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Texto “Pulsões e seus destinos” 1 No texto “Pulsões e seus destinos”, Freud parece ter clara a ideia de que a posição primordial do sujeito é a da atividade, isto é, a pulsão buscando incontrolavelmente sua satisfação através dos objetos. ⮩ Nesse sentido, ele afirma: “Não parece ocorrer um masoquismo originário que não tenha surgido do sadismo de acordo com a forma descrita” (1915/2013, pg. 38). Cabe ao sujeito proteger-se da pulsão através de diques morais. Apenas em 1920, como contraposição, a pulsão de morte e o masoquismo originário vão questionar esse princípio hedonista da condição humana. A forma a qual Freud se refere naquela citação segue a seguinte estrutura: (A) O sadismo é a dominação do sujeito sobre o objeto (B) O masoquismo é do retorno do sadismo ao próprio sujeito (C) O sadomasoquismo é o objeto se transformando em sujeito Pulsão estruturada como uma gramática A partir disso, a montagem da pulsão se estrutura como uma gramática, conjugando-se na voz ativa, voz passiva e voz reflexiva. No caso da pulsão oral, por exemplo, temos: Voz ativa ‘comer’ Eu como um objeto Voz passiva ‘ser comido’ Eu sou comido pelo Outro Voz reflexiva ‘se fazer ser comido’ Eu me faço ser comido pelo Outro 4 destinos para alcançar a pulsão Além disso, na medida em que a pulsão é um processo que tem uma meta, Freud apresenta quatro diferentes destinos para alcançá-la: (1) Reversão em seu contrário (2) Retorno em direção à própria pessoa (3) O recalque (4) A sublimação. (1) reversão de uma pulsão em seu contrário Tomamos os dois primeiros destinos para situar os tempos do sujeito no circuito pulsional, isto é, na montagem da pulsão. A (1) reversão de uma pulsão em seu contrário se faz de duas formas: 1) A mudança da atividade para a passividade 2) A reversão de seu conteúdo. A mudança da atividade para a passividade A primeira (mudança da atividade para a passividade) pode ser encontrada na reversão dos pares opostos (por exemplo, sadismo/masoquismo, olhar/ser olhado). ⮩ Ela caracteriza o movimento próprio da pulsão, pois estabelece suas diferentes posições: ativa, passiva e reflexiva. Para compreender o movimento entre as posições de atividade e de passividade, tomemos o exemplo do par pulsional olhar/ser olhado. Também nele, Freud diferencia as três posições da pulsão: 1) O olhar é uma atividade dirigida a um objeto estranho; (b) o objeto é desinvestido e o olhar é dirigido para a própria pessoa; assim, temos a mudança da atividade para a passividade e a posição passa a de ser olhado; (c) como consequência dessa mudança de posição, o objeto estranho passa a ser o sujeito da ação, para quem a pessoa se exibe a fim de ser olhada. É a posição reflexiva da pulsão. ⮩ Para Freud, normalmente a finalidade ativa da pulsão é anterior à sua finalidade passiva. O prazer da produção de dor pelo sádico, por exemplo, é uma posição anterior ao prazer de sofrer dor no masoquismo. Mas, apenas no caso da pulsão escópica há uma fase preliminar passiva e anterior à primeira, que é ativa: É que a pulsão de olhar é autoerótica no início de sua atividade, ou seja, ainda que tendo um objeto, ela o encontra no próprio corpo. Só mais tarde ela é conduzida (pela via da comparação) a trocar esse objeto por um que seja análogo no corpo alheio (fase a). (Freud, 1915/2013, p. 41). Foi pela pulsão escópica que Freud situou pela primeira vez a condição de passividade original do sujeito. No circuito pulsional o olhar do Outro deve ser anterior ao surgimento do sujeito. 2 Antes de o sujeito ser ativo, antes de ele olhar para um objeto alheio, há uma fase preliminar passiva de ser objeto do olhar do Outro: “Contemplar objeto alheio (prazer ativo de olhar) = o próprio objeto é contemplado por uma outra pessoa (prazer de mostrar/exibicionismo)” (Freud, 1915/2013, p. 45). ⮩ O Outro toma o corpo do sujeito como objeto de seu olhar. Esse Outro que olha é condição para o sujeito se posicionar como alguém que olha ativamente um objeto. Como a montagem da pulsão se estrutura nas vozes ativa, passiva e reflexiva, o sujeito não aparece nos dois primeiros momentos, mas apenas no movimento completo do circuito pulsional. O surgimento do sujeito, então, se realiza para além da polaridade atividade-passividade, mas na possibilidade de bascular entre uma posição e outra, sem se fixar em nenhuma delas. E a partir dessa temporalidade pulsional é possível pensar as posições de gozo do sujeito. Assim, Freud retoma o segundo destino da pulsão: (II) A mudança de conteúdo, do amor para o ódio Freud expande a ambivalência ‘amor versus ódio’ para outras oposições. Como a ambivalência ‘amor versus ódio’ não é primordial, pois o amor é a expressão de todaa corrente sexual, esse par pulsional não se organiza através de uma, mas de três formas: 1. Amor/ódio versus indiferença 2. Prazer – desprazer 3. Amar – ser amado 1. Amor/ódio versus indiferença É a primeira oposição que nos lança à fase psíquica primordial de indiferenciação entre eu e outro. A primeira polaridade se coloca entre ‘sujeito (eu) versus objeto (mundo externo)’. No início, o eu está alheio à existência do outro. Tudo que lhe satisfaz é sentido como próprio e o mundo externo coincide com o que é lhe desagradável, que não lhe dá prazer. O eu, porém, vai começando a reconhecer e registrar estímulos prazerosos também provindos do lado do outro/mundo externo. E assim, sob o domínio do princípio do prazer, ele acaba introjetando para si o que lhe é agradável e expelindo para fora o que lhe causa desprazer. 2. Desprazer - Indiferença Ela se mostra associada ao jogo de ‘prazer – desprazer’. O eu vai registar o prazer que lhe foi causado por um objeto e, de acordo com seus desejos, ele se põe a reencontrá-lo. O ódio, por sua vez, é associado a tudo que lhe causa ou causou desprazer. Diante dessas condições, o eu ativamente provoca uma situação real para trazer os objetos amados para mais perto de si, pois lhe causam prazer, ou para afastar os objetos odiados, pois lhe causa desprazer. 2. Amar – ser amado A terceira expressão da ambivalência entre ‘amor versus ódio’ se mostra na forma ‘amar – ser amado’. Tomando esse último movimento do destino da pulsão que faz com que ela se transforme em seu contrário, segue-se o que vimos a respeito dos três tempos da montagem pulsional. A ambivalência ‘amar – ser amado’, então, se expressa nas formas ‘amar’ (voz ativa), ‘ser amado’ (voz passiva) e ‘se fazer ser amado’ (voz reflexiva). E, a partir disso, Freud correlaciona as posições de atividade e passividade com as posições sexuais masculina e feminina, respectivamente. O sujeito surge apenas no terceiro tempo, na medida em que ele não está fixado em nenhuma posição, mas pode gozar em qualquer lugar na relação que ele estabelece com o Outro. A posição de gozo se instaura na montagem da pulsão. Aquele que goza pode fazê-lo pela posição passiva de ser gozado, pela posição ativa de gozar ou pela posição reflexiva de se fazer ser gozado pelo Outro. O sujeito não pode estar fixado em nenhuma dessas posições. Ele não se resume a um único enunciado, mas pode circular por todos. Quatro características da pulsão Fonte (organismo) Sempre de origem somática Meta (satisfação) Pressão (constante) Objeto (variável) Meio pelo qual atinge a meta e, assim, o mais variado possível. Como sabemos, a pulsão entra em funcionamento a partir da perda do primeiro objeto de satisfação. 3 O fantasma, então, aparece como uma função que organiza em uma realidade suportável essa força pulsional que situa o sujeito na incessante busca pelo reencontro com o objeto perdido. Ele, o fantasma, funciona como uma roupagem que emoldura a pulsão, uma espécie tela na qual é projetada o circuito pulsional. No texto “Uma criança é espancada”,de 1919, Freud busca construir a gênese do quadro fantasmático através das posições de sadismo e de masoquismo. A organização do gozo vai ser estruturada pela identificação entre “ser amado” e “ser batido”, resultado da imbricação da satisfação pulsional com a busca por amor. Assim, o fantasma ordena a montagem da pulsão com enunciados que sustentam a relação do sujeito com o Outro.
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