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Teologia e Pratica da Espiritualidade

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Teologia e Prática 
da 
Espiritualidade 
Jonathan Menezes
 Catalogação na fonte/ Bibliotecária Zoraide Gasparini CRB/9 1529
Janeiro / 2014
Coordenação editorial: Depto. Desenvolvimento Institucional
Coordenadoria de Ensino à Distância: Gedeon J. Lidório Jr
Projeto Gráfico e Capa: Mauro S. R. Teixeira
Revisão: Mirian Soares
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
SUMÁRIO
Unidade - 01 Espiritualidade e espiritualidades,.............................07
Unidade - 02 O que é espiritualidade cristã?...................................15
Unidade - 03 Espiritualidade na Bíblia ............................................21
Unidade - 04 Espiritualidade na história..........................................29
Unidade - 05 Espiritualidade e oração (I)........................................39
Unidade - 06 Espiritualidade e oração (II).......................................47
Unidade - 07 Espiritualidade do deserto..........................................55
Unidade - 08 O deserto na espiritualidade de Jesus........................63
Unidade - 09 Espiritualidade, teologia e vida..................................73
Unidade - 10 Espiritualidade da libertação......................................83
Unidade - 11 Henri Nouwen e a espiritualidade da imperfeição..91
Unidade - 12 O que aprender com Henri Nouwen?......................101
Unidade - 13 Espiritualidade e a busca pela felicidade (I)...........109
Unidade - 14 Espiritualidade e a busca pela felicidade (II).........117
Unidade - 15 O valor da comunidade na espiritualidade............125
Unidade - 16 Espiritualidade e sexualidade (I).............................135
Unidade - 17 Espiritualidade e sexualidade (II)............................143
Unidade - 18 Espiritualidade, os pródigos e a juventude.............149
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Bem vindo(a) à disciplina de Teologia e Prática da 
Espiritualidade! 
Nela você estudará prioritariamente fundamentos bíblicos, 
teológicos e históricos da espiritualidade, tendo como foco final uma 
compreensão (e vivência) de uma espiritualidade cristã e, por isso, 
cristocêntrica e solidária, visando à vivência da fé e da missão em sua 
integralidade, a serviço do reino de Deus. 
Como introdução a este curso, gostaria de compartilhar com 
vocês um texto de minha autoria, que resume bem a tônica de tudo o 
que estudaremos neste semestre, intitulado: 
A dança do Espírito
“O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde 
vem; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3.8). 
O sopro do Espírito é um sopro constante, mas nunca visível a 
olhos nus. Para se saber onde e como ele está soprando é preciso ter a 
capacidade de enxergar além. Além das aparências, das estruturas, das 
inibições de ânimo, das manifestações exóticas, de meras palavras. O 
Espírito pode estar em tudo isso, mas também pode permanecer “fora”. 
Ele não se limita ou se reduz às paredes do escravismo institucional 
humano, seja ele secular ou religioso. O Espírito é livre e age em 
liberdade: “Onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade”. 
Mas, convém perguntar, onde está o Espírito? Ele não se 
encontra exclusivamente aqui ou ali. Não se faz monopólio de uma 
instituição, pessoa ou evento. O eventualismo humano apenas inibe a 
verdadeira ação do Espírito, ao pretender dizer: “Aqui está ele”; “Neste 
encontro ele se manifestará com poder”. Definitivamente, Paulo estava 
certo ao afirmar que o homem natural não aceita nem compreende 
as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura, porque elas se 
discernem espiritualmente (1Co 2.14). Estamos falando do Espírito de 
Deus. Se Deus é o Onipresente, conforme diz o salmista, como se pode 
querer enjaular o Espírito? 
 Sua natureza é livre como é a de um animal selvagem, que ao ser 
preso ou confinado, perde todo o seu vigor, vitalidade e espontaneidade 
anteriores. O Espírito Santo age movido pelo sopro, pela palavra, pelo 
toque de Deus. Ele está presente onde Deus se encontra fazendo suas 
pequenas e maravilhosas revoluções, nos lugares, das formas e com as 
pessoas menos esperadas. Não tem como antecipar sua presença ou 
ação. O poder de consolo do Consolador não repousa nem cresce na 
prepotência, nas palavras decoradas, nem na manipulação pensada; 
esse poder só é fecundo na fraqueza, em palavras e em seres imersos 
nas imperfeições de sua humanidade. Ele é o brilho do tesouro que 
habita em vasos de barro. 
A dança do Espírito não aprisiona, mas promove as sábias 
loucuras revolucionárias e libertadoras de Deus. Todos os que tentam 
aprisionar Deus, confiná-lo ou formatar sua natureza em uma caixa, 
falam de um conceito, privando os outros e a si mesmo nele. Contudo, 
graças a Deus, a verdade não germina ali. O vento sopra onde quer, 
onde Deus quiser. 
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!
 Jonathan Menezes
OBJETIVOS DA DISCIPLINA
Ao final do curso, o aluno(a) deverá ser capaz de:
1. Conhecer os conceitos básicos que diferenciam a espiritualidade 
no plural da espiritualidade cristã
2. Relacionar os fundamentos históricos, bíblicos e teológicos 
contemporâneos da espiritualidade cristã
3. Compreender a importância de uma espiritualidade integral 
para a vida e missão da igreja
4. Desenvolver práticas e disciplinas que condigam com uma 
espiritualidade mais humana, cristocêntrica e solidária.
07
Teologia e Prática da Espiritualidade 
Unidade -01 
Espiritualidade e espiritualidades
Introdução
Esta primeira unidade se trata de uma tentativa de 
encontrar definições possíveis para a espiritualidade, no 
sentido mais geral, para então diferenciar a espiritualidade 
cristã, em particular. Isto se fará, buscando suporte tanto em 
temas que estão sendo discutidos na atualidade (no Brasil, 
em especial), como a questão da busca de um cristianismo 
não-religioso, quanto em diálogo com autores que têm 
desenvolvido contribuições importantes nesta área.
Objetivos
1. Discutir sobre as dificuldades próprias de se 
compreender e definir o que é a Espiritualidade.
2. Identificar alguns dos diversos termos, conceitos e 
experiências que normalmente relacionam à espiritualidade.
Teologia e Prática da Espiritualidade08 
Em busca de definições
Defi nir espiritualidade não é uma tarefa tão fácil quanto parece 
ser, ao menos em nosso contexto latino-americano com forte tendência 
para a religiosidade. Na América Latina somos religiosos por natureza 
e nossa compreensão de espiritualidade normalmente diz respeito à 
intensidade dessa vida religiosa.
É devido a isso que neste curso não é possível tratar do 
assunto da espiritualidade cristã sem ambientá-lo no contexto do 
qual ele faz parte. Isso é necessário porque ela é experiência humana 
em relação ao divino, e o humano sempre está localizado em algum 
tempo e lugar. Em se tratando de realidade brasileira, tal necessidade 
se intensifi ca, pois nosso quadro religioso é bastante complexo e 
completamente relacionado à situação sócio-histórica. Isso quer dizer 
que, culturalmente, não vivemos a religião como algo à parte, mas no 
conjunto da vida. 
Quando, por exemplo, acontecem as costumeiras enchentes 
de início de ano e pessoas diversas fi cam desabrigadas em várias 
regiões do país, ao serem entrevistadas por repórteres sobre o que 
farão a respeito, geralmente 
respondem: “Somente Deus 
poderá nos ajudar agora”, 
ou “Deus nos dará forças 
pra reconstruir tudo o que 
perdemos”. Para nosso povo, 
principalmente aqueles mais 
simples, não se fala de Deus 
como um conceito apenas, 
mas como uma forma de 
viver e dar sentido à vida.
Precisamos ter consciência de que a espiritualidade – ainda 
falando genericamente aqui – não acontece no vácuo, mas dentro das 
situações de vida no mundo. Ela não somente possui umalocalização, 
como afeta a vida em todos os seus aspectos. Por mais que a 
modernidade iluminista tenha relegado a religião à esfera dos valores e 
da ética e entregue às ciências a orientação da vida concreta, na prática 
Foto reprodução: TV Ji-Paraná
09
cotidiana o fator religioso ainda é significativamente condicionador de 
nossas relações com as questões sociais, econômicas e culturais.
O contexto em que nossa espiritualidade “acontece” deve ser 
visto de modo integral, ou integrado, ou seja: histórico-religioso, 
sócio-econômico, cultural, ecológico, etc. Na cultura brasileira, 
historicamente ela tem sido um fator agregador desses aspectos. Para 
iniciarmos uma conversa sobre o assunto podemos, então, distinguir 
alguns conceitos religiosos que, invariavelmente, são relacionados à 
espiritualidade, inicialmente comentando algo sobre essa discussão no 
contexto atual e, em seguida, fazendo uma abordagem dos termos.
Sobre a religião e seus derivados
No atual momento, vemos tomar corpo um movimento de 
pessoas que se dizem apaixonadas por Jesus, mas que não gostam 
mais da igreja, detestam as instituições em geral, e desenvolveram 
uma ojeriza pelo que chamam de “religião” – a meu ver, a religião 
institucionalizada. O mote de sua trajetória está no slogan: “Mais Jesus 
e menos religião”. 
O problema é que, nesse meio termo, apareceram outros 
apresentando outra visão de religião, mais positiva talvez, alegando 
que a religião faz parte da história humana desde sempre e tem 
oferecido contribuições importantes a ela. Em outras palavras, por 
mais que critiquemos a religião, na perspectiva dos defensores desta 
visão, não vivemos sem ela. Nesta discussão pouco criteriosa, termos 
como religião, religiosidade e espiritualidade acabam sendo utilizados 
de modo intercambiável, como se um fosse ou pudesse ser sinônimo 
para outro. 
E a confusão se vê armada. Podemos desatar este nó?
Em primeiro lugar, a discussão sobre as terminologias (religião, 
religiosidade, espiritualidade, etc.) é in-termi-nável. Todas são palavras 
polissêmicas, se considerarmos o diálogo interdisciplinar, ou mesmo 
o senso comum. Ricardo Barbosa, por exemplo, defende que quando 
falamos de espiritualidade – especialmente no mundo contemporâneo 
em que o uso da palavra se tornou cada vez mais corrente – não nos 
Teologia e Prática da Espiritualidade10 
referimos apenas, e necessariamente, à obra 
do Espírito Santo, mas “aos movimentos do 
espírito humano na busca por identidade e 
signifi cado. Neste sentido, podemos falar de 
espiritualidades”, no plural, uma vez que não 
se trata de um só rosto, mas de vários (SOUSA, 
2004).
Em segundo lugar, esse movimento 
(por um cristianismo não-religioso) não é 
novo. Já vimos isso no século XX, através 
de Karl Barth, e mais fortemente na teologia 
de Dietrich Bonhoeff er, na teologia secular 
(Harvey Cox) e da morte de Deus (A. T. 
Robinson e Cia), dentre outros. A diferença 
para o que temos visto atualmente é que 
esses últimos me parecem ter sido mais 
intencionais, proposicionais e consistentes 
(quer se concorde com eles ou não) no 
sentido de formular respostas relevantes aos 
problemas e movimentos de seu tempo, e não 
um fl ash mob de descontentes, como parece 
se apresentar grande parte do movimento 
atual. É preciso conferir mais coerência e 
conteúdo aos nossos descontentamentos.
No que diz respeito às terminologias, 
Paul Tillich, por exemplo, falando sobre a clássica 
diferenciação entre religião e revelação em sua 
Teologia Sistemática, afi rma que toda revelação 
pressupõe um receptor. E, considerando não 
haver receptor “puro” (isto é, livre da infl uência de 
sua cultura e da ideologia), e consequentemente 
nenhuma forma de fé, interpretação ou verdade 
universalmente válida, a recepção em si já é uma 
religião. Assim, o que Tillich chama de “religião” 
seria o processo de recepção e, por conseguinte, 
de signifi cação da revelação. Nesta acepção, não 
Karl Barth
Harvey Cox
11
há revelação sem religião e todos os que vivem conforme a revelação de 
Deus poderiam ser considerados religiosos. 
Então, para começo de conversa, 
precisamos tentar entender qual religião 
esse movimento atual quer de menos, e 
qual Jesus ele quer de mais, para poder 
avançar no debate, não acham? Arriscar-
me-ei, então, em algumas impressões 
mais pessoais sobre esse tema no último 
tópico. Agora, para não confundir muito 
os termos, como de propósito tenho feito 
até aqui, vejamos algumas conceituações 
importantes.
Alguns conceitos importantes
Temos alguns conceitos que normalmente são utilizados como 
sinônimos ou relacionados à espiritualidade. No entanto, eles possuem 
sentido próprio e designam alguns aspectos ou momentos da nossa 
espiritualidade, mas não ela propriamente dita. São eles:
1. Religiosidade – A experiência pessoal do ser humano com 
Deus traduz-se, numa linguagem mais contemporânea da história e 
antropologia das religiões, muito melhor como “religiosidade” que 
como “religião” propriamente dita. A palavra religião nos remete 
às instituições religiosas ou às grandes religiões, de caráter mais 
dogmático e clerical. Já religiosidade é um termo que evoca uma 
experiência mais ampla; traduz-se como expressão da interioridade 
do ser humano, de sua busca tateante pelo relacionamento com o 
transcendente, o numinoso, o sagrado. Isso se expressa em formas não 
institucionalizadas de lidar com o sagrado, como os ritos, êxtases, as 
danças, as festas, e assim por diante. 
2. Fé – Tem a ver com o envolvimento com Deus a partir de uma 
resposta pessoal a Ele. Possível mediante a conversão, ou seja, a decisão 
Paul Tillich
Teologia e Prática da Espiritualidade12 
pelo seguimento de Jesus como fruto de um ato de liberdade. Demanda 
a crença nesse Deus a ponto de um envolvimento de vida com ele. 
Karl Barth esclarece que a fé não é um estado humano e nem mesmo 
uma qualidade – a isto ele chama de “religiosidade”, classificação esta 
que, de certa forma, bate com o que vimos acima. Fé é história que se 
constrói com Deus através da sua Palavra, “uma história nova a cada 
dia”. Fé também não é igual a “crença”, isto é, a uma “suposição, a uma 
opinião, estabelecer um postulado, um cálculo de probabilidades, para 
então identificar o objeto da teologia com aquilo que supôs, postulou 
e considerou verossímil, e, neste sentido, o assumir” (BARTH, 2008, 
p. 64). Para Barth, a fé nasce de um encontro, e não de uma simples 
identificação, “do crente com aquele em quem crê” (Idem, p. 65).
Neste sentido, é válido ressaltar, portanto, que “fé” e “crença” 
são coisas opostas. Na diferenciação feita por Harvey Cox (2009, p. 
2), a fé diz respeito a uma “confiança profundamente assentada”, algo 
vital para nossa existência. “Na linguagem cotidiana nós usualmente 
aplicamos o termo a pessoas em quem confiamos ou aos valores 
que nos são mais caros”. Já a crença seria, segundo Cox, mais como 
a opinião, mais proposicional que existencial. Dizer “eu acredito em 
Deus” é diferente de dizer “eu tenho fé em Deus”. E a diferença está 
proporcionalmente ligada ao compromisso. Acreditar que Deus existe 
não significa ter sua existência assentada em Deus e em sua Palavra. 
Já depositar a sua fé neste mesmo Deus implica em um compromisso 
de vida com Ele e sua Palavra, de modo que os valores, modo de 
agir e pensar divinos têm uma influência direta e decisiva em minha 
existência e em como a conduzo.
3. Misticismo – Os termos místico, mística e misticismo 
aparecem com freqüência na história da Igreja e como sinônimo, de 
certa forma, de espiritualidade. Misticismo tem a ver, todavia, com 
uma dada “experiência” e não com o seu pensamento e reflexão 
necessariamente. Trata-se da vivência interna do evento religioso, 
geralmente comunicada por meio de narrativa. Neste sentido, no relato 
de uma “experiência mística” a preocupação acaba recaindo mais no 
13
contato sobrenatural, na experiência em si, emocional e extática, sem 
dar muita importância ao conteúdo.Posso experimentar o sagrado, 
neste sentido, sem grandes significados para a maneira como vivo e 
me relaciono com o mundo. Já na espiritualidade bíblica, o conteúdo 
é importante, de tal forma que a experiência evoca, necessariamente, 
um conteúdo, um significado, uma mudança de mentalidade e, 
consequentemente, do jeito de viver. 
4. Espiritualidade – Vocês perceberão, pelos textos desta e 
da próxima unidade, que espiritualidade é uma palavra que resiste 
à conceituação fechada. Ou seja, não podemos compreender 
espiritualidade como “somente isto” ou “somente aquilo”. Pelo 
contrário, precisamos buscar um entendimento básico inicial, ir 
aprofundando este entendimento por meio das leituras e, associado 
a isto, construindo um modo próprio de compreensão por meio da 
vivência. Gostaria de instigar isto ao longo do curso em geral, e mais 
especificamente na próxima unidade.
Conclusão
Espiritualidade é mais que um conceito. Mas, como seres 
humanos que somos, só nos entendemos e nos comunicamos por 
meio da linguagem. Por isso temos tantos conceitos de espiritualidade 
quantos são os campos semânticos, os contextos e as vivências. Isto 
não significa que qualquer definição ou percepção é válida, e sim 
que podem existir, no meio de tantas, algumas mais adequadas e 
apropriadas que outras. A próxima unidade, portanto, se trata da 
busca de uma visão apropriada e integral da espiritualidade, numa 
perspectiva cristã. Até mais!
Teologia e Prática da Espiritualidade14 
Referências bibliográficas
BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. 8ª ed. São Leopoldo, 
RS: Sinodal, 2003.
COX, Harvey. The future of faith. New York: HarperOne, 2009.
MCGRATH, Alister. Uma Introdução à Espiritualidade Cristã. São 
Paulo: Vida, 2008.
SOUSA, Ricardo Barbosa de. Espiritualidade e espiritualidades. In: 
Espacio de diálogo. Disponível em: <www.cenpromex.org.mx/revis-
ta_ftl/num_1>. Acesso 02 dez. 2013.
Escrito em parceria com textos (com uso autorizado) de autoria da 
professora Regina Sanches.
Anotações
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15
Teologia e Prática da Espiritualidade
Unidade 02: 
O que é espiritualidade cristã?
Introdução
Na unidade anterior, nos ocupamos de definições 
iniciais, procurando demonstrar como espiritualidade é um 
assunto complexo, razão pela qual utilizei esta palavra no plural 
(espiritualidades), além de comparar com termos relacionados 
tais como religião, religiosidade e misticismo. Nesta segunda 
unidade do curso, porém, gostaria de tratar especificamente 
do que falamos quando falamos em espiritualidade cristã. A 
tese principal a ser defendida é a de que a espiritualidade é 
diferente de mística, de religião e de religiosidade – embora 
seja muitas vezes, em com pouco critério, identificada com 
elas. Mais que isso, que a espiritualidade cristã é um modo 
de ser, expresso a partir de um encontro, relacionamento e 
compromisso com a pessoa de Jesus Cristo.
Objetivos
1. Diferenciar espiritualidade cristã de outras formas e 
compreensões de espiritualidade.
2. Desenvolver uma visão de espiritualidade mais 
ampla e integral.
Teologia e Prática da Espiritualidade16 
Sobre a espiritualidade cristã
De acordo com Alister McGrath (2008, p. 20), a palavra espiritualidade 
procede do termo hebraico ruach, que pode ser traduzido por “espírito”, 
inclusive no sentido de “vento”, “alento”. Refere-
se ao ânimo de vida, tanto que a gera como que 
a sustenta. Também tem a ver como cada cristão 
responde à sua fé nas diversas representações cristãs 
existentes, o que, de acordo com ele, permite-nos 
também falar de “espiritualidades cristãs”.
Pode-se entendê-la, em geral, como uma 
qualidade não material que diz respeito à vivência, 
envolvimento, dedicação religiosa em geral, à luz 
de refl exão e entendimento. Mas, podemos falar 
também de espiritualidade cristã, que é aquela 
forma de espiritualidade específi ca da fé cristã e 
sua vivência. 
Neste aspecto, eu fi caria com uma defi nição mais simples, que deve 
perpassar nossas conversas daqui para diante:
 Espiritualidade é o modo de ser do cristão guiado pelo Espírito Santo.
A espiritualidade cristã baseia-se na fé, pois é por ela que acolhemos 
a palavra de Deus. A experiência 
mística e a devoção fazem parte e 
auxiliam nossa espiritualidade, mas 
não é sua fonte principal. A fonte de 
nossa espiritualidade é Jesus Cristo, 
que conhecemos prioritariamente 
pela palavra de Deus. A vida não é a 
razão da nossa espiritualidade, mas 
seu contexto. A espiritualidade cristã, 
conforme o próprio nome diz, é 
cristológica e cristocêntrica.
O seguimento de Jesus Cristo gerador da espiritualidade cristã não se 
dá, no entanto, como a um líder religioso de grande inspiração. Conhecemos 
Jesus pela obra de salvação e graça que ele realizou, e continua realizando, 
em nós. Nesse sentido, nossa espiritualidade, outra vez ressalto, é fruto do 
encontro com Cristo e a salvação que ele concede a nós, conforme ensinou 
o apóstolo Paulo aos cristãos na cidade de Corinto: “Porque nada me propus 
Alister McGrath
“Ruach,” by Lucy A. Synk
17
saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucifi cado” (1Cor 2.2). É em 
função disso que o estudo da espiritualidade cristã requer compreender seus 
fundamentos bíblicos e a experiência e elaboração histórica da Igreja – que 
veremos na próxima unidade. 
Amor à vida, sim! 
Cultos e teatros sem substância, não!
Oportunamente voltando à discussão da primeira unidade sobre a 
questão da religião, pergunto: Quando profetas como Amós, por exemplo, 
criticam os cultos, encontros religiosos, ritos e formas de se “achegar a Deus”, 
o que afi nal ele está criticando? Ele está denunciando a forma de religião 
predominante em Israel, sem entrar no mérito de dizer “toda religião”, 
ou “a religião”. Talvez uma coisa que esteja faltando às nossas genéricas 
classifi cações sobre religião é “dar nome aos bois”. E isto Amós faz. Observem 
o seguinte trecho (na tradução “A Mensagem”, de Eugene Peterson): 
Não suporto os encontros religiosos de vocês. 
Estou cheio dos seus congressos e convenções. Não me 
interessam seus projetos religiosos, seus lemas e alvos 
presunçosos. Estou enojado das suas estratégias para 
levantar fundos, das suas táticas de relações públicas 
e criação da própria imagem. Não suporto mais sua 
barulhenta música de culto ao ego. Quando foi a última 
vez que vocês cantaram para mim? Alguém aí sabe o que 
eu quero? Eu quero justiça – um mar de justiça. Eu quero 
integridade – rios de integridade. É isso que eu quero. Isso 
é tudo que eu quero (Am 5.21-24 – Grifos meus).
A religião criticada por Amós é covarde e superfi cial, porque 
marginaliza o que realmente importa e põe no centro o trivial e menos 
relevante. Confunde retidão com justiça própria e santidade com abstinência; 
faz dos sacrifícios e rituais o baluarte da espiritualidade, dissociando-a 
completamente da vida, da misericórdia e da sede por justiça. Afi rma 
uma sede incontrolável por Deus e seus mandamentos, mas é incapaz de 
reconhecê-lo no próximo, no diferente, na samaritana à beira do poço em 
meio ao caminho.
Daí, muitos desses encontros, congressos, convençõese projetos 
religiosos aos quais se refere o profeta, terem se tornado, para Deus, um 
negócio insuportável e indigno de atenção. Mais “culto ao ego” que outra 
Eugene Peterson
Teologia e Prática da Espiritualidade18 
coisa. Daí a pergunta: “Quando foi a última vez que vocês cantaram para 
mim?”. E o que é viver e cantar “para Deus”? 
É anelar por Deus com todo o nosso ser (lutando contra nossa divisão 
interna); é deixar ser movido e tocado pelas coisas que mobilizam o coração 
de Deus (o que sabemos por meio da Palavra); é desejar ardentemente que 
sua vontade seja feita tanto aqui na terra, como no céu; é lutar para que a 
justiça corra como rio que não seca; é buscar viver em integridade e afastar 
ao máximo do nosso caminho a hipocrisia. Mas, como? E seria isto outra 
forma de religião? Não sei, talvez, quem sabe. Linguagem, tudo passa por 
ela.
Não é novidade para ninguém que muitos sistemas religiosos se 
alimentam da hipocrisia e não subsistem sem ela. Muitas igrejas têm sido – 
até que provem a si mesmas e ao mundo o contrário – ao invés de centros de 
misericórdia e compaixão e comunidades de reino, covis de hipocrisia, onde 
o livre pensar é reprimido (sobretudo em assuntos como sexualidade, por 
exemplo), e o discordar (mais ainda da liderança e da orientação doutrinária) 
é tratado como pecado. Exceções à regra (os remanescentes) existem, é claro, 
mas com a sina de ter que “nadar contra a maré”, caso não (ou até que) se 
deixem corromper pelo “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. 
A hipocrisia vai, dessa forma, recebendo outros nomes, e vai sendo 
ornamentada com vestes outras, mais sofisticadas quem sabe (embora não 
menos vorazes) e se torna peça indispensável ao bom funcionamento da 
engrenagem, mascarada pelo discurso de que assim estaremos “no centro da 
vontade de Deus”. Como corolário disso e de outras tendências já bastante 
enraizadas, como a privatização da espiritualidade e a religião de consumo, 
as pessoas vão à igreja apenas para nutrir o lado “lúdico” da fé, que congrega 
e agrega a massa dos que 
querem distância do conflito e que relega aos ditos apóstatas, hereges e 
perdidos o lado trágico (e sombrio) da existência. 
A hipocrisia tenta eliminar o sofrimento a todo custo e promover 
uma espécie de narcótico gospel como sustentáculo para uma fé “que 
funciona”. Uma fé que desconhece a compaixão, porque só age para aliviar 
a dor; que tem desconfiança em relação ao mistério, ao desconhecido e às 
incertezas; que pensa que testemunhar é igual a fazer propaganda de sua fé, 
e se distancia da prática da justiça por estar tão ofuscada com as celebrações 
e homenagens, públicas e privadas, ao “seu Deus” – o “meu Deus isso”, o 
“meu Deus aquilo”.
Essa fé é substrato da hipocrisia. Irracional e inconscientemente, 
19
muitas vezes, ela canta: “Hipocrisia, eu quero (eu preciso de) uma pra 
viver!”. Nos lugares onde ela é vivida, as palavras de Jesus – “Acautelai-vos 
do fermento dos fariseus!” – ecoam como gritos em uma terra de surdos. 
Porque acautelar-se, talvez, implique em passar pela via da admissão 
honesta de que, no fundo, todos (digo, os que nos servimos do sistema 
religiosos, ou os que se encontram, como eu, em processo de libertação 
de suas entranhas) somos um pouco como os fariseus ou hipócritas – o 
que seria um total absurdo e falta de espiritualidade, para muitos. Se toda 
mulher é meio Leila Diniz, como diz a canção “Todas as mulheres” de Rita 
Lee, então (digo isso contra meu melhor senso) todo crente é meio hipócrita 
e, por natureza, religioso (no sentido que Amós abomina), até que prove o 
contrário lutando contra tal orientação. 
Nas palavras do profeta Amós, temos indícios ou ecos (da Revelação) 
de um constante manifesto de repúdio divino contra a escolha de tantos em 
fazer do farisaísmo e da hipocrisia sua morada permanente. Agora pergunto:
• Quem será o primeiro a ter coragem de vestir a carapuça? 
• Quem ousará romper com as correntes (frouxas ou apertadas) da 
hipocrisia? 
• Quem será capaz de avançar uma milha mais rumo a uma entrada 
em um cristianismo não-religioso? 
Quem sabe você possa discutir essas e outras questões com sua 
comunidade, grupo pequeno, ou mesmo no fórum indicado para esta 
semana, com seus colegas de turma.
Conclusão
No âmbito da fé cristã, entende-se a espiritualidade como 
um modo de vida, essencialmente relacional, centrado em Cristo 
e firmado na Palavra. Embora ela possa se expressar em formas e 
conotações consideradas religiosas, ela envolve mais que o que se 
entende comumente por religião. Ser espiritual, neste aspecto, é deixar 
que o seu viver seja guiado e orientado de modo integral (em tudo o 
que se é e se faz – isto falando em termos ideais, indicando uma busca 
e não “a perfeição” em si) pelo Espírito de Deus, sem abandonar os 
aspectos da vida material, corporal, humana. O templo do Espírito, 
nesse sentido, não é apenas meu espírito ou alma, mas meu corpo, 
Teologia e Prática da Espiritualidade20 
todo o meu ser indivisível. 
Gostaria de relacionar, por fim e ao modo de retomada, 
algumas idéias relacionadas à espiritualidade que devem ser mais bem 
pensadas, por exemplo: 
1. É algo próprio do ser humano – é uma prática que 
requer pensamento, decisão, comportamento, vivência, o que é 
caracteristicamente humano. 
2. É algo que se opõe ao material – historicamente tem sido 
entendida em contraposição ao corpóreo ou material, ou seja, vida 
espiritual contrapõe vida mundana. 
3. Muitas vezes é tratada em referência à vivência religiosa – 
como se naturalmente dissesse respeito à religião. 
4. Na religião, refere-se à relação com a transcendência – 
superação da materialidade e contato com o divino.
Dentro de uma compreensão integral de espiritualidade, não 
cabe mais pensá-la como o oposto do que é material e concreto. 
Vivemos em um tempo que busca superar os vícios impostos pela 
modernidade, como o que se expressa no dualismo entre fé e razão, 
religião e ciência, espiritual e material. 
A cultura chamada de pós-moderna esforça-se pela integração 
em todos os sentidos e aspectos da vida humana. Espiritualidade, nesse 
caso, não é algo que se refere exclusivamente a atividades tipicamente 
“religiosas” (como orar, jejuar ou ir à igreja aos domingos), pois tem a 
ver com a vida como um todo, e não está à parte da vida no mundo e 
com a vivência nele. Se a espiritualidade é um “modo de vida”, como 
venho defendendo, envolve não somente uma parte dela, mas a vida 
inteira. Correr, por exemplo, pode ser uma atividade tão espiritual 
quanto o jejum, e por aí vai. Espero que esta idéia fique mais clara 
na próxima unidade, quando veremos um aporte bíblico e histórico à 
espiritualidade cristã. Até lá!_
Referências bibliográficas
McGRATH, Alister. Uma Introdução à Espiritualidade Cristã. São Paulo: 
Vida, 2008.
21
Teologia e Prática da Espiritualidade 
Unidade 03: 
Espiritualidade na Bíblia
Introdução
Tendo abordado algumas ideias básicas sobre o que 
há de específico na espiritualidade cristã em relação a outras 
formas possíveis de espiritualidade em voga nos dias de hoje, 
nos debruçaremos nesta terceira unidade de nosso curso sobre 
bases da espiritualidade cristã no Antigo e Novo Testamento. 
Para tanto, apresentarei alguns recortes e, a partir deles, 
analisaremos o assunto, tendo em vista tratar-se de um texto 
de pequeno porte. A intenção básica é que você constate que 
a Espiritualidade Cristã é necessariamente bíblica, ainda que a 
palavra “espiritualidade”, em si, não seja.
Objetivos
1. Apresentar alguns caminhos bíblicos da 
espiritualidade cristã.
2. Constatar que, embora não seja um termo bíblico, a 
essência da espiritualidade cristã está em ser bíblica.
Teologia e Prática da Espiritualidade22 
Bases bíblicas para a espiritualidade
Para tratar das basesbíblicas da espiritualidade cristã a 
partir do nosso contexto sócio-cultural, introduziremos o assunto 
com citações de dois teólogos terceiro-mundistas que experienciam 
situações de vida parecidas com a nossa, ou seja: sérios problemas 
sócio-econômicos, riquezas cultural e ecológica não devidamente 
aproveitadas, diversidade religiosa e uma teologia que emerge da 
situação sócio-histórica.
Nossa teologia da espiritualidade deve corresponder a essas 
situações e seus problemas comprometedores da vida. Devemos fazê-
lo não à parte, mas do interior dessa realidade, conforme ensina John 
Mbiti, teólogo, fi lósofo e poeta queniano:
A religião permeia todas as partes da vida, de 
maneira tão completa que não é fácil, talvez nem possível 
isolá-la. Um estudo desses sistemas religiosos é, portanto, 
primariamente um estudo dos povos em si, com todas as 
suas complexidades tanto da vida tradicional, como da 
moderna (MBITI, 1990, p. 1).
De fato, viver com Deus é compartilhar das suas preocupações 
e fazer delas as nossas preocupações pessoais e comunitárias. É 
também aprender a amar o próximo como fruto da nossa liberdade 
de acordo com Kosuke Koyama, teólogo japonês que foi missionário 
na Tailândia:
Quando o amor funciona, o caráter da liberdade se 
revela – mesmo que continue sendo um mistério para nós. 
“Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém sua 
vida pelos amigos” (João 15:13). O homem tem a liberdade 
de amar e “dar sua vida pelos amigos”. Quando escolhe 
perder a sua liberdade pelo amor aos outros, é que ele se 
torna mais livre e mais amoroso (KOYAMA, 1979, p. 46)
John Mbiti
Kosuke Koyama
23
Outro teólogo, Juan Stam, latino-americano de coração e 
naturalização, relacionou a vida no mundo à esperança do cristão, à 
luz do seus estudos em escatologia:
Vivemos nestes tempos como cidadãos de uma nova 
ordem. De agora em diante, somos a levedura e a semente, 
a luz e o sal da nova criação, assim como do Reino que veio 
e virá. Isso signifi ca viver como primícias da nova criação 
vindoura. Enquanto isso, “entre os tempos”, vivemos desejando 
e apressando a gloriosa transformação de todas as coisas, 
conforme o Criador prometeu (STAM, 2003, p. 98).
É tendo como ponto de vista (de onde vemos as coisas) essa 
compreensão de uma fé contextualizada que iremos agora para o texto 
bíblico.
Breve olhar a partir do Antigo Testamento
O melhor ponto de partida para qualquer teologia que se queira 
afi rmar cristã é a criação. A chamada Teologia da Criação serve para 
nós como base para o tratamento do problema humano no mundo e a 
relação disso com Deus.
Também é nas narrativas da criação que encontramos os 
primeiros relatos sobre a presença e atuação do Espírito Santo. Nelas, 
ele é apresentado como ruach, termo hebraico que signifi ca “vento”, 
no sentido de “alento”, “fôlego”, “ânimo”. O Espírito na criação é aquele 
que anima a vida, ou seja, dá energia (no sentido da física mesmo). 
Explicando de uma forma poética e bem latino-americana: “Ele faz 
com que simples bonecos de barro cantem e dancem à luz do sol”. O 
Espírito foi a energia de vida na criação de todas as coisas, e, como tal, 
ele é também, até hoje, o sustentador dela no mundo.
Cosmos signifi ca mundo, no “sentido de universo”. Se a Floresta 
Amazônica permanece verde e as árvores de Buriti continuam a dar 
seus frutos e sua seiva a alimentar muitos, é porque o Espírito de Deus 
ainda age no mundo. Se as matas ao longo das estradas de Minas 
Juan Stam
Teologia e Prática da Espiritualidade24 
reverdecem com uma pequena chuva após longo 
período de estiagem, é porque a vida está nelas, e 
essa vida (ânimo) vem do Espírito Santo e não de 
outro. Se o ser humano é capaz de dizer “a vida 
continua” após grandes perdas e sofrimentos, é 
porque há esperança no mundo, e, esperança é 
vida, a qual tem como fonte o Espírito Santo de 
Deus. 
Neste sentido, todo atentado contra a vida 
no mundo, nas suas mais diversas manifestações, 
é também atentado contra o Espírito Santo e 
sua obra vivifi cadora. Nesta direção é que se 
deve compreender a evangelização, que não 
deveria visar o doutrinamento ou acréscimo de 
membros a uma Igreja local, mas, sobretudo, ser 
a condução de pessoas a Jesus Cristo, a única 
fonte possível de vida por meio do Espírito.
O que isso tem a ver com a espiritualidade cristã? Podemos 
dizer que são dessas águas teológicas que ela emerge. E o ministério do 
Espírito Santo é gerar e manter a vida na criação de Deus. E podemos 
afi rmar que essa é a medida da nossa espiritualidade.
Ainda no Antigo Testamento podemos perceber como os 
profetas corresponderam ao Espírito ao encarnarem a Palavra de 
Deus em suas vidas, comunicando-a de modo integral. Também 
compreendemos a espiritualidade horizontal do sapiencialismo, que 
relacionou-a a vivência da vontade de Deus na vida, em sua organização 
e inter-relacionamentos. Sapiencialmente viver no Espírito é viver em 
sabedoria.
Um breve olhar a partir do Novo Testamento
A vida e obra de Jesus são mais do que modelo de espiritualidade; 
são sua fonte principal, como ele mesmo afi rmou: “Eu sou a porta; 
se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará 
pastagens” (Jo 10.9). Neste caso, achar pastagens é achar alimento, 
nutrir-se dele e assim viver. Não há espiritualidade cristã se esta não 
Fonte: Wikipedia - Buriti
25
for cristológica (no sentido de basear-se teologicamente na pessoa de 
Jesus) e cristocêntrica (no sentido de estar centrada em Jesus). Nossa 
vida com Deus somente é possível porque Cristo, através de sua obra 
salvadora, faz a mediação entre nós e ele: 
Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim 
(Jo 14.6).
Cristo é o caminho por onde passa nossa espiritualidade. 
Como afi rma o termo que a acompanha e qualifi ca, ela é cristã. Mas 
ele também comentou que enviaria o Espírito da Verdade: “O Espírito 
de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem 
o conhece; mas vós o conheceis, 
porque habita convosco, e 
estará em vós” (Jo 14.17), que 
é também apresentado nesse 
mesmo capítulo de João como o 
Espírito Santo. Ele esclarece que 
o mundo não pode receber o 
Espírito porque não o reconhece, 
mas aqueles que pela fé acolheram o conhecimento revelado de Deus, 
sabem quem é o Espírito e estão sensíveis à eles. Esses, sim, podem 
recebê-lo bem como o conhecimento da verdade que ele transmitirá.
Já em Atos dos Apóstolos, o ministério do Espírito se evidencia 
tanto no esclarecimento da verdade de Jesus Cristo, como vemos no 
caso do sermão de Pedro no pentecostes, como na vida da Igreja. Ele, 
o Espírito, é apresentado como a energia que impulsiona a Igreja em 
sua missão. Uma palavra recorrente no livro de Atos é “poder”. Ela é 
utilizada para se referir à proclamação dos apóstolos: “Os apóstolos 
davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor 
Jesus” (At 4.33); ao ministério de Estevão “cheio de fé e poder” (6.8), 
e outros. 
O sentido de poder nas narrativas tem a ver com energizar 
mesmo, fazer com que a proclamação, a oração e o testemunho surtam 
efeitos extraordinários, que vão além da condição natural e humana. 
Quando compartilhamos do ministério do Espírito ele compactua 
com nossa missão dando a ela a força necessária para que o possível 
e também o impossível ao ser humano aconteça: “E disse Pedro: Não 
Fonte: Depositphotos
Teologia e Prática da Espiritualidade26 
tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus 
Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda. E, tomando-o pela mão direita, o 
levantou, e logo os seus pés e artelhos se fi rmaram” (At 3.6).
É bom lembrar, no entanto, que o mérito disso é todo do Espírito 
Santo, pois ele é o poder de Deus em nós: “Mas temos esse tesouro em 
vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém 
de Deus, e não de nós” (2Co 4.7). No texto Paulo fala de um “tesouro” 
(evangelho e a companhia do poder divino) em “vasos de barro” – que 
designaa nossa humanidade, que como o vaso vem do pó, é frágil, 
vulnerável e sempre sujeita à quebra.
Temos aqui então um contraste, uma dessas ironias divinas: o 
eterno poder, que não pode ser contido (do contrário, não seria eterno) 
escolhendo precisamente o que há de mais fraco e incerto para “se 
abrigar”. E a pergunta é: por quê? Paulo mesmo dá a resposta: é para 
mostrar que a excelência desse poder vem de Deus, e não da gente. 
Trocando em miúdos: temos um tesouro (poder), mas 
esse tesouro não vem de nós, nem é para a nossa glória e nem nos 
faz triunfantes no mundo. Pelo contrário. Paulo segue afi rmando 
nos versos seguintes que “em tudo” somos perplexos, atribulados, 
perseguidos, abatidos, embora não o bastante para sermos destruídos, 
desanimados, angustiados e totalmente desamparados.
Curioso, não? Esse poder, que não é 
nosso, não nos faz mais poderosos que ninguém, 
tampouco imunes ao sofrimento de qualquer 
ser humano – agregando ainda um sofrer de 
outra espécie, por ser cristão. Mesmo tendo um 
tesouro, nunca deixamos de ser simples vasos! 
E o vaso não existe para proteger a integridade 
do tesouro, mas é o tesouro que é oferecido para 
proteger a integridade do vaso, a despeito de 
suas eventuais “quebras”. 
Não somos, portanto, defensores ou 
detentores do tesouro; ele não precisa de sentinelas ou guardiões 
“espirituais”, nem de Indiana Jones “gospel”; e não somos nós que 
resplandecemos, mas ele resplandece através de nós. O vaso não existe 
Fonte: Depositphotos
27
ainda para se transformado em cofre forte, mas existe para morrer: 
“Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida 
de Jesus também seja revelada em nosso corpo” (4.10). 
Penso que o que Paulo está querendo aqui, dentre outras 
coisas, é nos convidando a rever nossa teologia da espiritualidade 
em sua ótica sobre o poder e reservar nela um lugar especial para a 
aceitação jubilosa da fraqueza. Somente quando assumirmos nossa 
fragilidade humana, o poder de Deus se aperfeiçoará em nós a fim de 
que participemos da transformação que o Espírito já vem realizando 
no mundo, muitas vezes sem a nossa “ajuda” pretensiosa.
Esse poder, portanto, não torna ninguém mais especial que o 
outro, mas certamente com maiores condições para o serviço (serviço 
no sentido de atuação de servo), conforme o texto sobre a cura realizada 
pelos apóstolos relata: “Pois tinha mais de quarenta anos o homem em 
quem se operara aquele milagre de saúde” (At 4.22).
Conclusão
Voltamos à pergunta: e o que isso tem à ver com a 
Espiritualidade? Se espiritualidade é estar e viver no Espírito, como 
um modo de vida – como vimos na primeira aula – isso significa então 
que somos graciosamente convidados a colaborar com suas ações e 
obras maravilhosas.
Quando pensamos em Espiritualidade cristã normalmente nos 
vem à mente aquela postura contemplativa de internalização da fé e 
vivência mística da experiência religiosa cristã. Esse é o modelo típico 
herdado do monasticismo medieval (como veremos adiante), que 
ofereceu a nós um modo de espiritualidade mais ascético, meditativo 
e baseado nas disciplinas espirituais. Embora seja extremamente 
interessante este modelo, ele não define por si só a espiritualidade 
cristã. Necessitamos por vezes da solidão (ou solitude), da quietude 
e da meditação para alimentar nossa vida espiritual – e sobre isto 
trataremos mais adiante neste curso.
Todavia, conforme o livro de Atos, o sair em missão, proclamar, 
conceder saúde a doentes também é parte de nossa espiritualidade. 
Teologia e Prática da Espiritualidade28 
Quando fazemos isto estamos, mais do que nunca, andando no 
Espírito, pois é ele quem nos guia e nos conduz pelas trilhas do mundo, 
encarando e vivenciando os desafi os próprios da vida mundana e 
procurando estar em conexão com os propósitos e orientações divinas. 
Como esclarece John Stott, “andar no” Espírito é diferente de ser 
“guiado pelo” Espírito. Ele nos guia, mas o seu guiar não nos resigna a 
uma condição de passividade, pelo contrário, nós precisamos, na força 
que ele supre, segui-lo como resposta ao seu guiar.
Assim, “andar no Espírito” é andar deliberadamente 
ao longo do caminho ou de acordo com a linha que o 
Espírito Santo estabelece. O Espírito nos “guia”; mas 
nós temos de “andar no” Espírito ou de acordo com suas 
regras. (...) Isso será percebido em todo o nosso modo de 
viver, no lazer que buscamos, nos livros que lemos e nas 
amizades que fazemos. (...) Em tudo isso ocupamo-nos de 
coisas espirituais. Não basta submeter-nos passivamente ao 
controle do Espírito; também temos de andar ativamente no 
caminho do Espírito. Só assim aparecerá o fruto do Espírito 
(STOTT, 2003, p. 140).
O efeito disso em nós (o fruto 
propriamente) é como o efeito do exercício físico feito em boa medida, 
que no momento em que é realizado parece estar consumindo nossas 
forças, mas com o tempo descobrimos que, com ele, ganhamos 
saúde e, assim, energia de verdade. Vejamos adiante exemplos de 
espiritualidade na história. Até lá!
Referências bibliográficas
KOYAMA, Kosuke. Fift y meditations. New York: Orbis Books, 1979.
MBITI, John. African religions & philosophy. Oxford: Heinermann, 
1990.
STAM, Juan. Profecia bíblica e missão da igreja. São Leopoldo: 
Sinodal, 2003.
STOTT, John. A mensagem de Gálatas. Somente um caminho. São 
Paulo: ABU, 2003.
John Stott
29
Teologia e Prática da Espiritualidade 
Unidade 4: 
Espiritualidade na história
Introdução
Pensando ainda em bases da espiritualidade cristã, 
nesta unidade convido vocês para um passeio como que de 
avião sobre a história da Igreja, mas focando a espiritualidade 
cristã, como foi pensada e praticada no decorrer dos tempos 
por homens e mulheres em sua paixão pelo Divino. Certamente 
faltarão muitas informações importantes, mas precisarei fazer 
recortes devido ao espaço que temos. Retomarei, por fim, 
questões do período bíblico, fechando com a espiritualidade 
da Missão Integral.
Objetivos
1. Conhecer caminhos da espiritualidade na história 
para um posterior aprofundamento das temáticas abordadas.
2. Desenvolver a sua espiritualidade no plano pessoal à 
luz e tendo como modelo suas práticas bíblica e histórica.
Teologia e Prática da Espiritualidade30 
Um olhar sobre a espiritualidade na história
A história da espiritualidade cristã somente é possível como um 
recorte dentro da história mais abrangente da Igreja e da sua teologia. 
Não se trata de um assunto à parte, pois diz respeito à vivência da fé 
dessa Igreja no mundo.
Como vimos na unidade anterior, os antecedentes da história 
da espiritualidade cristã estão na espiritualidade bíblica. Lembremos 
de alguns antecedentes rapidamente.
No Antigo Testamento a espiritualidade é baseada na relação 
histórica concreta do povo com Deus. A história é o palco da ação 
divina. Ele promete salvação e a realiza no tempo e no espaço. Essas 
promessas realizadas viram memória e esperança, que se revitalizam 
nas novas situações do povo com seu Deus. Da mesma forma, o Senhor 
requer do seu povo fi delidade à aliança que estabeleceram no Sinai. 
Tanto nas narrativas do Pentateuco, Livros Históricos e Profetas, 
como nos ensinos dos Escritos, a vida com Deus se faz na coletividade 
(do povo de Israel), e é realizada mediante a fi delidade aos preceitos 
do Senhor. Essa fi delidade, que seria uma sinônima possível de 
espiritualidade, deveria ser visibilizada através de políticas corretas e 
justas, vida social e familiar exemplar, dedicação religiosa, transmissão 
do conhecimento de Deus, e assim por diante. A necessidade de ser 
fi el se devia ao fato de que Israel era o povo eleito de Deus e com ele 
havia fi rmado um pacto, um acordo:
A fi nalidade da eleição é 
o serviço, e quando ele é recusado, 
a eleição perde seu sentido. 
Primordialmente, Israel deve servir 
os marginalizados em seu meio: o 
órfão, a viúva, o pobre e o estrangeiro. 
Sempre que o povo de Deusrenova 
sua aliança com Javé, reconhece que 
está renovando suas obrigações com a 
vítimas da sociedade (BOSCH, 2002, 
p. 36).
É em vista das razões acima que a espiritualidade de Israel 
Povo de Israel - Wikimedia Commons
31
estava estreitamente relacionada à sua missão de transmissora do 
conhecimento de Deus pela via da vida no mundo e da comunicação 
e registro da revelação. Era preciso que as nações adorassem a Deus e, 
para isso, teriam que conhecê-lo. De certa forma, a espiritualidade das 
nações passava pelo serviço de Israel. 
No Novo Testamento, a espiritualidade passava pelo 
reconhecimento do Messias (Jesus Cristo) e o seguimento de sua 
vida e seus ensinos, conforme transmitidos pelos apóstolos e, em 
vista disso, na reunião como Ekklesia e o exercício da missão. Tanto 
quanto a espiritualidade é dinâmica e celebrativa no AT, no NT ela 
é proclamadora (kerigmática), de serviço (diaconia), comunitária (na 
koinonia), requer ensino (didaskalia) e é celebrativa (litúrgica). Ou 
seja, trata-se de uma espiritualidade integral – como mais bem visto 
no texto de apoio desta aula, escrito pelo professor Marcos Orison.
No período antigo
No período antigo aconteceu uma mudança no paradigma 
teológico, portanto, de compreensão da espiritualidade cristã. A 
fé histórica, dinâmica e narrativa do período bíblico cedeu lugar 
gradativamente para uma forma mais refl exiva e abstrata. A helenização 
da teologia cristã afetou o modo de se vivê-la no mundo. No fundo 
porque, enquanto fenômenos históricos, esta teologia já nasceu em 
diálogo com o helenismo. 
Outro fator que contribuiu para 
isso foi a institucionalização da Igreja, que 
trouxe consigo a formalização do culto e 
a instituição do clero como mediador da 
relação com Deus. A espiritualidade a partir 
desse período começou a ser, em grande 
parte, sinônima de religiosidade. Na medida 
em que o povo era distanciado da Palavra 
de Deus, mais religioso se tornava. Não há 
espiritualidade sem conhecimento de Deus 
por meio da sua Palavra. Qualquer relação 
com a fé cristã que se estabeleça sem esse 
Laocoonte, escultura
Wikimedia Commons
Teologia e Prática da Espiritualidade32 
conhecimento é meramente seguimento religioso, porque a fé cristã 
requer consciência, como orientou Pedro em sua carta: “Santifi cai 
ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para 
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da 
esperança que há em vós” (1Pe 3.15). 
O monasticismo dos chamados “Pais do deserto” (sobre os 
quais veremos mais detidamente na unidade 7) surgiu nessa época 
(séc. III) como movimento de espiritualidade, em reação aos rumos 
excessivamente institucionais da Igreja. Ele propôs uma vivência 
alternativa da fé, caracterizada pelo isolamento e reclusão, levando ao 
surgimento de uma espiritualidade de caráter apofático.
Um exemplo de espiritualidade apofática nesse período é 
Gregório de Nissa (viveu em Cesaréia, Capadócia em 330-395 d.C.), 
como bem comprova um texto dele próprio:
Quanto mais acreditamos que, o “Bem”, por sua própria natureza, está 
muito além do alcance do nosso conhecimento, maior é nosso sentimento de tristeza 
por estarmos separados desse “Bem”, que é tão grande quanto desejável, embora não 
possa ser completamente contido em nossa mente (NISSA apud MCGRATH, 2008, 
p. 246).
Outro exemplo de espiritualidade nesse 
período é Agostinho de Hipona, um importante 
teólogo dessa época e grande infl uenciador 
do pensamento medieval, inclusive dos 
reformadores. Conforme observa Alister 
MacGrath (2008, p. 249), “Agostinho argumenta 
basicamente que fomos criados para a comunhão 
com Deus. Quando isso não se realiza, o resultado 
é um sentimento de insatisfação e inquietude”. 
Nesse caso, a felicidade humana está diretamente 
relacionada à dependência e relacionamento com 
o divino:
Para Agostinho, as verdadeiras realização e satisfação humanas vêm somente 
quando Deus é adorado e conhecido. É interessante que Agostinho admita que outras 
coisas no mundo poderão oferecer pelo menos alguma aparência de felicidade; para 
ele, o fato de o mundo ser criado por Deus signifi ca que em toda a criação existem 
Agostinho de Hipona
Fonte:Wikimedia Commons
33
indícios da bondade e majestade de Deus. A criação, então, contém algum “refl exo da 
verdadeira felicidade”, que poderá servir de indicação para a fonte e satisfação dessa 
alegria: Deus (Ibid., p. 249).
No período Medieval
As tendências do período antigo acentuaram-se no período 
medieval. O clero centralizou e exclusivizou a leitura da Bíblia. A 
Teologia se distinguiu da doutrina e se tornou nas grandes escolas 
uma forma de pensamento especulativo da fé. O monasticismo (a 
partir do séc. VI, com Bento) se tornou a 
grande força missionária e de espiritualidade 
da época. Aqueles que estavam fora 
dele, mas compunham a cristandade, se 
apegaram à religiosidade e, quando muito, 
ao misticismo medieval. O misticismo 
medieval, caracteristicamente apofático, 
gerou representantes interessantes e que 
são lembrados até hoje na história da 
espiritualidade, como por exemplo Bernardo 
de Claraval (monge de Claraval, França, que 
viveu entre 1090 a 1153). Conforme ele a 
Escritura Sagrada, pela qual possuia grande apreço, deveria ser muito 
mais orada do que estudada. Seus textos se caracterizavam pela ênfase 
no sentimento e na linguagem poética, como o que segue:
Existe indubitavelmente uma espantosa 
analogia entre o azeite e o nome do Amado, pelo que 
a comparação apresentada pelo Espirito Santo não é 
arbitrária. A não ser que possais sugerir algo de melhor, 
afi rmarei que o nome de Jesus possui semelhança com o 
azeite na tripla utilidade deste último, nomeadamente, 
para iluminar, na alimentação e como lenitivo. Mantém 
a chama, alimenta o corpo, alivia a dor. É luz, alimento 
e medicina. Observai como as mesmas propriedades 
podem ser encontradas no nome do noivo divino. 
Quando pronunciado fornece luz; quando meditado, 
alimenta; quando invocado, serena e abranda (Bernardo de Claraval).
Monastério medieval
Fonte:Wikimedia Commons
Bernardo de Claraval
Fonte:Wikimedia Commons
Teologia e Prática da Espiritualidade34 
Outro nome bem conhecido, principalmente por ter sido 
o grande inspirador de Lutero, foi 
Meister Eckhart (1260-1327). Monge 
dominicano, fi lósofo e místico, que se 
serviu do neoplatonismo para explicar 
sua compreensão de Deus. Nessa época 
surgiram também várias mulheres que 
contribuíram com a mística cristã, como: 
Hildegarda de Bingen, Gertrudes a Grande, 
Matilde de Magdehurgo, Matilde de 
Hackeborn e a conhecida Teresa de Ávila.
Na Reforma Protestante
De todos os reformadores, Lutero parece ter sido o que mais foi 
infl uenciado pela mística medieval. Seus escritos transparecem essa 
forma de espiritualidade bastante dependente de uma relação mais 
íntima e interna com Deus, como se pode 
observar pelo trechoa seguir:
A santidade cristã ou a santidade comum da 
cristandade é a seguinte: quando o Espírito Santo dá 
às pessoas fé em Cristo, santifi cando-as pela fé (Atos 
15.9). Em outras palavras, quando o Espírito cria 
um novo coração, uma nova alma, um novo corpo, 
uma nova obra e uma nova natureza e escreve os 
mandamentos de Deus em corações (2 Coríntios 3.3), 
não em tábuas de pedra (LUTERO, 2001, p. 11).
No entanto, eles propuseram um 
novo paradigma de espiritualidade cristã ao afi rmarem o sacerdócio 
universal de todos os crentes, ou seja, que todos temos livre acesso a 
Deus. Isso implica que não dependemos de mediadores humanos para 
nos relacionarmos com Deus. Podemos fazer-lhe orações, oferecer-
lhe nossas vidas em serviço, ler a Palavra e buscar entendê-la, pois, 
conforme ele, o Espírito Santo ilumina a todos igualmente para o 
entendimento das Escrituras. 
Martinho Lutero
Fonte:Wikimedia Commons
Tereza de Ávila 
Fonte:Wikimedia Commons
35
Lutero esclarece ainda que o conhecimento de Jesus Cristo e 
sua graça que recebemosda Palavra nos torna pessoas livres. Como 
seres livres em Deus estamos prontos para o serviço ao próximo e as 
boas obras, como fruto de nossa própria 
liberdade. Nisso está a verdadeira 
espiritualidade cristã, na liberdade 
diante de Deus.
Calvino também afi rmava que 
o o homem somente se compreende 
de fato em Deus. Menos místico, 
mais fi lósofo e sistemático em seus 
pensamentos teológicos, ele relacionava 
a espiritualidade à disciplina da vida 
cristã, sua ética e reconhecimento da 
verdade.
O pietismo, movimento posterior à 
Reforma e que aconteceu dentro do luteranismo, apresentou uma nova 
forma de espiritualidade. O ortodoxismo que passou a caracterizar o 
protestantismo pós-reforma foi críticado pelos pietistas, que fi zeram 
a chamada para a experiência da fé cristã, não somente sua confi ssão. 
Retomaram a importância da oração e da leitura piedosa das Escrituras 
e fi caram conhecidos como um movimento de espiritualidade. 
Já no moravianismo, movimento interno do pietismo, aliaram 
essa prática da espiritualidade à vida missionária para outros povos. A 
oração serviu não somente para alimentar a vida espiritual, mas para a 
vocação e a sustentação da obra missionária.
Na Modernidade
A Espiritualidade na modernidade possui várias representações. 
Não há mais cristandade (uma sociedade cristã, aliada com o Estado) 
no sentido medieval, pois o próprio cristianismo se apresenta na forma 
de protestantismo e seus vários movimentos, catolicismo ocidental e 
catolicismo oriental. Cada segmento cristão faz apresentações de suas 
concepções de espiritualidade subsidiadas por teologias diversas.
No protestantismo tanto encontramos aquelas formas mais 
João Calvino
Fonte:Wikimedia Commons
Teologia e Prática da Espiritualidade36 
racionalistas de vivência da fé, quanto aquelas piedosas e devotas. 
Destaca-se nesse período o movimento evangelical. Surgiu na 
Inglaterra no séc. XVIII, no interior da Igreja Anglicana e afi rmava 
a necessidade de arrependimento, conversão e mudança de vida, 
com isso, a necessidade da evangelização e da experiência da fé. Este 
movimento foi infl uenciador do metodismo e gerador de um esforço 
missionário no séc. XIX para várias partes do mundo. Ele surgiu 
no contexto dos chamados grandes avivamentos (na Inglaterra, na 
América do Norte e com vários focos na Europa). Estes avivamentos 
foram como que movimentos radicais de espiritualidade, voltando-se 
para uma experiência de retorno ao primeiro amor, e redespertar para 
uma vida cristã transformadora.
O Pentecostalismo
No início do séc. XX surgiu nos Estados Unidos um novo 
movimento de espiritualidade que chamaram de Pentecostalismo, sob 
a liderança de William Seymour. Afi rmava a atualidade do batismo no 
Espírito Santo e dos dons espirituais, até então compreendidos como 
específi cos da Igreja do primeiro 
século.
O pentecostalismo se espalhou 
por vários lugares no mundo, mas seu 
impacto maior foi na Ásia, África e 
América Latina. Embora tenha dado 
origem a várias Igrejas até os dias de 
hoje, sua importância também está 
na contribuição para a revitalização 
da vida cristã e do culto nas igrejas 
históricas. 
Originalmente, para o pentecostalismo a vida com Deus passa 
por uma via pneumatológica, ou seja, do poder do Espírito Santo, bem 
como a vida e missão da Igreja no mundo.
Wiliam Seymour
Fonte:Wikimedia Commons
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Um pouco de atualidade
Na atualidade temos, além do pentecostalismo que continua 
a comprovar sua vigência e força de influência, os movimentos 
teológicos do mundo dos dois terços que apresentam também suas 
formas de espiritualidade. Elas são sempre muito relacionadas à uma 
nova práxis cristã no mundo (práxis: ação tranformadora), solidária e 
preocupada com a realidade concreta. 
Dentre elas destacam-se a teologia da libertação (ver 
“espiritualidade da libertação”, na unidade 10), e a teologia da missão 
integral, que propõe uma missão e forma de espiritualidade mais 
abrangente, holística e preocupada com o todo, como bem aborda o 
texto de apoio desta aula. Para tanto, apresenta o contexto percebido 
integralmente como lugar de onde se busca conhecer Deus e onde 
realizamos nossa missão. Da mesma forma, a Escritura deve ser lida 
como Palavra de Deus em um contexto, como também é contexto de 
vida, deve ser visto de modo integral.
Conclusão
Nesta unidade vimos que a espiritualidade, embora tipicamente 
cristã e, porranto, fundamentada em princípios que são sustentados em 
comum, foi adquirindo inúmeras facetas e variações. Um passeio pelos 
principais períodos da história deixou-nos uma, ainda que superficial 
e breve, impressão de que o Senhor é único, Cristo, mas as expressões, 
linguagens e experiências que encampam uma espiritualidade cristã 
são diversas e, muitas vezes, conflitantes. O mais importante, sobretudo 
se queremos pensar em uma espiritualidade humana e relevante para 
nosso tempo, é que pensemos que, desde os mais remotos tempos e 
situações, Deus nos convida a fincar raízes, mantendo os pés no chão 
desta história, mas com os olhos fitos em Jesus Cristo e na esperança 
nele depositada. Nas próximas unidades, prosseguiremos nosso estudo 
olhando um pouquinho para a teologia da oração, como importante 
vertente dos estudos em espiritualidade. Até lá!
Teologia e Prática da Espiritualidade38 
Glossário
1. - A espiritualidade apofática parte da concepção teológica de que a mente 
humana não consegue compreender plenamente os mistérios de Deus e que 
isso condiciona sua espiritualidade. Devido a isso ela é mais contemplativa 
e com ênfase no esvaziamento e na negação dos desejos. A espiritualidade 
catafática, por sua vez, baseia-se na afirmação dos pensamentos e desejos na 
devoção cristã.
2. - Neoplatonismo usulamente se refere a filosofia de Plotino (205-270) e 
aos individuos que eventualmente a ele se juntaram. Como última grande 
filosofia do mundo antigo, de acordo com Paul Tillich, “ era uma filosofia 
negativa, uma filosofia de escape deste mundo. Queria a elevação da alma 
acima do mundo material às alturas mais sublimes” (TILLICH, 1988, p. 
109).
Referências bibliográficas
BOSCH, David. Missão Transformadora. Mudanças de paradigma na 
teologia da missão. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002.
McGRATH, Alister. Uma introdução à espiritualidade cristã. São Paulo: 
Vida, 2008.
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Leopoldo: ASTE, 
1988.
LUTERO, martinho. Como reconher a igreja. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
Anotações
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Teologia e Prática da Espiritualidade 
Unidade 5: 
Espiritualidade e oração (I)
Introdução
A oração sem dúvida é um dos assuntos mais tratados 
na teologia e prática da espiritualidade. Aposto que não se ora 
tanto quanto se fala de oração ou sobre a necessidade que o 
crente tem de orar. Poucas vezes, contudo, se trata de modo 
justo, honesto e bíblico da oração. Sem contar que nossas 
abordagens bíblicas ao tema, muitas vezes, seguem uma 
linha funcional e superficial, com citações de versículos que 
supostamente falam sobre “o poder da oração”, os resultados 
da vida de quem ora sempre, etc. 
Assim, um aprofundamento bíblico e teológico sobre o 
tema é necessário. Nas duas próximas unidades proponho uma 
tentativa de traçar, por vias mais honestas e humanas, bíblica 
e teologicamente, o tema da oração relacionando-o ao tema 
da integridade, utilizando como exemplo a vida de Jeremias, 
e fiando-se no pensamento de autores contemporâneos da 
espiritualidade que têm seguido semelhante caminho.
Objetivos
1. Questionar ideias e percepções comuns sobre a 
oração sustentadas na igreja.
2. Perceber as virtudes e ganhos para a espiritualidade 
de se relacionaro tema da oração ao da integridade.
Teologia e Prática da Espiritualidade40 
Inquietações com o tema
Poucas vezes a oração esteve entre os meus temas prediletos. 
Talvez porque as exigências que quase sempre ouvia em relação a 
ela soassem pesadas e grandes demais para os raros momentos de 
oração que dedicava. Na adolescência, me diziam que a oração é um 
elemento fundamental na vida de qualquer cristão verdadeiramente 
convertido, como uma espécie de “termômetro da espiritualidade”: 
quanto mais intensamente se ora, mais próximo de Deus se está, logo, 
mais “espiritual” se é. Essa lógica sempre me soou muito própria do 
ponto de vista da vida cristã formal – que eu tinha como referencia – 
mas, ao mesmo tempo, bem imprópria levando em consideração meu 
pequeno grau de adequação a esses moldes.
Fora isso, ainda tinha o desânimo que 
batia ao ver (e ler) certas coisas sobre oração 
que a tratavam como um negócio. Era quase 
como se estivessem dizendo que oração 
é fazer business com Deus. Só não diziam 
que é um tipo de business do qual Deus 
mesmo, geralmente, está ausente. Afi nal, 
porque precisamos de Deus, não é mesmo? 
A oração já faz tudo: ela liberta, expulsa 
demônios, gera emprego, cura doenças, traz 
o marido ou a esposa de volta, promove a 
prosperidade, tem o poder de converter o 
coração de pessoas e, mais do que isso, de 
“mover o coração de Deus”. 
Não me esqueço da primeira frase 
que li no livro “A oração de Jabez”, de Bruce 
Wilkinson (2001, p. 2), em que o autor dizia: 
“Caro leitor, quero ensinar-lhe como fazer 
uma oração à qual Deus sempre atende”. Foi o 
sufi ciente para eu não querer ler mais. E nem 
precisava, precisava?
Ainda hoje me impressiono 
positivamente ao ver pessoas, como meu Prof. Steve Kawamura
41
colega, professor Steve Kawamura, que são intercessoras por natureza. 
Mas tenho tentado deixar de lado a ilusão de orar tanto quanto elas 
ou de ser igual a elas, pois isso é algo que nunca serei. Tento admirá-
las como admiro quem serve com naturalidade e prazer, quem canta 
maravilhosamente, quem apara cuida de um jardim como ninguém, 
quem cozinha coisas deliciosas, quem joga futebol magicamente, ou 
quem ensina e discursa conseguindo prender a atenção das pessoas 
do começo ao fi m. São dons 
especiais. 
Mas orar não tem 
a ver só com o dom de 
intercessão. Aprendi há 
algum tempo que, orar, mais 
do que interceder ou falar 
com Deus, é viver. Paulo diz: 
“Orai sem cessar” ou “orem 
continuamente” (1Ts 5.17). 
Isso signifi ca que, mesmo 
quando o falar cessa, a oração não termina; Deus continua falando, e 
nós devemos continuar ouvindo a sua voz, que, apesar de inaudível, 
não cala. Deus tem seus meios, os mais diversos, para falar conosco e 
apontar o caminho certo. E tenho aprendido que, não obstante toda 
formalidade que ainda impera nesse quesito, há também muitos jeitos 
de orar, de andar e me relacionar com Ele. Além de recomendar a 
oração contínua, o apóstolo ainda recomenda que se dê graças a Deus 
em todas as circunstâncias da vida. T-O-D-A-S! Más ou boas, tristes ou 
alegres, na carestia ou na prosperidade; num quarto fechado, na igreja, 
em silêncio, reclusão ou em meio ao barulho do cotidiano, nas ruas da 
cidade; por meio de cerimônia, ou dispensando qualquer cerimônia; 
coletiva ou individualmente. 
Assim, a oração é um ato sublime e incessante de uma vida 
que ama e teme ao Senhor. Ela pode não mudar o que Deus é, nem o 
quanto ele nos ama, mas NOS transforma; o nosso espírito se converte 
ao Espírito de Deus. Perseverar e viver continuamente em oração não 
implica em apressar Deus, nem ensinar como Ele deve agir. A demora 
de Deus, para nós, implica que não conhecemos o kairos (tempo, 
Fonte: Depositphotos
Teologia e Prática da Espiritualidade42 
oportunidade, de Deus) e sua maneira de dar andamento e resolver as 
coisas. Orar, fi nalmente, signifi cará abrir nossa vida diante de Deus e 
ser receptivo ao que tem feito e fará...
Jeremias
Tu me conheces, SENHOR; lembra-te de 
mim, vem em meu auxílio e vinga-me dos meus 
perseguidores. Que, pela tua paciência para com 
eles, eu não seja eliminado. Sabes que sofro afronta 
por tua causa. Quando as tuas palavras foram 
encontradas, eu as comi; elas são a minha alegria 
e o meu júbilo, pois pertenço a ti, SENHOR Deus 
dos Exércitos. Jamais me sentei na companhia dos 
que se divertem, nunca festejei com eles. Sentei-
me sozinho, porque a tua mão estava sobre mim e 
me encheste de indignação. Por que é permanente 
a minha dor, e a minha ferida é grave e incurável? 
Por que te tornaste para mim como um riacho seco, 
cujos mananciais falham? (Jr 15.15-18).
O estilo de orar de Jeremias certamente não seria indicado a 
nenhum Prêmio Nobel de Oração, se esse negócio existisse (às vezes, 
mesmo que às escuras, ele parece existir); nem publicado num livro 
(Best seller) como sendo a oração que devemos repetir, porque Deus 
sempre atende. Por isso, me sinto razoavelmente confortável para falar 
de oração agora. Não porque Jeremias seja modelo, mas porque ele 
é um anti-modelo; até porque não creio que oração tenha a ver com 
modelos, nem com pacotes fechados. 
Se não havia dissonância entre a vida e o livro de Jeremias, 
como o estudo de sua história me faz acreditar, o mesmo parece ser 
verdade sobre sua vida como profeta e sua vida de oração. As mesmas 
dores, angústias, ira, medo, lágrimas, alegrias, prazer, tristezas, raiva e 
depressão geradas por seu ministério profético eram matéria de suas 
conversas, nem sempre cordiais ou piedosas, com Deus. Em outras 
Profeta Jeremias (escultura de Aleijadinho)
Fonte:Wikimedia Commons
43
palavras, ao orar, Jeremias mostrava que era humano e, precisamente 
por isso, que precisava de Deus. Vejamos alguns pontos interessantes 
na oração acima exposta.
Primeiro, ele se mostra carente, rejeitado (pelo pecado e 
indiferença do povo), e impaciente, clamando pela intervenção divina, 
que parecia retardar em função de sua paciência e longanimidade 
(v. 15). É como se ele estivesse dizendo: “Você me colocou nisso, e 
agora, por tua causa, eu estou sendo prejudicado. Vê se me livra dessa, 
Deus!”. Jeremias se mostra aqui igualzinho a qualquer um de nós – 
quando “nosso tempo compulsivo colide frontalmente com o tempo 
da providência divina” (PETERSON, 2003, p. 122) – tentando ensinar 
Deus a como ser soberano, e a como ser Deus! 
Segundo, ele afirma ser solitário, em seu trabalho de profeta, 
não tendo ocasião para se sentar com uma galera em festa, dando 
risadas e se divertindo (v. 17). A tarefa de pensar, refletir, pregar e 
desvendar significados é uma tarefa muitas vezes solitária, sobretudo 
no caso de Jeremias. E, por mais necessário que seja, consciente e 
irredutível que se esteja, a solidão bate e, com ela, o desejo de convívio. 
E não havia porque esconder nada disso de Deus, já que tudo era “por 
causa Dele”. E o profeta diz se sentir “oprimido” pela mão de Deus. Por 
mais que fazer parte das causas Dele seja um privilégio, nem sempre é 
prazeroso (e nem tem que ser, tem?).
Terceiro, ele se revela sofredor (v. 18a). Sofremos muitas vezes 
por determinadas posições que ocupamos. Por mais necessárias e 
reconhecidamente importantes, elas (e os tipos de reação que temos 
em relação a elas) nos conduzem a lugares de sofrimento. Lembro-
me que, desde criança, sempre fui muito conseqüente. E minha 
conseqüência me levava a não revidar com força (e as vezes nem 
revidar), as provocações de minha irmã caçula. E, como eu não queria 
revidar, para não ser injusto nem fazer besteira, esperava justiça do 
meu pai. E nem sempre essa justiça vinha do modo como eu esperava. 
Daí, vinha a revolta; aí a gente pensa e fala besteira, mesmo sem fazer. 
Esse é o lugar de Jeremias, de revolta e dor, por razões muito maiores. 
E ele quer partilhar com Deus essa dor. Através da oração ele pode 
fazer isso. 
Teologia e Prática da Espiritualidade44 
Quarto, além de sofredor, ele também se mostra irado com 
Deus. A sensação é de queDeus o abandonou; no começo, parecia 
promissor andar ao seu lado. Depois, veio a decepção de ver que Deus 
nem sempre age do modo como esperamos, e que ser amigo de Deus 
implica em ter de conviver com inimizades outras. Então, Jeremias 
destila toda sua honestidade, quando diz (na tradução A Mensagem): 
“Você não é nada mais do que uma miragem, Deus; um adorável oásis 
à distância, e então nada!” (v. 18b). 
Sinceramente, não sei como na nova versão do livro “Corra com 
os cavalos”, de Eugene Peterson (2008), os editores tiveram a proeza de 
dizer, em um dos capítulos, que Jeremias é 
“o mais animado dos profetas”. Não entendo 
isso, pelo menos não nesse sentido quase 
neurolinguístico para a palavra “ânimo”. É 
o mesmo que querer “achar pelo em ovo” – 
e olha que tem gente por aí que “acha que 
achou”, sobretudo diante da necessidade de 
dar aos livros um maior “apelo comercial”.
Mas, não nos enganemos com esse 
negócio de honestidade, do da qual sou 
admirador, porém, consciente de que ela nem 
sempre será recebida e acolhida com uma 
tonalidade positiva. No caso de Jeremias, foi 
uma amostra de sua intimidade, sem desfaçatez ou pieguismo, com 
Deus, o que é bom. Na oração, não precisamos de máscaras ou disfarces; 
queiramos ou não, estamos nus diante de Deus. Por outro lado, revela 
a perda do foco e das prioridades. A excessiva preocupação com o que 
os outros pensam ou dizem sobre nós, pode revelar uma desmedida 
preocupação conosco, o que pode ser um sinal de que perdemos Deus 
de vista, e esquecemos de nossa vocação, o que Ele nos chamou a ser 
e a fazer. 
Mas, como lembra Peterson, no momento em que Jeremias 
coloca esses sentimentos em oração, algo começa acontecer. Deus, além 
Livro de Eugene Peterson (2008)
45
de ouvir atentamente, o convida a rever as palavras ditas, restabelecer 
prioridades e a renovar suas perspectivas, não como alguém ofendido 
por sua postura, mas desejoso de vê-lo avançar e crescer. Deixar 
falar os sentimentos às vezes significa, ainda que do lugar legítimo 
da intimidade, dizer coisas que prejudicam o relacionamento. Então, 
corremos o risco de dizer coisas “vis”. Mas Deus, como fez com 
Jeremias, abre as portas ao arrependimento sincero, e nos chama a 
separar o precioso do vil (v. 19), e recolocar o vagão de nossas vidas 
nos trilhos de sua vontade. 
Conclusão
Vimos nesta unidade que uma das vantagens de se relacionar 
o tema da oração à vida é que, assim, ela deixa de ser uma prática 
espiritual “distinta”, nos humaniza e passa a estar relacionada com 
um jeito de ser no mundo, em nossa relação com os dilemas do dia 
a dia e com o fato de que Deus se preocupa conosco e não está “lá no 
céu” simplesmente, dispensando ou não suas bençãos de acordo com 
a eficácia da oração de seus filhos. Não existe oração eficaz, senão a 
oração do Espírito em nós. É ela que faz com que nossos gemidos ou 
nosso silêncio chegue até Deus. Nos concentraremos especialmente 
neste aspecto da oração na próxima unidade. 
Até breve!
Referências bibliográficas
PETERSON, Eugene. Corra com os cavalos. Viçosa, MG: Ultimato; Niterói, 
RJ: Textus, 2003. 
_______. Ânimo: o antídoto bíblico contra o tédio e a mediocridade. São 
Paulo: Mundo Cristão, 2008.
WILKINSON, Bruce. A oração de Jabez. São Paulo: Mundo Cristão, 2001.
Teologia e Prática da Espiritualidade46 
Anotações
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Teologia e Prática da Espiritualidade 
Unidade 6: 
Espiritualidade e oração (II)
Introdução
Dando continuidade à unidade anterior, em que 
tratamos da oração na perspectiva de uma vida humana 
íntegra, quero convidá-los a prosseguir agora pensando em 
formas e exemplos de oração. A forma usual de oração é aquela 
que fazemos em voz alta, em público ou no secreto do quarto 
(como Jesus recomendou que fosse), e tentamos exprimir em 
palavras aquilo que Deus já vê bem fundo e com transparência 
em nós, antes mesmo que o discurso seja formulado. Nesta 
unidade, porém, gostaria que pensássemos que a oração pode 
existir mesmo que não expressa, habitando viva no silêncio 
da alma e do coração. Em seguida, trarei alguns exemplos de 
oração que a gente geralmente não encontra na igreja, orações 
honestas que expressam dúvidas, incertezas, mas também 
confiança em Deus e no seu poder que, por fim, são maiores 
que a própria oração e dão sentido a ela, mesmo quando não 
enxergamos de cara.
Objetivos
1. Reconhecer a possibilidade da vivência da oração, 
mesmo quando não há palavras, seguindo a ideia de que orar 
é viver.
2. Elaborar, a partir dos referenciais de pensamento e 
vida aqui pontuados, sua própria teologia da oração.
Teologia e Prática da Espiritualidade48 
Oração e silêncio
Uma das percepções centrais no pensamento de Henri Nouwen 
é a da oração como “modo de vida”. Ou seja, 
orar seria para ele outro sinônimo para viver. 
Viver a vida deixando-se ser encharcado 
pela presença de Deus e por tudo o que ela 
envolve. Nesta percepção, orar é um ato 
do ser que se traduz em palavras, mas não 
somente em palavras. Pois palavras são, 
segundo Nouwen, “apenas um modo de 
expressar a realidade da oração” – talvez o 
mais recorrido na tradição cristã para a qual 
a palavra é tão importante (para muitos, 
imprescindível). 
Esta visão vai ao encontro de tudo 
o que temos visto até aqui, e de uma intuição pessoal, fruto não só 
de experiências com a oração, mas da percepção de sua (in)efi cácia 
no mundo real no tocante à vida humana e seus mistérios, onde as 
palavras nem sempre encontram “o sentido” ou “fazem sentido”. É a 
intuição de que a oração genuína acontece (antes) no coração e pouco 
pode ser captada pelo discurso. Aliás, normalmente somos traídos 
pelo discurso, que tende a mascarar (no cativeiro da linguagem) o que 
se passa no coração e que talvez os olhos e a expressão refl itam um 
pouco melhor, embora sempre parcialmente. 
Dessa forma, sinto-me impelido a, como Nouwen, “redescobrir 
os momentos de oração nos rostos do homem e nas formas do mundo 
em que ele vive”, de um modo que somente um contemplativo crítico 
e sensível da realidade pode fazer, despido das urgências de seu 
ambiente e da tendência comum em trivializar a oração, por um lado, 
tornando-a um ato mecânico-religioso, e de fetichizá-la, por outro, 
como uma “varinha de condão”. 
Quando paro para contemplar, por exemplo, algumas histórias 
de vida sofridas de estudantes (que trabalham de dia e estudam a noite, 
ou que estão em busca de trabalho) e lutam diariamente

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