto da sociedade pós-colonial,</p><p>refletindo os desafios de construção de um pensa-</p><p>mento sobre a sociedade nacional, a identidade do</p><p>povo brasileiro e a política. Em decorrência desse</p><p>pensamento, surgiu uma série de noções nas ciên-</p><p>cias sociais, tais como miscigenação, eugenismo,</p><p>democracia racial, homem cordial, cultura popular</p><p>e pensamento autoritário.</p><p>Considerando a temática, assinale a opção</p><p>correta.</p><p>a. A miscigenação contribuiu para a melhoria</p><p>da qualidade genética racial do povo bra-</p><p>sileiro e, por isso, constituiu uma referên-</p><p>cia de valor para as ciências sociais.</p><p>b. Segundo as tendências dominantes das</p><p>ciências sociais contemporâneas no</p><p>Brasil, o discurso da democracia racial</p><p>funda-se em uma ideologia que esconde o</p><p>preconceito racial.</p><p>c. A visão do brasileiro como homem cordial</p><p>é uma proposta interpretativa de Mário de</p><p>Andrade.</p><p>d. A Semana de Arte Moderna, que apresenta</p><p>elementos constitutivos da identidade</p><p>nacional, aconteceu nos fins do século XX.</p><p>e. O pensamento autoritário foi concebido</p><p>para emancipar as classes populares e</p><p>conduzi-las à luta pela democracia racial</p><p>no Brasil.</p><p>169</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>QUESTÃO 12</p><p>O fim da escravidão e a substituição pela mão</p><p>de obra migrante (predominantemente italiana) nas</p><p>fazendas e cafezais, mostra que essa população</p><p>negra ficou totalmente desamparada, sem uma</p><p>redistribuição das terras nos espaços rurais do</p><p>país, e sobrecarregando as margens das cidades</p><p>que começavam a se reconfigurar diante da lenta</p><p>industrialização nacional, culminou num importante</p><p>movimento pela reforma agrária durante os anos</p><p>50. Esse movimento era chamado de:</p><p>a. Levante pela Terra.</p><p>b. Ligas Camponesas.</p><p>c. Invasões de Terra.</p><p>d. Ocupações ao Latifúndio.</p><p>e. Empates.</p><p>QUESTÃO 13</p><p>Atualmente, desde o fim da Ditadura Militar,</p><p>os movimentos pela terra ganharam novas configu-</p><p>rações no Brasil. Tendo o _______________________</p><p>____________ como movimento sindical mais influ-</p><p>ente na vida rural brasileira, que tem como principal</p><p>bandeira a reforma agrária.</p><p>Complete o espaço da afirmação anterior com</p><p>a opção correta:</p><p>a. Movimento Pastoral da Terra.</p><p>b. Movimento dos Trabalhadores dos Serin-</p><p>gais.</p><p>170</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>c. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem</p><p>Terra.</p><p>d. Movimento de Invasores do Agronegócio.</p><p>e. Movimento dos Povos Indígenas e Qui-</p><p>lombolas.</p><p>QUESTÃO 14</p><p>A falta de moradias e de serviços urbanos e a</p><p>favelização são questões estruturais da sociedade</p><p>brasileira que se intensificaram com a urbanização</p><p>ocorrida a partir de 1940, levando a uma forte</p><p>concentração populacional nas grandes cidades.</p><p>De acordo com o Censo Demográfico, havia, em</p><p>2000, cerca de 1,7 milhão de domicílios localizados</p><p>em favelas ou assentamentos semelhantes a</p><p>elas, abarcando uma população de 6,6 milhões</p><p>de pessoas, 53% das quais nos estados de São</p><p>Paulo e do Rio de Janeiro, nos quais as regiões</p><p>metropolitanas concentram a maioria das favelas e</p><p>dos favelados (Radar Social, IPEA, 2005, adaptada).</p><p>A respeito dessas informações que carac-</p><p>terizam alguns aspectos das metrópoles brasilei-</p><p>ras, julgue os itens que se seguem.</p><p>I. A favelização, fenômeno sobretudo metro-</p><p>politano, revela forte demanda reprimida por aces-</p><p>so a terra e à habitação.</p><p>II. A favelização é uma das formas encontradas</p><p>pela população pobre para solucionar suas</p><p>necessidades habitacionais.</p><p>III. A urbanização brasileira vem apresentando</p><p>forte tendência de concentração da população</p><p>pobre nas metrópoles.</p><p>171</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>Assinale a opção correta.</p><p>a. Apenas o item I está certo.</p><p>b. Apenas os itens I e II estão certos.</p><p>c. Apenas os itens I e III estão certos.</p><p>d. Apenas os itens II e III estão certos.</p><p>e. Todos os itens estão certos.</p><p>QUESTÃO 15</p><p>A urbanização brasileira vem-se caracteri-</p><p>zando, nas últimas décadas, por intenso processo</p><p>de metropolização, ou seja, concentração de popu-</p><p>lação em grandes cidades conturbadas. O mais alto</p><p>escalão da urbanização brasileira é representado</p><p>por 26 grandes concentrações urbanas, formadas,</p><p>em sua maioria, por arranjos populacionais com</p><p>população acima de 750 000 habitantes. Em con-</p><p>junto, esses arranjos populacionais, nos centros ur-</p><p>banos brasileiros, totalizam 79,124 milhões de habi-</p><p>tantes e reúnem 41,5% da população do país. (IBGE,</p><p>Arranjos populacionais e concentrações urbanas</p><p>do Brasil, 2016).</p><p>Sobre esse fenômeno da metropolização</p><p>brasileira, julgue os itens a seguir.</p><p>I. Com o aumento da importância institucional</p><p>e demográfica, as metrópoles brasileiras estão</p><p>concentrando, hoje, um conjunto de questões</p><p>sociais, cujo aspecto mais evidente e dramático é a</p><p>exacerbação da violência.</p><p>II. Com a metropolização, há efetivo processo</p><p>civilizador, que traz vantagens a todos os indivíduos</p><p>172</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>3</p><p>e grupos sociais que se instalam em áreas</p><p>metropolitanas.</p><p>III. A aglomeração de população em</p><p>metrópoles é o resultado de fatores de expulsão</p><p>do campo e de fatores da atração que as cidades</p><p>exercem sobre as correntes migratórias.</p><p>Assinale a opção correta.</p><p>a. Apenas o item I está certo.</p><p>b. Apenas os itens I e II estão certos.</p><p>c. Apenas os itens I e III estão certos.</p><p>d. Apenas os itens II e III estão certos.</p><p>e. Todos os itens estão certos.</p><p>173</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>QUESTÃO 16</p><p>(ENADE 2017 - Adaptado)</p><p>A imigração haitiana para o Brasil passou a ter</p><p>grande repercussão na imprensa a partir de 2010.</p><p>Devido ao pior terremoto do país, muitos haitianos</p><p>redescobriram o Brasil como rota alternativa para</p><p>migração. O país já havia sido uma alternativa para</p><p>os haitianos desde 2004, e isso se deve à reorien-</p><p>tação da política externa nacional para alcançar</p><p>liderança regional nos assuntos humanitários.</p><p>A descoberta e a preferência pelo Brasil tam-</p><p>bém sofreram influência da presença do exército</p><p>brasileiro no Haiti, que intensificou a relação de</p><p>proximidade entre brasileiros e haitianos. Em meio</p><p>a esse clima amistoso, os haitianos presumiram que</p><p>seriam bem acolhidos em uma possível migração,</p><p>já que o país passaria a liderar a missão da ONU.</p><p>No entanto, os imigrantes haitianos têm sofrido</p><p>ataques xenofóbicos por parte da população bra-</p><p>sileira. Recentemente, uma das grandes cidades</p><p>brasileiras serviu como palco para uma marcha an-</p><p>ti-imigração, com demonstrações de um crescen-</p><p>te discurso de ódio em relação a povos imigrantes</p><p>marginalizados. Observa-se, na maneira como es-</p><p>ses discursos se conformam, que a reação de uma</p><p>parcela dos brasileiros aos imigrantes se dá em ter-</p><p>mos bem específicos: os que sofrem com a violên-</p><p>cia dos atos de xenofobia, em geral, são negros e</p><p>têm origem em países mais pobres.</p><p>SILVA, C. A. S.; MORAES, M. T. A política</p><p>migratória brasileira para refugiados e a imigração</p><p>174</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>haitiana. Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, v. 3,</p><p>n. 50, p. 98-117, set./dez. 2016 (adaptado).</p><p>A partir das informações do texto, conclui-se</p><p>que:</p><p>a. O processo de acolhimento dos imi-</p><p>grantes haitianos tem sido pautado por</p><p>características fortemente associadas</p><p>ao povo brasileiro: a solidariedade e o res-</p><p>peito às diferenças.</p><p>b. As reações xenófobas estão relaciona-</p><p>das ao fato de que os imigrantes são con-</p><p>correntes diretos</p><p>para os postos de tra-</p><p>balho de maior prestígio na sociedade,</p><p>aumentando a disputa por boas vagas de</p><p>emprego.</p><p>c. O acolhimento promovido pelos brasileiros</p><p>aos imigrantes oriundos de países do leste</p><p>europeu tende a ser semelhante ao ofere-</p><p>cido aos imigrantes haitianos, pois no Bra-</p><p>sil vigora a ideia de democracia racial e</p><p>respeito às etnias.</p><p>d. O nacionalismo exacerbado de classes</p><p>sociais mais favorecidas, no Brasil, motiva</p><p>a rejeição aos imigrantes haitianos e a</p><p>perseguição contra os brasileiros que</p><p>pretendem morar fora do seu país em</p><p>busca de melhores condições de vida.</p><p>e. A crescente onda de xenofobia que vem</p><p>se destacando no Brasil evidencia que,</p><p>o preconceito e a rejeição, por parte dos</p><p>brasileiros, em relação aos imigrantes</p><p>haitianos, é pautada pela discriminação</p><p>social e pelo racismo.</p><p>175</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>QUESTÃO 17</p><p>A origem dos direitos humanos está associada</p><p>ao reconhecimento da cidadania a um número</p><p>cada vez maior de pessoas, como resultado do</p><p>movimento de desconcentração do poder político</p><p>em países da Europa Ocidental. Considerando as</p><p>ideias expressas no texto, é correto afirmar que os</p><p>direitos humanos:</p><p>a. Abarcam, já no século XVIII, a dimensão</p><p>dos direitos sociais (trabalho, saúde, edu-</p><p>cação).</p><p>b. Refletem no Século das Luzes, as aspi-</p><p>rações das camadas médias da sociedade</p><p>pela igualdade de direitos.</p><p>c. São relativos aos usos e costumes de cada</p><p>povo ou cultura.</p><p>d. Podem ou não ser exercidos, dependendo</p><p>da escolha de quem os possui.</p><p>e. São destinados apenas para pessoas não</p><p>miscigenadas.</p><p>QUESTÃO 18</p><p>(FUNCAB, 2013 - Adaptado) Nos anos ime-</p><p>diatamente posteriores à Segunda Guerra Mun-</p><p>dial, os direitos humanos foram declarados uni-</p><p>versais pela Organização das Nações Unidas (ONU).</p><p>Desde então, foram promulgadas novas cartas de</p><p>direitos condicionando os países a ajustarem suas</p><p>legislações internas às exigências internacionais.</p><p>176</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>É correto afirmar que os direitos humanos:</p><p>a. Não abarcam atualmente os chamados di-</p><p>reitos de terceira geração, que compreen-</p><p>dem o direito de viver em ambiente não</p><p>poluído e autossustentável.</p><p>b. São reconhecidos e protegidos apenas</p><p>mediante a concordância dos Estados</p><p>nacionais particulares.</p><p>c. Não dependem apenas da “não ação” do</p><p>Estado (ou do reconhecimento dos direitos</p><p>por um Estado-Nação), mas também da</p><p>ação deste no trato das questões sociais.</p><p>d. Não estão estritamente relacionados a</p><p>práticas democráticas, haja vista que hoje</p><p>não compreendem a dimensão de direitos</p><p>civis e políticos.</p><p>e. Devem ser aplicados apenas para seres</p><p>humanos que respeitam as regras sociais.</p><p>QUESTÃO 19</p><p>Os movimentos sociais são fundamentais</p><p>como meios de participação da sociedade civil nas</p><p>decisões políticas, em torno de buscar a promoção</p><p>de interesses de grupos sociais.</p><p>É correto afirmar que os movimentos sociais:</p><p>a. Buscam a conquista do poder de Estado</p><p>por meio dos partidos políticos.</p><p>b. Atuam fora da esfera das instituições,</p><p>porém buscam reivindicar direitos dentro</p><p>das leis da sociedade.</p><p>177</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>c. Visam alterar as características estru-</p><p>turais de um sistema social e não apenas</p><p>melhorar suas condições.</p><p>d. Não possuem identidades em torno de</p><p>classes sociais, orientações sexuais ou</p><p>grupos étnicos.</p><p>e. Só tem legitimidade quando não degradam</p><p>o patrimônio privado.</p><p>QUESTÃO 20</p><p>Os Direitos Humanos estão quase sempre</p><p>sendo ampliados. Esse processo de ampliação dos</p><p>direitos gera inúmeros debates sociais. Para Segato</p><p>(2006), é por meio de certos grupos, principalmente</p><p>dos tidos como subalternos em relação a outros,</p><p>que as mudanças legais, em torno da justiça, do</p><p>reconhecimento de novos valores sociais, podem ser</p><p>inscritas, inclusive na lei. Os movimentos em torno de</p><p>novas reivindicações e reconhecimentos de direitos</p><p>da pessoa humana, podem ser chamados de:</p><p>a. Ética da insatisfação.</p><p>b. Dramas culturais.</p><p>c. Movimento mimimi.</p><p>d. Ética da negação.</p><p>e. Ética da expressão.</p><p>178</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>4</p><p>a</p><p>economia europeia, provocando muitos problemas</p><p>sociais, como a superlotação das cidades, o</p><p>trabalho precário, a fome, entre outros.</p><p>Para maior</p><p>aprofundamento</p><p>de como o método</p><p>de investigação</p><p>sociológica de</p><p>Durkheim se aplicava</p><p>aos fatos sociais,</p><p>ler “O Suicídio”, a</p><p>primeira investigação</p><p>sociológica publicada</p><p>sobre um fenômeno</p><p>social. Sugiro</p><p>também a leitura</p><p>de “As estruturas</p><p>elementares da vida</p><p>religiosa”.</p><p>23</p><p>Anotações:Figura 2 - Karl Marx</p><p>Fonte: Domínio público.</p><p>A obra de Karl Marx, apoiada por seu amigo</p><p>Friedrich Engels, dialoga com esse contexto social.</p><p>Ambos não são definidos como sociólogos, mas as</p><p>ideias de Marx, que passam pela Filosofia, História,</p><p>Direito e Economia, são de grande interesse</p><p>sociológico e exercem muita influência nas Ciências</p><p>Sociais.</p><p>Suas obras de maior destaque são (1) “O</p><p>Manifesto do Partido Comunista”, livro de caráter</p><p>mais panfletário, mas extremamente mobiliza-</p><p>dor e inquietante, que apresenta um resumo das</p><p>suas teorias em torno da exploração do proletaria-</p><p>do pela burguesia, da luta de classes sociais, da</p><p>necessidade de união dos trabalhadores do mun-</p><p>do contra as apropriações e acúmulos do Capi-</p><p>tal industrial; e (2) “O Capital”, obra que contém</p><p>3 volumes principais, além de outras publicações</p><p>24</p><p>Anotações: após a morte de Marx, onde o autor apresenta sua</p><p>teoria econômica sobre a lógica do Capital, seu</p><p>processo de produção, circulação e o sistema de</p><p>Mais-Valia.</p><p>Aqui falaremos sobre “A ideologia Alemã”,</p><p>publicado originalmente em 1932, quando Marx</p><p>desenvolveu, em parceria com Engels, as princi-</p><p>pais noções sobre o “materialismo histórico”. O ar-</p><p>gumento de “A Ideologia Alemã” segue como uma</p><p>resposta aos filósofos alemães seguidores de He-</p><p>gel, cujas teorias partiam do pressuposto de que</p><p>o mundo das ideias antecede à realidade material</p><p>(nunca alcançada). Marx e Engels argumentam que</p><p>a história é material, existe no mundo real e são as</p><p>condições histórico-materiais que dão suporte às</p><p>relações de poder.</p><p>Essa concepção materialista da história hu-</p><p>mana permitiria compreender como as relações</p><p>dos indivíduos entre si e suas formas de proprie-</p><p>dade se alterariam, à medida que fossem se desen-</p><p>volvendo forças produtivas novas e mais podero-</p><p>sas. Para Marx, o cerne das relações sociais são as</p><p>formas de como os homens produzem seus meios</p><p>de existência, transformando inclusive a natureza.</p><p>Não se deve considerar esse modo</p><p>de produção sob esse único ponto de</p><p>vista, ou seja, enquanto reprodução</p><p>da existência física dos indivíduos. Ao</p><p>contrário, ele representa, já, um modo</p><p>determinado da atividade desses</p><p>indivíduos, uma maneira determinada</p><p>de manifestar sua vida, um modo de</p><p>vida determinado. A maneira como</p><p>os indivíduos manifestam sua vida</p><p>25</p><p>Anotações:reflete exatamente o que eles são. O</p><p>que eles são coincide, pois, com sua</p><p>produção, isto é, tanto com o que</p><p>eles produzem quanto com a maneira</p><p>como produzem. O que os indivíduos</p><p>são depende, portanto, das condições</p><p>materiais da sua produção (MARX</p><p>apud CASTRO, 2014, p. 12).</p><p>Esse debate é fundamental para as propostas</p><p>de Marx em torno da construção de sua própria</p><p>obra. Ao contrário dos filósofos até ali, Marx não</p><p>tinha interesse em produzir reflexões distantes</p><p>da realidade (material). Seu esforço era de</p><p>compreender como a sociedade moderna produziu</p><p>as condições da desigualdade, e como as massas,</p><p>o proletariado (trabalhadores), em condições de</p><p>subalternidade, poderiam produzir condições</p><p>materiais para o Comunismo.</p><p>Ao contrário de outros autores do panteão</p><p>sociológico que se limitaram à compreensão da</p><p>realidade social, a obra de Marx e Engels, tem um</p><p>comprometimento com a mudança social, tendo o</p><p>trabalho e a economia como as principais chaves</p><p>conceituais de análise. De certa forma, pode-se</p><p>dizer que todos os grandes paradigmas da Socio-</p><p>logia foram inquietados por questões da sua época,</p><p>alguns com limites institucionais, outros nem tan-</p><p>to. Marx talvez tenha sido o mais inadequado para</p><p>as instituições acadêmicas. Já seu conterrâneo,</p><p>Max Weber, foi um exímio acadêmico, apesar de não</p><p>gostar da docência.</p><p>26</p><p>Anotações: Figura 3 - Max Weber</p><p>Fonte: Domínio público.</p><p>Weber teve seus primeiros trabalhos publi-</p><p>cados, cerca de vinte anos após a morte de Marx,</p><p>interessava-se a respeito de como a modernidade</p><p>transformou-se em grandes instituições sociais,</p><p>como a Igreja e o Estado. Suas análises também</p><p>têm grande influência nos campos de Economia,</p><p>Política e Direito, sobretudo por conta das estru-</p><p>turas de organização burocráticas e do poder.</p><p>Porém, Weber construiu um trabalho dito “soci-</p><p>ológico” e, semelhante a Durkheim, preocupou-se</p><p>com a consolidação da disciplina, com o método</p><p>sociológico, com os interesses de investigação da</p><p>Sociologia. Sua proposta para a constituição dos</p><p>problemas sociológicos e apreensão das reali-</p><p>dades sociais se constituirá tomando como base</p><p>as conexões conceituais entre os problemas.</p><p>Para isso, Weber se debruçou sobre a</p><p>abrangência do que chamamos “social”, argu-</p><p>27</p><p>Anotações:mentando que o termo nos levaria a um sentido</p><p>muito generalizado da realidade, tornando por</p><p>vezes, indeterminado: “se é encarado no seu sig-</p><p>nificado geral, não oferece qualquer ponto de vis-</p><p>ta específico a partir do qual se possa iluminar</p><p>a importância de determinados elementos cul-</p><p>turais” (WEBER apud CASTRO, 2014, p. 62). Contu-</p><p>do, a proposta de Weber para a construção de uma</p><p>análise sociológica, que apreenda as complexi-</p><p>dades da realidade social de forma abrangente</p><p>(sem desconexão com o social e o real), é a elabo-</p><p>ração de “tipos ideais”.</p><p>O “tipo ideal” é uma consolidação de padrões</p><p>sociais em um conceito emblemático. Lançando</p><p>mão da construção de “tipos ideais” sobre as</p><p>instituições, Weber consegue apontar elementos</p><p>constituintes da sociedade, dos fenômenos</p><p>históricos e das organizações.</p><p>A sua relação com os fatos empirica-</p><p>mente dados consiste apenas em que,</p><p>onde quer que se comprove, ou sus-</p><p>peite de que determinadas relações</p><p>— do tipo das representadas de modo</p><p>abstrato naquela construção, a saber,</p><p>as dos acontecimentos dependentes</p><p>do “mercado” — chegaram a atuar em</p><p>algum grau sobre a realidade, podemos</p><p>representar e tornar compreensível</p><p>pragmaticamente a natureza par-</p><p>ticular dessas relações mediante um</p><p>tipo ideal. Esta possibilidade pode ser</p><p>valiosa, e mesmo indispensável, tanto</p><p>para a investigação como para a ex-</p><p>posição (WEBER apud CASTRO, 2014,</p><p>p. 63).</p><p>28</p><p>Anotações: Nessa elaboração sobre o método e a</p><p>construção dos objetos da Sociologia, Weber não</p><p>deixa de criticar Durkheim por conta do debate</p><p>sobre “distanciamento” e “neutralidade” em torno</p><p>dos fatos sociais. Para Weber, nossa interpretação</p><p>da realidade social não poderia ser feita sem</p><p>“pressuposições”, mas seria de antemão elaborada</p><p>a partir de alguns significados atribuídos sobre</p><p>as coisas sociais. Além disso, em sua teoria, os</p><p>tipos ideais são o caminho para a análise social,</p><p>e não o seu fim. Constituí-los é, portanto, criar as</p><p>ferramentas da análise sociológica.</p><p>A construção de tipologias mais importante</p><p>dentre as obras de Weber se dá em torno do conceito</p><p>de poder e dominação, que são os meios pelos quais</p><p>um sujeito ou organização conseguem a submissão</p><p>ou obediência a partir de certos comandos.</p><p>Pode depender diretamente de uma</p><p>situação de interesses, ou seja, de</p><p>considerações utilitárias de van-</p><p>tagens e inconvenientes por parte</p><p>daquele que obedece. Pode também</p><p>depender de mero “costume”, do</p><p>hábito obtuso de um comportamen-</p><p>to inveterado. Ou pode fundar-se,</p><p>finalmente, no puro afeto, na mera</p><p>inclinação pessoal do dominado. Não</p><p>obstante, a dominação que repou-</p><p>sasse apenas nesses fundamentos</p><p>seria relativamente instável. Nas</p><p>relações entre dominantes e domi-</p><p>nados, por outro lado, a dominação</p><p>costuma apoiar-se internamente em</p><p>bases jurídicas, nas quais se funda a</p><p>29</p><p>Anotações:“legitimidade”, e o abalo dessa cren-</p><p>ça na legitimidade costuma acarretar</p><p>consequências de grande</p><p>alcance.</p><p>Em forma totalmente pura, as “bases</p><p>de legitimidade” da dominação são</p><p>somente três, cada uma das quais se</p><p>acha entrelaçada – no tipo puro – com</p><p>uma estrutura sociológica fundamen-</p><p>talmente diversa do quadro e dos</p><p>meios administrativos (WEBER apud</p><p>CASTRO, 2014, p. 65).</p><p>Os tipos de Dominação elencados por Max</p><p>Weber:</p><p>1. Dominação legal em virtude do estatuto.</p><p>Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua</p><p>ideia básica é: qualquer direito pode ser criado</p><p>e modificado mediante um estatuto sancionado</p><p>corretamente quanto à forma. A associação</p><p>dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e</p><p>todas as suas partes são empresas. O quadro</p><p>administrativo consiste em funcionários nomeados</p><p>pelo senhor, e os subordinados são membros da</p><p>associação (“cidadãos”, “camaradas”). Obedece-se</p><p>não à pessoa, em virtude de seu próprio direito,</p><p>mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo</p><p>tempo a quem e em que medida se deve obedecer.</p><p>Também quem ordena obedece, ao emitir</p><p>uma ordem, a uma regra: à “lei” ou “regulamento”</p><p>de uma norma formalmente abstrata. O tipo</p><p>daquele que ordena é o “superior”, cujo direito de</p><p>mando está legitimado por uma regra estatuída,</p><p>no âmbito de uma competência concreta, em que</p><p>a delimitação e especialização têm como base a</p><p>utilidade objetiva e nas exigências profissionais</p><p>30</p><p>Anotações: estipuladas para a atividade do funcionário. O tipo</p><p>do funcionário é aquele de formação profissional,</p><p>pois as condições de serviço baseiam-se num</p><p>contrato, com pagamento fixo, graduado segundo a</p><p>hierarquia do cargo e não do volume de trabalho, e</p><p>direito de ascensão conforme regras fixas.</p><p>Sua administração é trabalho profissional em</p><p>virtude do dever objetivo do cargo. Corresponde</p><p>naturalmente ao tipo de dominação “legal” não</p><p>apenas à estrutura moderna do estado e do</p><p>município, mas também a relação do domínio numa</p><p>empresa capitalista privada, numa associação com</p><p>fins utilitários ou numa união de qualquer outra</p><p>natureza que disponha de um quadro administrativo</p><p>numeroso e hierarquicamente articulado.</p><p>2. Dominação tradicional em virtude da</p><p>crença na santidade das ordenações e dos poderes</p><p>senhoriais existentes. Seu tipo mais puro é o da</p><p>dominação patriarcal. A associação dominante é</p><p>de caráter comunitário. O tipo daquele que ordena</p><p>é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”,</p><p>enquanto o quadro administrativo é formado por</p><p>“servidores”. Obedece-se à pessoa em virtude de</p><p>sua dignidade própria, santificada pela tradição: por</p><p>fidelidade. O conteúdo das ordens está fixado pela</p><p>tradição, cuja violação desconsiderada por parte</p><p>do senhor colocaria em perigo a legitimidade do</p><p>seu próprio domínio, que repousa, exclusivamente,</p><p>na santidade delas.</p><p>No quadro administrativo, as coisas ocorrem</p><p>exatamente da mesma forma. Ele consta de</p><p>dependentes pessoais do senhor (familiares ou</p><p>funcionários domésticos) ou de parentes, ou de</p><p>amigos pessoais (favoritos), ou de pessoas que</p><p>31</p><p>Anotações:lhe estejam ligadas por um vínculo de fidelidade</p><p>(vassalos, príncipes tributários). Falta aqui o</p><p>conceito burocrático de “competência” como esfera</p><p>de jurisdição objetivamente delimitada.</p><p>3. Dominação carismática em virtude de</p><p>devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes</p><p>por graça (carisma) e, particularmente faculdades</p><p>mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual</p><p>ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o</p><p>inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam</p><p>e constituem aqui a força de devoção pessoal.</p><p>Seus tipos mais puros são a dominação do profeta,</p><p>do herói guerreiro e do grande demagogo. A</p><p>associação dominante é de caráter comunitário,</p><p>na comunidade ou no séquito. O tipo que manda é o</p><p>líder. O tipo que obedece é o “apóstolo”.</p><p>INDIVIDUALISMO E ESTIGMA</p><p>Se para os três grandes paradigmas da Socio-</p><p>logia, o foco de análise se deu sobre temas de grande</p><p>abrangência, outros autores importantes para esta</p><p>Ciência optaram por objetos de análise mais “mar-</p><p>ginais”. Provavelmente, um dos primeiros desses</p><p>sociólogos foi Georg Simmel, contemporâneo de</p><p>Max Weber, que se interessou por desdobramentos</p><p>da modernidade no comportamento individual e na</p><p>psique. Podemos dizer que o conjunto de autores a</p><p>seguir, estabelecem relações entre dilemas sociais</p><p>coletivos e aspectos individuais ou o que conhece-</p><p>mos atualmente como “subjetividade”.</p><p>Um dos trabalhos mais célebres de Simmel</p><p>é “A Metrópole e a Vida Mental”, onde desenvolve</p><p>uma análise sobre como o novo ritmo urbano afetou</p><p>32</p><p>Anotações: a relação das pessoas com o tempo e com as</p><p>implicações em torno dos laços de solidariedade.</p><p>Simmel viveu no tempo dos primeiros relógios</p><p>de bolso, do controle mais aguçado do tempo,</p><p>do surgimento dos automóveis e do ritmo das</p><p>máquinas de fábrica na vida social.</p><p>Os problemas mais graves da vida</p><p>moderna derivam da reivindicação</p><p>que faz o indivíduo de preservar a</p><p>autonomia e individualidade de sua</p><p>existência em face das esmagado-</p><p>ras forças sociais, da herança, da</p><p>história, da cultura externa e da técni-</p><p>ca de vida. (...) O século XVIII concla-</p><p>mou o homem a que se libertasse de</p><p>todas as dependências históricas</p><p>quanto ao Estado e a religião, a moral</p><p>e a economia. Juntamente com maior</p><p>liberdade, o século XVIII exigiu a espe-</p><p>cialização funcional do homem e seu</p><p>trabalho; essa especialização torna</p><p>um indivíduo incomparável a outro</p><p>e cada um deles é indispensável na</p><p>medida mais alta possível. Entretan-</p><p>to, esta mesma especialização tor-</p><p>na cada homem proporcionalmente</p><p>mais dependente de forma direta</p><p>das atividades suplementares de to-</p><p>dos os outros. Nietzsche vê o pleno</p><p>desenvolvimento do indivíduo condi-</p><p>cionado pela mais impiedosa luta de</p><p>indivíduos; o socialismo acredita na</p><p>supressão de toda competição pela</p><p>mesma razão. Seja como for, em to-</p><p>das estas posições, a mesma mo-</p><p>33</p><p>Anotações:tivação está agindo: a pessoa resiste</p><p>a ser nivelada e uniformizada por um</p><p>mecanismo sociotecnológico</p><p>(SIMMEL apud CASTRO, 2014, p.11).</p><p>Para caracterizar esse tempo das</p><p>transformações radicais que a modernidade impôs</p><p>sobre os sujeitos, Simmel elaborou a noção de</p><p>“sentimento blasé”, uma forma de “não reação”</p><p>a novidades, problemas graves, violações, por</p><p>exemplo, que seriam “resultado dos estímulos</p><p>contrastantes que a vida moderna impõe aos</p><p>nervos”:</p><p>Uma vida em perseguição desregrada</p><p>ao prazer torna uma pessoa blasé</p><p>porque agita os nervos até seu ponto</p><p>de mais forte reatividade por um</p><p>tempo tão longo que eles finalmente</p><p>cessam completamente de reagir. Da</p><p>mesma forma, através da rapidez e</p><p>contraditoriedade de suas mudanças,</p><p>impressões menos ofensivas forçam</p><p>reações tão violentas, estirando</p><p>os nervos tão brutalmente em uma</p><p>e outra direção, que suas últimas</p><p>reservas são gastas; e, se a pessoa</p><p>permanece no mesmo meio, eles não</p><p>dispõem de tempo para recuperar a</p><p>força. Surge assim a incapacidade</p><p>de reagir a novas sensações com a</p><p>energia apropriada. Isto constitui</p><p>aquela atitude blasé que, na</p><p>verdade, toda criança metropolitana</p><p>demonstra quando comparada com</p><p>crianças de meios mais tranquilos e</p><p>34</p><p>Anotações: menos sujeitos a mudanças (SIMMEL,</p><p>1973 apud CASTRO, 2014, p. 16).</p><p>Outra influência geradora da “atitude blasé”</p><p>para Simmel, seriam as relações com o dinheiro,</p><p>que acirra a distinção social, estabelecendo valores</p><p>em torno de quem tem mais.</p><p>A essência da atitude blasé con-</p><p>siste no embotamento do poder de</p><p>discriminar. Isto não significa que</p><p>os objetos não sejam percebidos,</p><p>como é o caso dos débeis mentais,</p><p>mas antes que o significado e va-</p><p>lores diferenciais das coisas, e daí as</p><p>próprias coisas, são experimentados</p><p>como destituídos de substância. Elas</p><p>aparecem à pessoa blasé num tom</p><p>uniformemente plano e fosco; obje-</p><p>to algum merece preferência sobre</p><p>outro. Esse estado de ânimo é um</p><p>fiel reflexo subjetivo da economia do</p><p>dinheiro completamente interiorizada.</p><p>Sendo o equivalente a todas as múl-</p><p>tiplas coisas de uma mesma forma, o</p><p>dinheiro torna-se o mais assustador</p><p>dos niveladores (ibid, p.16).</p><p>Se para Simmel, as transformações da vida</p><p>moderna impactaram, significativamente, na po-</p><p>tencialização do individualismo, da distinção e do</p><p>desprezo, para Erving Goffman um processo con-</p><p>tínuo da vida social, aprofundado em outros es-</p><p>paços do cotidiano — inclusive das interações face</p><p>a face, da individualidade — foi a segregação de</p><p>certos grupos e sujeitos a partir de estigmas soci-</p><p>35</p><p>Anotações:ais. Goffman é um dos primeiros autores modernos</p><p>a refletir sobre a noção de “Estigma” como resul-</p><p>tado de certas regras de convívio, que corroboram</p><p>em atitudes preconceituosas e discriminatórias</p><p>contra grupos e pessoas. Apesar de ser usado</p><p>como um termo sobre a depreciação, o conceito</p><p>de Estigma vai além disso.</p><p>É uma linguagem de relações e</p><p>não de atributos. Um atributo que</p><p>estigmatiza alguém pode confirmar a</p><p>normalidade de outrem, portanto ele</p><p>não é, em si mesmo, nem horroroso</p><p>nem desonroso. Por exemplo, alguns</p><p>cargos nos Estados Unidos obrigam</p><p>seus ocupantes que não tenham a</p><p>educação universitária esperada a</p><p>esconder isso; outros cargos, entre-</p><p>tanto, podem levar os que os ocupam</p><p>e que possuem uma educação superi-</p><p>or a manter isso em segredo para não</p><p>serem considerados fracassados ou</p><p>estranhos (GOFFMAN apud CASTRO,</p><p>2012, p.13).</p><p>Goffman argumenta ainda, que se pode</p><p>elencar o Estigma em pelo menos três tipos:</p><p>1. As deformidades físicas, tidas como</p><p>abominações do corpo (considerando que</p><p>Goffman escreveu sobre essas formas de</p><p>estigma na metade do século XX, devemos</p><p>ponderar que há uma série de políticas</p><p>sociais em torno da diferença de corpos,</p><p>contudo, alguns estigmas ainda persistem,</p><p>porém, passíveis de punição por lei).</p><p>36</p><p>Anotações: 2. As culpas de caráter individual percebidas</p><p>socialmente como vontade fraca, paixões</p><p>tirânicas ou não naturais, crenças falsas</p><p>e rígidas, desonestidade, sendo essas in-</p><p>feridas a partir de relatos conhecidos de,</p><p>por exemplo, distúrbio mental, prisão,</p><p>vício, alcoolismo, homossexualidade, de-</p><p>semprego, tentativas de suicídio e com-</p><p>portamento político radical.</p><p>3. Estigmas raciais, de nação e religião, que</p><p>geralmente são repassados para uma</p><p>família inteira.</p><p>As atitudes de pessoas tidas como normais</p><p>para com uma pessoa com um estigma, e os</p><p>atos que empreendido em relação a ela são bem</p><p>conhecidas na medida em que são as respostas</p><p>que a ação social benevolente tenta suavizar e</p><p>melhorar. Contudo, as pessoas debaixo de algum</p><p>estigma social são percebidas numa posição de</p><p>inferioridade (menos humanos). Dessa forma de</p><p>tratamento consolidada socialmente, surgem</p><p>diversos preconceitos que funcionam como uma</p><p>ideologia para explicar a suposta inferioridade,</p><p>indicando que ela representa algum perigo.</p><p>Numa análise sociológica que se aproxima</p><p>dos interesses de Goffman, sobre os estigmas</p><p>sociais, Howard Becker coloca sua ênfase</p><p>no estudo de grupos considerados outsiders</p><p>[marginais], refletindo sobre os impactos das</p><p>regras sociais e suas quebras (violações). Becker</p><p>argumenta que todos os grupos sociais têm regras</p><p>de funcionamento interno, sejam as leis, conjuntos</p><p>de normas jurídicas que norteiam uma sociedade,</p><p>37</p><p>Anotações:sejam as regras da tradição, que não são escritas</p><p>e normatizadas como leis, mas tem força de</p><p>imposição social e são transmitidas entre gerações.</p><p>Muitas regras não são impostas,</p><p>e, exceto no sentido mais formal,</p><p>não constituem o tipo de regra em</p><p>que estou interessado. Exemplos</p><p>disso são as leis que proíbem certas</p><p>atividades aos domingos, que</p><p>permanecem nos códigos legais,</p><p>embora não sejam impostas há cem</p><p>anos. (É importante lembrar, contudo,</p><p>que é possível reativar uma lei não</p><p>imposta por várias razões e recuperar</p><p>toda a sua força original...). Regras</p><p>informais podem morrer de maneira</p><p>semelhante por falta de imposição.</p><p>Estou interessado sobretudo no que</p><p>podemos chamar de regras operantes</p><p>efetivas de grupos, aquelas mantidas</p><p>vivas por meio de tentativas de</p><p>imposição (BECKER apud CATRO,</p><p>2014, p. 103).</p><p>As violações a essas regras sociais, geram</p><p>grupos e sujeitos marginalizados. Porém, o grau em</p><p>que uma pessoa é considerada marginalizada varia.</p><p>Essa diferença é atravessada tanto pela forma do</p><p>crime, quanto pelas proteções sociais em torno</p><p>de quem os comete. Um exemplo, são os crimes</p><p>de atropelamento cometidos contra ciclistas, por</p><p>jovens filhos de grandes empresários com carros</p><p>de luxo, que sequer sofrem alguma punição. Já</p><p>crimes tidos como mais graves (ainda dependendo</p><p>de quem o cometa), como assassinato ou estupro,</p><p>38</p><p>Anotações: nos levam a ver o transgressor como um verdadeiro</p><p>marginal.</p><p>Com essa análise sobre como reagimos</p><p>às violações das regras sociais, e a partir disso,</p><p>como estabelecemos quem é ou não um outsider</p><p>(marginal), Becker pretende desenvolver uma</p><p>sociologia do desvio, deixando de absorver</p><p>unicamente as noções patologizantes do desvio</p><p>como verdades absolutas, mas problematizando</p><p>quais os pesos sociais, os valores morais, envolvidos</p><p>na classificação do desvio e dos desviantes. Em sua</p><p>concepção sociológica, afirma que “desvio é a falha</p><p>em obedecer às regras do grupo’’. O desvio como a</p><p>infração de alguma regra, geralmente, aceita.</p><p>Se um ato é ou não desviante, depende de</p><p>como outras pessoas reagem a ele. As violências</p><p>domésticas podem ser um exemplo disso. No caso</p><p>do Brasil, são absolutamente criminalizadas, mas</p><p>ainda pouco denunciadas. Essas violências que</p><p>ocorrem no ambiente doméstico podem se tornar</p><p>queixas policiais, ou se manter como segredo de</p><p>família e vizinhança, sem gerar sanções legais aos</p><p>agressores. Portanto, o grau em que outras pessoas</p><p>reagirão a um ato dado como desviante varia</p><p>enormemente. “O grau em que um ato será tratado</p><p>como desviante depende de quem o comete e de</p><p>quem se sente prejudicado por ele” (idem, p. 108).</p><p>MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO</p><p>Se a industrialização marcou uma nova fase de</p><p>transformações sociais globais, a internacionalização</p><p>da indústria, assim como o fim da Guerra Fria em</p><p>1989, marcara uma fase explicada por muitos au-</p><p>39</p><p>Anotações:tores como “globalização”, “mundialização” ou até</p><p>mesmo “pós-modernidade”. Essa era das transfor-</p><p>mações globais tem classificações ainda não total-</p><p>mente consolidadas, pois diz respeito ao passado</p><p>recente e ao presente. Contudo, alguns sociólogos</p><p>trataram de debater essas mudanças. Para Giddens</p><p>(1991), sociólogo britânico, o fim do século XX é de</p><p>fato uma era de transição, marcada pelo consumo</p><p>desenfreado e pela informação.</p><p>Alguns dos debates sobre estas</p><p>questões se concentram principal-</p><p>mente sobre transformações insti-</p><p>tucionais, particularmente as que</p><p>sugerem que estamos nos deslocan-</p><p>do de um sistema baseado na manu-</p><p>fatura de bens materiais para outro</p><p>relacionado mais centralmente com</p><p>informação (GIDDENS, 1991, p.8).</p><p>O autor, ao invés de classificar taxativamente</p><p>essa era “pós-moderna”, prefere refletir sobre</p><p>quais as transformações e consequências da</p><p>modernidade (a do século XX). Um dos seus</p><p>elementos de análise é a nossa relação com o</p><p>tempo e o espaço.</p><p>Todas as culturas pré-modernas pos-</p><p>suíam maneiras de calcular o tempo.</p><p>O calendário, por exemplo, foi uma</p><p>característica tão distinta dos esta-</p><p>dos agrários quanto à invenção da</p><p>escrita. Mas o cálculo do tempo que</p><p>constituía a base da vida cotidiana,</p><p>certamente para a maioria da popu-</p><p>lação, sempre vinculou tempo e lu-</p><p>40</p><p>Anotações: gar — e era geralmente impreciso e</p><p>variável. Ninguém poderia dizer a hora</p><p>do dia sem referência a outros marca-</p><p>dores socioespaciais: “quando” era</p><p>quase, universalmente, ou conectado</p><p>a “onde” ou identificado por ocorrên-</p><p>cias naturais regulares (idem, p.21).</p><p>Essa vinculação entre tempo e lugar seria</p><p>fundamental, na visão de Giddens, para pensar num</p><p>dos pontos da transformação impulsionada pela</p><p>invenção do relógio mecânico, que estabeleceu</p><p>mais precisão em torno do tempo, possibilitando</p><p>maior controle em torno das horas — pagas, gastas,</p><p>etc. — desvinculando efetivamente o tempo do</p><p>espaço. Não seria mais necessário usar algum ponto</p><p>espacial como parâmetro de medida do tempo. As</p><p>horas estavam sendo controladas universalmente,</p><p>à disposição de todos, mesmo aqueles sem a</p><p>autonomia de “olhar as horas” por si mesmos.</p><p>O advento da modernidade arranca</p><p>crescentemente o espaço do tempo</p><p>fomentando relações entre outros</p><p>“ausentes”, localmente distantes de</p><p>qualquer situação dada ou interação</p><p>face a face. A separação entre o</p><p>tempo e o espaço não deve ser</p><p>vista como um desenvolvimento</p><p>unilinear, no qual não há reversões</p><p>ou que é todo abrangente. Pelo</p><p>contrário, como todas as tendências</p><p>de desenvolvimento, ela tem traços</p><p>dialéticos provocando características</p><p>opostas (GIDDENS, 1991, p.22).</p><p>41</p><p>Anotações:Por que a separação entre tempo e espaço</p><p>é tão crucial para o extremo dinamismo da</p><p>modernidade? Giddens (1991, p. 23) explica:</p><p>1. “Em primeiro lugar, ela é a condição princi-</p><p>pal do processo de desencaixe que passo</p><p>a analisar de maneira breve. A separação</p><p>entre tempo e espaço e sua formação em</p><p>dimensões padronizadas, “vazias”, pene-</p><p>tram as conexões entre a atividade social</p><p>e seus “encaixes” nas particularidades dos</p><p>contextos de presença.”</p><p>2. “Em segundo lugar, ela proporciona os</p><p>mecanismos de engrenagem para aquele</p><p>traço distintivo da vida social moderna,</p><p>a organização racionalizada. As organi-</p><p>zações modernas são capazes de conec-</p><p>tar o local e o global de formas que seriam</p><p>impensáveis em sociedades mais tradi-</p><p>cionais e, assim fazendo, afetam rotinei-</p><p>ramente a vida de milhões de pessoas.”</p><p>3. “Em terceiro lugar, a historicidade radi-</p><p>cal associada à modernidade depende de</p><p>modos de “inserção” no tempo e no es-</p><p>paço que não estavam disponíveis para</p><p>as civilizações precedentes. Um sistema</p><p>de datação padronizado, agora univer-</p><p>salmente reconhecido, possibilita uma</p><p>apropriação de um passado unitário,</p><p>mas muito de tal “história” pode estar su-</p><p>jeito a interpretações contrastantes. Em</p><p>acréscimo, dado o mapeamento geral do</p><p>globo que é hoje tomado como certo, o</p><p>passado unitário é um passado mundial;</p><p>42</p><p>Anotações: tempo e espaço são recombinados para</p><p>formar uma estrutura histórico-mundial</p><p>genuína de ação e experiência.”</p><p>Se Giddens estava interessado nas mudanças</p><p>geradas pelo processo de globalização (a uni-</p><p>formização de padrões globais, como da relação</p><p>com o tempo), Zygmunt Bauman, sociólogo po-</p><p>lonês, por sua vez, tem um olhar muito mais trági-</p><p>co e pessimista sobre os tempos pós-modernos.</p><p>Para Bauman, vivemos o tempo da “liquidez”, ter-</p><p>mo que baseará grande parte de sua obra. A liqui-</p><p>dez faz referência à fluidez/pressa/fragilidade das</p><p>relações sociais, mediadas pela vida moderna e</p><p>pelo consumo. A necessidade de consumir, nos le-</p><p>varia a um nível de relações sociais efêmeras, se-</p><p>melhante a obsolescência das coisas (capitalistas).</p><p>Nosso mundo seria, portanto, marcado pelas incer-</p><p>tezas em múltiplas dimensões.</p><p>Nesse novo mundo “líquido”, a incerte-</p><p>za passa a dominar a cena social, em</p><p>várias dimensões: as organizações</p><p>sociais (estruturas que limitam as es-</p><p>colhas individuais, instituições que</p><p>asseguram a repetição de rotinas, pa-</p><p>drões de comportamento aceitável)</p><p>não podem mais manter sua forma</p><p>por muito tempo (nem se espera que o</p><p>façam), pois se decompõem e se dis-</p><p>solvem mais rápido que o tempo que</p><p>leva para moldá-las e, uma vez reor-</p><p>ganizadas, para que se estabeleçam</p><p>(CASTRO, 2014, p. 128).</p><p>43</p><p>Anotações:A crise do Estado-Nação é a provável ruptura</p><p>histórica e epistemológica nas ciências sociais. A</p><p>partir do fim da dualidade, URSS e EUA (Comunismo</p><p>e Capitalismo), que abriu as possibilidades para um</p><p>processo de globalização, visto que as instituições</p><p>internacionais, principalmente, as que lidam com</p><p>dinheiro ou com o comércio, trataram de promover</p><p>ou até exigir uma reformulação nas economias do</p><p>globo, passando a controlá-las e dando início a um</p><p>processo de mundialização do capital. São diver-</p><p>sas, diferentes e insistentes as pressões externas</p><p>e internas destinadas a provocar a reestruturação</p><p>do Estado.</p><p>A sujeição das economias (e políticas) nacio-</p><p>nais, a uma ordem global, é justificada como forma</p><p>de ideais capitalista ou socialista para que sejam</p><p>incogitados diante de uma dinâmica capitalista</p><p>que depende e se relaciona numa rede transna-</p><p>cional, que pode ser administrada dos diversos</p><p>lugares do globo, mas nunca internamente. Desta</p><p>forma, a nação transforma-se em mera província</p><p>do capitalismo mundial, sem soberania assegu-</p><p>rada para construir suas políticas independente-</p><p>mente dos órgãos financeiros internacionais ou</p><p>das grandes multi e transnacionais.</p><p>Para as multinacionais (isto é, empre-</p><p>sas globais com interesses e compro-</p><p>missos locais dispersos e cambiantes),</p><p>“‘o mundo ideal’ é um mundo sem Es-</p><p>tados. “A menos que tenha petróleo,</p><p>quanto menor o Estado, mais fraco</p><p>ele é, e menos dinheiro é necessário</p><p>para se comprar um governo.” O que</p><p>temos hoje é, com efeito, um sistema</p><p>44</p><p>Anotações: dual, o sistema oficial das “economias</p><p>nacionais” dos Estados, e o real, mas</p><p>não oficial, das unidades e instituições</p><p>transnacionais. Ao contrário do Esta-</p><p>do com seu território e poder, outros</p><p>elementos da “nação” podem ser e são</p><p>facilmente ultrapassados pela glo-</p><p>balização da economia. Etnicidade e</p><p>língua são dois exemplos óbvios. Sem</p><p>o poder e a força coercitiva do Esta-</p><p>do, sua relativa insignificância é clara.</p><p>Como a globalização da economia</p><p>procede aos saltos, “comprar gover-</p><p>nos” é, certamente, cada vez menos</p><p>necessário. A clara incapacidade dos</p><p>governos de equilibrar as contas com</p><p>os recursos que controlam (isto é, os</p><p>recursos que eles podem estar certos</p><p>de que continuarão no domínio de sua</p><p>jurisdição independente do modo que</p><p>escolham para equilibrar as contas)</p><p>seria suficiente para fazê-los não só</p><p>se renderem ao inevitável, mas tam-</p><p>bém colaborarem ativamente e de</p><p>bom grado com os “globais” (BAUMAN</p><p>apud CASTRO, 2011, p. 200).</p><p>Uma questão atual ocupou o etnólogo francês</p><p>Bruno Latour: o debate sobre clima e negacionismo.</p><p>As ideias defendidas pelo intelectual francês em</p><p>“Onde Aterrar? — Como se orientar politicamente</p><p>no Antropoceno,” é de que os acontecimentos</p><p>políticos dos últimos 50 anos estão mobilizados</p><p>em torno da discussão sobre o fenômeno das</p><p>mudanças climáticas da Terra — e de sua negação.</p><p>Segundo Latour (2020), a desregulamentação dos</p><p>45</p><p>Anotações:Estados após a queda do muro de Berlim, o aumento</p><p>das desigualdades sociais em todo o planeta e a</p><p>negação da existência de mudanças climáticas,</p><p>são processos de uma mesma situação histórica</p><p>em que as elites perceberam que não existe mais</p><p>espaço para sua existência (e de seus hábitos,</p><p>relações com o capital e o consumo) no mesmo</p><p>tempo e nas mesmas condições que o restante dos</p><p>habitantes do planeta.</p><p>Se nos anos 90 havia um notório esforço das</p><p>lideranças globais e redes de ativistas e organi-</p><p>zações sociais em torno do debate ambientalista,</p><p>vide a realização de grandes eventos sobre o Clima,</p><p>como a ECO 92 no Rio de Janeiro, como respos-</p><p>ta ao escasseamento de recursos naturais diante</p><p>do avanço predatório das demandas capitalistas,</p><p>houve também a compreensão de que o modo de</p><p>vida industrial moderno, não era sustentável para</p><p>a manutenção da vida, principalmente humana, no</p><p>planeta. As elites optaram, então, por incentivar a</p><p>negação do fim dos recursos naturais, do desgaste</p><p>das condições climáticas, assim como construir</p><p>comunidades muradas para si, entre outras es-</p><p>tratégias de proteção como a exploração de novos</p><p>planetas e viagens espaciais. Dessa forma, tam-</p><p>bém incentivaram a negação da globalização, para</p><p>assim apregoar a ideia de que não somos codepen-</p><p>dentes e interligados por relações e decisões políti-</p><p>co-econômicas.</p><p>Para Latour, é possível identificar dois mar-</p><p>cos temporais que evidenciam essa estratégia</p><p>de negação à globalização. O primeiro é a saída</p><p>dos EUA, por meio da decisão de Donald Trump,</p><p>do acordo de Paris em 2017; o segundo é o Brexit,</p><p>46</p><p>Anotações: movimento de desvinculação da Inglaterra à União</p><p>Europeia. O autor defende</p><p>que o movimento ini-</p><p>cial das ondas negacionistas globais, começa com</p><p>a negação das mudanças climáticas. Seu ápice é</p><p>o engajamento produzido pelo movimento políti-</p><p>co de Trump, pautado pela questão ecológica, e</p><p>pela negação da globalização. Fazer a “América</p><p>grandiosa de novo [Make America Great Again]” no</p><p>trumpismo, pressupõe o acirramento das relações</p><p>de fronteira, a negação da escassez de recursos, o</p><p>retorno ao modelo de crescimento americano dos</p><p>anos 60/70.</p><p>Se antes, as disputas ideológicas eram</p><p>marcadas pelas diferenças entre os projetos de</p><p>futuro, entre progressistas e reacionários, esquerda</p><p>e direita, atualmente vivemos numa retração</p><p>dessa disputa, que produz, de ambos os “lados”,</p><p>um efeito de recolhimento desses movimentos</p><p>ideológicos às suas próprias bolhas. As posições</p><p>políticas, agora, baseiam-se principalmente na</p><p>defesa de territórios ideológicos (e delimitação</p><p>destes). Assim, para Latour (2020), o Antropoceno</p><p>– era da intervenção humana na biosfera – impõe</p><p>desafios em torno de habitar a Terra. Nesse novo</p><p>processo político, capitaneado pelas alterações</p><p>climáticas e sua negação, a Terra se torna um</p><p>sujeito político, mobilizando os seres humanos a</p><p>refletirem sobre suas ações no planeta, indicando</p><p>através das catástrofes globais, do surgimento de</p><p>novos vírus, que as consequências da ação humana</p><p>serão vivenciadas comunitariamente, seja pelos</p><p>que ficarão sem casa e terão de migrar de seus</p><p>territórios de origem, seja pelos que serão afetados</p><p>pelas alterações num território que “não é seu”.</p><p>47</p><p>Anotações:Por fim, o autor sustenta que a negação da</p><p>mudança climática global é, em si mesma, a negação</p><p>da racionalidade científica. As elites produziram e</p><p>optaram por negar a evidente finitude de recursos</p><p>naturais, criando e patrocinando uma atmosfera de</p><p>negacionismo, principalmente em torno da ciência</p><p>e de suas evidências, de modo que confundiu as</p><p>classes populares em relação aos fatos, engajando</p><p>milhares de fake news, que além de distorcerem as</p><p>verdades, distraem as massas sobre os problemas</p><p>que virão. Nas palavras do autor, “não se trata de</p><p>uma política da ‘pós-verdade’, mas sim de uma</p><p>política da pós-política, ou seja, literalmente sem</p><p>objeto, na medida em que ela rejeita o mundo que</p><p>reivindica habitar” (LATOUR, 2020, p. 35).</p><p>48</p><p>Filmes para conferir:</p><p>O Jovem Karl Marx (Raoul Peck, 2018): retrato</p><p>biográfico de Karl Marx que narra as vivências de</p><p>sua juventude e o início de sua amizade com Engels,</p><p>que o levaria a se tornar uma das personalidades</p><p>mais importantes do século 19.</p><p>Trabalho Interno (Charles Ferguson, 2010):</p><p>documentário sobre a recessão econômica global,</p><p>com início nos EUA, em 2008. Demonstra como</p><p>bancos e acordos de falência amarrados com o</p><p>Estado, levaram ao aumento de desemprego e</p><p>pessoas desabrigadas.</p><p>Para seguir:</p><p>Tese Onze: canal no YouTube organizado por</p><p>Sabrina Fernandes, socióloga, que debate temas</p><p>contemporâneos à luz das teorias sociológicas.</p><p>U</p><p>ni</p><p>da</p><p>de</p><p>2</p><p>Videoaula 1</p><p>Videoaula 2</p><p>Videoaula 3</p><p>Videoaula 4</p><p>Videoaula 5</p><p>52</p><p>Anotações:</p><p>53</p><p>DEBATES</p><p>FUNDAMENTAIS EM</p><p>ANTROPOLOGIA</p><p>EVOLUCIONISMO SOCIAL</p><p>Diferente da Sociologia, cujos</p><p>paradigmas circulam muito mais em</p><p>torno da obra de autores emblemáti-</p><p>cos, na Antropologia, os marcadores</p><p>paradigmáticos serão construídos,</p><p>principalmente, a partir de “escolas</p><p>de pensamento”. Há uma miríade de</p><p>perspectivas teóricas em Antropolo-</p><p>gia, porém, a subdivisão mais clássica</p><p>se dá pelo marcador da nacionalidade</p><p>onde o conjunto teórico foi desenvolvi-</p><p>do. As principais são:</p><p>54</p><p>Anotações: a. Antropologia Francesa1: originada a par-</p><p>tir da Escola de Sociologia francesa, com</p><p>influência de Émile Durkheim e, principal-</p><p>mente, Marcel Mauss, com preocupações</p><p>teóricas voltadas para a compreensão de</p><p>sistemas e estruturas universais da hu-</p><p>manidade. Nos anos 50, tem grande re-</p><p>percussão a partir da obra de Claude Lévi-</p><p>Strauss e sua Antropologia Estruturalista.</p><p>b. Antropologia Britânica: é uma escola de</p><p>pensamento com grande ênfase na Et-</p><p>nografia e no Trabalho de Campo. A an-</p><p>tropologia britânica é sobretudo empírica.</p><p>Esteve diretamente ligada aos projetos</p><p>coloniais ingleses, principalmente no con-</p><p>tinente africano, provocando intensos de-</p><p>bates nos anos 80 sobre a ética da finali-</p><p>dade do trabalho antropológico.</p><p>c. Antropologia Americana: marcada por</p><p>diferentes fases, do Evolucionismo Social</p><p>ao Culturalismo e Interpretativismo, a</p><p>Antropologia Americana tem a noção</p><p>de Cultura como ponto de partida,</p><p>destacando sua diversidade. É a partir dela</p><p>que o olhar para os problemas internos —</p><p>da sociedade em que se situa — tiveram</p><p>destaques e confrontamentos.</p><p>Aqui citaremos alguns desses debates de</p><p>forma introdutória, lidando com as transformações</p><p>1 LAPLATINE, Françoise. Aprender Antropologia. São Paulo,</p><p>Ed. Brasiliense, 2010.</p><p>55</p><p>Anotações:de objeto da Antropologia e, sobretudo, com as</p><p>mudanças em torno do conceito de Cultura. O</p><p>primeiro paradigma teórico em Antropologia foi</p><p>o “Evolucionismo Social”, tendo como principais</p><p>autores:</p><p>Lewis Morgan (EUA)2: os interesses de</p><p>Morgan nos estudos antropológicos se iniciam a</p><p>partir dos temas “família”, “herança” e “parentesco”.</p><p>Dedicou muitos anos ao estudo e comparação de</p><p>sistemas de parentesco humanos, distinguindo</p><p>como os “selvagens” faziam suas classificações</p><p>em comparação às sociedades “civilizadas”. Suas</p><p>pesquisas resultaram na publicação de “Sistemas</p><p>de Consanguinidade e Afinidade da Família Humana”</p><p>e, posteriormente, “a sociedade antiga”, a qual</p><p>demonstra os estágios de progresso da sociedade</p><p>humana através da análise de cinco casos</p><p>exemplares: os aborígines australianos, os índios</p><p>iroqueses, os astecas, os gregos e os romanos.</p><p>Edward Tylor (UK/EUA)3: foi o primeiro</p><p>autor a estabelecer uma definição para o conceito</p><p>de “cultura”, em seu livro “Cultura primitiva”.</p><p>Descreveu Cultura como equivalente à Civilização,</p><p>estabelecendo, a partir desse pressuposto, que</p><p>os povos “não civilizados” (todos os povos fora da</p><p>Europa e não-colonizados) não detinham cultura.</p><p>Seu conceito dizia “Cultura ou Civilização, “é aquele</p><p>todo complexo que inclui conhecimento, crença,</p><p>arte, moral, lei, costume e quaisquer outras</p><p>2 CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan,</p><p>Tylor e Fazer. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2009.</p><p>3 Ibidem.</p><p>56</p><p>Anotações: capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na</p><p>condição de membro da sociedade.”</p><p>James Frazer (UK)4: sua obra principal foi</p><p>“O Ramo de Ouro”, publicado pela primeira vez em</p><p>1890, em dois volumes, com um total de oitocentas</p><p>páginas. A segunda e a terceira versões foram</p><p>publicadas com respostas a várias críticas de</p><p>outros autores da mesma época, chegando a 13</p><p>exemplares no total. Em 1922, Frazer preparou uma</p><p>versão condensada em um volume que se tornou</p><p>a versão mais conhecida, publicada até os dias</p><p>atuais.</p><p>É importante destacar que o Evolucionismo</p><p>Social é uma perspectiva teórica considerada</p><p>superada, porém, estudá-la é necessário para</p><p>entender qual o percurso da Antropologia, como</p><p>surgem as compreensões modernas do conceito</p><p>de cultura, e quais as “sombras” do evolucionismo</p><p>social que ainda permanecem. O postulado básico</p><p>do evolucionismo, em sua fase clássica, era o de</p><p>que, em todas as partes do mundo, a sociedade</p><p>humana teria se desenvolvido em estágios</p><p>sucessivos e obrigatórios, numa trajetória unilinear</p><p>e ascendente. Nessa lógica, toda a humanidade</p><p>deveria passar pelos mesmos estágios de evolução</p><p>social, seguindo uma direção que ia do mais simples</p><p>(os selvagens) ao mais complexo (civilização).</p><p>Como decorrência da visão de um único</p><p>caminho evolutivo humano, os povos “não</p><p>ocidentais”, “selvagens” ou “tradicionais” existentes,</p><p>no mundo contemporâneo, eram vistos como uma</p><p>4 Ibidem.</p><p>57</p><p>Anotações:espécie de “museu vivo” da história humana, tidos</p><p>como representantes de etapas anteriores da</p><p>trajetória universal do homem rumo à “civilização”;</p><p>como exemplos vivos daquilo “que já fomos um dia”.</p><p>Na medida</p><p>em que a arqueologia era, então,</p><p>pouco desenvolvida e não havia registros históricos</p><p>disponíveis para a reconstituição dos estágios</p><p>supostamente mais “primitivos”, o estudo dessas</p><p>sociedades assumia enorme importância, pois</p><p>assim se poderia reconstituir o caminho evolutivo</p><p>da humanidade, através de suas diferentes etapas.</p><p>Passava-se a dispor de uma espécie de</p><p>“máquina do tempo” que permitia, observando o</p><p>mundo dos “selvagens” de hoje, ter uma ideia de</p><p>como se vivia em épocas passadas. Para Frazer</p><p>(apud CASTRO, 2009, p. 107), “a selvageria é a</p><p>condição primitiva da humanidade e, se quisermos</p><p>entender o que era o homem primitivo, temos que</p><p>saber o que é o homem selvagem hoje”. A solução</p><p>para preencher as “lacunas” do longo período</p><p>“primitivo” de evolução cultural humana era utilizar</p><p>o método comparativo, aplicando-o ao grande</p><p>número de sociedades “selvagens” existentes</p><p>contemporaneamente.</p><p>58</p><p>Marcel Mauss</p><p>Mauss foi aluno notável e sobrinho de Émile</p><p>Durkheim, sendo iniciado na Sociologia pelo seu</p><p>tio, na Universidade de Bordeaux. Diferente de</p><p>Durkheim, que escreveu obras extensas ao longo</p><p>da vida, Mauss era um intelectual de ensaios,</p><p>com olhar mais direcionado para questões de</p><p>etnologia (estudo das sociedades “simples”) e sua</p><p>obra se dedica, principalmente, aos aspectos mais</p><p>elementares da cultura humana, na perspectiva de</p><p>que a partir da compreensão sobre a vida social</p><p>na sua forma mais simplifi cada, pode-se alcançar</p><p>os signifi cados dos fenômenos nas sociedades</p><p>complexas.</p><p>Sua obra de maior importância foi o</p><p>“Ensaio sobre a dádiva”, onde</p><p>analisa diversas formas de trocas</p><p>econômicas entre sociedades ditas</p><p>“arcaicas”. É crucial para a teoria</p><p>antropológica, pois estabeleceu uma</p><p>série de comparações entre formas</p><p>elementares de troca entre diferentes</p><p>sociedades, assim como acordos e relações</p><p>que essas trocas asseguram. Em termos gerais,</p><p>defende que a troca se baseia em um sistema de</p><p>Dádiva, onde “dar”, necessariamente cria uma</p><p>expectativa pela retribuição. O esquema da Dádiva</p><p>se prolonga num processo que implica em “dar”,</p><p>“receber” e “retribuir”.</p><p>Em 1902 assumiu a cátedra de “História</p><p>das religiões dos povos não civilizados”, como</p><p>professor e diretor de pesquisas da École</p><p>Pratique des Hautes Études, de Paris.</p><p>elementares da cultura humana, na perspectiva de</p><p>que a partir da compreensão sobre a vida social</p><p>na sua forma mais simplifi cada, pode-se alcançar</p><p>os signifi cados dos fenômenos nas sociedades</p><p>complexas.</p><p>Sua obra de maior importância foi o</p><p>“Ensaio sobre a dádiva”, onde</p><p>analisa diversas formas de trocas</p><p>econômicas entre sociedades ditas</p><p>“arcaicas”. É crucial para a teoria</p><p>antropológica, pois estabeleceu uma</p><p>série de comparações entre formas</p><p>elementares de troca entre diferentes</p><p>sociedades, assim como acordos e relações</p><p>que essas trocas asseguram. Em termos gerais,</p><p>defende que a troca se baseia em um sistema de</p><p>Dádiva, onde “dar”, necessariamente cria uma</p><p>expectativa pela retribuição. O esquema da Dádiva</p><p>se prolonga num processo que implica em “dar”,</p><p>“receber” e “retribuir”.</p><p>Em 1902 assumiu a cátedra de “História</p><p>das religiões dos povos não civilizados”, como</p><p>professor e diretor de pesquisas da École</p><p>Pratique des Hautes Études, de Paris.</p><p>59</p><p>Anotações:NATUREZA E CULTURA</p><p>O embate a partir do Evolucionismo Social é</p><p>sobre a qualidade dos aspectos que compõem a</p><p>humanidade. Somos humanos pela nossa unidade</p><p>biológica, mas seríamos equivalentes mesmo com</p><p>formas de organização social tão diferentes? Para</p><p>os evolucionistas, havia aprendizados necessários</p><p>e inevitáveis para que os povos ditos “selvagens”</p><p>adquirissem equivalência no status de humanidade</p><p>em relação às sociedades ditas “civilizadas”.</p><p>Nessa perspectiva, há vários problemas,</p><p>principalmente, pela posição em que as teorias são</p><p>produzidas pelos seus contextos. A dúvida em torno</p><p>da humanidade dos “selvagens” era colocada pelos</p><p>colonizadores, que tinham suas próprias sociedades</p><p>como espelho da “civilização”. Essa inferiorização</p><p>social das sociedades ditas “selvagens”, reverberou</p><p>em projetos racistas contra sociedades africanas,</p><p>asiáticas e ameríndias, como se o aprendizado da</p><p>civilização tivesse, necessariamente que passar</p><p>pela universalidade racial (europeia, branca). Laraia</p><p>(2001, p. 12) afirma que:</p><p>São velhas e persistentes as teorias</p><p>que atribuem capacidades específi-</p><p>cas inatas a ‘raças’ ou a outros grupos</p><p>humanos. Muita gente ainda acredita</p><p>que os nórdicos são mais inteligen-</p><p>tes do que os negros; que os alemães</p><p>têm mais habilidade para a mecânica;</p><p>que os judeus são avarentos e nego-</p><p>ciantes; que os norte-americanos</p><p>são empreendedores e interesseiros;</p><p>que os portugueses são muito tra-</p><p>60</p><p>Anotações: balhadores e pouco inteligentes;</p><p>que os japoneses são trabalhadores,</p><p>traiçoeiros e cruéis; que os ciganos</p><p>são nômades por instinto, e, final-</p><p>mente, que os brasileiros herdaram a</p><p>preguiça dos negros, a imprevidência</p><p>dos índios e a luxúria dos portugueses.</p><p>Os antropólogos estão totalmente convenci-</p><p>dos de que as diferenças genéticas não são deter-</p><p>minantes das diferenças culturais. A experiência do</p><p>nazismo a partir da 2ª Guerra Mundial, levou a UNES-</p><p>CO a estabelecer junto a antropólogos, geneticistas,</p><p>biólogos e outros especialistas, a declaração uni-</p><p>versal dos Direitos Humanos, que assegura a uni-</p><p>versalidade da humanidade e o direito à diferença</p><p>étnica, racial e cultural. A partir da Declaração Uni-</p><p>versal dos Direitos Humanos, Laraia (2001) destaca,</p><p>principalmente, os seguintes itens:</p><p>10. Os dados científicos de que</p><p>dispomos atualmente não confirmam</p><p>a teoria segundo a qual as diferenças</p><p>genéticas hereditárias constituiriam</p><p>um fator de importância primordial</p><p>entre as causas das diferenças que</p><p>se manifestam entre as culturas e as</p><p>obras das civilizações dos diversos</p><p>povos ou grupos étnicos. Eles nos</p><p>informam, pelo contrário, que essas</p><p>diferenças se explicam, antes de</p><p>tudo, pela história cultural de cada</p><p>grupo. Os fatores que tiveram papel</p><p>preponderante na evolução do homem</p><p>são a sua faculdade de aprender e a</p><p>sua plasticidade. Esta dupla aptidão</p><p>61</p><p>Anotações:é o apanágio de todos os seres</p><p>humanos. Ela constitui, de fato, uma</p><p>das características específicas do</p><p>Homo sapiens.</p><p>15. b) No estado atual de nossos</p><p>conhecimentos, não foi ainda provada</p><p>a validade da tese segundo a qual os</p><p>grupos humanos diferem uns dos</p><p>outros pelos traços psicologicamente</p><p>inatos, quer se trate de inteligência</p><p>ou temperamento. As pesquisas</p><p>científicas revelam que o nível das</p><p>aptidões mentais é quase o mesmo</p><p>em todos os grupos étnicos (UNESCO</p><p>apud LARAIA, 2001, p. 13).</p><p>Mesmo diante da superação científica do</p><p>determinismo biológico, ainda é comum ouvir-</p><p>mos sobre qualidades — positivas ou negativas —</p><p>transmitidas pela genética, pelo “sangue”. O bom</p><p>desempenho em práticas esportivas é justificado</p><p>pela herança de um avô que quase foi jogador da</p><p>seleção; o sucesso musical de um cantor, porque</p><p>seus pais eram músicos. São exemplos comuns</p><p>dessa crença na transmissão de qualidades pela</p><p>natureza. Contudo, o determinismo também opera</p><p>para reducionismos negativos sobre as pessoas.</p><p>O crime de um adolescente acaba sendo jus-</p><p>tificado pelos comportamentos dos pais, pela sua</p><p>diferença racial/biológica, como se as condições</p><p>sociais e históricas não pesassem em desfavor</p><p>do seu destino. O mesmo pode ser descrito so-</p><p>bre o sucesso de grandes empresários jovens,</p><p>comumente retratados nas grandes revistas de</p><p>negócios, que vendem uma narrativa de esforço</p><p>62</p><p>Anotações: pessoal, quando sua biografia demonstra uma</p><p>série de privilégios sociais e uma herança farta que</p><p>explica o “sucesso incomum”.</p><p>O homem é o resultado do meio cul-</p><p>tural em que foi socializado. Ele é um</p><p>herdeiro de um longo processo acu-</p><p>mulativo, que reflete o conhecimen-</p><p>to e a experiência adquiridos pelas</p><p>numerosas gerações que o ante-</p><p>cederam. A manipulação adequada</p><p>e criativa desse patrimônio cultural</p><p>permite às inovações e às invenções.</p><p>Estas não são, pois, o produto da ação</p><p>isolada de um gênio, mas o resultado</p><p>do esforço de toda uma comunidade</p><p>(idem, p. 42).</p><p>Compreender a Cultura como uma influência</p><p>forte no processo de socialização, também passa</p><p>pelo entendimento de que as Culturas humanas</p><p>são diversas. Em seu artigo “Raça e História”, Lévi-</p><p>Strauss (2017) escreve uma passagem linda para</p><p>refletir sobre a diversidade cultural humana.</p><p>É indubitável que os homens elabora-</p><p>ram culturas diferentes em virtude</p><p>do seu afastamento geográfico, das</p><p>propriedades particulares do meio e</p><p>da ignorância em que se encontravam</p><p>em relação ao resto da humanidade,</p><p>mas isso só seria rigorosamente</p><p>verdadeiro se cada cultura ou cada</p><p>sociedade estivesse ligada e se tivesse</p><p>desenvolvido no isolamento de todas as</p><p>outras. Ora, isso nunca aconteceu, salvo</p><p>63</p><p>Anotações:talvez em casos excepcionais como</p><p>o dos Tasmanianos (e ainda aí para</p><p>um período limitado). As sociedades</p><p>humanas nunca se encontram isoladas;</p><p>quando parecem mais separadas, é</p><p>ainda sob a forma de grupos ou de</p><p>feixes. Assim, não é exagero supor</p><p>que as culturas norte-americanas e as</p><p>sul-americanas tenham permanecido</p><p>separadas de quase todo o contato com</p><p>o resto do mundo durante um período</p><p>cuja duração se situa entre dez mil e</p><p>vinte e cinco mil anos (LÉVI-STRAUSS,</p><p>2017, p. 341).</p><p>Para Lévi-Strauss (2017), não se pode supor</p><p>que essa “separação” entre as sociedades desco-</p><p>bertas pelos europeus através do contato colo-</p><p>nial, significasse o total isolamento desse grande</p><p>fragmento da humanidade. Essas sociedades</p><p>eram grandes, mantinham contatos e relações es-</p><p>treitas entre si. Quando se mantinham isoladas ou</p><p>distantes umas das outras, estavam demarcando</p><p>oposição e distinção buscando fortalecimento de</p><p>seus próprios costumes. Essas culturas não sur-</p><p>giram de acidentes, ou do acaso evolutivo, mas de</p><p>disputas acirradas pelo desejo de não se tornarem</p><p>“atrasadas” em relação aos seus vizinhos. Portan-</p><p>to, a diversidade humana não pode ser reduzida ao</p><p>isolamento desses grupos, mas das relações (de</p><p>disputa, conflito, comparação, distinção) que es-</p><p>tabelecem entre si.</p><p>Margareth Mead (1901-1978), antropóloga</p><p>americana, foi fundamental para a compreensão</p><p>de como a cultura molda os comportamentos e</p><p>64</p><p>Anotações: papéis sociais. Também foi uma das intelectu-</p><p>ais responsáveis pela desnaturalização dos ditos</p><p>“papéis sexuais”. Em seu livro "Sexo e Tempera-</p><p>mento", Mead (1969) fez uma comparação sobre</p><p>como homens e mulheres desempenhavam pa-</p><p>péis diferentes de acordo com cada cultura, (que</p><p>atualmente compreendemos como relações de</p><p>gênero) a partir de três tribos da Nova Guiné, (Ara-</p><p>pesh, Mundugumor e Tchambuli). A cultura Arapesh</p><p>é caracterizada como maternal, tendo seu valor</p><p>atribuído por meio da “doçura” nas expressões e</p><p>comportamentos. Quanto aos Mundugumor, tinham</p><p>o comportamento agressivo e fomentado a homens</p><p>e mulheres.</p><p>A comparação entre sociedades com proxi-</p><p>midade geográfica ajuda a esclarecer que, embora</p><p>certas ideias vigentes em determinados lugares</p><p>sociais relacionem certos trabalhos com um dos</p><p>sexos, em outra sociedade a coisa se passa de modo</p><p>muito distinto. Mead nos ajuda a compreender que</p><p>os ditos “instintos”, não são aspectos inatos da hu-</p><p>manidade, mas são elaborados a partir de nossa</p><p>educação e se reproduzem por meio de aprendiza-</p><p>gem social. A autora afirma, por exemplo, que até</p><p>a amamentação, ato que poderia ser considerado</p><p>exclusivo das mulheres (que possuem mamas,</p><p>seios), pode ser transferida a um marido moderno</p><p>por meio da mamadeira. Se ideias como “instinto</p><p>materno” ou “instinto sexual” fossem padrões ge-</p><p>neticamente determinados, todas as sociedades</p><p>agiriam da mesma forma diante das mesmas</p><p>situações.</p><p>65</p><p>Anotações:ETNOCENTRISMO E ALTERIDADE</p><p>Apesar de muitos avanços e debates que</p><p>consolidam a ideia de diversidade cultural, ela,</p><p>ainda, parece sempre escandalosa. Nosso pon-</p><p>to de vista sobre “o outro” opera sempre a partir</p><p>da nossa própria cultura e, esse primeiro olhar,</p><p>tendencioso, preconceituoso, tende a considerar</p><p>outros modos de vida como menos apropriados.</p><p>Esse comportamento é chamado de “etnocentris-</p><p>mo” e, levado ao extremo, reverbera em conflitos</p><p>sociais e marginalizações entre diferentes grupos</p><p>(ou de um grupo sobre outro):</p><p>O etnocentrismo, de fato, é um</p><p>fenômeno universal. É comum a cren-</p><p>ça de que a própria sociedade é o</p><p>centro da humanidade, ou mesmo a</p><p>sua única expressão. As auto denomi-</p><p>nações de diferentes grupos refletem</p><p>este ponto de vista. Os Cheyene, ín-</p><p>dios das planícies norte-americanas,</p><p>se autodenominavam “os entes hu-</p><p>manos”; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul</p><p>do Pará, consideram-se “os homens”;</p><p>os esquimós também se denominam</p><p>“os homens”; da mesma forma que os</p><p>Navajo se intitulavam “o povo”. Os</p><p>australianos chamavam as roupas</p><p>de “peles de fantasmas”, pois não</p><p>acreditavam que os ingleses fossem</p><p>parte da humanidade; e os nossos</p><p>Xavantes acreditam que o seu ter-</p><p>ritório tribal está situado bem no cen-</p><p>tro do mundo. É comum assim a cren-</p><p>ça no povo eleito, predestinado por</p><p>66</p><p>Anotações: seres sobrenaturais para ser superior</p><p>aos demais. Tais crenças contêm o</p><p>germe do racismo, da intolerância, e,</p><p>frequentemente, são utilizadas para</p><p>justificar a violência praticada con-</p><p>tra os outros. A dicotomia “nós e os</p><p>outros” expressa em níveis diferentes</p><p>essa tendência (op.cit., p. 70).</p><p>Sendo assim, em uma mesma sociedade, a</p><p>primeira distinção que fazemos é entre pessoas</p><p>da família e pessoas de fora da família. Tendemos</p><p>a estabelecer um tratamento diferenciado entre</p><p>nossos familiares e pessoas que não pertencem</p><p>a esse círculo. De tal modo, ampliamos essa</p><p>diferenciação nas formas de tratar as pessoas, a</p><p>partir do pertencimento delas ao mesmo grupo</p><p>de amigos, à mesma vizinhança, à mesma região</p><p>do país e à mesma nação. Desse processo de</p><p>aglutinação e diferenciação, resultam distinções,</p><p>preconceitos e formas extremas de preservação</p><p>que priorizam as nossas identificações.</p><p>Como dissemos, a tendência mais comum</p><p>entre os grupos humanos é de considerar lógico,</p><p>apenas o próprio sistema cultural, atribuindo</p><p>a outras culturas e sociedades certo grau de</p><p>irracionalidade. Porém, os dados sobre uma</p><p>cultura devem ser analisados como um sistema</p><p>com lógicas próprias, e não na perspectiva de um</p><p>estrangeiro (que em nosso caso também pode ser o</p><p>pesquisador/antropólogo).</p><p>Em “O Pensamento Selvagem”, Claude Lévi-</p><p>Strauss dedicou-se a refutar as teorias evolucion-</p><p>istas cujas conclusões indicavam que os sistemas</p><p>de pensamento dos “selvagens”, eram inferiores e</p><p>67</p><p>Anotações:“pré-lógicos” em relação à ciência das sociedades</p><p>brancas, ditas civilizadas. Muitas sociedades tidas</p><p>como “primitivas” confirmam valores e constro-</p><p>em seus sistemas de crenças em torno da magia,</p><p>de cosmologias próprias que dão sentido ao seu</p><p>mundo. Lévi-Strauss comprovou que o pensamen-</p><p>to mágico ou cosmológico tem uma estrutura com-</p><p>plexa e bem articulada.</p><p>Ao contrário do que as teorias evolucionistas</p><p>faziam crer, o pensamento mágico não antecede</p><p>o pensamento científico, ambos existem simulta-</p><p>neamente. A Antropologia constitui-se como uma</p><p>ciência que se opõe ao etnocentrismo. Essa não</p><p>é uma tarefa fácil, pois o antropólogo quase sem-</p><p>pre se constitui como um sujeito que não com-</p><p>partilha do mesmo ponto de vista daquelas culturas</p><p>ou sociedades que estuda. Para desvencilhar-se do</p><p>etnocentrismo, a Antropologia recorre à noção de</p><p>“alteridade”:</p><p>A abordagem antropológica provoca</p><p>uma verdadeira revolução do olhar.</p><p>Ela implica um descentramento radi-</p><p>cal, uma ruptura com a ideia de que</p><p>existe um “centro do mundo”, e cor-</p><p>relativamente, uma ampliação do sa-</p><p>ber e uma mutação de si mesmo. A</p><p>descoberta da alteridade é a de uma</p><p>relação que nos permite deixar de</p><p>identificar nossa pequena província</p><p>de humanidade com a Humanidade</p><p>(em sua totalidade), e correlativa-</p><p>mente deixar de rejeitar o presumido</p><p>“selvagem” fora de nós mesmos. Con-</p><p>frontados com a multiplicidade das</p><p>68</p><p>Anotações:</p>

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