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Clássicos 15 Reitor Vice-reitor Diretor-presidente Presidente Vice-presidente Editora-assistente Chefe Téc. Div. Editorial UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO João Grandino Rodas Hélio Nogueira da Cruz EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL Rubens Ricupero Carlos Alberto Barbosa Dantas Antonio Penteado Mendon~a Chester Luiz Galvão Cesar Ivan Gilberto Sandoval Fal!eiros Mary Macedo de Camargo Neves Lafer Sedi Hirano Carla Fernanda Fontana Cristiane Silvestrin UMA TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA ANTHONY DOWNS Tradução Sandra Guardini Teixeira Vaseoncelos Copyright © 1957 by Harpen & Row, Publishers, lncorporated Título do original em inglês: An Economic Theory of Democracy 1" edição 1999 l" reimpressão 2013 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Downs, Anthony Uma Teoria Econômica da Democracía I Anthony Downs; tradução Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. - I cd. 1 reimpr. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. - (Clássicos; 15) Título original: An Economic Theory of Democracy. Bibliografia. ISBN 978~85-314-0469-6 ! . Administração pública. 2. Democracia. 3. Escolha social. 4. Partidos políticos. 5. Votos (Eleiçôes) I. Título. II. Série. CDD-350.0001 Índice para catálogo sistemático: l. Administração pública: Teoria econômiea 350.0001 Direitos em língua portuguesa reservados à Edusp- Editora da Universidade de São Paulo Av. Corifeu de Azevedo Marques, 1975, térreo 0558 !-00! - Butantã- São Paulo~ SP- Brasil Divisão Comercial: Te!. (11) 3091-4008 I 3091-4150 SAC (li) 3091-291!- Fax(!!) 3091-4151 www.edusp.com.br- e-mail: edusp@usp.br Printed in Brazil 2013 Foi feito o depósito legal Para minha mãe e meu pai SUMÁRIO Apresentação ... _ Fábio Wctnderley Reis ....................... ll Prefácio .... 19 Agradecimentos ....... . . ....... 21 Parte I. ESTRUTURA BÁSICA DO MODELO l. Introdução ................................... . . .. .25 2. Motivação Partidária e a Função do Governo na Sociedade .. .43 3. A Lógica Básica do Voto ...................... 57 4. A Lógica Básica da Tomada de Decisão Governamental ... 71 Parte !I OS EFEITOS GERAIS DA INCERTEZA 5. O Significado da Incerteza ..... . ... 97 6. Como a Incerteza Afeta a Tomada de Decisão Governamental ..... 1 03 7. O Desenvolvimento de Ideologias Políticas como Meio de Obter Votos .............. . 8. A Estática e a Dinâmica de Ideologias Partidárias 9. Problemas de Racionalidade sob Governos de Coalizão 10. Maximização de Voto Governamental e Equilíbrio Marginal Individual . ......... 1l7 .. 135 .163 .... 185 UMJJ. TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCR!IC/11. Parte!!!. EFEITOS ESPECÍFICOS DOS CUSTOS DE INFORMAÇÃO 11. O Processo de Tornar-se Informado . . .227 12. Como os Cidadãos Racionais Reduzem os Custos de Informação .239 13. Os Retornos Provenientes da Informação e sua Diminuição . . . .257 14. As Causas e Efeitos da Abstenção Racional .... 15. Parte IV IMPLICAÇÕES E HIPÓTESES DERIVADAS U1n Comentário sobre as Teorias Econômicas ... 279 de Comportamento Governamental ...... . . .......... 297 16. Proposições Testáveis Derivadas da Teoria .. Bibliografia .... Índice Onomástico Índice de Assuntos 10 .313 .319 .. 323 . .325 APRESENTAÇÃO Fábio Wanderley Reis Este volume de Anthony Downs foi originalmente publicado em 1957. É, sem dúvida (junto com A Lógica da Ação Coletiva, de Mancur Olson, apare- cido em 1965 1), um dos, mais importantes trabalhos pioneiros no campo geral que veio a se tornar conhecido como a teoria da "escolha racional" (rational choice), que se especifica no campo da política, de acordo com certo uso ter- minológico, como a teoria da "escolha pública" (public choice). O volume representa um exemplo precoce e ffutífero, em particular, daquilo que alguns analistas designaram como a "escolha pública positiva", interessada, nos ter- mos de Brian Barry e Russell Hardin, nas "ações individuais e suas conse- qüências coletivas"2, em contraste com a "escolha pública nonnativa", interes- sada na articulação entre "preferências individuais e decisões coletivas". A escolha pública normativa - também designada, de maneira que se presta a confusões, como a "teoria da escolha social" (social choice theory)- tem raí- zes mais retnotas na subdisciplina conhecida, no campo da economia, como l. Mancur Olson, Jr., The Logic C?(Co!lectiveAction: Pub!ic Goods and the Theory q{Groups, Cambridge, Massachusclts, 1-larvard University Prcss, 1965, tradução de rábio Fernandez, a ser pubiicado breve- mente [trad. pela Edusp, nesta coleção]. 2. A contraposição entre escolha pública positiva e normativa se encontra, por exemplo, em Dennis C. Mueller, Pubtic Choice li, Cambridgc, Cambridge University Prcss, 1989; vr_:ja-se também Brian 13arry e Russelll-lardin (eds.), Rotiona/ Man and Jrratíonal Society?, Londres, Sage Publications, 1982. 11 UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA "economia de bem-estar" (welfare economies), e é possível dizer que um dos efeitos da conjugação do rigor analítico com a perspectiva normativa que a caracteriza foi a revivescência da própria filosofia política, que se tem espe- cialmente com os trabalhos grandemente influentes de autores como John Rawls e Robert Nozick, alguns dos quais já contam com tradução brasileira há certo tempo. Downs, como Olson, pretende ser estritamente "positivo" em sua abor- dagem. O que distingue a abordagem é o esforço de tratar os problemas da política com a perspectiva e o instrumental próprio da economia como disci- plina~ mais precisamente, da tnicroeconomia, empenhada na formulação de uma teoria abstrata e logicamente rigorosa do comportamento com base em certos supostos gerais, destacando-se o suposto da racionalidade dos agentes. Se uma visão convencional dos objetivos da microeconon1ia provavelmente exigiria a especificação de que se trataria de uma teoria do comportamento econômico, a aplicação da abordagem econôtnica aos fenômenos convencio- nalmente percebidos como pertencendo a outros campos (ciência política, sociologia) envolve justamente a suposição de que a economia como discipli- na teórica redunda numa teoria do comportamento racional como tal, a qual seria em princípio válida para qualquer comportamento que envolva um pro- blema de eficácia e seja, portanto, passível de ser apreciado em termos de racionalidade: a busca de poder político, status ou prestígio social não menos do que a de ganhos "econômicos" ou materiais. A fórmula das "ações individuais e suas conseqüências coletivas" para caracterizar a abordagem ressalta o que há de problemático na passagem do nível "tnicro"- correspondendo, no limite, às ações dos atores individuais na busca supostamente racional de seus objetivos de qualquer natureza - e o nível coletivo ou agregado ("macro"). Na verdade, a grande contribuição do livro de Olson, acima colocado ao lado deste volume de Downs, consiste em dar forn1Lllação abstrata e genérica à intuição de um paradoxo na articulação dos dois níveis, intuição esta que se acha presente em Downs e que, de fato, emerge fí·eqüentemente, com feições variadas, no pensamento de vários auto- res ao longo de toda a história do pensamento político ocidental. Refiro-me ao chatnado "paradoxo da ação coletiva", em que a ação racional dos atores no plano ''micro" (os indivíduos ou mesmo os atores coletivos de menor escala) aparece corno propensa a resultar em irracionalidade no plano "macro", com a frustração dos objetivos ou interesses de todos. Cabe notar que o paradoxo assume por vezes a forma, em certo sentido oposta à recém-indicada, em que vícios privados ou "micro" resultam em virtude pública ou "macro". Seja 12 APRESENTAÇÃO como for, o que importa é que há traços que emergem no nível agregado (os efeitos "agregados", "emergentes" ou "perversos", na linguagem de algunsl)como regularidades que não apresentam correspondência com os desígnios dos atores tomados isoladamente e, às vezes, se colocam em aberta coi)tradi- ção com eles. A questão das relações entre racionalidade individual e raciona- lidade coletiva é, portanto, central. O curioso, contudo, é que a intuição do que bá de problemático nas rela- ções entre os planos "micro" e "macro", tão fortemente presente na abordagem da escolha racional em suas diferentes variantes, não impede que a perspecti- va mais ortodoxa dentre os seus proponentes se caracterize pela expectativa de derivar com êxito o que se passa no plano agregado ou coletivo com recurso à construção teórica assentada em postulados referidos ao plano individual ou "micro"-- ou de estabelecer, segundo o conhecido lema da escolha racional, "os fundan1entos micro dos fenômenos macro". Uma caracterização simples que permite esclarecer tanto os possíveis fundamentos dessa expectativa quan- to as dificuldades que enfrenta se tem com a distinção de Jon Elster entre o comportamento intencional, de um lado, e, de outro, dois tipos de causalida- de, a causalidade subintencional e a causalidade supra-intenciona/4 Comportamento intencional é o comportamento dos agentes huinanos capazes de desígnio e racionalidade; trata-se de algo que corresponde, em princípio, ao plano dos indivíduos, com o que há de desígnio no plano das coletividades (organizações de um tipo ou outro), sendo visto como suposta- mente redutível aos indivíduos e à interação entre eles, de acordo com os prin- cípios do "individualismo metodológico" próprio da abordagem da escolha racional. A causalidade subintencional seria aquela com que lidam as ciências da natureza e, de maneira peculiar, a psicanálise, que contempla fatores alheios à vontade dos indivíduos a condicionar-lhes o comportamento (não obstante o suposto racionalista que associa a cura com a assunção de autocontrole cons- ciente por parte do agente antes submetido à operação de tais fatores). Mas a causalidade supra-intencional é a que interessa de maneira singular às ciências sociais: ela corresponde justamente àquilo que "emerge" como regularidades "objetivas" da interação dos atores individuais distinguidos por intencionalida- de. Esta é a causalidade especificamente "sociológica", objeto, por exemplo, 3. Veja-se, por exemplo, Raymond Boudon, Ef!Cts pervers et ordre social, Paris, Presses Universitaires de F rance, ! 977. 4. Veja-se Jon Elster, Logic mui Society: Contradic!ions and Possible Worids, New York, .John Wiley & Sons, 1978, apêndice 2 do capítulo 5, "CaLtsa!ity and lntentionality: Three Models oi'Man". 13 UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA da forte intuição durkheimiana em que o mundo social aparece marcado pelas características de objetividade e exterioridade com relação às consciências individuais, resultando na "coerção social" e levando Durkheim a estabelecer como regra importante do método sociológico a de "tratar os fatos sociais como coisas". O plano do "agregado" ou "emergente" é, pois, o plano que a sociologia "convencional" reivindica em. sua especificidade e no qual se insta- la, enquanto a perspectiva econômica ambiciona dar conta dele em termos de mecanismos correspondentes ao plano individual ou "micro". Como costuma acontecer, cumpre apontar méritos e dificuldades de parte a parte. Assim, não há como negar o interesse e a importância do ques- tionamento feito pela abordagem econômica dos postulados próprios do "coletivismo metodológico", destacando-se a idéia da contradição micro- macro e a percepção do caráter problemático da ação coletiva, que a perspec- tiva sociológica convencional tende classicmnente a ver, ao contrário, como decorrendo natural e espontaneamente do simples compartilhamento de deter- minada condição objetiva pelos indivíduos ou atores de nível "micro". De outro lado, contudo, é claramente precária a aposta decisiva da abordagem econômica em sua face mais ortodoxa, segundo a qual seria possível deduzir a sociedade e reconstruí-la teoricamente a partir da mera suposição de racio- nalidade e de agentes individuais calculadores postos numa espécie de "esta- do de natureza", pois a recuperação do cálculo do agente e a avaliação da racionalidade da ação supõem que se esteja adequadamente informado a res- peito do contexto em que o agente atua - e que se possa, portanto, entre outras coisas, aquilatar a extensão e a acuidade da informação que o próprio agente processa ao agir e a qualidade do seu cálculo. Ora, o analista não tem como obter a informação requerida com os instrumentos da abordagem eco- nômica ou da perspectiva da escolha racional por si mesma, e não pode pres- cindir, na caracterização do contexto, do equipamento fornecido pela ciência social convencional. Por outras palavras, o uso do próprio postulado de racio- nalidade, que seria a marca distintiva da abordagem econômica, remete à ciên- cia social convencionaL E a receita consistirá em combinar o recurso àquele postulado, importante e mesmo indispe\1sável (e de fato sempre presente, ainda que freqüentemente de forma tosca e pouco elaborada, em qualquer esforço de "compreensão" do comportamento), com a contextualização que só a ciêucia social convencional possibilita. Na verdade, as razôes de perplexidade envolvidas na articulação micro- macro têm produzido, há algum tempo, sinuosidades reveladoras nas relações da econon1ia con1 as demais ciências sociais. Se a perspectiva ortodoxa da 14 APRESENTAÇÃO public choice pode ser descrita como correspondendo à "economicização" da ciência política, no sentido do recurso ao instrumental da análise econômica para tratar os fenômenos da esfera política, são vários os esforços mais ou menos recentes que redundam no movimento inverso e que se poderiam des- crever como uma espécie de "sociologização" e "politização" da ciência eco- nômica. É o caso, para começar, da perspectiva da "nova esquerda" de alguns decênios atrás, para a qual, de forma curiosa e sugestiva, certos autores reivin- dicavam o rótulo de "nova economia política", também sendo usado para indi- car a public choice; na óptica da nova esquerda, porém, tratava-se de designar com esse rótulo a atenção para fatores políticos e macrossociais na operação da economia, numa empreitada que poderia justificar a divisa de busca dos "fundamentos macro dos fenômenos n1icroeconômicos", sin1etrican1ente ao lema da "escolha racional". Mas é também o caso de diversas tentativas cor- rentes de estabelecer uma economia "pós-walrasiana"~ genericamente designa- da às vezes cmno o "novo institucionalismo" ou a "nova econmnia institucio- nal". Apesar de ambigüidades e desdobramentos equivocados, que se ligam com a pretensão reiterada de revelar as "microfundações" das instituições, podem citar-se perspectivas como a do "intercâmbio conflituoso", de Samuel Bowles e Herbert Gintis, ou a da "economia da informação", de Joseph Stiglitz, onde se tem o estudo das "falhas de mercado" e o questionamento de velhos supostos da economia neoclássica (preferências dadas, enjàrcement sem custos, informação sem custos), como exemplos de esforços que levam à diluição das fronteiras entre a economia e as demais ciências sociais de manei- ra que resulta diferente da mera invasão do campo convencional destas últimas pelos instrumentos tradicionais da análise econômica - e que ocasionalmen- te, como nos trabalhos de Robert Bates, chega mesmo ao recurso explícito às contribuições de sociólogos e· cientistas políticos'. O presente volume de Downs ilustra uma faceta particular do confronto das perspectivas econômica e sociológica, a saber, a faceta relativa à explica- ção da democracia e dos processos políticos específicos que nela se dão. As análises empreendidas na perspectiva sociológica convencional a respeito, ainda que não deixem de considerar os interesses, tendem a destacar o papel 5. Veja-se, por exemplo, Samuel Bowlcs e Herbert Gintis,"The Revenge of Homo Economicus: Contested Exchange and the Reviva! o f Po!itica! Economy", Journal o/Economic Perspecti\'es, voL 7, n. 1, 1992, pp. 83~! 02; Joseph E. Stiglitz, Whither Sociafism'?, Cambridgc, Massachuselts, The M!T Press, 1994; e Robert I-L Bates, Beyond the Miracle olthe Market, Cambridge, Cambridge University Press, 1989. 15 UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA cumprido pelos "valores" ou pela "cultura política", tanto na criação de democracias estáveis quanto na dinâmica democrática, especialmente nas decisões envolvidas na vida eleitoral e partidária. A discussão feita por Downs trata o processo político-eleitoral em termos análogos aos que são uti- lizados para dar conta do jogo do mercado na ciência econômica, salientando o cálculo realizado por partidos e eleitores em variadas circunstâncias que encontram regularmente ao tomar suas decisões. O livro estabeleceu um marco usualmente tomado como referência pelos autores que se dedicam ao estudo do processo eleitoral, quer se trate de autores simpáticos à abordagem econômica ou reticentes ou hostis diante dela. Entre os inúmeros comentários de maior ou menor fôlego a que deu origem, sem dúvida cabe destacar o volu- me de Brian Barry intitulado Sociologists, Economists and Democracy, que já em 1970 realizava minucioso confronto das perspectivas de economistas e saciá lagos a respeito da democracia e sua dinâmica, com atenção especial para as análises de Downs6. Certamente não seria o caso de fazer o elogio sem reservas do que Downs tem a dizer-nos. Com toda a importância que atribuem a Downs, comentários críticos como o de Barry apontam com acerto várias dificuldades específicas en1 que suas análises incorre1n. Contudo, o volume é uma amostra bem clara da riqueza de intuições e resultados analíticos que cabe esperar da abordagem da escolha racional, se tomada com a devida sobriedade. O que se disse acima quanto às dificuldades epistemológicas da adoção da racionalidade con1o categoria decisiva aponta para um paradoxo crucial da abordagem, que se vê forçada a optar entre: (1) aderir de maneira conseqüente aos desdobramentos da posição central atribuída à racionalidade e dar atenção plena às complicações nela envolvidas, caso em que a perspectiva da escolha racional, ao invés de permitir a reinvenção "micro fundada" da sociologia, não escaparia de diluir-se numa sociologia "convencional" para dar conta daquilo que conforma socialmente o próprio ator racional como tal, incluindo as nor- mas e os valores em função dos quais se define sua identidade e se torna pos- sível a busca de objetivos remotos ou rnestno transcendentais e, portanto, uma racionalidade de maior fôlego; ou (2) apegar-se a uma concepção de certa forma mais estreita de racionalidade, na qual se visualizan1 agentes em busca de objetivos dados por contextos bem definidos e se podem explorar com rigor os desdobramentos da lógica do cálculo assim "contextualizado". A segunda 6. Brian Barry, Sociofogisrs, Eco1tomists and Democmcy, Londres, Co!lier·Macmillan, ! 970. 16 APRESENTAÇÃO opção envolve, sem dúvida, certa abdicação com respeito às ambições maiores dos teóricos da escolha racional; mas, além de ser provavelmente a condição para que esta possa pretender apresentar-se como abordagem peculiar perante a sociologia ou a ciência social convencional, a aparente modéstia da opção está longe de significar que os problemas que assim se situam sob seu foco analítico sejam problemas sem interesse ou destituídos de importância. O pre- sente volume revela os ganhos possíveis de certa simplificação ligada à ade- são aos postulados relativos à racionalidade, em que a estilização e mesmo a distorção das complexidades da realidade se compensa com o interesse analí- tico dos insights obtidos. Um exemplo se tem com as análises em que as idéias de Harold Hotelling sobre competição espacial são transpostas da esfera do mercado pára a da competição partidária: não obstante as críticas a que se expõem diversos pontos específicos da discussão de Downs, sua fecundidade fica evidente nas numerosas retomadas por outros autores e nos enriquecimen- tos que lhes foram trazidos. Merecem destaque, aqui, as análises dos sistemas partidários empreendidas por Giovanni Sartori (que não pode ser visto como adepto da escolha racional em sentido mais estrito) em Parties and Party Systems, de 1976, que culminam nas implicações e ramificações da idéia de competição espacial e se envolvem em intenso diálogo com Downsl. Além disso, não obstante a importância do lugar a ser reservado às normas e valores na explicação da democracia e da política em geral, a relevância da ênfase geral no cálculo "contextualizado" dos interesses dificilmente poderia ser exagerada, especialmente diante da tendência a certa idealização que cerca a ênfase nos fatores valorativos e na "cultura política", no Brasil não menos que em outros países. Vale talvez a pena evocar, como fecho destas breves notas, alguns dados brasileiros a respeito. Produzidos e examinados (em textos ainda inéditos) em conexão com um projeto de pesquisa executado no Departamento de Ciência Política da UFMG há alguns anoss, os dados em questão mostram que, em amostras de categorias diversas da população brasileira (e provavelmen- te de maneira mais geral), níveis mais altos de informação e sofisticação se acham associados, em condições normais, com maior propensão ao comporta- 7. Gíovanni Sartori, Parties and Party Systems: A F'rame\·vorkfor Analysis, voL I, Cambridge, Cambridge Univcrsity Press, !976. Note-se que a edição brasileira (Partidos e Sistemas Partidários, Brasília, Uni3/Zahar, 1982) contém importante adendo ao texto da edição inglesa original, que se encontra jus- tamente no capítulo final sobre a competição espaciaL . 8. Projeto "Pacto Soda! e Democracia no Brasil", executado pelo autor em colaboração com Mônica Mata Machado de Castro, Edgar Magalhães, Antônio Augusto Prates e Ma!ori Pompermaycr. Os textos men- cionados devem publicar-se brevemente. 17 UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA menta orientado por non11as ou valores solidários ou cívicos; contudo, na ocor- rência de circunstâncias que evidenciem o caráter inócuo ou ineficaz da postura cívica, quanto 1naiores a infOrmação e a sofisticação, tanto maior a propensão a substituir a postura cívica pela disposição à defesa desembaraçada ou cínica do interesse próprio. Do ponto de vista que aqui nos importa, dois aspectos mere- cem ser realçados: em primeiro lugar, em vez da contraposição cortante entre a referência a normas e o cálculo racional qne muitas discussões tendem a supor, o que os dados revelam é um padrão de articulação complexa entre a maior ou menor adesão a normas, de u1n lado, e, de outro, um elemento crucial para o cál- culo e as feições por ele assumidas, ou seja, o elemento cognitivo, a informação em sentido amplo; em segundo lugar, os dados indicam também, como parte desse padrão, a importáncia de situações em que a atuação do fator cognitivo (das percepções e expectativas) torna simplesmente irrelevantes e inoperantes mesmo as normas a que convencionalmente de fato se adere, determinando o predomínio de considerações orientadas pelos interesses. Se os mecanismos assim sugeridos mostram-se importantes para o caso de democracias consolida- das e efetivas, onde a vigência de normas e da "cultura cívica" não teria por que ser vista como obstáculo à atuação "downsiana" do cálculo guiado por interes- ses, eles o são também, e de modo provavelmente especial, para fenômenos como a deterioração das disposições democráticas em situações de crise. Sem falar do jogo "fisiológico" de vale-tudo próprio da condição pretoriana em que tão longamente nos debatemos e cuja vigência impede o enraizamento efetivo das instituições democráticas: a superação dessa condição não parece depender apenas (ou sequer principalmente) de que normas cívicas sejam difundidase assimiladas, mas antes de um difícil jogo de coordenação em que as cognições e expectativas venham a convergir de maneira consistente em direção propícia. !8 PREFÁCIO Este livro procura elucidar seu assunto- o governo de Estados democrá- ticos - tornando inteligível a política partidária das democracias. Esse era o ponto adequado para abordar o problema intelectual que o autor escolheu para si próprio, ou assim me parece. É um fato que sistemas partidários competiti- vos são um traço visível de praticamente todas aquelas nações que o mundo não-comtmista considera como democráticas. É um fato ainda mais importan- te que o que está em jogo no governo, e na competição para controlar os car- gos públicos do governo, é basicamente a mesma coisa. Fundamentalmente, governar significa conseguir que as pessoas façan1 coisas, ou conseguir que elas deixem de fazer coisas. Aqueles que têm a autoridade formal para gover- nar, se é para eles governarem realmente, devem procurar descobrir quem está com eles e quem está contra eles. Nos Estados democráticos modernos, essas operações de inteligência e propaganda são políticas partidárias, ou são prin- cipalmente isso. Uma teoria da democracia que deixe de levar esse fato em conta é de pouca valia em nos dar uma apreciação dos tipos de ações que pode- mos esperar de um governo democrático. Tendo dado à política partidária um lugar central em seu pensamento sobre a democracia, Downs a trata de modo muito diferente de outros estudio- sos de política. Todo o seu esforço vai na direção de explicar o que os partidos e os eleitores fazem. Suas explicações são sistematicamente relacionadas a suposições afirmadas com exatidão sobre as motivações que acompanham as I9 UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA decisões de eleitores e partidos e sobre o ambiente em que eles agem, e dedutíveis dessas suposições. Ele está conscientemente preocupado com a eco- nomia da explicação, isto é, em tentar explicar os fenômenos em termos de uma quantidade muito limitada de fatos e postulados. Também está preocupa- do com as principais características da política partidária em qualquer Estado democrático, não com a dos Estados Unidos ou de qualquer outro país, indivi- dualmente. O livro de Downs não torna obsoletas, em qualquer sentido, as des- crições cuidadosas e profusamente documentadas de atividades partidárias que caracterizam o melhor trabalho anterior nesse campo. É muito mais um ponto de partida para a ordenação e atribuição de importância às descobertas de grande parte da pesquisa passada e futura. Downs pressupõe que os partidos políticos e os eleitores agem racional- mente na busca de certas metas claramente especificadas -- é esse pressupos- to, na verdade, que dá à sua teoria seu poder explicativo. A maioria de nós somos filhos tão acrílicos de Freud que dizer "Ele fez aquilo porque decidiu que era a melhor maneira de conseguir o que queria" tende a nos parecer como não muito profundo. Todavia, assim como firmas que não se envolvem na busca racional do lucro tendem a deixar de ser firmas, também os políticos que não buscam votos de uma maneira racional tendem a deixar de ser políticos. O comportamento dos eleitores pode ser ignorante, mas isso não é equivalente a ser irracional. É óbvio que se deve testar rigorosamente, na experiência, a uti- lidade de se pressupor racionalidade por parte dos atores políticos, mas as ale- gações de Downs com relação à utilidade deveriam ficar claras a partir do que ele fez com aquele pressuposto. Não posso dizer, nem mesn1o nesse Prefácio, que Uma Teoria Econômica da Democracia de Anthony Downs é um livro sem defeitos. Mas posso dizer, de modo muito sincero, que há poucos livros que tiveram um impacto tão gran- de no meu pensamento, ou que eu gostaria tanto de ter escrito. Daqui a alguns anos, ficarei surpreso se a obra de Downs não for reconhecida como o ponto de partida de um desenvolvimento muito importante no estudo da política; sua influência já é considerável e continua a crescer. 211 STANLEY KELLER JR. Princeton, NJ Maio de 1965 AGRADECIMENTOS Como todas as obras supostamente originais, este estudo deve muito de seu conteúdo ao pensamento e esforços de outras pessoas. Gostaria de agrade- cer particularmente a Kenneth Arrow por todas as horas que devotou à orien- tação e correção do meu pensamento e pelas muitas idéias excelentes com que contribuiu. Também gostaria de agradecer a Robert A. Dahl e Melvin W. Reder, que ,leram o manuscrito e fizeratn muitas sugestões que incorporei. Além disso, minha gratidão vai para Dorothy Wynne, que corrigiu diversos erros na primeira versão do Capítulo 1 O; para Julius Margolis, cujo interesse e paciência nas prüneiras discussões sobre o assunto me encorajaram a e1nbar- car neste estudo; c para Carolyn Young e James Smith, que tiveram o trabalho de cuidar da datilografia e edição da versão final. Finalmente, gostaria de agra- decer ao Office o f Naval Research pelo auxílio que tornou este estudo possí- vel. Naturalmente, quaisquer erros nele devem ser considerados como parte da minha própria contribuição original. 21 ANTHONY DüWNS Stanford University Maio de 1956 Parte I ESTRUTURA BÁSICA DO MODELO 1 INTRODUÇÃO No Intmdo todo, os governos dominam a cena econôJnica. Seus gastos determinmn se prevalece o pleno emprego; seus impostos inf1uencian1 incon- táveis decisões; suas políticas controlam o cmnércio internaciomll; e suas regulamentações domésticas se estendem a quase todo ato econômico. Contudo, o papel do governo no mundo da teoria econômica não é de n1oclo algum proporcional à sua predominância. É verdade que, en1 cada campo separado da economia, o pensmnento recente se concentrou de manei- ra frutífera no impacto do governo sobre a tomada privada de decisão, ou na participação do governo em agregados econ6micos. Mas pouco progresso se fez na direção de uma regra de comportamento generalizada porém realista para um governo racional, semelhante às regras tradicionalmente usadas no caso de consumidores e produtores racionais. Como resultado, o governo não foi integrado com êxito àqueles que tomam decisões privadas numa teoria geral do equilíbrio. Ess.a tese é uma tentativa de fornecer essa regra de comportamento para o governo den1ocrático e de rastrear suas implicações. Ao perseguir esses obje- tivos, não fingimos resolver todos os problemas que têm li·ustrado a análise nesSe campo. Entretanto, esperamos caminhar para a solução de alguns detes e formular uma saída razoável para outros que são intrinsecamente insolúveis. 25 lunasassara Realce UMA TEORIA ECON6M!CA {)A DEMOCRACIA I. O SIGNIFICADO DE RACIONALIDADE NO MODELO A. O conceito de racionalidade na teoria econômica Os teóricos econômicos quase sempre exan1inaram as decisões como se elas fossem ton1adas por mentes racionais. Esse simplificação é necessária para a previsão de comportamento, porque as decisões tomadas aleatoriamen- te, ou sen1 qualquer relação entre si, não obedecem a nenhun1 padrão. Todavia, as ações humanas só podem ser previstas, ou as relações entre elas sujeitas a análise, se elas formarem algum padrão. Portanto, os economistas devem adn1itir que ocorre um ordenamento de comportamento. Não há razão a priori para presumir que esse ordenamento é racional, isto é, razoavehnente dirigido para a realização de objetivos conscientes. Entretanto, a teoria econômica se erigiu sobre a suposição de que prevalece a racionalidade consciente, apesar das ácidas afirmativas contrárias de hmnens como Thorstein Veblen e John Maurice Clark. Já que nosso modelo ex defíni- tione diz respeito ao comportmnento racional, temos também que fazer essa suposição 1. Con1o resultado, os n1étodos tradicionais de previsão e análise são apli- cáveis ao nosso modelo. Se o teórico conhece os propósitos daquele que toma decisão, ele pode prever quais passos serão dados para atingi-los, como se segue:( 1) ele calcula o caminho mais razoável para aquele que toma decisão atingir suas metas, e (2) presume que esse caminho será realmente escolhido porque aquele que toma decisão é racional. A análise econôn1ica, portanto, consiste de dois importantes passos: des- coberta dos objetivos que aquele que toma decisão está perseguindo e análise de quais 1neios de atingi-los são os n1ais razoáveis, isto é, exigem a menor apli- cação de recursos escassos. Ao executar o primeiro passo, os teóricos geral- n1ente tentarmn reduzir os fins de cada agente econôn1ico a uma única n1eta, de n1odo que se possa encontrar uma 1naneira eficiente de atingi-la. Se se per- mitem múltiplas metas, os n1eios apropriados a uma delas podem bloquear a I. Ver nota 3, p. 27. Nossn dei'iniçi'\o de mcionafidade inclui o pressuposto de que os homens buscam seus própdos interesses diretamente sem dislluçó-!os, exceto em um caso especí rico discutido no Capítulo 3. Para uma an::\1 i se das ocasiões em que os homens racionais escondem suas preiCrências, ver Kenndh J. 1\rrow, S'ocial Choice Cl!hllndividua! ltt!ues, New York, John Wilcy & Sons Inc., i 951, p. 7. Como AtTow, excluímos de nosso estudo os aspectos "prazeres do jogo" cb tommlél de deci&lo, exceto po1· nlguns comen!á1·ios específicos. 26 !NT!WDUÇ;[O consecução de outra; portanto, não se pode traçar apenas um único cam.inho para aquele que tmna decisões racionalmente seguir. Para evitar esse itnpasse, os teóricos postulam que as firmas rnaxünizmn os lucros e os consumidores maximizam a utilidade. Quaisquer outras metas que qualquer um dos dois tenha são consideradas desvios que qualificam o caminho racional en1 direção à meta principal. Nessa análise, o termo racional nunca é aplicado aos :hns de mn anente " , mas somente a setiS ·meios2. Isso resulta da definição de racional como eficien- te, isto é, maxin1izar o produto no caso de um dado insumo, ou nlinimizar o insu- mo no caso de um dado produto. Desse modo, todas as vezes que os economis- tas se referem a um "homem racional", eles não estão designando un1 homem cujos processos de pensamento consistem exclusivamente de proposições lógi- cas, ou um homem sem preconceitos, ou un1 hmnem ct~jas emoções são lnope- rantes. No uso normal, todos esses poderiam ser considerados homens racionais. Mas a definição econômica se refere unicatnente ao home.m que se n1ove em direção a suas metas de um 1nodo que, ao que lhe é dado saber, usa o n1ínimo insumo possível de recursos escassos por unidade de produto ·valorizado. Para esclarecer essa definição, vamos considerar um exemplo de comporta- mento que é racional apenas no sentido econômico. Suponha que um monge esco- lheu conscienten1ente, como sua meta, atingir un1 estado de contemplação 1nística de Deus3. A fim de atingir sua meta, ele deve purificar sua n1ente de todos os pen- smnentos lógicos e da busca consciente da meta. Econon1icamente íàlando, essa purgaçãO é bastante racional, embora fosse considerada irracional, ou peto menos não-racional, por quaisquer das definições não-econômicas de racionalidade. 2. Estamos presumindo, ao longo deste estudo, que os fins podem ser separados dos meios na mente dnquelc que lo ma decis5o. Em bom se possa argumentar que as metns podem ser modii'ic8das pelos pro- cessos usados pan1 ntingi-18s, nlguma sep<naç5o entre fins e meios deve ser permitida, ou todo o com- portamento se torna desorganizado c sem sentido. Conseqüentemente, admitimos que todo uquek que toma decisfio nvalia as alternativas diante dele pela relnção delas com seus fins, mesmo que esses rins sejam lemponhios ou sejam eles próprios meios para um fim último. Para uma discussllo desse p1·oble- ma, ver William J. 8numol, Wel/(tre Economics and the 7/u!ory o{! h e Srate, London, Longnwns, Grcen anel Co., 1952, p. 121 n. 3. Metas conscientememc escolhidas nflo precisam ser {I) m.1n!idas conti:nmmcnte na consciência enquanto estilo sendo perseguidns ou {2) puramente uma ques!iío de livre escolha.() primeiro ponto 6 provado pelo exemplo dado. O segundo pode ser tnostrado pelo falo de que os homens conscientemen- te procuram obter alimento, embma seu desejo subjacente de comer scjn intrínseco n sua natureza. Desse modo, n seleção consciente pode, às vezes, se limitar a especificnmente pôr em priiticn impulsos brtsicamente inconscientes. 27 lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce UMA TEO!UA ECONÔAI!CA DA DEMOCRAC!A Racionalidade econômica t~tmbém pode ser formalmente definida de outra n1aneira. Utn home1n racional é aquele que se cmnporta cmno se segue: ( 1) ele consegue sempre tomar uma decisão quando confrontado com uma gama de alternativas; (2) ele classifica todas as alternativas diante de si en1 ordem de preferência de tal modo que cada urna é ou preferida, indiferente, ou inferior a cada uma das outras; (3) seu ranlâng de preferência é transitivo; (4) ele sen1pre escolhe, dentre todas as alternativas possíveis, aquela que fica em primeiro lugar em seu ranking ele preferência; e (5) ele sempre toma a mesma decisão cada vez que é confrontado com as .mesmas alternativas4 . Todos aque- les que tomam decisão racionalmente no nosso modelo - inclusive partidos políticos, grupos de interesse e governos- mostran1 as tnesmas qualidades. A racionalidade assim definida se refere a processos de ação, não a seus fins ou até tnestno a seus êxitos e1n alcançar os fins desejados. É notório que o planejamento racional às vezes produz resultados muito inferiores àqueles obti- dos por pura sorte. A longo prazo, esperamos naturalmente que um homem racional tenha utn desempenho melhor do que um homem irracional, ceteris paribus, porque os fatos aleatórios se neutralizam e a eficiêncià triunfa sobre a ineficiência. Contudo, já que o comportamento no nosso modelo não pode ser testado por seus resultados, aplicmnos o termo racional ou irracional apenas a processos de ação, isto é, a n1eios. Naturalmente, alguns meios intermediários são eles próprios meios para fins últimos. A racionalidade dos primeiros nós pode1nos julgar, 1nas a avaliação dos últimos está além do nosso escopo. B. O conceito estrito de racionalidade no presente es·tudo Entretanto, n1esmo que não possamos decidir se os fins daquele que toma decisão são racionais, devemos saber o que .'l'ào antes que pos:wmos decidir se o comportamento é racional, no seu caso. Além disso, ao designar esses fins, deven1os evitar a conclusão tautológica de que o comportamento de todo homem é racional porque ( l) visa a algum fim e (2) os lucros devem ter supe- rado seus custos, em sua opinião, ou ele não o teria adotado. Para escapar dessa annadilha, concentnunos nossa atenção apenas nas metas econômicas e políticas de cada indivíduo ou grupo no modelo. Reconhecidamente, a separação dessas metas das n1uitas outras que os hon1ens 4. Essas condições silo tiradas da análise nos Capítulos I e 2 de A1-row, op. cit. 28 INTRODUÇÃO perE;eguem é bastante arbitrária. Por exemplo, um executivo de uma corpora- ção pode trabalhar por uma renda maior porque gosta de trabalhar e também para ter mais poder de compra; daí, considerar esse últüno como seu único motivo real é errado, assim como arbitrário. Todavia, esse é um estudo de racionalidade econô1nica e política, não de psicologia. Portanto, ainda que considerações psicológicas tenham um lugar legítimo e significativo tanto na economia quanto na ciência política, nós nos desviamos delas, exceto por uma breve menção no Capítulo 2. Nossa abordagem das eleições ilustra como funciona essa definição estrita de racionalidade. A função política das eleições numa democracia, pre- sumimos, é selecionar um governo. Portanto, comportmnento racional vincu- lado às eleições é comportamento orientado para esse fim e nenhum outro. Vamos admitir que um certo homem prefere o partido A por razões políticas, mas sua esposa tem umacesso de raiva toda vez que ele deixa de votar no par- tido B. É perfeitamente racional, do ponto de vista pessoal, que esse homem vote no partido B, se evitar os acessos de raiva de sua mulher é mais ln1portan- te para ele do que a vitória de A, em vez de B. Contudo, em nosso modelo tal comportamento é considerado irracional porque emprega úm expediente polí- tico para um propósito não-político. Desse modo, não levamos em consideração a personalidade global de cada indivíduo quando discutimos qual comportamento é racional no caso dele. Não abrimos espaço para a rica diversidade dos fins atendidos por cada um de seus atos, a complexidade de seus motivos, o modo como cada parte de sua vida está intimamente relacionada com suas necessidades emocionais. Ao contrário, tomamos emprestada da teoria econô1nica tradicional a idéia do con- sun1idor racional. Corrcspondendo ao notório honzo economicus que Veblen e outros censuraram severamente, nosso homo politicu.Y é o "homem rnédio" do eleitorado, o "cidadão racional" de nossa democracia modelo. Porque permitimos que esse homem político tenha incertezas sobre o futuro, ele não parecerá ser tanto um personagem de cérebro de n1áquina de calcular quanto o homem econômico dos utilitaristas. No entanto, ele perma- nece sendo uma abstração da plenitude real da personalidade humana. Presumimos que ele aborda cada situação com um olho nos ganhos a ser obti- dos, o outro olho nos custos, uma capacidade delicada de equilibrá-los e um forte desejo de ir aonde quer que a racionalidade o leve. Sem dúvida, o fato de nosso mundo-modelo ser habitado por esses homens artificiais limita a comparabilidade de comportamento, dentro dele, ao comportamento no mundo real. Nesse último, alguns homens realmente votam 2Y lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce lunasassara Realce UMA TEO!?IA ECON()M/CA DA DEMOCRACIA mais para agradar suas esposas- e vice-versa-- do que para expressar suas pre- ferências políticas. Esse comportamento é~ tnuitas vezes, extremamente racio- nal em termos das situações domésticas em que ocorre. Estudos empíricos são quase unânimes em sua conclusão de que o ajustamento em grupos primários é n1uito mais crucial para quase todo indivíduo do que considerações mais ren1otas de bem-estar econômico ou políticos. Deven1os presumir, todavia, que os botnens orientam seu ccHnportamen- to principahnente em direção a esse ú1titno, no nosso n1undo; se não, toda a análise da economia ou da política se transfOrma num mero acessório da sociologia de grupo primário. Entretanto, quase todos os grupos prin1ários são fortetnente influenciados por condições econôn1icas e políticas gerais; daí podennos provisoriamente considerar as peculiaridades de cada um desses grupos como contrabalançadas por peculiaridades opostas de outros grupos primários. Portanto, quando definimos racionalidade em termos de condições gerais somente, nã.o estamos distorcendo tanto a realidade quanto poderia parecer a princípio. A natureza exata dos fins econômicos e políticos dos quais extraímos nossas descrições de comportamento racional será revelada na estrutura espe- cífica do nosso modelo. Mas, antes de considerarmos aquela estrutura, deve- mos esclarecer mais um aspecto do gue entendemos por racionalidade: como podetnos distinguir entre os erros de homens racionais e o comportamento nonnal de homens irracionais? Se racionalidade realmente significa eficiên- cia, será que os homens ineficientes são sempre irracionais, ou será que os homens racionais também podem agir ineficientemente? C Jrracionalidade e afúnção básica da racionalidade política Não é uma tarefa fácil distinguir claramente entre erros racionais e com- portatnento irracional. Nossa primeira tendência é declarar que um homen1 racional equivocado pelo n1enos pretende conseguir um equilíbrio entre custo e lucro; ao passo que um homem irracional deliberadamente não consegue fazer isso. Mas numerosos casos de neurose inconsciente desmenten1 esse cri- tério. Até mesn1o psicóticos irrecuperáveis freqüentemente se comportan1 com 5. Para um resumo desses estudos, ver Elíhu Katz e Pttul F. L~w1rsl'cld, Persol/of ir!/luence, Gkl\coc, !llinois, The Free Prcss, 1955, Parte Um. 311 racionalidade perfeita, dada sua percepção deformada da realidade. Portanto, intenção é uma distinção inadequada. Para nossos limitados propósitos nesse modelo, a possibilidade de corre- ção é un1meio 1nuito melhor de di'fCrenciar entre erros e con1portamento irra- cional. Um homem racional que está sistematicamente cometendo algum erro vai parar de fazê-lo se (1) ele descobrir qual é o erro e (2) o custo de sua elí- n1inação for menor que os beneficios. Nas 1nesmas condições, um hmnen1 irra- cional deixará de corrigir seuS erros porque ele possui uma propensã.o não- lógica a repeti-los. Suas ações não são prin1ordialmente 111otivadas por um desejo de atingir eficientemente seus fins declarados; daí ele deixar de fazê-lo mesmo quando possível. Há duas objeções a esse método de distinção entre erro e irracionalida- de. O primeiro éque ele tí·eqüentemente exige verificação hipotética, já que os homens rac1ona1s eqmvocados nem sempre descobrem seus erros. Se um homem continua a cometer erros, co1no poderemos saber se ele é irracional ou apenas lhe falta informação? Nesses ·casos, não somos levados a voltar a jul- gar suas intenções, que acabamos de mostrar serem indicadores inúteis? . Essa objeção traz à tona uma dificuldade básica nas ciências sociais ao a.tacar a incapacidade dessas ciências de provar todas as suas asserções e;pe- nmentalmente. Sem dúvida, ela enfraquece nosso argumento. Entretanto, se cedermos a ela completamente, devemos nos privar de fazer quaisquer afirma- tivas sobre muitas questões vitais em todas as ciências sociais. Para evitar essa paralisia, fazemos hipóteses sempre gue for absolutamente necessário, reco- nhecendo as limitações disso. . A segunda objeção é semelhante a uma questão gue já discutimos. Ela afirma que o comportamento que é irracional segundo nossa definição é alta- mente racional na economia psíquica da personalidade do indivíduo. O com- portamento neurótico é, n1uitas vezes, um meio necessário de aliviar as tensões que nascem de conflitos soterrados no inconsciente6. Mas estamos estudando comportame.nto político racional, não psicologia, ou a psicologia do compor- tamento pohllco. Portanto, se um homem exibe um comportamento político que não o ajuda a atingir seus objetivos políticos eficiente1nente nos sentimos justific.ados em rotulá-lo como politicamente irracional, não 'importa quão necessano a seus ajustamentos psíquicos esse comportatnento possa ser. 6. Ver Karcn 1-lorney, lhe Neumtic Personafi(v ofOur Time, New York, W.W. Norton & Company, Jnc 1937, passim. 3/ UMA TEORIA ECONÔlvfJCA DA DEMOCRACIA A razão por que estamos tentando distinguir com tanto cuidado entre erros racionais e atos irracionais é que desejamos ao 1nesmo tmnpo (1) salien- tar como o custo de informação pode levar homens racionais a cometer erros sistemáticos em política e (2) evitar qualquer discussão de irracionalidade política. Nosso desejo de desviar da irracionalidade política nasce de ( 1) a complexidade do assunto, (2) sua incompatibilidade com nosso modelo de comportamento puramente racional e (3) o fato de ser um fenômeno empírico que não poden1os tratar através apenas da lógica dedutiva n1as que também exige real investigação para além do escopo deste estudo. Há apenas un1 ponto no qual a irracionalidade precisa ser discutida em relação a nosso modelo. Se um setor significativo de qualquer corpo político se torna irracional en1 seu comportamento, um difícil problema se coloca para o hmnen1 que não se torna irracional. Con1o deveria ele agir? Qual é o n1elhor can1inho para um hon1en1 racional num Inundo irracional? A resposta depende de saber se a inncionalidade que ele enü·enta envolve ou não padrões previsíveisde comportamento. Se envolve, a ação racional ainda lhe é possível. Já que quase nenhuma sociedade pode sobreviver por muito tempo se ninguém nela está perseguindo efic'ienten1ente suas metas, há, en1 geral, algun1 tipo de previsibilidade no sistema político. Os cidadãos que se compottam irra- cionalmente o fazem em parte porque alguém que se dispõe a ganhar os incita a ir adiante. Por exemplo, um partido que perenemente faz falsas. promessas pode ganhar votos se convencer os eleitores a acreditar em suas mentiras. 'É racional para esse partido encorajar os eleitores a se comportar irracionalmente. Tensões desse tipo freqüentetnente existem, mas, na medida em que prevalece a raciona- lidade de alguém, pode-se ainda prever o comportamento. Desse modo, para lidar com um cmnporta1nento aparentemente irracio- nal, o homem racional deve tentar discernir o padrão subjacente de racionali- dade; deve descobrir aos fins de quem esse comportamento está realmente atendendo e quais são esses fins. Então ele pode decidir, em vista de seus pró- prios fins, como deveria reagir a esse comportamento. Son1ente quando não se pode descobrir qualquer padrão e todos os atos são imprevisíveis - isto é, quando prevalece o caos - é que não há qualquer ca1ninho racional para o homem que conhece suas próprias metas. Portanto, o comportatnento racional requer uma orden1 social previsível. Assin1 como o produtor racional deve ser capaz de fazer previsões razoavel- mente precisas de sua demanda e custos, se é que vai investir de modo inteli- gente, o homem racional na política também deve ser capaz de prever aproxi- madamente o comportan1ento de outros cidadãos e do governo. Alguma ambi- 32 INTRODUÇÁO güidade é inevitável, mas sempre que a incerteza mnnenta muito, a racionali- dade torna-se diflcil. Como o governo fornece o referencial de ordem sobre o qual o resto da sociedade se constrói, a racionalidade política tem un1a função 1111.úto mais fun-, damental do que a simples eliminação de desperdício no ato de governar. O comportamento racional é impossível sem a estabilidade ordenada que 0 governo proporciona. Mas o governo continuará a proporcionar essa estabili- dade somente enquanto o sistema político funcionar eficientemente isto é , , enquanto for racional. Desse modo, a racionalidade política é o sine qua mm de todas as formas de comportamento político. Naturalmente, a racionalidade política não precisa operar democratica- mente, como ocorre no nosso modelo. Desde que a incerteza seja reduzida e a ordem estável, introduzida e 111antida, a ação racional é possível, mesmo que a tirania prevaleça. Além disso, a racionalidade política não precisa ser perfeita, já que a maioria dos sistemas políticos opem toleravelmente bem sem ser depurada de toda a ineficiência. Todavia, ·Um alto grau de racionalidade políti- ca é necessário em todas as sociedades de grande porte, se é importante para elas resolverem seus problemas com êxito. I!. A ESIRUTURA DO MODELO Nosso ·modelo se baseia no pressuposto de que todo governo procura maxitnizar o apoio político. Presumimos ainda que o governo existe nu1na sociedade democrática em que se façam eleições periódicas, que seu objetivo principal é a reeleição, e que a eleição é o objetivo daqueles partidos agora ali- jados do poder. Em cada eleição, o partido que recebe o maior número de votos (embora não necessariamente a maioria) controla todo o governo até as próxi- n1as eleições, sen1 quaisquer votações intermediárias, seja pelo povo como um todo, seja pelo parlamento. O partido governante, portanto, tem liberdade ili- mitada de ação, dentro dos limites da constituição. O mais importante desses limites é que o governo - isto é, o partido governante não pode impedir as operações de outros partidos políticos na sociedade7. Não pode restringir sua liberdade de expressão, ou sua capacidade 7. Ao longo desta análise, usamos o lermo governo no sentido europeu; isto é, ele sempre se refere ao par- tido governante a menos (jt1e seja registrado dífCrcntemente. 33 UMA TEOI?!A E'CONÔM!CA DA DEMOCRACIA de fazer campanhas vigorosas, ou a liberdade de qualquer cidadão de falar abertamente contra qualquer partido. Também não pode alterar o calendário das eleições, que se repetem a intervalos fixos8. Economicmnente) entretanto) não há limites ao seu poder. Pode naciona- lizar tudo, ou entregar tudo para grupos privados, ou chegar a algum equilíbrio entre esses dois extremos. Pode impor ünpostos e executar quaisquer gastos que deseje. A única restrição sobre ele é a de manter a liberdade política; por- tanto, nào deve arruinar seus oponentes através de políticas econô1nicas que visem especificamente a prejudicá-los. Também deve sustentar economica- mente os direitos de voto de seus cidadãos9. Alguns teóricos políticos podem objetar que esse governo parece ter pouca relação com o Estado que deve gerir. Os sociólogos poderiam objetar ainda 1nais que a reeleição, per se, de nada adianta para ninguém; portanto, algu1nas motivações n1ais profundns devem estar por trás dela. Vamos tratar de ambas essas críticas no Capítulo 2. Por enquanto, vamos supor que a n1eta de todo governo é ser reeleito, quer o governo seja de uma nação, de um Estado ou de uma municipalidadelo. 8. Embora as eleições se repitam a intervalos fixos no nosso modelo, elns poderiam ocorrer igualmente a qualquer momento dentro de limites fixos de tempo, com a data precisa estabelecida pelo partido no poder, como no sistema político británico. Desse modo, nossa restrição é mais i·Orte que o neccssúl'io; tomamos essa medida apenas pma eliminar o calendário das eleições da área de estratégia particlflria. A a!ternção desse nxioma, a rim de torná-lo parecido com o sistema brl!ànico, não afetaria nenhuma de nossas conclusões. 9. Pode-se argumentar que o governo não deve destruir direitos de propriedade privada se quiser garantir liberdade política para seus cidadãos, jó que eles devem permanecer independentes de seu controle. Entretanto, propriedade privada nesse sentido não significa uma reivindicação de posse sobre os meios de produção, mas uma parcela legalmente protegida de seu produto. Se um cichldão sabe que Sll'<1 renda depende do cumprimento de certas tarefas bem definidas, relacionadas com seu emprego, c que a lei o protege de perdas de rendimentos que resultem de quaisquer ações desvinculadas daquele emprego, c! c é livre para seguir suas próprias inc!inaçõ(js políticas, independente de ele trabalhar para o Estado ou para uma firma privada. Ele possui seu emprego e, desde que cumpra seus deveres, n8o pode ser priva- do dele sem o devido processo da lei. Exemplos disso são direitos de senioridade em sindicntos e graus de status no serviço público. Concordaríamos em que o governo não deve abolir tmtto esse tipo de pm- priedade privada quanto a posse privacl<l dos meios de produção, se é parn existir liberdade políticn; por- tanto, o poder econômico do governo tem alguns limites. Além disso, jó que toda propriedade privada depende de um sistema legal independente da política, um dos elernen!os da constituição de nosso modelo deve ser esse sistema. 1 O. Nossa principal preocupação é com o governo nacional, no longo deste estudo. Entretanto, grande parte da argumentação l<~mbém se aplica aos oülros tipos. 34 INTRODUÇÃO Tendo dado ao governo um objetivo, podemos descobrir os meios mms eficientes que ele pode empregar para alcançar aquele objetivo. Em outras palavras, podemos construir mn modelo que mostre como um governo racio- nal se comporta no tipo de Estado democrático que delineamos acima. Entretanto, primeiramente precisamos saber mais sobre o mundo no qual nosso governo-modelo vai funcionar. Esse mundo difere do mundo de equilíbrio geral porque contém incerte- za. De fato, a fim de estudar a lógica básica de tomada ele decisão na nossa economia política, vamos presumir conhecimento perfeito nos Capítulos 3 e4. No entanto, esses capítulos são apenas preliminares à posterior análise de com- portamento quando prevalece a incerteza. Nossa razão para enfatizar a incerteza é que, na nossa opinião, ela é uma força básica que afeta todas as atividades humanas, particulannente a ativida- de econômica. Lidar com a incerteza é uma função importante de quase todas as instituições significativas na sociedade; portanto, ela configura a natureza de cada uma delas. Um excelente exemplo é o dinheiro, que lorde Keynes e outros mostraram ser uma resposta à incerteza, un1 vínculo entre o presente e um fi.tturo não definitivamente conhecido''· Seria absurdo estudar o dinheiro son1ente num mundo certo e esperar descobrir sua essência - na realidade, a tentativa de fazê-lo levou a contradições inerentes. Da mesn1a :forma, embora possamos descobrir algo sobre como os gover- nos racionais operan1, através da análise deles num mundo "certo", aprende- tnos muito· 1nais enfrentando a incerteza e os problemas que ela cria. Muitos desses problemas são relacionados ao custo de obtenção de informação. Portanto, dedicamos diversos capítulos ao exame de como esse custo afeta o comportamento político racional. Esperamos que nosso estudo seja de interesse para os estudiosos da democra- cia assim como para os economistas. Poucas de nossas conclusões são novas; na realidade, algumas fOram especificamente afirmadas por Walter Lippmann em sua brilhante trilogia sobre a relação entre opinião pública e governo democrático''- l I. Ver .lohn Maynard Keynes, The General 7Yteory of Employment, !!l!erest. mui Mo11ey, New York, !-larcourt, Brace and Company, 1936, cap. 17. Para uma explicnção lúcida desse cnrítulo, ver Abba P. Lerner, "The Essential Proper!ies of !nterest and Money", Quarter/y Journa! (!1' Economics, LXVI, !952, pp. 172-!93. 12. Wrd!er Lippmann, Pub!ic Opinion, New York, Thc Macmillan Company, 1922, The PhmiiOfll Pub!ic, New York, !·lai"Court, Brace and Company, 1925, e Essays in the Public Phi/osophy, Boston, Li!l\c, Brown and Company, ! 955. 35 UMA TEORIA ECON6MICA DA DEMOCRACIA Entretanto, nossa tGntativa de rastrear o que farão os homens racionais, tanto como cidadãos quanto no governo, é, salvo engano, nova. Ela tende a provar logicamen- te afirmações a que Lippmann e outros chegaram através da observaçã.o empírica da política. Desse modo, nosso modelo poderia ser descrito como um estudo de racio- nalidade política de um ponto de vista econômico. Por meio da comparação do quadro de comportamento racional que emerge deste estudo éom o que se conhe- ce sobre comportamento político real, o leitor deveria ser capaz de tirar algumas conclusões interessantes sobre o funcionamento da política democrática. !I!. A RELAÇÃO DE NOSSO MODELO COM MODELOS ECONÓMTCOS ANTERIORES SOBRE GOVERNO A n1aior parte dos estudos econômicos sobre governo diz respeito às suas políticas em campos específicos, tais como controle monetário, n1anu- tenção do emprego, estabilização de preços, regulamentação de monopólios e cmnércio internacional. As poucas análises de atividades governarnentais como um todo são principalmente normativas, isto é, deduzem o tipo de ações que un1 governo deveria realizar a partir de um princípio ético básico sobre sua função característica. Nossa análise é igualmente dedutiva, já que coloca uma regra básica e tira conclusões a partir dela. Entretanto, é também positiva, porque tentamos descrever o que acontecerá sob certas condições, não o que deveria acontecer. Contudo, mostraren1os brevemente como se relaciona a diversas idéias norma- tivas propostas por outros economistas, e como tenta resolver certos problemas que eles levantararn. A. O problema de falsa personificação versus superindividualisnw Num artigo sobre "A Teoria Pura das Finanças Governamentais", James Buchanan suaeriu dois modos mutuamente exclusivos de se considerar a toma- b da de decisão pelo Estado". O primeiro é considerar o Estado como uma pes- 13. James Buchanan, "The Pure Theory of Governmcnt Pinancc: A Suggested Approach", Jouma! qj Po!itical Economy, LV!l, dez., 1949, pp. 496-505. 36 INTRODUÇÃO soà separada que tem_ seus próprios fins, não necessariamente relacionados com os próprios fins dos indivíduos. Ele age para maximizar seu próprio bem- estar ou utilidade através da manipulação dos gastos governamentais e da tri- butação, de maneira que o ganho marginal de gastos adicionais seja igual à perda marginal de tributação adicional. Esses ganhos e perdas são sociais - sentidos pela personalidade do Estado. Não são os ganhos e perdas de indiví- duos sob alguma forma agregada. Embora essa abordagem "organís1nica" seja intelectualn1ente clara, ela não tem um conteúdo substantivo, como salienta Buchanan. Ninguém sabe com quê se parece a função de bem-estar do Estado-como-pessoa, nem é pos- sível descobrir isso. Portanto, é inútil co1no um guia para decisões práticas. A segunda abordagem de Buchanan considera que apenas os indivíduos têm estruturas de finalidades. O Estado não possüi uma função de bem-estar própria; é simplesmente um meio pelo qual os indivíduos podem satisfazer coletivamente algumas de suas necessidades. Por exemplo, o Estado tem o n1onopólio de certos serviçosl mas, em vez de tentar 1naximizar os lucros, ele procura apenas cobrir os custos a longo prazo. Os indivíduos compram-lhe ser- viços e pagam-no apenas pelos serviços que recebem. Desse modo, um prin- cípio de benefício quid pro quo básico sub jaz no funcionamento do Estado e estabelece os !.imites do que ele faz14. À primeira vista, essa visão voluntarista do Estado não se coaduna com seu uso de coerção no recolhimento de impostos. Se os impostos são simples- mente pagamentos quid pro quo por serviços prestados, por que os cidadãos devem ser forçados a pagá-los? Paul Samuelson respondeu a essa questão argumentando que, nesse mundo-modelo, o Estado assume apenas aquelas ati- vidades que proporcionam benefícios indivisíveis". Já que todos os homens desfrutam dos benefícios de todos os atos governamentais, não importa quem pague por isso, cada homem é motivado a fugir do pagamento. No entanto, ele J 4. Essns duas abordagens l'ornm elnboradas em maior de!fllhc por Edwnrd C. 13anfield, que distingue entre dois tipos de visão "unitúrin" do Estado e três tipos de visi'io "individualista". Sua análise realmente aproxima <IS idéias de Buchanan dn realidade, mas não al!cra a dicotomia búsicn que cstnmos discutin- do. Ver "Note on the Conceptual Schemc", em Martin Meyerson e Edwmd C. Banfiekl, Politics, Planning, mui the f!ltb!ic lnterest, Glencoe, !ll., The rree Press, 1955, pp. 322-329. 15. Paul A. Samuelson, "The Pure Theory or Public Expenditurcs", Review o(Economics mui Statisrics, XXXVI, nov., !954, pp. 387-389. Samuelson afirma também que o governo farú p<lgamentos de tn111s- ferência direta (impostos mais gastos) para satisfazer o "observador ético". Entretanto, essas transferên- cias não envolvem quaisquer atividades governamentais que esgotem os recursos; dai serem irrelevan- tes para nossa discuss~o dessns atividades. 37 ViviA TEORIA ECON6M!C!l DA DE/v!OCR!IC!A estará disposto a pagar sua parcela do custo- já que realmente recebe benefí- cios por isso - se todos os outros também assumirem suas parcelas. Todos os cidadãos concordan1 em ser coagidos, visto que o ganho de cada cidadão mais do que compensa sua parte do custo, e proporcionam-se beneficios que não poderiam ser obtidos de outro modo. A natureza voluntarista do Estado não é, desse n1odo~ contestada por seu uso de coerçãoiCJ. Julius .Margolis atacou com vigor essa concepção do Estado cmno sendo completan1ente irrealistal7, Ele salienta que quase nenhuma atividade assumi- da pelo Estado produz beneficios puramente indivisíveis. Até mesmo a defesa nacionaC o exemplo clássico de beneficios indivisíveis, auxilia algumas pes- soas n1ais do que outras~ e o gasto marginal com ela pode realmenteprejudi- car alguns cidadãos. A maior parte das outras atividades governamentais pro- duz benefícios clarari1ente indivisíveis; por exe1nplo, quanto mais os cidadãos de B a Z usam estradas construídas pelo governo, n1ais cheias fican1 essas estradas, e menos benefício o cidadã.o A obtém de seu uso. O fato de o gover- no desempenhar essas atividades, no lugar de firmas privadas, não pode ser explicado pelo critério de Samuelson. Seu modelo, diz Margolis, limita o Estado a tão poucas ações que não é razoável aceitá-lo nemtnesmo con1o uma teoria normativa de atividade governamental. Nós concordamos. Nossa própr:ia crítica da abordagem Buchanan-San1uelson é que ela cria uma falsa dicotmnia entre as duas visões, uma das quais é totalmente üllsa e a outra expressa apenas parte ela verdade. Por um lado, a visão organísmica de governo não é verdadeira porque se baseia numa entidade n1ítica: um Estado que é uma coisa separada dos homens individuais. Por outro lado, a visão indi- vidualista é incmnpleta porque não leva as coalizões em consideração. Como veremos no Capítulo 2, quando um pequeno grupo de homens, agindo em coalizão, gere o aparato do Estado, podemos falar do governo como aquele que toma decisões separadamente dos cidadãos individuais em geral. 16. Uma nbordngem semelhante 6 usnda por Willinm J. l3aumo!, op. cir., e é nfirmada e crihcada po1 Ricbnrd A. Musgrave em "The Voluntary Exchnnge Theory oi' Public Economy", Quorrerly Jouma! qj Economics, LI!!, 1939. Ess8s anúlises são bHstnnte pmecidas com a de Samuelson, de modo que não prcdsamos tratú-lns separncbmcn!e. 17 . .lulius Margolis, "A Commcnt on the Purc Themy o f Public Expendiwres'', Neview o/ Economics (!Ju/ ,)'talistics, XXXVII, nov .• 1955, pp. 347-349. A resposta de Samue!son aceilil alguns dos pontos levan- tados por Margolis e esclnrece a natureza de mercndorias "públicas" c "privadns". Ve1· Paul A. Samuelson, "Diagrammatic Exposition o r a Theory o f Public Expendíture", Fl.eFiew o(l~·co11omics and Statislics. XXXVII, nov., 1955, pp. 355-356. 38 JNTRODUÇ;[O Desse modo, evitamos tanto a falsa personificação de uma construção n1ental e uma visão superindividualista da sociedade. Entretanto~ ainda nos confronta- mos com o problema de descobrir uma relação entre os fins dos indivíduos em geral e os fins da coalizão que não restringe o governo à provisão de benefí- cios indivisíyeis. Nosso modelo tenta descrever essa relação. B. O problema dafitnção de bem-estar social Exatamente o mesmo problema foi, há muito tempo, o centro da contro- vérsia na nova economia do bem-estar, em que a "função de bem-estar social" foi proposta como solução". Tendo rejeitado beneficio cardinal e comparações psicológicas interpessoais, Bergson tentou substituí-los por un1a regra abstra- ta para extrair fins sociais a partir de fins individuais. Ele chamou essa regra de "função de bem-estar social". Essa entidade amorfa foi o alvo de duas grandes críticas. Uma é que ela não elimina a necessidade de pesar os desejos de cada indivíduo no processo de alcançar uma estrutura coletiva de fins. Contudo, qualquer ponderação des- sas é, na realidade, uma comparação interpessoal de bem-estar; ela desempe- nha a mesma função que o pressuposto de que todos os homens têm igual valor ético, na análise anterior de Pigou. Desse modo, o uso de uma fbnção de bem- estar social não resolve o problema de como fazer comparações interpessoais, como o próprio Bergson admitiul9. A segunda cr:tica foi feita por Kenneth Arrow e será analisada em deta- lhe no Capítulo 420. Em resumo, Arrow mostrou que, se a maioria das situa- ções de escolha envolve mais que duas alternativas, e se as preferências dos indivíduos são suficientemente diversas, nenhmna função de bem-estar geral, transitiva e singular, pode ser construída, a menos que uma parte da sociedade dê ordens para o resto. Esse argumento detnoliu o que restava da função de bem-estar social proposta por Bergson e dissolveu a relação entre fins indivi- duais e sociais que ela tentara estabelecer. A economia do bem-estar voltou, portanto, ao estado debilitado em que havia entrado anteriormente por meio da rejeição de dois postulados: utilidade 18. /\brnm 8ergson (Burk), "/\ Reformulntion of Certain Aspects of Welfare Economics", Quarter~v Journal q(Ecollomics, L!!, fev., 1938, pp. 314-344. 19. VerTibor Scitovsky, "The State ofWeii:'uc Economics", American E'conomic Revie11', XLI, 1951, pp. 303-3!5. 20. Kenneth .J. 1\rrow, op. cir .. pas.,-im. 39 UMA 7EORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA cardinal e comparações de bem-estar interpessoai~. Esses axiomas haviam sido jogados fora porque o primeiro era desnecessário e an1bos se baseavan1 numa visão psicológica falsamente e1npírica do homem. Mas sem eles, ou outros para substituí-los, poucas afirmações de política significativas podem ser fei- tas. Nosso modelo tenta forjar uma relação positiva entre as estruturas de finalidades individuais e sociais por meio de um expediente político. Como cada cidadão adulto tem direito a um voto, suas preferências de bem-estar são pesadas aos olhos do governo, que está interessado apenas no seu voto, não em seu ben1-estar. Desse modo, em resposta à primeira crítica levantada contra Bergson, admitimos abertamente que estamos adotando um princípio ético - igualdade do direito de voto. Estamos tornando-o uma parte da política, na qual acreditamos que a ética social deveria ser tratada. Em smna, estamos vol- tando à economia política. Isso não elimina, entretanto, o argumento de Arrow de que a ação social racional às vezes é impossível. Nossa defesa contra esse ataque consiste essen- cialn1ente de uma dupla evasão. Tentamos mostrar o seguinte: ( 1) a crítica de Arrow nem sempre é relevante e (2) mesmo quando é relevante, seu impacto freqüentemente se limita a áreas muito mais estreitas de escolha do que se poderia supor. Esses argumentos serão apresentados no Capítulo 4. Embora nosso modelo se relacione ao problema básico de economia de bem-estar que Bergson tentou resolver, ele não é um modelo normativo. Não podemos usá-lo para argumentar que a sociedade está en1 melhor situação no Estado A do que no Estado B, ou que o governo deveria fazer X mas não Y. O único elemento normativo que contém está implícito no pressuposto ele que cada cidadão adulto tem direito a um e apenas a um voto. Realmente, en1bora um juízo ético deva ser a justificativa definitiva para esse pressuposto, nós o incorporamos ao nosso modelo apenas como um parâmetro factual, não como um parâmetro non11ativo. Portanto, a relação que construímos entre fins indi- viduais e governmnentais é aquela que acreditamos que existirá sob certas con- dições, não aquela que deveria existir porque preenche algum conjunto ideal de exigências. C Problemas técnicos Muitas abordagens normativas sobre tomada de decisão governamental apresentam mecanismos tais como referendos sobre cada decisão, perfeito 40 INTRODUÇÃO conhecimento, por parte do governo, da estrutura de preferência de cada cida- dão, e cálculo preciso e pagamento de compensação. Esses expedientes, sem dúvida, desempenham um papel legítimo na análise teórica; nós mesmos os usamos ocasionalmente. No entanto, a maior parte de nosso estudo diz respei- to ao que realmente aconteceria se os homens no nosso mundo razoavehnente realista se comportassem de n1odo racionaL Portanto, não podemos nos apoiar em procedimentos que a divisão do trabalho torna não-práticos, como ocorre com todos os três n1encionados acima. Por outro lado, nossa análise sofre da mesma generalidade que aflige as teorias tradicionais do comportamento de consumidores e firmas. Não pode- mos preencher os detalhes de nossa função de voto mais do que J. R. Hicks preencheu os detalhes dos mapas de indiferença ou funções produtivas em Value and Capital". Fazê-lo é a tarefa de políticos, consumidores e homens de negócios, respecti:ramente. Analistas abstratos,como nós, só podem mostrar como esses detalhes se encaixam no esquema geral das coisas. IV RESUMO Embora os governos sejam de crucial importância em todas as econo- tnias, a teoria econômica não produziu tuna regra satisfatória de comportan1en- to para eles, comparável às regras que usa para prognosticar as ações de con- sumidores e firmas. Nossa tese tenta fornecer essa regra, postulando que os governos democráticos agem racionalmente para maximizar o apoio político. Por ação racional, entendemos a ação que é eficienten1ente planejada para alcançar os fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados do ator. No nosso modelo, o governo persegue seu objetivo sob três condições: mna estrutura política democrática que permite a existência de partidos de oposição, mna atmosfera de graus variáveis de incerteza e um eleitorado de eleitores racionais. Nosso modelo mantém uma relação definida com modelos econômicos anteriores de governo, embora o nosso seja positivo e a maioria dos outros sejan1 normativos. Buchanam propôs uma dicotomia entre concepções organís- micas e individualistas do Estado; tentamos evitar ambos os extren1os. Samuelson e Baumol argumentaram que o Estado pode assumir eficienten1en- 2!. J. R. 1-licks, Vátue ond Capiraf, 2. ed., OxiOrd, Cbrendon Press, 1950, c<tps. !, V! c V!!. 41 UMA TEORIA ECONÓMICA DA DEMOCRACIA te apenas transferências diretas de renda e ações que produzam benefícios indi- visíveis; tentamos mostrar que tem muitos outros papéis legítimos. Bergson tentou estabelecer relações entre fins individuais e sociais por meio de um pos- tulado puramente ético; adotamos um axioma ético sob forma política. Arrow provou que essas relações não poderiam ser estabelecidas racionalmente sem prescrição; tentamos mostrar como seu dilema pode ser contornado. Tentamos essas tarefas por meio de um modelo que é realista e, contudo, não preenche os detalhes das relações no interior dele. Em suma, queremos descobrir qual forma de comportamento político é racional tanto para o gover- no quanto para os cidadãos de uma democracia. 42 2 MOTIVAÇÃ.O PARTIDÁRIA E A FUNÇÃO DO GOVERNO NA SOCIEDADE INTRODUÇÃO Os modelos teóricos deveriam ser testados primordialmente mais pela pre- cisão de seus prognósticos do que pela realidade de seus pressupostos'. Todavia, .se é para nosso modelo ter coerência interna, nele o governo deve ser pelo menos teoricatÍ1cnte capaz de desempenhar as funções sociais de governo'. No presente capítulo, tentaremos mostrar como e por que o partido governante se desincumbe dessas funções, ainda que seu motivo para agir não se relacione a elas. I. O CONCEITO DE GOVERNO DEMOCRIÍTICO NO MODELO A. A natureza do governo A definição de governo usada nesse estudo é tomada emprestada de Robert A. Dahl e Charles E. Lindblom, que escreveram: I. Para uma excelente afirmação desse pon!o de vista, ver Mílton Friedman, "The Melhodoiogy o r rosi!lve Economics", Essays in Positive Economics, Chicago, University o f Chicago Press, 1953. 2. Nesse capítulo, a palavra gOl'erno se refe1·e à instituição, e não ao partido governante. Entretanto, vol- tamos a usar esse último significado em todos os capítulos subseqüentes. 43 UMA TEORIA ECON6MJCA DA DEMOCRACIA Os Governos [são] [ ... ]organizações que têm um monopólio suficiente de controle para impor uma resolução ordeira de disputas com outras organizações na área [ ... ] Quem quer que controle o governo geralmente tem a "última palavra" sobre uma questão; quem quer que controle o governo pode impor decisões a outras organizações na área3. Como salientam Dahl e Lindblom, "Todas as definições curtas de gover- no são inerentemente ambíguas"4 . Porém, sua definição consegue diferenciar o aoverno de outros aaentes sociais sem circunscrever com precisão seus pode-o b res. Daí essa definição ser ideal para nosso modelo, já que, nele, o governo tem poderes amplos, como explicado no Capítulo !. Mas o que o governo deve fazer com esses poderes? Qual é o papel pró- prio do governo na divisão do trabalho? Claran1ente, essas questões são vitais no mundo real da política. Entretanto, ninguém pode respondê-las sem especi- ficar uma relação ética entre o governo e o resto da sociedade. Como essa especificação é non11ativa e não positiva, ela escapa do alcance de nosso estu- do. No que diz respeito a esse estudo, é permitido ao governo fazer qualquer coisa que não viole os limites constitucionais descritos no Capítulo !. No mundo real, o governo de fato faz quase tudo que é concebível a uma organização fazer. Entretanto, nem todo governo faz a mesma coisa que os outros, daí ser infrutífero descrever as funções do governo através de uma lista ele um conjunto ele atividades típicas. Alguns governos não desempenhariam todas elas~ e quase todas elas seriam desempenhadas por alguns agentes não- governamentais. Portanto, quando tentamos especificar o que os governos têm em comum, somos levados de volta àquela definição algo vaga dada acima. Apesar ele sua imprecisão, essa definição sugere duas coisas sobre a fun- ção do governo na divisão do trabalho .. Primeiramente, todo governo é o locus elo poder último na sua sociedade; isto é, ele pode coagir todos os outros gru- pos a obedecer suas decisões, ao passo que esses não podem coagi-lo da mesma fonna. Portanto, sua função social deve pelo menos incluir a ação como fiador final por trás ele todo uso de coerção na resolução de disputas. É concebível que diferentes "fiadores últimos" de coerção pudessem coexistir na 1nesma sociedade, cada um gerindo uma esfera diferente de ação (por exemplo, a Igreja na religião e o Rei na política). Mas em nosso modelo, embora o poder possa ser extremamente descentralizado, supomos que apenas 3. Roberl A. Dnhl e Chnrles E. Lindblom, Po!itics, Economics and H{>(/àre, Ncw York, 1-larper & Brothers, 1953, p. 42. 4. fbid. 44 MOT!VAÇÁO PART!DA/?JA E A FUNÇÁO DO GOVERNO NA SOCIEDADE un1a organização em qualquer área possa se encaixar na definição dada. Conseqüente1nente, o governo é uma organização especializada, distinta de todos os outros agentes sociais. Desse modo, numa base puramente positiva, sem postulados éticos, podemos concluir que (I) o governo é um agente social específico e singular e (2) tem uma função especializada na divisão do trabalho. B. A natureza do governo democrático Para evitar premissas éticas, definin1os governo democrático descritiva- 111ente, isto é, através da enumeração de certas características que, na prática, distinguem essa forma de governo de outras. Um governo é democrático se existe nun1a sociedade onde prevalecem as seguintes condições: I 1. Um único partido (ou coalizão ele partidos) é escolhido por eleição popular para gerir o aparato de governo. 2. Essas eleições são realizadas dentro ele intervalos periódicos, cuja duração não pode ser alterada pelo partido no poder agindo sozinho. 3. Todos os adultos que são residentes permanentes da sociedade, são normais e agem ele acordo com as leis da terra são qualificados para votar em cada uma dessas eleiçõess. 4. Cada eleitor pode depositar na urna um e apenas um voto em cada eleição. s. Qualquer partido (ou coalizão) que receba o apoio de uma maioria dos elei- tores tem o direito de assumir os poderes de governo até a próxima eleição. 6. Os partidos perdedores numa eleição não podem jamais tentar, por força ou qualquer meio ilegal, impedir o partido vencedor (ou partidos) de tomar posse. 7. O partido no poder nunca tenta restringir as atividades políticas de quais- quer cidadãos ou outros partidos, contanto que eles não façam qualquer tentativa de depor o governo pela força. 8. Há dois ou mais partidos competindo pelo controle do aparato de governo em toda eleição. Já que nossa sociedade-modelo, tal como descrita no Capítulo 1, exibe todos esses traços, o governo nela é democrático. 5. Em algumas democracias, mulheres ou estrangeiros
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