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4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
1 
 
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO I 
Professor Doutor Dário Moura Vicente 
 
I – O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ENQUANTO RAMO DO DIREITO 
1 – Noção de Direito Internacional Privado 
Com a existência de uma pluralidade de Estados soberanos, e correspondendo a cada 
um deles um sistema jurídico, pode concluir-se pela existência de uma pluralidade de 
sistema jurídicos estaduais. Desta feita, facilmente surgem divergências nas soluções 
avançadas para muitos problemas jurídicos, cabendo determinar qual a solução que 
deverá ser aplicada, quando em causa está um problema que envolve mais que um 
sistema jurídico. Esse é um dos mais relevantes objectivos do Direito Internacional 
Privado. 
No fundo, podemos dizer que são três as funções do Direito Internacional Privado: 
o Determinação do ordenamento a que se deverá recorrer para encontrar 
resposta ao problema jurídico em causa 
o Determinação do tribunal competente, no âmbito do problema da competência 
internacional 
o Reconhecimento de decisões estrangeiras, visto que, tomada que esteja a 
decisão, pode ser necessário que esta ganhe eficácia num sistema jurídico que 
não aquele em que a mesma foi emitida 
O Direito Internacional Privado regula, na sua maioria, situações jurídicas privadas. No 
entanto, adoptando a terminologia utilizada pelo Professor Lima Pinheiro, pode dizer-
se que o Direito Internacional Privado regula, sim, situações transnacionais (pois que 
há situações por este reguladas que não se reconduzem, directamente, a direito 
privado). Desta forma, são situações transnacionais todas as que colocam em problema 
a determinação do Direito aplicável e que devam ser resolvidas pelo Direito 
Internacional Privado. 
 
2 – Valores do Direito Internacional Privado 
O Direito Internacional Privado tem, por objecto, situações jurídicas privadas 
internacionais. Como visto, são fundamentalmente três os problemas a que este 
pretende dar resposta: determinar o Direito aplicável, determinar o tribunal 
competente e determinar as condições a que o reconhecimento de sentenças 
estrangeiras em Portugal está subordinado. Para nos ajudar a responder a estas 
questões, é fundamental conhecermos dos valores do Direito Internacional Privado. 
Através destes, é-nos facilitada a tarefa de interpretação no âmbito do DIP, para além 
de se tornarem mais claros os objectivos deste ramo do Direito e a integração de 
lacunas com que nos possamos deparar. 
O primeiro dos valores a que se deve fazer referência é o da salvaguarda da dignidade 
da pessoa humana. Este é um princípio fundamental, também inscrito na nossa 
Constituição, e do qual decorre o reconhecimento da personalidade jurídica e o 
reconhecimento dos direitos de personalidade a todos os seres humanos. No âmbito 
do Direito Internacional Privado, é através deste princípio que se reconhece aos 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
2 
 
estrangeiros, em território nacional, a susceptibilidade de serem titulares de direito. 
Essa realidade encontra-se, desde logo, nos arts 15º, nº 1 CRP e 14º CC. Para além desta, 
outras são as consequências, no âmbito deste ramo do Direito, do princípio em causa: 
desde logo, basta ver que as matérias usualmente incluídas no estatuto pessoal das 
pessoas singulares (capacidade, relações familiares e sucessórias, etc.) são submetidas 
à lei pessoal, que entre nós é a lei da nacionalidade (art 31º CC). 
Outro princípio fundamental do Direito Internacional Privado é o da autonomia privada: 
reconhece-se a possibilidade de os interessados escolherem a lei aplicável a certas 
relações privadas internacionais em que intervêm (veja-se, por exemplo, o art 41º CC). 
Este valor fundamental do DIP permite acautelar a segurança jurídica, ao mesmo tempo 
que garante aos interessados uma certa liberdade nas regulações das situações jurídicas 
em que intervêm. 
O terceiro valor fundamental a ter em consideração é a tutela da confiança, que se 
traduz na salvaguarda das expectativas legítimas das pessoas no seio de situações 
jurídicas. No âmbito do Direito Internacional Privado, este princípio é da maior 
relevância: as situações privadas internacionais, por estarem por natureza ligadas a mais 
que uma ordem jurídica, geram certas incertezas quanto ao regime jurídico aplicável. 
Desta feita, urge aplicar o regime jurídico que melhor acautelar as expectativas 
legitimamente criadas. É por essa razão, aliás, que admitimos a aplicação pelos tribunais 
portugueses de legislação estrangeira, sendo também por isso que reconhecemos 
eficácia à lei estrangeira em território nacional. Há, porém, outras manifestações deste 
princípio. Desde logo, o evitar que uma situação jurídica válida e eficazmente 
constituída em determinado Estado, com o qual tem uma conexão estreita, não seja 
reconhecida nas demais ordem jurídicas em que é invocada. Acerca desta matéria, veja-
se o art 31º, nº 2 CC. Também os próprios institutos do reenvio e da devolução (arts 
17º e seguintes CC) são manifestações deste princípio de tutela da confiança, a juntar 
ao tal reconhecimento das sentenças estrangeiras em Portugal (arts 978º e ss CPC). 
Cumpre também referir o princípio da igualdade perante a lei – há um tratamento igual 
que é dado a causas iguais, a situações iguais. Este é um verdadeiro corolário de justiça, 
que tem também projecções específicas no ramo do Direito Internacional Privado. 
Desde logo, pode acontecer que, para questões emergentes de uma mesma situação 
privada internacional, se considerem competentes os tribunais de dois Estados 
diferentes. Nesse caso, importa evitar que seja possível ao autor propor a acção 
consoante o Estado que lhe dá maiores benefícios, por forma a manipular o desfecho 
da acção – importa evitar o chamado forum shopping. No fundo, importa assegurar, no 
mínimo, que a mesma questão é julgada por aplicação da mesma lei – só assim se 
consegue igualdade no plano do Direito Internacional Privado. Essa necessidade é 
conseguida por via das regras de conflitos, consagradas em cada Estado. 
Para além destes valores, podemos ainda identificar valores sociais no âmbito do Direito 
Internacional Privado – desde logo, há uma importância dada à protecção da parte mais 
fraca na relação jurídica. Basta ver o que acontece em matéria de contratos de 
consumo (o consumidor é tipicamente considerado a parte mais fraca da relação 
jurídica, sendo por causa disso aplicável a legislação da residência habitual do 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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consumidor, se tal aplicação lhe for mais favorável). O mesmo acontece em matéria de 
contratos de trabalho. 
Pode ainda falar-se na eficácia económica como valor social do DIP. A mesma reflete-
se, por exemplo, na lógica de aplicar a lei que mais favoreça uma regulação eficiente 
do ponto de vista económico de certas situações jurídicas. Essa será, por exemplo, uma 
regulação que permita a redução dos custos das transacções. É nessa lógica que 
assenta, por exemplo, o art 4º, nº 2 do Regulamento Roma I, que manda aplicar “a lei 
do país do devedor da prestação característica”. A prestação característica, por sua vez, 
será a que permite reconduzir o contrato a um dos tipos legais ou sociais (no contrato 
de compra e venda é o vendedor, no contrato de empreitada o empreiteiro, etc). 
Concluindo, é possível perceber que os grandes pilares do Direito Internacional Privado 
são valores que já conhecemos de outras disciplinas jurídicas. Diferente é, tão 
simplesmente, a concretização dos mesmos. Os valores fundamentais analisados 
(dignidade da pessoa humana, autonomia privada, tutela da confiança, princípio da 
igualdade, protecção da parte mais fraca e salvaguarda da eficiência económica) são 
valores comuns a outros ramos do Direito. No entanto, o modo como os mesmos são 
atingidos na prática é diferente. 
 
3 – O método de Direito Internacional PrivadoHá vários métodos dentro dos quais se pode determinar o meio de regulação das 
situações privadas internacionais. Havendo vários métodos, torna-se necessário que 
haja entre eles um critério, que não poderá ser outro que não a ponderação dos 
interesses e valores subjacentes ao Direito Internacional Privado. 
Há, essencialmente, três grandes orientações: 
o Método jurisdicionalista (lex forista) – assenta na ideia de que cada jurisdição 
aplica, para a resolução de uma situação privada, o seu próprio direito. Na 
Europa, este método foi predominante até ao século XII, altura a partir da qual 
se começaram a conceber outras soluções. Se, por um lado, este método 
apresenta importantes vantagens (diminuição de erros na aplicação do Direito, 
ou boa administração da justiça, e menor gasto de recursos), a verdade é que o 
mesmo também apresenta inconvenientes inultrapassáveis: há um ignorar do 
princípio da tutela da confiança, desde logo porque pode acontecer que a 
situação seja resolvida por via de um Direito que nenhuma conexão tem com a 
mesma. Para além disso, abre a possibilidade ao autor de controlar o desfecho 
da acção, propondo-a no Estado que sabe ser-lhe mais favorável (forum 
shopping), o que viola o princípio da igualdade. 
o Método substancialista – aqui, a regulação das situações privadas internacionais 
deve ser feita através de normas materiais (direito substantivo), dando elas 
solução ao caso. No fundo, procura-se regular as situações privadas 
internacionais por um direito material que seja especialmente adequado, que 
pode ser um direito material criado especialmente para o efeito, ou um que se 
aplique não só a essas, mas também às situações puramente internas. Há, hoje 
em dia, várias convenções internacionais que visam exactamente a unificação 
do Direito Internacional Privado. Exemplo disso é a Convenção de Viena de 
4º ano, Turma A 
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4 
 
1980 sobre a compra e venda de mercadorias. É desta lógica que resulta a ideia 
para um Código Civil Europeu, projecto paralelo ao da Constituição Europeia. No 
entanto, há que atender ao facto de haver um princípio de subsidiariedade do 
direito europeu, do que decorre que este é a última ratio, só entrando em acção 
mostrar ser a melhor via para regular as situações em apreço. 
• Corrente dirigista 
• Lex Mercatória – esta legislação deve surgir, sobretudo, por via 
consuetudinária. A Lex Mercatória seria uma lei, constituída por usos e 
costumes do comércio internacional, pela jurisprudência dos tribunais 
arbitrais, por contratos tipo, etc. no entanto, o conteúdo desta é tão 
indefinido e existe à tua volta uma divergência doutrinária tão grande 
que a mesma perde o sentido. 
• Auto-regulação – seriam os próprios interessados a regular as relações 
jurídicas de que são parte, de forma directa através de contratos ou 
códigos de conduta. O Professor Dário Moura Vicente entende que esta 
não é a melhor solução, dado que, na maioria das vezes, o respeito pelo 
princípio da protecção da parte mais fraca exige intervenção estadual. 
o Método conflitual (conexão) – assenta no recurso a regras de conflitos de lei no 
espaço ou a regras de conexão. No fundo, aplica-se a lei que for designada 
através de uma regra de conflitos, na qual o elemento de conexão determinará 
a lei aplicável. Exemplo deste tipo de normas é o que encontramos nos arts 25º 
a 65º CC. Estas normas podem ser de fonte interna ou de fonte externa. Estas 
são regras que, através de determinado elemento, apontam para uma lei em 
concreto, sendo essa a lei a aplicar. Um dos problemas que surge com isto é o 
de que estas regras também podem variar entre Estados. Para tentar solucionar 
isso, estes celebram entre si várias convenções internacionais de Direito 
Internacional Privado. A determinação da lei aplicável é feita com base no 
elemento do qual se retire o sistema mais estreito com a situação privada 
internacional. Note-se que há normas de conflitos ditas localizadas, que 
operam na base do elemento que localiza os factos, mas há outras, ditas de 
conexão material, em que o elemento de conexão tem em vista certo resultado 
material que se procura assegurar. Este, diz o Professor Dário Moura Vicente, é 
o método mais adequado. Desde logo, é o que melhor tutela a confiança das 
partes. Mais que isso, é o que permite manter a diversidade cultural que 
caracteriza o Direito. 
 
4 – Fontes do Direito Internacional Privado 
Questão relevante é também a das fontes do Direito Internacional Privado. Até meados 
do século passado, o DIP decorria sobretudo de jurisprudência. Havia poucas normas 
atinentes a esta matéria, à volta das quais a jurisprudência e a doutrina faziam uma 
construção que servia de base à resolução dos problemas que surgiam na vida prática. 
Depois disso, surge a tendência para codificar este ramo do Direito, elaborando-se leis 
e códigos nos quais se definiam os princípios e as regras orientadoras do mesmo. Nos 
últimos anos, contudo, a tendência tem sido a contrária – o DIP é hoje muito regulado 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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por via de legislação extravagante. Paralelamente, pôde observar-se uma tendência de 
internacionalização das fontes do Direito Internacional Privado, essencialmente por 
via da Conferência de Haia e pela assinatura do Tratado de Amesterdão. 
Relativamente às principais fontes do DIP, estas podem desde logo dividir-se entre 
fontes internas e fontes comunitárias. Nas fontes internacionais destacam-se as 
convenções internacionais, que começaram a surgir no final do século XIX, associadas à 
Conferência de Haia, à Organização das Nações Unidas, à Comissão Internacional do 
Estado Civil, à Comunidade Europeia, etc. 
 
5 – Relação entre o DIP e o Direito Constitucional 
Na vida prática, exige-se a relação do Direito Internacional Privado com outros ramos 
do Direito, como seja o Direito Constitucional, o Direito Internacional Público ou o 
Direito Comercial. 
Focando a nossa atenção na relação entre o DIP e o Direito Constitucional, há diferentes 
planos em que este tema se pode discutir. Desde logo, há dúvidas que surgem 
relativamente à relação entre a Constituição e as regras de conflito de leis no espaço, 
e estas podem surgir em três níveis: 
o Saber se as regras de conflitos de leis no espaço se podem considerar 
subordinadas à Constituição; 
o Saber se as normas materiais da ordem jurídica estrangeira, para a qual 
remetem as nossas regras de conflitos, podem ver a sua aplicação recusada 
pelos tribunais nacionais por que contrária à CRP; 
o Saber em que medida os nossos tribunais podem recusar a aplicação de uma lei 
estrangeira, por contrariar as normas da Constituição do país de onde essas 
provêm. 
Quanto ao primeiro problema – saber se as regras de conflitos se podem considerar 
subordinadas à CRP – o Professor Dário Moura Vicente entende que sim. Veja-se o caso 
do art 52º CC que, antes, previa que na falta de residência habitual comum, se aplicava 
a lei da nacionalidade do marido. Esta regra de conflitos veio a ser declarada 
inconstitucional, por contrária ao art 36º, nº 3 CRP, que prevê a igualdade entre 
cônjuges. 
A segunda questão levantada é a de saber se pode ser a afastada a aplicação de uma 
regra estrangeira, resultante de uma regra de conflitos, por contrária à Constituição 
Portuguesa. Quanto a este ponto, surge uma importante divergência doutrinária: 
o Ferrer Correia – pode resolver-se a questão por via da reserva de ordem pública 
internacional (art 22º CC), pois que esta inclui também os preceitos 
constitucionais. Assim, se uma lei estrangeira conduzir a resultados ofensivos 
do princípio da ordem pública internacional, a mesma deve ser desaplicada. 
Esta solução não é perfeita, desde logo porque há requisitos para que se possa 
falar em reserva de ordem pública (exige-se uma manifesta incompatibilidade 
entre os resultados de aplicaçãoda regra estrangeira e os princípios em causa, 
bem como um nexo espacial relevante entre a nossa ordem jurídica e a situação 
a regular). 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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o Jorge Miranda – todas as normas estrangeiras estão sujeitas à fiscalização da 
sua constitucionalidade do ponto de vista da nossa Constituição, pois que os 
tribunais nacionais não podem nunca aplicar normas contrárias à CRP. Esta 
também não parece a melhor solução, pois que há casos em que uma norma 
estrangeira é contrária à nossa Constituição, mas em que não se justifica, 
atendendo às conexões espaciais do caso com a nossa ordem jurídica, que se aja 
sobre essa contrariedade. 
o Dário Moura Vicente – a nossa Constituição não pode obstar à aplicação de 
todas e quaisquer normas estrangeiras com ela contrárias, pois que nem 
sempre tal comportamento se justifica. Assim sendo, deve recorrer-se às 
normas de aplicação imediatas (normas internacionais imperativas), sendo 
estas normas cujo âmbito de aplicação excede o âmbito da ordem jurídica a que 
pertencem, com fundamento no facto de a sua aplicação ser necessária para 
realização dos seus fins e objectivos. 
Noutra linha, cumpre também avaliar da possibilidade de fiscalização da 
constitucionalidade de normas estrangeiras, à luz da respectiva Constituição. Entende-
se que o Tribunal a pode fazer numa de duas situações: 
• Quando a constitucionalidade foi declarada com força obrigatória geral na 
ordem jurídica estrangeira; 
• Quando há fiscalização difusa da constitucionalidade no sistema estrangeiro. 
Nos casos de fiscalização concentrada, esta não pode ser feita, pois que a mesma é 
entregue a um órgão especial. Quanto à declaração de inconstitucionalidade de uma 
norma de Direito estrangeiro, ainda assim, gera-se alguma discussão na Doutrina: o 
Professor Jorge Miranda entende que esta só pode ser declarada quando seja uma 
inconstitucionalidade grave, pois que se houver dúvidas prevalece uma presunção de 
constitucionalidade da norma internacional; os Professores Lima Pinheiro e Dário 
Moura Vicente adoptam a corrente dominante, segundo a qual, se maioritariamente 
os tribunais e a Doutrina do país estrangeiro desaplicam determinada norma com base 
na sua inconstitucionalidade, então também nós a devemos desaplicar. Há ainda uma 
outra posição, hoje em dia residual, segundo a qual os tribunais portugueses podem 
determinar a inconstitucionalidade de normas de direito estrangeiro. Esta é uma 
posição arriscada, desde logo na medida em que não conhecemos o suficiente desse 
Direito para avaliar a constitucionalidade do mesmo. 
 
II – AS REGRAS DE CONFLITOS 
1 – As regras de conflitos: previsão e estatuição; modalidades 
Concluímos já que, no que toca aos métodos do Direito Internacional Privado, que o 
mais adequado será o que submete essas questões a uma ou mais leis com as quais 
elas se encontrem conexas. Mais, essas leis terão que ser encontradas através de regras 
de conflito de leis internacionais. 
Desde logo, então, importa entender o que são estas normas de conflito, e por que são 
essas constituídas. A regra de conflitos é constituída, como as demais, por uma previsão 
e por uma estatuição. A previsão da regra de conflitos é a situação da vida que ela visa 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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regular, situação essa que terá de característico a circunstância de ser uma situação 
plurilocalizada. Já a estatuição da regra de conflitos, por seu turno, traduz-se naquilo a 
que chamamos de conexão, no sentido em que atribui competência a certa lei para 
regular determinada categoria de questões suscitadas pela situação privada 
internacional em apreço. A estatuição, note-se, difere do elemento de conexão, sendo 
esse aquele através do qual as regras de conflito nos apontam para a(s) lei(s) 
aplicáveis. 
Ainda que tudo isto pareça simples, geram-se problemas relevantes. Desde logo, 
cumpre saber: como podemos nós delimitar a previsão? Na maioria dos casos, essa 
delimitação é feita por via de conceitos técnico-jurídicos, que ou nos indicam uma certa 
categoria de situações (p.e. arts 41º e 46º CC) ou nos indicam uma certa categoria de 
questões jurídicas especiais (p.e. arts 36º e 49º CC). Estes últimos são casos em que a 
regra de conflitos é mais restrita, abrangendo apenas questões parciais. 
Já no que toca à estatuição da norma de conflitos, a mesma pode assumir várias 
modalidades: 
o Regras de conflitos unilaterais – são aquelas que apenas nos dizem quando se 
aplicam as normas materiais do direito do Estado do foro. Estas limitam-se a 
delimitar o âmbito de aplicação espacial das normas jurídicas desse 
ordenamento em específico. Exemplo deste tipo de regras de conflitos é o art 8º 
CT, que apenas nos diz quando aplicar a lei portuguesa (e não quando aplicar a 
lei estrangeira); 
o Regras de conflitos bilaterais – são aquelas em que tanto se remete para a lei 
do foro como para lei estrangeira, correspondendo à maioria das regras de 
conflitos vigentes no nosso ordenamento jurídico. Qualquer situação jurídica 
lhe é subsumível, pois que a norma nos indicará sempre qual a lei aplicável, seja 
essa a lei portuguesa ou a lei estrangeira. É exemplo deste tipo de regras o art 
25º CC, do que decorre que as matérias aí enunciadas são tratadas pela lei 
pessoal dos respectivos sujeitos. Ora, a lei pessoal, diz o art 31º CC, é a lei da 
nacionalidade, que poderá ser, lá está, a lei portuguesa ou a lei estrangeira. 
• Regras bilaterais imperfeitas – são regras que tanto remetem para a lei 
do foro como para uma lei estrangeira, mas que só se reportam a uma 
certa categoria de situações jurídicas, normalmente situações que têm 
de certa forma conexão com o direito do estado do foro. Por exemplo, o 
art 51º CC é regra especial perante o art 50º, estabelecendo-lhe alguns 
desvios. No art 51º, não é contemplada a possibilidade do casamento 
entre estrangeiros no estrangeiro, pelo que a regra em causa é uma regra 
bilateral imperfeita: a mesma só contempla as situações em que há uma 
certa ligação à nossa ordem jurídica. O Professor Dário Moura Vicente 
entende que podemos analisar esta questão do ponto de vista da 
integração de lacunas, dizendo que poderá ser aplicável analogicamente 
uma outra regra1, suprindo assim a imperfeição da regra bilateral. 
 
1 Por exemplo, e neste caso: um estrangeiro que case num país diferente do da sua nacionalidade, que 
não seja o nosso próprio país, poderá casar de acordo com a lei da nacionalidade se o fizer nas condições 
que aqui estão previstas. 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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Mais que isto, é também verdade que a conexão operada pela regra de conflitos 
pode, também ela, ser de diferentes tipos: 
o Conexão singular – a regra de conflitos remete apenas para uma lei 
• Conexão singular simples – designa uma única lei, que é aplicável em 
todas as circunstâncias em relação à situação jurídica aí consagrada. É 
exemplo o art 46º CC; 
• Conexão singular subsidiária – a conexão só intervém se não tiver já sido 
escolhida pelas partes a lei aplicável. É o caso do art 42º CC, que diz que 
é subsidiariamente aplicável, se as partes não tiverem já feito uso da sua 
autonomia. 
• Conexão singular alternativa – há várias leis potencialmente aplicáveis, 
mas só será aplicável uma delas: aquela que preencher certos requisitos. 
Por exemplo, aquela que for mais favorável a certa categoria de sujeitos, 
ou a que permita alcançar certo resultado. 
• Conexão singular optativa – há várias leis potencialmente aplicáveis, e 
só se aplica uma: aquela que a parte interessada invocar. 
• Conexão simples acessória – só temos uma lei aplicável ao caso, mas esta 
lei é a que é aplicável a uma outra categoria de questões, contempladas 
numa outra regra de conflitos. Por exemplo, o art 44º CC apela a uma 
regra de conflitosque contempla outra matéria, havendo aí a 
preocupação de evitar o fracionamento das questões privadas 
internacionais, harmonizando a aplicação do DIP. 
o Conexão plural ou cumulativa – a regra de conflitos remete para duas ou mais 
leis. 
• Conexão plural ou cumulativa simples – para que certo efeito jurídico se 
dê é necessário que ele seja reconhecido por dois ou mais ordenamentos 
jurídicos. É o exemplo do art 33º CC. 
• Conexão plural ou cumulativa condicionante ou limitativa – há uma lei 
que, em princípio, é aplicável, mas há outra lei que vem condicionar ou 
limitar os efeitos previstos na primeira. Por exemplo, em matéria de 
direitos de personalidade, o art 27º, nº 2 condiciona o art 27º, nº 1 CC. 
A conexão, enquanto chamamento da lei aplicável, não se confunde com o elemento 
de conexão – elemento da situação da vida em questão que a regra de conflitos indica 
como sendo o elemento decisivo para se achar a lei aplicável. Esses elementos de 
conexão, por sua vez, podem ser atinentes aos sujeitos da relação ou situação jurídica 
(p.e. art 31º, nº 1 CC), ao objecto da relação jurídica (p.e. art 46º CC) ou ainda ao lugar 
da prática de um acto jurídico (p.e. art 45º CC). 
 
2 – Interpretação e integração de lacunas nas regras de conflitos 
Outra questão pertinente é a de saber como interpretar as regras de conflitos, ou como 
integrar possíveis lacunas que as mesmas apresentem. Se estas forem regras de 
conflito de fonte interno, facilmente se compreende que os critérios a adoptar sejam 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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os dos arts 9º e 10º CC – na realidade, estamos perante regras pertencentes à nossa 
ordem jurídica. 
Um elemento muito relevante das normas de conflitos é o dos conceitos-quadro: 
conceitos através dos quais a regra de conflitos delimita o seu objecto, sendo conceitos 
que visam abarcar uma pluralidade de realidades jurídicas muito diferentes, desde 
logo para permitir que as mesmas integrem conceitos que por vezes não são sequer 
reconhecidos pela nossa ordem jurídica. Desta feita, quando interpretamos um 
conceito-quadro de uma regra de conflitos, não temos necessariamente que atribuir a 
esse conceito-quadro o mesmo significado que esse conceito tem no direito material 
português. Por via de um princípio de autonomia do direito internacional privado, os 
conceitos por este usados são autónomos em relação ao direito interno – não se exige 
que a sua interpretação seja feita à luz do direito interno. 
Já no que toca às regras de conflitos de fonte internacional, a questão é distinta. Estas 
não pertencem à lei de nenhum Estado, sendo antes fruto de acordos entre Estados, 
pelo que a interpretação não pode ser feita à luz de cada Direito nacional, sob pena de 
colocar em causa essa unificação. Aqui, há que tender aos critérios hermenêuticos 
próprios de direito comunitário, nomeadamente ao princípio do efeito útil. 
Para além da interpretação, há também que atender à possível necessidade de 
integração de lacunas nas regras de conflitos. Primeiro que tudo, é necessário concluir 
que não há qualquer regra de conflitos que contempla uma certa categoria de 
situações jurídicas que temos em causa. Desta forma, o tribunal terá que procurar, 
entre as regras de conflitos que existem entre nós, se essa situação é ou não subsumível 
a uma delas. Por exemplo, o ordenamento português não tem qualquer regra de 
conflitos que se refira aos simples actos jurídicos (apenas aos negócios jurídicos). Com 
base nisto, pode ser possível integrar essa lacuna por via analógica. Não o sendo, 
manda o art 10º, nº 3 CC que olhemos aos valores de Direito Internacional Privado, por 
forma a termos noção do “espírito do sistema”. 
Cumpre aludir ainda ao problema da aplicação no tempo e no espaço das regras de 
conflitos. Havendo, como muito acontece, uma sucessão no tempo de regras de 
conflitos, cabe saber como resolver o problema. Primeiramente, procurar-se-á uma 
regra de conflitos que resolva essa sucessão no tempo. No entanto, estas são muitas 
vezes inexistentes, pelo que tem de ser arranjada outra solução – recorrer aos critérios 
gerais dos arts 12º e 13º CC. A regra geral, como sabemos, é a do princípio da não 
retroactividade da lei nova. Não obstante, este sofre uma importante limitação no 
âmbito do Direito Internacional Privado – a ratio do preceito prende-se com a tutela 
da confiança, mas pode acontecer que a situação em causa não tivesse, quando se 
constituiu, qualquer ligação com o território português. Nesse caso, não haveria 
qualquer expectativa digna de tutela jurídica no tocante à aplicação daquela regra de 
conflitos, pelo que é possível aplicar imediatamente a nova regra. 
Já relativamente à aplicação no espaço da regra de conflitos, há que partir da ideia de 
que o direito de conflitos é de aplicação territorial. Disso resulta que, em princípio, os 
nossos tribunais apenas terão que aplicar direito dos conflitos vigente em Portugal. No 
entanto, há casos em que as nossas regras de conflitos cedem perante regras de 
conflitos estrangeiras, essencialmente em caso de: 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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o Reenvio ou devolução 
o Casos dos arts 28º, nº 3; 31º, nº 2 e 47º CC, em que o tribunal não tem de aplicar 
regras de conflitos estrangeiras, mas terá que as tomar em consideração. 
 
3 – Problemas especiais de interpretação e aplicação do direito dos 
conflitos 
Os conceitos jurídicos utilizados nas regras de conflitos podem suscitar algumas 
dúvidas ou alguns problemas, no âmbito da determinação da lei aplicável. Esses 
problemas poderão ser, essencialmente, três: 
o Saber como interpretar os conceitos em apreço, ou seja, qual o sentido e 
alcance que lhes devemos atribuir. Por exemplo, pegando no art 31º CC, 
pergunta-se: o que devemos entender por nacionalidade? 
o Concretização ou determinação do conteúdo concreto da regra de conflitos 
o O que acontece quando o mesmo elemento de conexão tem, em si mesmo, uma 
pluralidade de conteúdos concretos ou, por contrário, não tem conteúdo 
nenhum? É, por exemplo, o que acontece quando queremos aplicar o art 31º, 
nº 1 CC e estamos perante alguém com dupla nacionalidade. 
Quanto à questão de saber como interpretar o conceito pelo qual a norma de conflitos 
determina a lei aplicável, deverá recorrer-se à lex fori – à lei do país a que pertence a 
norma de conflitos a ser aplicada. Por exemplo, e voltando ao exemplo do art 31º, para 
sabermos o que se deve entender por nacionalidade para efeito desse preceito, cumpre 
saber o que é que é, para Portugal, a nacionalidade. 
O segundo problema é o de concretizar ou determinar o elemento de conexão. Aqui, 
por contrário, deveremos remeter a questão para a lex causae – uma determinada 
norma de conflitos remete-nos, através do seu elemento de conexão, para uma 
determinada lei; é perante essa lei designada pela regra de conflitos que vamos 
perceber se, efectivamente, aquele elemento de conexão se concretiza. Essa 
concretização é feita por via de tentativas: vamos interrogando as várias leis 
potencialmente designadas pela regra de conflitos para sabermos em qual ou quais 
dessas leis se concretizará o elemento de conexão. 
Por fim, e relativamente à questão de saber o que fazer quando o mesmo elemento de 
conexão se reporta a uma pluralidade de conteúdos ou a conteúdo nenhum, há uma 
solução para cada um desses casos. Na primeira situação, exige-se determinar um 
critério que permita definir a primazia de uma dessas concretizações do elemento de 
conexão. Já no caso oposto, em que não há qualquer conteúdo, temos que procurar 
uma conexão subsidiária – desistimos desse elemento de conexão e procuramos um 
outro. 
 
EXEMPLO DO ELEMENTO DE CONEXÃO NACIONALIDADE 
O art 31º, nº 1 CC é o primeiro elemento de conexão que permite achar a lei pessoal das pessoas 
singulares (art 25º). 
O primeiro problema é o de saber como interpretaro elemento de conexão da regra de conflitos, 
sabendo já que devemos recorrer à lei do foro. Assim sendo, perguntamos à lei portuguesa o que 
entende por nacionalidade (“vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado soberano”). Há 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
11 
 
também que ter em conta a existência de nacionalidades supra-estaduais e infra-estaduais, mas esses 
não são relevantes para o âmbito do art 31º, nº 1 CC. 
Sendo assim, como podemos concretizar esse elemento de conexão? Podemos dirigir-nos à potencial 
lex causae – é a lei do estado cuja nacionalidade está em causa que pode dizer se um indivíduo é ou não 
seu nacional. Mais, foi já fixado pelo Tribunal Internacional de Justiça que a atribuição da nacionalidade 
de um determinado país, deve corresponder a um vínculo real entre o indivíduo e esse mesmo país . 
Esses critérios estão presentes na Lei da Nacionalidade. 
Por fim, quanto ao terceiro problema, o mesmo é resolvido pelo art 27º da mesma lei – em casos de 
dupla nacionalidade, e para efeitos da lei Portuguesa, prevalece essa nacionalidade. 
 
III – A QUALIFICAÇÃO 
1 – Enquadramento e método 
A qualificação tem sempre de ser realizada, antes sequer e aplicarmos qualquer norma 
jurídica a um caso concreto. No fundo, podemos dizer que este é o processo que trata 
da integração de um caso singular na previsão de uma norma jurídica, ou na subsunção 
desse caso ao conceito que delimita o objecto dessa norma. 
No âmbito do Direito Internacional Privado, esse fenómeno apresenta 
particularidades, desde logo decorrentes da estrutura da regra de conflitos. Primeiro 
que tudo, é necessário entendermos se estamos perante uma referência aberta – em 
que são abrangidas todas as normas jurídicas pertencentes a essa lei que, de acordo 
com essa, são aplicáveis ao caso concreto – ou se estamos antes perante uma referência 
selectiva, situação na qual só estão compreendidas as normas que correspondem à 
categoria definida por aquele conceito-quadro da regra de conflitos2. Outra questão é 
a de saber quais os critérios que presidem à subsunção das normas materiais da lei 
designada pela regra de conflitos. 
Quanto à primeira questão, a resposta é, no caso do Direito português, dada pelo art 
15º CC. Deste resulta que a competência atribuída a uma lei abrande apenas as normas 
que pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei integram o regime do instituto 
visado na regra de conflitos. No fundo, e esquematizando o sentido do art 15º, temos 
que: a norma de conflitos, através do seu elemento de conexão, remete-nos para a lex 
causae (a lei que regula a causa). Nessa lei, encontramos uma norma material, tendo 
de se perguntar: essa norma material é, ou não, reconduzível ao conceito-quadro da 
nossa regra de conflitos? Se sim, então a norma é aplicável; se não, então há que 
 
2 Isto comporta importantes consequências. Veja-se o caso do sujeito inglês que morre em Portugal, sem 
deixar testamento e herdeiros, mas com bens sitos no nosso País: no nosso CC existe o art 62º, do qual 
podemos retirar que se aplicaria, em primeira análise, a legislação inglesa. Segundo essa, por sua vez, os 
bens iriam para a Coroa Britânica, numa lógica de necessidade de ocupar os bens sem dono – uma lógica, 
portanto, de direitos reais (e não sucessórios, pois que a Coroa Britânica não é herdeira deste sujeito). No 
entanto, se a matéria em causa é de Direitos Reais (e não de Sucessões), então há uma outra norma de 
conflitos portuguesa aplicável – o art 46º, que manda agora aplicar a lei portuguesa, por ser a lei do lugar 
de localização dos bens em causa. No fundo: partimos do art 62º CC, que nos remete para a lei inglesa, 
simplesmente, a norma inglesa relevante não é uma norma de Sucessões, mas antes uma norma de Reais. 
Deve a competência que é concedida à lei inglesa, por via do art 62º, ser alargada a matérias que não se 
inserem no seu âmbito? Não parece – o art 62º é, portanto, uma referência selectiva, na medida em que 
abrange somente aquelas disposições da lei inglesa que, pelo seu conteúdo e pela função que 
desempenham no ordenamento jurídico onde pertencem, se subsumem àquele conceito-quadro. 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
12 
 
recomeçar o processo e procurar através de outra regra de conflitos qual a norma 
material aplicável ao caso. 
Tendo em conta, então, o conteúdo do art 15º, não podemos dar por garantido, quando 
ainda só analisámos o elemento de conexão da norma de conflitos, que a norma 
material para a qual essa remete será, de facto, aplicável. Com base nisso, cumpre aferir 
como podemos nós resolver esse problema. A solução opera em três momentos: 
1. Interpretação do conceito-quadro da regra de conflitos – trata-se de saber se 
os conceitos que são integrados na nossa legislação têm, no âmbito das normas 
de conflitos, o mesmo significado. Por exemplo, é saber se o conceito de 
casamento, presente no art 49º CC (norma de conflitos) tem o mesmo âmbito 
que o conceito de casamento que é por nós adoptado na demais legislação 
nacional. Isto porque, p.e., os sistemas jurídicos islâmicos consagram também o 
casamento poligâmico e há sistemas jurídicos que consagram o casamento 
homossexual e as uniões de facto. Como as normas de conflitos fazem a ponte 
entre ordenamentos jurídicos distintos, estas são questões de grande 
relevância. Relativamente às normas de conflitos internas, o legislador 
responsável pela criação dessas é o mesmo que criou o nosso direito material. 
Desta feita, poderia parecer lógico que o significado atribuído ao conceito 
quadro fosse, precisamente, o mesmo que é atribuído a esse conceito no âmbito 
do direito material. No entanto, cumpre não esquecer que o Direito 
Internacional Privado coordena a aplicação de vários ordenamentos jurídicos, 
o que leva à potencial aplicação de normas de direito estrangeiro e torna 
inviável, então, essa lógica inicial. Assim sendo, há que admitir que os conceitos-
quadro sejam interpretados com uma certa autonomia face ao direito material. 
2. Caracterização do objecto a qualificar – aqui, procura-se atender à finalidade 
que a norma de direito material visa acautelar; qual a sua ratio? O próprio art 
15º CC dá-nos critérios para ultrapassar este momento do processo de 
qualificação. 
3. Qualificação em sentido estrito – momento no qual decidimos, em concreto, se 
a norma é ou não abrangida pelo conceito-quadro da regra de conflitos. Aqui, já 
interpretámos o conceito-quadro, já caracterizámos o objecto a qualificar, e 
cabe tomar a decisão sobre a susceptibilidade ou não da subsunção daquela 
norma ou situação jurídica do conceito-quadro de que partimos. 
 
V – REENVIO E DEVOLUÇÃO 
1 – O problema da devolução 
A ideia base desta questão prende-se com o seguinte: através das normas de conflito 
presentes no sistema jurídico português, o mesmo remete-nos, por vezes, para 
legislação estrangeira. No entanto, essa legislação tem também normas de conflitos 
no âmbito do seu Direito Internacional Privado, que podem ser com as nossas 
incompatíveis, se adoptarem elementos de conexão distintos dos por nós adoptados. 
Desta feita, a primeira questão a colocar é a seguinte: quando a norma de conflitos 
remete para uma lei estrangeira, estará a mesma a remeter apenas para o âmbito de 
Direito material da mesma ou, antes, para todo o seu sistema jurídico (incluindo, 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
13 
 
portanto, normas de Direito Internacional Privado desse Estado)? A resposta a esta 
pergunta passa, essencialmente, pela distinção entre dois tipos de sistemas: 
o Sistema de referência material – a remissão feita para lei estrangeira apenas 
abrange o Direito material, pelo que, na análise desse sistema jurídico, iremos 
ignorar as regras de Direito Internacional Privado que o mesmo contém. Tem, 
como vantagem essencial, a devalorizar a conexão com o legislador, evitando 
cadeias sucessivas de remissões cujo resultado seria o dificultar da determinação 
da lei competente. No entanto, a mesma não promove a harmonia jurídica 
internacional. 
o Sistema de referência global – quando há remissão para lei estrangeira, essa 
remissão abrange todo esse sistema jurídico, o que inclui as normas de Direito 
Internacional Privado. Traz a vantagem da harmonia, mas tem também algumas 
desvantagens (pode haver transmissão ad infinitum ou ping-pong perpétuo). 
Dentro do sistema de referência global, por sua vez, podemos encontrar duas 
modalidades: 
• Devolução simples – a remissão da norma de conflitos do foro abrange 
as normas de conflitos da ordem estrangeira, mas entende-se 
necessariamente a remissão operada pela norma de conflitos estrangeira 
como uma referência material. O resultado será a aplicação do direito 
material da lei designada pelas normas de conflito da lei para a qual se 
remeteu, mesmo que esse não seja o direito efectivamente aplicável 
segundo as normas de conflitos desse sistema. VEJA-SE: tem-se em conta 
as normas de conflitos da L2, fazendo-se havendo por isso referência 
global. No entanto, se a L2 remete para a L3, vai fazê-lo por via de 
referência material, pelo que não se passa da L3. Há um primeiro 
momento, em que a devolução é global, mas num segundo momento a 
referência é meramente material, valendo apenas o Direito material, 
mesmo que a norma de conflitos da L3 remeta para L4. A teoria da 
devolução simples também pode operar num caso de reenvio: L1 remete 
para L2 (referência global – devolução simples) e L2 reenvia para L1. O 
que é que se aplica? L1, pois que aquando do reenvio, a referência é 
material e não global. A devolução é simples: há referência global de L1 
para L2 e referência material de L2 para L1. Evita-se, por esta via, um ciclo 
vicioso. 
• Dupla devolução – o sistema de referência global atende não apenas às 
normas de conflitos da lei designada, mas também ao seu sistema de 
devolução. Na prática, o país que a adopta acaba por se colocar 
integralmente na posição da lei designada, dependendo do direito de 
conflitos desta lei para solucionar o caso. Há, portanto, uma total 
harmonia de decisões entre o sistema do foro e o da lei designada, ainda 
que se possam gerar situações de círculo vicioso se tal sistema for 
adoptado por grande número de ordens jurídicas. A tese da dupla 
devolução está geralmente associada a sistemas jurídicos de Common 
Law 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
14 
 
VEJA-SE: L1 remete para L2. A L2 é a lei inglesa, que aceita a tese da dupla 
devolução. Assim sendo, o que acontece é que a L2, que remete para a 
L3, vai tentar perceber como é que a L3 resolveria o caso, imitando-a. A 
L2 manda ver a L3, que resolve remetendo para a L2. A L2, então, vai 
aplicar a sua própria lei – vai fazer o que a L3 faria, colocando-se na sua 
posição. Outra situação possível é a seguinte: L1 remete para L2, que 
adopta sistema de dupla devolução. L2 remete para L3, que remete para 
L1. Ora, se L1 manda aplicar L2, que, como aceita dupla devolução, se vai 
colocar na posição de L3 para julgar o caso, então que lei aplicamos? A 
L2, por remissão da L1. 
A devolução simples é sempre possível, mas nem sempre conduz à harmonia de 
julgados; a dupla devolução conduz sempre a essa harmonia, mas nem sempre é 
possível. 
A devolução pode assumir duas formas: 
REENVIO DE COMPETÊNCIA TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA 
 
 
 
(caso de reenvio indirecto) 
 
 
(também chamado reenvio de segundo grau) 
 
2 – O sistema português 
Em Portugal, esta matéria é desde logo tratada no art 16º CC – “A referência das normas 
de conflitos a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em 
contrário, a aplicação do direito interno dessa lei”. Perante este artigo, os Professores 
Lima Pinheiro e Dário Moura Vicente entendem que a referência material é a regra 
geral no nosso ordenamento. Contudo, a posição do Professor Baptista Machado vai 
no sentido contrário: o Professor entende que a norma inscrita no art 16º é uma norma 
programática, de maneira que a suposta referência material que é adoptada no nosso 
sistema é, na realidade, algo de muito ténue. Seja como for, e uma vez que ainda que a 
referência material seja a regra geral, não é o sistema adoptado em todas as 
circunstâncias, pode concluir-se que o sistema português acaba por ser um sistema 
híbrido. Diz o Professor Câmara Machado que o sistema português é um sistema 
inteligente, que promove a harmonia jurídica internacional. 
 
Artigo 17º CC – transmissão de competência 
O art 17º, nº 1 determina que se, porém, o direito internacional privado da lei referida 
pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar 
competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser 
aplicado. Aqui, “remeter” deve ser entendido como “aplicar”, pois que o que é 
relevante é que L2 aplique uma terceira lei. 
Há, então, dois pressupostos para a transmissão de competência: 
L1 L2 L1
L1 L2 L3 L1
L1 L2 L3 L4
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
15 
 
o Que o Direito estrangeiro designado pela norma de conflitos portuguesa 
aplique outra ordem jurídica estrangeira; 
o Que esta ordem jurídica estrangeira aceite a competência 
EXEMPLO: de um caso que se submete à aplicação do art 17º, nº 1 aquele em que um cidadão britânico, 
com última residência em Londres, morre deixando imóveis sitos nos Estados Unidos. A norma de 
conflitos portuguesa a aplicar remete o caso para a lei inglesa, a título da lei da última nacionalidade do 
de cujus. Já o Direito inglês remete para o americano, enquanto lex rei sitae. O Direito americano, esse, 
considera-se competente. Desta feita: L2 aplica L3 e L3 aplica L3. 
Note-se que a transmissão de competência também é de admitir quando há 
transmissão em cadeira. Por exemplo, L2 aplica L4 e L4 aplica L4. E isto vale mesmo que 
L3 não aplique L4. É por essa razão que Marques dos Santos define o art 17º, nº 1 como 
um conjunto de casos em que L2 aplica Ln e Ln se considera competente. 
O art 17º, º 2, por sua vez, define que o disposto no art 17º, nº 1 cessa se a lei referida 
pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir 
habitualmente em território português ou em país cujas normas de conflitos considerem 
competente o Direito interno do Estado da sua nacionalidade. Este preceito enfrenta, 
desde logo, dificuldades interpretativas. Cumpre desde logo estabelecer que, neste 
âmbito, é interessado aquele que desencadeou o funcionamento do elemento de 
conexão que designou L2 – na sucessão, o interessado é o de cujus, e não os respectivos 
herdeiros. Mais, a concretização no tempo do elemento de conexão deve ser feita à 
luz do momento da ocorrência do facto – por exemplo, a residência habitual ao tempo 
da celebração do casamento, e não a actual. Se assim não fosse, era de aceitar a ideia 
de que uma simples mudança de residência era suficiente para alterar o regime de bens. 
Já o art 17º, nº 3 CC vem repor a transmissão de competência, exigindo a verificação 
de quatro pressupostos: 
o Que se trate de uma das matérias nele indicadas 
o Que a lei da nacionalidade aplique a lex rei sitae 
o Que essa se considere competente 
o Que se verifique um dos casos de cessação da transmissão presentes no nº 2 
 
Artigo 18º CC – reenvio para a lei portuguesa 
O art 18º admite, em certas circunstâncias, que haja retorno da competência. Esse 
retorno depende, tão só, de que L2 considere o Direito material português 
competente. Desta feita, se L2 remete para o Direito português, mas não aplica a lei 
portuguesa, não há uma situação de aceitação do retorno. EXEMPLO: sucessão mobiliária de 
um francês, ainda não regida pelo Regulamento de Sucessões, com último domicílio em Portugal. A leiportuguesa remete para o Direito francês, que remete para o Direito português por ser a lei do último 
domicílio. No entanto, já que o sistema francês é o de devolução simples, este aceita o retorno feito pela 
lei portuguesa. L1 aplica L2; L2 aplica L2 porque tem sistema de devolução simples e remete para L1, que 
aplica L2. Na prática, assim, pode dizer-se que nunca aceitamos o retorno directo 
operado por um sistema de devolução simples. 
Não obstante, o retorno pode ser indirecto, caso em que L2 não remete logo para o 
Direito português, mas condiciona a resposta ao sistema de devolução português. Por 
exemplo, situações em que há retorno directo operado por um sistema de devolução 
global. Nesse caso, o retorno não é necessário para que haja harmonia. 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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O retorno é limitado em matéria de estatuto pessoal – art 18º, nº 2 CC. Nesses casos, 
só há retorno numa de duas situações: 
o O interessado tem residência habitual em Portugal 
o O interessado tem residência habitual num Estado que aplica o Direito material 
português. 
 
Artigo 19º CC – casos em que não é admitido o reenvio 
O art 19º CC estabelece um conjunto de circunstâncias nas quais é bloqueado o efeito 
da aplicação dos arts 17º e 18º. Essa paralisação dos efeitos funda-se num princípio de 
favor negotii. O seu alcance é extenso: sempre que haja devolução por força desses dois 
artigos, esta é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou à eficácia do negócio. 
Ferrer Correia e Baptista Machado defendem uma interpretação restritiva do preceito, 
limitando o seu alcance com base na tutela da confiança. Para estes, assim, o bloqueio 
do art 19º, nº 1 só seria permitido perante situações já constituídas, e desde que a 
situação em causa estivesse em contacto com a ordem jurídica portuguesa já ao tempo 
dessa constituição. O Professor Lima Pinheiro discorda dessa posição, defendendo que 
se siga o sentido possível do texto legal – tudo indica que o legislador quis 
simplesmente dar primazia ao princípio do favor negotii relativamente à harmonia 
internacional. 
 
Tudo isto considerado, e conforme avança Lima Pinheiro, podemos caracterizar o 
sistema português da seguinte maneira: 
o A regra geral é a da referência material. O mesmo decorre não apenas dos 
pressupostos exigidos nos arts 17º e 18º CC, mas também dos limites previstos 
no art 19º, nº 2. 
o Os arts 17º e 18º contêm regras especiais, que admitem a devolução, 
configurando um sistema sui generis (não corresponde nem à devolução simples 
nem à dupla devolução). 
 
3 – A remissão para os ordenamentos jurídicos complexos 
Cumpre analisar a hipótese de a regra de conflitos aplicável remeter a solução do caso 
para um ordenamento jurídico complexo. É o que acontece, por exemplo, em relação 
aos Estados Unidos da América – este é um sistema onde vigora, em simultâneo, 
normas para parcelas do território nacional (os vários Estados) e normas que se 
aplicam à totalidade do território. 
Nesses casos, coloca-se a questão: quando L1 remete para L2 e em L2 encontramos um 
sistema complexo, a remissão é dirigida directamente a um desses ordenamentos 
locais ou, antes, para a ordem jurídica como um todo? A representação é feita da 
seguinte maneira: 
 
L1 
 
 
 
A B 
C D 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
17 
 
No nosso Código Civil, esta questão é tratada no art 20º. Este vem resolver alguns dos 
problemas relacionados com a referência das normas de conflitos a ordenamentos 
plurilegislativos, mas não resolve todas as situações. 
o Art 20º, nº 1 – referência a um ordenamento plurilegislativo de base territorial 
em razão da nacionalidade do indivíduo. Deste preceito resulta que a 
determinação da ordem jurídica competente deve ser feita com recurso aos 
critérios estabelecidos no Estado da nacionalidade. No fundo, procura saber-se 
se existe direito interlocal unificado, ao nível do Estado soberano. P.e. no caso 
dos Estados Unidos, procura saber-se se existe, a nível federal, um conjunto de 
normas destinadas à resolução dos conflitos no espaço entre as várias ordens 
jurídicas locais. 
o Art 20º, nº 2 – na falta desse direito interlocal unificado (“direito interlocal”), 
deve recorrer-se ao direito internacional privado unificado. Já na falta desse, 
cumpre analisar a lei da residência habitual do interessado. A parte final deste 
artigo tem trazido alguma divergência doutrinária, sendo duas as 
interpretações possíveis: 
• Deve entender-se que este artigo não sofre restrições, pelo que é 
aplicável a todas as situações em que não foi possível determinar a 
ordem jurídica local competente através do direito interlocal unificado 
ou do direito internacional privado unificado. Este é o entendimento 
mais literal. A favor desta perspectiva pode dizer-se que o objectivo do 
legislador é o de substituir a referência à lei da nacionalidade em favor 
da residência habitual, conexão subsidiária em matéria de lei pessoal 
(art 32º CC). Assim, e a título de exemplo, a capacidade para casar de um 
cidadão americano residente em Lisboa seria avaliada à luz da legislação 
portuguesa. Este é, grosso modo, o entendimento adoptado pela Escola 
de Coimbra; 
• Deve entender-se que apenas se aplica este art 20º, nº 2 parte final 
quando a residência habitual possa funcionar como critério de selecção 
de uma ordem jurídica local, ou seja, quando o interessado reside no 
ordenamento jurídico complexo de que é nacional. A favor desta 
interpretação pode dizer-se que o art 20º pretende determinar a ordem 
jurídica local competente, e que com base nisso a parte final do art 20º, 
nº 2 é só mais um desses critérios. Aplicar a lei da residência habitual 
quando a mesma se situa fora do ordenamento jurídico da nacionalidade 
originária seria uma discriminação pura entre os nacionais de 
ordenamentos plurilegislativos sem direito interlocal ou DIP unificados 
e os nacionais de outros Estados. No fundo, o cidadão em causa estaria 
a ser tratado como um apátrida (por utilização do elemento de conexão 
adoptado no art 32º CC, que é a solução subsidiária), quando tem uma 
nacionalidade, o que se mostra contrário ao espírito do nosso sistema. 
Este é, por sua vez, o entendimento dominante no âmbito da Escola de 
Lisboa. 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
18 
 
Com base em tudo isto, o Professor Dário Moura Vicente tem entendido que o art 20º, 
nº 2 tem de ser objecto de uma redução teleológica, no sentido de se restringir a 
remissão feita para a lei da residência habitual aos casos em que o interessado tem a 
sua residência habitual dentro do ordenamento complexo. Não sendo aplicável o art 
20º, nº2, surge uma lacuna. Não podendo recorrer à analogia, cumpre seguir o disposto 
no art 10º, nº 3 e preencher a lacuna de acordo com a norma que o próprio intérprete 
criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. Para tal, pode e deve 
seguir-se o critério da conexão mais estreita, submetendo o estatuto pessoal das 
pessoas singulares à lei que estiver mais próxima da situação privada internacional em 
causa. 
Se não for possível determinar a ordem jurídica com a qual se mantém uma conexão 
mais estreita, então apenas resta a aplicação do art 20º, nº 3, que nos remete para o 
tal critério subsidiário da residência habitual. 
 
VI – FRAUDE À LEI 
1 – Noção e implicações 
A fraude à lei, desde logo, não representa uma figura típica de Direito Internacional 
Privado – esta é passível de encontrar em vários ramos do Direito. A mesma traduz-se, 
na prática, numa violação indirecta da lei. São situações em que uma pessoa, através 
de qualquer maneira, se subtrai à aplicação de uma norma, evitando assim a sua 
violação directa. No âmbito do Direito Internacional Privado, a fraude à lei verifica-se 
sempre que os interessados, para evitarem a sujeição a certa lei designada pela regra 
de conflitos,procuram manipular essa regra de forma a que o elemento de conexão 
os leve para a aplicação de uma lei diferente daquela que eles não querem que seja 
aplicada. 
São dois os pressupostos da figura de fraude à lei: intenção fraudatória – intenção de 
se subtrair à aplicação das normas de certa lei; actividade fraudulenta – efectiva 
manipulação do elemento de conexão. 
Cumpre saber, então, qual a sanção aplicável, no âmbito do DIP, para os casos de fraude 
à lei. Desde logo, a necessidade de sancionar estes comportamentos decorre, tão só, 
do facto de os mesmos serem contrários à boa-fé, e daí contrários a um princípio geral 
do nosso Direito e do Direito Internacional Privado. Tendo isto em vista, a verdade é 
que a melhor solução parece ser, simplesmente, a de não atender aos efeitos que as 
partes obtiveram, aplicando apenas a lei cuja aplicação as partes pretenderam evitar. 
Já no plano do nosso Direito interno, vigora a este respeito o art 21º CC: na aplicação 
das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com 
o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria 
competente. Não se trata de, por exemplo, a mudança de nacionalidade ser nula. 
Trata-se, na verdade, de desatender à concretização irregular do elemento de conexão, 
atendendo antes à que seria a sua concretização normal. 
Note-se que, aqui, não é feita qualquer distinção entre a lex fori e as leis estrangeiras, 
uma vez que, como visto, este é um princípio geral do Direito Internacional Privado. 
Desta feita, não há nenhuma razão para que não se atenda também à fraude à lei 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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estrangeira, salvo numa situação – aquela em que a própria lei estrangeira não 
estabelece qualquer sanção para essa fraude. 
Nos últimos anos, esta figura sofreu importantes limitações, resultantes da integração 
europeia. 
 
VII – CLÁUSULAS DE EXCEPÇÃO 
As cláusulas de excepção representam normas através das quais se permite corrigir o 
funcionamento das regras de conflitos de leis no espaço. As mesmas são, no fundo, um 
limite à aplicação da lei normalmente competente: essas regras prevêem que, a 
determinada situação internacional, à qual seria aplicável uma certa lei de acordo com 
uma determinada regra de conflitos, pode ou deve afinal ser aplicada uma outra lei, 
com a qual a situação apresenta uma conexão mais estreita. 
As cláusulas de excepção apresentam diferentes âmbitos: 
o Âmbito geral – a regra aplica-se a todo o sector. É exemplo o art 15º da lei 
suíça de DIP3 
o Âmbito sectorial – a regra apenas se aplica a uma matéria específica. É 
exemplo o art 8º, nº 4 Reg Roma I4. 
Quando estão em causa cláusulas de excepção, o que temos são situações nas quais 
temos uma regra de conflitos normal, mas que é seguida por uma cláusula que afasta 
a sua aplicação. Note-se que isso é diferente de termos uma cláusula geral, que 
estabelece um conjunto de concretizações do que seja a conexão mais estreita, e que 
depois estabelece a possibilidade de afastar essas mesmas concretizações. 
O objectivo destas regras prende-se com o flexibilizar do funcionamento das regras de 
conflitos de leis no espaço. Através destas, torna-se possível que, em determinados 
casos, a aplicação da lei designada pela lei de conflitos seja afastada por um juízo de 
proximidade. 
Há duas situações nas quais estas cláusulas não devem poder operar: 
o Quando as partes tenham escolhido a lei aplicável – prevalece a autonomia 
privada; 
o Quando a lei aplicável é definida pela lei de conflitos, não em homenagem à tal 
ideia de proximidade especial, mas sim tendo em vista certos objectivos de 
justiça material – estão em causa, p.e., regras atinentes à protecção da parte 
mais fraca na relação jurídica. 
Outra questão levantada por esta temática é a de saber se podem os Tribunais afastar 
a lei em princípio competente, em benefício de outra que estes entendam ter uma 
conexão mais estreita, mesmo quando não haja qualquer cláusula de excepção em 
causa. Poderá um tribunal português agir desta forma? O Professor Dário Moura 
Vicente afirma que em causa estão sempre princípios gerais de Direito Internacional 
Privado. Desta feita, sempre que a aplicação da regra de conflitos contradiga esses 
 
3 “O direito designado pela presente lei, excepcionalmente, não será aplicável se, perante o conjunto das 
circunstâncias, for manifesto que a causa não tem se não uma ligação muito ténue com esse direito e que 
se encontra numa relação muito mais estreita com outro direito” 
4 “Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um 
país diferente do indicado nos nº 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país” 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
20 
 
princípios, então a mesma deve ser afastada. É o que resulta, também, do art 8º, nº 2 
CC. No entanto, não é exactamente isso que está em causa: aqui não se trata de afastar 
o preceito legal, mas de saber apenas se é permitido ao tribunal corrigir o resultado 
dessa regra de conflitos no caso concreto, justamente para respeitar os princípios 
gerais. Perante isso, o Professor entende que, dentro de certos limites, se deve 
considerar possível esse afastamento da lei designada pela regra de conflitos, em 
benefício de uma outra que tenha com o caso uma conexão mais estreita. No fundo, diz-
nos o Professor Dário Moura Vicente que não é necessário que uma norma expressa 
consagre uma cláusula de excepção para que se possa proceder desta forma – os 
próprios valores fundamentais a que estão subordinadas as regras de conflitos 
reclamam por vezes que isso se faça. 
 
VIII – NORMAS INTERNACIONAIS IMPERATIVAS 
1 – Noção e terminologia 
Desde logo, e em termos meramente linguísticos, cumpre destacar a ideia de que não 
há, entre a Doutrina, um acordo quanto à designação ideal para estas normas. O 
Professor Lima Pinheiro refere-se a normas autolimitadas e normas de aplicação 
necessária. Já o Professor Marques dos Santos fala em normas de aplicação imediata 
(expressão preferida pelo Professor Miguel da Câmara Machado), ao passo que o 
Professor Ferrer Correia trata estas normas como normas de aplicação imediata e 
necessária. O Professor Dário Moura Vicente, por sua vez, adopta a nomenclatura 
acima adoptada – normas internacionais imperativas. 
Na base destas normas está, no fundo, o intervencionismo do Estado na regulação das 
situações privadas internacionais, a juntar a uma preocupação com a protecção da 
parte mais fraca – regra geral, esse intervencionismo é precisamente conseguido por 
via de normas imperativas. Isto gera situações em que uma determinada norma de 
conflitos aponta para a aplicação de uma certa lei, mas há, à parte disso, normas 
imperativas de uma outra lei que visam acautelar certos interesses e que estão em 
jogo nessa mesma situação. Aí, cumpre determinar se essas normas imperativas 
devem ser aplicadas para que se cumpram os objectivos do sistema ou se, antes, as 
mesmas devem ser desconsideradas por não pertencerem à lei designada pela norma 
de conflitos. 
As normas internacionais imperativas podem ser normas de Direito Privado ou normas 
de Direito Público, sendo normas que reclamam a atribuição de efeitos mesmo em 
situações que não estejam submetidas à lei a que essas normas pertencem. Desta feita, 
estamos perante normas que projectam a sua imperatividade na ordem internacional, 
não se aplicando apenas nos casos em que seja competente a lei a que pertencem. 
 
EXEMPLO: uma cidadã portuguesa celebra um contrato de trabalho com um banco sediado em 
Portugal, contrato esse que foi celebrado na Alemanha. Não havendo ainda a Convenção de Roma, 
vigoram as regras de conflitos do CC, das quais resulta que a lei competente é a lei da celebração do 
contrato – lei alemã. A trabalhadoraé despedida sem justa causa e pede indemnização por esse facto. 
Ainda que o despedimento sem justa causa seja permitido no sistema alemão, o sistema português tem 
regras muito estritas quanto a esta matéria, estando o cerne da questão em saber se são ou não 
aplicáveis as normas portuguesas, que proíbem o despedimento sem justa causa. O Tribunal entendeu 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
21 
 
que sim (ainda que no fim as mesmas não tenham sido aplicadas, por contornos do caso que não 
relevam para esta matéria). 
 
A melhor definição destas normas de aplicação imediata, ou normas internacionais 
imperativas, é a que resulta do actual art 9º, nº 1 do Reg Roma I: as normas de aplicação 
imediata são disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a 
salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social 
ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo 
seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável 
ao contrato, por força do presente regulamento. 
 
2 – Modalidades 
Cumpre distinguir, também, entre normas imperativas do Estado do foro e normas 
imperativas estrangeiras/de outros ordenamentos jurídicos: 
o Normas imperativas do Estado do foro – (veja-se o art 9º, nº 2 Reg Roma I) 
entende-se que, sempre que as regras imperativas em causa se considerem 
aplicáveis ao caso, deve o tribunal atender ao seu efeito. Com isto, surge a 
questão de determinar como saber se estas serão, ou não, aplicáveis ao caso 
concreto: poderá haver uma regra de conflitos ad hoc, especial, que diga que “a 
determinada situação a regra x, imperativa, é aplicável”. No entanto, há muitos 
casos em que essas normas não existem, situações nas quais a determinação 
terá de ser feita por via interpretativa, recorrendo aos objectivos e às finalidades 
que a norma visa garantir. 
o Normas imperativas de outros ordenamentos jurídicos – (veja-se o art 9º, nº 3 
Reg Roma I) esta é uma situação mais complexa, desde logo porque exige um 
conjunto de operações valorativas levadas a cabo pelo Tribunal. Mais, o facto de 
permitir a não aplicação dessas mesmas normas (“pode ser”, mas não “tem de 
ser”), entrega aos tribunais um amplo poder discricionário. À parte disso, é 
exigido que a situação apresente uma conexão estreita com o país de onde estas 
regras surgem, mas nada se diz quanto à concretização dessa conexão. Para além 
disso, há que ter em consideração a natureza e o objecto das disposições, a par 
das consequências da sua aplicação e da sua não aplicação. Não obstante, e 
como facilmente se entende, é muito difícil prever o resultado da aplicação deste 
preceito por parte do tribunal de qualquer país. 
• Normas imperativas da lex causae 
• Normas imperativas de Estado terceiro 
 
IX – INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO 
1 – Principais questões 
No que toca à interpretação e aplicação do Direito estrangeiro, há desde logo grandes 
questões que se colocam. Cumpre saber se a o tribunal deverá, ou não conhecer 
oficiosamente da lei estrangeira; saber como determinar o teor desse Direito 
estrangeiro eventualmente aplicável e como se faz prova do seu conteúdo; saber como 
se interpretam as regras estrangeiras; e ainda saber qual o regime que presidirá ao 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
22 
 
controlo do Direito estrangeiro competente, nomeadamente no âmbito da actividade 
do Supremo Tribunal de Justiça. Cabe determinar, no fundo, o estatuto do Direito 
estrangeiro. 
Podem os Tribunais portugueses conhecer oficiosamente do Direito estrangeiro, ou 
este apenas pode ser aplicado se tal aplicação for suscitada pelas partes? A regra geral, 
no nosso ordenamento, é a de que o Tribunal conhece oficiosamente do Direito (art 
664º CPC). Esta regra aplica-se também ao Direito internacional por via do disposto no 
art 348º, nº 2 CC. Entende-se que assim seja – basta pensar que, se assim não fosse, 
poderia ver-se prejudicada a aplicabilidade de normas de conflitos que existem, 
precisamente, para proteger interesses públicos, ou para tutelar a parte mais fraca. 
Mais, outra solução traria também problemas para o comércio internacional, na 
medida em que nunca se saberia ao certo se a lei efectivamente designada pela regra 
de conflitos seria, ou não, aplicável. 
Qual o regime de conhecimento e prova do Direito estrangeiro? Quanto a isto, veja-se 
também o art 348º CC, agora no seu nº 1: compete àquele que invocar o Direito 
estrangeiro fazer a prova da sua existência e conteúdo, mas deve o Tribunal procurar 
oficiosamente o respectivo conhecimento. Conclui-se, por esta via, que não há entre 
nós um verdadeiro ónus de alegação e prova do Direito estrangeiro a recair sobre a 
parque a quem interessa a sua aplicação. Note-se que daqui não resulta uma 
inexistência do dever de colaboração das partes com o Tribunal. 
Como é que o Tribunal português vai averiguar o teor do Direito estrangeiro aplicável 
ao caso, ou seja, por que meios é que o mesmo se deverá informar a esse respeito? 
Diz o Professor Dário Moura Vicente que deverão ser utilizados todos os meios que 
sejam de confiança, quer directos quer indirectos. A este respeito, cumpre referir, por 
exemplo, a Convenção de Londres de 1968, que aborda este assunto. Da mesma resulta, 
para os Estados que a subscreveram, que um tribunal de qualquer desses pode pedir 
informações sobre Direito estrangeiro aplicável5. No que toca aos Estados que não 
integram esta convenção, existem vários meios possíveis, como o recorrer a 
representações diplomáticas ou elementos doutrinários e jurisprudenciais. 
E se não for de todo possível obter tais informações? Nesse caso, manda o art 23º, nº 
2 CC que se aplique a lei subsidiária. Note-se que se pressupõe, para aplicação deste 
preceito, a total impossibilidade de averiguação do conteúdo da lei estrangeira. No 
entanto, nem sempre há uma conexão subsidiária nesta matéria, razão pela qual se 
determina que, em última análise, se aplica o Direito português – art 348º, nº3 CC. 
Como é que podemos fixar o conteúdo da lei estrangeira aplicável? A principal 
preocupação deve ser a da harmonia dos julgados – deve a causa ser decidida como se 
fosse o Tribunal estrangeiro a decidir. Tal significa que se deve atender ao sistema de 
fontes de Direito dessa ordem jurídica (p.e. se determinado ordenamento considera o 
costume uma fonte de Direito, então ele deverá valer como tal neste âmbito), 
respeitando a sua hierarquia. Não colhe, por isso, a aplicação das regras gerais dos arts 
9º e 10º CC, mas antes a aplicação das regras homólogas do Direito estrangeiro. 
 
5 Em Portugal, temos o Gabinete de Documentação e Direito Comparado na Procuradoria Geral da 
República 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
23 
 
Em que condições poderá o Supremo Tribunal de Justiça controlar a aplicação feita 
pelas instâncias da lei estrangeira competente? Neste âmbito, entende-se que o 
Supremo pode controlar a aplicação de normas de fonte legal, não podendo, no 
entanto, controlar a aplicação de normas de fonte consuetudinária ou de Direito 
religioso. Em causa está, parece, o risco de erro judiciário. Pode também perguntar-se 
se o precedente judicial, que em alguns países é fonte de Direito, pode considerar-se 
incluído nessa competência do STJ – o Professor Dário Moura Vicente e o Professor 
Lima Pinheiro entendem que sim, pois que entendem que essas mais não são que 
disposições genéricas oriundas de um órgão de soberania – são regras fixadas pelo 
próprio Tribunal, enquanto órgão de poder judiciário. 
 
X – RESERVA DE ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL 
A reserva de ordem pública internacional consubstancia um limite à aplicação da lei 
estrangeira competente segundo a nossa regra de conflitos, que opera sempre que da 
aplicação da leiestrangeira resulte uma situação incompatível com as nossas regras de 
conflitos. EXEMPLO: dois cidadãos estrangeiros querem casar em Portugal – art 49º CC: lei pessoal, que 
por acaso permite o casamento numa circunstância em que o Direito português o proíbe. A aplicação da 
norma estrangeira pode ser considerada como inadmissível à luz de princípios fundamentais da nossa 
ordem jurídica. O mesmo, por exemplo, perante sistemas que impedem a sucessão para filhos ilegítimos 
(situação que o STJ já julgou como violadora da ordem pública internacional). 
 
1 – Figuras afins 
São várias as figuras com as quais a reserva de ordem pública internacional não se deve 
confundir: 
o Fraude à lei – o fundamento para a limitação da aplicabilidade das regras 
estrangeiras é diferente: no caso da reserva de ordem pública, estão em causa 
regras cuja aplicação gera um resultado intolerável; no caso da fraude à lei, o 
problema está em aplicar a lei com uma artificialidade que permite iludir a norma 
que seria competente. 
o Cláusulas de excepção – estas podem, em certos casos, culminar na não 
aplicação de certa lei, em benefício de uma outra. Não obstante, o seu 
fundamento é também distinto: o mesmo reside preocupação em submeter a 
questão privada internacional a uma lei que tenha uma conexão estreita com 
essa situação; 
o Normas de aplicação imediata – diferem também no fundamento, que é aqui o 
da especial vontade de aplicação que essas normas têm, só podendo o seu 
objecto ser protegido ou o seu fim atingido se as mesmas se mantiverem 
aplicáveis. Está em causa a vontade, e não o resultado (como na reserva de 
ordem pública internacional) 
o Ordem pública interna – representa o conjunto das normas imperativas que 
vigoram na nossa ordem jurídica, sendo por isso um conceito mais alargado que 
o da ordem pública internacional. 
 
 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
24 
 
2 – Características e pressupostos 
São essencialmente três as características a apontar à ordem pública internacional. 
Desde logo, a sua excepcionalidade, na medida em que esta apresenta um carácter 
excepcional na sua intervenção – a mesma só se dá perante casos mais graves, em que 
a aplicação de uma lei estrangeira se nos afigure intolerável. Para além disso, pode 
apontar-se uma ideia de actualidade ou relatividade temporal, pois que estamos 
perante um conceito que é adaptável ao tempo e às alterações da sociedade – o que é 
hoje ofensivo da ordem pública internacional não será certamente o mesmo que era há 
100 anos atrás. Por lógica idêntica, é também variável no espaço, pois que o que é 
considerado de ordem pública em Portugal será sempre diferente do que é considerado 
ordem pública noutros países. Essa realidade mantém-se, mesmo no interior da União 
Europeia, ainda que haja quem fale de uma verdadeira “ordem pública internacional”, 
referente a essa. 
Relativamente aos pressupostos para aplicação desta limitação, os mesmos são alguns. 
Desde logo, é necessário que entre a situação da vida a regular e a ordem jurídica do 
Estado do foro exista uma conexão suficiente. Mais, exige-se que haja um juízo de 
incompatibilidade entre o resultado da aplicação de certa lei estrangeira e os 
princípios fundamentais do Direito do foro. Note-se que tal factor é diferente de 
reconhecer ou não efeitos a realidades existentes sob alçada dessas normas – p.e. o 
facto de considerarmos contrário à ordem pública o casamento poligâmico não impede 
que reconheçamos como casadas pessoas que o são nesse regime, por via de Direito 
estrangeiro. 
Outra questão é a que se prende com os efeitos da aplicação da reserva de ordem 
pública internacional. Desde logo, surge o afastamento das normas da lei em princípio 
aplicável. Para além disso, há um efeito de carácter eventual que se relaciona com o 
possível surgimento de uma lacuna. Se tal acontecer, cumpre determinar o modo de 
preenchimento da mesma, determinando que normas aplicar ao caso. Há várias 
soluções possíveis. A primeira delas será a de considerar aplicável um Direito 
supletivamente competente – Direito designado pela conexão subsidiária. Outra será a 
de aplicar o Direito do Estado do foro. 
Em Portugal, o art 22º CC consagra as duas soluções: são aplicáveis as normas mais 
apropriadas da legislação estrangeira competente ou, subsidiariamente, as regras do 
Direito interno português. Não obstante, não é só no Código Civil que esta questão é 
regulada – basta ver o art 21º do Regulamento Roma I, no qual se exige uma manifesta 
incompatibilidade entre a lei do foro e a lei do país designado pela norma de conflitos. 
Ainda que este preceito apresente um critério mais exigente que o que decorre do art 
22º, o Professor Dário Moura Vicente entende que o mesmo não deve ser levado à 
letra, na medida em que a exigência de uma “manifesta incompatibilidade” não significa 
que uma ofensa não evidente, não notória da nossa ordem pública internacional, não 
possa também ser relevante para o afastamento de uma regra estrangeira. 
 
 
 
 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
25 
 
PARTE ESPECIAL DO DIREITO DE CONFLITOS 
XI – LEI PESSOAL: PESSOAS SINGULARES E COLECTIVAS 
1 – Lei pessoal das pessoas singulares 
Cumpre analisar, agora, a condição jurídica das pessoas singulares no âmbito do Direito 
Internacional Privado. Diz-nos o art 25º CC que o estado dos indivíduos, a capacidade 
das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei 
pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na presente secção. 
O artigo opera, portanto, uma remissão para a lei pessoal, que rege assim um conjunto 
de matérias, ainda que não seja definida por qualquer elemento de conexão. Pode 
dizer-se, portanto, que a lei pessoal é a lei que rege o estatuto pessoal das pessoas 
singulares no Direito Internacional Privado. 
A razão de ser desta remissão prende-se com o facto de estarmos perante matérias que 
contendem em grande nível com a identidade dos indivíduos – saber se uma pessoa é 
ou não capaz, se é ou não casada, etc., são aspectos que definem a sua condição como 
pessoa, razão pela qual foi entendido, pelo nosso legislador, que estávamos perante 
aspectos que não devem sofrer alterações consoante o local onde o cidadão se 
encontra. Por outras palavras, entende-se que uma pessoa deve poder passar as 
fronteiras do país de que é nacional sem perder essas qualidades fundamentais que 
tem de acordo com a lei da sua nacionalidade. 
Esta representa uma exigência relacionada com a própria dignidade da pessoa 
humana, pois que se fosse de modo diferente, uma pessoa singular poderia encontrar-
se despojada de qualidades essenciais. O referido preceito é, no fundo, resultado da 
concepção personalista do Direito que prevalece entre nós, e que tem a sua principal 
expressão no art 1º CRP. No fundo, e em suma, concluímos que a lei pessoal é uma lei 
que se define em função de um conjunto de matérias, não se conseguindo através da 
simples enunciação desses conceitos saber qual a lei a que as pessoas singulares estão 
sujeitas. 
Qual deve, então, ser a lei pessoal das pessoas singulares? São essencialmente duas as 
vias possíveis: a lei da nacionalidade e a lei do país do domicílio. No âmbito do sistema 
jurídico português, essa resposta é-nos dada pelo art 31º CC – a lei pessoal é a lei da 
nacionalidade. São várias as razões para que assim seja. Desde logo, há razões políticas, 
na medida em que Portugal é, desde cedo, um país de forte emigração, e esta era a 
única forma de garantir que as pessoas singulares portuguesas, radicadas em países 
estrangeiros, se mantinham sujeitos à lei portuguesa. Para além disso, há razões 
jurídicas, associadas ao facto de a nacionalidade ser um vínculo mais estável do que o 
domicílio ou a residência habitual – é mais difícil mudar de nacionalidade do que de 
residência, razão pela qual, por esta via,se previnem situações de fraude à lei (evita-se 
que uma pessoa mude ou manipule um elemento de conexão relevante, por forma a 
subtrair-se às normas que de outra forma lhe seriam aplicáveis). Mais, há razões de 
economia processual, pois que esta é também uma forma através da qual se limita o 
número de situações em que os nossos tribunais têm de aplicar legislação estrangeira. 
Relativamente a este último ponto, no entanto, a situação está hoje a mudar: Portugal 
é agora, também, um país com grande fluxo de imigração, o que faz com que os 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
26 
 
tribunais tenham cada vez mais que ter em conta legislação estrangeira, levantando a 
questão de se estará, ou não, na altura de alterar o critério do art 31º CC. 
O favorecimento da livre circulação de pessoas é um claro ponto a favor da adopção 
do critério da residência habitual – torna-se, por esse modo, mais fácil que as pessoas 
celebrem negócios jurídicos atinentes ao seu estatuto pessoal, se esses forem 
submetidos à lei do país onde residem. A verdade, não obstante, é que continua a ser o 
critério da nacionalidade aquele que mais releva entre nós, ainda que não seja a única 
conexão que adoptamos neste domínio – o próprio art 31º, nº 2 CC consagra uma 
relevante excepção, estatuindo que são, porém, reconhecidos em Portugal os negócios 
jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, em conformidade com 
a lei desse país, desde que esta se considere competente. 
São várias as regras de conflitos que dizem respeito a esta matéria: 
o Art 26º CC – início e termo da personalidade jurídica. Esta é uma questão que 
envolve alguma divergência, na medida em que ordenamentos diferentes 
podem definir momentos distintos para o início da personalidade jurídica. Em 
Portugal, como sabemos, o art 66º determina que a personalidade jurídica se 
adquire no momento do nascimento completo e com vida. Também 
relativamente à cessação da personalidade pode haver contrariedades. 
o Art 27º CC – direitos de personalidade. Este artigo submete à lei pessoal dos 
indivíduos a existência e tutela impostas ao exercício destes direitos. Já 
relativamente à responsabilidade civil decorrente da violação destes direitos, a 
mesma é regulada pelo art 45º (responsabilidade extracontratual). Tudo isto 
tem, não obstante, de ser analisado tendo presente o art 27º, nº 2 CC, do qual 
resulta que o estrangeiro ou apátrida não goza de qualquer forma de tutela 
jurídica que não seja reconhecida na lei portuguesa. 
o Art 25º CC – capacidade das pessoas singulares. 
o Art 49º CC – capacidade para contrair casamento 
o Art 63º CC – capacidade para dispor por morte. 
Os desvios a esta regra geral estão previstos nos arts 28º, 31º, nº 2 e 47º CC. O art 28º 
refere-se à hipótese de um negócio jurídico ser celebrado em Portugal por uma pessoa 
que seja incapaz de acordo com a sua lei pessoal. Nesse caso, diz-se que o negócio não 
pode ser anulado com fundamento na incapacidade porque, caso a lei portuguesa 
pudesse ser aplicável, ele era capaz de celebrar esse mesmo negócio jurídico. O mesmo 
resulta do art 13º do Regulamento Roma I. Estas disposições visam tutelar a aparência 
na validade do negócio jurídico – se há um negócio, presencialmente celebrado entre 
duas pessoas, em que uma delas vem depois a ser considerada incapaz à luz da sua lei 
pessoal, a incapacidade não deve poder ser invocada. 
Para que esse desvio à lei pessoal possa, contudo, ser feito por via do art 28º CC, exige-
se a verificação de alguns requisitos: 
o A outra parte desconhecesse a incapacidade da pessoa 
o O negócio jurídico tenha sido celebrado entre pessoas que se encontrassem no 
mesmo país, pois que se for um negócio celebrado à distância, não há qualquer 
razão para que o declaratário ou o incapaz suportem a incapacidade um do 
outro; 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
27 
 
o O negócio seja atinente à prática corrente de bens e serviços, pois que em 
matérias familiares e sucessórias não é aplicável o disposto no art 28º, nº 2 CC; 
o O negócio seja bilateral. O Professor Lima Pinheiro discorda desta posição do 
legislador, na medida em que entende que mesmo os negócios bilaterais geram 
expectativas legítimas que devem ser acauteladas. 
o O negócio não diga respeito ao direito da família ou das sucessões, ou ainda à 
disposição de imóveis situados no estrangeiro. 
Depois, surge ainda o desvio feito pelo art 31º, nº 2, o qual resulta da preocupação com 
a tutela da confiança, agora do declarante (e não do declaratário, como nos arts 28º CC 
e 13º Reg Roma I). Para que este seja aplicável, exige-se a verificação de três requisitos 
fundamentais. Exige-se que: 
o O negócio tenha sido celebrado no país da residência habitual; 
o O negócio tenha sido celebrado de acordo com a lei da residência habitual do 
declarante (o que deve compreender-se como sendo uma exigência de que o 
negócio seja eficaz no país da residência habitual, na medida em que se podem 
verificar casos de reenvio); 
o A lei da residência habitual se considere competente de acordo com as suas 
próprias regras de conflitos (p.e. a lei da residência habitual pode remeter para 
uma terceira legislação, mas aceitar o retorno que lhe é feito por L3, caso no qual 
também está preenchido este requisito). 
Note-se que, obviamente, se exige a invalidade do contrato à luz do art 31º, nº 1 CC. 
 
3 – Condição jurídica dos estrangeiros 
É “direito dos estrangeiros” o conjunto de princípios e de normas que regem a 
condição jurídica das pessoas de nacionalidade estrangeira ou apátridas, que se 
encontram a residir em território nacional. Estas normas, ao contrário do que acontece 
com as normas de conflitos típicas do Direito Internacional Privado, regem elas mesmas, 
directamente, as situações jurídicas que prevêem. 
São três os planos nos quais estas normas se distinguem das nossas normas de conflitos 
de Direito Internacional Privado: 
o Pela sua estrutura – as normas típicas de DIP são normas de conflitos, ao passo 
que estas são normas de direito material, fixando elas próprias o conteúdo 
substantivo das situações jurídicas que têm por objecto; 
o Pelo seu objecto – as normas de direito dos estrangeiros ocupam-se 
fundamentalmente da capacidade jurídica desses, estabelecendo restrições a 
essa capacidade; as normas de conflitos de leis no espaço visam dizer-nos qual 
a lei reguladora das situações jurídicas privadas internacionais. No fundo, as 
normas de direito dos estrangeiros aplicam-se sempre de forma independente 
das remissões feitas pelas normas de conflitos da lei do Estado do foro. 
o Pelos valores e interesses que visam tutelar – estas visam essencialmente 
proteger os interesses do Estado ou da sociedade em geral (interesses políticos, 
económicos, sociais, etc.). já as regras de conflitos servem outros interesses, 
como a tutela da confiança. 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
28 
 
Não obstante, conclui-se que há na mesma um nexo funcional entre o direito dos 
estrangeiros e as normas de conflitos de DIP, na medida em que as primeiras podem 
ser pressuposto ou limite das segundas. 
Exige-se também, nesta problemática, determinar o que se entende por estrangeiro, 
para efeito de aplicação destas normas. Ora, esse é um conceito que se define pela 
negativa: é estrangeiro todo aquele que não tenha nacionalidade portuguesa (tenha 
nacionalidade de outro Estado ou seja apátrida). Este direito dos estrangeiros, em 
Portugal, obedece a um conjunto de princípios, que divergem consoante a fonte: do 
direito internacional resulta que todos os Estados têm que assegurar aos estrangeiros, 
no seu território, um grau mínimo de protecção – nenhum Estado é obrigado a admitir 
estrangeiros no seu território mas, tendo-o feito, terá de lhes reconhecer certos direitos. 
Por via do Direito Europeu (mais concretamente, pelo TFUE) surge a liberdadede 
circulação dentro do território da União, a que se junta a liberdade de 
estabelecimento. O exercício dessas liberdades não pode ser limitado. 
Por via de fonte interna, surge o princípio da equiparação de tratamento dos cidadãos 
estrangeiros e nacionais, que garante aos estrangeiros os mesmos direitos que são 
garantidos aos nacionais (ainda que com possibilidade de limitações, desde logo por a 
Constituição reservar apenas para nacionais alguns desses direitos – p.e. art 15º, nº 2 
CRP). Mais, há um princípio de reciprocidade (ou de retaliação), do qual decorre que o 
reconhecimento, pela ordem jurídica portuguesa, de um direito subjectivo que é 
concedido ao estrangeiro por via da sua ordem jurídica, está dependente do 
reconhecimento, a portugueses nesse Estado, de direito idêntico (art 14º, nº 2 CC). 
 
4 – Lei pessoal das pessoas colectivas 
A lei pessoal das pessoas colectivas é a lei que regulará a constituição, o 
funcionamento e a extinção dessas. Note-se, por isso, que em causa não está uma 
questão de reconhecimento da pessoa colectiva, mas antes de saber de que condições 
depende a possibilidade de uma pessoa colectiva, sujeita a uma lei estrangeira, poder 
exercer a sua actividade em território nacional. 
A matéria da lei pessoal das pessoas colectivas é uma matéria na qual se conjugam 
diferentes interesses, todos eles relevantes: 
o Interesse da própria pessoa colectiva e seus constituintes – para estes, a melhor 
solução é que a pessoa colectiva seja sujeita a uma lei que eles próprios 
escolheram, ficando sempre essa a lei aplicável; 
o Interesse dos credores da pessoa colectiva – estes têm já interesse em que a 
pessoa colectiva se regule pela lei em que exerce a sua actividade, pois que essa 
é a que os credores melhor conhecem e a que lhes dá, por essa forma, mais 
garantias na satisfação dos créditos; 
o Interesse do Estado – aos Estados interessa sempre exercer algum grau de 
controlo sobre a actividade das entidades, o que pressupõe que a pessoa 
colectiva fique sujeita à lei do lugar onde exerce a sua actividade, e não a uma ei 
que ela escolheu ou a uma qualquer lei estrangeira; 
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Patrícia Carneiro da Silva 
 
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o Interesse dos trabalhadores da pessoa colectiva – a esses interessa que a pessoa 
colectiva fique sujeita à lei do país onde a mesma exerce a sua actividade, e onde 
os trabalhadores prestam a sua actividade laboral. 
o Interesse ligado à instituição e funcionamento do mercado europeu – aqui, 
interessa que a lei aplicável seja, tanto quanto possível, uma lei que não coloca 
entraves à livre circulação das pessoas colectivas além-fronteiras. 
Estes diferentes interesses apontam no sentido de leis bastante diferentes. Dessa 
forma, surgem três grandes linhas de orientações: 
o Aplica-se a lei do país de incorporação – uma pessoa colectiva que se tenha 
constituído em determinado país, e de acordo com a lei desse, ficará submetida 
única e exclusivamente à lei do referido Estado. Há uma prevalência da 
autonomia privada, através da qual a pessoa colectiva em causa poderá escolher 
a lei aplicável. Tem, como principal inconveniente, o facto de os fundadores da 
pessoa colectiva poderem escolher a lei ao abrigo da qual a vão incorporar, 
abrindo a porta a que esta fique sujeita a uma lei com a qual não apresenta 
qualquer ligação. Em contrapartida, é a solução que melhor permite a 
mobilidade da pessoa colectiva. 
o Aplica-se a lei da sede estatutária – esta é a lei que é indicada nos estatutos da 
pessoa colectiva, sendo por isso a lei mais fácil de identificar, uma vez que os 
terceiros que contactam com a pessoa colectiva têm acesso aos respectivos 
estatutos. Não obstante, esta é muitas vezes diferente da lei da sede real da 
pessoa colectiva, pois que muitas pessoas colectivas têm um uma sede 
estatutária que não corresponde ao país onde efectivamente exercem a sua 
actividade. Desta feita, também esta solução apresenta inconvenientes. Desde 
logo, o facto de ser possível que uma entidade fique sujeita a uma lei com a qual 
não apresenta qualquer ligação, o que abre a porta a situações de fraude à lei; 
o Aplica-se a lei da sua sede real – é a solução consagrada no Direito português. 
Houve quem entendesse que isto significaria aplicar a lei do país onde a pessoa 
colectiva exerce a sua direcção (onde é administrada). No entanto, se assim 
fosse, facilmente haveria fenómenos de deslocalização das pessoas colectivas. 
Assim sendo, entende-se hoje que o local da sede real não é esse, mas antes o 
local onde as decisões fundamentais da direcção da empresa se traduzem em 
actos de gestão correntes. É irrelevante o local onde se formou a vontade social, 
ou onde foi tomada a deliberação. Apesar de parecer ser a melhor das três 
soluções apresentadas, a mesma também traz consigo inconvenientes: uma 
pessoa colectiva já constituída, mas cujos órgãos ainda não começaram a 
trabalhar, não tem propriamente uma sede real, situação na qual terá que se 
adoptar um outro critério. Outro inconveniente prende-se com as deliberações 
tomadas por meios electrónicos, em que é dificultada a determinação da sede 
real. Por fim, pode esta solução apresentar entraves à liberdade de 
estabelecimento da pessoa colectiva. 
Este último problema é, em Portugal, resolvido pelo art 33º CC, do qual resulta que a 
pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede 
principal e efectiva da sua administração. O principal problema deste preceito é o de 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
30 
 
permitir a sujeição da pessoa colectiva a uma lei estrangeira, apesar de ela exercer 
aqui a totalidade da sua actividade – basta pensar nas pessoas colectivas que exercem 
a sua actividade em Portugal, mas que têm a sede principal e efectiva no estrangeiro. 
Para restringir o art 33º, o legislador do CSC estatuiu, no 3º, nº 1, que se uma pessoa 
colectiva tem em Portugal a sua sede estatutária e no estrangeiro a sua sede colectiva, 
então ela não vai poder invocar perante terceiros que está submetida a uma lei 
estrangeira. O objectivo do legislador foi o de acautelar a confiança legítima dos 
interessados – aqueles que contratam com a pessoa colectiva. 
Na prática, o que se diz é que a lei da sede real não pode ser oposta a terceiros quando 
a sede estatutária se situe em Portugal. Não obstante, nada é dito quanto à situação 
oposta – situação na qual a sociedade tem a sede real em Portugal, mas a sede 
estatutária no estrangeiro, e quem contratou com esta sociedade supôs que seria 
aplicável a lei do país estrangeiro. Nesse caso, poderia concluir-se que a sociedade já 
vai poder opor a terceiros a sujeição à lei da sede real. Ora isso seria defraudar as 
expectativas de quem com ela contratou. Desta feita, entende-se que há uma tutela 
da confiança que se cumpre adoptar, razão pela qual o art 3º, nº 1 se deve estender a 
estes casos. 
Em Portugal, o critério adoptado foi o da sede real, o que suscita por vezes problemas 
relativos à liberdade de estabelecimento no âmbito da União Europeia (art 49º TFUE). 
Esta liberdade é estendida às sociedades comerciais “constituídas em conformidade com 
a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração 
central ou estabelecimento principal na União”, essas equiparadas a pessoas singulares. 
Disto resulta, em princípio, que uma sociedade que se tenha constituído de acordo com 
a lei de um Estado-Membro poderá prestar os seus serviços noutro Estado-Membro, 
nomeadamente através da constituição de sucursais. Disse já o Tribunal, em 
jurisprudência constante, que o direito de constituir uma sociedade de acordo com o 
direito de um Estado-Membro é um direito inerente ao exercício da liberdade de 
estabelecimento que o Tratado consagra. Perante esta posição, deixa de ser fraude à 
lei a situação em que uma sociedade se constitui num determinado Estado-Membro,de acordo com a legislação desse, apenas para evitar a aplicação da lei de um outro, 
onde pretende exercer a totalidade da sua actividade. 
Na prática, a consequência é a de que países como Portugal, que consagram a 
aplicabilidade da lei da sede da administração da pessoa colectiva, deixam de poder 
impor a aplicação da sua própria lei às sociedades comerciais que tenham sede 
administrativa no seu território, mas que se tenham constituído num outro Estado-
Membro, de acordo com o seu Direito, e que queiram no Estado do foro constituir uma 
sucursal. 
Em conclusão, temos que: 
o O Direito Europeu postula a liberdade de uma sociedade comercial se 
estabelecer no território de um Estado-Membro, cuja lei lhe pareça mais 
favorável aos seus interesses, e depois exercer a totalidade da sua actividade 
num outro Estado-Membro. Essa liberdade não pode ser limitada pelo Direito 
interno (incluindo normas de conflitos), desde logo por via do primado do DUE; 
4º ano, Turma A 
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31 
 
o O exercício dessa liberdade pode implicar restrições à aplicação da lei do país 
da sede real, que serão em benefício da lei do país onde esta se constituiu. 
Desta feita, e perante um caso sobre lei pessoal de pessoas colectivas, são duas as 
possibilidades: ou esta se constituiu num Estado-Membro da União Europeia, situação 
na qual há limitações à aplicabilidade da lei da sede real, ditadas pelo princípio da 
liberdade de estabelecimento; ou esta se constituiu fora do território da UE, situação 
na qual se mantêm na íntegra as regras da lei da sede real. 
Determinada que esteja, por esta via, a lei pessoal das pessoas colectivas, cabe 
determinar o que é que a mesma rege efectivamente. Essa resposta é-nos dada pelo 
art 33º, nº 2, que enumera um conjunto de aspectos que a lei pessoal deve, 
especialmente, regular. 
 
XII – CONTRATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS UNILATERAIS 
1 – Introdução 
Cumpre avançar, desde logo, que a presente matéria se encontra regulada nos arts 35º 
a 42º CC e, em termos internacionais, no hoje conhecido como Regulamento Roma I. 
Por via do art 8º CRP, prevalece a aplicação do regulamento Roma I sempre que os seus 
âmbitos de aplicação estejam preenchidos. A aplicação das regras do Código Civil é, por 
isso, residual. Dentro do seu âmbito estão, contudo, os negócios jurídicos unilaterais, 
esses não abrangidos pelo Regulamento. 
Uma das principais particularidades deste Regulamento é a possibilidade que é 
garantida às partes de escolher a lei aplicável. Essa escolha pode recair sobre qualquer 
lei, mesmo que a mesma não tenha qualquer conexão objectiva com o contrato. A 
escolha pode ser expressa ou tácita, total ou parcial. Note-se, contudo, que a 
designação feita por forma parcial tem que dizer respeito a uma questão separável do 
resto do contrato – se essa separação levar a resultados incompatíveis entre si, a mesma 
tem-se por inexistente. A escolha tem que recair sobre a lei de um Estado soberano, 
mas tal não significa que as partes não possam atender a outros conjuntos normativos: 
as partes podem estabelecer cláusulas que remetem para esse Direito (p.e. costume do 
Estado da lei aplicável). 
A regra geral do Regulamento encontra-se no art 4º, nº 2 (sendo a regra do art 4º, nº 1 
subsidiária). O art 4º, nº 1 foi inspirado pelo princípio da conexão mais estreita (note-
se que o conceito de mercadoria é, aqui, quase visto como o conceito de bem móvel no 
nosso sistema jurídico interno). O art 4º, nº 2 aplica-se a casos de obrigações 
contratuais atípicas e contratos mistos. Já o art 4º, nº 3 comporta uma cláusula de 
excepção, sendo que essa conexão mais estreita aí exigida resulta muitas vezes de se 
tratar, simultaneamente, do Estado de uma das partes e daquele em cujo território se 
situa o lugar da execução principal do contrato. Note-se que o art 4º, nº 4, ao contrário 
desse, já não é uma cláusula de excepção. 
O caminho correcto para a aplicação do Regulamento é, então, o seguinte: art 3º; arts 
5º a 8º; art 4º 
 
 
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XIII – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL E PRÉ-CONTRATUAL 
1 – Responsabilidade extracontratual 
No âmbito da responsabilidade extracontratual, vigora entre nós o art 45º CC. Já a nível 
europeu, contamos com o hoje chamado Regulamento Roma II (Reg. CE nº 864/2007, 
de 11 de Julho). Este regulamento mostra-se útil, desde logo tendo em conta as várias 
diferenças existentes nas legislações nacionais em relação a esta matéria. Assim sendo, 
aplica-se o regulamento a todas as situações de responsabilidade extracontratual 
ocorridas a partir de 11 de Janeiro de 2009 (data da sua entrada em vigor), com 
excepção dos casos que contendam com matérias expressamente excluídas do seu 
âmbito de aplicação (p.e. direitos de personalidade) – art 1º, nº 2. 
Cumpre saber qual a solução que essas fontes consagram: será a lei do país onde o 
agente actuou, a do país onde ambas as partes têm a sua residência habitual ou de 
que são nacionais ou a lei que apresenta uma conexão mais estreita com o caso? 
Para uma melhor compreensão da estatuição da lei, cabe analisar os interesses em 
jogo, e esses são essencialmente três: 
o Interesses individuais do agente – está em causa o agente que causa o dano, 
cujo interesse será em princípio o da aplicação da lei do país onde actuou, pois 
que terá sido com essa que ele contou ao agir de determinada forma. Já para a 
vítima do dano, deverá interessar a aplicação da lei do lugar onde esta sofreu o 
dano, pois que era com essa protecção que a mesma contava, principalmente se 
essa é mais favorável que a lei onde o agente actuou; 
o Interesse do tráfego jurídico – está em causa a necessidade de assegurar o 
interesse daqueles que intervêm no tráfego jurídico, a confiança de todos de que 
não serão vítimas de lesões nos seus bens jurídicos, na sua pessoa e no seu 
património; 
o Interesse público dos Estados – prende-se com o querer prevenir a possibilidade 
de, no seu território, ocorrerem situações susceptíveis de causarem danos a 
outrem. É o interesse de preservar a paz social, sendo essa uma das missões do 
Estado propriamente dito. 
Começando pelo art 45º CC, o mesmo determina no seu nº 1 que a lei aplicável será 
precisamente a lei do lugar da principal actividade causadora do prejuízo, admitindo-
se, portanto, que esta possa estar repartida por vários países. O critério torna-se 
complexo sempre que a actividade e o resultado ocorram em países diferentes 
(imagine-se, p.e. uma descarga feita num rio que afecta as colheitas de um país diferente 
daquele onde essa descarga foi feita). Adoptando esse critério, a lei aplicável seria a lei 
do local onde a descarga foi efetctuada, pois que é esse o local da principal actividade 
causadora do dano. Não obstante, o nº 2 desse preceito comporta uma importante 
ressalva: se essa lei não considerar o agente responsável, mas tal acontecer por via da 
lei onde se produziu o efeito lesivo (no exemplo, a lei onde as colheitas ficaram 
destruídas), então é essa segunda a lei aplicável. Desta feita, aplica-se a lei onde o dano 
é sentido se estiverem preenchidos dois requisitos: 
o A lei do lugar da conduta não sanciona a conduta, mas a lei do lugar do dano 
sim; 
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33 
 
o Haver previsibilidade do dano naquele segundo país (no caso da descarga feita 
para o rio, é previsível que a mesma possa afectar terrenos de outro Estado, se 
esse rio por lá passar). 
O art 42º, nº 2 determina que se ambas as partes tiverem a sua residência habitual no 
mesmo país no momento da ocorrência do dano, então será a lei desse país a que 
devemos aplicar. Este representa o primeiro desvio à regra do art 45º, nº 1, tendo como 
fundamento a preocupação em proteger os interesses do lesado. Há ainda que 
considerar o art 45º, nº 3 CC, o qual dá resposta às situações em que duas pessoasestão 
ocasionalmente em país estrangeiro, tendo ainda assim a mesma nacionalidade e a 
mesma residência habitual. Nesses casos, o Código manda aplicar a lei comum a essas 
partes (solução idêntica à do Regulamento – art 4º, nº 2). Note-se que, ainda assim, este 
artigo ressalva a aplicação das normas imperativas. 
Já no caso europeu, é necessário analisar o Regulamento Roma II. Desde logo, o art 4º 
do Regulamento consagra a regra de geral de responsabilidade extracontratual, 
determinando o nº 1 que se aplica a lei do país onde ocorreu o dano, 
independentemente do país onde o facto gerador do dano se deu ou do país onde se 
venham a sentir consequências indirectas do mesmo. Prevalece, aqui, a ideia de que a 
liberdade de conduta é reconhecida a uma pessoa pela lei de certo país, mas não o é 
de forma universal – prevalece, no fundo, a expectativa da vítima. 
Este artigo levanta um problema que não é acautelado pelo Regulamento: o que fazer, 
quando o dano proveniente de certa conduta lesiva se verifica em vários países? É o 
que acontece, por exemplo, quando são publicadas informações difamatórias online – 
ainda que tal só seja feito num certo Estado, as informações são lidas por pessoas em 
vários Estados diferentes, havendo um dano que se cria em cada um desses. São os 
chamados danos transnacionais, problema para o qual o Regulamento não parece dar 
resposta. Desta feita, por via da Teoria do Mosaico, cabe aplica a lei de cada um desses 
países à responsabilidade do agente pelos danos que ocorreram nesse país. Esta é uma 
solução que dificulta bastante a actividade do Tribunal, sendo também bastante 
limitadora para os agentes económicos que colocam a sua informação em rede. 
Outra questão relevante é a questão suscitada pelo art 4º, nº 3, que confere ao Tribunal 
a possibilidade de aplicar a lei com o qual este entenda que o caso apresenta uma 
conexão mais estreita. Esta é uma cláusula de excepção, que consagra uma solução 
desde há muito defendida pelo Professor Dário Moura Vicente. A ideia base é a da 
existência de uma conexão acessória em matéria de responsabilidade civil 
extracontratual. Fala-se de “conexão acessória” porque em causa está sujeitar o 
acessório ao que é principal, que será, maxime, uma relação contratual já existente 
entre as partes. O Professor Regente entende que essa é a solução que vai de encontro 
ao espírito do nosso sistema, sendo por exemplo o art 44º CC a prova disso (“no fundo, 
submete-se o que é acessório ao que é principal, permitindo esta solução o melhor 
acautelar das expectativas das partes”). 
Outra regra a ter em conta, e à qual o nosso Código Civil não faz referência, é a da 
possibilidade de as partes poderem escolher a lei aplicável – art 14º Regulamento 
Roma II. Impera aqui o princípio da autonomia privada, regra primordial, permitindo-
se uma escolha a posteriori (depois do dano) e a priori (antes do dano – “caso todas as 
4º ano, Turma A 
Patrícia Carneiro da Silva 
 
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partes desenvolvam actividades económicas, também mediante uma convenção 
livremente negociada, anterior ao facto que dê origem ao dano”). 
 
2 – Responsabilidade pré-contratual 
A matéria da responsabilidade pré-contratual tem os seus limites marcados pelas 
responsabilidades contratual e extracontratual, sendo por isso uma situação de 
fronteira entre essas. A mesma levanta problemas no âmbito do Direito Internacional 
Privado, desde logo ao nível da qualificação (art 15º CC) – a determinação da lei 
aplicável, nestes casos, depende de considerarmos aplicáveis ao caso as regras da 
responsabilidade contratual ou, antes, as da responsabilidade extracontratual. Essas 
são, no fundo, as regras potencialmente aplicáveis. 
Na Alemanha, a responsabilidade pré-contratual é considerada responsabilidade 
contratual, sendo essas as regras a aplicar. Já em França, a solução é diametralmente 
oposta, aplicando-se as regras da responsabilidade extracontratual. Entre nós, em 
sentido diferente, a responsabilidade pré-contratual não é necessariamente uma 
forma de responsabilidade contratual, nem uma forma de responsabilidade 
extracontratual: é uma figura híbrida. Está numa zona de fronteira entre as duas 
realidades, pelo que pode estar submetido às normas de qualquer das duas formas 
fundamentais de responsabilidade civil. Desta feita, podem conjugar-se regras de dois 
ou mais ordenamentos jurídicos distintos, aplicáveis por via de duas ou mais regras de 
conflitos. 
No caso da culpa in contrahendo, a mesma é excluída do Regulamento Roma I [art 1º, 
nº 2, al i)], pelo que resta a aplicação do art 12º RR II, que exige o preenchimento dos 
âmbitos do Regulamento Roma I (para se determinar a lei aplicável ao contrato 
celebrado ou ao que teria sido celebrado se as negociações se tivessem concluído). 
 
ÂMBITOS DE APLICAÇÃO 
Regulamento Roma I 
o Âmbito material – art 1º, nº 1 não caindo no âmbito do art 1º, nº 2 e 3 
o Âmbito temporal – art 28º 
o Âmbito territorial – se estivermos nos tribunais portugueses, está preenchido o 
âmbito territorial (ver considerandos 45 e 46) 
o Âmbito espacial – art 1º, nº 1, in fine (“que impliquem um conflito de leis”) 
 
Regulamento Roma II 
o Âmbito material – art 1º, sem cair no âmbito do art 1º, nº 2 
o Âmbito temporal – art 32º, ex vi art 31º (2009) 
o Âmbito territorial – ver se não estamos na Dinamarca – art 1º, nº 4 + 
considerandos; se não estivermos, está em princípio preenchido 
o Âmbito espacial – aplicável nas situações que envolvam conflito de leis (art 1º, 
nº 1)