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Resenha crítica Pedido, queixa e demanda no Plantão Psicológico: Querer poder ou precisar? Henriette Tognetti Penha Morato No texto a autora estuda o fenômeno plantão psicológico. Inicia trazendo a reflexão sobre desconstrução, como um novo espaço criado para outras construções possíveis, uma nova paisagem reconfigurando o ambiente que, embora vazio, deixar ver possibilidades para outras situações. A autora traz a ideia do plantão como uma ação que, em sua matriz, é essencialmente clínico-investigativa ele busca esclarecer junto àquele que sofre uma demanda a partir dele mesmo, na tentativa de abrir possibilidades para que ele se responsabilize pelo seu próprio cuidado. E completa dizendo que é um proceder que, a todo o momento, se coloca em discussão, avaliando o que ocorre a cada encontro entre plantonista e aquele que sofre, para, através desta avaliação, possibilitar que a demanda apresentada se esclareça como necessidade e urgência. No plantão psicológico busca, junto ao cliente, resgatar dimensões da sua condição humana, compreendendo-as como ontológicas e não como obstáculos a serem transpostos ou adaptados a uma norma. Como atitude clínica, refere-se ao modo como o plantonista escuta o sofrer. Ou seja, faz parte do ser dos homens como algo que lhes é próprio. É através desta compreensão que a escuta pode comprometer o sujeito em relação ao seu sofrimento, pode fazer com que este se torne uma questão para o sujeito mesmo. Após este momento, a autora começa a trazer relatos e experiências sobre a história do planeta ao longo do tempo e o contexto histórico em que se constituiu. O Aconselhamento Psicológico, como prática, surge num cenário marcado pela absoluta necessidade de reconstrução das sociedades do pós-guerra. Havia necessidade por práticas psicológicas que contemplassem a destruição causada por esses conflitos, atendendo, como agir emergencial, à demanda de uma sociedade marcada pelo estilhaçamento das relações humanas: experiência de instabilidade e falta de sentido contemporâneas intensificadas pelo avanço sem precedentes de um capitalismo cada vez mais tecnológico. O Aconselhamento apresentava-se como uma técnica, um equipamento social com status de tecnologia. Assim, a prática do Aconselhamento Psicológico apresentava-se, na sua origem, constituída dentro do contexto específico: o de uma sociedade comprometida com valores pragmáticos, preocupada a eficiência e eficácia dos processos de adaptação do homem à exigência social e vigente, modelo esse próprio da cultura norte americana. Mas, apesar das características utilitaristas, acrítico e múltiplo enquanto prática, o Aconselhamento garantiu espaços em instituições, como hospitais e escolas, onde o psicólogo cuidava das questões relativas ao sofrimento humano. Era o início da constituição da identidade profissional do psicólogo por uma prática em ação. Esse processo foi intensificado com as ideias de Carl Rogers, o criador da Abordagem Centrada na Pessoa, uma nova maneira de produzir conhecimento, debruçando-se sobre a prática, buscando nela os subsídios para o desenvolvimento de teorias para a psicoterapia. No Brasil, o Serviço de Aconselhamento Psicológico, do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (SAP-PSA-IP-USP) foi legitimado como lugar de fronteiras, desde sua origem, e sua história revela momentos marcados por transição e transformações fundamentais. Pelos entrelaçamentos do SAP com o desenvolvimento da psicologia no Brasil, revelam-se também meandros convergentes com o cenário mundial: a marca de batalhas pela identidade da prática específica do psicólogo, Aconselhamento Psicológico e Psicodiagnóstico, pela instalação da área de Aconselhamento Psicológico como uma nova concepção em atendimentos institucionais e cursos universitários, por desafios interdisciplinares, por práticas psicológicas mais democráticas e voltadas ao social. Em 1998 foi criado o Laboratório de Estudos e Prática em Psicologia Fenomenológica-Existencial (LEFE), levando adiante a proposta inicial do SAP de lugar de fronteira, com o objetivo de abrir-se a novas experiências da prática do Aconselhamento Psicológico e de suas modalidades de Plantão, Supervisão de Apoio e Oficinas de Criatividade. Viabilizou estudos e recursos para gerar contribuições e subsídios a atendimentos à comunidade e assessoria e/ou supervisão a instituições de ensino e saúde, através de projetos de pesquisa e intervenção, na perspectiva fenomenológica social clínica. Depois de trazer um pouco sobre a história, a autora volta à prática em questão. O Plantão Psicológico compreendido como fenômeno a ser pesquisado mostra-se ao pesquisador tanto por aquilo que é, como por aquilo que não é. Toda a fundamentação ontológica dos homens discutida pela perspectiva fenomenológica existencial se mantém implícita na relação entre o pesquisador e o fenômeno a ser investigado. A autora traz então a questão: Como o Plantão é feito? Explica que, para fazer saber acerca da sua démarche (ação realizada com empenho e diligência) clínica de como faz saber ao sofrente acerca de sua pro-cura. Implica-se por esta pergunta que o Plantão é ação clínica na dimensão do conhecimento tácito. Refere-se à technè (arte, habilidade), revelando-se apenas enquanto um acontecimento. Nos primeiros contatos com essa prática, o “Fazer Plantão” constituía-se pelo disponibilizar-se em um espaço físico durante um determinado espaço de tempo a quem aparecesse, sem nenhuma referência ao modo de debruçar sobre à pro-cura do sofrente. O Plantão Psicológico era utilizado como via de acesso facilitada ao exercício clínico, uma situação construída tanto a partir do uso que a população fazia do serviço, quanto da maneira como os alunos o compreendiam. A escassez de serviços públicos em Psicologia, somada aos também escassos estágios práticos durante o curso, contribui para transformar o Plantão numa triagem. Tal situação aponta para um possível automatismo de ação, engendrando uma prática com procedimentos previamente determinados: plantonista disponível por um espaço de tempo em um determinado lugar, compreendendo disponibilidade como presença física, o estar concretamente acessível a quem solicitasse atendimento. O Plantão Psicológico é uma modalidade de prática psicológica que se inaugura num terreno fronteiriço, importante destacar que não é como triagem, nem tampouco um processo de psicoterapia. A complexidade envolvida na prática de Plantão, ainda não muito delineada nem pelos profissionais que o desenvolviam e o apresentavam como estágio obrigatório quando do frescor dos primeiros anos de prática clínica, contribuiu para que o Plantão fosse “assimilado” como uma técnica. Havia um parâmetro do que seria um atendimento clínico em Psicologia. Para o encontro ser caracterizado como "atendimento", o plantonista deveria ter insights: caberia a ele a atribuição de significação a falta de sentido expressa pela pessoa que buscava atendimento. Além disso, ao final do atendimento era necessário que a pessoa apresentasse alguma mudança. Tal situação reflete uma cristalização do modelo clínico tradicional e, nesse sentido, o Plantão era difícil como primeiras experiências para estagiários. O plantonista passou a circular em lugares cada vez mais diversos, tornando-se diretamente acessível aos sofrentes em sua situação cotidiana. Nessa perspectiva, a migração constante do Plantão para contextos além da clínica-escola alterava a prática do Plantão Psicológico na sua estrutura de funcionamento: o sentido para a prática distanciava-se cada vez mais de aspectos estruturais como o tempo e o espaço. Com Plantões acontecendo nos mais variados espaços e dependendo cada vez menos de uma estrutura, os plantonistas inevitavelmente começaram a deixar para atrás suas préconcepções do que seria um atendimento clínico. A escuta dentro da instituição era clínica em todos os momentos: quando alguém procurava um plantonista e começava a falar, mesmo durante um jogo de xadrez ou numa visita até o quarto, já se configurava o estar em Plantão. Pode-se dizer que o fazer do plantonista passou a residir no encontro que se estabelecia entre ele e aqueles que o procuravam. O Plantão passou a habitar a temporalidade da relação entre plantonistas e sofrentes e, por esse motivo, tornou-se situacional: configura-se como um modo clínico de estar junto ao sofrente. Desta maneira, torna-se muito mais adequado usar a expressão atitude clínica para referir-se ao fazer do plantonista, pois mesmo em outros contextos era possível manter-se em Plantão. E possível compreender que os atendimentos sustentavam-se entre fala/escuta tensional do plantonista e do sofrente: uma modalidade da clínica psicológica não estruturada tradicionalmente para atender agilmente demandas com caráter emergencial, marcado pela temporalidade estrita, mas sim marcada pela pro-cura urgencial do sofrente. A autora após a exploração do tema termina o texto com um questionamento: Afinal, seria o Plantão uma outra prática psicológica clínica?
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