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Curriculo (2)

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JtlsÉ elMENo sAcntsrÁn
flRGAN IZAllflR
SABERES E
INCERTEZAS
SOBRE O
CURRíCULO
. MARIAN(] ¡¡NHÁHU¡Z ENGUITA. JURIf) T()RRES'CARMEN NOORIEUTZ
. MIGUEL EONZNTTZ ARROYf].. IOSÉ RlTOHIO PÉNTZ TAPIAS'IUAN BAUTISTA NRRTílTZ
. FRANCISC() g¡lTNÁN. JAVIER MARRER(). JAUME IVIRRTíHCZ gOHNTÉ
. JESúS nOORíeU¡2. MARíA CLEMENTE . MIGUEL ÁHett SANT0S. rÉtllt ANûUL0
. R0SA VÁZqUtZ. JUAN MANUEL ÁtVnR¡2. RAFAEL FElT0. JUSTA BEJARAN0
. JESÚS IIIvIÉI¡2. MIGUEL TÓPTZ MTTTRf]. J()SÉ C(1NTRERAS. NIEVES BLANC()
. FRANCISC() IMBERNÓN. JAUME CARBf)NELL. EUSTAOUIfl IURNTíH
penso
Saberes e incertezas sobre o currículo 523
¡f\ avaliação educacional dos alunos foi,
lì îx*:, J;H,::î'.";J ä:x j å:'#
na escola. A preocupação em conhecer e ava-
liar que ocorria com outros elementos dos
sistemas de educaçäo, como é o caso do cur-
rículo, não surge até a década de 1930, quan-
do começaram a ser realizados os primeiros
estudos para avaliar os êxitos e as deficiên-
cias de certos programas curriculares através
dos resultados obtidos pelos alunos. A emer-
gência desse novo âmbito de avaliação de
programas, no qual se enquadra a avaliação
curricular, vai se constituir com o passar do
tempo em um frutífero campo de estudo e de
atividade profissional que, por um lado, faci-
litará o surgimento de outras tipologias e
âmbitos que foram aparecendo na segunda
metade do século XX, como a avaliação ins-
titucional de docentes ou a dos próprios sis-
temas educionais e que, por outro lado, será
uma referência inevitável para continuar
avançando no desenvohlimento da teoria e
da prática da avaliação educacional.
Quanto à avaliação do currículo, não pa-
rece que existam muitas discrepâncias em
considerá-la como uma das ferramentas com
a qual abordar seu aperfeiçoamento, já que é
com base no conhecimento e na valorízação
de seus processos e resultados que seräo de-
cididas as atuaçöes e os planos de interven-
çäo sobre este. Isto näo significa, no entanto,
que toda avaliaçäo sempre seja seguida de
uma propostapara a abordagem dos proble_
mas que se tornaram evidentes com a reali_
dade estudada, seja porque o que se preten-
dia era somente conhecer ou ter uma visão
mais ampla dessa realidade, seja porque a na-
tureza ou a modalidade da avaliação realiza_
da não facilite ou permita uma intervenção
para melhoria.
A presença, a importância e os forma-
tos adotados pela avaliação curricular não
podem ser compreendidos com justiça se
não forem analisados, entre outros aspectos,
as diretrizes das políticas educativas e dos
próprios currículos; os debates, as delibera-
ções e os avanços que têm configurado o
âmbito da avaliação de programas como
campo de estudo e pesquisa; e o papel e o
protagonismo adotado pelas escolas e pelos
atores da educação tanto nos projetos de
avaliação curricular quanto nos de inovação
educacional.
A situação atual da avaliaçäo do currícu-
lo está inseparavelmente associada à avalia-
çäo socioeducativa e às diretrizes das políti-
cas educativas dos países desenvolvidos do
mundo ocidental durante a segunda metade
do século passado. A identificação de deter-
minados momentos-chave e de suas caracte-
rísticas mais substanciais, ainda que apenas
seja em termos gerais, é um passo necessário
para entender como a avaliaçäo curricular
vem assumindo cada vez mais um maior pro-
tagonismo, conforme vai se conseguindo o de-
senvolvimento dos sistemas de educação e
qualificaçäo profissional dos cidadäos.
Se tivéssemos de começar nossa análise
com datas significativas, sem dúvida seria
preciso nos fixarmos nos primeiros anos da
década de 1970, quando se desencadeou uma
das primeiras grandes crises econômicas do
sistema capitalista. Até o momento, no surgi-
mento da avaliação, sempre se faz referência
aos anos de 1930 e às obras de Ralph Tyler
como o momento de fundação da avaliação
educacional no campo curricular, bem como
o impulso que foi dado aos estudos de avalia-
ção no frnal dos anos de 1950, como conse-
quência da aprovação de novas leis de educa-
ção nos Estados Unidos que contemplavam a
obrigatoriedade de submeter à avaliaçäo os
novos programas educacionais que seriam
experimentados nas matérias ou disciplinas
principais do currículo (Matemática, Biolo-
gia, Física, Língua Inglesa, Ciências Sociais).
A crise econômica da década de 1970,
gerada, em grande parte, pela alta dos preços
dos insumos energéticos, levaria a um perío-
do de recessão, inflaçäo e aumento das taxas
de desemprego, o que teria cònsequências no
terreno da educação. De certa maneira, gera-
-se um clima de desconfiança perante deter-
minados setores públicos e, entre outros, o
da educação, visto que, ao contrário do que
30 Methorar o currícuro
por meio de sua avaliação
oRTENTAçõES E CARACTERíSTTCAS
DA AVAtnçÃo CURRTCUTAR EM
RELAçÃ0 ÀS OrR¡TRIZES DAS
PoríilcAs DA EDUCAçÃo
se pensava nas décadas de 1950 e 1960, os in-
vestimentos feitos no setor da educação não
resultaram nos níveis de desenvolvimento
econômico e bem-estar social esperados. Isso
dará lugar, de um lado, a um restabelecimento
dos valores sociais e educativos, com fortes
cortes orçamentários em tudo relacionado aos
programas sociais e à generalização de certo
ceticismo em relação às instituições de educa-
çäo e aos professores. Por outro lado, fará com
que diferentes iniciativas políticas e sociais
promovam medidas encaminhadas para que o
controle dos currículos escolares não fique
apenas nas máos dos professores e para que os
centros de educaçáo divulguem seus êxitos e
resultados, segundo exigia, por exemplo, o
movimento da accountability q,ae as políticas
anglo-saxãs promoveram nos Estados Unidos
e, posteriormente, no Reino Unido.
O problema que forçou as instituiçoes
educativas e os professores à prestação de
contas näo residia nas demandas de informa-
ção pública, que eram consideradas legíti-
mas, mas nos formatos e nas abordagens de
avaliaçäo utilizados para seu julgamento, já
que se centravam exclusivamente nos produ-
tos ou resultados acadêmicos dos alunos. As
experiências de avaliação desenvolvidas nes-
te contexto da accountqbility, cujo impulso
mais decisivo se deu com a adoção das pri-
meiras políticas neoliberais, resultaram, na
década de 1980, no surgimento daquilo que
Neave (1988) denominou Estado Avaliador
na educaçäo superior. Com essa expressão,
faz-se referência à alteração produzida nas
relações entre Estado, Sociedade e Educação
Superior em uma grande parte dos países da
Europa Ocidental no final da década de1970
e início da década de 1980.
Neave e Van Vught (1994) argumentam
que a passagem do Estado Facilitador, que
possibilitou a expansão da educaçäo superior
enfrentando os desafios da grande demanda
de estudos mediante a continuidade das rela-
ções entre as instituições de educação suPe-
rior e os governos, ao Estado ,\valiador evi-
dencia um novo contexto de mudanças so-
Eu st a qui o Mar tín Ro dríguez
Universidade de Educaçäo a Distância (UNED)
524 losé Gimeno Sacristán (Org.) Saberes e incertezas sobre o currículo 525
ciais, econômicas e culturais de peso conside-
rável. Dentre eles, é preciso destacar, ainda
que a influência de cada um dos fatores possa
ser distinta conforme o país, os seguintes: os
cortes de orçamento nas dinâmicas de crises
do Estado de Bem-Estar Social; as reformas
generalizadas no setor público em consequên-
cia do início das políticas neoliberais; o fenô-
meno da massificação da educação superior
que é desencadeado na maioria dos países na
década de 1960; e a busca por uma maior ade-
quaçäo das relações com o mercado de traba-
lho e o mundo da indústria.
A modifrcação do sistema e do tipo de
relações se traduziria, entre outros aspectos,
na passagem de uma avaliação de manuten-
ção a uma avaliação estratégica. Mediante esta,
põe-se em prática uma revisão permanente
dos objetivos das reformas educacionais, va-
lorizando seus resultados e identificando as
dificuldades, os erros ou as deficiências des-
tas. As características mais relevantes da ava-
liaçåo estratégica säo que se trata de uma
avaliaçäo a posteriori, emvez de a priori, e
que ela não dá importância ao processo, mas
aos resultados, ou seja, há uma mudança de
ênfase do processo ao produto, do estado ini-
cial ao resultado. Essa mudança da função e
do próprio conceito de avaliaçäo implica, de
acordo com Neave (2001, p. 224), que o ren-
dimento dos estudantes, o nível e a média
das qualificaçöes, a produtividade da insti-
tuição e dos departamentos, que antes eram
revisados de uma maneira apenas ocasional
e analisados em momentos de crise, passam,
a partir de então,
a ser objeto de mecanismos extremamente
complexos e críticos, regularmente aplicados e
revisados e intimamente relacionados ao pro-
pósito estratégico não somente de orientar a
política da educação naci-onal, mas também, e
ao mesmo tempo, de que a instituição fizesse
sua própria autoavaliação, a fim de poder dis-
cernir que lugar ocupava no cenário nacional
e de planejar as maneiras de melhorar ou con-
siderar tal propósito estratégico.
Nessas circunstâncias, a avaliaçäo adqui-
re uma relevância jamais imaginada. Não em
váo,jâ que, durante a década de 1980 nos Es-
tados Unidos, como indica House (1992), a
avaliaçäo foi considerada demasiado impor-
tante para ser deixada nas mãos dos avalia-
dores, e as grandes burocracias criaram suas
próprias agências de avaliação. O próprio
House (1998) identifica essas avaliações como
uma modalidade de avaliação interna, para
diferenciá-las das realizadas por avaliadores
independentes, e ressalta os problemas de
credibilidade e procedimentos que derivam
da falta de independência política dos avalia-
dores, bem como o fato de que grande parte
da teoria da avaliação foi construída e funda-
mentada com base nas relações contratuais
entre os avaliadores externos e as organiza-
ções. Esses problemas foram gerados pela
adoçáo de postura dos avaliadores e acadê-
micos sobre a necessidade e importância de
que continuassem existindo espaços para os
estudos independentes, como propuseram, por
exemplo, na Espanha, Angulo Rasco, Con-
treras Domingo e Santos Guerra (1994), em
seu artigo sobre avaliação da educação e par-
ticipaçáo democrática.
Em relação também ao controle da ava-
liação e à prática extinção da avaliação inde-
pendente, desde meados da década de 1980,
observa-se o surgimento de poderosos "in-
termediários especializados" que realizaram,
como agentes de avaliação, a coleta de dados
e informaçöes da educação superior. Outro
tanto ocorre na educação não universitária
em finais dos anos de 1980 e durante toda a
dé.cada de 1990, com a criação de instituições
ad hoc para a avaliaçäo da qualidade, Institu-
tos ou Centros de Avaliação e/ou Qualidade
em geral subordinados aos Ministérios da
Educação.
O conceito de Estado Avaliador, segun-
do Whitty, Power e Halpin (1999, p. 55),
pode ser aplicado também às etapas obriga-
tórias dos sistemas educacionais. Eles o asso-
ciam, dentro do sistema da reestruturação,
ao "racionalismo econômicol no sentido de
considerar a educação um bem de consumo e
a política da educação um meio pelo qual ele
pode ser regulado e distribuído com eficiên-
cia e eficácia. Sob sua perspectiva, há dois
elementos que explicam a natureza das refor-
mas curriculares que vão ser feitas nos siste-
mas educacionais, bem como a função da
avaliação nestes. Por um lado, observa-se a
onipresença do discurso econômico e sua
mudança de relação com o discurso político
no contexto da globalização. Por outro, há o
reforço das tendências neoconservadoras das
políticas educativas.
A retomada do fortalecimento das polí-
ticas neoliberais nesses momentos introduz
mudanças de grande porte no discurso da
educação, pois provoca o deslocamento dos
propósitos sociais e culturais. No jogo da
oferta e da demanda do mercado, a educa-
ção passa a ser mais um bem de consumo
que irm direito, e os atores sociais, mais em
seus papéis de consumidores do que de ci-
dadãos, são convidados a julgar a "qualida-
de" desta mediante parâmetros e indicado-
res que ressaltam seu valor em termos eco-
nômicos. O selo da "qualidade" e a parafer-
nália dos modelos e das normas para sua ca-
talogação não é nada mais do que uma ten-
tativa de levar até as últimas consequências
a gestão dos processos de produção e con-
trole dos produtos, adotados pelas organiza-
çöes industriais, a uma grande parte das ins-
tituiçöes do setor público.
No novo rumo desse discurso da educa-
ção, não podemos perder de vista as políticas
de descentralizaçâo que delegam responsabi-
lidades às instituições e aos docentes. A auto-
nomia das escolas e dos professores, com re-
lativa frequência, não deixa de ser também
uma maneira limitada de determinar o Pro-
tagonismo de uns ou outros, já que sua mar-
gem de manobra é mínima quanto à capaci-
dade de decisão de suas trajetórias. Suas in-
cumbências habituais são de caráter metodo-
lógico-instrumental, mas não incluem a deli-
beração dos objetivos ou propósitos e, pelo
contrário, não säo facilitadas as condiçöes
para a criação de uma cultura institucional na
qual se prime pelas formas de participação e
colaboração que, por meio de projetos pedago-
gicos concretos, conduzam ao desenvolvimento
profissional e institucional. Todavia, isso sim,
continua-se mantendo e reforçando os meca-
nismos de controle nos quais a avaliação ainda
desempenha um papel fundamental.
Como se pode ver, essas novas formas de
conceber e instrumentalizar a avaliação pres-
supõem, em muitas ocasiöes, uma nova reedi-
ção corrigida e ampliada das primeiras po-
líticas neoliberais da accountability, das dé-
cadas de 1970 e 1980, que iriam adquirir, ao
longo da década de 1990 e dos primeiros anos
do novo século, uma grande projeção inter-
nacional. Seu discurso passa a ser recorrente
desde os anos de 1970 até a atualidade, e,
mesmo quando seus argumentos assumem
tons específicos, em diferentes momentos ou
fases, sua finalidade é inequívoca: valorizar a
produtividade e a rentabilidade das institui-
ções educacionais.
A AVALTAçÃ0 CURRICUTAR N0
c0NTEXTO DAS CoNTRIBUIçõES
E DoS AVANç0S DA AVAtnçÃo
DE PROGRAMAS
O desenvolvimento da avaliação curricu-
lar, como um componente da avaliaçäo de
programas, surge vinculado aos debates, às
deliberações e às contribuiçöes que são dadas
neste como campo de estudo e prática profis-
sional. Nesse sentido, é preciso reconhecer
que os primeiros estudos sobre os currículos
são feitos quando a tradição psicométrica e o
movimento testológico (a construção de tes-
tes para medir capacidades intelectuais e tra-
ços de personalidade) demonstraram que é
possível medir a aprendizagem humana.
A esse respeito, entende-se que o surgi-
mento da figura de Ralph Tyler' a quem se
deve a denominação de avaliação educacio-
nal, pressupôs um avanço nas propostas que
passarão a definir o campo da avaliação du-
526 José Gimeno Sacristán (ors.) Saberes e incertezas sobre o currículo 527
rante as décadas de 1g30 e 1940, a chamada meir, vez, observou_se que de fato ocorreuépoca tyleriana, ainda que sua influência tenha
se projerado muito além da década de 1960 e
continue presente em nossos dias, como tere_
mos a oportunidade de ver. Um primeiro as_
pecto que é preciso assinalar é que suas contri_
buições jamais perdem de visia a dimensão
rículo e avaliaçâo.
objetivos que de_
de considerar o
programas experimentais e utilizar estraté_
gias de avaliação aplicada ao término dos
programas, porque, neste momento, se a ava_
liação mostrar deficiências, será tarde d.mui,
experimentar e difundir suas concepçöes da
avaliação educacional. Nesse estudo, áo .orr_
não somente dos patrocinadores e que, na in_
formação sobre seus êxitos e ,r'ru, d.fi.iêrr_
maneira, o srau de êxito é medido direta- ;'åï:.t1""î':-'ï;'.î, ïJLïr*'Íîä:
pessoas envolvidas.
res indiretos, como o equipamento e os mate_
começam a questionar a prímazia dos objeti_
vos na hora de avaliar. Além disso, certos au_
tores, como, por exemplo, Scriven, expressa_
mente assumem em sua proposta ou aborda_
da necessidade e legitimidade das
as de avaliação e o pluralismo deva_
lores na hora de julgar os distintos elementos
de um programa são de transcendência igual
ou superior.
Ainda que sejam muito importantes os
passos dados em todas essas novas propostas
de avaliação, a única coisa que havia sido mo-
dificada desde a emergência do modelo tyle-
riano era a excessiva dependência que ainda
tinha o paradigma positivista. Este é um dos
pontos expressamente assinalados por Gusa e
Lincoln (1989) quando fazem uma revisão das
três primeiras geraçöes de avaliação. Em sua
análise, continuam insistindo na ausência do
contexto nos estudos, na utilização de medidas
quantitativas na apresentaçäo dos dados e na
legitimaçäo da avaliação através do emprego
de "métodos científicos'l O próprio Stake reco-
nhecia, muitos anos depois, segundo Abma e
Stake (2004, p. 8), em relação à sua proposta
de avaliação respondente ou de réplica, que:
Na época, eu pensava que não era preciso
mudar os métodos de avaliação; que bastaria
observar alguns dados adicionais necessários.
E que, portanto, era possível continuar com a
abordagem semiexperimental ou utilizar es-
tudos correlacionais que garantissem a incor-
poração desses dados extras. Pouco a pouco,
fui me dando conta de que havia outras gran-
des diferenças que devíamos enfrentar; ques-
tões políticas diferentes e novas questöes de
validade e legitimidade.
Com efeito, ainda foi preciso transcorrer
algum tempo para que se começasse a getar
uma metodologia diferente de avaliação. Foi
somente nos primeiros anos da década de
1970 que parece ter surgido o momento de
retomada desses temas,que, ainda hoje, estão
pendentes, entre os quais o de buscar uma al-
ternativa para a metodologia que vinha sen-
do utilizada desde os primórdios da avaliação
de programas: a avaliação quantitativa expe-
rimental. Na reunião ocorrida no Churchill
College de Cambridge em 20 de dezembro de
1972, um grupo de avaliadores e pesquisado-
res britânicos e norte-americanos comparti-
lhou as preocupações e inquietudes sobre o
rumo que tais estudos haviam tomado. Nela,
os avaliadores e pesquisadores assistentes -
entre outros, MacDonald, Parlett, Hamilton,
Stake, Smith e Helen Simons - expressaram
especialmente sua insatisfação com as avalia-
ções das práticas educativas que vinham sendo
feitas, porque não ofereciam provas dos efeitos
destas, devido à insuflciente atenção prestada
aos processos educionais, por se centrarem ex-
clusivamente nas mudanças mensuráveis e de-
vido ao predomínio de um tipo de pesquisa
educacional que priorizava a precisão da me-
dida e a generalidade da teoria.
A reunião de Cambrigde foi, sobretudo,
um lugar de encontro para repensar a avalia-
ção por meio da apresentaçäo das experiên-
cias compartilhadas por um conjunto cada
vez mais importante de estudiosos da teoria e
da prática da avaliação. Tinha-se interesse es-
pecialmente em buscar outras referências dis-
ciplinares, além da Psicometria e da Psicolo-
gia Experimental, buscando comprovar que
era possível aprender com outras pesquisas -
feitas por historiadores, economistas, soció-
logos e antropólogos - e valorizando as im-
plicações, possibilidades e dificuldades dos
novos estilos de avaliaçäo.
Essas colocações e, de modo especial, as
críticas que Mac Donald (1976) lez às avalia-
ções que então eram feitas nos Estados Uni-
dos, chamando-as de burocráticas, ou seja, de
estarem a serviço dos patrocinadores e de
adotar uma perspectiva gerencialista, ou au-
tocráticas, ao serviço incondicional do patro-
cinador, mas sendo legitimizadas pelos círcu-
los acadêmicos e de pesquisa, farão com que
os aspectos responsivos e as audiências da
avaliação sejam outros dois elementos-chave
no foco do debate entäo iniciado. Nessa mes-
ma linha, a proposta da avaliação como ilu-
minação de Parlett e Hamilton (1976), na qual
expressamente se opta por um paradigma so-
cioantropológico com o qual se busca conhe-
cer a tradução e a interpretaçäo que os pro-
fessores e alunos fazem do programa na rea-
lidade da aula, em vez de se fixar se foram
atingidos ou não os objetivos através da medi-
528 losé Gimeno Sacristán (ore.)
Saberes e ¡ncertezas sobre o currículo 529
ção dos resultados dos alunos, como era habi_
tual com a abordagem tecnológica ou o para_
digma positivista,traz um importante refoiço à
nova direçäo adotada.
House (1992, 1998), por exemplo, agrupa as
abordagens ou os modelos de avaliação efsten_
tes até então utilizando como critérios de classi_
ficação: as opções epistemológicas, nas quais
distingue uma epistemologia objetivista (conhe_
cimento explícito), que, por sua vez, subdivide
em objetividade quantitativa e objetividade qua_
litativa; de uma epistemologia subjetivista ico_
nhecimento tácito), no qual também faz a dife_
rença entre o domínio mediante a experiência e
o conhecimento mediante a negociação; as con_
siderações éticas, considera¡rdo uma ética subje_
tivista, seja de caráter utilitário ou intuicionista_
pluralista e uma ética objetivista cujo funda_
caráter gerencialista (elite), de usuários (massas),
profissional (elite) e participativa (massas). Se_
gundo afirma os elementos princþais para
compreender as abordagens são sua ética, sua
epistemologia e suas derivaçöes políticas.
No que se refere aos novos enfoques da
avaliação, cabe afirmar que, no transcurso de
apenas alguns anos encontramo-nos com um
conjunto de denominações, tais como ava_
liação
estudos
litativa
ção naturalista (
liaçño construtiv
avaliaçõo demo
HOVE, 1999), que se constituem, bàseadas
nas diferentes culturas acadêmicas e referências
disciplinares - Antropologia, Educação, Socio_
logia - em outras tantas propostas de avalia_
ção. Em geral, todas elas, ao enfrentar as abor_
dagens positivistas da relação entre objetivos e
resultados, contrapõem a relevância da avalia_
ção de processos e a formativa; concebem a
avaliação como um processo de compreensão,
descriçäo e interpretação do que oJorr..ro,
cenários naturais nos quais são desenvolvidos
os programas; suas metodologias utilizam sis_
temas flexíveis e abertos que permitem ir in_
corporando as manifestações e os fenômenos
não previstos inicialmente; as técnicas e os ins_
trumentos de avaliação como a observação, a
entrevista, os gmpos de discussão, os registros
de imagem e os sons são empregado, p*" r"_
conta os interesses e as necessidades das audi_
ências envolvidas; a emissão de juízos de valor
considera o pluralismo axiológico das pessoas
e dos grupos que participam na avaliação, etc.
O desenvolvimento dessas novas aborda_
gens de avaliação se deu de uma maneira
progressiva durante as décadas de l9g0 e 1990
e, Pouco a pouco, contaram com a aceitação
de uma parte considerável da comunidade
acadêmica e do mundo profissional dos ava_
liadores. Em determinado momento, surgi_
ram propostas para combinar ambas as me_
todologias a partir de posições com certo ecle_
tismo metodológico, tratando de unir a utili_
zação das técnicas e dos instrumentos de co_
leta de informação de caráter quantitativo e
qualitativo. Há tempo - e com uma frequên_
cia cada vez maior -, defende-se um pluralis_
mo metodológico quando o objeto de avalia_
ção o exige e as contribuições combinadas de
cada um dos métodos contribuem para o su_
cesso de um conhecimento mais amplo e rico
da realidade estudada.
De qualquer maneira, é preciso assinalar
logia quantitativa experimental, devemos res_
saltar que ela continuou avançando rumo à
melhoria dos projetos de pesquisa, no desen_
volvimento de técnicas estatísticas de mode_
na elaboração de
itérios, que impli-
de acordo com os
objetivos do programa ou do currículo trata-
do, bem como no estudo por meio de méto-
dos não paramétricos da estrutura dimensio-
nal das provas empregadas parc a medição
dos resultados dos alunos.
ESTUDoS E REAL¡ZAçõES
NA AVArnçÃo GURRTCU[AR:
P0ss¡BTLtDADES E LTMTTAçõES
Em apenas pouco rhais de meio século,
desde o surgimento dos primeiros estudos de
avaliação curricular, é inegável a presença e a
importância adquiridas por ela no campo da
educação. É, verdade que os ritmose progres-
sos em sua implantação não foram os mesmos
nos diferentes países do mundo ocidental até
boa parte da década de 1990, mas também é
certo que, desde então, vem ocorrendo com
inusitada rapidez a generalizaçáo e internacio-
nalizaçâo das diferentes propostas, abordagens
e sistemas de avaliação educacional.
Perante esse panorama, seria convenien-
te analisar as propostas de avaliação curricu-
Iar que estäo sendo feitas em diferentes con-
textos culturais para ver quais são suas ca-
racterísticas em relaçáo às abordagens e me-
todologias utilizadas, que modalidades de
avaliação são as que predominam e se o co-
nhecimento que é oferecido pelos estudos
permite a elaboraçäo de atuaçöes e planos de
aperfeiçoamento.
Para efeitos de nossa análise, preferimos
apresentar em separado as avaliações feitas pe-
los agentes externos aos programas ou às insti-
tuiçöes nas quais é desenvolvido ou experi-
mentado o currículo daquelas outras desem-
penhadas pelos atore_s que estão diretamente
envolvidos na implementação do currículo.
Avafiação tealizada por agentes extefnos
Sem dúvida, a tendência predominante na
atualidade na avaliação externa do currículo
continua centrada na avaliação dos produtos
ou resultados, ou seja, na mediaçäo das apren-
dizagens ou conhecimentos dos alunos em de-
terminadas matérias ou iireas do currículo. Nes-
sa abordagem de avaliação é possível identificar
ao menos três tipos de estudq a saber: os que
tratam da avaliação geral do currículo das dife-
rentes etapas e ciclos do sistema educacional, os
de avaliação diagnóstica normalmente realizados
nos anos de determinados ciclos de cada etapa
da educaçãq e as avaliações do sistema de me-
diçäo de valor agregado.
Quanto aos primeiros, é preciso dizer que
estão plenamente institucionalizados no con-
texto internacional como um dos encargos
periódicos dos Institutos de Avaliação, Insti-
tutos de Qualidade ou de determinados orga-
nismos nacionais criados ød hoc pelos res-
pectivos Ministérios da Educação. Na Espa-
nha, por exemplo, desde o ano 1995, vêm
sendo realizados estudos de avaliação da edu-
cação primária, com periodicidade quadrie-
nal, nas áreas curriculares de Conhecimentos
do Meio Ambiente, Língua e Literatura Espa-
nhola e Matemática, incluindo-se também, a
partir de 2007, a Língua Inglesa. Costumam
ser realizadas ao ûnal de cada etapa (equiva-
lente ao 6q ano no Brasil, alunos com 12
anos), e seu propósito é, como afirmava o
Instituto de Evaluación, averiguar o que os
alunos de cada etapa aprenderam. Este modo
de proceder, como sistema de avaliação, está
bastante difundido em vários países. No caso
da América Latina, o Instituto Nacional para
la Evaluación de la Educación (do México), a
Dirección Nacional de Información y Evalua-
ción de la Calidad Educativa (da Argentina),
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (do Brasil) e o Sistema de Me-
dición de la Calidad de la Ecucación (do Chi-
le) são alguns exemplos das instituições que
se ocupam dessas atividades.
As avaliações diagnósticas são mais re-
centes no contexto espanhol, já que foi a Lei
Orgânica da Educação de 2006 que incluiu a
obrigatoriedade de sua realização ao final do
segundo ciclo da educação primária (equi-
valente ao 4o ano, alunos com 10 anos) e do
530 .losé Gimeno Sacristán (Org.) Saberes e incertezas sobre o currículo 531
2e ano da educação secundária obrigatória
(equivalente ao 8q ano, alunos com 14 anos).
Distinguem-se duas modalidades: as Avalia-
ções Diagnósticas Gerais, que como tal abar-
cam todo o sistema, nos âmbitos dos estados e
das Comunidades Autônomas, e que são feitas
mediante avaliações externas de amostras de
alunos selecionadas com o objetivo de fazer
um diagnóstico do sistema educacional; e as
Avaliaçoes Diagnósticas Censitárias, que ava-
liam todo o universo de alunos através de ava-
liações internas, e cujo propósito é elaborar
atuações e planos de melhoria dirigidos aos
alunos, às aulas e às escolas. Essa avaliação
vem sendo feita desde o final do ano letivo
2008109 sobre as seguintes competências bási-
cas do currículo: comunicaçäo linguística, ma-
temática, conhecimento e interação com o
mundo físico, competência social e cidadã,
dentre de um sistema de colaboração entre o
Instituto de Evaluación espanhol, o Ministério
da Educação e os serviços das Comunidades
Autônomas.
As qualificações escolares dos alunos nos
exames nacionais também são contempladas
em países como a França, a Inglaterra, os Paí-
ses Baixos, etc., e, em menor grau, na Espa-
nha, como medidas da qualidade do ensino
oferecido pelas escolas e pelos docentes. Na
França, por exemplo, anualmente sáo publi-
cados os resultados oferecidos por cada esta-
belecimento de educação secundária nos exa-
mes do Baccalauréat (BAC). Na edição anual
de Le Monde de l'Education ò.edícada a di-
fundir os resultados, é apresentada uma in-
formaçäo que contextualíza as taxas brutas
de cada liceu com as médias da academia e
do país, e com quatro tipos de indicadores
(DEMAILLY et al., 1998, p. 83-84): resulta-
dos dos alunos, características da população
de alunos, recursos e meios e funcionamento
e ambiente, de modo que a informação ofe-
recida possa ser avaliada em relação às de-
mais características de cada escola.
No Reino Unido também, desde 1980, o
Departamento da Educação e Emprego (DEE)
vem publicando os resultados dos alunos nos
diferentes exames nacionais, como, por exem-
plo, no Certificado Geral de Educação Secun-
dária (CGSE). A partir da década de 1990 e
em função das críticas que esse tipo de dados
brutos recebiam por desconsiderar as carac-
terísticas de cada escola, vem sendo imposto
o sistema de "medidas de valor agregado da
efrcâcia da escola' (MVA). Thomas (1993, p.
104) entende como valor agregado 'ã medida
do progresso médio dos alunos ao longo de
um período de tempo dado (que, nas escolas
de educaçáo secundária, vai, como regra ge-
ral, do momento de ingresso no centro do-
cente até os exames oficiais, e, nas escolas pri-
márias, inclui alguns anos específicos) em
uma escola determinada, em comparação com
outras escolas da mesma amostra'l
O procedimento que se segue para estabe-
lecer essas medidas consiste em determinar o
nível de conhecimento inicial e final dos alunos,
através de uma série de provas normalizadas
(pretest-protesú) e comparar o grau de conheci-
mentos adquiridos tanto no interior de cada es-
cola como em relação com os alunos de carac-
terísticas similares de outras escolas. Para isso,
são utilizadas técnicas estatísticas de modelação
de multiplos níveis com as quais se controlam
as variáveis contínuas e discretas dos alunos
(capacidades, idade, sexo, etnia, etc.) e se conse-
gue medir os efeitos da escolarrzaçâo.
Saundres (1999, p. 22), pesquisadora da
National Foundation for Educational Research
(NFER), instituiçäo promotora desse tipo de es-
tudos no Reino Unido, alerta sobre as precau-
ções que devem ser tomadas quanto às medidas
de valor agregado, assinalando, entre outros as-
pectos, que elas são apenas um instrumento de
avaliação, que as relações entre as medidas são
de associaçáo e náo de causalidade, que as me-
didas dependem em qualidade dos dados nos
quais se basearem e que não proporcionam so-
luçoes rápidas ou respostas corretas aos proble-
mas de melhoria das escolas.
Quando observamos as características
dos três tipos de estudo, o que eles conse-
guem ou conseguirão fazer no caso da avalia-
çäo diagnóstica é oferecer uma série de dados
sobre o que sabem os alunos de primária e
secundária em determinadas áreas ou maté-
rias do currículo, segundo as pontuaçöes ob-
tidas por eles em um conjunto de provas ela-
boradas de acordo com a avaliação sujeita a
critérios, ou seja, contemplando e incluindo
itens ou perguntas relativas aos objetivos
educacionais que devem ser atingidos em tais
áreas ou matérias. Em relação a suas possibi-
Iidades, portanto, é preciso observar que eles
nos oferecem uma informação geral, sistemá-
tica e periódica de diferentes cursos e etapas
do sistema educacional com basenos resulta-
dos obtidos em provas que são iguais para to-
dos os alunos que fazem parte das amostras
ou do censo das Comunidades Autônomas
do Estado espanhol.
Em função das características dos estudos,
o que o avaliador trata de conhecer, parafrase-
ando Stenhouse (1984), é se realmente o currí-
culo funciona, comprovando o alcance dos
objetivos pretendidos, enquanto as preocupa-
çöes que um professor teria seriam mais no
sentido de saber o que o currículo selecionado
agrega de valioso e como ele poderia aprovei-
tar os benefícios oferecidos por ele. Enfim, o
que essas formas tão distintas de entender a
avaliaçäo curricular evidenciam é o contraste
entre as concepções do currículo por objetivos
e do currículo como processo.
Por outro lado, as limitaçöes que ficam
evidentes nesses estudos, que vêm sendo fei-
tos há 10 ou.15 anos, não são nenhum segre-
do, se nos atemos às coincidências produzi-
das na identificação dos mesmos no contexto
internacional. Se vemos, por exemplo, as limi-
tações mencionadas nos diferentes textos da
publicação da Organización de las Naciones
Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultu-
ra (2008) para a América Latina e o Caribe,
constatamos semelhanças na maior parte de-
las. Entre as limitações mais evidentes, é pre-
ciso destacar, entre outras, as seguintes: os es-
tudos se limitam a poucas áreas ou matérias
do currículo, assim os resultados não podem
ser estendidos à totalidade do currículo esco-
lar; o currículo é manipulado para enfatizar o
ensino das áreas sobre as quais säo feitas as
provas; os resultados obtidos com as provas
são considerados uma perfeita manifestação
ou um critério de qualidade do sistema edu-
cacional; näo são utilizados os resultados das
avaliações para a definiçäo de novas políticas
educativas nem são feitas propostas de melho-
riaparaa escola, as aulas ou a formação perma-
nente dos professores; a interpretação dos resul-
tados das escolas é limitada ou parcial quando
estes sáo publicados nos meios de comunica-
çäo, são comparadas entre si as escolas e, de
uma ou outra maneira, são feitas avaliaçöes de
sua qualidade e da qualidade dos professores
apenas empregando tais resultados, etc.
A avaliação real¡zada pelos
membros da instituição de educação
A melhoria do currículo e da qualidade
do ensino exige o comprometimento dos ato-
res da educação em geral e dos professores
em particular. É, provável que a avaliação do
currículo por meio da medição das aprendi-
zagens dos alunos, como de uma maneira re-
gular vêm lazendo as administraçöes da edu-
cação, ofereça uma imagem panorâmica do
sistema educacional em relação a seus conhe-
cimentos em determinadas matérias ou áreas
curriculares. Contudo, o foco quase exclusivo
nos produtos ou resultados faz com que se
deixem à margem os processos, o que real-
mente ocorre no interior das instituiçöes e
que se deixe de questionar a influência dos
demais elementos que intervêm no desenvol-
vimento curricular, tais como os conteúdos,
os meios, os recursos e materiais didáticos, as
metodologias docentes envolvidas nos pro-
cessos de ensino e aprendizagem, etc.
Como foi exposto anteriormente, as ava-
liações externas não se empenham em estu-
dar os processos e sua relaçäo com os resulta-
dos ou, quando o fazem, isto ocorre através
da seleção de determinadas variáveis que são
trabalhadas estatisticamente para se obter,
em certos casos, medidas de associação entre
532 losé Gimeno Sacristán (ors.) Saberes e ¡ncertezas sobre o currículo 533
tais variáveis e as pontuações obtidas nas pro-
vas e, em outros, para determinar se existem
ou não diferenças significativas entre grupos
formados parutal. A alternativa ou o comple-
mento desse tipo de estudo é fundamental-
mente as propostas de autoavaliação, promo-
vidas pelos atores e pelas instituições educa-
cionais para saberem por si sós o que ocorre
com o currículo de acordo com uma visão
mais holística e integradora de seus diferentes
elementos. Sua aceitação, ao contrário do que
ocorre com as avaliaçoes externas, é muito
maior por parte dos professores e tem a vanta-
gem de que as tarefas de avaliação recaem nos
mesmos atores, que têm de elaborar e executar
a seguir as atuações e os planos de melhoria.
Além disso, como assinala de modo inequívo-
co Kemmis (1986, p. 131), ao valorizar os es-
tudos de autoavaliação:
enfatizar o valor da autocrítica não significa
defender o isolamento de um programa. Ao
contrário, é buscar o desenvolvimento do
programa com base em um debate onde os
participantes possam adotar pontos de vista
mais amplos que os pessoais, chegando à vi-
são global do programa, dentro de um amplo
contexto histórico. No entanto, também é re-
cordar que uma vez que um programa deixa a
autocrítica para dar lugar à autoridade exter-
na, está perdendo sua autonomia como co-
munidade intelectual.
Dentre os diferentes tipos de autoavaliação
que surgem no contexto das políticas anglo-sa-
xãs da accountability, o relacionado aos movi-
mentos da pesquisa-ação e da avaliação demo-
cráúica é o que assume os estudos do processo a
partir do questionamento do currículo por ob-
jetivos e pela mediação das aprendizagens dos
alunos por meio de testes e provas objetivas.
Sobre esse tipo de autoavaliação, há pou-
ca informação disponível nos estudos rcaliza-
dos entre meados da década de L970 e o iní-
cio da década de 1980, ou pelo menos são ra-
ros os relatórios que foram divulgados, por
exemplo, no Reino Unido. MacCormick e fa-
mes atribuem isso ao fato de que em sua maio-
ria, estes são estudos que abordam o desen-
volvimento profissional e a melhoria do cur-
rículo, e seu conhecimento não ultrapassa os
limites da comunidade escolar nos quais fo-
ram conduzidos. Não obstante, eles apresen-
tam um conjunto de experiências que podem
ser catalogadas como avaliações realizadas
pelos professores nas escolas e cuja docu-
mentação puderam ter acesso depois de ter
realizado um apelo na imprensa da educação
para que as escolas e os professores que tives-
sem participado de alguma experiência dessa
natureza fizessem contato com eles. Das res-
postas recebidas, cerca de 200 consistiam na
contribuição de documentos normativos e
bibliografia em geral, e um grupo menor,
com cerca com 50 respostas, proporcionava
informações e dados de açoes desenvolvidas
por várias outras escolas de educação primá-
ria e secundária.
Em relação à secundária, são descritos
com base na documentação oferecida os ca-
sos de quatro escolas nas quais a maior parte
dos professores abordou de maneira conjunta
e coordenada as atuações em temas como o
planejamento cooperativo de turmas para o
ensino de grupos de diferentes capacidades,
em uma escola típica mista; a revisão das ati-
vidades dos professores e do currículo em
uma escola de educação secundária; o estudo
do ensino e aprendizagem da linguagem em
uma escola; e o plano de formação perma-
nente baseado na escola dos professores de
alunos com necessidades educacionais espe-
ciais moderadas. Nos quatro casos, há o en-
volvimento da diretoria e dos professores na
realização dos projetos e, para algumas tare-
fas, se dispôs da ajuda de assessores, embora
nem sempre tenha sido aceita a presença de
participantes externos.
O contrrírio desse modo de proceder, ou
seja, a promoção da capacidade de decisão dos
centros e dos professores para determinar os as-
pectos principais de seus estudos, a prestação
de contas contratual, ou seja, a exigida pelos ad-
ministradores, foi feito no Reino Unido através
de protocolos ou listas de perguntas que as ins-
tituições ou os professores deviam responder,
oferecendo as informações e os dados solicita-
dos. Esses dois tipos de autoavaliação têm per-
durado até a atualidade, ainda que com modifi-
cações em seus fundamentos, suas temáticas e
seus propósitos, se é que se pode continuar de-
nominando da mesma maneira os estudos que
dispöem de autonomia tanto na elaboração
como na sua implementação e aqueles outros
que precisam se limitar ao cumprimento dos
protocolos enviados à escola.
Em determinadomo¡nento, as propostas
de autoavaliaçäo da década de 1990 foram fei-
tas em um contexto mais amplo, como o da es-
cola, e não foi rara a afirmação de que tais ex-
periências se harmonizaram e foram compatí-
veis com as avaliações externas realizadas pelos
serviços de supervisão ou inspeção escolar.
Esse é o caso, por exemplo, do primeiro plano
de avaliação de escolas - o Plano EVA - Espa-
nha (1992), que foi feito na Espanha entre os
anos de 1992 e L996 e no qual as escolas foram
convidadap a úilizar alguns dos instrumentos
de coleta de informação de tal plano para efe-
tuar avaliações internas. Essa mesma orienta-
ção de combinar as avaliações externa e interna
também ocorreu na França, (Guibert e Rever-
chon, 1996), e na Inglaterra, (Great Britain,
1997). A inspetoria inglesa, Office for Standards
in Education, Children's Services and Spills (1998)
chegou inclusive a defender que, uma vez que a
autoavaliaçäo complementa a avaliaçáo externa
realizada pela inspeçäo, a necessidade de que
as avaliações das escolas, com vistas a incre-
mentar sua eficácia e complementaridade, uti-
lizem os mesmos critérios e indicadores e até
mesmo técnicas similares às empregadas pela
inspeção. Essa proposta sempre tem gerado a
recusa dos movimentos e autores partidários
da autoavaliação entenilida como proposta vin-
culada à melhoria do currículo e ao desenvol-
vimento profissional e institucional.
Atualmente, perduram os dois tipos de
autoavaliação assinalados. Um deles se en-
quadra dentro do modelo de Gestão da Qua-
lidade, embora seja preciso assinalar que,
como ocorria com os formatos utilizados na
prestação de contas contratual, também não
se trata de um modelo de autoavaliação, já,
que as escolas e os atores não têm a capacida-
de de decisão sobre os elementos fundamen-
tais do estudo e, em troca, säo chamados a
completar um questionário como em qual-
quer outra avaliação externa, através do qual
são obtidas informaçöes que permitem ava-
liar se está sendo implantado um modelo de
gestão institucional e até que ponto isso está
ocorrendo. Na Espanha, a difusão e experi-
mentaçäo desse modelo se deu no final da
década de 1990, com a administração do Par-
tido Popular. Posteriormente, com a transfe-
rência das competências de educação às Co-
munidades Autônomas, as comunidades de
Castela e Leon, Madri e Valência têm adota-
do esse sistema nos últimos anos.
O outro tipo corresponde a propostas pró-
prias, que têm como referência as contribuições
que estäo sendo feitas desde os primeiros tem-
pos do surgimento da autoavaliação, tanto dos
círculos e movimentos acadêmicos, como, por
exemplo, os da Teoria da Mudança, Melhoria
da Escola e Pesquisa-Ação, quanto através das
experiências realizadas em diferentes projetos
europeus, ou seja, o Programa Sócrates, o
Consórcio de Instituições para a Pesquisa e o
Desenvolyimento da Educação na Europa (CI-
DREE), etc. Na experiência espanhola, desde o
final da década de 1990, as Comunidades Au-
tônomas da Catalunha e das Ilhas Canárias
optaram por esse tipo de autoavaliação, que
conferia às escolas e aos professores a liberda-
de para apresentar seus projetos, oferecendo-
lhes apoio na forma de assessoramento, mate-
riais, instrumentos, etc. Além disso, a partir do
ano 2003, na Andaluzia, e de 2005, em Astú-
rias, são convocados, respectivamente, pelos
Conselhos de Educação de ambos os governos
autônomos, projetos de autoavaliação e me-
lhoria, no primeiro caso, e projetos experimen-
tais de autoavaliação, e melhoria das escolas,
no segundo. O propósito de ambos é envolver
os atores e as instituições no trabalho de revi-
são continuada de suas atividades docentes e
contribuir para a geraçâo de conhecimentos
Saberes e ¡ncertezas sobre o currículo 535534 losé Gimeno Sacristán
institucionais com os quais se possa fundamen-
tar seus desenvolvimentos curricular, institu-
cional e profissional. Nessa ocasião, também se
ofereceu a liberdade para a apresentação de pla-
nos e projetos, os quais, por sua vez, contam
com apoios, no que se refere à difusão de seções
e jornadas de formaçäo e a disponibilízaçâo de
diversos materiais e recursos na internet.
Os processos de desenvolvimento e aper-
feiçoamento do currículo exigem ações que
incorporem as tarefas habituais dos docentes.
Para isso, a modalidade de autoavaliação que
surgiu com o comprometimento das institui-
ções e dos atores pode ser o veículo pelo qual
se compartilhariam os problemas e as inquie-
tudes profrssionais, seriam trocadas as experi-
ências inovadoras que estão sendo realizadas e
se identificariam todos aqueles componentes e
atribuições curriculares e institucionais que
podem ser objeto de aperfeiçoamento. Näo
obstante, para assegurar a viabilidade e conti-
nuidade desse tipo de estudos e indagações, é
necessário que eles não sejam desvinculados
do desenvolvimento profissional e da forma-
ção dos professores, que a geração de conheci-
mentos seja incorporada aos projetos institu-
cionais, ficando registrados e formalizados em
diferentes documentos para sua difusão e que
se avance na criação de propostas interinstitu-
cionais e de redes de escolas.
uM BArANç0
A avaliação do currículo, que começou
sua história por volta da década de 1930, tem
estado vinculada, em sua confrguraçãb como
campo de estudo e prática profissional, tanto
pela definiçäo das políticas educacionais dos
países do mundo ocidental quanto pelo de-
senvolvimento e pela consolidação da avalia-
çäo de programas. Com 9 passar do tempo, a
avaliaçáo curricular, por um lado, tem adqui-
rido uma crescente importância no surgi-
mento dos sistemas educacionais, até chegar
a assumir um protagonismo central com a
criação, por parte das administraçoes públi-
cas, na década de 1990, de Institutos de Ava-
liação e/ou Qualidade ou de serviços ou or-
ganismos do mesmo tipo que têm se encarre-
gado de implantar as diferentes avaliaçöes
externas, que são realizadas nos contextos
nacionais. Por outro lado, quanto a seus pro-
gressos como disciplina, a abordagem origi-
nária da relaçäo entre objetivos e resultados,
própria da metodologia quantitativa experi-
mental, tem sido acompanhada de outros en-
foques e outras propostas que, centrando-se
nos processos e adotando uma dimensão for-
mativa, vêm deixando de lado a tradiçäo psi-
cométrica para aproveitar as experiências e
contribuiçoes da sociologia, da história, da
antropologia, entre outras áreas, razâo pela
qual tem se chegado a uma situação caracte-
rizada por certo pluralismo metodológico.
No panorama atual da avaliação curricu-
lar, observa-se toda uma série de desafios re-
lacionados, entre outros pontos, à necessida-
de de que as avaliaçöes externas realizadas
pelos Institutos de Avaliação sejam comple-
mentadas por avaliações independentes que
ofereçam informações e dados além das me-
dições dos conhecimentos dos alunos; e à
adoção de medidas que apoiem propostas de
autoavaliação nas quais se respeite e promova
a capacidade de decisão das instituições e dos
atores da educação para indagar sobre o co-
nhecimento dos processos que contribuem
para a melhoria e a renovação do ensino.
Ambas as atuações são imprescindíveis para
a melhoria de nossos sistemas de educação.
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