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2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índices para catálogo sistemático: 1. Identidade de gênero: Sociologia 305.42 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 3 Agradecimentos Este livro foi idealizado pela Liga de Estudos em Ginecologia e Obstetrícia - LEGO em parceria com a Dra. Raquel Autran Coelho pensando em aproximar profissionais e acadêmicos do universo da sexualidade e cuidado em saúde. É com imensa felicidade que a agradecemos por acreditar em nossas ideias, nos guiar e nos orientar não somente em Ginecologia e Obstetrícia, mas também em docência, e esperamos que esta obra ultrapasse os muros da Universidade como ela bem nos ensinou. Agradecemos também a Dra. Débora Britto pela dedicação, sensibilidade, luta e por compartilhar conosco sua expertise em sexualidade, chegaremos mais longe pelos seus ensinamentos e sua presença. Expressamos também nossa gratidão à Dra Andreisa Paiva por abraçar nosso projeto e se dedicar para que ele cresça ainda mais todos os dias, sua orientação é uma dádiva. Ao Dr Edson Lucena, co-orientador da LEGO, nosso agradecimento por sempre acreditar em nosso potencial. Aos demais médicos, colaboradores e alunos, somos gratos pelo empenho, pelas inúmeras pesquisas e pela disponibilidade, sem vocês nada disso seria possível. Nossa gratidão também à Universidade Federal do Ceará - UFC por se tornar nosso segundo lar e nos oferecer a oportunidade de viver a Extensão em seu real significado e também à Maternidade Escola Assis Chateaubriand - MEAC não apenas por sediar nossas reuniões, mas também pela riqueza de conhecimento e construção vivenciada pelos seus corredores, por formar médicos mais humanos e dedicados e por manter suas portas sempre abertas para nós. 4 Sumário Capítulo 1 ABORDAGEM AMPLA DA SEXUALIDADE 1. SEXUALIDADE 7 2. SEXO 7 3. ORIENTAÇÃO SEXUAL 8 4. IDENTIDADE DE GÊNERO 8 5. EDUCAÇÃO SEXUAL 9 6. ABORDAGEM DA SEXUALIDADE NA CONSULTA MÉDICA 9 Capítulo 2 SEXUALIDADE EM POPULAÇÕES VULNERÁVEIS 1. ADOLESCENTES 12 2. USUÁRIAS DE DROGA 16 3. MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE 16 4. MULHERES COM HIV E AIDS 17 Capítulo 3 PRÁTICAS SEXUAIS: UMA ORIENTAÇÃO PARA A DIVERSIDADE 1. INTRODUÇÃO 19 2. MASTURBAÇÃO 20 3. SEXO VAGINAL 20 4. SEXO ANAL 22 5. SEXO ORAL 23 6. CONCLUSÃO 24 Capítulo 4 ISTs: UMA ABORDAGEM VOLTADA AO ACONSELHAMENTO 1. IMPORTÂNCIA 26 2. ABORDAGEM 27 3. PREVENÇÃO 28 Capítulo 5 VIOLÊNCIA SEXUAL 1. INTRODUÇÃO 31 5 2. TIPOS DE VIOLÊNCIA 32 2.1. VIOLÊNCIA SEXUAL POR CONTATO 32 2.2. VIOLÊNCIA SEXUAL POR NÃO CONTATO 32 3. ATENÇÃO À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 32 3.1.DEVERES PROFISSIONAIS MEDIANTE ATENDIMENTO À VÍTIMA DE ESTUPRO 32 3.2. ACOLHIMENTO 33 3.3. ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA (AE) 33 3.4. PROFILAXIA CONTRA IST 34 3.5. ABORTAMENTO 34 4. SEXOLOGIA FORENSE 35 5. CONTINUIDADE DO CUIDADO 36 Capítulo 6 DISFUNÇÕES SEXUAIS FEMININAS 1. INTRODUÇÃO 37 2. CICLO SEXUAL 37 3. DISFUNÇÕES SEXUAIS FEMININAS 38 3.1. DESEJO SEXUAL HIPOATIVO 38 3.2. DESEJO SEXUAL HIPERATIVO 39 3.3. AVERSÃO SEXUAL 39 3.4. TRANSTORNO DE EXCITAÇÃO 39 3.5. ANORGASMIA 40 3.6. DISPAREUNIA 40 3.7. VAGINISMO 41 Capítulo 7 ABORDAGEM ÀS DISFUNÇÕES SEXUAIS MASCULINAS 1. INTRODUÇÃO 42 2. FISIOLOGIA SEXUAL MASCULINA 42 3. ABORDAGEM 43 4. DISFUNÇÕES SEXUAIS MASCULINAS 44 4.1. DISFUNÇÃO ERÉTIL 44 4.2. EJACULAÇÃO PRECOCE 45 4.3. ANORGASMIA E ORGASMO RETARDADO 45 4.4. TRANSTORNO DO DESEJO SEXUAL HIPOATIVO 46 4.5. DEFICIÊNCIA DE TESTOSTERONA (DT) OU HIPOGONADISMO 46 Capítulo 8 PARAFILIAS E TRANSTORNOS PARAFÍLICOS 1. INTRODUÇÃO 48 2. TRANSTORNOS PARAFÍLICOS 48 3. EPIDEMIOLOGIA 51 4. ETIOLOGIA E TRATAMENTO 51 5. CONCLUSÃO 51 6 Capítulo 9 SAÚDE DA POPULAÇÃO TRANSGÊNERO 1. INTRODUÇÃO 52 2. DEFINIÇÃO DE TERMOS 52 3. NOME SOCIAL 55 4. ASSISTÊNCIA EM SAÚDE 56 7 Capítulo 1 Abordagem ampla da sexualidade Alícia Mourão Vieira Amanda Camelo Paulino Raquel Autran Coelho 1. SEXUALIDADE Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a sexualidade é uma energia que nos motiva a encontrar amor, contato, ternura e intimidade e que se integra no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados. É ser sensual e, ao mesmo tempo, ser sexual. Ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental. A sexualidade torna-se então uma das dimensões do ser humano que abrange uma complexidade que perpassa gênero, identidade/orientação/preferência sexual, erotismo, envolvimento emocional, fantasias, desejos, crenças, valores e atitudes. A fase do desenvolvimento humano em que há o despertar do desejo sexual é a puberdade. No entanto, a sexualidade não aparece na fase da adolescência, ela está presente em nossa vida desde o nascimento, sendo uma consequência das nossas vivências. Muitas ações influenciam o modo como a sexualidade é vivenciada em nosso desenvolvimento: se somos homens ou mulheres, se temos ou não um corpo físico íntegro, se passamos ou não por doenças crônicas e graves, se tivemos ou não condições de receber afeto e cuidados na infância, se pudemos crescer em um ambiente não violento e agressivo, se vivemos ou não relações de amizade e amor satisfatórias, se vivenciamos ou não uma educação sexual repressora e conservadora na família, se fomos ou não bem informados sobre sexualidade e suas condições adversas. 2. SEXO O sexo é uma palavra que pode ser facilmente usada para distinguir um homem de uma mulher, ou seja, sexo masculino e sexo feminino. No entanto, tal palavra também pode ser usada quando se trata de órgãos sexuais ou da prática de atividades sexuais. Para fins didáticos: ● Sexo biológico: se um indivíduo nasce com pênis e testículos, é do sexo biológico masculino; se nasce com útero, ovários e vagina, é do sexo biológico 8 feminino. Uma pessoa com distúrbio de diferenciação sexual (DDS) pode ter órgãos genitais/reprodutores (internos e/ou externos) masculinos e femininos, em simultâneo. ● Relação sexual: ato sexual entre duas pessoas, transa, tesão e prazer. Também pode ser definido como prática que dá satisfação a ambos os parceiros, que não prejudica ninguém, que não se associa a fatores de ansiedade e que não restringe a expansão da personalidade. 3. ORIENTAÇÃO SEXUAL A orientação sexual diz respeito ao que cada pessoa pensa e sente sobre sua afetividade e sexualidade e por quem se sente atraída afetiva e sexualmente. Uma pessoa é considerada heterossexual quando se sente atraída por pessoas de um gênero diferente do seu; homossexual quando se sente atraída por pessoas do mesmo gênero; bissexual quando se sente atraída por pessoas de dois gêneros diferentes; pansexual quando se sente atraída por pessoas de diversos gêneros; e assexual quando não se sente atraída por nenhum gênero específico. Observações: ● Gay: designação popular dada a homens homossexuais ● Lésbica: designação popular dada a mulheres homossexuais 4. IDENTIDADE DE GÊNERO O gênero se refere às características socialmente construídas de mulheres e homens - como normas, papéis e relações existentes entre eles. Enquanto a maioria das pessoas nasce biologicamente homem ou mulher, a elas são ensinados comportamentos apropriados para homens e mulheres (normas de gênero) - incluindo como eles devem interagir com outros do mesmo sexo e do sexo oposto dentro de famílias, comunidades e locais de trabalho (relações de gênero), bem como as funções ou responsabilidades que devem assumir na sociedade (papéis de gênero). (OPAS, 2015) Quando um pessoa se entende pertencente a um gênero que se adequa ao seu sexo ao nascer, diz-se que é uma pessoa cisgênero. Quando seu gênero está em discordância do seu sexo ao nascer, diz-se que é uma pessoa transgênero ou transexual. Quando uma pessoa intersexo se identifica com o mesmo sexo que lhe foi designado ao nascer, diz-se que é uma pessoa ipsogênero. Esse binarismo homem-mulher é pautado pela heteronormatividade da sociedade, masjá foi identificada a existência de pelo menos 90 gêneros não-binários. As identidades dos sujeitos vão se produzindo ao longo da vida, num processo de reprodução de outras já estabelecidas ou de repulsão. O indivíduo se apropria dos comportamentos de sexo e gênero a ele estabelecidos e os ressignifica interiormente, aceitando ou rejeitando-os (REIS et al, 2016). Complementar à identidade, existe a expressão de gênero, que é a tradução do conjunto de condutas, atitudes e performances sociais e culturais de cada categoria de gênero. Portanto, a identidade de gênero se caracteriza na concepção individual de sou homem, sou mulher ou sou um gênero à parte dessas opções; enquanto que a expressão de gênero é a representação física – incorporada – dessa identificação. https://orientando.org/o-que-e-intersexo/ 9 5. EDUCAÇÃO SEXUAL A educação sexual é tema importante, que consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Consiste no direito de toda pessoa de receber informações sobre o corpo, a sexualidade e o relacionamento sexual, assim como de expressar sentimentos, rever tabus, refletir e debater valores sobre tudo que está ligado ao sexo. Portanto, o papel da educação sexual formal na escola ultrapassa o ensino de conteúdos de biologia e fisiologia da sexualidade. A sexualidade existe no indivíduo independentemente da existência de uma disciplina de educação sexual. Todavia, nesse contexto, o educador é responsável por formar, informar, debater, investigar, promover e refletir sobre vários temas, bem como possibilitar a ampliação do conhecimento do aluno a respeito das diferenças culturais e valores existentes nos vários grupos sociais (NOGUEIRA et al, 2016). 6. ABORDAGEM DA SEXUALIDADE NA CONSULTA MÉDICA A consulta ginecológica é um capítulo especial na semiologia médica, por vários aspectos particulares. Em primeiro lugar, durante a consulta são abordados assuntos relacionados à sexualidade e à intimidade mais profunda da mulher. Exige-se do médico uma postura diferenciada e cuidadosa, procurando deixar a paciente à vontade e tendo o cuidado de não permitir que a situação de fragilidade em que a paciente geralmente se encontra a impeça de expor seus receios, suas restrições e suas dúvidas. Normalmente, os profissionais da saúde têm dificuldade em abordar o tema sexualidade dos seus pacientes, e isso pode ser devido ao fato de se sentirem desconfortáveis em fazer a abordagem sexual, ou por desconhecimento do assunto e de suas técnicas de investigação ou por não ser uma questão de risco letal. Entretanto, embora as dificuldades sexuais não sejam fatais, elas alteram significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Ao indagar sobre a sexualidade da paciente, é necessário despir-se de preconceitos prévios e usar uma linguagem abrangente, que passe confiança e dê liberdade para falar sobre sua orientação sexual, parceria(s), práticas sexuais. Esse diálogo é importante para que o médico possa orientar sobre riscos, saúde e disfunções e abra espaço para ela fazer perguntas que talvez não fizesse em uma abordagem mais ‘’tradicional’’. 10 Consult� par� � dive�sidad� Perguntar como a paciente gostaria de ser chamada Substituir “parceiro” ou “companheiro” por “parceria”. Ao indagar sobre a sexarca e/ou práticas sexuais, não perguntar apenas por práticas penetrativas, mas também sexo oral, anal, carícias. Aproveitar o contexto para falar sobre o risco de contrair ISTs por meio das práticas sexuais. Lembrar de perguntar qual a percepção da paciente sobre sua sexualidade, se tem satisfação sexual, se já teve orgasmo. Identificar fatores de vulnerabilidade, como sintomas depressivos/ansiosos, convivência familiar, ocupação Em geral, a grande maioria da abordagem entre pacientes e médicos sobre sexualidade diz respeito a disfunções sexuais. Para o diagnóstico, a queixa da paciente, aliada à presença de alguns elementos de anamnese e história sexual, é fundamental. Deve-se considerar indispensável a presença de sintomas por no mínimo 6 meses e investigar as condições da parceria. É importante também distinguir disfunções primárias ou adquiridas, bem como disfunções generalizadas ou situacionais. Muitos questionários de qualidade de vida são utilizados para avaliação da função sexual feminina, sendo os questionários autoaplicáveis aceitos como a melhor forma de avaliação da resposta sexual, pois avaliam aspectos subjetivos da sexualidade e apresentam altos graus de confiabilidade e validade. Recomenda-se iniciar a análise do problema como uma anamnese comum a qualquer condição médica: Identificação: nome, procedência, profissão, escolaridade, estado civil, idade, religião (se tiver), filhos. Esses itens avaliam as condições a que são submetidas no trabalho, na comunidade onde vivem, o grau de instrução - e se há desnível com relação a parceria -, parceria estável ou não, assim como se são submetidos a crenças religiosas mais castradoras. Feita a identificação pessoal, seguem-se as questões para identificação, qualificação e quantificação do problema, até a formulação precisa do diagnóstico e o tratamento subsequente. No exame físico, deve-se descartar patologias clínicas que possam afetar o ciclo de resposta sexual. A avaliação ginecológica é necessária para descartar vulvovaginites, doenças do assoalho pélvico e diagnosticar condições que só são detectadas ao exame físico, como dispareunia e vaginismo. As mulheres com queixas persistentes ou dificuldades relacionadas ao comportamento sexual podem ser encaminhadas para serviços especializados, por referenciamento na rede SUS (Sistema Único de Saúde). O atendimento deve incluir 11 aconselhamento para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), psicoeducação para prevenção de recidivas e de novos casos, atenção às mulheres vítimas de violência sexual, assim como atuação em rede de atenção multidisciplinar às mulheres com disfunções sexuais. REFERÊNCIAS 1. MENDES, E. R. A Importância da Sexualidade. Minas Gerais. 2. MAIA, A. C. B. Sexualidade e educação sexual. São Paulo, 2014. 3. VILLAR, M. S.; HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva, 2009. 4. FIGUEIRÓ, M. N. D. Educação sexual: como ensinar no espaço da escola. Revista Linhas, Florianópolis, v. 7,n.1,p. 1-21 2006. Disponível em:<http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1323/1132>. Acesso em: 03 de agosto de 2019. 5. FIGUEIRÓ, M.N. D. O professor como educador sexual: Interligando formação e atuação profissional. In: RIBEIRO, P. R. M. Sexualidade e educação: aproximações necessárias. São Paulo: Arte e Ciência, 2004. p. 115-151. 6. Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Folha informativa - Gênero. Agosto, 2015. Disponível em: <paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5668:folha-informativa-genero&Itemid= 820>. Acesso em: 03 de agosto de 2019. 7. REIS, N.; PINHO, R. Gêneros não-binários, identidades, expressões e educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 7-25, Jan./Abr. 2016. 8. Orientando - um espaço de aprendizagem. Disponível em: <https://orientando.org/listas/lista-de-generos/>. Acesso em: 04 de agosto de 2019. 9. NOGUEIRA, N. S.; ZOCCA, A. R.; MUZZETI, L. R.; RIBEIRO, P. R. M. Educação sexual no contexto escolar: as estratégias utilizadas em sala de aula pelos educadores. São Paulo. Março, 2016. 10. Protocolo Clínico – Avaliação da Sexualidade (MEAC). Agosto, 2018.Disponível em <http://www2.ebserh.gov.br/documents/214336/1106177/PRO.MED-GIN.040+-+ABORDAGEM+SEXU ALIDADE.pdf/0b77f3cf-9b4a-4b05-859c-3a0e5e661db0> Acesso em: 05 de agosto de 2019. 11. Rotinas em Ginecologia - Fernando Freitas et al. - 6ª edição - Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 23, p. 341-352. 12. Serviço de Sexologia da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Junho, 2016. Disponível em: <http://www2.ebserh.gov.br/web/meac-ufc/noticias/-/asset_publisher/JYdUOrTtibKl/content/id/1210748/ 2016-06-gerencia-de-atencao-a-saude-estrutura-servico-de-sexologia>. Acesso em: 05 de agosto de 2019. 13. Os Prazeres do Sexo- Alex Comfort.- 3ra edição - Martins Fontes, 1998. http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1323/1132 https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5668:folha-informativa-genero&Itemid=820 https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5668:folha-informativa-genero&Itemid=820 https://orientando.org/listas/lista-de-generos/ 12 Capítulo 2 Sexualidade em populações vulneráveis Ana Talya Soares Torres Karla Samilly Lima Alves Raquel Autran Coelho 1. ADOLESCENTES Os adolescentes enfrentam certa vulnerabilidade no que tange à saúde reprodutiva e sexual. Dados revelam que, mundialmente, 11% de todos os nascimentos e 14% das mortes maternas encontram-se entre mulheres de 10 a 19 anos, com 95% desses nascimentos sendo notificados em países em desenvolvimento (Organização Mundial de Saúde, 2011). Uma educação abrangente em sexualidade para os jovens deve resgatar a perspectiva de gênero e direitos sexuais, de modo a potencializar os conceitos de autonomia e empoderamento, especialmente junto às meninas e aos outros jovens marginalizados, propagando a ideia de igualdade de gênero. Construir uma educação em sexualidade que aborde o jovem de forma integral - respaldando suas individualidades biológicas, culturais e de gênero - e que conduza o indivíduo a refletir e enxergar a si e ao outro como membros iguais na sociedade fortalecerá a ideia de que ele é capaz de proteger sua própria saúde e a saúde da parceria e ser um membro ativo nas pautas da comunidade. A exemplo disso, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) especifica os seguintes elementos para educação abrangente sobre sexualidade: 1. Uma base em valores e direitos humanos de todos os indivíduos como um componente central, não um complemento; 2. Informações minuciosas e cientificamente precisas sobre direitos humanos, normas de gênero e poder nos relacionamentos (incluindo consentimento e tomada de decisões, coerção sexual, parceria íntima, violência baseada em gênero e violência sexual); o corpo, a puberdade e a reprodução; relacionamentos, comunicação e tomada de decisão; e saúde sexual (incluindo infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)/HIV e AIDS, gravidez indesejada, preservativos e contracepção, e como acessar serviços de saúde e outros serviços de apoio); 3. Um foco de gênero (normas de gênero e igualdade de gênero) como um tópico autônomo e também infundido em outros tópicos da educação abrangente em sexualidade; além disso, esse conteúdo de gênero se encaixa nos esforços para manter as meninas na escola e promover um ambiente de aprendizado igualitário; 13 4. Um ambiente de aprendizagem seguro e saudável; 5. Abordagens eficazes de ensino que sejam participativas, que ajudem os alunos a personalizarem as informações e que fortaleçam suas habilidades em comunicação e tomada de decisões e no pensamento crítico; 6. Defesa da juventude e engajamento cívico na elaboração de programas e na capacitação de alunos para além do currículo, como agentes em suas próprias vidas e líderes em suas comunidades; 7. Adequação cultural, adaptada conforme necessário para subpopulações distintas. Uma abordagem voltada ao gênero e ao empoderamento gera resultados em esferas, como casamento precoce, coerção sexual, violência entre parcerias íntimas, bullying homofóbico, tráfico sexual e encorajamento à denúncia da violência, seja ela doméstica ou não. Torna-se importante destacar que, ao repassar informações ao adolescente, o formador deve evitar comportamento punitivo mediante a gravidez ou as ISTs, pois tal postura, muitas vezes divulgada pelas mídias e redes sociais, atrapalha a autonomia do jovem e utiliza a estratégia inválida da abstinência do ato sexual, tornando secundário o enfrentamento às questões de gênero e saúde sexual e reprodutiva. Ademais, as mudanças hormonais na puberdade constituem uma força natural de impulsos sexuais, e não são inibidas por proibições ou conselhos de postergação da iniciação sexual. Alguns dos mais importantes dilemas da implementação de políticas públicas que visem à educação sexual dos adolescentes são o currículo escolar e a formação do professor nesse eixo de abordagem. Nesse sentido, ainda que, na teoria, a valorização do pensamento crítico dos alunos seja instituída, persiste a ausência de estrutura para a efetivação dessa abordagem, refletindo-se em aulas extensas, cujo aprendizado torna-se cada vez mais mecânico, inclusive quando se trata de prevenção do HIV e de educação sexual. Os esforços para uma abordagem dinâmica, tanto da parte do educador, quanto da estrutura curricular, devem persistir a fim de que esses alunos possam desenvolver autonomia e pensamento crítico acerca de seus direitos sexuais e reprodutivos. A Educação Sexual é um instrumento efetivo na prevenção da iniciação sexual precoce e comportamentos sexuais de risco, sendo aconselhada a sua instituição desde o 5° e o 6° ano escolar. A OMS considera iniciação sexual precoce a ocorrência de relações sexuais pênis-vagina antes dos 15 anos e recomenda a postergação da sexarca para os 16 anos, pois meninas que iniciam a vida sexual antes desse período tendem a não utilizar métodos contraceptivos apropriadamente e usam menos preservativos nas relações posteriores. Tal condição afeta o desenvolvimento psíquico, educacional, social e emocional dessas adolescentes, que passam a ter maior chance de gravidez na adolescência, contaminação por ISTs, lesão precursora de câncer de colo uterino, depressão, ceder a coerção sexual de parceiros e desenvolver comportamentos de risco (uso abusivo de álcool e drogas ilícitas e ter múltiplas parcerias). Uma problemática vigente é o alcance dos adolescentes marginalizados. Nesse sentido, destacam-se os adolescentes em situação de rua, fora da escola, envolvidos com a prostituição infantil, toxicodependentes, juventude soropositiva e adolescentes com dificuldade de aprendizagem. Para essas categorias, os planos de ação em educação sexual são de difícil construção, pois são sujeitos que não estão no contexto escolar e, em geral, não participam ativamente da comunidade. Assim, faz-se necessário maiores investimentos para com esse público, dado que a vulnerabilidade é ainda maior entre eles. Portanto, é de suma importância que se possa investir no protagonismo juvenil por meio de encontros, grupos focais, atividades culturais, psicodrama e debates, em que os 14 adolescentes se sintam livres para esclarecer dúvidas e apontar sugestões às problemáticas da saúde sexual e reprodutiva. O aprendizado nas escolas, seja em forma de palestras ou atividades com trocas educativas, participativas e reflexivas, é substancial. Não menos importante, o treinamento de profissionais de saúde para abordagens com parcerias em universidades, prefeituras e demais instituições sociais (Igrejas, projetos comunitários e socioeducativos) torna-se fundamental para a promoção de saúde entre os adolescentes marginalizados que não têm acesso às atividades escolares. A ação médica na vida do adolescente também é de extrema importância para o desenvolvimento sexual saudável. O atendimento ao adolescente, tanto no consultório de saúde da família, quanto no atendimento ginecológico, ainda é pautado por vários receios por parte do paciente, especialmente quando se trata dos aspectos da vida sexual, pois, na maioria das vezes, este estará acompanhado por um responsável que não tem conhecimento sobre o desenvolvimento sexual dele. Assim, agir com empatia diante da preocupação do cuidador e do paciente, tornando o ambiente acolhedor para ambos, é de suma importância. Ouvir com atenção a queixa que, na maioria das vezes, será relatada inicialmente pelo responsável é um instrumento acolhedor na consulta. Contudo, na vigência da inibição do adolescente, fazer perguntas como “você faz questão da presença da sua mãe?” desperta a autonomia do adolescente e é um modo sutil para tornar a consulta mais confortável. Um dos problemascomumente enfrentados pelo adolescente que apresenta comportamento sexual de risco é a vivência de violência física, psicológica e sexual atrelada à negligência dos pais ou responsáveis. Por isso, uma boa anamnese, que conduza o paciente a revelar possíveis inquietações nesse sentido, poderá direcionar o profissional a intervir e orientar sobre saúde sexual com mais empatia. A ética médica respalda que o sigilo será estabelecido quando, na condição relatada, o adolescente tenha capacidade de conduzir os meios para solucionar seu problema e quando a não revelação não ocasione danos a ele ou a terceiros. Para tanto, as ações preventivas devem se pautar na interação direta com essa parcela da população, por meio de conversas, convite a palestras e apresentação dos serviços. Essa atuação objetiva minimizar os fatores de risco, facilitando o acesso a informação acerca das doenças, gravidez indesejada e formas de contaminação, e maximizar os fatores de proteção, orientando quanto ao uso do serviço de saúde, distribuição gratuita de camisinhas e serviços ambulatoriais do SUS especializados para promoção de métodos contraceptivos de longa duração (LARCs) para grupos especiais. Quanto ao planejamento da contracepção para os adolescentes, estudos evidenciam que as taxas de continuidade e satisfação com o método são maiores quando a decisão é do paciente. Por isso, o médico deverá apresentar os riscos e os benefícios de todos os métodos ofertados a essa população para que, após um adequado aconselhamento, eles desenvolvam autonomia em sua decisão. Dentre os métodos disponíveis, destacam-se: 15 ● Progestagênios Class� Açã� Progestagênio Isolado Minipílulas (noretisterona, levonorgestrel e linestrenol). Atuam sobre o muco cervical. Pílula de progestagênio (desogestrel) Bloqueio gonadotrófico Acetato de medroxiprogesterona injetável (AMPd) Implante de etonogestrel Pílulas combinadas Desogestrel + etinilestradiol, Levonogestrel + etinilestradiol, Noretisterona + etinilestradiol ● Dispositivos Intrauterinos Tip�� Açã� DIU com cobre Cobre apresenta ação espermicida. DIU com progesterona Altera a secreção do colo uterino, impedindo e dificultando a passagem do espermatozoide. ● Preservativo peniano e vaginal: é um método de barreira que deve ser estimulado sempre em concomitância com os demais métodos, a fim de prevenir ISTs. 16 2. USUÁRIAS DE DROGAS O uso abusivo de álcool e outras drogas configura um grande problema de saúde pública. Além dos efeitos diretos da substância sob a saúde dos usuários, o compartilhamento de injetáveis e a redução na inibição da libido podem predispor essa população à infecção pelo vírus HIV e outras ISTs, seja por contaminação de agulhas ou por comportamentos sexuais de risco, tais como a multiplicidade de parcerias e a negligência quanto ao uso de preservativos. O Ministério da Saúde, na Portaria nº 1.028/2005, em seu artigo 4º, estabelece como ação de informação, educação e aconselhamento o desestímulo ao compartilhamento de instrumentos utilizados para consumo de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência; a prevenção de infecções pelo HIV, hepatites, endocardites e similares; as orientações para a prática do sexo seguro e a divulgação de serviços públicos nas áreas de assistência social e de saúde. Nesse sentido, as ações dos serviços de saúde para usuários de álcool e drogas devem se voltar à interação com esses, compreendendo os estigmas sociais que essa população carrega sobre si e minimizando as barreiras ao serviço de saúde. Deve-se, portanto, esclarecer que, não obstante a dependência química e suas consequências, esse público deve desfrutar seguramente de seus direitos assegurados pela Constituição Federal. 3. MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE O Brasil tem atualmente uma das maiores populações carcerárias femininas do mundo. Em junho de 2016, 42.355 mulheres viviam privadas de liberdade, colocando o país em terceiro lugar no ranking mundial de população prisional feminina (INFOPEN 2018). Essas mulheres são majoritariamente jovens (68% têm menos de 34 anos), negras (62%) e com baixa escolaridade (65% não chegaram a concluir o ensino fundamental). No que diz respeito a mulheres em situação de cárcere, um dos grandes desafios para o cuidado com sua saúde sexual é o respeito dos direitos humanos universais dentro das penitenciárias. Embora o número de detentas venha crescendo nos últimos anos, a infraestrutura prisional continua a mesma. Em 2016, a taxa de ocupação do sistema chegou a mais de 156% (INFOPEN, 2018). A realidade das mulheres detentas no Brasil envolve a superlotação de unidades prisionais e condições precárias de higiene, o que se configura como uma grande barreira para a integridade da saúde dessas mulheres, dando caminho para a propagação de doenças infecciosas, algo prevalente dentre a população carcerária (COELHO, 2009). Nesse contexto, a promoção de saúde dentre a população carcerária feminina deve se adaptar às condições em que as detentas estão inseridas, bem como ao seu perfil de conhecimento acerca da prevenção de ISTs/AIDS. A assistência a essas mulheres deve, portanto, ser focada em três eixos: 1. O acesso ao conhecimento acerca da propagação de ISTs/AIDS e das devidas medidas de prevenção; 2. O fornecimento amplo de preservativos vaginais e penianos dentro da penitenciária; 3. O acesso a assistência profissional e serviços de saúde dentro do contexto no qual estão inseridas. 17 Por último, é necessário que o profissional de saúde assuma uma posição livre de juízos e preconceitos, visando a diminuir os estigmas que, muitas vezes, as próprias mulheres reclusas têm contra si mesmas. 4. MULHERES COM HIV E AIDS A infecção por HIV da mulher brasileira é atualmente muito ligada ao contexto socioeconômico em que ela se insere. Primeiramente, é importante destacar a desigualdade entre gêneros no contexto de práticas sexuais: quando se trata de relações heterossexuais, o poder dentro dessas práticas recai quase que exclusivamente sobre o homem, de modo que a mulher tem pouca abertura para negociação sexual, o que resulta numa maior probabilidade do não uso de preservativos e, consequentemente, de exposição ao HIV e a AIDS. Com a evolução no tratamento de HIV e AIDS no Brasil nos últimos anos, a vida das mulheres portadoras do vírus passou a abranger novas realidades. Hoje, muitas mulheres HIV-positivo almejam ter filhos e formar uma família. Portanto, é imprescindível que seus direitos reprodutivos e sexuais sejam garantidos. Não existem muitos estudos no país que tracem o perfil das mulheres que vivem com HIV atualmente. No entanto, é preciso que a educação sexual e reprodutiva fornecida a esse grupo seja centrada no empoderamento da mulher no contexto das relações sexuais, tanto visando a prevenção de transmissão do vírus, quanto de infecção por outras ISTs. Desse modo, é fundamental que elas tenham conhecimento sobre a importância do uso adequado de preservativos em todas as relações sexuais. É necessário também que as mulheres tenham acesso às informações acerca da assistência reprodutiva e dos cuidados necessários diante de uma eventual gestação. Novamente, vale destacar a posição livre de juízos que deve ser assumida pelo profissional de saúde no acompanhamento dessas pacientes, por se tratar de mais um grupo estigmatizado que merece atenção e cuidado. REFERÊNCIAS 1. Necessidades específicas para o atendimento de pacientes adolescentes. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. 35p. (Série Orientações e Recomendações FEBRASGO, no. 5/Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção/Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Infanto Puerperal/Comissão Nacional Especializada em Sexologia). 2. SOPHEAB, Heng; CHHEA, Chhorvann; TUOT, Sovannary; MUIR, Jonathan A. Prevalência de HIV, comportamentos de risco relacionados e correlatos da infecção por HIV entre pessoas que usam drogas no Camboja. BMC infectious diseases, v. 18, n.562,2013. Doi: 10.1186/ s12879-018-3472-3. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30424727. Acesso em: 20 jul.2019. 3. KHUAT, Thu Hong; DO, Thu Trang; NGUYEN, Van Anh T.; VU, Xuan Thai; NGUYEN, Phuong Thao T.; TRAN, Kien; HO, Manh Tung; NGUYEN, Hong Kong T.; VUONG, Thu Trang; LA, Viet Phuong; VUOUNG, Quan Hoang. The Dark Side of Female HIV Patient Care: Sexual and Reproductive Health Risks in Pre- and Post-Clinical Treatments.Journal of clinical medicine, v. 7, n.402, 2018. Doi: 10.3390/jcm7110402. Disponível em: http://www.mdpi.com/journal/jcm. Acesso em: 15 de julho. 4. ZACHEK, Christine M.; COELHO, Lara E.; DOMINGUES, Rosa M. S. M.; CLARK, Jesse L.; DE BONI, Raquel B.; LUZ, Paula M.; FRIEDMAN, Ruth K.; ANDRADE, Ângela C. Vasconcelos; VELOSO, Valdilea G.; LAKE, Jordan E. GRINSZTEJN, Beatriz. The Intersection of HIV, Social Vulnerability, and Reproductive Health: Analysis of Women Living with HIV in Rio de Janeiro, Brazil from 1996 to 2016. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30424727 http://www.mdpi.com/journal/jcm 18 AIDS and Beahavior, v.23, n.6, pp 1541-1551, 2019. Doi: 10.1007/s10461-019-02395-x. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10461-019-02395-x#citeas. Acesso em: 15 de julho. 5. FLANAGAN, Kelly F.; CUNNINGHAM, Shayna D.; LEWIS, Jessica B.; TOBIN, Jonathan N.; ICKOVICS, Jeannette R. Factors associated with pregnant adolescents’ access to sexual and reproductive health services in New York City. Sexual & Reproductive Healthcare, v.19, n. 50-55, 2019. Doi: 10.1016/j.srhc.2018.12.003.Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877575617303099?via%3Dihub. Acesso em: 14 de julho. 6. HABERLAND, Nicole; ROGOW, Deborah. Sexuality Education: Emerging Trends in Evidence and Practice. Journal of Adolescent Health, v.56, n.15-21, 2015. Doi: 10.1016/j.jadohealth.2014.08.013. Disponível em: https://www.jahonline.org/article/S1054-139X(14)00345-0/fulltext. Acesso em: 14 de julho. 7. DENNO, Donna M. Denno; HOOPES, Andrea J.; CHANDRA-MOULI, Venkatraman. Effective Strategies to Provide Adolescent Sexual and Reproductive Health Services and to Increase Demand and Community Support. Journal of Adolescent Health, v.56, n.22-51, 2015. Doi: 10.1016/j.jadohealth.2014.09.012. Disponível em: https://www.jahonline.org/article/S1054-139X(14)00424-8/fulltext. Acesso em: 14 de julho. 8. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas.Guia Estratégico para o cuidado de pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas: Guia AD. Brasília, DF,2015. 9. BARBOSA, Regina HS. AIDS e saúde reprodutiva: novos desafios. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. 10. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, 2ª edição; 2018. Brasília, 2018. 11. GIORDANI, Annecy T.; BUENO, Sônia. Direitos humanos de mulheres detentas em situaçäo de vulnerabilidade às DST-AIDS. DST j. bras. doenças sex. transm, v. 14, n. 2, p. 12-15, 2002. 12. AYRES, José Ricardo De Carvalho Mesquita et al. Vulnerability, human rights, and comprehensive health care needs of young people living with HIV/AIDS. American Journal of Public Health, v. 96, n. 6, p. 1001-1006, 2006. 13.SANTOS, Naila JS et al. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2009. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10461-019-02395-x#citeas https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877575617303099?via%3Dihub https://www.jahonline.org/article/S1054-139X(14)00345-0/fulltext https://www.jahonline.org/article/S1054-139X(14)00424-8/fulltext 19 Capítulo 3 Práticas Sexuais: uma orientação para a diversidade Alícia Mourão Vieira Amanda Madureira Silva Débora Fernandes Britto 1. INTRODUÇÃO A sexualidade humana é um fenômeno complexo influenciado por fatores biopsicossociais, tais como crenças familiares, sociais e religiosas, envelhecimento, estado de saúde, experiência pessoal e status socioeconômico (AMIDU et al, 2010). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde sexual é considerada um indicador de qualidade de vida, pois leva em conta o respeito à sexualidade e às relações sexuais, bem como a possibilidade de se ter experiências sexuais prazerosas e seguras, livre de coerção, discriminação e violência. Portanto, sua importância deve ser reconhecida pelos profissionais de saúde (RUFINO et al, 2017). A educação repressiva em relação à vivência da sexualidade e às práticas sexuais podem cursar com limitação no repertório sexual, podendo originar inadequações sexuais tanto intra quanto interpessoais. Um exemplo disso é a masturbação, que é estimulada desde cedo no universo masculino e reprimida no feminino. Essa cultura naturaliza modelos de como praticar sexo e sentir ou não prazer e, como consequência, por exemplo, muitas pessoas acreditam que o orgasmo feminino é obtido facilmente com o estímulo do pênis na vagina² e ficam restritas ao ideal heteroprocriativo e aos papéis sexuais e de gênero (ANDRÊO et al, 2016). Sob o marco sociocultural, a heterossexualidade atua como um regime normativo que enxerga os corpos em identidades de gênero fixas e reduzidas ao binário feminino e masculino, limitando nossos corpos, sexos, gêneros e desejos a um eu, um indivíduo, uma identidade. Esse modo de organização social e de vida promoveu a invisibilidade e a inviabilidade de outras formas de sexualidades, desejos e práticas sexuais, dando assim legitimação para as desigualdades entre sexos e gêneros, denunciando seu caráter sexista (ANDRÊO et al, 2016). Reconhecer as diferentes manifestações da sexualidade humana é crucial para desenvolver estratégias de cuidado e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) que abranjam a sua pluralidade. Esse reconhecimento também é essencial para a realização de estudos e pesquisas voltados para as necessidades de saúde dessa população (Ministério da Saúde, 2013). Nesse contexto, a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT deu maior visibilidade à comunidade, abrindo espaço com outros setores da saúde para o diálogo e a construção de ações intra e intersetoriais. No entanto, ainda há 20 escassez de materiais de apoio que orientem a população LGBTQ+ para uma prática de sexo seguro, respeitando as diversidades do indivíduo e do coletivo (Ministério da Saúde, 2013). 2. MASTURBAÇÃO A masturbação é uma expressão normal da sexualidade que proporciona a descoberta e a familiarização com o próprio corpo (BRÁS et al, 2012), além de ser um processo de iniciação e desenvolvimento sexual que serve como uma forma de chegar ao autoconhecimento da sua capacidade de resposta sexual. Ademais, a masturbação pode preparar o adulto para a interação com sua parceria e servir como alívio da tensão sexual (RUFINO et al, 2017). O orgasmo é o clímax de prazer, o qual culmina com descarga de tensão sexual, acompanhada de contração rítmica dos músculos do períneo e dos órgãos reprodutores. Pode ser alcançado de diversas formas, por meio da estimulação sexual. No aparelho reprodutor masculino, geralmente, acompanha-se de ejaculação (MASTERS WH & JOHNSON, 1966). 3. SEXO VAGINAL Vagina é o canal muscular que se inicia no óstio da vagina e termina no colo uterino e que compõe o aparelho reprodutor feminino. No entanto, há homens que também possuem vagina. Os indivíduos transgêneros são aqueles cuja identidade de gênero não está de acordo com seu sexo biológico. Portanto, compreender que a sexualidade não estará sempre associada aos padrões heteronormativos idealizados e compulsórios (Ministério da Saúde, 2015) é fundamental para desenvolver estratégias de orientação para práticas sexuais mais seguras que abranjam a diversidade. O clitóris é a estrutura anatômica mais importante para o orgasmo, que pode ser atingido pela masturbação, sexo oral, sexo anal, masturbação pela parceria ou durante a relação sexual pênis-vagina, bem como pelo uso de vibradores. Asmulheres lésbicas e bissexuais constituem um grupo heterogêneo em relação às práticas e trajetórias sexuais. Todavia, algumas pesquisas destacam que as mulheres que têm prática sexual com mulher e homem demonstraram mais comportamentos de risco que as mulheres que informaram prática sexual exclusiva com mulher ou exclusiva com homem (RUFINO et al, 2017). O sexo vaginal entre mulheres pode envolver a penetração digital, com objetos e até mesmo pênis (no caso de mulheres trans). 21 Mit�� sobr� � penetraçã� vagina� Você não é realmente lésbica, se gosta de ser penetrada. Mãos e dedos são bons para as preliminares, mas, sem um pênis, não é sexo. Se eu gosto de penetração, eu deveria ir atrás de homens. Mulheres que usam straps ou dildos querem ser homem. Se você gosta de ser penetrada, você é passiva. Mulheres que gostam de penetração são bi ou heterossexuais. Tradução livre e adaptado de NEWMAN, Felice. The whole lesbian sex book: A Passionate Guide For All Of Us. San Francisco: Cleis Press Inc, [1999 ou 2004]. 451 p. ISBN 978-1-57344527-6. Segundo o estudo SWASH, da Universidade de Sydney, a prática de sexo envolvendo mãos e genitais é a mais comum entre as mulheres que fazem sexo com mulheres. A maioria delas também praticava sexo oral, e 64% utilizavam algum brinquedo sexual. A prática de sexo anal foi menos comum (MOONEY-SOMERS et al, 2017). No sexo entre mulheres, assume-se que há um menor risco de contrair ISTs quando comparado a mulheres heterosexuais. No entanto, tricomoníase, herpes genital e verrugas genitais foram diagnosticadas em mulheres sem histórico sexual com homens. Além disso, a vaginose bacteriana é mais frequentemente diagnosticada em mulheres lésbicas do que em mulheres heterossexuais. Essa patologia é uma condição que predispõe ao aparecimento de ISTs. Portanto, mesmo com um menor risco, as mulheres que fazem sexo com mulheres devem se proteger contra as ISTs (FISH, 2007). Cerca de 63% das mulheres que fazem sexo com mulher não usam métodos de barreira nos brinquedos sexuais, e 88% também não os utilizam para penetração digital. Na literatura, não há dados suficientes sobre a eficácia e prevalência do preservativo feminino nas relações sexuais entre mulheres. Além de poucas mulheres saberem como utilizar e onde encontrar a camisinha vaginal, as outras opções de preservativo são pouco atrativas, o que contribui para uma baixa adesão do uso de métodos de barreira. Estes não devem ser utilizados apenas durante o sexo oral, no contato pele-pele ou na penetração digital, mas também em todos objetos compartilhados. Todos esses cuidados devem ser redobrados quando há sexo no período menstrual e em parceria soropositiva (RUFINO et al, 2017). 22 Penetraçã� vagina� segur� Mantenha as unhas curtas, limpas e não-afiadas. Use luvas de vinil ou latex. Use lubrificante a base de água. Ponha uma nova luva sempre que trocar de atividade ou parceria. Não compartilhe objetos sem limpá-los antes. Use preservativo nos objetos e sempre troque de preservativo quando mudar de atividade ou parceria. Não permita que bactérias do ânus entrem na vagina. 4. SEXO ANAL A prática de sexo anal não se resume apenas a penetração com o pênis, mas também com dildos, vibradores, dedos e estimulação oro-anal. Quanto à penetração digital, a utilização de luvas é importante para se proteger de bactérias da flora intestinal, como a E. coli, que podem infectar caso haja fissuras ou cortes nas mãos. Durante o sexo anal, é importante não utilizar saliva para lubrificação, pois a gonorreia anorretal pode ser transmitida dessa maneira. Por isso, é indicado o uso de lubrificantes à base de água. A gonorreia também pode ser transmitida por meio da relação peniano-anal, assim como a clamídia, que tem maior taxa de transmissão durante essa prática (CHOW EP, 2019) A penetração anal também carrega um risco aumentado de outras ISTs, como HIV, sífilis, hepatites e herpes. Por essa prática ser mais comum no sexo entre homens, gays têm um risco 50% maior de contrair essas doenças (SANTOS, 2020). Por isso, é essencial o uso de preservativo peniano para a proteção contra ISTs (NEWMAN, 2004). A prática de sexo oro-anal pode transmitir hepatite A, herpes anal, verrugas anais, parasitas e, mais raramente, HIV. Portanto, a proteção é indispensável em qualquer variedade de prática sexual, seja o uso de preservativo no pênis e nos objetos, como também de luvas em penetração digital e dental dam (barreira dental utilizada como proteção no sexo oral-vaginal) para sexo oro-anal. 23 Penetraçã� ana� segur� Mantenha as unhas curtas, limpas e não-afiadas. Use luvas de vinil ou látex em penetração digital e preservativo em penetração peniana. Use bastante lubrificante a base de água. Ponha uma nova luva ou um novo preservativo sempre que trocar de atividade ou parceria. Não compartilhe objetos sem limpá-los com água e sabão, mesmo que se use preservativo. Use preservativo nos objetos e sempre troque de preservativo quando mudar de atividade ou parceria. Não permita que bactérias do ânus entrem na vagina 5. SEXO ORAL Sexo oral consiste no contato dos lábios e da língua na vulva/vagina ou no pênis da parceria. Essa prática não está isenta da transmissão de ISTs, logo também necessita de proteção, seja na vulva ou no pênis. Entre as lésbicas que praticam sexo oral, 88% não usam método de barreira (RUFINO et al, 2017). No entanto, pode haver transmissão de HPV e herpes durante essa prática, devido ao contato boca/vulva, pele adjacente e fluidos. Além disso, apesar do baixo risco de contrair HIV por meio do sexo oral, quando há contato com sangue, seja da menstruação ou microlesões, há um aumento do risco de contágio não só de HIV, como também das hepatites B e C. Na última década, houve um aumento dos casos extragenitais de gonorreia entre os homens que fazem sexo com homens. A gonorreia orofaríngea pode ser transmitida tanto pelo beijo quanto no sexo oral desprotegido, portanto é fundamental o uso do preservativo durante toda a prática (CHOW EP, 2019). As camisinhas peniana e vaginal são as formas mais conhecidas de proteção contra ISTs e devem ser utilizadas durante toda a prática do sexo oral, com o intuito de criar uma barreira entre a pele e a boca, evitando assim o contato direto e a troca de fluidos. 24 Sex� ora� segur� Use dental dams, plástico filme, luvas cortadas ou camisinha como barreiras de proteção para o sexo oral. Ponha um pouco de lubrificante a base de água no lado genital da barreira. Sempre que trocar de prática oral pela anal, você deve trocar de preservative. Se você tiver alergia a látex, use luva de vinil ou plástico filme de PVC. Não permita que bactérias do ânus passem para a vagina. Use preservativos não-lubrificados em objetos e sempre troque de preservativo ao trocar de atividade ou parceria 6. CONCLUSÃO A disseminação da informação sobre sexo seguro é o caminho para proteger as minorias das ISTs (SANTOS, 2020). Para que sejam desenvolvidas políticas públicas inclusivas, é necessário que haja mais pesquisas envolvendo comportamento e práticas sexuais entre a população LGBTQ+. A orientação sobre o atendimento a essa comunidade deve fazer parte da grade curricular de todos os profissionais da saúde, garantindo assim seu direito a um acompanhamento digno, de qualidade e com respeito à diversidade. REFERÊNCIAS 1. Amidu, N., W. K. Owiredu, E. Woode, O. Addai-Mensah, L. Quaye, A. Alhassan and E. A. Tagoe (2010). “Incidence of sexual dysfunction: a prospective survey in Ghanaian females.” Reprod Biol Endocrinol 8: 106. 2. RUFINO, Andréa; MADEIRO, Alberto. Cuidados à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Tópicos em Saúde Sexual, Brasil, p. 112-124, 1 jul. 2017. Disponível em: https://sogirgs.org.br/area-do-associado/topicos-de-saude-sexual.pdf. Acesso em: 12 maio 2020. 3. ANDRÊO, Caio; SIQUEIRA PERES, Wiliam; MASAO PERES TOKUDA, André; LEMOS DE SOUZA, Leonardo. Homofobia na construção das masculinidades hegemônicas: queerizando as hierarquias entre gêneros. Estudose Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, ano 2016, v. 16, n. 1, p. 46-67, 1 jul. 2020. ISSN 1808-4281 4. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília : 1. ed., 1. reimp. Ministério da Saúde, 2013. 32 p. : il.ISBN 978-85-334-144-5 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Mulheres lésbicas e bissexuais: direitos, saúde e participação social / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013. 32 p. : il. ISBN 978-85-334-2055-7 6. BRÁS, Manuel Alberto Morais; ANES, Eugénia Maria Garcia Jorge; MOURA , Sandra Cristina Mendo; GERALDES, Maria de Fátima Pereira. Masturbação, uma expressão normal da sexualidade na adolescência, a óptica dos enfermeiros dos CSP. International Journal of Developmental and Educational Psychology, INFAD : Revista de Psicología, Portugal, ano 2012, v. 1, n. 1, p. 591-598, 15 mar. 2012. https://sogirgs.org.br/area-do-associado/topicos-de-saude-sexual.pdf 25 7. Masters WH, & Johnson, V. E. . Human sexual response. Boston: Little, Brown;1966 8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Transexualidade e travestilidade na saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. – Brasília : Ministério da Saúde, 2015. 194 p. : il. ISBN 978-85-334-2319-0 9. MOONEY-SOMERS, Julie; DEACON, Rachel; KLINNER, Christiane; RICHTERS, Juliet; PARKHILL, Nicolas. Women in contact with the Sydney gay and lesbian community:: Report of the Sydney Women and Sexual Health (SWASH) Survey 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016. Sydney: ACON & Sydney Health Ethics, 2017. 10. JULIE, Fish. Briefings for health and social care staff. In: JULIE, Fish. Briefings for health and social care staff. United Kingdom: COI for the Department of Health, 1 jan. 2007. Disponível em: http://www.schools-out.org.uk/furthertools/Docs2008/DH_078348.pdf?IdcService=GET_FILE&dID=148228& Rendition=Web. Acesso em: 18 jun. 2020. 11. NEWMAN, Felice. The whole lesbian sex book: A Passionate Guide For All Of Us. San Francisco: Cleis Press Inc, [1999 ou 2004]. 451 p. ISBN 978-1-57344527-6. 12. Chow EP, Fairley CK. The role of saliva in gonorrhoea and chlamydia transmission to extragenital sites among men who have sex with men: new insights into transmission. 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O profissional de saúde responsável por essa função deve estar capacitado para estabelecer um diálogo baseado na confiança, provendo informação e apoio emocional, auxiliando na avaliação do indivíduo com relação aos seus próprios riscos e proporcionando uma tomada de decisão para adoção de medidas preventivas na busca por uma melhor qualidade de vida e no enfrentamento de seus problemas relativos às IST. As ISTs configuram um dos problemas de saúde de maior relevância no Brasil, em decorrência do elevado número de indivíduos acometidos anualmente, sendo a maior incidência registrada na população jovem. Diante dessa perspectiva, o aconselhamento representa uma estratégia de fundamental importância no combate às IST, tendo em vista o baixo custo de sua aplicação e o seu potencial de efetividade, em conjunto com os insumos preventivos disponíveis, como os preservativos e os recursos de profilaxia pós-exposição (PEP). Se realizado de forma adequada, sendo fundamentado na informação, na avaliação dos riscos e no apoio aos usuários, o aconselhamento pode auxiliar na concreta redução da cadeia de transmissão dessas infecções, possibilitando uma melhor prevenção de agravos e promoção da saúde. Não somente importante para a produção e análise de informações, a epidemiologia possibilita a elaboração de protocolos e procedimentos a serem implementados pelo sistema de saúde, a fim de intervir efetivamente e alterar o atual quadro de vulnerabilidade da população, reduzindo a elevada incidência e prevalência de ISTs no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, a população entre 25 e 39 anos representa o grupo mais suscetível a contrair as enfermidades transmitidas por meio de relações sexuais. Ainda segundo o mesmo órgão, foram notificados 87.593 casos de sífilis adquirida, 37.436 em gestantes e 20.474 congênitas. Já os episódios de Hepatite C somavam mais de 7 mil casos em 2003, incidência de 4 por 100 mil habitantes. Em 2016 foram 6,5 casos por 100 mil habitantes. Com relação à AIDS, o índice de contágio dobrou entre jovens de 15 a 27 19 anos, passando de 2,8 casos por 100 mil habitantes para 5,8 na última década. Na população entre 20 e 24 anos, chegou a 21,8 casos por 100 mil habitantes. Estima-se que cerca de 112 mil brasileiros possuem o vírus, mas não sabem. O aconselhamento, que deve ser realizado por um profissional devidamente habilitado, pode ser desenvolvido de diversas formas, pois, além de consultas individuais, pode ser estendido a grupos e rodas de conversa. Durante o aconselhamento, deve ser feita uma correta orientação sobre o uso de métodos contraceptivos, com destaque para o preservativo, assim como sobre a melhor forma de proceder em caso de diagnóstico de IST, devendo-se ressaltar que deve ser ofertado o teste para HIV. Os grupos de maior risco, como travestis, profissionais do sexo e pessoas em situação de rua, sofrem também forte estigmatização e exclusão dos serviços, sendo importante a promoção e a ampliação do acesso dessas pessoas ao aconselhamento. As unidades básicas de saúde constituem um local adequado para que ocorra esse serviço, principalmente devido ao vínculo profissional-usuário propiciado pela continuidade do cuidado. 2. ABORDAGEM Identificar o risco de uma pessoa contrair uma IST exige a realização de uma avaliação adequada. Para isso, somente hipóteses e inferências sobre o risco de IST não são suficientes. É essencial conhecer o tema para dialogar corretamente e diminuir o estigma relacionado às práticas sexuais e às IST. Dessa forma, é importante haver uma relação de confiança entre o profissional de saúde e o paciente para assegurar a qualidade do atendimento, a adesão ao tratamento e a permanência no serviço. Entender o passado sexual do paciente é necessário para uma abordagem centrada na pessoa como um todo, não focando apenas na doença localizada. Dentro dessa abordagem, é importante identificar os fatores de risco associados à saúde sexual, avaliando e buscando intervir no momento adequado e orientando sobre mudanças de comportamentos de risco. Sobre a abordagem ao tema, alguns pacientes irão se sentir confortáveis com perguntas diretas. Entretanto, é mais adequado avançar no assunto de maneira gradual, para ganhar a confiança do paciente e normalizar o diálogo sobre questões sexuais. Muitos profissionais não abordam isso na consulta, desconsiderando o possível desejo do paciente de externar seus medos e conflitos relacionados à sexualidade. Assim, é interessante que o profissional de saúde mantenha uma rotina de perguntas a serem abordadasem todas as consultas, pois além de dar a oportunidade de existir um momento para conversar sobre o assunto, ainda auxilia a diminuir o preconceito e estigma que envolvem o tema. Nesse contexto, a atividade do profissional de saúde está pautada em três tarefas básicas: fornecer informações, avaliar riscos e dar suporte emocional ao usuário. Porém, isso deve ser realizado por profissionais de saúde bem treinados. Do contrário, questões que aumentam o distanciamento entre população e o acesso à informação podem ser acentuadas. A maior dificuldade enfrentada pelos profissionais que trabalham em serviços de ISTs é sobre como essa intervenção pode ser efetivada, dadas as limitações logísticas e de recursos práticos. Após a realização de toda a história clínica, prossegue-se com o exame físico, onde poderá ser coletado o material biológico para exames laboratoriais. Sempre que disponíveis, os seguintes exames devem ser solicitados: gonorreia, clamídia, sífilis, HIV, hepatite B e hepatite C. Diante de uma história e um exame físico sugestivo, não é necessário esperar 28 até o recebimento do resultado dos exames para que se inicie o plano terapêutico, que também envolve o tratamento de parcerias e estratégias de prevenção de infecção. 3. PREVENÇÃO Para que a sexualidade seja vivida de maneira integral e plena são necessárias medidas que garantam a vida sexual saudável dos indivíduos. Com esse intuito, há medidas de prevenção primárias e secundárias, que objetivam, respectivamente, diminuir a incidência das infecções e os danos causados por ela. Algumas informações devem ser levadas em consideração para o uso adequado do preservativo: 1. Ter atenção com a integridade da embalagem e o prazo de validade. 2. Armazenar em local sem calor. 3. Retirar o ar de dentro do preservativo, no caso do preservativo peniano. 4. Usar apenas lubrificantes à base de água, já que os oleosos podem prejudicar o látex. 5. Não deve ser reutilizado em nenhuma hipótese. Além do uso de preservativos, outras medidas devem ser tomadas. Dentre elas, a imunização: 1. HPV: é uma vacina quadrivalente, que previne os tipos 6, 11, 16 e 18, composto por duas doses e tem um intervalo de seis meses entre elas. Seu público alvo são meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos. 2. HBV (Hepatite B): indicada para todas as faixas etárias e é administrada em três doses, com intervalo de 30 dias até a segunda e de 180 dias entre a primeira e a terceira dose. 3. HAV (Hepatite A): Apesar de a principal forma de transmissão ser a via oral-fecal, a transmissão sexual é possível. No Brasil, é indicada para crianças de 15 meses a cinco anos incompletos, além de população de risco. Outra forma de prevenção - esta exclusivamente relacionada a transmissão de HIV - é o uso da profilaxia pré-exposição (PrEP). A PrEP é prioritária para profissionais do sexo, pessoas com parcerias sorodiscordantes para HIV, uso repetido de PEP, recorrência de IST e relação sexual desprotegida nos últimos seis meses. Além disso, a realização de exames para IST oferecidos pelo SUS, como os testes para HIV, Sífilis e Hepatites B e C, constitui uma forma de prevenção secundária, uma vez que o diagnóstico precoce permite a redução de danos e quebra a cadeia de transmissão. Para que isso ocorra, é necessário que as orientações para tratamento sejam cumpridas e que as parcerias sexuais do indivíduo diagnosticado também sejam tratadas. Por fim, é válido falar sobre o conceito de Prevenção Combinada que tem como marcos legais as intervenções biomédica, comportamental e estrutural. Essas ações são centradas nos indivíduos e em seus grupos sociais, conforme especificado na Figura 1. 29 Figura 1. Mandala de Prevenção Combinada Fonte: Ministério da Saúde REFERÊNCIAS 1. BARBOSA, Thiago Luis de Andrade; GOMES, Ludmila Mourão Xavier; HOLZMANN, Ana Paula Ferreira; DE PAULA, Alfredo Maurício Batista; HAIKAL, Desirée Sant Ana. Aconselhamento em doenças sexualmente transmissíveis na atenção primária: percepção e prática profissional. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 28, n. 6, p. 531-538, 6 out. 2015. DOI http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500089. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ape/v28n6/1982-0194-ape-28-06-0531.pdf. Acesso em: 24 jul. 2020. 2. http://www.saude.df.gov.br/wpconteudo/uploads/2018/05/BOLETIM_AIDS_IST_2018.pdf (pag não encontrada) 3. NÚMERO de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) aumenta. In: Número de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) aumenta. Rio de Janeiro, 27 jul. 2018. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/565-numero-de-infeccoes. Acesso em: 24 jul. 2020. http://www.saude.df.gov.br/wpconteudo/uploads/2018/05/BOLETIM_AIDS_IST_2018.pdf 30 4. Ministério da Saúde (BR). Manual de aconselhamento em DST/HIV/Aids para a atenção básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 200- [citado 2019 dez 20]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_simplificado.pdf 5. SFAIR, Sara Caram; BITTAR, Marisa; LOPES, Roseli Esquerdo. Educação sexual para adolescentes e jovens: mapeando proposições oficiais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 620-632, 10 out. 2014. DOI https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200018. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2015.v24n2/620-632. Acesso em: 24 jul. 2020 6. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) de Risco à Infecção pelo HIV. Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 7. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e hepatites virais. Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 8. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília : Ministério da Saúde, 2019. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_simplificado.pdf 31 Capítulo 5 Violência Sexual Alícia Mourão Vieira Letícia Queiroz Medeiros Muse Santiago de Oliveira 1. INTRODUÇÃO Violência sexual é um fenômeno mundial que não atinge gênero, classe social, idade ou etnia específicos. Sabe-se, no entanto, que as principais vítimas são mulheres adolescentes e jovens. Tal realidade é uma manifestação cruel da violência de gênero, com repercussão na saúde física e mental das vítimas, a curto e longo prazo. Entre as consequências físicas imediatas estão infecções do trato reprodutivo, infecções sexualmente transmissíveis (IST) e gravidez. Em longo prazo, as vítimas podem desenvolver distúrbios ginecológicos e sexuais. Mulheres com história de violência sexual têm maior vulnerabilidade para sintomas psiquiátricos, principalmente depressão, pânico, somatização, tentativa de suicídio, abuso e dependência de substâncias psicoativas (FACURI et al., 2013). A violência sexual demorou bastante tempo para ser pauta de discussão nos setores de saúde. Só em 2002, o termo “causas externas” foi substituído por “violência e saúde”, na Classificação Internacional de Doenças e Agravos (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, somente em 2013 que foi criada a Lei nº 12.845, a qual garante o atendimento obrigatório e imediato no Sistema Único de Saúde (SUS) a vítimas de violência sexual, ou seja, todos os hospitais da rede pública são obrigados a oferecer, amparo médico, psicológico e social imediato, assim como atendimento emergencial, integral e multidisciplinar. Deverão ofertar também diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demaisáreas afetadas; profilaxia da gravidez; profilaxia das ISTs; testes rápidos para HIV e Sífilis, dentre outros (BRASIL, 2013). Nesse contexto de falta de políticas públicas, surge no país o Projeto Superando Barreiras, um serviço destinado ao atendimento de vítimas de violência sexual. Na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), o projeto vem funcionando desde de 2015, garantindo atendimento integral e multiprofissional a mulheres e crianças em situação de violência sexual aguda, crônica ou gravidez decorrente de estupro, com o objetivo de evitar o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). 32 2. TIPOS DE VIOLÊNCIA 2.1. VIOLÊNCIA SEXUAL POR CONTATO São os atos físicos que incluem carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal ● Importunação sexual: é definida em termos legais como a prática de ato libidinoso contra alguém sem a sua anuência “com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A exemplo de beijo roubado ou forçado, passar a mão, “encoxar” ou ejacular em pessoas em transporte públicos e fazer cantadas invasivas (BRITO, 2018). ● Estupro: é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como todo ato sexual ou tentativa para obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção (FACURI et al., 2013). O Código Penal Brasileiro, no artigo 213 da Lei n° 12.015 de 2009, define estupro como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. ➔ Estupro de vulnerável: De acordo com o art. 217-A, caput, do Código Penal Brasileiro, ocorre o estupro de vulnerável na hipótese da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso contra menores de 14 anos. Nesse contexto, o consentimento da vítima não invalida o crime, mesmo que haja envolvimento amoroso ou experiências prévias por parte do menor de 14 anos. 2.2. VIOLÊNCIA SEXUAL POR NÃO CONTATO São as práticas sexuais que não envolvem contato físico. ● Assédio sexual: é um crime caracterizado pela relação de trabalho e, segundo o artigo 216 A do Código Penal, se define por: "Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência inerentes a exercício de emprego, cargo ou função”. ● Abuso sexual verbal: prática de falar sobre conteúdos sexuais sem que a outra pessoa tenha permitido ou esteja se sentindo confortável. ● Exibicionismo: ato de se masturbar ou mostrar órgãos genitais para uma pessoa sem o consentimento desta. ● Voyeurismo: é caracterizado como a prática de olhar para atos ou órgãos sexuais de uma pessoa (sem seu consentimento), obtendo prazer com tal gesto. 3. ATENÇÃO À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 3.1.DEVERES PROFISSIONAIS MEDIANTE ATENDIMENTO À VÍTIMA DE ESTUPRO Sigilo: O sigilo do profissional da saúde é fundamental para o respeito ao paciente e para sua proteção. É proibido revelar informações confidenciais obtidas em consulta e exames. É importante a compreensão de que o sigilo poderá ser quebrado quando o conhecimento obtido pelo profissional colocar em risco a vida do paciente ou de outras pessoas. 33 Não Repetição de Informação: É importante levar em consideração que as informações fornecidas pela vítima de violência sexual tem forte impacto sobre sua vida e saúde. Nos momentos de conversas, os profissionais devem evitar fazer perguntas já respondidas anteriormente ou já fornecidas no prontuário do paciente. 3.2. ACOLHIMENTO O atendimento à vítima deve ser privativo, ético e sigiloso. A vítima, ao chegar ao serviço para sua primeira consulta, poderá ser acolhida por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos ou qualquer outro técnico capacitado para lidar com tal situação. No primeiro momento, é importante que o profissional escolha um ambiente reservado para o atendimento e observe se a paciente está acompanhada por alguém que possa a coibir. Sabe-se que muitos relatos de violência sexual acontecem dentro de casa, podendo ser o acompanhante um potencial agressor, realidade que, caso confirmada, traria um grande empecilho para o desenvolver do processo de acolhimento e atendimento à vítima. Durante o primeiro contato com a paciente, deve-se registrar todos os detalhes em prontuários, para evitar que a vítima precise repetir a mesma informação diversas vezes para profissionais distintos. 3.3. ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA (AE) Está indicada para todas as mulheres que não estejam na menopausa e/ou adolescentes que já apresentem sinais de puberdade e tenham sofrido violência sexual por meio de contato certo ou duvidoso com sêmen, independente do período do ciclo menstrual em que se encontrem. Deve ser administrada o mais precocemente possível, dentro das 72h após a violência, e pode ser administrada na Unidade de Atenção Primária à Saúde, caso essa seja a porta de entrada da vítima ao serviço de saúde. Estudos também verificaram efeitos da AE até cinco dias do contato sexual desprotegido, embora com taxa significativamente menor de proteção. Seu emprego, portanto, não deve ser limitado aos três primeiros dias da violência sexual. Métodos utilizados para a Anticoncepção de Emergência ● Primeira escolha: Levonorgestrel, administrado via oral, nas doses de 0,75mg ou 1,5mg, com posologia de 02 comprimidos (dose única) ou 01 comprimido (dose única), respectivamente. ● Segunda escolha: Anticoncepcionais orais hormonais combinados, administrados via oral, nas doses de 0,05mg de etinil-estradiol + 0,25mg de levonorgestrel com posologia de 02 comprimidos de 12/12h (total de 04 comprimidos) ou 0,03mg de etinil-estradiol + 0,15mg de levonorgestrel com posologia de 04 comprimidos de 12/12h (total de 08 comprimidos) 34 3.4. PROFILAXIA CONTRA IST Considerando a ampla gama de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a profilaxia pós-violência sexual contempla os agravos mais prevalentes de repercussão clínica relevante e está indicada em situações de exposição com risco de transmissão, mesmo não sendo observadas lesões. ISTs virais: ● HIV: O esquema é Tenofovir + Lamivudina + Dolutegravir, por 28 dias. A profilaxia para HIV pós-violência sexual é recomendada quando o estupro ocorreu em menos de 72 horas, sem uso de preservativo, via anal e/ou vaginal, com ejaculação, e sua administração pode ser avaliada nos casos de penetração oral com ejaculação. Não é recomendada quando há penetração oral sem ejaculação, uso de preservativo durante toda agressão sexual, agressor sabidamente HIV negativo, abuso sexual sofrido há mais de 72 horas e abuso crônico pelo mesmo agressor. ● Hepatites virais: A imunoprofilaxia contra a hepatite B deve ser considerada nos casos em que haja suspeita ou confirmação de exposição da vítima ao sêmen, sangue ou outros fluidos corpóreos do agressor. O início da profilaxia também está indicado nos casos de dúvida, desconhecimento do estado vacinal ou esquema vacinal incompleto e não deve estar condicionada a coleta e análise de exames. A primeira dose da vacina contra hepatite B deve ser administrada na ocasião do atendimento e as doses posteriores realizadas nas unidades de atenção primária à saúde, após análise dos exames de primeira consulta. A imunoglobulina (IGHAHB) poderá ser administrada em até, no máximo, 14 dias após a violência sexual, mas recomenda-se aplicação nas primeiras 48 horas após a violência nos casos de não imunização, esquema vacinal desconhecido ou incompleto das vítimas. A gestação não contraindica a imunização com vacina ou soro, em qualquer idade gestacional. ISTs não virais: As profilaxias para ISTs não virais podem ser realizadas em qualquer época após a exposição. ● Sífilis: Penicilina G benzatina, intramuscular, 2,4 milhões UI (1,2 milhão UI em cada glúteo). ● Gonorreia: Ceftriaxona 500mg, intramuscular, 1 ampola em dose única. ● Infecção por Clamídia: Azitromicina 500mg, via oral, 2 comprimidosem dose única (dose total 1g). ● Tricomoníase: Secnidazol 1g, via oral, 2 comprimidos em dose única (dose total 2g) 3.5. ABORTAMENTO A mulher vítima de violência sexual que tem como uma das consequências a gravidez tem direito ao abortamento legal e seguro. Segundo o artigo 218 do Código Penal, não se pune o médico que realizou a interrupção de uma gravidez resultante de estupro, desde que consentida pela gestante ou pelo seu representante legal. O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento sentimental, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as 35 providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência deve ter credibilidade, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o direito à saúde. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados à Polícia ou à Justiça. É imprescindível o consentimento por escrito da mulher para a realização do abortamento em caso de violência sexual, que deve ser anexado ao prontuário médico. Para a interrupção da gravidez até 12 semanas de idade gestacional (IG), o método de escolha é a aspiração a vácuo intra-uterina (AMIU). Após essa IG, o método utilizado é a curetagem, após indução do aborto com prostaglandina e eliminação do concepto. O Código de Ética Médica assegura ao médico o direito de se recusar a prestar seus serviços quando estes contrariem os ditames de sua consciência. No entanto, deve o médico obrigatoriamente prestar seus serviços sempre que ocorram pelo menos uma das seguintes situações: ausência de outro médico, caso de urgência/emergência ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde da paciente. 4. SEXOLOGIA FORENSE As perícias sexológicas deverão ser realizadas somente mediante requisição escrita, por parte de autoridade competente, em que conste o tipo de exame a ser realizado, o órgão solicitante e o registro da ocorrência. As solicitações de exames podem ser emitidas pelas seguintes autoridades: delegado de Polícia, promotor de Justiça, juiz de Direito ou autoridade militar presidindo inquérito. Conforme Resolução CFM n° 1635/2002, é vedado ao médico realizar exame de corpo de delito no interior dos prédios e/ou dependências de delegacias, seccionais ou sucursais de Polícia, unidades militares, casas de detenção e presídios, pois os exames de sexologia forense demandam uma estrutura adequada para a sua realização. O exame de sexologia forense deve ser obrigatoriamente realizado com a presença de um atendente auxiliar na sala, preferencialmente do gênero feminino. Antes do exame, a pericianda deve ser pesada e medida, verificada sua idade, seu estado nutricional e constituição física, bem como se há alguma deficiência física ou mental. Qualquer sinal de violência efetiva deve ser registrado no laudo. A anamnese deve ser detalhada e cuidadosa, evitando-se fazer perguntas desnecessárias. Recomenda-se a leitura da ocorrência policial. O exame sexológico se dá por etapas: ● Boca: avaliar equimose em palato, lesões labiais. ● Mamas: marcas sugestivas de sucção, mordidas, secreção espermática. ● Vulva: pilificação, lesão, presença de pelos do agressor (coletar). ● Hímen: descrever orla, entalhe, rotura recente ou antiga e horário da localização (mostrador do relógio). O tempo de cicatrização himenal varia de acordo com diversos fatores (assepsia, repouso do órgão, estado geral de saúde, espessura da membrana, número de roturas), com média de 20 dias para sua totalidade. O laudo é então concluído após o exame sexológico. Deve-se constar o histórico, que é a narração do periciando, não tendo qualquer interferência do médico-legista; a descrição dos achados encontrados no exame (o perito não deve tecer comentários ou conclusões, apenas descrever o que está vendo, como localização, características e dimensões das 36 lesões); e a discussão, onde o perito pode tecer comentários acerca dos achados descritos e afirmar ou negar o nexo de causalidade entre os achados e o histórico, podendo ainda levantar hipóteses, se a lesão foi produzida antes ou na data do histórico, se uma lesão foi produzida em vida ou pós-morte etc. 5. CONTINUIDADE DO CUIDADO A pessoa agredida sexualmente, após ser atendida em situação emergencial no hospital, deverá ser encaminhada para continuidade do cuidado em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde ou outro serviço da rede de atenção à saúde conforme a necessidade apresentada, que ofereça atenção integral e multiprofissional. Neste contexto, é importante a longitudinalidade e integralidade do cuidado individual, a focalização na família e a orientação comunitária. As equipes possuem espaço para a identificação dos casos de violência pela abrangência de ações na Unidade de Atenção Primária à Saúde/Saúde da Família, no domicílio e na comunidade, ou seja, pelo envolvimento dos profissionais com as ações de saúde individual e coletiva desenvolvidas no território. REFERÊNCIAS 1. Facuri, C.O.; Fernandes, A. M. S.; Oliveira, K. D.; Andrade, T. S.; Azevedo, R. C. S. Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, maio de 2013. 2. Catão, E. Manual de Sexologia Forense e atendimento às mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência. Rio de Janeiro, abril de 2019. 3. Código Penal Brasileiro. Lei nº 12.845 de 01 de agosto de 2013. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. [cited 2014 Jan. 15]. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/ lei/l12845.html> 4. Brito, D. Nova lei de importunação sexual pune assédio na rua. Brasília, 29 de setembro de 2018. Disponível em <agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-09/nova-lei-de-importunacao-sexual-pune-as sedio-na-rua> Acesso em: 19 de agosto de 2019 5. Santos, G. Crime de Estupro de Vulnerável, disponivel em: <https://geovanisantos.jusbrasil.com.br/noticias/241413858/crime-de-estupro-de-vulneravel> 6. Tipologia do Abuso sexual. Disponível em <https://www.direitosdacrianca.gov.br/midiateca/publicacoes/abuso-sexual> 7. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes. Norma técnica. Ministério da Saúde, 3ª edição atualizada e ampliada, 1ª reimpressão. Brasília-DF, 2012 http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-09/nova-lei-de-importunacao-sexual-pune-assedio-na-rua http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-09/nova-lei-de-importunacao-sexual-pune-assedio-na-rua 37 Capítulo 6 Disfunções Sexuais Femininas Claudênia Costa Praciano Natália Ribeiro dos Santos Raquel Autran Coelho 1. INTRODUÇÃO O ser humano é um ser social e, dentre tantos aspectos constituintes da complexidade da existência humana, há um fator de extrema importância, a sexualidade. A expressão da sexualidade humana permeia as dimensões biológicas, psicológicas e sociais da vida do indivíduo e, portanto, perturbações desses elementos podem causar anomalias no desempenho e na satisfação sexual, podendo ser enquadrado como disfunção sexual. Vale ressaltar que há diversos entraves para a resolução dessa problemática, principalmente quando acomete as mulheres. Dentre eles, vale elencar a inibição da paciente em falar sobre o assunto com o profissional de saúde e a inabilidade de alguns ginecologistas em abordar os aspectos sexuais da mulher. Além disso, para que haja melhor compreensão acerca das disfunções sexuais, faz-se necessário o conhecimento sobre o ciclo sexual. 2. CICLO SEXUAL Dentre tantos modelos de explicação do ciclo sexual, foi proposto por Rosemary Basson um ciclo sexual denominado Modelo Circulardo Ciclo de Resposta Sexual, que considera as peculiaridades e as subjetividades que permeiam a sexualidade feminina. É importante ressaltar que o Modelo Circular do Ciclo de Resposta Sexual diferencia o desejo sexual espontâneo, mais presente em mulheres no início de relacionamentos, e o desejo sexual responsivo, predominante em mulheres em relacionamentos estáveis e longos. Tendo isso em vista, cabe enfatizar que a mulher não necessariamente apresenta desejo sexual no início da relação sexual, mas pode desenvolvê-lo no decorrer do ato. A 38 distinção quanto à origem do desejo sexual considera aspectos femininos subjetivos que se relacionam com a expressão da sexualidade. Além disso, tal modelo busca evidenciar a importância que a intimidade emocional e a satisfação emocional e física representam na manifestação da sexualidade feminina, podendo funcionar como fatores promotores do adequado funcionamento do ciclo. Figura 6.1 Ciclo de resposta sexual feminino proposto por Basson Fonte: adaptado de BASSON, R. (2005) 3. DISFUNÇÕES SEXUAIS FEMININAS A disfunção sexual é uma manifestação de um quadro que impede o adequado desenvolvimento do ciclo sexual, podendo prejudicar os seus diferentes aspectos ou estar relacionada à dor. Diversos são os fatores relacionados ao desenvolvimento de disfunções sexuais, como estresse, problemas psicológicos, endometriose, conflitos na relação, entre outros. Visto isso, pode-se elencar o Desejo Sexual Hipoativo e Hiperativo, Aversão Sexual (associados à fase de desejo), Transtorno de Excitação Feminino (associado à fase excitatória), Anorgasmia (associada à fase do orgasmo), Dispareunia e Vaginismo (associados à dor). 3.1. DESEJO SEXUAL HIPOATIVO: Pode ser definida como uma deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual. De um modo geral, esse tipo de disfunção pode estar relacionada a 39 diversos fatores de origem emocional, física ou psicossocial, como problemas no relacionamento, que podem ser refletidos na diminuição do desejo sexual feminino. Além de questões psicossociais, outros fatores podem estar relacionados com a diminuição do desejo sexual feminino, como o tabagismo e o uso crônico de álcool, sendo necessária a mudança de hábitos para solucionar o problema. Disfunções sexuais também podem ser desenvolvidas a partir do uso de medicamentos específicos, como alguns antidepressivos. Nesse caso, após uma avaliação médica, a mudança na dosagem ou troca de medicamento podem influenciar positivamente o quadro da paciente. O tratamento médico deve ser concomitante a terapias sexuais ou de casal, com o objetivo de favorecer o desejo sexual entre os envolvidos. 3.2. DESEJO SEXUAL HIPERATIVO: Também conhecido como hipererosia, está relacionado ao excesso de desejo sexual. Pelo caráter obsessivo, pode gerar desconfortos na rotina da paciente, que passa a procurar constantemente o ato sexual, dificultando sua rotina. O tratamento, em geral, combina medicação que inibe o desejo sexual e psicoterapia, principalmente quando o medicamento não é mais necessário. 3.3. AVERSÃO SEXUAL: Nesse tipo de transtorno, a mulher sente repulsa pelo contato sexual com o genital ou com outros tipos de estímulos, como o toque, beijos e carícias. Esse comportamento pode estar relacionado a sentimentos negativos associados a essa situação, deixando a paciente sob um sentimento de estresse e de desconforto. Em quadros específicos como esse, é necessário buscar a causa da aversão e em quais situações ela se desenvolve, para que seja possível contornar o problema. Por isso, é muito importante uma conversa sincera com o ginecologista para que seja possível chegar a um tratamento adequado. Esse transtorno pode aparecer juntamente de quadros de dispareunia e transtornos psiquiátricos. Desse modo, é preciso uma avaliação completa para chegar a um tratamento adequado, que deve ser psicoterápico, com foco na correção de cognições distorcidas da paciente. 3.4. TRANSTORNO DE EXCITAÇÃO: Nessa situação, a paciente pode deixar de sentir prazer durante um contato sexual, levando a uma dificuldade em apresentar uma resposta de excitação sexual satisfatória. Vale ressaltar que, na mulher, a excitação pode ser percebida pelo grau de lubrificação vulvovaginal. Desse modo, uma baixa lubrificação, desencadeada pelo transtorno de excitação, pode ser responsável por uma experiência dolorosa e desconfortável durante a 40 penetração. Assim, o ato sexual tende a ser realizado o mais rápido possível para eliminar a fonte de incômodo. O tratamento deve buscar na psicoterapia as causas relacionadas à baixa excitação, que pode ser multifatorial. 3.5. ANORGASMIA: A anorgasmia é a ausência de orgasmo durante o ato sexual e pode acontecer devido aos transtornos orgânicos - como disfunções hormonais e psiquiátricas e doenças vasculares -, aos transtornos psicológicos e à inabilidade no ato sexual. Os casos mais comuns de causas mentais são: violência sexual, restrições sociais, ansiedade e depressão. Tal disfunção pode ser primária, que é caracterizada pelo fato de a mulher nunca ter alcançado o orgasmo, ou secundária, que ocorre quando a mulher já teve orgasmo anteriormente, mas começou a apresentar esse problema depois. É importante enfatizar os impactos que a anorgasmia pode acarretar na vida das mulheres, dentre eles, destacam-se a baixa autoestima e o desenvolvimento de Desejo Sexual Hipoativo ou de Transtornos de Excitação. A terapia para quadros de anorgasmia é proposta a depender das possíveis causas encontradas na paciente, que podem variar bastante. Além disso, pode ser dividida em medidas gerais e específicas. Tendo em vista isso, vale explanar que as medidas gerais consistem essencialmente em Terapia Cognitivo-Comportamental, em Técnicas de Debate e de Esclarecimento (as quais confrontam irracionalidades individuais acerca do sexo e desmistificam por meio de uma pedagogia terapêutica) e em aconselhamento sobre o alongamento da fase excitatória (visto que a resposta sexual feminina demanda mais tempo para se estabelecer). Já para aplicação de medidas específicas é necessário considerar 3 quadros distintos de anorgasmia. São eles: I - Mulher com anorgasmia primária; II - Mulher com orgasmo na masturbação, mas que desejam ter orgasmo vaginal; III – Mulher com anorgasmia secundária. Em casos de mulheres com anorgasmia total (de origem primária ou secundária) é indicada a prática de masturbação, visando a reduzir os fatores de inibição e ao autoconhecimento corporal. Já para aquelas mulheres que atingem o orgasmo na masturbação e que desejam atingir o orgasmo vaginal, recomenda-se a manobra da ponte, a qual consiste no ato sexual com penetração e estimulação clitoriana simultaneamente. 3.6. DISPAREUNIA: Dentre os transtornos sexuais associados a dor está a Dispareunia, que consiste na dor durante ou na tentativa de penetração. Sabe-se que essa disfunção pode apresentar 41 várias etiologias, tais como: vulvovaginites, endometriose, secura vaginal, atrofia urogenital e causas psicológicas. Vale ressaltar que as disfunções sexuais associadas à dor são bem traumáticas para as pacientes, a depender da forma como esse problema é encarado por ela ou pelo casal, pode levar à piora considerável do quadro e ao desgaste psicológico intenso. O tratamento é comumente multidisciplinar, associando terapia farmacológica (medicamentos relacionados à resolução de dor ou de desequilíbrio psiquiátrico), fisioterapêutica (da musculatura do assoalho pélvico) e psicológica. 3.7. VAGINISMO: A outra disfunção sexual associada à dor é o Vaginismo, que se diferencia da Dispareunia por apresentar, além da dor à penetração, contrações involuntárias da musculatura do assoalho pélvico. Vale enfatizar que as pacientes que apresentam tal quadro têm essa queixa desde o início da atividade sexual e, com o passar do tempo, há um agravamento do quadro principalmente por causas psicológicas, visto que a ansiedade passa a estar associada ao contato íntimo. O tratamento propostotambém é multidisciplinar, havendo contribuição do fisioterapeuta e do ginecologista, os quais auxiliam por meio de orientações sobre a contração e o relaxamento dirigidos da musculatura vaginal ou sobre o uso de alguns dispositivos, como os dilatadores. O acompanhamento psicológico também se faz importante no Vaginismo, tendo em vista que situações traumáticas podem funcionar como gatilhos para o desenvolvimento dessa disfunção. REFERÊNCIAS 1. Abdo, C., & Fleury, H. (2006). Diagnostic and therapeutic aspects of female sexual dysfunctions. Archives of Clinical Psychiatry, 33(3), 162-167. <https://doi.org/10.1590/S0101-60832006000300006> 2. CEREJO, Andreia Chaves. Disfunção sexual feminina: Prevalência e factores relacionados. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, [S.l.], v. 22, n. 6, p. 701-20, nov. 2006. ISSN 2182-5181. Disponível em: <http://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/10303/10039>. 3. Clayton AH, Valladares Juarez EM. Female Sexual Dysfunction. Med Clin North Am. 2019 Jul;103(4):681-698. doi: 10.1016/j.mcna.2019.02.008. 4. Rotinas em ginecologia [recurso eletrônico] / Fernando Freitas [et al.] – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2011. 5. LARA, L.A.S.; SILVA, A.C.J.S.R.; ROMÃO, A.P.M.S.; JUNQUEIRA, F.R.R. Abordagem das disfunções sexuais femininas. São Paulo: São Paulo.. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008; 30(6):312-21. 6. FREITAS, F. et al. Rotinas em Ginecologia. 6°Ed. São Paulo: São Paulo. ARTMED® Editora S.A., 2011 7. LARA, L.A.; LOPES, G.P.; SCALCO, S.C.; VALE, F.B.; RUFINO, A.C.; TRONCON, J.K.; et al. Tratamento das disfunções sexuais no consultório do ginecologista. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. (Protocolo Febrasgo - Ginecologia, nº 11/Comissão Nacional Especializada em Sexologia). 8. BASSON, R. Women’s sexual dysfunction: revised and expanded definitions. CMAJ. 2005; 172(10): 1327-33. 9. CAVALCANTI, R; CAVALCANTI, M. Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais. 4°Ed. São Paulo: São Paulo. Roca, 2012. 42 Capítulo 7 Abordagem às disfunções sexuais masculinas Ana Talya Soares Torres Mariana Queiroz de Souza Eduardo de Paula Miranda 1. INTRODUÇÃO As disfunções sexuais masculinas ainda hoje configuram um desafio médico que exige uma abordagem delicada e uma postura profissional adequada para lidar com as demandas dos pacientes. Tal cenário, configura-se especialmente em decorrência do preconceito de boa parte da população masculina em assumir uma disfunção sexual e apresentá-la com queixa durante consulta médica, fato que, culturalmente, traz à tona a ideia de “ferida à virilidade”. Ademais, há certo receio e falta de treinamento por parte médico generalista em acolher e aprofundar questões pertinentes à saúde sexual de seus pacientes, não relacionando que o bem-estar sexual apresenta relação direta com o estado de saúde do indivíduo. 2. FISIOLOGIA SEXUAL MASCULINA No sistema nervoso central, há centros de resposta sexual que recebem aferência de múltiplos sistemas. Estes podem ser tanto corticais, que são sensibilizados pela visão, audição e outros órgãos sensoriais, quanto centros reflexos na medula, estimulados pelo tato. A ereção é o resultado de uma resposta neurovascular. Neurotransmissores como a noradrenalina, a serotonina e a prolactina são bloqueadores, enquanto a dopamina é estimulante. Quando ativado, o Sistema Nervoso Autônomo (SNA) libera óxido nítrico nos corpos cavernosos, ativando a enzima guanilato ciclase, que promove o aumento do GMP cíclico. Isso gera um relaxamento do tecido erétil no tecido cavernoso, associado a um maior influxo de sangue por uma vasodilatação, que por sua vez ativa o mecanismo veno-oclusivo por compressão da rede venosa subalbugínea. Enquanto o orgasmo é uma experiência de comando cortical, a ejaculação é um resultado reflexo do estímulo genital, que provoca peristaltismo do ducto deferente 43 (comando parassimpático) e contração do colo da bexiga e dos músculos da pelve (via simpática). 3. ABORDAGEM Disfunções sexuais caracterizam-se por dificuldades sentidas pelo indivíduo durante qualquer fase do ciclo sexual, podendo acometer o desejo, a ereção ou o orgasmo/ejaculação. Para configurar uma disfunção sexual é necessário que a queixa seja persistente e que gere comprometimento da qualidade do indivíduo e/ou da sua parceria. Nesse sentido, a fim de se realizar o correto diagnóstico dessas condições, Sadovsk estabeleceu 5 passos essenciais para a entrevista do médico generalista: ● Passo 1: “pergunte” aos pacientes sobre sua atividade sexual; ● Passo 2: “legitime” os problemas sexuais dos pacientes e reconheça-os como preocupações críticas que afetam a qualidade de vida dos pacientes; ● Passo 3: “limitações” levam o médico a avaliar sua própria capacidade de trabalhar com os pacientes. Os pacientes podem ser encaminhados para um especialista apropriado para investigação adicional e tratamento quando necessário; ● Passo 4: “abra” as preocupações sexuais para uma discussão mais aprofundada; ● Passo 5: “trabalhe” com o paciente para desenvolver um plano de tratamento adequado e definir um objetivo apropriado. Dito isto, a consulta médica deve começar com a construção de uma boa relação médico-paciente para abordar a história médica, psicossocial, religiosa, uso de medicações e realização de procedimentos. Delinear uma linha do tempo com acontecimentos concomitantes ao início da disfunção e entender se a condição é situacional ou generalizada é fundamental. Pedir para o paciente descrever como ocorre seus encontros sexuais também é valioso, investigando se a disfunção ocorre somente em relações com parceria, somente na masturbação ou somente em casos conjugais ou extraconjugais. Questionar acerca da sensibilidade peniana é útil especialmente em grupos de risco de perda de sensibilidade, como nos diabéticos. Masturbação frequente ou idiossincrática também é causa importante de perda de sensibilidade peniana. A avaliação geral se concentra em um histórico médico que inclui: 1. Idade, dados demográficos, estilo de vida, crenças culturais e orientação sexual. 2. Comorbidades médicas: diabetes, doença cardiovascular, infecções do trato urinário, endocrinopatias (hipotireoidismo, hiperprolactinemia ou redução na testosterona), distúrbios psicológicos e neurológicos. 3. História cirúrgica: cirurgias prévias, pois tratamentos cirúrgicos para câncer de próstata podem afetar a função erétil. 4. Histórico de medicação: um amplo grupo de medicamentos tem sido associado com redução da função erétil, como antidepressivos, beta-bloqueadores, antipsicóticos, antiepiléticos, inibidores da 5 alfa-redutase etc. Deve-se definir o marco temporal entre o começo do uso da medicação e o aparecimento dos sintomas. Além disso, o uso de substâncias recreativas deve ser consultado, pois tabaco, heroína, metadona, anfetaminas e álcool em consumo excessivo têm efeito negativo na função erétil. 5. História Sexual: passo muito importante para gerenciamento da disfunção, mas que pode estar associado à diversas barreiras, devido ao embaraço, pouco conhecimento, idade e cultura. São necessárias informações sobre desejo, ereção, orgasmo, ejaculação e satisfação no relacionamento. É ainda importante investigar a presença de comorbidades e 44 disfunções sexuais da parceria - menopausa, lubrificação, capacidade orgásmica, o relato de dor no ato sexual em ambos os parceiros, a presença de ereções noturnas, a rigidez da ereção durante a masturbação e os hábitos sexuais - frequência de intercurso sexual, previsibilidade, tempo, hábitos de masturbação e uso de pornografia. 6. Exame Físico: é uma oportunidade para investigar fatores relacionados tanto ao aparelho genital, quanto aos demais sistemas. É importante revelar as razões do exame físico para minimizar o desconforto do exame genital. O exame físico é composto de etapas essenciais: aparência geral e nutrição, características sexuais secundárias, anatomia dos testículos e do pênis (volume testicular,presença de nódulos testiculares, elasticidade e comprimento do pênis, presença de nódulos ou placas fibrosas penianas, anormalidades visíveis, presença de retratibilidade do prepúcio). Opcionalmente, pode ser interessante realizar também exame abdominal, neurológico e retal, testes cardiovasculares especializados e ginecomastia. 7. Exame psicológico: o exame psicológico nem sempre precisa ser completo. Os três principais aspectos psicológicos que são relevantes para a função sexual são: doença depressiva, ansiedade de desempenho e disfunção do casal. Se indicações positivas desses fatores forem encontradas, o encaminhamento para um atendimento psicossexual especializado é recomendado. 8.Testes Laboratoriais podem ser necessários para cada tipo de disfunção. 4. DISFUNÇÕES SEXUAIS MASCULINAS 4.1. DISFUNÇÃO ERÉTIL A Disfunção erétil (DE) é, por definição, a inconsistência ou incapacidade recorrente em atingir e/ou manter a ereção do pênis suficiente para satisfação sexual. É uma condição comum que, segundo estimativas recentes, poderá afetar mais de 320 milhões de homens até 2025 e já afeta 41% dos homens brasileiros. A prevalência de DE aumenta com a idade, sendo menor que 14% em homens com menos de 40 anos e aproximadamente de 50 a 100% em homens com idade maior que 70 anos. Atualmente, a DE pode ser considerada como marcador de outras doenças, que podem ser metabólicas, neurológicas ou uma combinação. Estresse, idade do paciente e doenças associadas são fatores que contribuem com a fisiopatologia da DE. Alterações no sistema cardiovascular causadas por cardiopatias, diabetes, dislipidemias etc. contribuem diretamente para alterações no influxo de sangue peniano. Neuropatias como esclerose múltiplas e doença de Parkinson apresentam influência direta no controle neurológico da ereção. A própria senilidade já é um fator de risco isolado para alterações hemodinâmicas e neurológicas. Já o estresse, por sua vez, ativa o sistema simpático e libera uma descarga noradrenérgica inibitória. O paciente que busca ajuda para DE já ultrapassou a barreira de estar muito envergonhado com sua condição, por isso a comunicação médico-paciente pode ser iniciada com uma conversa sobre os objetivos e expectativas do paciente que busca o tratamento, podendo levar em consideração também os objetivos do casal. O médico deve enfatizar a importância de abordar e de avaliar condições subjacentes, como algo a mais do que simplesmente tratar o sintoma da DE. O efeito de comorbidades e de fatores biológicos e psicossociais sobre a saúde sexual também devem ser citados. A relação médico-paciente deve ser valorizada, pois o paciente pode revelar a DE em consulta com um outro especialista, enquanto se queixa de sintomas não relacionados a 45 essa condição e que impactam em sua qualidade de vida. Desse modo, o médico pode realizar o manejo de outras condições e avaliar fatores de risco associados, como doenças cardiovasculares, e aliar um potencial tratamento farmacológico para a DE. O médico deve enfatizar a importância do tratamento não somente para a satisfação sexual, mas também para aumento da qualidade de vida e, se o paciente desejar, incluir a parceria nas considerações acerca do tratamento. Os testes laboratoriais são obrigatórios para o rastreamento de causas biológicas comuns e comorbidades associadas à DE. É fortemente recomendado que pacientes com DE devam ser rastreados para obesidade, depressão, hiperlipidemia, hipertensão e diabetes. Os testes laboratoriais consistem em glicemia em jejum, testosterona total, lipidograma, prolactina e hormônios tireoidianos. Outros testes mais específicos podem auxiliar no diagnóstico da DE, como teste vascular, teste da rigidez da tumescência peniana noturna, análise da rigidez e angiografia peniana. O tratamento considerado primeira linha para a DE envolve inibidores da fosfodiesterase tipo 5. Dentre eles, destacam-se inibidores de curta ação, como a sildenafila, e os de longa ação, como a tadalafila, que inclusive permite o uso diário. Para os que falham com a primeira linha, pode-se tentar uso de vasodilatadores de injeção intracavernosa ou mesmo dispositivos de ereção à vácuo. Para os casos mais graves e refratários pode-se lançar mão das próteses penianas. 4.2. EJACULAÇÃO PRECOCE A Ejaculação Precoce (EP) é a disfunção sexual masculina mais comum, acometendo cerca de 20-30% dos homens ao longo da vida, principalmente o público jovem. É definida pela Sociedade Internacional de Medicina Sexual (ISSM) como ejaculação que ocorre sempre ou quase sempre no primeiro minuto de penetração com consequências pessoais ruins, como angústia, aborrecimento e frustração que conduz o indivíduo a se afastar do ato sexual. Geralmente está associada a experiências prévias do sujeito (constitucional, forma mais comum) ou à relação entre o indivíduo e sua parceria (ansiedade de performance, que ativa o sistema adrenérgico). Por ser uma patologia ligada às questões psicológicas, a terapia sexual entra como tratamento de excelência para o manejo desses pacientes. No entanto, a associação da psicoterapia com o uso de medicações que aumentam o tempo de latência ejaculatória é terapia padrão ouro. Os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) são usados apenas nos dias em que o paciente terá relações sexuais, diminuindo assim os efeitos sistêmicos da medicação, dentre os ISRS ganham destaque a paroxetina, dapoxetina, citalopram, sertralina e fluoxetina. O antidepressivo tricíclico clomipramida e o creme anestésico tópico lidocaína ou prilocaína também são eficazes, no entanto, o uso tópico funciona por pouco tempo e pode causar diminuição da sensibilidade da parceria. 4.3. ANORGASMIA E ORGASMO RETARDADO Essa condição é definida como a dificuldade recorrente ou persistente, atraso ou ausência de atingir o orgasmo após estimulação sexual suficiente, causando sofrimento pessoal (OMS). São disfunções mais raras, acometendo apenas 3-4% dos homens abaixo de 65 anos. As etiologias podem ser por lesão medular (especialmente a anorgasmia), dissecção de linfonodos retroperitoneais, perda de sensação peniana, endocrinopatias, uso 46 de medicações e etiologias psicológicas. Práticas de masturbação idiossincrática, em que o homem necessita gradativamente de maior estimulação para atingir o orgasmo, podem reduzir a sensibilidade do pênis, conduzindo o indivíduo a aumentar a força da masturbação para contrabalancear a sensibilidade peniana decrescente. Assim, durante o ato sexual vaginal, anal ou orogenital, pode não ocorrer a estimulação suficiente para o orgasmo em um tempo confortável para o indivíduo e sua parceria ou mesmo ocorrer anorgasmia. Quando são descartadas as causas orgânicas ou a interferência do tratamento de outras condições, o paciente poderá se beneficiar de uma avaliação psicossexual completa junto a sua parceria. Não há drogas com eficácia comprovada para a anogasmia, de forma que deve haver uma ampla investigação, e o tratamento deve ser voltado para a causa subjacente. Tratamentos empíricos podem ser tentados em casos selecionados. O uso de cabergolina para pacientes cuja etiologia da disfunção do orgasmo está relacionada com a hiperprolactinemia mostrou-se eficaz em alguns casos. 4.4. TRANSTORNO DO DESEJO SEXUAL HIPOATIVO O Transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) é definido, pela Associação Psiquiátrica Americana de Diagnóstico e Estatística Manual de Transtornos Mentais, como uma deficiência persistente/recorrente ou ausência de fantasias sexuais e desejo por atividade sexual que causa sofrimento acentuado ou dificuldade interpessoal. Estudos indicam que a prevalência de baixo desejo em homens com idade entre 16 e 59 anos varia entre 14 a 17%, com aumento da prevalência em idades mais avançadas, contudo ainda pouco se sabe sobre as características e os impactos do TDSH em homens. O diagnóstico de TDSH em homens é muitas vezes confundido com comorbidades, como depressão, hipogonadismo ou disfunção erétil. Muitos dos casos de TDSH podem ser uma manifestaçãoda deficiência de testosterona. 4.5. DEFICIÊNCIA DE TESTOSTERONA (DT) OU HIPOGONADISMO A deficiência de testosterona (DT), também conhecida como hipogonadismo, é uma condição médica comum que afeta homens, caracterizada por sinais e sintomas clínicos associados à diminuição da testosterona sérica. Níveis séricos de testosterona (T) abaixo do que se considera normal são comuns em homens, especialmente após os 50 anos de idade. No entanto, baixos níveis T não estão associados a sintomas de DT em todos os casos. Por isso, a importância de considerar a DT como uma síndrome bioquímica que merece critérios clínicos e laboratoriais para ser definida e prevenir diagnósticos equivocados. Os principais sintomas na apresentação da Deficiência de Testosterona são: ● Diminuição do desejo e da atividade sexual, diminuição da frequência de pensamentos sexuais, diminuição da freqüência de ereções matinais, disfunção erétil, ejaculação atrasada, menor volume de ejaculação; ● Incapacidade de realizar atividade vigorosa, diminuição do vigor físico e força muscular, diminuição da flexão, fadiga, afrontamentos e suores; ● Diminuição de energia, motivação, iniciativa; humor depressivo, tristeza, irritabilidade excessiva, distúrbios do sono, insônia, sonolência; autoavaliação de saúde ruim. Concentração prejudicada, memória verbal prejudicada, desempenho espacial prejudicado. 47 Homens com diagnóstico confirmado de DT costumam se beneficiar do tratamento de longo prazo com reposição exógena de testosterona. Pacientes em tratamento devem ser monitorados continuamente para os efeitos colaterais mais frequentes. REFERÊNCIAS 1. JENKINS, Lawrence C.; MULHALL, John P. Delayed orgasm and anorgasmia. Fertility and Sterility, v. 104, n.5, 2015. Doi: 10.1016/j.fertnstert.2015.09.029. Disponível em: https://www.fertstert.org/article/S0015-0282(15)01957-3/fulltext. Acesso em: 17 de julho de 2019. 2. DEROGATIS, Leonard; ROSEN, Raymond C.; GOLDSTEIN, Irwin; WERNEBURG, Brian; KEMPTHORNE-RAWSON, Joan; SAND, Michael. Characterization of Hypoactive Sexual Desire Disorder (HSDD) in Men. The journal of sexual medicine, v.9, p.812-820, 2012. Doi: 10.1111/j.1743-6109.2011.02592.x. Disponível em: https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(15)33894-7/fulltext. Acesso em: 18 de julho de 2019. 3. KHERA, Mohit; ADAIKAN, Ganesh; BUVAT, Jacques; CARRIER, Serge; EL-MELIEGY, Amr; HATZIMOURATIDIS, Kostas; MCCULLOUGH, Andrew; MORGENTALER, Abraham; TORRES, Luiz Otavio; SALONIA, Andrea. Diagnosis and Treatment of Testosterone Deficiency: Recommendations From the Fourth International Consultation for Sexual Medicine (ICSM 2015). The journal of sexual medicine, v.13, p.1787-1804, 2016. Doi: 10.1016/j.jsxm.2016.10.009. Disponível em: https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(16)30469-6/fulltext. Acesso em: 18 de julho de 2019. 4. MULHALL, John P.; GIRALDI, Annamaria; HACKETT, Geoff; HELLSTROM, Wayne J. G.; JANNINI, Emmanuele A.; RUBIO-AURIOLES, Eusebio; TROST, Landon; HASSAN, Tarek A. The 2018 Revision to the Process of Care Model for Evaluation of Erectile Dysfunction. The journal of sexual medicine, v.15, p.1280-1292, 2018. Doi:10.1016/j.jsxm.2018.06.005. Disponível em: https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(18)31049-X/ . Acesso em: 19 de julho de 2019. 5. PHILLIPS, Elizabeth; CARPENTER, Christina; OATES, Robert D. Ejaculatory Dysfunction.Urologic Clinics of North America, v.41, p.115-128, 2014. Doi: 10.1016/j.ucl.2013.08.018. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0094014313000955?via%3Dihub. Acesso em: 19 de julho de 2019. 6. JIANN, Bang-Ping. The office management of ejaculatory disorders. Translational Andrology and Urology, v.5, p.526-540,2016. Doi: 10.21037/tau.2016.05.07. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5001990/#__ffn_sectitle. Acesso em: 19 de julho de 2019. https://www.fertstert.org/article/S0015-0282(15)01957-3/fulltext https://www.fertstert.org/article/S0015-0282(15)01957-3/fulltext https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(15)33894-7/fulltext https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(15)33894-7/fulltext https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(16)30469-6/fulltext https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(18)31049-X/fulltext https://www.jsm.jsexmed.org/article/S1743-6095(18)31049-X/ https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0094014313000955?via%3Dihub https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0094014313000955?via%3Dihub https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5001990/#__ffn_sectitle https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5001990/#__ffn_sectitle 48 Capítulo 8 Parafilias e Transtornos Parafílicos Calisto Dantas de Medeiro Neto José Henrique Sousa Luz 1. INTRODUÇÃO A sexualidade tem várias nuances, e estas assumem diversos significados que variam conforme a época e a forma própria daquela cultura de encarar a prática sexual. Até poucas décadas atrás, quaisquer práticas sexuais diferentes daquelas feitas com objetivo de procriar ainda eram consideradas “perversões”. No Antigo Testamento, por exemplo, há proibições expressas de práticas como sexo anal, sexo oral e masturbação, apenas para citar algumas. Por outro lado, na cultura grega, havia uma exaltação do “amor” de um homem adulto por um jovem do sexo masculino. No transcorrer dos anos, surgiram os primeiros anatomistas associando as “perversões sexuais” a anomalias físicas dos genitais, visão que só começou a ser derrubada com os trabalhos no campo da psicanálise, que passaram a relacionar a constituição da sexualidade a experiências ocorridas desde a infância. Com o surgimento do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana (APA), as “perversões” transformaram-se em “desvios sexuais”. Contudo, a partir da 3ª edição do DSM (DSM-3), o nome “desvio dexual” foi substituído pelo termo “parafilia”, que deriva de para “ao lado de” e filia “atração”. Mais recentemente, a quinta edição do DSM (DSM-5) traz a seguinte definição para parafilia: “Qualquer interesse sexual intenso e persistente que não aquele voltado para a estimulação genital ou para carícias preliminares com parceiros humanos que consentem e apresentam fenótipo normal e maturidade física” 2. TRANSTORNO PARAFÍLICOS Muitas parafilias foram, até poucos anos atrás, consideradas transtornos ou desvios patológicos do que seria considerado “normal” como prática sexual. Com a liberdade sexual crescente, acompanhada de uma maior compreensão sobre a sexualidade humana conquistada desde o século passado, o DSM-5 trouxe uma inovação ao realizar a diferenciação entre parafilia e transtorno parafílico. Segundo a versão mais recente do referido manual: “Transtorno parafílico é uma parafilia que está causando sofrimento ou prejuízo ao indivíduo ou uma parafilia cuja satisfação implica dano ou risco de dano pessoal a outros”. 49 Para o diagnóstico de transtorno parafílico, há dois critérios a serem analisados: Critério A: Natureza qualitativa do quadro (consiste no objeto ou na situação que causa a excitação, por exemplo, usar roupas do sexo oposto); Critério B: Consequências negativas (prejuízo funcional e sofrimento pessoal para o indivíduo ou para o outro). Para caracterizar o transtorno, a pessoa precisa atender aos critérios A e B, e os sintomas precisam estar presentes há, pelo menos, seis meses. Ter uma parafilia não é a mesma coisa que ter um transtorno parafílico. E a maior parte dos indivíduos que possuem interesses sexuais incomuns não têm qualquer transtorno mental. Da mesma maneira, uma parafilia por si só não implica qualquer necessidade de tratamento e/ou intervenção. Muitas são as parafilias conhecidas, mas iremos abordar aqui as oito mais prevalentes, correlacionando-as com seus respectivos transtornos: Parafili� Transtorn� Parafílic� Voyeurismo Transtorno Voyeurista Exibicionismo Transtorno Exibicionista Frotteurismo Transtorno Frotteurista Masoquismo Sexual Transtorno do Masoquismo Sexual Sadismo Sexual Transtornodo Sadismo Sexual Pedofilia Transtorno Pedofílico Fetichismo Transtorno Fetichista Transvestismo Transtorno Transvéstico 50 ● Voyeurismo: Excitação em olhar pessoas em momentos íntimos, seja se despindo ou em um ato sexual. Geralmente a pessoa que está sendo observada não tem ciência disso, sendo esse um importante foco de excitação. Dos atos parafílicos, este é um dos mais comumente praticados, e acredita-se que, na forma de transtorno, ocorra três vezes mais em homens que em mulheres. Se realizado sem consentimento, pode configurar delito criminal. ● Exibicionismo: Excitação recorrente e intensa na exposição dos genitais a uma pessoa desavisada. Pode ser que o foco da excitação seja a exposição a um grupo específico, por exemplo, crianças (nesse caso, é importante averiguar se não há um transtorno pedofílico subjacente). É comum ocorrer a masturbação durante o exibicionismo. Da mesma forma que o voyeurismo, é uma das parafilias que mais ocorrem, também podendo configurar um delito criminal. ● Frotteurismo: Excitação recorrente e intensa em tocar ou esfregar-se em pessoa que não consentiu, geralmente ocorrendo em locais públicos e com grande fluxo de pessoas (por exemplo, em transportes coletivos). Estima-se que ocorra muito mais em homens que em mulheres. ● Masoquismo Sexual: Excitação recorrente e intensa ao passar por situações de submissão, humilhação e agressão durante o ato sexual. O foco da excitação reside na sensação de estar à mercê da parceria e realizar as vontades do outro. Muitos indivíduos que apreciam o masoquismo também experimentam o sadismo, e é bastante comum a associação com outras parafilias, como o transvestismo e a preferência por roupas e texturas como o couro, por exemplo. Talvez seja a parafilia com maior risco de dano pessoal, por possíveis lesões infligidas e até mesmo risco de morte, principalmente no caso dos que praticam asfixiofilia (práticas de privação de oxigênio com o intuito de intensificar a gratificação sexual). Tem sido bastante retratado pela indústria pornográfica e de entretenimento. ● Sadismo Sexual: Prazer sexual ao infligir sofrimento, humilhação e agressões à parceria, que se encontra em posição de submissão. Geralmente está associado ao masoquismo, já que a prática desta parafilia costuma requerer uma parceria na posição oposta. Comumente também encontram-se associadas outras parafilias. ● Pedofilia: Fantasias, impulsos ou comportamentos intensos e recorrentes, envolvendo atividade sexual com crianças ou pré-púberes (idade < 13 anos). No Transtorno Pedofílico, o indivíduo tem pelo menos 16 anos e é, no mínimo, 5 anos mais velho que a pessoa alvo do desejo. É raro ocorrer em mulheres. O indivíduo pode ter interesse em crianças do mesmo sexo, do sexo oposto ou de ambos os sexos. ● Fetichismo: Interesse intenso e recorrente por objetos inanimados ou com foco altamente específico em partes não genitais do corpo (por exemplo: sapatos, meias, pés, nariz, mãos etc.). ● Transvestismo: Excitação sexual intensa e recorrente em vestir-se como do sexo oposto (cross-dressing). Caso a excitação seja apenas no vestiário (podendo estar associada com fetichismo), não há aumento da possibilidade de ocorrer disforia de gênero. Agora, caso a excitação seja pela imagem de si como pertencente ao outro gênero, há aumento desta possibilidade. Embora menos frequentes, podemos mencionar outras parafilias: zoofilia (interesse em atividades sexuais com animais), coprofilia (interesse sexual em fezes), necrofilia (desejo sexual por cadáveres), interesse sexual em pessoas amputadas, em anões, em pessoas idosas etc. 51 3. EPIDEMIOLOGIA Não há dados epidemiológicos consistentes sobre a prevalência de parafilias e transtornos parafílicos, e os poucos estudos existentes sofrem vieses de amostragem, já que a maioria são feitos em unidades prisionais e psiquiátricas, geralmente com agressores sexuais. Entretanto, sabe-se que são mais frequentes no sexo masculino e que ocorre um decréscimo com o aumento da idade. Quase todas as parafilias podem, em determinadas circunstâncias, caracterizar um transtorno, em razão do seu potencial de causar dano sobre o indivíduo e as demais pessoas. Algumas parafilias podem ser enquadradas como delitos criminais, a exemplo do exibicionismo, do voyeurismo, do frotteurismo e da pedofilia, quando esta envolve a prática de violência sexual contra crianças. Em algumas parafilias, o foco de interesse reside na própria atividade erótica desenvolvida. Um exemplo é o masoquismo, em que há excitação em ser humilhado, espancado e colocado numa posição de dependência e vulnerabilidade frente à parceria. Já em outras, o interesse é em algum alvo considerado anômalo, como é o caso da necrofilia, da zoofilia, da pedofilia ou até do fetichismo envolvendo objetos inanimados. Não é raro o indivíduo ter mais de uma parafilia. E, entre algumas, uma associação compreensível pode ser estabelecida (por exemplo, fetichismo que envolve interesse em pés e sapatos). 4. ETIOLOGIA E TRATAMENTO Do ponto de vista etiológico, até o momento não foi encontrada nenhuma causalidade precisa das parafilias. Porém, há teorias que apontam a influência e a interação de fatores biológicos e psicodinâmicos. Dentre os recursos terapêuticos, destacam-se o tratamento psicoterapêutico e o farmacológico. Três classes de medicações podem ser usadas no tratamento dos transtornos parafílicos em associação com a psicoterapia: a) antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina (ISRS), como fluoxetina, paroxetina e sertralina; b) medicações antiandrogênicas esteroidais; c) análogos do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). 5. CONCLUSÃO Contudo, o tratamento hormonal com essas duas últimas classes de medicações não está autorizada no Brasil. Muitas dúvidas ainda não foram respondidas sobre as parafilias. Dessa forma, ainda existe muito o que se pesquisar e aprender sobre esse campo tão intrigante da sexualidade humana. REFERÊNCIAS 1. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al.; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p. 2. DIEHL, Alessandra; VIEIRA, Denise Leite. Sexualidade: do prazer ao sofrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017. 714 p 52 Capítulo 9 Saúde da população transgênero Amanda Madureira Silva Barbara Bezerra Lopes Débora Fernandes Britto 1. INTRODUÇÃO O campo da saúde da população trans em rápida evolução traz a necessidade de uma formação profissional que compreenda especificidades da população transgênero e fora da conformidade de gênero. A Política de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), assim como outras políticas de equidade do Sistema Único de Saúde (SUS), são marcos históricos que, a partir do reconhecimento de que orientação sexual e identidade de gênero são fatores de vulnerabilidade para a saúde, demandam a estruturação de linhas de cuidado para essa população. 2. DEFINIÇÃO DE TERMOS A sexualidade humana e suas manifestações são tão diversas que não cabem ser enquadradas em rótulos ou definições, mas, para fins didáticos, é necessária a contextualização de termos amplamente difundidos e que carregam consigo alguns tabus e estigmas. Falar sobre diversidade sexual demanda considerar certos elementos constantes da literatura das ciências humanas sobre sexualidade. Ademais, é válido lembrar que alguns termos foram incorporados da cultura norte-americana (ARAN et al, 2009), entre eles, o termo transexual, que se configura como um subconjunto dos transgêneros, sendo esse também utilizado para expressar a possibilidade de um cruzamento entre gêneros. 53 Sexo O sexo "masculino" ou "feminino" determinado ao nascer, também denominado de "sexo ao nascer", "sexo natal" ou "sexo biológico". Transexual Utilizado na literatura médica ou por pessoas transgênero para descrever aqueles que passaram pela transição através de intervenções médicas. Nãoé sinônimo para transgênero e só deve ser utilizado se a pessoa se identificar desse modo. Gênero Construção social utilizada para categorizar um indivíduo enquanto masculino, feminino ou dentro do espectro masculino-feminino. Homem transgênero Indivíduo transgênero cujo sexo é feminino mas a identidade de gênero é masculina. Pode ser denominado como "female to male" ou FTM na literatura. Identidade de gênero Concepção interna enquanto a identificação com o gênero masculino, o feminino, a combinação de ambos ou nenhum. Não é visível aos outros. Mulher transgênero Pessoa transgênero cujo sexo é masculino mas a identidade de gênero é feminina. Pode ser denominada como "male to female" ou MTF na literatura. Expressão de gênero Manifestação externa do gênero, expressa através do nome, dos pronomes, do comportamento, do estilo, da voz ou das características corporais. Crossdresser Indivíduo que utiliza as roupas comumente associadas ao sexo oposto por razões que incluem a expressão da feminilidade ou masculinidade, expressão artística, performance ou prazer erótico, mas não se identifica com tal gênero. O termo "travesti", antes utilizado para esse fim, hoje é considerado pejorativo e não deve ser utilizado, exceto se a pessoa assim se identificar. Orientação sexual Conceito que caracteriza a atração sexual e emocional pelos outros. Gênero queer/ Não-binário Termo utilizado por pessoas que referem a sua identidade de gênero e/ou expressão de gênero fora da categoria de homem e mulher. Não é sinônimo para transgênero e só deve ser utilizado se a pessoa assim se identifica. Cisgênero Indivíduo cujo gênero é congruente com o sexo. 54 Em meio a tantas terminologias, a população trans sofre com a falta de conhecimento sobre sua existência, a vivência da transexualidade e a invisibilidade imposta pela sociedade. Não sendo essa comunidade a representação de um modo de funcionamento psíquico específico, nem mesmo uma estrutura clínica, deve-se considerar as diferentes trajetórias de vida, formas de subjetivação e construção de gênero na transexualidade. Esse processo é caracterizado por trazer sofrimento, não somente pela percepção de não pertencimento ao sexo biológico, mas sobretudo pela não aceitação da sociedade, que impõe a heteronormatividade como condição social vigente e aceitável (ARAM, 2008). Essa invisibilidade não se aplica às estatísticas que colocam o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, de acordo com os dados da Organização Não Governamental Transgender Europe. Essa população segue sendo alvo de maior violência entre a comunidade LGBTQ+, inclusive violência de maior gravidade, homicídios e lesões corporais (POPADIUK et al, 2017). Visto isso, é necessário que se realizem políticas públicas de apoio a essa população, já que os determinantes sociais se qualificam como um fator de vulnerabilidade (POPADIUK et al, 2017). O preconceito é uma das barreiras impostas para o acesso ao SUS, o estigma que carregam deve ser suplantado por um atendimento de qualidade e sem preconceitos, com o objetivo de contribuir com o processo de saúde-doença, desde a atenção primária às unidades de urgência e emergência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções e enfermidades”. Essa definição não parece se aplicar a essa parcela da população, que enfrenta muitas dificuldades para chegar ao serviço público de saúde, desde não terem seus nomes respeitados em formulários e sistemas de liberação de exames, até passarem por situações constrangedoras devido à falta de sensibilização no acolhimento, o que acaba por aprofundar o processo saúde-doença e afastá-los do sistema de saúde. A pessoa trans necessita de atenção e atendimento como qualquer outra, seu contato com o SUS não é apenas relacionado às questões da transexualidade e do processo transexualidador, e devem, portanto, receber atendimento de uma equipe de saúde qualificada a lhes prestar atendimento e não os afastar mais ainda do ambiente de saúde. Dessa maneira, é indispensável o conhecimento acerca dos conceitos básicos em sexualidade e diversidade para o reconhecimento da sua existência e a concretização da cidadania dos indivíduos pelo respeito por parte da equipe de saúde. Isso ocorre por intermédio da educação popular e profissional permanente, demanda essa sustentada em estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), entre março de 2010 e julho de 2011 com 207 professores de 144 escolas de medicina, o qual apontou as escassas discussões e os poucos estudos de questões como a orientação sexual e a identidade de gênero durante o curso (American College, 2011). 55 Breve histórico brasileiro 1978 Fundação do Grupo Somos em São Paulo: proclamação do direito de afirmação homossexual. 1980 Entrada massiva da população trans no serviço de saúde brasileiro durante a época da epidemia de AIDS, quando, além do estigma sobre a população homoafetiva, a identidade trans ainda era qualificada como uma patologia da ordem dos transtornos mentais. 1988 A Constituição de 1988 aponta a saúde como direito de todos e dever do Estado. 1990 Fundação da Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro, enquanto primeira associação de travestis do Brasil e realizadora do primeiro encontro nacional para articulação e fortalecimento dessa população. 2004 Programa Brasil sem Homofobia. 2006 A representação da comunidade LGBT no Conselho Nacional de Saúde foi conquistada e configurou novos rumos na atuação do movimento na participação democrática no SUS. 2011 O Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, que passou a considerar a orientação sexual e a identidade de gênero como determinantes sociais da saúde, desse modo visa a eliminação das desigualdades em saúde³. 2013 Inclusão do nome social no Cartão do SUS 2015 Inclusão do nome social, orientação sexual e identidade de gênero na Ficha de Notificação de Violência no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Além disso, incluiu o campo para preenchimento de violência motivada por homofobia/lesbofobia/transfobia para aumentar a visibilidade da violência sofrida pela população LGBT no documento supracitado. 2018 A Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu da sua classificação oficial de doenças, a CID-11, o chamado “transtorno de identidade de gênero”, definição que considerava como doença mental a situação de pessoas trans. 56 3. NOME SOCIAL O nome social é definido como a adoção pela pessoa trans ou travesti daquele nome que o representa e a forma como é socialmente reconhecida, desse modo evita constrangimentos e exposição desnecessária ao ser tratada de uma forma que não condiz com sua identidade e tampouco a representa. A adoção do nome social tem por objetivo o reconhecimento social e individual, pois segundo o Artigo 16 do Código Civil “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O Decreto Presidencial Nº 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal é um avanço para o reconhecimento das pessoas trans no âmbito social, isso significa uma garantia de direito a uma população que historicamente sofre violações e tem seus direitos questionados. Além dessas disposições, há a portaria que garante o nome social das pessoas trans, tanto no cartão do SUS como nos prontuários de atendimento (Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009). Portanto, as instituições de saúde devem acatar essa portaria e garantir o acesso das pessoas trans com respeito aos seus direitos e à sua individualidade, como ocorre na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, que faz parte do complexo hospitalar da Universidade Federal do Ceará, com o objetivo de acolher e receber qualquer pessoa que necessite dosserviços ofertados por ela. 4. ASSISTÊNCIA EM SAÚDE Nesta seção, listamos os procedimentos mais relevantes em afirmação de gênero da população trans: ● Hormonioterapia com estrógenos (oral, injetável ou transdérmico) em associação ou não com a terapia adjuvante baseada em anti-androgênios, como acetato de ciproterona, espironolactona ou inibidores da 5 alfa-redutase, voltada para características sexuais femininas. ● Hormonioterapia com testosterona nas vias oral, injetável (subcutâneo ou intramuscular), implante ou transdérmica, voltada para características sexuais masculinas. ● Quanto às opções de cirúrgicas: Homens transgênero: ➔ Mastectomia subcutânea, criação de peitoral masculino, implante peitoral, cirurgia vocal (rara), lipoaspiração. ➔ Histerectomia, ooforectomia (estando essas duas associadas ou não), reconstrução uretral, escrotoplastia, vaginectomia ou faloplastia. Mulheres transgênero: ➔ Cirurgia de feminização facial (inclui redução do osso facial, rinoplastia, reconstrução capilar etc), cirurgia vocal, redução da cartilagem tireóide, aumento glúteo, lipoaspiração, mamoplastia (pode incluir implantes de silicone) ➔ Orquiectomia, penectomia, vaginoplastia, vulvoplastia e clitoroplastia. Esse cuidado à população trans é estruturado por componentes da Atenção Básica e da Atenção Especializada (POPADIUK et al, 2017), a primeira é responsável pelo cuidado e 57 pela acompanhamento contínuo da população, além de ser a porta de entrada da rede. Já a segunda se refere a um conjunto de diversos pontos de atenção que dispõe de diferentes níveis tecnológicos. A Atenção Especializada no Processo Transexualizador é exercitada por uma equipe multiprofissional que compreende psicólogo, endocrinologista, psiquiatra, enfermagem, cirurgião reconstrutor genital (urologista e/ou ginecologista), cirurgião plástico, cirurgião geral, anestesista, mastologista, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, assistente social e assessoria jurídica, em constante reciclagem dos seus métodos e de modo auto regulado pela demanda individual, com o propósito de promover os princípios do cuidado universal, integral, igual e humanizado. REFERÊNCIAS 1. ARAN, Márcia and MURTA, Daniela. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde.Physis [online]. 2009, vol.19, n.1, pp.15-41. ISSN 0103-7331. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100003. 2. Garantia da utilização do nome social para pessoas travestis e transexuais – Ministério do Desenvolvimento Social Agrário, Governo Federal, Nº 8.727/2016. 3. POPADIUK, Gianna Schreiber; OLIVEIRA, Daniel Canavese and SIGNORELLI, Marcos Claudio. A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) e o acesso ao Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS): avanços e desafios. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2017, vol.22, n.5, pp.1509-1520. ISSN 1413-8123. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017225.32782016. 4. MEYEROWITZ, J. How sex changed. A history of transsexuality in the United States. Cambridge: Harvard University Press, 2002. 5. MARCIA, Arán; ZAIDHAFT, Sérgio and MURTA, Daniela. Transexualidade: corpo, subjetividade e saúde coletiva. Psicol. Soc. [online]. 2008, vol.20, n.1, pp.70-79. ISSN 0102-7182. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822008000100008. 6. MINISTÉRIO DA SAÚDE Transexualidade e Travestilidade na Saúde Brasília DF 2015. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/transexualidade_travestilidade_saude.pdf. 7. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Capítulo II - Dos Direitos da Personalidade, Art. 16. 8. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 1.820, de 13 de agosto de 2009. Dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2015. ______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2015. 9. Cuidados de saúde para pessoas trans. Parecer do Comitê No. 512. American College of Obstetricians and Gynecologists. Obstet Gynecol 2011; 118: 1454–8. Acesso em 03/10/2020 https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/committee-opinion/articles/2011/12/health-care- for-transgender-individuals#:~:text=Within%20the%20medical%20community%2C%20transge nder,therapy%2C%20or%20gender%20affirmation%20surgery. 10. ROSENDALE, N. - Acute Clinical Care for Transgender Patients A Review - JAMA INTERNAL MEDICINE - ONLINE - AUGUST 27, 2018 - 178(11):1535-1543 - doi:10.1001/jamainternmed.2018.4179 11. WYLIE, K. - Serving transgender people: clinical care considerations and service delivery models in transgender health - THE LANCET - ONLINE - JULY 23, 2016 - VOLUME 388, ISSUE 10042 - TRANSGENDER HEALTH - P401-411 - http://dx.doi.org/10.1016/ S0140-6736(16)00682-6 http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=ARAN,+MARCIA http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=MURTA,+DANIELA http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100003 https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/committee-opinion/articles/2011/12/health-care-for-transgender-individuals#:~:text=Within%20the%20medical%20community%2C%20transgender,therapy%2C%20or%20gender%20affirmation%20surgery https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/committee-opinion/articles/2011/12/health-care-for-transgender-individuals#:~:text=Within%20the%20medical%20community%2C%20transgender,therapy%2C%20or%20gender%20affirmation%20surgery https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/committee-opinion/articles/2011/12/health-care-for-transgender-individuals#:~:text=Within%20the%20medical%20community%2C%20transgender,therapy%2C%20or%20gender%20affirmation%20surgery GUIA EM SEXUALIDADE E DIVERSIDADE DE GÊNERO 42fae8ee3358a50e3630292ea49bbdc2907c5bd2f2149bf5e0f1370f08d536bc.pdf GUIA EM SEXUALIDADE E DIVERSIDADE DE GÊNERO 0c719c109d998faf3e90f60aee9348cf2d826b0454816360a373c665cb6a91c6.pdf