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Monitorização Hemodinâmica Desde a execução de simples atividades como uma sessão de exercícios físicos, até o manejo do paciente em estado crítico; a monitorização hemodinâmica é imprescindível, principalmente quando se trata de indivíduos com comprometimento do sistema cardiovascular. Em 1870, um médico alemão, Adolf Eugen Fick, mediu pela primeira vez o débito cardíaco e criou a Lei de Fick, que de forma resumida, define a intima relação existente entre os tecidos e os sistemas cardiovascular e respiratório, quando afirma que o débito cardíaco (DC) é a razão do consumo pela diferença arteriovenosa dos tecidos. Nesta afirmação estão inseridas todas as alterações de inúmeras situações clínicas, que são até o nosso dia a dia, motivo de estudo, pesquisa e aplicação clínica. Arthur Guyton analisou as alterações da circulação sanguínea e, em 1955, observou que o DC e a pressão venosa central (PVC) exibem algumas características peculiares: “quando ocorre uma alteração na hemodinâmica do sistema circulatório, não se pode prever o que acontecerá com o DC, a menos que se leve em consideração tanto o efeito da mudança na capacidade do coração de bombear o sangue e também a tendência para o sangue para regressar ao os vasos sanguíneos.” Aplicando este conceito, Guyton criou um gráfico onde podemos identificar os fatores determinantes do retorno venoso (volume sanguíneo, complacência venosa, resistência venosa e a pressão do átrio direito) e da função cardíaca (pré carga, contratilidade e frequência cardíaca). Uma queda na pressão arterial sem alterações no DC indica que uma redução da resistência sistêmica foi o fator desencadeante; neste caso pode ser necessário o uso farmacológico de drogas vasoativas, como a noradrenalina. Mas se a queda da pressão sanguínea é acompanhada de uma redução do DC, devemos saber se o débito cardíaco diminuiu devido à redução da função cardíaca ou do retorno venoso. Isto pode ser respondido ao observar a pressão venosa central. Se houve queda do DC e da PVC, a causa será diminuição do retorno venoso, o qual pode ser revertido com a adequada reposição volêmica; caso contrário, o fator desencadeante é de causa cardíaca e então uso de drogas inotrópicas pode estar indicado. Outra aplicação beira leito de princípios fisiológicos básicos é poder inferir a necessidade de reposição volêmica por meio das variações respiratórias da PVC. Durante esforços inspiratórios espontâneos há redução da pressão pleural, que é transmitido a todas as estruturas intratorácicas, inclusive os grandes vasos. Por isso, durante a inspiração ativa, se houver concomitantemente diminuição da PVC podemos ter um aumento do DC com a infusão de fluidos. Parâmetros dinâmicos, que consideram a interação coração-pulmão,são aplicados buscando determinar a situação dos pacientes em relação acurva de Frank-Starling (Figura 1) e, especificamente, para determinar se o paciente está na porção ascendente da curva, onde um aumento na pré-carga resulta em aumento de volume sistólico... A ecocardiografia é uma ferramenta versátil beira-leito com metodologias validadas capazes de predizer fluido responsividade com boa acurácia. A visualização da veia cava e avaliação da influência do ciclo respiratório na variabilidade do seu diâmetro compreende uma dessas metodologias. A influência da pressão positiva intratorácica nos pacientes em ventilação mecânica durante a inspiração exerce efeito sobre as veias cava superior e inferior, sendo que quanto menor o volume de preenchimento do vaso, maior a influência das pressões positivas sobre o seu conteúdo, com consequente maior variabilidade no seu diâmetro relacionado ao ciclo respiratório Nos pacientes em ventilação mecânica, a visualização da veia cava inferior na porção abdominal (~ 3cm do átrio D – Figura 2), através do eco transtorácico na janela subcostal (modo M longitudinal), permite mensurar as variações no seu diâmetro, sendo proposto nos principais trabalhos o calculo do índice de distensibilidade da veia cava inferior (IDVCI), capaz de predizer a responsividade a fluidos com valores de cut-off maiores que 12% (utilizando (max - min) / valor médio) e 18% (utilizando (max - min) / valor min). Algumas das intervenções terapêuticas dirigidas para corrigir a disfunção do sistema cardiovascular podem levar a piora da função pulmonar (por exemplo, reanimação agressiva com fluidos). Do mesmo modo, o suporte ventilatório com pressão positiva nas vias aéreas podem reduzir a pressão arterial (por exemplo, o aumento da pressão torácica pode dificultar o retorno venoso e reduzir o débito cardíaco) e prejudicar a oferta de oxigênio tecidual. Os casos de insuficiência respiratória relacionados à disfunção aguda do VE, com consequente edema pulmonar cardiogênico, podem estar presentes em diversas situações clínicas, como exemplos: evento isquêmico coronariano, distúrbios do ritmo, miocardite, pericardite, disfunção valvar, distúrbios de pré e pós carga do VE. Na vigência de arritmias complexas com instabilidade, isquemia miocárdica aguda e/ou choque cardiogênico, em geral o paciente será submetido à ventilação mecânica invasiva com pressão positiva e as alterações hemodinâmicas secundárias estarão evidentes. A maior parte dos efeitos cardiovasculares relacionados à ventilação com pressão positiva parece ser decorrente de efeitos mecânicos, associados a resposta simpática autônoma que busca contrabalançar esses mesmos efeitos. Esquematicamente, pode-se resumir esses efeitos em três categorias: - Alterações do retorno venoso para ambos os átrios: A pré carga representa o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDFVE). Em geral, a redução do retorno venoso traduz em redução do VDFVE. O átrio direito e a veia cava estão localizados dentro do tórax. A ventilação mecânica com pressão positiva gera um aumento da pressão intra- torácica com consequente aumento na pressão atrial direita e sobre a veia cava, o que decorre na redução do retorno venoso. Se esta queda no fluxo de sangue venoso é sustentada, o VDFVE (pré-carga) será reduzida podendo impactar em redução do débito cardíaco. Nos casos em que há disfunção ventricular esquerda, o uso da ventilação mecânica com pressão positiva e consequente aumento da pressão intratorácica, leva a redução da pré carga, contribuindo para o melhor o desempenho contrátil do VE. (Figura 1). - Alterações da pós-carga de ambos os ventrículos, com possível alteração da distribuição periférica do fluxo sanguíneo. A pós-carga do VE sofre influência direta da variação da pressão intra- torácica. A máxima tensão sobre as paredes do VE ocorrem no final da fase de contração isométrica, com a abertura da valva aórtIca. Durante a sístole, o volume do VE se reduz e a pós-carga diminui. Quando já existe dilatação de VE, como em pacientes com miocardiopatia dilatada, a tensão máxima nas paredes ocorre durante a sístole, pois o produto máximo entre pressão e volume ocorre nessa fase. O aumento da pressão intra-torácica promove redução da pressão transmural do VE e consequente redução da pós carga. Esse mecanismo sofre influência de outros fatores, como estado volêmico, e depende diretamente da função ventricular dos pacientes. Pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, a ventilação com pressão positiva não provoca redução significativa do débito cardíaco pois a pequena redução do retorno Figura 01- Representação esquemática das possíveis alterações da interação cardiopulmonar com alterações da pressão intratorácica (PIT) e volume pulmonar total (VPT). venoso não altera a pré-carga do VE. Entretanto essa pressão positiva é capaz de reduzir a pós carga do VE com consequente aumento do débito cardíaco. - Alterações de complacência de todas as câmaras cardíacas: Esses efeitos (alterações de pré-carga, complacência, ou pós-carga) podem ser vistos como uma conseqüência diretaou indireta das variações de pressão alveolar. Enquanto pressões alveolares elevadas podem ser diretamente responsáveis pelo estiramento pulmonar e compressão dos capilares septais (alterando a resistência vascular pulmonar e o retorno venoso para o átrio esquerdo), a parcial transmissão das pressões alveolares à superfície pleural pode ser responsável pela compressão do saco pericárdico e das veias sistêmicas intra-torácicas, com consequentes alterações do retorno venoso descritas acima, bem como as alterações de resistência venosa sistêmica, de complacência ventricular, e de pós-carga ventricular . Como o ciclo respiratório é normalmente muito mais lento que o ciclo cardíaco, a passagem de sangue pelos vasos pulmonares pode ser vista como um processo contínuo, ocorrendo praticamente durante todo o ciclo respiratório, e variando apenas de acordo com as pequenas diferenças de pressão e volume encontradas durante a inspiração e a expiração. Como as pressões alveolares costumam ser mais baixas durante a expiração, e considerando-se que o tempo expiratório é comumente mais longo que a fase inspiratória, a maior parte da perfusão pulmonar tende a ocorrer durante a expiração. Como consequência as variações nos níveis de PEEP, exercercem influência hemodinâmica muito marcante, já que a circulação p u l m o n a r é c o m p r o m e t i d a e m s e u m o m e n t o d e m a i o r intensidade.Concomitantemente as influências pressóricas diretas aos vasos pulmonares e pressões intra-torácicas, é preciso considerar os importantes efeitos da chamada “interdependência ventricular” (Figura 3). Figura 02 – Efeito das alterações da pressão intratorácica (PIT) no balanço entre retorno venoso e débito cardíaco em relação a pressão de átrio direito. O retorno venoso diminui linearmente a medida que a pressão de átrio direito aumenta acima de 0 mmHg. Entretanto, se a pressão de átrio direito diminui abaixo da pressão atmosférica, o fluxo máximo passa a ser limitado pelo colapso venoso. O debito do ventrículo esquerdo aumenta progressivamente de acordo com as pressões de enchimento na alterações da PIT desviam a curva de função de VE de maneira paralela com a curva de retorno venoso. Redução da PIT aumenta muito pouco o débito cardíaco enquanto elevações da PIT diminuem profundamente o débito cardíaco. Em concordância com essas colocações, estudos hemodinâmicos comparativos entre diversos modos de ventilação mecânica demonstram que, independentemente do modo específico de ventilação, a pressão média de vias aéreas é o principal responsável pelos efeitos cardiovasculares associados à ventilação mecânica(40). Aumentos do tempo inspiratório, diminuição do tempo expiratório (principalmente quando associados à inversão da relação I:E), grandes pausas inspiratórias, uso de altos volumes correntes, uso de fluxos inspiratórios decrescentes, e uso de PEEP são manobras que tendem a elevar a pressão média de vias aéreas, podendo comprometer a situação hemodinâmica, em especial na população de cardiopatas. Resumindo os complexos efeitos da PEEP sobre a hemodinâmica, os aspectos mais importantes para monitorizar à beira do leito são as consequências potencialmente prejudiciais para o retorno venoso e pós carga do VD. Figura 03 – Efeito da pressão expiratória final (PEEP) sobre o preenchimento do ventrículo esquerdo. Qualquer redução do retorno venoso sistêmico faz com que o influxo do ventrículo direito resulte na diminuição do retorno venoso pulmonar e diminuição do fluxo para o ventrículo esquerdo, isto porque os ventrículos trabalham em série. Além disso, devido ao acoplamento passivo entre ventrículo direito e esquerdo, a PEEP pode levar a efeitos mecânicos direto sobre o preenchimento ventricular esquerdo decorrente da transmissão de pressão sobre as fibras musculares em comum, sobre o septo interventricular comum, e sobre o espaço pericárdico. Esta interação entre os ventrículos, noa qual a função de um influencia sobre a função do outro, é chamado de interdependência ventricular. Classicamente, a interdependência ventricular ocorre pelo aumento do volume VD, o qual diminui a complacência distolica ventricular, pré-carga e débito de VE. Modificado de Luecke e cols.
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