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UMA TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA - ANTHONY DOWNS

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Clássicos 15 
Reitor 
Vice-reitor 
Diretor-presidente 
Presidente 
Vice-presidente 
Editora-assistente 
Chefe Téc. Div. Editorial 
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
João Grandino Rodas 
Hélio Nogueira da Cruz 
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
Plinio Martins Filho 
COMISSÃO EDITORIAL 
Rubens Ricupero 
Carlos Alberto Barbosa Dantas 
Antonio Penteado Mendon~a 
Chester Luiz Galvão Cesar 
Ivan Gilberto Sandoval Fal!eiros 
Mary Macedo de Camargo Neves Lafer 
Sedi Hirano 
Carla Fernanda Fontana 
Cristiane Silvestrin 
UMA TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA 
ANTHONY DOWNS 
Tradução 
Sandra Guardini Teixeira Vaseoncelos 
Copyright © 1957 by Harpen & Row, Publishers, lncorporated 
Título do original em inglês: An Economic Theory of Democracy 
1" edição 1999 
l" reimpressão 2013 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Downs, Anthony 
Uma Teoria Econômica da Democracía I Anthony Downs; 
tradução Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. - I cd. 1 
reimpr. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 
2013. - (Clássicos; 15) 
Título original: An Economic Theory of Democracy. 
Bibliografia. 
ISBN 978~85-314-0469-6 
! . Administração pública. 2. Democracia. 3. Escolha social. 
4. Partidos políticos. 5. Votos (Eleiçôes) I. Título. II. Série. 
CDD-350.0001 
Índice para catálogo sistemático: 
l. Administração pública: Teoria econômiea 350.0001 
Direitos em língua portuguesa reservados à 
Edusp- Editora da Universidade de São Paulo 
Av. Corifeu de Azevedo Marques, 1975, térreo 
0558 !-00! - Butantã- São Paulo~ SP- Brasil 
Divisão Comercial: Te!. (11) 3091-4008 I 3091-4150 
SAC (li) 3091-291!- Fax(!!) 3091-4151 
www.edusp.com.br- e-mail: edusp@usp.br 
Printed in Brazil 2013 
Foi feito o depósito legal 
Para minha mãe e meu pai 
SUMÁRIO 
Apresentação ... _ Fábio Wctnderley Reis ....................... ll 
Prefácio .... 19 
Agradecimentos ....... . . ....... 21 
Parte I. ESTRUTURA BÁSICA DO MODELO 
l. Introdução ................................... . . .. .25 
2. Motivação Partidária e a Função do Governo na Sociedade .. .43 
3. A Lógica Básica do Voto ...................... 57 
4. A Lógica Básica da Tomada de Decisão Governamental ... 71 
Parte !I OS EFEITOS GERAIS DA INCERTEZA 
5. O Significado da Incerteza ..... . ... 97 
6. Como a Incerteza Afeta a Tomada de Decisão Governamental ..... 1 03 
7. O Desenvolvimento de Ideologias Políticas 
como Meio de Obter Votos .............. . 
8. A Estática e a Dinâmica de Ideologias Partidárias 
9. Problemas de Racionalidade sob Governos de Coalizão 
10. Maximização de Voto Governamental 
e Equilíbrio Marginal Individual 
. ......... 1l7 
.. 135 
.163 
.... 185 
UMJJ. TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCR!IC/11. 
Parte!!!. EFEITOS ESPECÍFICOS DOS CUSTOS DE INFORMAÇÃO 
11. O Processo de Tornar-se Informado . . .227 
12. Como os Cidadãos Racionais Reduzem os Custos de Informação .239 
13. Os Retornos Provenientes da Informação e sua Diminuição . . . .257 
14. As Causas e Efeitos da Abstenção Racional .... 
15. 
Parte IV IMPLICAÇÕES E HIPÓTESES DERIVADAS 
U1n Comentário sobre as Teorias Econômicas 
... 279 
de Comportamento Governamental ...... . . .......... 297 
16. Proposições Testáveis Derivadas da Teoria .. 
Bibliografia .... 
Índice Onomástico 
Índice de Assuntos 
10 
.313 
.319 
.. 323 
. .325 
APRESENTAÇÃO 
Fábio Wanderley Reis 
Este volume de Anthony Downs foi originalmente publicado em 1957. É, 
sem dúvida (junto com A Lógica da Ação Coletiva, de Mancur Olson, apare-
cido em 1965 1), um dos, mais importantes trabalhos pioneiros no campo geral 
que veio a se tornar conhecido como a teoria da "escolha racional" (rational 
choice), que se especifica no campo da política, de acordo com certo uso ter-
minológico, como a teoria da "escolha pública" (public choice). O volume 
representa um exemplo precoce e ffutífero, em particular, daquilo que alguns 
analistas designaram como a "escolha pública positiva", interessada, nos ter-
mos de Brian Barry e Russell Hardin, nas "ações individuais e suas conse-
qüências coletivas"2, em contraste com a "escolha pública nonnativa", interes-
sada na articulação entre "preferências individuais e decisões coletivas". A 
escolha pública normativa - também designada, de maneira que se presta a 
confusões, como a "teoria da escolha social" (social choice theory)- tem raí-
zes mais retnotas na subdisciplina conhecida, no campo da economia, como 
l. Mancur Olson, Jr., The Logic C?(Co!lectiveAction: Pub!ic Goods and the Theory q{Groups, Cambridge, 
Massachusclts, 1-larvard University Prcss, 1965, tradução de rábio Fernandez, a ser pubiicado breve-
mente [trad. pela Edusp, nesta coleção]. 
2. A contraposição entre escolha pública positiva e normativa se encontra, por exemplo, em Dennis C. 
Mueller, Pubtic Choice li, Cambridgc, Cambridge University Prcss, 1989; vr_:ja-se também Brian 13arry 
e Russelll-lardin (eds.), Rotiona/ Man and Jrratíonal Society?, Londres, Sage Publications, 1982. 
11 
UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA 
"economia de bem-estar" (welfare economies), e é possível dizer que um dos 
efeitos da conjugação do rigor analítico com a perspectiva normativa que a 
caracteriza foi a revivescência da própria filosofia política, que se tem espe-
cialmente com os trabalhos grandemente influentes de autores como John 
Rawls e Robert Nozick, alguns dos quais já contam com tradução brasileira há 
certo tempo. 
Downs, como Olson, pretende ser estritamente "positivo" em sua abor-
dagem. O que distingue a abordagem é o esforço de tratar os problemas da 
política com a perspectiva e o instrumental próprio da economia como disci-
plina~ mais precisamente, da tnicroeconomia, empenhada na formulação de 
uma teoria abstrata e logicamente rigorosa do comportamento com base em 
certos supostos gerais, destacando-se o suposto da racionalidade dos agentes. 
Se uma visão convencional dos objetivos da microeconon1ia provavelmente 
exigiria a especificação de que se trataria de uma teoria do comportamento 
econômico, a aplicação da abordagem econôtnica aos fenômenos convencio-
nalmente percebidos como pertencendo a outros campos (ciência política, 
sociologia) envolve justamente a suposição de que a economia como discipli-
na teórica redunda numa teoria do comportamento racional como tal, a qual 
seria em princípio válida para qualquer comportamento que envolva um pro-
blema de eficácia e seja, portanto, passível de ser apreciado em termos de 
racionalidade: a busca de poder político, status ou prestígio social não menos 
do que a de ganhos "econômicos" ou materiais. 
A fórmula das "ações individuais e suas conseqüências coletivas" para 
caracterizar a abordagem ressalta o que há de problemático na passagem do 
nível "tnicro"- correspondendo, no limite, às ações dos atores individuais na 
busca supostamente racional de seus objetivos de qualquer natureza - e o 
nível coletivo ou agregado ("macro"). Na verdade, a grande contribuição do 
livro de Olson, acima colocado ao lado deste volume de Downs, consiste em 
dar forn1Lllação abstrata e genérica à intuição de um paradoxo na articulação 
dos dois níveis, intuição esta que se acha presente em Downs e que, de fato, 
emerge fí·eqüentemente, com feições variadas, no pensamento de vários auto-
res ao longo de toda a história do pensamento político ocidental. Refiro-me ao 
chatnado "paradoxo da ação coletiva", em que a ação racional dos atores no 
plano ''micro" (os indivíduos ou mesmo os atores coletivos de menor escala) 
aparece corno propensa a resultar em irracionalidade no plano "macro", com a 
frustração dos objetivos ou interesses de todos. Cabe notar que o paradoxo 
assume por vezes a forma, em certo sentido oposta à recém-indicada, em que 
vícios privados ou "micro" resultam em virtude pública ou "macro". Seja 
12 
APRESENTAÇÃO 
como for, o que importa é que há traços que emergem no nível agregado (os 
efeitos "agregados", "emergentes" ou "perversos", na linguagem de algunsl)como regularidades que não apresentam correspondência com os desígnios 
dos atores tomados isoladamente e, às vezes, se colocam em aberta coi)tradi-
ção com eles. A questão das relações entre racionalidade individual e raciona-
lidade coletiva é, portanto, central. 
O curioso, contudo, é que a intuição do que bá de problemático nas rela-
ções entre os planos "micro" e "macro", tão fortemente presente na abordagem 
da escolha racional em suas diferentes variantes, não impede que a perspecti-
va mais ortodoxa dentre os seus proponentes se caracterize pela expectativa de 
derivar com êxito o que se passa no plano agregado ou coletivo com recurso à 
construção teórica assentada em postulados referidos ao plano individual ou 
"micro"-- ou de estabelecer, segundo o conhecido lema da escolha racional, 
"os fundan1entos micro dos fenômenos macro". Uma caracterização simples 
que permite esclarecer tanto os possíveis fundamentos dessa expectativa quan-
to as dificuldades que enfrenta se tem com a distinção de Jon Elster entre o 
comportamento intencional, de um lado, e, de outro, dois tipos de causalida-
de, a causalidade subintencional e a causalidade supra-intenciona/4 
Comportamento intencional é o comportamento dos agentes huinanos 
capazes de desígnio e racionalidade; trata-se de algo que corresponde, em 
princípio, ao plano dos indivíduos, com o que há de desígnio no plano das 
coletividades (organizações de um tipo ou outro), sendo visto como suposta-
mente redutível aos indivíduos e à interação entre eles, de acordo com os prin-
cípios do "individualismo metodológico" próprio da abordagem da escolha 
racional. A causalidade subintencional seria aquela com que lidam as ciências 
da natureza e, de maneira peculiar, a psicanálise, que contempla fatores alheios 
à vontade dos indivíduos a condicionar-lhes o comportamento (não obstante o 
suposto racionalista que associa a cura com a assunção de autocontrole cons-
ciente por parte do agente antes submetido à operação de tais fatores). Mas a 
causalidade supra-intencional é a que interessa de maneira singular às ciências 
sociais: ela corresponde justamente àquilo que "emerge" como regularidades 
"objetivas" da interação dos atores individuais distinguidos por intencionalida-
de. Esta é a causalidade especificamente "sociológica", objeto, por exemplo, 
3. Veja-se, por exemplo, Raymond Boudon, Ef!Cts pervers et ordre social, Paris, Presses Universitaires de 
F rance, ! 977. 
4. Veja-se Jon Elster, Logic mui Society: Contradic!ions and Possible Worids, New York, .John Wiley & 
Sons, 1978, apêndice 2 do capítulo 5, "CaLtsa!ity and lntentionality: Three Models oi'Man". 
13 
UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA 
da forte intuição durkheimiana em que o mundo social aparece marcado pelas 
características de objetividade e exterioridade com relação às consciências 
individuais, resultando na "coerção social" e levando Durkheim a estabelecer 
como regra importante do método sociológico a de "tratar os fatos sociais 
como coisas". O plano do "agregado" ou "emergente" é, pois, o plano que a 
sociologia "convencional" reivindica em. sua especificidade e no qual se insta-
la, enquanto a perspectiva econômica ambiciona dar conta dele em termos de 
mecanismos correspondentes ao plano individual ou "micro". 
Como costuma acontecer, cumpre apontar méritos e dificuldades de 
parte a parte. Assim, não há como negar o interesse e a importância do ques-
tionamento feito pela abordagem econômica dos postulados próprios do 
"coletivismo metodológico", destacando-se a idéia da contradição micro-
macro e a percepção do caráter problemático da ação coletiva, que a perspec-
tiva sociológica convencional tende classicmnente a ver, ao contrário, como 
decorrendo natural e espontaneamente do simples compartilhamento de deter-
minada condição objetiva pelos indivíduos ou atores de nível "micro". De 
outro lado, contudo, é claramente precária a aposta decisiva da abordagem 
econômica em sua face mais ortodoxa, segundo a qual seria possível deduzir 
a sociedade e reconstruí-la teoricamente a partir da mera suposição de racio-
nalidade e de agentes individuais calculadores postos numa espécie de "esta-
do de natureza", pois a recuperação do cálculo do agente e a avaliação da 
racionalidade da ação supõem que se esteja adequadamente informado a res-
peito do contexto em que o agente atua - e que se possa, portanto, entre 
outras coisas, aquilatar a extensão e a acuidade da informação que o próprio 
agente processa ao agir e a qualidade do seu cálculo. Ora, o analista não tem 
como obter a informação requerida com os instrumentos da abordagem eco-
nômica ou da perspectiva da escolha racional por si mesma, e não pode pres-
cindir, na caracterização do contexto, do equipamento fornecido pela ciência 
social convencional. Por outras palavras, o uso do próprio postulado de racio-
nalidade, que seria a marca distintiva da abordagem econômica, remete à ciên-
cia social convencionaL E a receita consistirá em combinar o recurso àquele 
postulado, importante e mesmo indispe\1sável (e de fato sempre presente, 
ainda que freqüentemente de forma tosca e pouco elaborada, em qualquer 
esforço de "compreensão" do comportamento), com a contextualização que só 
a ciêucia social convencional possibilita. 
Na verdade, as razôes de perplexidade envolvidas na articulação micro-
macro têm produzido, há algum tempo, sinuosidades reveladoras nas relações 
da econon1ia con1 as demais ciências sociais. Se a perspectiva ortodoxa da 
14 
APRESENTAÇÃO 
public choice pode ser descrita como correspondendo à "economicização" da 
ciência política, no sentido do recurso ao instrumental da análise econômica 
para tratar os fenômenos da esfera política, são vários os esforços mais ou 
menos recentes que redundam no movimento inverso e que se poderiam des-
crever como uma espécie de "sociologização" e "politização" da ciência eco-
nômica. É o caso, para começar, da perspectiva da "nova esquerda" de alguns 
decênios atrás, para a qual, de forma curiosa e sugestiva, certos autores reivin-
dicavam o rótulo de "nova economia política", também sendo usado para indi-
car a public choice; na óptica da nova esquerda, porém, tratava-se de designar 
com esse rótulo a atenção para fatores políticos e macrossociais na operação 
da economia, numa empreitada que poderia justificar a divisa de busca dos 
"fundamentos macro dos fenômenos n1icroeconômicos", sin1etrican1ente ao 
lema da "escolha racional". Mas é também o caso de diversas tentativas cor-
rentes de estabelecer uma economia "pós-walrasiana"~ genericamente designa-
da às vezes cmno o "novo institucionalismo" ou a "nova econmnia institucio-
nal". Apesar de ambigüidades e desdobramentos equivocados, que se ligam 
com a pretensão reiterada de revelar as "microfundações" das instituições, 
podem citar-se perspectivas como a do "intercâmbio conflituoso", de Samuel 
Bowles e Herbert Gintis, ou a da "economia da informação", de Joseph 
Stiglitz, onde se tem o estudo das "falhas de mercado" e o questionamento de 
velhos supostos da economia neoclássica (preferências dadas, enjàrcement 
sem custos, informação sem custos), como exemplos de esforços que levam à 
diluição das fronteiras entre a economia e as demais ciências sociais de manei-
ra que resulta diferente da mera invasão do campo convencional destas últimas 
pelos instrumentos tradicionais da análise econômica - e que ocasionalmen-
te, como nos trabalhos de Robert Bates, chega mesmo ao recurso explícito às 
contribuições de sociólogos e· cientistas políticos'. 
O presente volume de Downs ilustra uma faceta particular do confronto 
das perspectivas econômica e sociológica, a saber, a faceta relativa à explica-
ção da democracia e dos processos políticos específicos que nela se dão. As 
análises empreendidas na perspectiva sociológica convencional a respeito, 
ainda que não deixem de considerar os interesses, tendem a destacar o papel 
5. Veja-se, por exemplo, Samuel Bowlcs e Herbert Gintis,"The Revenge of Homo Economicus: 
Contested Exchange and the Reviva! o f Po!itica! Economy", Journal o/Economic Perspecti\'es, voL 7, 
n. 1, 1992, pp. 83~! 02; Joseph E. Stiglitz, Whither Sociafism'?, Cambridgc, Massachuselts, The M!T 
Press, 1994; e Robert I-L Bates, Beyond the Miracle olthe Market, Cambridge, Cambridge University 
Press, 1989. 
15 
UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA 
cumprido pelos "valores" ou pela "cultura política", tanto na criação de 
democracias estáveis quanto na dinâmica democrática, especialmente nas 
decisões envolvidas na vida eleitoral e partidária. A discussão feita por 
Downs trata o processo político-eleitoral em termos análogos aos que são uti-
lizados para dar conta do jogo do mercado na ciência econômica, salientando 
o cálculo realizado por partidos e eleitores em variadas circunstâncias que 
encontram regularmente ao tomar suas decisões. O livro estabeleceu um 
marco usualmente tomado como referência pelos autores que se dedicam ao 
estudo do processo eleitoral, quer se trate de autores simpáticos à abordagem 
econômica ou reticentes ou hostis diante dela. Entre os inúmeros comentários 
de maior ou menor fôlego a que deu origem, sem dúvida cabe destacar o volu-
me de Brian Barry intitulado Sociologists, Economists and Democracy, que 
já em 1970 realizava minucioso confronto das perspectivas de economistas e 
saciá lagos a respeito da democracia e sua dinâmica, com atenção especial 
para as análises de Downs6. 
Certamente não seria o caso de fazer o elogio sem reservas do que Downs 
tem a dizer-nos. Com toda a importância que atribuem a Downs, comentários 
críticos como o de Barry apontam com acerto várias dificuldades específicas 
en1 que suas análises incorre1n. Contudo, o volume é uma amostra bem clara 
da riqueza de intuições e resultados analíticos que cabe esperar da abordagem 
da escolha racional, se tomada com a devida sobriedade. 
O que se disse acima quanto às dificuldades epistemológicas da adoção 
da racionalidade con1o categoria decisiva aponta para um paradoxo crucial da 
abordagem, que se vê forçada a optar entre: (1) aderir de maneira conseqüente 
aos desdobramentos da posição central atribuída à racionalidade e dar atenção 
plena às complicações nela envolvidas, caso em que a perspectiva da escolha 
racional, ao invés de permitir a reinvenção "micro fundada" da sociologia, não 
escaparia de diluir-se numa sociologia "convencional" para dar conta daquilo 
que conforma socialmente o próprio ator racional como tal, incluindo as nor-
mas e os valores em função dos quais se define sua identidade e se torna pos-
sível a busca de objetivos remotos ou rnestno transcendentais e, portanto, uma 
racionalidade de maior fôlego; ou (2) apegar-se a uma concepção de certa 
forma mais estreita de racionalidade, na qual se visualizan1 agentes em busca 
de objetivos dados por contextos bem definidos e se podem explorar com rigor 
os desdobramentos da lógica do cálculo assim "contextualizado". A segunda 
6. Brian Barry, Sociofogisrs, Eco1tomists and Democmcy, Londres, Co!lier·Macmillan, ! 970. 
16 
APRESENTAÇÃO 
opção envolve, sem dúvida, certa abdicação com respeito às ambições maiores 
dos teóricos da escolha racional; mas, além de ser provavelmente a condição 
para que esta possa pretender apresentar-se como abordagem peculiar perante 
a sociologia ou a ciência social convencional, a aparente modéstia da opção 
está longe de significar que os problemas que assim se situam sob seu foco 
analítico sejam problemas sem interesse ou destituídos de importância. O pre-
sente volume revela os ganhos possíveis de certa simplificação ligada à ade-
são aos postulados relativos à racionalidade, em que a estilização e mesmo a 
distorção das complexidades da realidade se compensa com o interesse analí-
tico dos insights obtidos. Um exemplo se tem com as análises em que as idéias 
de Harold Hotelling sobre competição espacial são transpostas da esfera do 
mercado pára a da competição partidária: não obstante as críticas a que se 
expõem diversos pontos específicos da discussão de Downs, sua fecundidade 
fica evidente nas numerosas retomadas por outros autores e nos enriquecimen-
tos que lhes foram trazidos. Merecem destaque, aqui, as análises dos sistemas 
partidários empreendidas por Giovanni Sartori (que não pode ser visto como 
adepto da escolha racional em sentido mais estrito) em Parties and Party 
Systems, de 1976, que culminam nas implicações e ramificações da idéia de 
competição espacial e se envolvem em intenso diálogo com Downsl. 
Além disso, não obstante a importância do lugar a ser reservado às normas 
e valores na explicação da democracia e da política em geral, a relevância da 
ênfase geral no cálculo "contextualizado" dos interesses dificilmente poderia ser 
exagerada, especialmente diante da tendência a certa idealização que cerca a 
ênfase nos fatores valorativos e na "cultura política", no Brasil não menos que 
em outros países. Vale talvez a pena evocar, como fecho destas breves notas, 
alguns dados brasileiros a respeito. Produzidos e examinados (em textos ainda 
inéditos) em conexão com um projeto de pesquisa executado no Departamento 
de Ciência Política da UFMG há alguns anoss, os dados em questão mostram 
que, em amostras de categorias diversas da população brasileira (e provavelmen-
te de maneira mais geral), níveis mais altos de informação e sofisticação se 
acham associados, em condições normais, com maior propensão ao comporta-
7. Gíovanni Sartori, Parties and Party Systems: A F'rame\·vorkfor Analysis, voL I, Cambridge, Cambridge 
Univcrsity Press, !976. Note-se que a edição brasileira (Partidos e Sistemas Partidários, Brasília, 
Uni3/Zahar, 1982) contém importante adendo ao texto da edição inglesa original, que se encontra jus-
tamente no capítulo final sobre a competição espaciaL . 
8. Projeto "Pacto Soda! e Democracia no Brasil", executado pelo autor em colaboração com Mônica Mata 
Machado de Castro, Edgar Magalhães, Antônio Augusto Prates e Ma!ori Pompermaycr. Os textos men-
cionados devem publicar-se brevemente. 
17 
UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA 
menta orientado por non11as ou valores solidários ou cívicos; contudo, na ocor-
rência de circunstâncias que evidenciem o caráter inócuo ou ineficaz da postura 
cívica, quanto 1naiores a infOrmação e a sofisticação, tanto maior a propensão a 
substituir a postura cívica pela disposição à defesa desembaraçada ou cínica do 
interesse próprio. Do ponto de vista que aqui nos importa, dois aspectos mere-
cem ser realçados: em primeiro lugar, em vez da contraposição cortante entre a 
referência a normas e o cálculo racional qne muitas discussões tendem a supor, 
o que os dados revelam é um padrão de articulação complexa entre a maior ou 
menor adesão a normas, de u1n lado, e, de outro, um elemento crucial para o cál-
culo e as feições por ele assumidas, ou seja, o elemento cognitivo, a informação 
em sentido amplo; em segundo lugar, os dados indicam também, como parte 
desse padrão, a importáncia de situações em que a atuação do fator cognitivo 
(das percepções e expectativas) torna simplesmente irrelevantes e inoperantes 
mesmo as normas a que convencionalmente de fato se adere, determinando o 
predomínio de considerações orientadas pelos interesses. Se os mecanismos 
assim sugeridos mostram-se importantes para o caso de democracias consolida-
das e efetivas, onde a vigência de normas e da "cultura cívica" não teria por que 
ser vista como obstáculo à atuação "downsiana" do cálculo guiado por interes-
ses, eles o são também, e de modo provavelmente especial, para fenômenos 
como a deterioração das disposições democráticas em situações de crise. Sem 
falar do jogo "fisiológico" de vale-tudo próprio da condição pretoriana em que 
tão longamente nos debatemos e cuja vigência impede o enraizamento efetivo 
das instituições democráticas: a superação dessa condição não parece depender 
apenas (ou sequer principalmente) de que normas cívicas sejam difundidase 
assimiladas, mas antes de um difícil jogo de coordenação em que as cognições e 
expectativas venham a convergir de maneira consistente em direção propícia. 
!8 
PREFÁCIO 
Este livro procura elucidar seu assunto- o governo de Estados democrá-
ticos - tornando inteligível a política partidária das democracias. Esse era o 
ponto adequado para abordar o problema intelectual que o autor escolheu para 
si próprio, ou assim me parece. É um fato que sistemas partidários competiti-
vos são um traço visível de praticamente todas aquelas nações que o mundo 
não-comtmista considera como democráticas. É um fato ainda mais importan-
te que o que está em jogo no governo, e na competição para controlar os car-
gos públicos do governo, é basicamente a mesma coisa. Fundamentalmente, 
governar significa conseguir que as pessoas façan1 coisas, ou conseguir que 
elas deixem de fazer coisas. Aqueles que têm a autoridade formal para gover-
nar, se é para eles governarem realmente, devem procurar descobrir quem está 
com eles e quem está contra eles. Nos Estados democráticos modernos, essas 
operações de inteligência e propaganda são políticas partidárias, ou são prin-
cipalmente isso. Uma teoria da democracia que deixe de levar esse fato em 
conta é de pouca valia em nos dar uma apreciação dos tipos de ações que pode-
mos esperar de um governo democrático. 
Tendo dado à política partidária um lugar central em seu pensamento 
sobre a democracia, Downs a trata de modo muito diferente de outros estudio-
sos de política. Todo o seu esforço vai na direção de explicar o que os partidos 
e os eleitores fazem. Suas explicações são sistematicamente relacionadas a 
suposições afirmadas com exatidão sobre as motivações que acompanham as 
I9 
UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA 
decisões de eleitores e partidos e sobre o ambiente em que eles agem, e 
dedutíveis dessas suposições. Ele está conscientemente preocupado com a eco-
nomia da explicação, isto é, em tentar explicar os fenômenos em termos de 
uma quantidade muito limitada de fatos e postulados. Também está preocupa-
do com as principais características da política partidária em qualquer Estado 
democrático, não com a dos Estados Unidos ou de qualquer outro país, indivi-
dualmente. O livro de Downs não torna obsoletas, em qualquer sentido, as des-
crições cuidadosas e profusamente documentadas de atividades partidárias que 
caracterizam o melhor trabalho anterior nesse campo. É muito mais um ponto 
de partida para a ordenação e atribuição de importância às descobertas de 
grande parte da pesquisa passada e futura. 
Downs pressupõe que os partidos políticos e os eleitores agem racional-
mente na busca de certas metas claramente especificadas -- é esse pressupos-
to, na verdade, que dá à sua teoria seu poder explicativo. A maioria de nós 
somos filhos tão acrílicos de Freud que dizer "Ele fez aquilo porque decidiu 
que era a melhor maneira de conseguir o que queria" tende a nos parecer como 
não muito profundo. Todavia, assim como firmas que não se envolvem na 
busca racional do lucro tendem a deixar de ser firmas, também os políticos que 
não buscam votos de uma maneira racional tendem a deixar de ser políticos. O 
comportamento dos eleitores pode ser ignorante, mas isso não é equivalente a 
ser irracional. É óbvio que se deve testar rigorosamente, na experiência, a uti-
lidade de se pressupor racionalidade por parte dos atores políticos, mas as ale-
gações de Downs com relação à utilidade deveriam ficar claras a partir do que 
ele fez com aquele pressuposto. 
Não posso dizer, nem mesn1o nesse Prefácio, que Uma Teoria Econômica 
da Democracia de Anthony Downs é um livro sem defeitos. Mas posso dizer, 
de modo muito sincero, que há poucos livros que tiveram um impacto tão gran-
de no meu pensamento, ou que eu gostaria tanto de ter escrito. Daqui a alguns 
anos, ficarei surpreso se a obra de Downs não for reconhecida como o ponto 
de partida de um desenvolvimento muito importante no estudo da política; sua 
influência já é considerável e continua a crescer. 
211 
STANLEY KELLER JR. 
Princeton, NJ 
Maio de 1965 
AGRADECIMENTOS 
Como todas as obras supostamente originais, este estudo deve muito de 
seu conteúdo ao pensamento e esforços de outras pessoas. Gostaria de agrade-
cer particularmente a Kenneth Arrow por todas as horas que devotou à orien-
tação e correção do meu pensamento e pelas muitas idéias excelentes com que 
contribuiu. Também gostaria de agradecer a Robert A. Dahl e Melvin W. 
Reder, que ,leram o manuscrito e fizeratn muitas sugestões que incorporei. 
Além disso, minha gratidão vai para Dorothy Wynne, que corrigiu diversos 
erros na primeira versão do Capítulo 1 O; para Julius Margolis, cujo interesse e 
paciência nas prüneiras discussões sobre o assunto me encorajaram a e1nbar-
car neste estudo; c para Carolyn Young e James Smith, que tiveram o trabalho 
de cuidar da datilografia e edição da versão final. Finalmente, gostaria de agra-
decer ao Office o f Naval Research pelo auxílio que tornou este estudo possí-
vel. Naturalmente, quaisquer erros nele devem ser considerados como parte da 
minha própria contribuição original. 
21 
ANTHONY DüWNS 
Stanford University 
Maio de 1956 
Parte I 
ESTRUTURA BÁSICA DO MODELO 
1 
INTRODUÇÃO 
No Intmdo todo, os governos dominam a cena econôJnica. Seus gastos 
determinmn se prevalece o pleno emprego; seus impostos inf1uencian1 incon-
táveis decisões; suas políticas controlam o cmnércio internaciomll; e suas 
regulamentações domésticas se estendem a quase todo ato econômico. 
Contudo, o papel do governo no mundo da teoria econômica não é de 
n1oclo algum proporcional à sua predominância. É verdade que, en1 cada 
campo separado da economia, o pensmnento recente se concentrou de manei-
ra frutífera no impacto do governo sobre a tomada privada de decisão, ou na 
participação do governo em agregados econ6micos. Mas pouco progresso se 
fez na direção de uma regra de comportamento generalizada porém realista 
para um governo racional, semelhante às regras tradicionalmente usadas no 
caso de consumidores e produtores racionais. Como resultado, o governo não 
foi integrado com êxito àqueles que tomam decisões privadas numa teoria 
geral do equilíbrio. 
Ess.a tese é uma tentativa de fornecer essa regra de comportamento para 
o governo den1ocrático e de rastrear suas implicações. Ao perseguir esses obje-
tivos, não fingimos resolver todos os problemas que têm li·ustrado a análise 
nesSe campo. Entretanto, esperamos caminhar para a solução de alguns detes 
e formular uma saída razoável para outros que são intrinsecamente insolúveis. 
25 
lunasassara
Realce
UMA TEORIA ECON6M!CA {)A DEMOCRACIA 
I. O SIGNIFICADO DE RACIONALIDADE NO MODELO 
A. O conceito de racionalidade na teoria econômica 
Os teóricos econômicos quase sempre exan1inaram as decisões como se 
elas fossem ton1adas por mentes racionais. Esse simplificação é necessária 
para a previsão de comportamento, porque as decisões tomadas aleatoriamen-
te, ou sen1 qualquer relação entre si, não obedecem a nenhun1 padrão. Todavia, 
as ações humanas só podem ser previstas, ou as relações entre elas sujeitas a 
análise, se elas formarem algum padrão. Portanto, os economistas devem 
adn1itir que ocorre um ordenamento de comportamento. 
Não há razão a priori para presumir que esse ordenamento é racional, 
isto é, razoavehnente dirigido para a realização de objetivos conscientes. 
Entretanto, a teoria econômica se erigiu sobre a suposição de que prevalece a 
racionalidade consciente, apesar das ácidas afirmativas contrárias de hmnens 
como Thorstein Veblen e John Maurice Clark. Já que nosso modelo ex defíni-
tione diz respeito ao comportmnento racional, temos também que fazer essa 
suposição 1. 
Con1o resultado, os n1étodos tradicionais de previsão e análise são apli-
cáveis ao nosso modelo. Se o teórico conhece os propósitos daquele que toma 
decisão, ele pode prever quais passos serão dados para atingi-los, como se 
segue:( 1) ele calcula o caminho mais razoável para aquele que toma decisão 
atingir suas metas, e (2) presume que esse caminho será realmente escolhido 
porque aquele que toma decisão é racional. 
A análise econôn1ica, portanto, consiste de dois importantes passos: des-
coberta dos objetivos que aquele que toma decisão está perseguindo e análise 
de quais 1neios de atingi-los são os n1ais razoáveis, isto é, exigem a menor apli-
cação de recursos escassos. Ao executar o primeiro passo, os teóricos geral-
n1ente tentarmn reduzir os fins de cada agente econôn1ico a uma única n1eta, 
de n1odo que se possa encontrar uma 1naneira eficiente de atingi-la. Se se per-
mitem múltiplas metas, os n1eios apropriados a uma delas podem bloquear a 
I. Ver nota 3, p. 27. Nossn dei'iniçi'\o de mcionafidade inclui o pressuposto de que os homens buscam seus 
própdos interesses diretamente sem dislluçó-!os, exceto em um caso especí rico discutido no Capítulo 
3. Para uma an::\1 i se das ocasiões em que os homens racionais escondem suas preiCrências, ver Kenndh 
J. 1\rrow, S'ocial Choice Cl!hllndividua! ltt!ues, New York, John Wilcy & Sons Inc., i 951, p. 7. Como 
AtTow, excluímos de nosso estudo os aspectos "prazeres do jogo" cb tommlél de deci&lo, exceto po1· 
nlguns comen!á1·ios específicos. 
26 
!NT!WDUÇ;[O 
consecução de outra; portanto, não se pode traçar apenas um único cam.inho 
para aquele que tmna decisões racionalmente seguir. Para evitar esse itnpasse, 
os teóricos postulam que as firmas rnaxünizmn os lucros e os consumidores 
maximizam a utilidade. Quaisquer outras metas que qualquer um dos dois 
tenha são consideradas desvios que qualificam o caminho racional en1 direção 
à meta principal. 
Nessa análise, o termo racional nunca é aplicado aos :hns de mn anente " , 
mas somente a setiS ·meios2. Isso resulta da definição de racional como eficien-
te, isto é, maxin1izar o produto no caso de um dado insumo, ou nlinimizar o insu-
mo no caso de um dado produto. Desse modo, todas as vezes que os economis-
tas se referem a um "homem racional", eles não estão designando un1 homem 
cujos processos de pensamento consistem exclusivamente de proposições lógi-
cas, ou um homem sem preconceitos, ou un1 hmnem ct~jas emoções são lnope-
rantes. No uso normal, todos esses poderiam ser considerados homens racionais. 
Mas a definição econômica se refere unicatnente ao home.m que se n1ove em 
direção a suas metas de um 1nodo que, ao que lhe é dado saber, usa o n1ínimo 
insumo possível de recursos escassos por unidade de produto ·valorizado. 
Para esclarecer essa definição, vamos considerar um exemplo de comporta-
mento que é racional apenas no sentido econômico. Suponha que um monge esco-
lheu conscienten1ente, como sua meta, atingir un1 estado de contemplação 1nística 
de Deus3. A fim de atingir sua meta, ele deve purificar sua n1ente de todos os pen-
smnentos lógicos e da busca consciente da meta. Econon1icamente íàlando, essa 
purgaçãO é bastante racional, embora fosse considerada irracional, ou peto menos 
não-racional, por quaisquer das definições não-econômicas de racionalidade. 
2. Estamos presumindo, ao longo deste estudo, que os fins podem ser separados dos meios na mente 
dnquelc que lo ma decis5o. Em bom se possa argumentar que as metns podem ser modii'ic8das pelos pro-
cessos usados pan1 ntingi-18s, nlguma sep<naç5o entre fins e meios deve ser permitida, ou todo o com-
portamento se torna desorganizado c sem sentido. Conseqüentemente, admitimos que todo uquek que 
toma decisfio nvalia as alternativas diante dele pela relnção delas com seus fins, mesmo que esses rins 
sejam lemponhios ou sejam eles próprios meios para um fim último. Para uma discussllo desse p1·oble-
ma, ver William J. 8numol, Wel/(tre Economics and the 7/u!ory o{! h e Srate, London, Longnwns, Grcen 
anel Co., 1952, p. 121 n. 
3. Metas conscientememc escolhidas nflo precisam ser {I) m.1n!idas conti:nmmcnte na consciência 
enquanto estilo sendo perseguidns ou {2) puramente uma ques!iío de livre escolha.() primeiro ponto 6 
provado pelo exemplo dado. O segundo pode ser tnostrado pelo falo de que os homens conscientemen-
te procuram obter alimento, embma seu desejo subjacente de comer scjn intrínseco n sua natureza. 
Desse modo, n seleção consciente pode, às vezes, se limitar a especificnmente pôr em priiticn impulsos 
brtsicamente inconscientes. 
27 
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UMA TEO!UA ECONÔAI!CA DA DEMOCRAC!A 
Racionalidade econômica t~tmbém pode ser formalmente definida de 
outra n1aneira. Utn home1n racional é aquele que se cmnporta cmno se segue: 
( 1) ele consegue sempre tomar uma decisão quando confrontado com uma 
gama de alternativas; (2) ele classifica todas as alternativas diante de si en1 
ordem de preferência de tal modo que cada urna é ou preferida, indiferente, ou 
inferior a cada uma das outras; (3) seu ranlâng de preferência é transitivo; (4) 
ele sen1pre escolhe, dentre todas as alternativas possíveis, aquela que fica em 
primeiro lugar em seu ranking ele preferência; e (5) ele sempre toma a mesma 
decisão cada vez que é confrontado com as .mesmas alternativas4 . Todos aque-
les que tomam decisão racionalmente no nosso modelo - inclusive partidos 
políticos, grupos de interesse e governos- mostran1 as tnesmas qualidades. 
A racionalidade assim definida se refere a processos de ação, não a seus 
fins ou até tnestno a seus êxitos e1n alcançar os fins desejados. É notório que o 
planejamento racional às vezes produz resultados muito inferiores àqueles obti-
dos por pura sorte. A longo prazo, esperamos naturalmente que um homem 
racional tenha utn desempenho melhor do que um homem irracional, ceteris 
paribus, porque os fatos aleatórios se neutralizam e a eficiêncià triunfa sobre a 
ineficiência. Contudo, já que o comportamento no nosso modelo não pode ser 
testado por seus resultados, aplicmnos o termo racional ou irracional apenas a 
processos de ação, isto é, a n1eios. Naturalmente, alguns meios intermediários 
são eles próprios meios para fins últimos. A racionalidade dos primeiros nós 
pode1nos julgar, 1nas a avaliação dos últimos está além do nosso escopo. 
B. O conceito estrito de racionalidade no presente es·tudo 
Entretanto, n1esmo que não possamos decidir se os fins daquele que toma 
decisão são racionais, devemos saber o que .'l'ào antes que pos:wmos decidir se 
o comportamento é racional, no seu caso. Além disso, ao designar esses fins, 
deven1os evitar a conclusão tautológica de que o comportamento de todo 
homem é racional porque ( l) visa a algum fim e (2) os lucros devem ter supe-
rado seus custos, em sua opinião, ou ele não o teria adotado. 
Para escapar dessa annadilha, concentnunos nossa atenção apenas nas 
metas econômicas e políticas de cada indivíduo ou grupo no modelo. 
Reconhecidamente, a separação dessas metas das n1uitas outras que os hon1ens 
4. Essas condições silo tiradas da análise nos Capítulos I e 2 de A1-row, op. cit. 
28 
INTRODUÇÃO 
perE;eguem é bastante arbitrária. Por exemplo, um executivo de uma corpora-
ção pode trabalhar por uma renda maior porque gosta de trabalhar e também 
para ter mais poder de compra; daí, considerar esse últüno como seu único 
motivo real é errado, assim como arbitrário. Todavia, esse é um estudo de 
racionalidade econô1nica e política, não de psicologia. Portanto, ainda que 
considerações psicológicas tenham um lugar legítimo e significativo tanto na 
economia quanto na ciência política, nós nos desviamos delas, exceto por uma 
breve menção no Capítulo 2. 
Nossa abordagem das eleições ilustra como funciona essa definição 
estrita de racionalidade. A função política das eleições numa democracia, pre-
sumimos, é selecionar um governo. Portanto, comportmnento racional vincu-
lado às eleições é comportamento orientado para esse fim e nenhum outro. 
Vamos admitir que um certo homem prefere o partido A por razões políticas, 
mas sua esposa tem umacesso de raiva toda vez que ele deixa de votar no par-
tido B. É perfeitamente racional, do ponto de vista pessoal, que esse homem 
vote no partido B, se evitar os acessos de raiva de sua mulher é mais ln1portan-
te para ele do que a vitória de A, em vez de B. Contudo, em nosso modelo tal 
comportamento é considerado irracional porque emprega úm expediente polí-
tico para um propósito não-político. 
Desse modo, não levamos em consideração a personalidade global de 
cada indivíduo quando discutimos qual comportamento é racional no caso 
dele. Não abrimos espaço para a rica diversidade dos fins atendidos por cada 
um de seus atos, a complexidade de seus motivos, o modo como cada parte de 
sua vida está intimamente relacionada com suas necessidades emocionais. Ao 
contrário, tomamos emprestada da teoria econô1nica tradicional a idéia do con-
sun1idor racional. Corrcspondendo ao notório honzo economicus que Veblen e 
outros censuraram severamente, nosso homo politicu.Y é o "homem rnédio" do 
eleitorado, o "cidadão racional" de nossa democracia modelo. 
Porque permitimos que esse homem político tenha incertezas sobre o 
futuro, ele não parecerá ser tanto um personagem de cérebro de n1áquina de 
calcular quanto o homem econômico dos utilitaristas. No entanto, ele perma-
nece sendo uma abstração da plenitude real da personalidade humana. 
Presumimos que ele aborda cada situação com um olho nos ganhos a ser obti-
dos, o outro olho nos custos, uma capacidade delicada de equilibrá-los e um 
forte desejo de ir aonde quer que a racionalidade o leve. 
Sem dúvida, o fato de nosso mundo-modelo ser habitado por esses 
homens artificiais limita a comparabilidade de comportamento, dentro dele, ao 
comportamento no mundo real. Nesse último, alguns homens realmente votam 
2Y 
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UMA TEO!?IA ECON()M/CA DA DEMOCRACIA 
mais para agradar suas esposas- e vice-versa-- do que para expressar suas pre-
ferências políticas. Esse comportamento é~ tnuitas vezes, extremamente racio-
nal em termos das situações domésticas em que ocorre. Estudos empíricos são 
quase unânimes em sua conclusão de que o ajustamento em grupos primários 
é n1uito mais crucial para quase todo indivíduo do que considerações mais 
ren1otas de bem-estar econômico ou políticos. 
Deven1os presumir, todavia, que os botnens orientam seu ccHnportamen-
to principahnente em direção a esse ú1titno, no nosso n1undo; se não, toda a 
análise da economia ou da política se transfOrma num mero acessório da 
sociologia de grupo primário. Entretanto, quase todos os grupos prin1ários 
são fortetnente influenciados por condições econôn1icas e políticas gerais; daí 
podennos provisoriamente considerar as peculiaridades de cada um desses 
grupos como contrabalançadas por peculiaridades opostas de outros grupos 
primários. Portanto, quando definimos racionalidade em termos de condições 
gerais somente, nã.o estamos distorcendo tanto a realidade quanto poderia 
parecer a princípio. 
A natureza exata dos fins econômicos e políticos dos quais extraímos 
nossas descrições de comportamento racional será revelada na estrutura espe-
cífica do nosso modelo. Mas, antes de considerarmos aquela estrutura, deve-
mos esclarecer mais um aspecto do gue entendemos por racionalidade: como 
podetnos distinguir entre os erros de homens racionais e o comportamento 
nonnal de homens irracionais? Se racionalidade realmente significa eficiên-
cia, será que os homens ineficientes são sempre irracionais, ou será que os 
homens racionais também podem agir ineficientemente? 
C Jrracionalidade e afúnção básica da racionalidade política 
Não é uma tarefa fácil distinguir claramente entre erros racionais e com-
portatnento irracional. Nossa primeira tendência é declarar que um homen1 
racional equivocado pelo n1enos pretende conseguir um equilíbrio entre custo 
e lucro; ao passo que um homem irracional deliberadamente não consegue 
fazer isso. Mas numerosos casos de neurose inconsciente desmenten1 esse cri-
tério. Até mesn1o psicóticos irrecuperáveis freqüentemente se comportan1 com 
5. Para um resumo desses estudos, ver Elíhu Katz e Pttul F. L~w1rsl'cld, Persol/of ir!/luence, Gkl\coc, 
!llinois, The Free Prcss, 1955, Parte Um. 
311 
racionalidade perfeita, dada sua percepção deformada da realidade. Portanto, 
intenção é uma distinção inadequada. 
Para nossos limitados propósitos nesse modelo, a possibilidade de corre-
ção é un1meio 1nuito melhor de di'fCrenciar entre erros e con1portamento irra-
cional. Um homem racional que está sistematicamente cometendo algum erro 
vai parar de fazê-lo se (1) ele descobrir qual é o erro e (2) o custo de sua elí-
n1inação for menor que os beneficios. Nas 1nesmas condições, um hmnen1 irra-
cional deixará de corrigir seuS erros porque ele possui uma propensã.o não-
lógica a repeti-los. Suas ações não são prin1ordialmente 111otivadas por um 
desejo de atingir eficientemente seus fins declarados; daí ele deixar de fazê-lo 
mesmo quando possível. 
Há duas objeções a esse método de distinção entre erro e irracionalida-
de. O primeiro éque ele tí·eqüentemente exige verificação hipotética, já que os 
homens rac1ona1s eqmvocados nem sempre descobrem seus erros. Se um 
homem continua a cometer erros, co1no poderemos saber se ele é irracional ou 
apenas lhe falta informação? Nesses ·casos, não somos levados a voltar a jul-
gar suas intenções, que acabamos de mostrar serem indicadores inúteis? . 
Essa objeção traz à tona uma dificuldade básica nas ciências sociais ao 
a.tacar a incapacidade dessas ciências de provar todas as suas asserções e;pe-
nmentalmente. Sem dúvida, ela enfraquece nosso argumento. Entretanto, se 
cedermos a ela completamente, devemos nos privar de fazer quaisquer afirma-
tivas sobre muitas questões vitais em todas as ciências sociais. Para evitar essa 
paralisia, fazemos hipóteses sempre gue for absolutamente necessário, reco-
nhecendo as limitações disso. 
. A segunda objeção é semelhante a uma questão gue já discutimos. Ela 
afirma que o comportamento que é irracional segundo nossa definição é alta-
mente racional na economia psíquica da personalidade do indivíduo. O com-
portamento neurótico é, n1uitas vezes, um meio necessário de aliviar as tensões 
que nascem de conflitos soterrados no inconsciente6. Mas estamos estudando 
comportame.nto político racional, não psicologia, ou a psicologia do compor-
tamento pohllco. Portanto, se um homem exibe um comportamento político 
que não o ajuda a atingir seus objetivos políticos eficiente1nente nos sentimos 
justific.ados em rotulá-lo como politicamente irracional, não 'importa quão 
necessano a seus ajustamentos psíquicos esse comportatnento possa ser. 
6. Ver Karcn 1-lorney, lhe Neumtic Personafi(v ofOur Time, New York, W.W. Norton & Company, Jnc 
1937, passim. 
3/ 
UMA TEORIA ECONÔlvfJCA DA DEMOCRACIA 
A razão por que estamos tentando distinguir com tanto cuidado entre 
erros racionais e atos irracionais é que desejamos ao 1nesmo tmnpo (1) salien-
tar como o custo de informação pode levar homens racionais a cometer erros 
sistemáticos em política e (2) evitar qualquer discussão de irracionalidade 
política. Nosso desejo de desviar da irracionalidade política nasce de ( 1) a 
complexidade do assunto, (2) sua incompatibilidade com nosso modelo de 
comportamento puramente racional e (3) o fato de ser um fenômeno empírico 
que não poden1os tratar através apenas da lógica dedutiva n1as que também 
exige real investigação para além do escopo deste estudo. 
Há apenas un1 ponto no qual a irracionalidade precisa ser discutida em 
relação a nosso modelo. Se um setor significativo de qualquer corpo político 
se torna irracional en1 seu comportamento, um difícil problema se coloca para 
o hmnen1 que não se torna irracional. Con1o deveria ele agir? Qual é o n1elhor 
can1inho para um hon1en1 racional num Inundo irracional? 
A resposta depende de saber se a inncionalidade que ele enü·enta envolve 
ou não padrões previsíveisde comportamento. Se envolve, a ação racional ainda 
lhe é possível. Já que quase nenhuma sociedade pode sobreviver por muito tempo 
se ninguém nela está perseguindo efic'ienten1ente suas metas, há, en1 geral, algun1 
tipo de previsibilidade no sistema político. Os cidadãos que se compottam irra-
cionalmente o fazem em parte porque alguém que se dispõe a ganhar os incita a 
ir adiante. Por exemplo, um partido que perenemente faz falsas. promessas pode 
ganhar votos se convencer os eleitores a acreditar em suas mentiras. 'É racional 
para esse partido encorajar os eleitores a se comportar irracionalmente. Tensões 
desse tipo freqüentetnente existem, mas, na medida em que prevalece a raciona-
lidade de alguém, pode-se ainda prever o comportamento. 
Desse modo, para lidar com um cmnporta1nento aparentemente irracio-
nal, o homem racional deve tentar discernir o padrão subjacente de racionali-
dade; deve descobrir aos fins de quem esse comportamento está realmente 
atendendo e quais são esses fins. Então ele pode decidir, em vista de seus pró-
prios fins, como deveria reagir a esse comportamento. Son1ente quando não se 
pode descobrir qualquer padrão e todos os atos são imprevisíveis - isto é, 
quando prevalece o caos - é que não há qualquer ca1ninho racional para o 
homem que conhece suas próprias metas. 
Portanto, o comportatnento racional requer uma orden1 social previsível. 
Assin1 como o produtor racional deve ser capaz de fazer previsões razoavel-
mente precisas de sua demanda e custos, se é que vai investir de modo inteli-
gente, o homem racional na política também deve ser capaz de prever aproxi-
madamente o comportan1ento de outros cidadãos e do governo. Alguma ambi-
32 
INTRODUÇÁO 
güidade é inevitável, mas sempre que a incerteza mnnenta muito, a racionali-
dade torna-se diflcil. 
Como o governo fornece o referencial de ordem sobre o qual o resto da 
sociedade se constrói, a racionalidade política tem un1a função 1111.úto mais fun-, 
damental do que a simples eliminação de desperdício no ato de governar. O 
comportamento racional é impossível sem a estabilidade ordenada que 0 
governo proporciona. Mas o governo continuará a proporcionar essa estabili-
dade somente enquanto o sistema político funcionar eficientemente isto é , , 
enquanto for racional. Desse modo, a racionalidade política é o sine qua mm 
de todas as formas de comportamento político. 
Naturalmente, a racionalidade política não precisa operar democratica-
mente, como ocorre no nosso modelo. Desde que a incerteza seja reduzida e a 
ordem estável, introduzida e 111antida, a ação racional é possível, mesmo que a 
tirania prevaleça. Além disso, a racionalidade política não precisa ser perfeita, 
já que a maioria dos sistemas políticos opem toleravelmente bem sem ser 
depurada de toda a ineficiência. Todavia, ·Um alto grau de racionalidade políti-
ca é necessário em todas as sociedades de grande porte, se é importante para 
elas resolverem seus problemas com êxito. 
I!. A ESIRUTURA DO MODELO 
Nosso ·modelo se baseia no pressuposto de que todo governo procura 
maxitnizar o apoio político. Presumimos ainda que o governo existe nu1na 
sociedade democrática em que se façam eleições periódicas, que seu objetivo 
principal é a reeleição, e que a eleição é o objetivo daqueles partidos agora ali-
jados do poder. Em cada eleição, o partido que recebe o maior número de votos 
(embora não necessariamente a maioria) controla todo o governo até as próxi-
n1as eleições, sen1 quaisquer votações intermediárias, seja pelo povo como um 
todo, seja pelo parlamento. O partido governante, portanto, tem liberdade ili-
mitada de ação, dentro dos limites da constituição. 
O mais importante desses limites é que o governo - isto é, o partido 
governante não pode impedir as operações de outros partidos políticos na 
sociedade7. Não pode restringir sua liberdade de expressão, ou sua capacidade 
7. Ao longo desta análise, usamos o lermo governo no sentido europeu; isto é, ele sempre se refere ao par-
tido governante a menos (jt1e seja registrado dífCrcntemente. 
33 
UMA TEOI?!A E'CONÔM!CA DA DEMOCRACIA 
de fazer campanhas vigorosas, ou a liberdade de qualquer cidadão de falar 
abertamente contra qualquer partido. Também não pode alterar o calendário 
das eleições, que se repetem a intervalos fixos8. 
Economicmnente) entretanto) não há limites ao seu poder. Pode naciona-
lizar tudo, ou entregar tudo para grupos privados, ou chegar a algum equilíbrio 
entre esses dois extremos. Pode impor ünpostos e executar quaisquer gastos 
que deseje. A única restrição sobre ele é a de manter a liberdade política; por-
tanto, nào deve arruinar seus oponentes através de políticas econô1nicas que 
visem especificamente a prejudicá-los. Também deve sustentar economica-
mente os direitos de voto de seus cidadãos9. 
Alguns teóricos políticos podem objetar que esse governo parece ter 
pouca relação com o Estado que deve gerir. Os sociólogos poderiam objetar 
ainda 1nais que a reeleição, per se, de nada adianta para ninguém; portanto, 
algu1nas motivações n1ais profundns devem estar por trás dela. Vamos tratar de 
ambas essas críticas no Capítulo 2. Por enquanto, vamos supor que a n1eta de 
todo governo é ser reeleito, quer o governo seja de uma nação, de um Estado 
ou de uma municipalidadelo. 
8. Embora as eleições se repitam a intervalos fixos no nosso modelo, elns poderiam ocorrer igualmente a 
qualquer momento dentro de limites fixos de tempo, com a data precisa estabelecida pelo partido no 
poder, como no sistema político británico. Desse modo, nossa restrição é mais i·Orte que o neccssúl'io; 
tomamos essa medida apenas pma eliminar o calendário das eleições da área de estratégia particlflria. A 
a!ternção desse nxioma, a rim de torná-lo parecido com o sistema brl!ànico, não afetaria nenhuma de 
nossas conclusões. 
9. Pode-se argumentar que o governo não deve destruir direitos de propriedade privada se quiser garantir 
liberdade política para seus cidadãos, jó que eles devem permanecer independentes de seu controle. 
Entretanto, propriedade privada nesse sentido não significa uma reivindicação de posse sobre os meios 
de produção, mas uma parcela legalmente protegida de seu produto. Se um cichldão sabe que Sll'<1 renda 
depende do cumprimento de certas tarefas bem definidas, relacionadas com seu emprego, c que a lei o 
protege de perdas de rendimentos que resultem de quaisquer ações desvinculadas daquele emprego, c! c 
é livre para seguir suas próprias inc!inaçõ(js políticas, independente de ele trabalhar para o Estado ou 
para uma firma privada. Ele possui seu emprego e, desde que cumpra seus deveres, n8o pode ser priva-
do dele sem o devido processo da lei. Exemplos disso são direitos de senioridade em sindicntos e graus 
de status no serviço público. Concordaríamos em que o governo não deve abolir tmtto esse tipo de pm-
priedade privada quanto a posse privacl<l dos meios de produção, se é parn existir liberdade políticn; por-
tanto, o poder econômico do governo tem alguns limites. Além disso, jó que toda propriedade privada 
depende de um sistema legal independente da política, um dos elernen!os da constituição de nosso 
modelo deve ser esse sistema. 
1 O. Nossa principal preocupação é com o governo nacional, no longo deste estudo. Entretanto, grande parte 
da argumentação l<~mbém se aplica aos oülros tipos. 
34 
INTRODUÇÃO 
Tendo dado ao governo um objetivo, podemos descobrir os meios mms 
eficientes que ele pode empregar para alcançar aquele objetivo. Em outras 
palavras, podemos construir mn modelo que mostre como um governo racio-
nal se comporta no tipo de Estado democrático que delineamos acima. 
Entretanto, primeiramente precisamos saber mais sobre o mundo no qual 
nosso governo-modelo vai funcionar. 
Esse mundo difere do mundo de equilíbrio geral porque contém incerte-
za. De fato, a fim de estudar a lógica básica de tomada ele decisão na nossa 
economia política, vamos presumir conhecimento perfeito nos Capítulos 3 e4. 
No entanto, esses capítulos são apenas preliminares à posterior análise de com-
portamento quando prevalece a incerteza. 
Nossa razão para enfatizar a incerteza é que, na nossa opinião, ela é uma 
força básica que afeta todas as atividades humanas, particulannente a ativida-
de econômica. Lidar com a incerteza é uma função importante de quase todas 
as instituições significativas na sociedade; portanto, ela configura a natureza 
de cada uma delas. Um excelente exemplo é o dinheiro, que lorde Keynes e 
outros mostraram ser uma resposta à incerteza, un1 vínculo entre o presente e 
um fi.tturo não definitivamente conhecido''· Seria absurdo estudar o dinheiro 
son1ente num mundo certo e esperar descobrir sua essência - na realidade, a 
tentativa de fazê-lo levou a contradições inerentes. 
Da mesn1a :forma, embora possamos descobrir algo sobre como os gover-
nos racionais operan1, através da análise deles num mundo "certo", aprende-
tnos muito· 1nais enfrentando a incerteza e os problemas que ela cria. Muitos 
desses problemas são relacionados ao custo de obtenção de informação. 
Portanto, dedicamos diversos capítulos ao exame de como esse custo afeta o 
comportamento político racional. 
Esperamos que nosso estudo seja de interesse para os estudiosos da democra-
cia assim como para os economistas. Poucas de nossas conclusões são novas; na 
realidade, algumas fOram especificamente afirmadas por Walter Lippmann em sua 
brilhante trilogia sobre a relação entre opinião pública e governo democrático''-
l I. Ver .lohn Maynard Keynes, The General 7Yteory of Employment, !!l!erest. mui Mo11ey, New York, 
!-larcourt, Brace and Company, 1936, cap. 17. Para uma explicnção lúcida desse cnrítulo, ver Abba P. 
Lerner, "The Essential Proper!ies of !nterest and Money", Quarter/y Journa! (!1' Economics, LXVI, 
!952, pp. 172-!93. 
12. Wrd!er Lippmann, Pub!ic Opinion, New York, Thc Macmillan Company, 1922, The PhmiiOfll Pub!ic, 
New York, !·lai"Court, Brace and Company, 1925, e Essays in the Public Phi/osophy, Boston, Li!l\c, 
Brown and Company, ! 955. 
35 
UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA 
Entretanto, nossa tGntativa de rastrear o que farão os homens racionais, tanto como 
cidadãos quanto no governo, é, salvo engano, nova. Ela tende a provar logicamen-
te afirmações a que Lippmann e outros chegaram através da observaçã.o empírica 
da política. 
Desse modo, nosso modelo poderia ser descrito como um estudo de racio-
nalidade política de um ponto de vista econômico. Por meio da comparação do 
quadro de comportamento racional que emerge deste estudo éom o que se conhe-
ce sobre comportamento político real, o leitor deveria ser capaz de tirar algumas 
conclusões interessantes sobre o funcionamento da política democrática. 
!I!. A RELAÇÃO DE NOSSO MODELO COM MODELOS ECONÓMTCOS 
ANTERIORES SOBRE GOVERNO 
A n1aior parte dos estudos econômicos sobre governo diz respeito às 
suas políticas em campos específicos, tais como controle monetário, n1anu-
tenção do emprego, estabilização de preços, regulamentação de monopólios e 
cmnércio internacional. As poucas análises de atividades governarnentais 
como um todo são principalmente normativas, isto é, deduzem o tipo de ações 
que un1 governo deveria realizar a partir de um princípio ético básico sobre 
sua função característica. 
Nossa análise é igualmente dedutiva, já que coloca uma regra básica e 
tira conclusões a partir dela. Entretanto, é também positiva, porque tentamos 
descrever o que acontecerá sob certas condições, não o que deveria acontecer. 
Contudo, mostraren1os brevemente como se relaciona a diversas idéias norma-
tivas propostas por outros economistas, e como tenta resolver certos problemas 
que eles levantararn. 
A. O problema de falsa personificação versus superindividualisnw 
Num artigo sobre "A Teoria Pura das Finanças Governamentais", James 
Buchanan suaeriu dois modos mutuamente exclusivos de se considerar a toma-
b 
da de decisão pelo Estado". O primeiro é considerar o Estado como uma pes-
13. James Buchanan, "The Pure Theory of Governmcnt Pinancc: A Suggested Approach", Jouma! qj 
Po!itical Economy, LV!l, dez., 1949, pp. 496-505. 
36 
INTRODUÇÃO 
soà separada que tem_ seus próprios fins, não necessariamente relacionados 
com os próprios fins dos indivíduos. Ele age para maximizar seu próprio bem-
estar ou utilidade através da manipulação dos gastos governamentais e da tri-
butação, de maneira que o ganho marginal de gastos adicionais seja igual à 
perda marginal de tributação adicional. Esses ganhos e perdas são sociais -
sentidos pela personalidade do Estado. Não são os ganhos e perdas de indiví-
duos sob alguma forma agregada. 
Embora essa abordagem "organís1nica" seja intelectualn1ente clara, ela 
não tem um conteúdo substantivo, como salienta Buchanan. Ninguém sabe 
com quê se parece a função de bem-estar do Estado-como-pessoa, nem é pos-
sível descobrir isso. Portanto, é inútil co1no um guia para decisões práticas. 
A segunda abordagem de Buchanan considera que apenas os indivíduos 
têm estruturas de finalidades. O Estado não possüi uma função de bem-estar 
própria; é simplesmente um meio pelo qual os indivíduos podem satisfazer 
coletivamente algumas de suas necessidades. Por exemplo, o Estado tem o 
n1onopólio de certos serviçosl mas, em vez de tentar 1naximizar os lucros, ele 
procura apenas cobrir os custos a longo prazo. Os indivíduos compram-lhe ser-
viços e pagam-no apenas pelos serviços que recebem. Desse modo, um prin-
cípio de benefício quid pro quo básico sub jaz no funcionamento do Estado e 
estabelece os !.imites do que ele faz14. 
À primeira vista, essa visão voluntarista do Estado não se coaduna com 
seu uso de coerção no recolhimento de impostos. Se os impostos são simples-
mente pagamentos quid pro quo por serviços prestados, por que os cidadãos 
devem ser forçados a pagá-los? Paul Samuelson respondeu a essa questão 
argumentando que, nesse mundo-modelo, o Estado assume apenas aquelas ati-
vidades que proporcionam benefícios indivisíveis". Já que todos os homens 
desfrutam dos benefícios de todos os atos governamentais, não importa quem 
pague por isso, cada homem é motivado a fugir do pagamento. No entanto, ele 
J 4. Essns duas abordagens l'ornm elnboradas em maior de!fllhc por Edwnrd C. 13anfield, que distingue entre 
dois tipos de visão "unitúrin" do Estado e três tipos de visi'io "individualista". Sua análise realmente 
aproxima <IS idéias de Buchanan dn realidade, mas não al!cra a dicotomia búsicn que cstnmos discutin-
do. Ver "Note on the Conceptual Schemc", em Martin Meyerson e Edwmd C. Banfiekl, Politics, 
Planning, mui the f!ltb!ic lnterest, Glencoe, !ll., The rree Press, 1955, pp. 322-329. 
15. Paul A. Samuelson, "The Pure Theory or Public Expenditurcs", Review o(Economics mui Statisrics, 
XXXVI, nov., !954, pp. 387-389. Samuelson afirma também que o governo farú p<lgamentos de tn111s-
ferência direta (impostos mais gastos) para satisfazer o "observador ético". Entretanto, essas transferên-
cias não envolvem quaisquer atividades governamentais que esgotem os recursos; dai serem irrelevan-
tes para nossa discuss~o dessns atividades. 
37 
ViviA TEORIA ECON6M!C!l DA DE/v!OCR!IC!A 
estará disposto a pagar sua parcela do custo- já que realmente recebe benefí-
cios por isso - se todos os outros também assumirem suas parcelas. Todos os 
cidadãos concordan1 em ser coagidos, visto que o ganho de cada cidadão mais 
do que compensa sua parte do custo, e proporcionam-se beneficios que não 
poderiam ser obtidos de outro modo. A natureza voluntarista do Estado não é, 
desse n1odo~ contestada por seu uso de coerçãoiCJ. 
Julius .Margolis atacou com vigor essa concepção do Estado cmno sendo 
completan1ente irrealistal7, Ele salienta que quase nenhuma atividade assumi-
da pelo Estado produz beneficios puramente indivisíveis. Até mesmo a defesa 
nacionaC o exemplo clássico de beneficios indivisíveis, auxilia algumas pes-
soas n1ais do que outras~ e o gasto marginal com ela pode realmenteprejudi-
car alguns cidadãos. A maior parte das outras atividades governamentais pro-
duz benefícios clarari1ente indivisíveis; por exe1nplo, quanto mais os cidadãos 
de B a Z usam estradas construídas pelo governo, n1ais cheias fican1 essas 
estradas, e menos benefício o cidadã.o A obtém de seu uso. O fato de o gover-
no desempenhar essas atividades, no lugar de firmas privadas, não pode ser 
explicado pelo critério de Samuelson. Seu modelo, diz Margolis, limita o 
Estado a tão poucas ações que não é razoável aceitá-lo nemtnesmo con1o uma 
teoria normativa de atividade governamental. Nós concordamos. 
Nossa própr:ia crítica da abordagem Buchanan-San1uelson é que ela cria 
uma falsa dicotmnia entre as duas visões, uma das quais é totalmente üllsa e a 
outra expressa apenas parte ela verdade. Por um lado, a visão organísmica de 
governo não é verdadeira porque se baseia numa entidade n1ítica: um Estado 
que é uma coisa separada dos homens individuais. Por outro lado, a visão indi-
vidualista é incmnpleta porque não leva as coalizões em consideração. 
Como veremos no Capítulo 2, quando um pequeno grupo de homens, 
agindo em coalizão, gere o aparato do Estado, podemos falar do governo como 
aquele que toma decisões separadamente dos cidadãos individuais em geral. 
16. Uma nbordngem semelhante 6 usnda por Willinm J. l3aumo!, op. cir., e é nfirmada e crihcada po1 
Ricbnrd A. Musgrave em "The Voluntary Exchnnge Theory oi' Public Economy", Quorrerly Jouma! qj 
Economics, LI!!, 1939. Ess8s anúlises são bHstnnte pmecidas com a de Samuelson, de modo que não 
prcdsamos tratú-lns separncbmcn!e. 
17 . .lulius Margolis, "A Commcnt on the Purc Themy o f Public Expendiwres'', Neview o/ Economics (!Ju/ 
,)'talistics, XXXVII, nov .• 1955, pp. 347-349. A resposta de Samue!son aceilil alguns dos pontos levan-
tados por Margolis e esclnrece a natureza de mercndorias "públicas" c "privadns". Ve1· Paul A. 
Samuelson, "Diagrammatic Exposition o r a Theory o f Public Expendíture", Fl.eFiew o(l~·co11omics and 
Statislics. XXXVII, nov., 1955, pp. 355-356. 
38 
JNTRODUÇ;[O 
Desse modo, evitamos tanto a falsa personificação de uma construção n1ental 
e uma visão superindividualista da sociedade. Entretanto~ ainda nos confronta-
mos com o problema de descobrir uma relação entre os fins dos indivíduos em 
geral e os fins da coalizão que não restringe o governo à provisão de benefí-
cios indivisíyeis. Nosso modelo tenta descrever essa relação. 
B. O problema dafitnção de bem-estar social 
Exatamente o mesmo problema foi, há muito tempo, o centro da contro-
vérsia na nova economia do bem-estar, em que a "função de bem-estar social" 
foi proposta como solução". Tendo rejeitado beneficio cardinal e comparações 
psicológicas interpessoais, Bergson tentou substituí-los por un1a regra abstra-
ta para extrair fins sociais a partir de fins individuais. Ele chamou essa regra 
de "função de bem-estar social". 
Essa entidade amorfa foi o alvo de duas grandes críticas. Uma é que ela 
não elimina a necessidade de pesar os desejos de cada indivíduo no processo 
de alcançar uma estrutura coletiva de fins. Contudo, qualquer ponderação des-
sas é, na realidade, uma comparação interpessoal de bem-estar; ela desempe-
nha a mesma função que o pressuposto de que todos os homens têm igual valor 
ético, na análise anterior de Pigou. Desse modo, o uso de uma fbnção de bem-
estar social não resolve o problema de como fazer comparações interpessoais, 
como o próprio Bergson admitiul9. 
A segunda cr:tica foi feita por Kenneth Arrow e será analisada em deta-
lhe no Capítulo 420. Em resumo, Arrow mostrou que, se a maioria das situa-
ções de escolha envolve mais que duas alternativas, e se as preferências dos 
indivíduos são suficientemente diversas, nenhmna função de bem-estar geral, 
transitiva e singular, pode ser construída, a menos que uma parte da sociedade 
dê ordens para o resto. Esse argumento detnoliu o que restava da função de 
bem-estar social proposta por Bergson e dissolveu a relação entre fins indivi-
duais e sociais que ela tentara estabelecer. 
A economia do bem-estar voltou, portanto, ao estado debilitado em que 
havia entrado anteriormente por meio da rejeição de dois postulados: utilidade 
18. /\brnm 8ergson (Burk), "/\ Reformulntion of Certain Aspects of Welfare Economics", Quarter~v 
Journal q(Ecollomics, L!!, fev., 1938, pp. 314-344. 
19. VerTibor Scitovsky, "The State ofWeii:'uc Economics", American E'conomic Revie11', XLI, 1951, pp. 303-3!5. 
20. Kenneth .J. 1\rrow, op. cir .. pas.,-im. 
39 
UMA 7EORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA 
cardinal e comparações de bem-estar interpessoai~. Esses axiomas haviam sido 
jogados fora porque o primeiro era desnecessário e an1bos se baseavan1 numa 
visão psicológica falsamente e1npírica do homem. Mas sem eles, ou outros 
para substituí-los, poucas afirmações de política significativas podem ser fei-
tas. 
Nosso modelo tenta forjar uma relação positiva entre as estruturas de 
finalidades individuais e sociais por meio de um expediente político. Como 
cada cidadão adulto tem direito a um voto, suas preferências de bem-estar são 
pesadas aos olhos do governo, que está interessado apenas no seu voto, não em 
seu ben1-estar. Desse modo, em resposta à primeira crítica levantada contra 
Bergson, admitimos abertamente que estamos adotando um princípio ético -
igualdade do direito de voto. Estamos tornando-o uma parte da política, na 
qual acreditamos que a ética social deveria ser tratada. Em smna, estamos vol-
tando à economia política. 
Isso não elimina, entretanto, o argumento de Arrow de que a ação social 
racional às vezes é impossível. Nossa defesa contra esse ataque consiste essen-
cialn1ente de uma dupla evasão. Tentamos mostrar o seguinte: ( 1) a crítica de 
Arrow nem sempre é relevante e (2) mesmo quando é relevante, seu impacto 
freqüentemente se limita a áreas muito mais estreitas de escolha do que se 
poderia supor. Esses argumentos serão apresentados no Capítulo 4. 
Embora nosso modelo se relacione ao problema básico de economia de 
bem-estar que Bergson tentou resolver, ele não é um modelo normativo. Não 
podemos usá-lo para argumentar que a sociedade está en1 melhor situação no 
Estado A do que no Estado B, ou que o governo deveria fazer X mas não Y. O 
único elemento normativo que contém está implícito no pressuposto ele que 
cada cidadão adulto tem direito a um e apenas a um voto. Realmente, en1bora 
um juízo ético deva ser a justificativa definitiva para esse pressuposto, nós o 
incorporamos ao nosso modelo apenas como um parâmetro factual, não como 
um parâmetro non11ativo. Portanto, a relação que construímos entre fins indi-
viduais e governmnentais é aquela que acreditamos que existirá sob certas con-
dições, não aquela que deveria existir porque preenche algum conjunto ideal 
de exigências. 
C Problemas técnicos 
Muitas abordagens normativas sobre tomada de decisão governamental 
apresentam mecanismos tais como referendos sobre cada decisão, perfeito 
40 
INTRODUÇÃO 
conhecimento, por parte do governo, da estrutura de preferência de cada cida-
dão, e cálculo preciso e pagamento de compensação. Esses expedientes, sem 
dúvida, desempenham um papel legítimo na análise teórica; nós mesmos os 
usamos ocasionalmente. No entanto, a maior parte de nosso estudo diz respei-
to ao que realmente aconteceria se os homens no nosso mundo razoavehnente 
realista se comportassem de n1odo racionaL Portanto, não podemos nos apoiar 
em procedimentos que a divisão do trabalho torna não-práticos, como ocorre 
com todos os três n1encionados acima. 
Por outro lado, nossa análise sofre da mesma generalidade que aflige as 
teorias tradicionais do comportamento de consumidores e firmas. Não pode-
mos preencher os detalhes de nossa função de voto mais do que J. R. Hicks 
preencheu os detalhes dos mapas de indiferença ou funções produtivas em 
Value and Capital". Fazê-lo é a tarefa de políticos, consumidores e homens de 
negócios, respecti:ramente. Analistas abstratos,como nós, só podem mostrar 
como esses detalhes se encaixam no esquema geral das coisas. 
IV RESUMO 
Embora os governos sejam de crucial importância em todas as econo-
tnias, a teoria econômica não produziu tuna regra satisfatória de comportan1en-
to para eles, comparável às regras que usa para prognosticar as ações de con-
sumidores e firmas. Nossa tese tenta fornecer essa regra, postulando que os 
governos democráticos agem racionalmente para maximizar o apoio político. 
Por ação racional, entendemos a ação que é eficienten1ente planejada 
para alcançar os fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados 
do ator. No nosso modelo, o governo persegue seu objetivo sob três condições: 
mna estrutura política democrática que permite a existência de partidos de 
oposição, mna atmosfera de graus variáveis de incerteza e um eleitorado de 
eleitores racionais. 
Nosso modelo mantém uma relação definida com modelos econômicos 
anteriores de governo, embora o nosso seja positivo e a maioria dos outros 
sejan1 normativos. Buchanam propôs uma dicotomia entre concepções organís-
micas e individualistas do Estado; tentamos evitar ambos os extren1os. 
Samuelson e Baumol argumentaram que o Estado pode assumir eficienten1en-
2!. J. R. 1-licks, Vátue ond Capiraf, 2. ed., OxiOrd, Cbrendon Press, 1950, c<tps. !, V! c V!!. 
41 
UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA 
te apenas transferências diretas de renda e ações que produzam benefícios indi-
visíveis; tentamos mostrar que tem muitos outros papéis legítimos. Bergson 
tentou estabelecer relações entre fins individuais e sociais por meio de um pos-
tulado puramente ético; adotamos um axioma ético sob forma política. Arrow 
provou que essas relações não poderiam ser estabelecidas racionalmente sem 
prescrição; tentamos mostrar como seu dilema pode ser contornado. 
Tentamos essas tarefas por meio de um modelo que é realista e, contudo, 
não preenche os detalhes das relações no interior dele. Em suma, queremos 
descobrir qual forma de comportamento político é racional tanto para o gover-
no quanto para os cidadãos de uma democracia. 
42 
2 
MOTIVAÇÃ.O PARTIDÁRIA 
E A FUNÇÃO DO GOVERNO NA SOCIEDADE 
INTRODUÇÃO 
Os modelos teóricos deveriam ser testados primordialmente mais pela pre-
cisão de seus prognósticos do que pela realidade de seus pressupostos'. Todavia, 
.se é para nosso modelo ter coerência interna, nele o governo deve ser pelo menos 
teoricatÍ1cnte capaz de desempenhar as funções sociais de governo'. No presente 
capítulo, tentaremos mostrar como e por que o partido governante se desincumbe 
dessas funções, ainda que seu motivo para agir não se relacione a elas. 
I. O CONCEITO DE GOVERNO DEMOCRIÍTICO NO MODELO 
A. A natureza do governo 
A definição de governo usada nesse estudo é tomada emprestada de 
Robert A. Dahl e Charles E. Lindblom, que escreveram: 
I. Para uma excelente afirmação desse pon!o de vista, ver Mílton Friedman, "The Melhodoiogy o r rosi!lve 
Economics", Essays in Positive Economics, Chicago, University o f Chicago Press, 1953. 
2. Nesse capítulo, a palavra gOl'erno se refe1·e à instituição, e não ao partido governante. Entretanto, vol-
tamos a usar esse último significado em todos os capítulos subseqüentes. 
43 
UMA TEORIA ECON6MJCA DA DEMOCRACIA 
Os Governos [são] [ ... ]organizações que têm um monopólio suficiente de controle 
para impor uma resolução ordeira de disputas com outras organizações na área [ ... ] Quem 
quer que controle o governo geralmente tem a "última palavra" sobre uma questão; quem 
quer que controle o governo pode impor decisões a outras organizações na área3. 
Como salientam Dahl e Lindblom, "Todas as definições curtas de gover-
no são inerentemente ambíguas"4 . Porém, sua definição consegue diferenciar 
o aoverno de outros aaentes sociais sem circunscrever com precisão seus pode-o b 
res. Daí essa definição ser ideal para nosso modelo, já que, nele, o governo tem 
poderes amplos, como explicado no Capítulo !. 
Mas o que o governo deve fazer com esses poderes? Qual é o papel pró-
prio do governo na divisão do trabalho? Claran1ente, essas questões são vitais 
no mundo real da política. Entretanto, ninguém pode respondê-las sem especi-
ficar uma relação ética entre o governo e o resto da sociedade. Como essa 
especificação é non11ativa e não positiva, ela escapa do alcance de nosso estu-
do. No que diz respeito a esse estudo, é permitido ao governo fazer qualquer 
coisa que não viole os limites constitucionais descritos no Capítulo !. 
No mundo real, o governo de fato faz quase tudo que é concebível a uma 
organização fazer. Entretanto, nem todo governo faz a mesma coisa que os 
outros, daí ser infrutífero descrever as funções do governo através de uma lista 
ele um conjunto ele atividades típicas. Alguns governos não desempenhariam 
todas elas~ e quase todas elas seriam desempenhadas por alguns agentes não-
governamentais. Portanto, quando tentamos especificar o que os governos têm 
em comum, somos levados de volta àquela definição algo vaga dada acima. 
Apesar ele sua imprecisão, essa definição sugere duas coisas sobre a fun-
ção do governo na divisão do trabalho .. Primeiramente, todo governo é o locus 
elo poder último na sua sociedade; isto é, ele pode coagir todos os outros gru-
pos a obedecer suas decisões, ao passo que esses não podem coagi-lo da 
mesma fonna. Portanto, sua função social deve pelo menos incluir a ação 
como fiador final por trás ele todo uso de coerção na resolução de disputas. 
É concebível que diferentes "fiadores últimos" de coerção pudessem 
coexistir na 1nesma sociedade, cada um gerindo uma esfera diferente de ação 
(por exemplo, a Igreja na religião e o Rei na política). Mas em nosso modelo, 
embora o poder possa ser extremamente descentralizado, supomos que apenas 
3. Roberl A. Dnhl e Chnrles E. Lindblom, Po!itics, Economics and H{>(/àre, Ncw York, 1-larper & Brothers, 
1953, p. 42. 
4. fbid. 
44 
MOT!VAÇÁO PART!DA/?JA E A FUNÇÁO DO GOVERNO NA SOCIEDADE 
un1a organização em qualquer área possa se encaixar na definição dada. 
Conseqüente1nente, o governo é uma organização especializada, distinta de 
todos os outros agentes sociais. 
Desse modo, numa base puramente positiva, sem postulados éticos, 
podemos concluir que (I) o governo é um agente social específico e singular 
e (2) tem uma função especializada na divisão do trabalho. 
B. A natureza do governo democrático 
Para evitar premissas éticas, definin1os governo democrático descritiva-
111ente, isto é, através da enumeração de certas características que, na prática, 
distinguem essa forma de governo de outras. Um governo é democrático se 
existe nun1a sociedade onde prevalecem as seguintes condições: 
I 
1. Um único partido (ou coalizão ele partidos) é escolhido por eleição popular 
para gerir o aparato de governo. 
2. Essas eleições são realizadas dentro ele intervalos periódicos, cuja duração 
não pode ser alterada pelo partido no poder agindo sozinho. 
3. Todos os adultos que são residentes permanentes da sociedade, são normais 
e agem ele acordo com as leis da terra são qualificados para votar em cada 
uma dessas eleiçõess. 
4. Cada eleitor pode depositar na urna um e apenas um voto em cada eleição. 
s. Qualquer partido (ou coalizão) que receba o apoio de uma maioria dos elei-
tores tem o direito de assumir os poderes de governo até a próxima eleição. 
6. Os partidos perdedores numa eleição não podem jamais tentar, por força ou 
qualquer meio ilegal, impedir o partido vencedor (ou partidos) de tomar posse. 
7. O partido no poder nunca tenta restringir as atividades políticas de quais-
quer cidadãos ou outros partidos, contanto que eles não façam qualquer 
tentativa de depor o governo pela força. 
8. Há dois ou mais partidos competindo pelo controle do aparato de governo 
em toda eleição. 
Já que nossa sociedade-modelo, tal como descrita no Capítulo 1, exibe 
todos esses traços, o governo nela é democrático. 
5. Em algumas democracias, mulheres ou estrangeiros

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