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PLANEJAMENTO, ORGANIZAÇÃO CURRICULAR E AVALIAÇÃO EDUCACIONAL (POCE) Sumário UNIDADE I – Currículo ................................................................... 4 UNIDADE II – Organização, Gestão e Avaliação ........................ 23 Introdução O conteúdo “Planejamento, organização curricular e avaliação educacional (POCE)” é um dos quatro pilares da Especialização em Docência para o Ensino Superior, além de fazer parte da “Coleção Educação”, organizada pela Biblioteca IMES, da Faculdade ImesMercosur, integrando também outros componentes curriculares de estudo. A literatura disponível a respeito da docência, em sua maioria, prioriza temas referentes a prática docente na Educação Básica. Renomados autores abordam aspectos da docência nesse nível de ensino, fazendo, portanto, que na compilação desse material proposto no Curso de Especialização em Docência para o Ensino Superior façamos a releitura dessas obras, voltando o olhar diretamente a aplicação/adaptação daqueles conceitos à docência universitária. Essa visão nos acompanhará ao longo dos quatro conteúdos específicos desse Curso. O tópico “Planejamento, organização curricular e avaliação educacional (POCE)” traz, em seu desenvolvimento, a compilação de relevantes textos sobre o assunto, reunindo os autores Vani Moreira Kenski, Jussara Hoffmann, Mary Rangel, Jaume Carbonell e a contribuição de Jucimara Oliveira da Silva na reflexão sobre a complexidade do processo de organização e de gestão da escola, culminando no processo de avaliação educacional frente a não menos complexa formulação dos currículos, resgatando estudos de Ireno Antonio Berticelli e Tomaz Tadeu Silva, que se mostram atualíssimos diante o cenário vivenciado hoje na construção do currículo nos variados níveis de ensino. Tenha dedicação ao estudo desse compêndio, na perspectiva do seu aprimoramento docente e no desenvolvimento da educação nacional de qualidade. UNIDADE I – Currículo CURRÍCULO: TENDÊNCIAS E FILOSOFIA Ireno Antonio Berticelli Este estudo é convite a uma incursão pela história do currículo, para conhecer algo de sua genealogia, das tendências e da filosofia. Não se trata de levar às últimas consequências nenhum destes aspectos, nem mesmo de defender um ponto de vista, nem, tão pouco, de se ater a um único olhar ou destacar e, muito menos, propor uma teoria curricular com acento privilegiado sobre qualquer outra. Partindo da gênese do conceito de currículo, busca-se, sim, verificar em que contextos e a partir de que lugares se construíram modos de entender o que é currículo. E, reconstruídos os modos de entendimento do currículo, tentou-se acompanhar-lhe os movimentos, isto é, as migrações, as desterritorializações e transformações que sofreu ao longo do tempo e nos diversos lugares. Partindo do pressuposto de que o currículo é construção, subentende- se que as várias formas que assume obedecem a discursividades diferentes, em que habitam filosofias resultantes das intencionalidades que o produzem, nos diversos tempos e nos mais diferentes lugares. Tempo e lugar ou, se se quiser, tempo e espaço diferentes produzem discursividades diferentes e, portanto, modos diferentes de entender e de produzir currículo (os currículos). Quer-se, aqui, entender que sendo o currículo resultante de discursividades diferentes, de intencionalidades diversas, de representações várias, nem sempre mostra, na superfície, tudo o que pode mostrar ou significar, em termos de consequências que pode produzir (McNeil, 1995). Currículo é lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, produto de uma lógica explícita muitas vezes e, outras, resultado de uma “lógica clandestina”, que nem sempre é a expressão da vontade de um sujeito, mas imposição do próprio ato discursivo. Além de examinar o currículo como instrumento prescritivo utilizado ao longo do tempo, buscou-se situá-lo no contexto social, quando extrapola o âmbito fechado do sujeito para inserir-se na memória coletiva como expressão política e ideológica mais complexa e plural. Busca-se entender como este fenômeno aconteceu no Brasil, no decurso do tempo, destacando as tendências principais para, finalmente, fazer uma abordagem das mais recentes tendências de entender o currículo à luz dos estudos culturais, em que as diferenças produzem situações, entendimentos, resultados, ações, tratamentos, significados, coisas e estados de coisas diferentes que devem e necessitam ser levadas em conta por todas as pessoas em geral e pelos educadores em particular. Afinal, a questão do currículo é a questão central que diz respeito àquilo que a escola faz e para quem faz ou deixa de fazer. Velhos e novos olhares: um pouco de história O termo “currículo” deriva do verbo latino currere (correr). Há os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forensis. Carreira do foro, cursus bonorum: carreira das honras, das dignidades funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas (Enciclopédia Mirador Internacional). O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682 já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursino”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, a palavra curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido, também, pela palavra course. Somente no século XX a palavra curriculum migra da Inglaterra para os Estados Unidos sendo empregada no sentido de curriculum vitae. O aportuguesamento da palavra, no Brasil, se dá por volta de 1940. Há que se atentar para a seguinte particularidade: em determinados momentos (a partir de 1756), a palavra curriculum foi utilizada como diminutivo de currus (carro), que nada tem a ver com o sentido que lhe atribuímos hoje, nem como curriculum vitae nem como currículo escolar. Ao buscar as origens do currículo, tal como se entende hoje, sob a dupla dimensão do documento escrito e daquilo que é educativo, colocamo- nos, desde já, num emaranhado de filigranas semânticas e históricas que só muito lenta e recentemente se mostram como questão de domínio geral. Para exemplificar isto, citamos, abaixo, a definição da Enciclopédia Mirador Internacional: Currículo, do ponto de vista pedagógico, é um conjunto estruturado de disciplinas e atividades, organizado como objetivo de possibilitar seja alcançada certa meta, proposta e fixada em função de um planejamento educativo. Em perspectiva mais reduzida, indica a adequada estruturação dos conhecimentos que integram determinado domínio do saber, de modo a facilitar seu aprendizado em tempo certo e nível eficaz. Esta é uma síntese cuja elaboração histórica percorreu longo e plural caminho. Supõem-se, neste conceito, várias construções, como: pedagogia, disciplinas, atividades, objetivos, metas, função, planejamento (educativo), domínio do saber (ciências particulares), aprendizagem, “tempo certo”, nível de aprendizagem, eficácia da aprendizagem. Estes são domínios de conhecimentos bem tardios. Verificamos que a palavra curriculum migrou da Inglaterra para os Estados Unidos por volta de 1940. É apenas a partir de aproximadamente 1945 que o conceito começa a se delinear, como produto da era industrial, quando se diversificam os saberes e as demandas de saberes emergentes. Ainda que a partir de 1920 já se tenham orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que “aparecem as primeiras formulaçõescom um maior grau de articulação” (Diaz Barriga, 1992, p.16, apud Terigi, op. Cit. P.162). Fruto da modernidade, quando a unidade filosófico-teológico se rompe para dar origem às mais diversas ciências particulares, emergentes da técnica, o saber educacional adquire a forma de uma ciência nova, a ciência pedagógica. Neste contexto é que surge o currículo, como ordenamento de saberes educativos. O conceito de currículo, acima transcrito, revela a multiplicidade de saberes, correlatos de várias ciências. Isto nos leva a assumir que o currículo se desenvolve concomitante e inspirado nas linhas conceituais da pedagogia estadunidense a que Dias Barriga chama de “pedagogia da sociedade industrial”. Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que dizem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, uma das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, amadurece com Newton e se expande definitivamente com a era industrial. A partir da era industrial se faz a produção do sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós- Segunda Guerra Mundial. Não se pode olvidar a presença do currículo no Oxford English Dictionary, desde 1633, segundo nos informa Hamilton (1991, p.197, apud Terigi, op. Cit, p.162), mais como uma ocorrência terminológica que como um significante, com o sentido que conhecemos hoje. Em Platão e Aristóteles, currículo era o termo que utilizavam quando queriam referir-se aos temas ensinados. Portanto, num sentido bem próximo daquele que emergiu da modernidade. Não significa isto que tenha havido um “amadurecimento”, ainda, da questão curricular, mesmo em países tidos como muito “avançados” e de grande desenvolvimento cultural. Na França, a discussão em torno do currículo tardou muito a se configurar. Os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura escolar, em dias tão recentes, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta (Forquin, 1996). E, segundo Forquin, as discussões sociologias sobre o assunto aparecem, na Grã- Bretanha, somente a partir dos anos de 1960. Ou seja, por muito tempo, os saberes escolares foram tidos como “naturais” e não “problemáticos”. Terigi faz uma importante distinção ternária, ao se reportar à “verdadeira” origem do currículo, segundo três enfoques de três autores diferentes. Diz, textualmente: Se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação da sociedade industrial, acharemos sua origem nos Estados Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga, ou ainda um pouco antes, na década de 1920; Se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em alguma universidade europeia, como propõe Hamilton; Se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar, como Marsh, a Plantão e, talvez, até antes dele (Terigi, 1996). Esta distinção tem o mérito de contemplar o sentido de “origem” em sua multiplicidade de sentidos. A autora se atém às três possibilidades de determinar a origem do currículo, sem descartar a possibilidade de tantas outras mais, na dependência de diferentes enfoques. Filosofia e currículo: as prescritividades Partimos do pressuposto teórico de que currículo é construção. Se é construção, então a pluralidade curricular é correlata às formas epistemológicas das discursividades. “Sua construção supõe certa perspectiva assumida na área da filosofia da educação, dado que é em função do sistema a que se dá assentimento que se precisam a direção e o sentido próprio do processo pedagógico” (Enciclopédia Mirador Internacional). O autor do verbete currículo, da enciclopédia que aqui se cita, vincula o conceito de currículo a realidades sociais e culturais, tendo em vista que são estas que decidem sobre a possibilidade ou não de certa organização, mesmo de sua conveniência ou inconveniência. Põe-se em relevo, nestes termos, o caráter político e a ordem do poder, na determinação do currículo: é a concretude da prescritividade que materializa no currículo. Isto autoriza os estudiosos a fazer o currículo remontar à Grécia clássica, dada a prescritividade da educação entre gregos, a exemplo da educação espartana, de caráter eminentemente militar, em que, para cada tempo (idade do educando), havia exercícios físicos e intelectuais bem marcados. Vale dizer o mesmo para a educação praticada em Atenas, onde o ideal da Paidéia se realizava prescritivamente. Se considerada a prescritividade como parâmetro, a Idade Média se caracterizou pela educação e ensino pautados pelo Trivium e pelo Quadrivium, um currículo disciplinar bem definido. A prescritividade já não caracteriza apenas um dos aspectos da origem do currículo, senão que diz respeito à sua ontologia, se tido em seu conceito. A prescritividade continua presente em toda a ideia de currículo e em todas as práticas curriculares. Contudo, não se sustenta mais manter um critério curricular universal e um currículo fechado em uma prescritividade única. Em currículo, cultura e sociedade (Moreira e Silva, 1994, p.28), os autores rejeitam o conceito de currículo como um rol de coisas a serem transmitidas e absorvidas com passividade. O currículo é, antes, “...um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. “Recriação” e “transgressão” são os termos que põem de manifesto a dinâmica curricular. Rompe-se, assim, o sentido monolítico em que tantas vezes se enredam professores, diretores e supervisores, na prática escolar. Uma concepção dinâmica de currículo só pode ser construída quando se pensam, conjuntamente, currículo e sociedade. Na acepção corrente nos países de língua inglesa e francesa, o currículo é entendido como conjunto de coisas que se ensinam e coisas que se aprendem, de conformidade com uma ordem e progressão previstas, compreendendo um ciclo de estudos. Currículo se caracteriza como programa de formação, global, com coerência didática e distribuição no tempo, de forma sequencial, com situações e atividades ordenadas. Trata-se de um “programa” de estudos, um “programa” de formação. Este é o conceito formal, prescritivo de currículo (Forquin, 1996, p.187). Pode, ainda, ser entendido, o currículo, acessoriamente, segundo Forquin, como “...aquilo que é realmente ensinado nas salas de aula e que está, às vezes, muito distante daquilo que é oficialmente prescrito”. Nesta linha se entende, também, currículo como todas as ações previstas, organizadas pela escola. Portanto, a prescritividade se atém, aqui, no nível do estabelecimento de ensino. Em sentido ainda mais lato, podem-se entender como currículo os conteúdos não expressos, mas latentes da socialização escolar, “...o conjunto de competências ou de disposições que se adquire na escola por experiência, impregnação, familiarização ou inculação difusas, ou seja, tudo aquilo que os autores anglófonos designam, às vezes, pelo termo „currículo oculto‟, em contraste com aquilo que se adquire através de procedimentos pedagógicos explícitos ou intencionais” (Idem). Lato sensu, currículo diz respeito a saberes, conteúdos, competências, símbolos, valores. A normatividade maior ou menor, a maior ou menor prescritividade, é que determinam os vários sentidos de currículo e seus vários conceitos. Em qualquer acepção que se tome o currículo, sempre se está comprometido com algum tipo de poder. Não há neutralidade nessa opção. Inclusões e exclusões estão sempre presentes no currículo. Como se expressa Santomé (1996), “Toda propuesta curricular implica tomar opciones entre distintas parcelas de la realidad, supone una sellección cultural que se ofrece a las nuevas generaciones para facilitar su socialización” (p.5). E o autor se interroga,a seguir, sobre quem são as pessoas que vão participar dessa tomada de decisões acerca da seleção de conteúdo que visam ajudar as novas gerações a compreender o mundo que as cerca, conhecer-lhe sua história, promover valores e utopias. Em tais decisões é que se faz sentir o poder político, econômico, cultural e religioso. Esse é o momento em que se incluem ou excluem etnias, grupos sociais desfavorecidos e marginalizados de mulheres, trabalhadores, pessoas da terceira idade, os pobres, os mais desvalidos, os homossexuais e lésbicas, o mundo rural, meninos e meninas, adolescentes e aqueles que caracterizam o assim denominado Terceiro Mundo. Nessa exclusão / inclusão, segundo o mesmo autor, funcionam os materiais didáticos e livros-texto que materializam as propostas curriculares. Portanto, a elaboração curricular remete à questão que diz respeito ao tipo de cidadãos que se quer construir. Daí a importância do currículo posto em confronto com a sociedade. No currículo é que se colocam as parcelas da realidade que se levam à análise e conhecimento de educandos e educadores. Os recortes do real são decisivos na configuração do cidadão que se quer produzir. Nisto se efetiva a intencionalidade do currículo, a ideologia, a filosofia educacional. Neste caso, o currículo é veículo, numa coincidência feliz com o diminutivo da palavra latina Currus (carro, veículo), ou seja: curriculum. Currículo é veículo que contém a filosofia, a ideologia, a intencionalidade educacional. Santomé (op. Cit.) ressalta: Desarrollar proyectos curriculares en las aulas obliga a estar alerta ante un sin número de cuestiones: a las tareas que cada uno de los chicos llevan a cabo, al seguimiento de sus realizaciones, de lo que saben y de aquello que todavía les resulta ininteligible; a detectar sus percepciones de la realidad, valoraciones, expectativas y prejuicios; a la apreciación de su desarrollo social y emocional y de las situaciones problemáticas que afectan a sus interacciones sociales (p.1). Efetivamente, o currículo sempre é currículo para alguém, construído a partir de alguém. Urge, pois, que autor e destinatário coincidam ao convencionar o que é de fato importante. E esta coincidência só pode nascer da participação efetiva de uma proposta curricular. O professor se afigura personagem importante deste cenário, juntamente com seus alunos e não com alunos hipotéticos. O conceber um currículo demanda experiência (vivência) e reflexão teórica. Disto é que podem resultar projetos curriculares comprometidos com realidades concretas. E que tipo de questões podem interessar à reflexão e estudo de quem se compromete com um plano ou proposta curricular? As questões culturais, as questões do trabalho, as questões econômicas e políticas “são imprescindíveis para alcançar uma adequada compreensão da comunidade e do mundo em que ela vive”, diz Jurjo Torres Santomé. No ato de escrever um currículo também funciona a lógica clandestina do compreender, do pensar e do escrever, que medeia entre as intenções iniciais e o que vai para o papel como tão bem nos esclarece Flickinger (1995), quando “O conteúdo, presumidamente disponível, embaralha-se; privado inexplicavelmente da precisão intuída, ele recusa agora a representação em palavras, conceitos e frases. Ao escrever, escapa-nos a ideia às quais havíamos chegado na fase preliminar das considerações em torno do tema”. Esta situação ocorre para aqueles que estão impregnados de compromisso com o discurso pensado, com o currículo elaborado. Por isto, há premente necessidade de engajamento profissional daqueles que são responsáveis pelos currículos. Currículo e sociedade Até os anos 1960, as questões curriculares eram tratadas “em si mesmas”. Não se confrontavam com a sociedade onde se inseriam. A implicação social do currículo começou a ser pensada na Grã-Bretanha, a partir dessa década. Um tema desenvolvido por Raumond Williams em seu livro The long revolution (1961) vai se tornar um dos primeiros motivos dessa reflexão: o da cultura como “tradição coletiva”, processo de decantação e de reinterpretação permanente da herança deixada pelas gerações anteriores (Forquin, 1996 p. 189). Compreende-se, a partir de então, que o currículo traduz elementos da memória coletiva, expressão ideológica, política, expressão de conflitos simbólicos, de descobrimento e ocultamento, segundo os interesses e jogos de força daqueles que estão envolvidos (ou não) no processo educativo. Forquin, tanto quanto Santomé, destaca a função seletiva currículo, na escolha de conteúdos. Trata-se, segundo Forquin, da “seleção cultural escolar”. Quando se fala em “seleção de conteúdos”, não se fala de coisa neutra: na escolha de conteúdos curriculares se determinam variáveis sociais significativas e dinâmicas. Põem-se em jogo interesses, exercita-se poder, determinam-se rumos políticos. Urde-se uma trama social complexa, cujas derivações rizomáticas configuram a complexidade e mobilidade em que se movem os sujeitos, se constituem e destituem forças concretizadas em sujeitos do processo educativo, quando nem sempre o interesse da maioria “é o que interessa” e onde minorias são, tantas vezes, simplesmente ignoradas. O currículo é um dos “lugares” em que se “concede a palavra” ou “se toma a palavra”, no jogo das forças políticas, sociais e econômicas. A manipulação da informação é facilmente exercitada através do currículo explicitado nos manuais escolares que circulam internamente à escola, mas que são curriculum (veículo) das ideias e das práticas que “rolam” fora da escola-instituição. No currículo pode-se “ler”, assim social, as estratificações, o pensamento dominante, os interesses explícitos e implícitos do poder difuso, multipartite e multifacetado (de muitos rostos), polífono (de muitas vozes). É bom lembrar que poder não diz respeito somente (e talvez nem principalmente) aos grandes blocos de poder visível e constituído: há um poder, como atesta Foucault em várias obras, que é difuso, que se distribui em mil instâncias pequenas, individuais, de pequenos grupos, nas reentrâncias da sociedade. No currículo não é diferente: o exercício do poder por meio do currículo é muito difuso, passando pela instituição, pelos grupos que circulam na instituição, pelos sujeitos diversos da comunidade escolar e extraescolar. Tendências no Brasil Não temos, no Brasil, algo que corresponda efetivamente a um estudo aprofundado, de tradição consolidada sobre o problema do currículo. É um campo do conhecimento educacional pouco explorado ainda. Esta questão tem sido discutida de forma difusa em muitos “lugares”, por exemplo, junto com a questão do livro didático, na discussão das relações escola e sociedade, junto com a questão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com o problema da competência técnica e política do professor e outras temáticas mais. A relação estreita entre currículo e sociedade começou a ser posta no Brasil a partir do final da década de 1960. Este fenômeno, que já ocorrera no assim chamado Primeiro Mundo a partir da mesma década e que recebeu o nome de Nova Sociologia da Educação (NSE), tem, com efeito, por característica essencial, considerar o conjunto dos funcionamentos e dos fatores sociais da educação a partir de um ponto de vista privilegiado que é o da seleção, da estruturação, da circulação e da legitimação dos saberes e dos conteúdos simbólicos incorporados nos programas e nos cursos. Na busca de uma resposta a uma série de questionamento em torno do currículo, surgiu a Sociologia do Currículo. Questões tais como: (a) O que pode ou não ser considerado de valor educativo para fazer parte dos conteúdos a serem transmitidos pela escola? (b) Quem faz a seleção dos conteúdos e, portanto, dos elementos das culturas que fazem parte dos currículos? (c) A quemservem os conteúdos ensinados nas escolas? (d) Como é tratada a cultura das classes populares nos currículos? Estas questões determinam o desencadeamento dos estudos da Sociologia do currículo, em muitos lugares do planeta, inclusive no Brasil. As diferenças culturais emergiam como temática importante, cujo estudo vem tomando corpo no Brasil, especialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, nos cursos de pós-graduação em educação, tem oferecido vários seminários avançados sobre o assunto. Além de apresentar uma produção notável para a incipiência do tema. O grande desafio ainda por vencer é conseguir que estes enfoques cheguem às escolas. Por ora, a discussão, em nosso país, se encontra ainda em nível de academia. Não se deve, contudo, negar, a qualquer título, a abertura de caminhos que representaram as discussões de caráter dialético-marxista encetadas em 1979 por Dermeval Saviani e numerosos outros educadores, que resultaram em teorização tais como a teoria crítico-social dos conteúdos, a pedagogia histórico-crítica e outras, com uma produção científica avantajada. Mas foi mais tarde que começou, no Brasil, a discussão em torno do multiculturalismo, os Estudos Culturais iniciados na Inglaterra. Justo num país como o nosso, em que se entrelaçaram culturas tão diferentes, o multiculturalismo deveria estar ocupando lugar de destaque, o que está longe, ainda, de acontecer. Enfocado como um problema precipuamente prático, o currículo, no Brasil, demorou a alcançar um nível de discussão sociológica. Mas, na década de 1980, neste país, como destacamos acima, houve um progresso notável. O debate foi aceso e abrangente. A educação popular ganhou espaços na reflexão e na prática pedagógica, bem como em nível teórico. Além das teorias crítico-sociais, o construtivismo teve grande aceitação nos meios educacionais brasileiros (e prossegue tendo, em larga escala). As propostas curriculares oficiais avançaram muito em seus aspectos teóricos, ensejando práticas consequentes, ainda que tenhamos a convicção de que as práticas ficaram muito e muito aquém das teorizações. Seguindo essa linha de investigação, podemos dividir em três momentos distintos a produção de pesquisa em torno do currículo escolar dos últimos dez anos: em 1983 – 1985, os raros autores que trataram do currículo, pouco uso fizeram da teoria da reprodução como recurso interpretativo. A NSE não era de domínio desses autores. As teorizações de Michael W. Apple e Henry Giroux eram citadas, sem que se fizesse delas utilização maior. Nem mesmo autores brasileiros, como Paulo Freire, inspiraram a produção científica sobre currículo. A inspiração teórica básica continuou sendo Tyler. Alguns autores se limitaram a discutir o lugar de algumas disciplinas e não muito mais que isto. Apareceram trabalhos meramente exploratórios, sem expressão teórica maior. O que predomina são as já amplamente discutidas teorização da década de 1970. O conceito de currículo, até esse período, se atinha muito à ideia de rol de disciplinas e ainda não se percebia, no Brasil, como em outros países, a mera função instrumental das disciplinas no contexto curricular. Fizeram-se estudos que trataram de currículos e programas, nos quais o acento é posto no papel social a ser desempenhado tanto pela escola quanto pela comunidade. Fizeram-se, ainda, estudos cujos resultados e recomendações eram de que se tratasse do maior número possível de assuntos nos currículos, para, dessa forma, se instrumentalizarem as camadas populares para que pudessem superar os estereótipos, experiências e pressões da ideologia dominante. A pesquisa em torno do currículo do primeiro grau se intensifica em fins de 1985, visando buscar causas de evasão e repetência, grave problema educacional. Tais estudos tendiam a encontrar as causas dos problemas na questão dos conteúdos. Não se chegou a apontar as mudanças que poderiam reverter os problemas e gerar o fortalecimento da educação formal do país. O período de 1986 a 1989 trouxe mudanças significativas. Tais mudanças se relacionam a um artigo de L. Domingues, intitulado “Interesses humanos e paradigmas curriculares”, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, onde aplicou a classificação de currículo feita por McDonald, inspirado em Habermas, para a realidade brasileira. Afinal, nesse período se superou a concepção de currículo como elenco de disciplinas ou listagem de conteúdos e se pensou no sentido de que todas as atividades da escola são significativas para o saber do aluno, para sua apropriação de conhecimento. A escola é que, nesta visão, assume tal papel social. Os estudiosos dessa época também trabalham a questão da adequação dos conteúdos aos alunos. Fez-se a análise que se faz, hoje, dos silenciamentos e dos modos e métodos de provocá-los. A tendência mais corrente é a de adotar um currículo crítico ou, ao menos, uma postura crítica diante das questões curriculares. Começou-se a pensar sobre a adequação do currículo às classes e grupos mais excluídos sobretudo pela pobreza material. Buscou-se discutir a questão da formação básica para todos os brasileiros, com respeito mantido pelas questões e interesses regionais. Considerou-se importante, neste período, discutir os conteúdos que se configuram como necessários à educação. Fez-se uma crítica e reconsideração sobre os encaminhamentos da década de 1970. Lançaram-se novas propostas curriculares, na tentativa de rearticular o que se propunha como saída para os reais problemas de sala de aula. Mas os estudos da NSE continuaram sendo ignorados. De 1990 em diante, as teorias que já se haviam fortemente firmado em vários países desenvolvidos, passaram a ser utilizadas para a análise dos problemas curriculares, no Brasil. Não se fez mera importação teórica, mas fez-se uma utilização crítica das teorias mais atualizadas de então. Tomaz Tadeu da Silva iniciou importantes estudos curriculares, resultado de seus contatos produtivos com educadores estrangeiros. Teceu várias e fundamentadas críticas ao que se vinha fazendo em termos de estudo do currículo, sobretudo o fato de se terem ignorado os avanços da NSE e o rápido abandono da teoria da reprodução. Voltou-se com força para a produção e divulgação de análises conectadas, agora, a um novo campo de discussão – os Estudos Culturais. Esta trajetória de Silva prossegue com várias reflexões, e aparece em ensaios como Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna (publicado em Silva e Moreira, 1995) e Currículo e identidade social: territórios contestados (publicado em Silva, 1995), indicando novos rumos para o debate. Este breve levantamento corre o risco de ser incompleto, pela sua contemporaneidade. É mesmo difícil fazer justiça ao citar obras que se impuseram no cenário nacional e internacional, na discussão do currículo, nos dias recentes. O que se pode dizer é que a questão dos Estudos Culturais vem ganhando espaço na preocupação dos estudiosos do currículo. É, no Brasil, uma discussão que começa a se expandir. O curso de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem sido um ambiente de receptividade e produtividade nesta linha. Currículo e cultura Como já foi comentado, uma das mais recentes tendências quanto aos estudos curriculares é a de ligar o tema às questões culturais. Os Estudos Culturais, que tiveram sua origem na Inglaterra, vêm influenciando significativamente a questão do currículo, como se ressaltou acima. É pertinente o que afirmam Moreira & Silva (1994); “... a cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos” (p. 27). Numa perspectiva foucaultiana, a variável “poder” é decisiva na atual análise dos fenômenos sociais. Toda ênfase nas questõesculturais é dada, na análise, tanto dos componentes, quanto dos veículos desses componentes, no estudo do currículo, bem como na maneira pela qual se desenvolvem na escola. A variável “inclusão/exclusão” é amplamente empregada nessa mesma análise. O “olhar” se tornou parâmetro interpretativo dos fenômenos sociais. Basta verificar quantos artigos vêm intitulados com a palavra “olhar/olhares”. Mas não se trata, aqui, de ver a cultura como algo geral, genérico, abrangente, categoria universal. Trata-se, mais, de descobrir na cultura as diferenças mínimas, mas significativas, dinâmicas, diferenças que produzem diferenças. É significativo o cuidado, por exemplo, de vários autores e autoras e docentes, em ressaltar a diferença que faz se se trata de homem ou de mulher, de professor ou de professora, quando a categoria gênero entra em cena na análise dos fenômenos sociais. Daí a explicar-se o fato da utilização, na linguagem escrita e mesmo falada, da forma masculina e feminina (homem/mulher – professor/professora), grafia e verbalização, convenhamos, incômoda, mas reveladora de sentidos. Nos Estudos Culturais voltados para o currículo não se podem mais ignorar as diferenças culturais, de gênero, de raça, de cor, sexo etc. Se aprofundássemos certos aspectos filosóficos destas questões, desembocaríamos na filosofia prática: a ética. Há, em todo o enfoque cultural destas questões, uma profunda preocupação com os valores éticos do respeito, do cuidado heideggeriano com a vida, com o outro, com o sujeito diferente, com a dor da exclusão, com a mágoa das minorias marginalizadas, com os excluídos, com a discriminação dos gays e lésbicas, com a exploração da mulher, com o abandono das crianças, com o silenciamento dos jovens e adolescentes. De fato, sem entrar em profundidade em nenhuma destas graves questões, podemos afirmar que o argumento ético é forte, prevalece, torna visíveis as feridas sociais, nos estudos culturais e nestes, quando voltados para o currículo, entre outras questões candentes deste fim de milênio. As análises foucaultianas do poder, do disciplinamento dos corpos e das almas, a microfísica dos poderes que pervadem tudo, a política miúda, pulverizada mas eficiente, que submete, tudo isto que Foucault magistralmente trouxe à visibilidade tem servido amplamente para sustentar a análise social da educação e análise curriculares. Vários teóricos, ao lado de e junto a Foucault, como Derrida, Deleuze, Guattari, Gilddens, Gadamer, Baudrillard, Vattimo e tantos outros, possibilitaram uma base de discussão teórica das práticas, sem pretenderem se tornar um “Grund”, ou seja, um fundamento, na argumentação dos fenômenos sociais em que se insere a educação e o currículo escolar. O currículo está intimamente ligado às questões culturais, desde o momento em que se faz a pergunta: “Currículo para quem?” Afinal, a questão do currículo é a questão central que diz respeito àquilo que a escola faz e para quem faz ou deixa de fazer. Resumindo O currículo tem história recente. Ainda que seja um termo utilizado desde a antiguidade clássica, como é hoje entendido, o currículo começou a fazer história apenas nas últimas décadas. Se por algum tempo (até a década de 1960) as questões curriculares estiveram desconectadas dos problemas sociais, a partir de então, com a Nova Sociologia Educacional, começando pela Grã-Bretanha, pela França, este enfoque, o sociológico, se espalhou pelo mundo todo, chegando ao Brasil pelo fim da década de 1980. Hoje, as questões curriculares estão intimamente conectadas aos problemas sociais e, em dias mais recentes, aos aspectos culturais. Mais uma vez a Inglaterra tomou a frente nestes estudos. A tendência atual é aprofundar esta questão, numa forte tentativa de eticidade perante asdiferenças. A filosofia pós-moderna contribui, sem dúvida, a refletir a contingência, a pluralidade, a descontinuidade, o discurso, os recortes mínimos, as realidades pequenas: a “realidade real”. Fortaleceu a convicção de que a vontade de poder determina rumos históricos, toma decisões, encaminha a história, dispõe dos corpos e das almas para submetê-los aos interesses, à filigrana dos interesses manifestos e ocultos nas mais recônditas fendas e fissuras, nos mais intricados labirintos produzindo inclusões e exclusões, deitando “olhares”, ditando normas (normatividade), instituindo “realidades”. A sociedade pós-moderna se caracteriza pela complexidade. A técnica é multifacetada: é um mundo brilhante, luzidio, atraente, tentador, que traz conforto e felicidade a um tempo e massificação e depressão moral noutro tempo. A massificação é brutal. O currículo é o lugar dos eventos micro e macro, dos sistemas educacionais, das instituições, a um tempo, e o lugar, também, dos desejos mínimos, por outro. As decisões tomadas a respeito do currículo (micro ou macro) afetam sempre vidas, sujeitos. Daí, a sua importância. TEORIAS DO CURRÍCULO: O QUE É ISTO? Tomaz Tadeu Silva Extraído do livro: SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. O que é uma teoria do currículo? Quando se pode dizer que se tem uma "teoria do currículo"? Onde começa e como se desenvolve a história das teorias do currículo? O que distingue uma "teoria do currículo" da teoria educacional mais ampla? Quais são as principais teorias do currículo? O que distingue as teorias tradicionais das teorias críticas do currículo? O que distingue as teorias críticas do currículo das teorias pós-críticas? Podemos começar pela discussão da própria noção de "teoria". Em geral, está implícita, na noção de teoria, a suposição de que a teoria "descobre" o "real", de que há uma correspondência entre "teoria" e "realidade". De uma forma ou de outra, a noção envolvida é sempre representacional, especular, mimética: a teoria representa, reflete, espelha a realidade. A teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que – cronologicamente, ontologicamente – a precede. Assim, para já entrar no nosso tema, uma teoria do currículo começaria por supor que existe, "lá fora". Esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada "currículo". O currículo seria um objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo. Da perspectiva do pós-estruturalismo, hoje predominante na análise social e cultural, é precisamente esse viés representacional que torna problemático o próprio conceito de teoria. De acordo com essa visão, é impossível separar a descrição simbólica, linguística da realidade – isto é, a teoria – de seus "efeitos de realidade". A "teoria" não se limitaria, pois, a descobrir, a descrever, a explicar a realidade: a teoria estaria irremediavelmente implicada na sua produção. Ao descrever um "objeto", a teoria, de certo modo, o inventa. O objeto que a teoria supostamente descreve é, efetivamente, um produto de sua criação. Nessa direção, faria mais sentido falar não em teoria, mas em discursos ou textos. Ao deslocar a ênfase do conceito de teoria para o de discurso, a perspectiva pós-estruturalista quer destacar precisamente o envolvimento das descrições linguísticas da "realidade" em sua produção. Uma teoria supostamente descobre e descreve um objeto que tem uma existência independentemente relativamente à teoria. Um discurso, em troca, produz seu próprio objeto: a existência do objeto é inseparável da trama linguística que supostamente o descreve. Para voltar ao nosso exemplo do "currículo", um discurso sobre o currículo – aquilo que, numa outra concepção, seria uma teoria – não se restringe a representar uma coisa que seria o "currículo", que existiria antes desse discurso e que está ali, apenas à espera de ser descoberto e descrito. Um discurso sobre ocurrículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo "tal como ele realmente é", o que efetivamente faz é produzir uma noção particular de currículo. A suposta descrição é, efetivamente, uma criação. Do ponto de vista do conceito pós- estruturalista de discurso, a "teoria" está envolvida num processo circular: ela descreve como uma descoberta algo que ela própria criou. Ela primeiro cria e depois descobre, mas, por um artifício retórico, aquilo que ela cria acaba aparecendo como uma descoberta. Podemos ver como isso funciona num caso concreto. Provavelmente o currículo aparece pela primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vinte. Em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e testagem de currículos. As ideias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbitt, The curriculum (1918). Aqui, o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos. O modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica. Sua inspiração "teórica" é a "administração científica", de Taylor. No modelo de currículo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados como um produto fabril. No discurso curricular de Bobbitt, pois, o currículo é supostamente isso: a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados. Se pensarmos no modelo de Bobbitt através da noção tradicional de teoria, ele teria descoberto e descrito o que, verdadeiramente, é o "currículo". Nesse entendimento, o "currículo" sempre foi isso que Bobbitt diz ser: ele se limitou a descobri-lo e a descrevê-lo. Da perspectiva da noção de "discurso", entretanto, não existe nenhum objeto "lá fora" que se possa chamar de "currículo". O que Bobbitt fez, como outros antes e depois dele, foi criar uma noção particular de "currículo". Aquilo que Bobbitt dizia ser "currículo" passou, efetivamente, a ser o "currículo". Para um número considerável de escolas, professores, de estudante, de administradores educacionais, "aquilo" que Bobbitt definiu como sendo currículo tornou-se uma realidade. A noção de discurso teria uma vantagem adicional. Ela nos dispensaria de fazer o esforço de separar – como seríamos obrigados, se ficássemos limitados à noção tradicional de teoria – asserções sobre a realidade de asserções sobre como deveria ser a realidade. Como sabemos, as chamadas "teorias do currículo", assim como as teorias educacionais mais amplas, estão recheadas de afirmações sobre como as coisas deveriam ser. Da perspectiva da noção de discurso, estamos dispensados dessa operação, na medida em que tanto supostas asserções sobre a realidade quanto asserções sobre como a realidade deveria ser têm "efeitos de realidade" similares. Para dizer de outra forma, supostas asserções sobre a realidade acabam funcionando como se fossem asserções sobre como a realidade deveria ser. Elas têm o mesmo efeito: p de fazer com que a realidade se torne o que elas dizem que é ou deveria ser. Para retomar o exemplo de Bobbitt, é irrelevante saber se ele está dizendo que o currículo é, efetivamente, um processo industrial e administrativo ou, em vez disso, que o currículo deveria ser um processo industrial e administrativo. O efeito final, de uma forma ou outra, é que o currículo se torna um processo industrial e administrativo. Apesar dessas advertências, a utilização da palavra "teoria" está muito amplamente difundida para poder ser simplesmente abandonada. Em vez de simplesmente abandoná-la, parece suficiente adotar uma compreensão da noção de "teoria" que nos mantenha atentos ao seu papel ativo na constituição daquilo que ela supostamente descreve. É nesse sentido que a palavra "teoria", ao lado das palavras "discurso" e "perspectiva", será utilizada ao longo deste livro. A adoção de uma noção de teoria que levasse em conta seus efeitos discursivos nos pouparia de uma outra dor de cabeça: a das definições. Todo livro de currículo que se preze inicia com uma boa discussão sobre o que é, afinal, "currículo". Em geral, começam com as definições dadas pelo dicionário dadas por uns quantos manuais de currículo. Na perspectiva aqui adotada, que vê as "teorias" do currículo a partir da noção de discurso, as definições de currículo não são utilizadas para capturar, finalmente, o verdadeiro significado de currículo, para decidir qual delas mais se aproxima daquilo que o currículo essencialmente é, mas, em vez disso, para mostrar que aquilo que o currículo é depende precisamente da forma como ele é definido pelos diferentes autores e teorias. Uma definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é. A abordagem aqui é muito menos ontológica (qual é o verdadeiro "ser" do currículo?) e muito mais histórica (como, em diferentes momentos, em diferentes teorias, o currículo tem sido definido?). Talvez mais importante e mais interessante do que a busca da definição última de "currículo" seja a de saber quais questões uma "teoria" do currículo ou um discurso curricular busca responder. Percorrendo as diferentes e diversas teorias do currículo, quais questões comuns elas tentam, explícita ou implicitamente, responder? Além das questões comuns, que questões específicas distinguem as diferentes teorias do currículo? Como essas questões específicas distinguem as diferentes teorias do currículo? A questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado. De uma forma mais sintética a questão central é: o quê? Para responder a essa questão, as diferentes teorias podem recorrer a discussões sobre a natureza humana, sobre a natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, da cultura e da sociedade. As diferentes teorias se diferenciam, inclusive, pela diferente ênfase que dão a esses elementos. Ao final, entretanto, elas têm que voltar à questão básica: o que eles ou elas devem saber? Qual conhecimento ou saber é considerado importante ou válido ou essencial para merecer ser considerado parte do currículo? A pergunta "o quê?", por sua vez, nos revela que as teorias do currículo estão envolvidas , explícita ou implicitamente, em desenvolver critérios de seleção que justifique, a resposta que darão àquela questão. O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que "esses conhecimentos" e não "aqueles" devem ser selecionados. Nas teorias do currículo, entretanto, a pergunta "o quê?" nunca está separada de uma outra importante pergunta: "o que eles ou elas devem ser?" ou, melhor, "o que eles ou elas devem se tornar?". Afinal, um currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão "seguir" aquele currículo. Na verdade, de alguma forma, essa pergunta precede à pergunta "o quê?", na medida em que as teorias do currículo deduzem o tipo de conhecimento considerado importante justamente a partir de descrições sobre o tipo de pessoa que elas consideram ideal. Qual é o tipo de ser humano desejável para i, determinado tipo de sociedade? Será a pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada aos ideais de cidadania do moderno estado-nação? Seráa pessoa desconfiada e crítica dos arranjos sociais existentes preconizada nas teorias educacionais críticas? A cada um desses "modelos" de ser humano corresponderá um tipo de conhecimento, um tipo de currículo. No fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de "identidade" ou de "subjetividade". Se quisermos recorrer à etimologia da palavra "currículo", que vem do latim curriculum, "pista de corrida", podemos dizer que no curso dessa "corrida" que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. Talvez possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade. É sobre essa questão, pois, que se concentram também as teorias do currículo. Da perspectiva pós-estruturalista, podemos dizer que o currículo é também uma questão de poder e que as teorias do currículo, na medida em que buscam dizer o que o currículo deve ser, não podem deixar de estar envolvidas em questões de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder. As teorias do currículo não estão, neste sentido, situadas num campo "puramente" epistemológico, de competição entre "puras" teorias. As teorias do currículo estão ativamente envolvidas na atividade de garantir consenso, de obter hegemonia. As teorias do currículo estão situadas num campo epistemológico social. As teorias do currículo estão no centro de um território contestado. É precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: "teorias" neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e as teorias pós-críticas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder. As teorias tradicionais, ao aceitar mais facilmente o status quo, os conhecimentos e os saberes dominantes, acabam por se concentrar em questões técnicas. Em geral, elas tornam a resposta à questão "o quê?" como dada, como óbvia e por isso buscam responder a uma outra questão: "como?". Dado que temos esse conhecimento (inquestionável?) a ser transmitido, qual é a melhor forma de transmiti-lo? As teorias tradicionais se preocupam com questões de organização. As teorias críticas e pós-críticas, por sua vez, não se limitam a perguntar "o quê?", mas submetem este "quê a um constante questionamento. Sua questão central seria, pois, não tanto "o quê?", mas "por quê?". Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro? As teorias críticas e pós-críticas de currículo estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder. Como vimos, uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a "realidade". Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas que sem eles não "veríamos". Os conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a "realidade". Assim, uma forma útil de distinguirmos as diferentes teorias do currículo é através do exame dos diferentes conceitos que elas empregam. Neste sentido, as teorias críticas de currículo, ao deslocar a ênfase dos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e aprendizagem para os conceitos de ideologia e poder, por exemplo, nos permitiram ver a educação de uma nova perspectiva. Da mesma forma, ao enfatizarem o conceito de discurso em vez do conceito de ideologia, as teorias pós-críticas de currículo efetuaram um outro importante deslocamento na nossa maneira de conceber o currículo. Por isso, à medida que percorrermos, nos tópicos a seguir, as diferentes teorias do currículo, pode ser útil ter em mente o seguinte quadro, que resume as grandes categorias de teoria de acordo com os conceitos que elas, respectivamente, enfatizam. TEORIAS TRADICIONAIS TEORIAS CRÍTICAS TEORIAS PÓS- CRÍTICAS Ensino Ideologia Identidade, alteridade, diferença Aprendizagem Reprodução cultural e social Subjetividade Avaliação Poder Significação ediscurso Metodologia Classe social Saber-poder Didática Capitalismo Representação Organização Relações sociais de produção Cultura Planejamento Conscientização Gênero, raça, etnia, sexualidade Eficiência Emancipação e libertação Multiculturalismo Objetivos Currículo oculto Resistência Quadro 1. Teorias do Currículo, compilação. UNIDADE II – Organização, Gestão e Avaliação AS FUNÇÕES CONSTITUTIVAS DO SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO E DE GESTÃO DA ESCOLA Jucimara Oliveira da Silva A gestão democrática-participativa valoriza a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisão, concebe à docência como trabalho interativo e aposta na construção coletiva dos objetivos e do funcionamento da escola, por meio da dinâmica intersubjetiva, do diálogo, do consenso. O processo deliberativo inclui tanto a decisão (por meio de reuniões, discussões, estudo e documentos, consultas, etc.) quanto as ações necessárias para pô-la em prática. Em razão disso, faz-se necessário o emprego de funções do processo organizacional. De fato, como toda instituição, as escolas buscam resultados, o que implica uma atividade racional, estruturada e coordenada. Ao mesmo tempo, sendo de caráter coletivo, essa atividade não depende apenas das capacidades e das responsabilidades individuais, mas também de objetivos comuns e compartilhados, de meios e ações coordenadas e controladas dos agentes do processo. O processo de organização escolar dispõe, portanto, de funções, propriedades comuns ao sistema organizacional de uma instituição, com base nas quais se definem ações e operações necessárias ao funcionamento institucional. São quatro as funções constitutivas desse sistema: A. planejamento: explicitação de objetivos e antecipação de decisões para orientar a instituição, prevendo o que se deve fazer para atingi-los; B. organização: racionalização de recursos humanos, físicos, materiais, financeiros, criando e viabilizando as condições e modos para realizar o que foi planejando; C. direção/coordenação: coordenação do esforço humano coletivo do pessoal da escola; D. avaliação: comprovação e avaliação do funcionamento da escola. A seguir, detalhes de cada uma dessas funções. O Planejamento escolar e o Projeto Pedagógico O planejamento consiste em ações e procedimentos para tomada de decisões a respeito de objetivos e de atividades a ser realizadas em razão desses objetivos. É um processo de conhecimento e de análise da realidade escolar em suas condições concretas, tendo em vista a elaboração de um plano ou projeto para a instituição. O planejamento do trabalho possibilita uma previsão de tudo o que se fará com relação aos vários aspectos da organização escolar e prioriza as atividades que necessitam de maior atenção no ano a que ele se refere. Assim, podem ser distribuídas as responsabilidades a cada setor da escola e aos membros da equipe. Toda organização precisa de um plano de trabalho que indique os objetivos e os meios de sua execução, superando a improvisação e a falta de rumo. A atividade de planejamento resulta, portanto, naquilo que aqui denominamos de projeto pedagógico. O projeto é um documento que propõe uma direção política e pedagógica para o trabalho escolar, formula metas,prevê as ações, institui procedimentos e instrumentos de ação. É pedagógico porque formula objetivos sociais e políticos e meios formativos para dar uma direção ao processo educativo, indicando porque e como se ensina e, sobretudo, orientando o trabalho educativo para as finalidades sociais e políticas almejadas pelo grupo de educadores. O projeto expressa, pois, uma atitude pedagógica, que consiste em dar um sentido, um rumo, às práticas educativas, onde quer que sejam realizadas, e firmar as condições organizativas e metodológicas para a viabilização da atividade educativa (Libâneo, 2005). É curricular porque propõe, também, o currículo, o referencial concreto da proposta pedagógica. O currículo éo desdobramento do projeto pedagógico, ou seja, a projeção dos objetivos, das orientações e das diretrizes operacionais previstas nele. Mas, ao pôr em prática esse projeto, o currículo também o realimenta e o modifica. Supõe-se, portanto, estreita articulação entre o projeto pedagógico e a proposta curricular, a fim de promover um entrecruzamento dos objetivos e das estratégias para o ensino - formulados com base na identificação de necessidades e de exigências da sociedade e do aluno, mediante critérios filosóficos, políticos, culturais e pedagógicos – com as experiências educacionais a ser proporcionadas aos alunos por meio do currículo. Deve-se salientar que o projeto pedagógico é um documento que reproduz as intenções e o modus operandi da equipe escolar, cuja viabilização necessita das formas de organização e de gestão. Não basta ter o projeto, é preciso que seja levado a efeito. As práticas de organização e de gestão executam oprocesso organizacional para atender ao projeto. A Organização geral do trabalho A segunda função do processo organizacional é a organização propriamente dita. Refere-se à racionalização do uso de recursos humanos, materiais, físicos, financeiros e informacionais e à eficácia na utilização desses recursos e dos meios de trabalho. A organização incide diretamente na efetividade do processo de ensino e aprendizagem, à medida que garante as condições de funcionamento da escola. Sua presença ou ausência interferem na qualidade das atividades de ensino. É necessário, portanto, que todos os aspectos da vida escolar sejam devidamente contemplados na organização geral de escola, ao longo de todo o ano letivo. A organização geral diz respeito a: condições físicas, materiais, financeiras; sistemas de assistência pedagógico-didática ao professor; serviços administrativos, de limpeza e de conservação; horário escolar, matrícula, distribuição de alunos por classes; normas disciplinares; contatos com pais, etc. Essas várias atividades podem ser agrupadas em quatro aspectos: organização da vida escolar, organização dos processos de ensino e aprendizagem, organização das atividades de apoio técnico-administrativo, organização das atividades que asseguram as relações entre escola e comunidade. Organização da vida escolar Trata-se da organização do trabalho escolar em função da especificidade e dos objetivos da escola. É o estabelecimento de condições ótimas de organização do espaço físico, de relações humanas satisfatórias, de adequada distribuição de tarefas, de sistema participativo de tomada de decisões, de condições apropriadas de higiene e limpeza, bem como de outras que concorram para o desenvolvimento e para o alto rendimento escolar dos alunos, e de utilização eficaz dos recursos e meios de trabalho. A estrutura organizacional e o cumprimento das atribuições de cada membro da equipe constituem elementos indispensáveis para o funcionamento da escola. Um mínimo de divisão de funções faz parte da lógica da organização educativa, sem comprometer a gestão participativa. Contudo, deve-se evitar a redução da estrutura organizada de gestão, subordinando o pedagógico ao administrativo, impedindo a participação e a discussão e não levando em conta as ideias, os valores e a experiência dos professores. Importante aspecto a ser mencionado ainda é a organização do tempo escolar, de modo que as atividades de aprendizagem sejam distribuídas racionalmente pelos dias da semana, observados os critérios pedagógicos e curriculares. Organização do processo de ensino e aprendizagem. Este aspecto refere-se ao suprimento dos suportes pedagógicos- didáticos necessários à organização do trabalho escolar. Compreende o currículo, a organização pedagógica-didática (planos, metodologias, organização dos níveis escolares, horários, distribuição de alunos por classes), assistência pedagógica sistemática aos professores, avaliação, ações de formação continuada, conselhos de classe, etc. Além de prover as condições físicas, materiais e didáticas mencionadas, é preciso organizar e acompanhar as atividades de elaboração do plano de ensino e prestar assistência pedagógico-didática aos professores na sala de aula. A organização do trabalho na sala de aula não visa apenas ao cumprimento dos programas, mas também ao envolvimento dos alunos, à sua participação ativa, ao desenvolvimento de habilidades e capacidades intelectuais, ao trabalho independente, o que requer a imprescindível colaboração da coordenação pedagógica. Organização das atividades de apoio técnico-administrativo As tarefas administrativas têm a função de fornecer o apoio necessário ao trabalho docente. Abrangem as atividades de secretaria (prontuário de alunos e professores, registro escolar, arquivos, livros de registro, atendimento de pessoas, etc.), serviços gerais (inspetores de alunos, serventes, merendeira, porteiros e vigias, etc.), atividades de limpeza e de conservação do prédio, provimento e conservação dos recursos materiais (equipamentos, mobiliário escolar, material didático), administração do espaço físico e das dependências. Incluem também a gestão de recursos financeiros. Organização de atividades que asseguram a relação entre escola e comunidade Implica ações que envolvem a escola e suas relações externas, tais como os níveis superiores de gestão do sistema escolar, os pais, as organizações políticas e comunitárias, a cidade e os equipamentos urbanos. O objetivo dessas atividades é buscar as possibilidades de cooperação e de apoio, oferecidas pelas diferentes instituições, que contribuam para o aprimoramento do trabalho da escola, isto é, para as atividades de ensino e de educação dos alunos. Espera-se, especialmente, que os pais atuem na gestão escolar, mediante canais de participação bem definidos. Direção e coordenação A direção e a coordenação correspondem a tarefas agrupadas sob o termo gestão. A gestão refere-se a todas as atividades de coordenação e de acompanhamento do trabalho das pessoas, envolvendo o cumprimento das atribuições de cada membro da equipe, a realização do trabalho em equipe, a manutenção do clima de trabalho, a avaliação de desempenho. Essa definição aplica-se aos dirigentes escolares, mas é igualmente aplicável aos professores, seja em seu trabalho na sala de aula, seja quando são investidos de responsabilidade no âmbito da organização escolar. Dirigir e coordenar significa assumir, no grupo, a responsabilidade por fazer a escola funcionar mediante o trabalho conjunto. Para isso, compete a quem dirige assegurar: a) A execução coordenada e integral de atividades dos setores e dos indivíduos da escola, conforme decisões coletivas anteriormente tomadas; b) O processo participativo de tomada de decisões, cuidando, ao mesmo tempo, que estas se convertam em medidas concretas efetivamente cumpridas pelo setor ou pelas pessoas em cujo trabalho são aplicadas; c) A articulação das relações interpessoais na escola e no âmbito em que o dirigente desempenha suas funções. Uma das qualidades da introdução, na escola, do projeto pedagógico curricular é adiscussão pública de objetivos, atividades e normas de funcionamento. A falta de unidade da ação educativa escolar pode resultar em efeitos prejudiciais aos objetivos de aprendizagem. Por exemplo, torna-se necessário haver um mínimo de norma, sempre decididas conjuntamente, sobre condutas dos professores com relação a cuidados com o mobiliário da escola, à sistemática de tarefas de casa, ao cumprimento dos horários de saída e de entrada, a interrupções de aulas para merenda, a avisos administrativos. Todos os profissionais da escola precisam estar aptos a dirigir e a participar das formas de gestão. Todavia, em razão de necessária divisão de funções, correspondente à lógica da administração, deve-se ressaltar que algumas pessoas têm atribuições específicas de direção e coordenação, o que implica especialização profissional. Assim, o diretor e o coordenador pedagógico assumem o papel de coordenadores de ações voltadas para objetivos coletivamente estabelecidos. Na nova perspectiva de gestão, esses dois profissionais recebem a delegação de coordenar o trabalho coletivo, assegurando as condições de sua realização e, especialmente, as do ambiente formativo, para o desenvolvimento pessoal e profissional. Para isso, precisam reconhecer que sua ocupação tem uma característica genuinamente interativa, ou seja, está a serviço das pessoas e da organização, delas requerendo uma formação específica a fim de buscar soluções para os problemas, a saber coordenar o trabalho conjunto, discutir e avaliar a prática; assessorar os professores e prestar-lhes apoio logístico na sala de aula. A Avaliação da organização e da gestão da escola A avaliação é função primordial do sistema de organização e de gestão. Ela supõe acompanhamento e controle das ações decididas coletivamente, sendo este último a observação e a comprovação dos objetivos e das tarefas, a fim de verificar o estado real do trabalho desenvolvido. A avaliação permite pôr em evidência as dificuldades surgidas na prática diária, mediante a confrontação entre o planejamento e o funcionamento real do trabalho. Visa ao melhoramento do trabalho escolar, pois, conhecendo a tempo as dificuldades, pode-se analisar suas causas e encontrar meios de sua superação. O controle e a avaliação dependem de informações concretas e objetivas sobre o andamento dos trabalhos, tendo como base o projeto pedagógico-curricular e as ações efetivas praticadas pelos vários elementos da equipe escolar. Para a coleta de informações, o diretor pode servir-se de observação, de acompanhamento das salas de aula e do recreio, de entrevistas pessoais com professores e com outros servidores, de reuniões sistemáticas ouextraordinárias, deencontros informais com o pessoal docente, técnico e administrativo. O acompanhamento e o controle comprovam os resultados do trabalho, evidenciam os erros, as dificuldades, os êxitos e os fracassos relativos ao que foi planejado. A avaliação das atividades implica a análise coletiva dos resultados alcançados e a tomada de decisões sobre as medidas necessárias para solucionar as deficiências encontradas. O QUE É AVALIAÇÃO? Em quase todos os encontros com professores, bem como nos relatos de outros especialistas e pesquisadores da avaliação, constata-se a contradição entre as intenções proclamadas e o processo efetivamente aplicado. Certamente, tal contradição nasce da autocensura gerada pelo descompasso entre uma imagem idealizada da avaliação – auferida em tinturas de teorias mais atuais e progressistas – e a realidade cotidiana das escolas, condicionadas, estruturalmente, pelo sistema de promoção e seriação e, conjunturalmente, pelas péssimas condições concretas de trabalho e pelas determinações dos superiores de plantão. Talvez, por isso mesmo, surjam tantas concepções de avaliação, sempre vagamente implicadas nas formulações verbais de professores, alunos e pais, que a identificam com tudo que ocorre nas práticas correntes: prova, nota, conceito, boletim, aprovação, reprovação, recuperação etc. Já entre os estudiosos do tema, trava-se uma interminável batalha pelo monopólio da verdade e da precisão do conceito, surgindo também uma variação conceitual na razão direta da diversificação das concepções pedagógicas assumidas. Se tentarmos levantar os diversos conceitos de avaliação da aprendizagem, certamente encontraremos tantos quantos são seus formuladores. É claro que em cada conceito de avaliação subjaz uma determinada concepção de educação. Então, haveria tantas concepções de educação quantos são seus formuladores? Pensamos que não. Percebemos que, embora apresentando pequenas variações formais, na sua substância elas podem ser agrupadas em um número menor de conjuntos. Como o tema de que nos ocupamos neste momento é a avaliação e como suas concepções derivam das de educação em geral, vejamos algumas definições de avaliação encontradas nos autores mais consagrados e nas publicações mais recentes. Avaliação é o processo de atribuição de símbolos a fenômenos com o objetivo de caracterizar o valor do fenômeno, geralmente com referência a algum padrão de natureza social, cultural ou científica. Esta definição reflete, claramente, a postura classificatória dos autores, pois consideram a avaliação como um julgamento de valor, com base em padrões consagrados e tomados previamente como referência. A distinção que estabelecem entre padrões “sociais”, “culturais” ou “científicos” denota uma postura positivista, na medida em que não incorporam a ideia de que os padrões científicos são também socialmente elaborados. No entanto, sua obra é preciosa no sentido do tratamento técnico que emprestam aos instrumentos de medida e avaliação. Avaliar é julgar ou fazer a apreciação de alguém ou alguma coisa, tendo como base uma escala de valores (ou) interpretar dados quantitativos e qualitativos para obter um parecer ou julgamento de valor, tendo por base padrõesoucritérios. Em alguns autores já percebemos a preocupação em não se deixar enquadrar na “teoria conservadora”, propondo um “redirecionamento” do julgamento e da classificação quase sempre presentes em concepções mais conservadoras. Volta-se para uma visão diagnóstica, na qual a avaliação passa a ser um processo de verificação e pesquisa das mudanças de estratégias e instrumentos que interferem na condução do processo educativo. Destaca-se, ainda, a formulação coletiva deste processo, que deve garantir a aprendizagem do aluno, mas não avança sobre a discussão do grau de socialização desse coletivo, nem qualifica o projeto alvo de aprendizagem do aluno. Ou seja, embora avance em relação às concepções meramente classificatórias, não explora todas as potencialidades políticas e politizadores do que denomina “coletivo”, sem dos componentes do projeto pedagógico cuja aprendizagem pelo aluno será garantida. Assim, para que a avaliação não se enquadre no universo das “tradicionais” basta que ela seja apenas instrumento do processo de tomada de decisão dos “agentes escolares”, que trabalham um projeto pedagógico coletivamente formulado e que se comprometa com a aprendizagem dos alunos. A avaliação consistirá em estabelecer uma comparação do que foi alcançado com o que se pretende atingir. Estaremos avaliando quando estivermos examinando o que queremos, o que estamos construindo e o que conseguimos, analisando sua validade e eficiência (= máxima produção com um mínimo de esforço). (A avaliação é) um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão (Luckesi, 1995). Os trabalhos do Professor C. Luckesi já vinham sendo considerados como verdadeiros “clássicos” da avaliação brasileira, pois, como ele próprio confessa na coletânea que reuniu a maioria deles, seu pensamento, neste particular, evolui das posições mais “tradicionalistas” e “conservadoras” até asmais “avançadas” (preocupadas com o caráter apenas diagnóstico da avaliação). Muito embora sua contribuição seja inestimável, especialmente no que diz respeito ao eu poderíamos denominar uma verdadeira “teoria do erro”, pensamos que o Professor Luckesi peca – como os pedagogos e pensadores mais recentes e preocupados com a superação da teoria “tradicional” – pelo excesso de desconsideração dos aspectos positivos das teorias classificatórias. Muitas outras definições ou conceitos poderiam ser relacionados, mas, para os objetivos deste trabalho, os destacados já são suficientes. Com relativo risco reducionista ou de simplificação exorbitante, de maneira geral, podemos reduzir as concepções de avaliação a dois grandes grupos – referenciados em duas concepções antagônicas de educação. Estas, por sua vez, referenciam-se nas visões de mundo positivista ou dialéticas, isto é, buscam seus parâmetros em cosmovisões que entendem o universo e as relações que nele se travam como estruturas ou como processos. Dizendo-o de modo mais simples: se encaramos a vida como algo dado, tendemos para uma epistemologia positivista e, consequentemente, para um sistema educacional perseguidor de “verdades absolutas” e “padronizadas”. Se, pelo contrário, encaramos a vida como processo, tendemos para uma teoria dialética do conhecimento e, por isso mesmo, engendradora de uma concepção educacional preocupada com a criação e a transformação. No caso da primeira, forçosamente construiremos uma teoria da avaliação baseada no julgamento de erros e acertos que conduzem a prêmios e castigos; no caso da segunda, potencializaremos uma concepção avaliadora de desempenhos de agentes ou instituições, em situações específicas e cujos sucessos ou insucessos são importantes para a escolha das alternativas subsequentes. Entre os educadores brasileiros temos encontrado essas duas concepções de avaliação com mais frequência, derivadas, evidentemente, de concepções antagônicas de educação que, ao penetrarem nos umbrais escolares, acabam por provocar uma completa dissonância entre as convicções proclamadas e as práticas efetivamente levadas a efeito no cotidiano das relações pedagógicas. As profundas diferenças que as caracterizam não constituem um mal em si. Contudo, a mútua exclusão que se instalou radicalmente entre elas, cada uma rechaçando a outras e autovalorizando-se como única alternativa científica e válida, acabou por implantar um verdadeiro maniqueísmo – típico das concepções que dividem qualquer universo em apenas dois semi-universos incompatíveis -, cegando-as para uma possibilidade de aproximação e complementaridade. Desconfiamos que tal dicotomia pese mais negativamente para muitos professores do que as próprias condições salariais e de trabalho adversas. E por que, se eles se colocam de um lado ou de outro? Por que, se a maioria dos professores considera a primeira concepção como “tradicional” e a segunda como “progressista” ou “construtivista”? Não é o que acontece na realidade. A maioria dos docentes incorpora a primeira como teoria válida, rechaçando a segunda, mas, de fato, “se sentem obrigados” a aplicar a segunda. Ora, ninguém consegue equilibrar- se, pessoal e socialmente, se sente obrigado a defender determinados princípios e ideias e, ao mesmo tempo, vivenciar o contrário do que pensa. Todos estamos à procura de equilíbrios, de coerência, pelo menos para com nossa própria consciência. Ninguém consegue olhar para um espelho e dizer “enganei-te hoje”. Sempre procuramos explicações e justificativas razoáveis para nossos gestos e ações. Esta reação compensadora manifestada na simulação de uma “dedicação exclusiva e incondicional à escola”, com sacrifícios enormes nos outros segmentos da vida social e afetiva dos docentes – mais explícita nos de ensino fundamental -, pode ser a manifestação de uma síndrome singular. Pesquisadores já levantaram uma série de fatores, classificando-os em “contextuais” (institucionais) e “textuais” (interativos). Dentre os primeiros, destaca-se a progressiva responsabilidade do professor em ambientes multiculturais, levando-o a assumir discursos e papéis contraditórios e ambíguos (daí, a síndrome). Não estaria entre eles a assunção de um discurso pedagógico institucionalmente progressista e uma prática interativa conservadora? Somente com uma pesquisa mais profunda e abrangente, com o levantamento, cruzamento e análise de variáveis sociais, políticas, econômicas, culturais e pedagógicas, seria possível chegar a conclusões mais definitivas. Neste particular, chama-nos a atenção o trabalho realizado por Maria Eliana Novaes, Professora primária: mestra ou tia (1986), no qual a pesquisadora, dentre várias outras conclusões, destaca que muitas docentes das primeiras letras – a maioria é constituída de mulheres – não se casam e não têm filhos, e que “algumas delas, possivelmente, encontram no Magistério uma alternativa de sublimação para a maternidade frustrada (como se pode inferir das constantes referências do ‘amor maternal’ que a professora deve dedicar ao aluno)”. A escola não é o universo que esgota a trajetória do itinerário individual e do processo civilizatório, nem o trabalho docente pode resumir a razão da existência de quem quer que seja, porque nem a primeira nem o segundo são fins em si mesmos, mas apenas e respectivamente um dos espaços e um dos instrumentos de relacionamento do ser humano, cuja realização só alcança sua plenitude numa variada gama de espaços e de relações interpessoais. Dizer que o trabalho na escola “é a razão de ser de sua própria existência” e, como resultado de tal presunção, monopolizar todas as atividades pessoais no que-fazer-pedagógico é afundar-se em uma síndrome de alienação. E, certamente, a escola, enquanto instituição alienada, torna- se instituinte da alienação de seus atores, não atendendo nem mesmo às finalidades de seus criadores liberais, gerando “disfuncionalidades” e ameaçando a tão proclamada “produtividade” – quase sempre traduzida nos reclamos de “eficácia” e “eficiência”. Simultaneamente, a síndrome docente é alimentada pelo desencontro entre as convicções pedagógicas assumidas e as práticas educativas desenvolvidas, em função das limitações estruturais e circunstanciais que caracterizam o ambiente de trabalho. E o educador, na ânsia de “mostrar serviço”, compensar e camuflar seu próprio sentimento de impotência, trabalha exaustivamente e tenta responder, desesperadamente, aos desafios de uma sociedade cada vez mais complexa e mais exigente. A escola e as concepções de avaliação No caso específico da avaliação da aprendizagem, a escola brasileira encontra-se prensada entre as duas já mencionadas correntes resultantes de duas concepções pedagógicas radicalmente antagônicas. De um lado, as teorias educacionais que se auto intitulam “progressistas” ganham maior expressão nas intenções proclamadas dos profissionais do setor, de outro, as idealizações competitivas, classificatórias e meritocráticas, embora também rechaçando as anteriores, apresentam maior frequência nas práticas efetivas destes mesmos profissionais, no dia-a-dia da escola. A figura apresentada a seguir expressa melhor o que estamos querendo dizer. Procurando não qualificar nenhuma das duas concepções, denominando-as, simplesmente, “I” e “II”, porque cada uma delas, em sua fobia dicotômica, irá adjetivar a si mesma como “avançada”, “atualizada” e “progressista” e irá considerar a outra como “atrasada”, “desatualizada” e “retrógrada”. Analisemos os procedimentos que cada uma delas propõe. Os defensores mais radicais do primeiro tipo de avaliação acreditam que apenas a auto avaliação ou a avaliação interna são legítimas, considerando espúria toda e qualquer verificação que faz apelo a avaliadores externos ao universo alvo do processo avaliativo.Assim, na verificação da aprendizagem, apenas os alunos seriam os legítimos avaliadores; na avaliação do desempenho da escola, somente os protagonistas envolvidos no processo deensino-aprendizagem, e assim por diante. De maneira vaga, referem-se à exclusividade ou predominância dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos, rejeitando qualquer passo mensurador de dimensões e realidades quantificáveis. Já destacamos anteriormente que, no Brasil, logo após a consagração deste princípio de legislação do ensino, muitos sistemas entenderam a predominância dos aspectos qualitativos como a mera tradução dos resultados em expressões diferentes de notas. Nesta concepção, a avaliação da aprendizagem deve ter sempre uma finalidade exclusivamente diagnóstica, ou seja, ela se volta para o levantamento das dificuldades dos discentes, com vistas à correção de rumos, à reformulação de procedimentos didático-pedagógicos, ou até mesmo, de objetivos e metas. Quando se permite fazer comparações, ela o faz em relação a dois momentos diferentes do desempenho do mesmo aluno: verificação do que ele avançou relativamente ao momento anterior de um processo de ensino-aprendizagem. De forma alguma ela pode ser usada para comparar desempenhos de alunos ou de turmas diferentes ou para classificá- los em scores ou quadros que revelem hierarquias de desempenhos. Esta concepção também vê a avaliação como um processo contínuo e paralelo ao processo de ensino-aprendizagem. Por isso, ela é permanente, permitindo-se a periodicidade apenas no registro das dificuldades e avanços do educando relativamente às suas próprias situações pregressas. Finalmente, a concepção I considera como parâmetros válidos e legítimos para servirem de referência apenas os ritmos, as características e aspirações do próprio alvo da avaliação (pessoas ou instituições), os padrões derivados dos códigos locais e sociais de sua origem, isto é, os traços de sua “cultura primeira”. Esta concepção resume o conjunto dos que denominaríamos “construtivistas”, para os quais há um excesso de preocupação com o processo, ao mesmo tempo em que desconhecem ou desqualificam os resultados (“produtos”). A segunda posição (“concepção II”) – derivado obviamente de uma teoria pedagógica diametralmente oposta à que referenciou a anterior – considera que a auto avaliação acaba por enganar os educandos e as instituições, na medida em que respeita quaisquer resultados de sua atividade, valorizando-os, mesmo no caso de desempenhos medíocres. Se todo desempenho é legítimo em relação às características dos próprios agentes, não há como distinguir um desempenho genial do de um débil mental. Neste sentido, e para evitar a estupidez arrogante e os corporativismos provincianos e míopes, prega a validade apenas da hetero- avaliação e das verificações de avaliadores externos. Em segundo lugar, destaca a importância das medidas de dimensões ou aspectos quantificáveis, rechaçando, na maioria das vezes, as descrições qualitativas, por sua subjetividade viciadora da autenticidade da avaliação exercida. Considera ainda a importância da periodicidade do processo de avaliação e do registro de seus resultados, especialmente nos momentos de terminalidade – no caso da avaliação da aprendizagem, ao final de uma aula, de uma unidade ou conjunto de unidades, de uma série ou de um curso. Finalmente, por ter uma função classificatória, a avaliação deve sempre se referenciar em padrões (científicos ou culturais) socialmente aceitáveis e desejáveis, portanto, “consagrados universalmente”. Esta concepção de avaliação enquadra-se no grupo das que denominamos “positivistas”, onde o que importa é o produto, o resultado de determinado desempenho do aluno em relação a conhecimentos, habilidades e posturas reconhecidos por sua “desiderabilidade”. Talvez por isso a destaquem tanto as mensurações de aspectos quantitativos, onde a comparação de desempenhos de atores diferentes fica facilitada. Os defensores desta concepção, por outro lado, acabam por se preocupar demasiadamente com o tratamento técnico e estatístico dos resultados. Parece-nos que uma posição verdadeiramente dialética não se colocaria em nenhum dos polos da dicotomia mencionada, nem cairia no ecletismo mediador das duas teorias divergentes – que, por isto mesmo, acabaria por apenas justapor, a partir de critérios meramente formais, traços análogos ou aparentemente complementares de concepções antagônicas. Ao contrário, uma concepção dialética de educação e, consequentemente, de avaliação, parte da realidade concreta para organizar a reflexão sobre ela e, em seguida, intervir nessa mesma realidade, de modo mais consistente, no sentido da mudança do sentido dos processos em benefício da maioria dosenvolvidos. Para melhor ilustrar o que estamos dizendo, imaginemos uma situação concreta, na qual somos convidados a desenvolver um curso sobre determinado tema, para um grupo de pessoas cujo grau de escolaridade e perfil profissional desconhecemos. Sabendo que a apreensão dos conteúdos a serem desenvolvidos e o alcance dos objetivos a serem atingidos dependem do domínio de alguns conhecimentos e habilidades prévias, interessamo-nos, primeiramente, em verificar esses pré-requisitos. Neste caso, a avaliação tem uma função prognóstica. Imaginemos ainda que, na situação descrita, constatemos, por exemplo, que parte dos cursistas não domina todos os conhecimentos e habilidades necessárias ao desenvolvimento pleno do curso. Neste caso, ou introduzimos conteúdos e objetivos “niveladores” para este grupo, ou sugerimos sua separação dos demais, porque, caso continuem juntos na mesma turma, ou teremos um grupo que não acompanha, ou outro que se desinteressa pela temática. Qualquer que seja a solução, no decorrer do curso, buscamos verificar se todos estão acompanhando-o, com mais ou menos dificuldades, para aplicar os “remédios saneadores” (estratégias e procedimentos) que permitam um melhor acompanhamento do curso por todos. Neste caso, a avaliação tem uma função diagnóstica. Imaginemos que, ao final do curso, queiramos verificar quem absorveu todos os conhecimentos e incorporou as habilidades previstas nos objetivos inicialmente estabelecidos, com vistas ou não à expedição de um documento comprobatório do nível alcançado. Neste caso, a avaliação apresenta-se com uma função classificatória. Em um concurso, como é o caso do vestibular ou de uma concorrência por um emprego, esta última função é predominante, porque os candidatos estão disputando vagas em número menor que os pretendentes. Não é difícil perceber que, na escola básica, as três funções são pertinentes, dependendo das finalidades e do momento em que estamos desenvolvendo o processo de ensino-aprendizagem. Quando recebemos uma turma de alunos, é necessário prognosticar os pré-requisitos exigidos para o desenvolvimento das atividades e procedimentos específicos do grau ou do nível a ser iniciado. Mesmo que se trate de alunos que estão ingressando no ensino fundamental, é necessário verificar o domínio de certas habilidades e conhecimentos prévios, adquiridos no ambiente familiar ou numa unidade de educação infantil. Ao longo do trabalho com a turma, a função prognóstica se torna reincidente, a cada momento que iniciamos uma unidade ou um tema novo, a não ser que o plano de curso esteja organizado numa rigorosa ordem “pré-requisital” cumulativa e que a verificação da unidade anterior tenha incluído todos os pré-requisitos necessários ao desenvolvimento da subsequente. Já ao longo do processo de aprendizagem, predominará a função diagnóstica, isto é, a verificação das dificuldades dos alunos, a fim de que sejam disponibilizados os instrumentos e as estratégias de sua superação. Por isso, mais do que verificar acertos, a avaliação da aprendizagem volta- se, substancialmente,para a constatação dos equívocos. Além dessa função diagnóstica, o “erro” é também indicativo fundamental para que o professor atento perceba os esquemas e mecanismos que foram acionados pelo aluno na solução das situações-problemas que lhe foram apresentadas na avaliação. Neste ponto, oportuno destacar o caráter complementar das duas concepções que apareceram na figura da escola “prensada”. Ou seja, a avaliação da concepção I faz muito sentido no início e no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Cabe destacar, porém, que mesmo neste aspecto, quando se compara o desempenho de um aluno em relação a seus desempenhos prévios ao processo de ensino-aprendizagem, para verificar se ele “progrediu” ou não, este “progresso” acaba por considerar padrões desejáveis. Caso contrário, não há como verificar se ele “avançou”, pois quem “progride” o faz em direção a algum horizonte prefixado ou predeterminado. Não há como verificar se o aluno “progrediu” sem se determinar previamente o sentido deste progresso. No caso da concepção II, a verificação do nível alcançado se justifica nas avaliações de terminalidades, isto é, no credenciamento do aluno para o enfrentamento da etapa de estudos seguintes ou, no limite, para o enfrentamento da vida em sociedade, já que ele não vai viver eternamente na escola. Este credenciamento nada tem a ver com sua integração social ou com o acolhimento que a sociedade lhe propiciará. Tem a ver com a consciência do próprio educando sobre as possibilidades e limitações que enfrentará ao se deparar com as determinações sociais. Não se pode, no processo de avaliação dessas terminalidades, dizer ao aluno que ele está preparado – quando não está – para a sua inserção crítica na vida da sociedade específica. Concluindo, pode-se dizer que a avaliação “auto”, “interna”, “diagnóstica”, “qualitativa”, referenciada em códigos locais e sociais e respeitosa em relação aos ritmos e condições pessoais é fundamental nos pontos de partida e nos da trajetória do itinerário pedagógico de cada aluno. Porém, a avaliação “hetero”, “externa”, “quantitativa” e referenciada em padrões socialmente pactuados aceitos é essencial nos pontos de chegada. Além disso, os aspectos quantitativos acabam por perpassar todo e qualquer tipo de avaliação, mesmo porque, fundamentalmente, não há como separá-los dos qualitativos. Pedro Demo (2015), afirma que é equívoco pretender confronto dicotômico entre qualidade e quantidades, pela simples razão de que ambas as dimensões fazem parte da realidade da vida. Observa que não são coisas estanques, mas facetas do mesmo todo. Por mais que possamos admitir qualidade como algo “mais” e mesmo “melhor” que quantidade, no fundo, uma jamais substitui aoutra. Embora seja sempre possível preferir umaàoutra. O autor esclarece que enquanto a quantidade se caracteriza pela extensão, a qualidade constrói-se na intensidade. A primeira “é corpo, tamanho, número, extensão” e “é base e condição” para a segunda, porque “indica que toda pretensão qualitativa passa igualmente pelo corpo, pela extensão de sua aplicação.” REPENSANDO A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM Vani Moreira Kenski Autora de “Tecnologias e tempo docente”, 2014 - Google Books, Vani Moreira Kenski nos brinda nesses recortes de trabalho anterior seu, onde a retrospectiva de algumas vivências que se fazem atuais, nos incitam à reflexão sobre a avaliação da aprendizagem. Nesse relato, a autora revisita páginas de sua trajetória na condição de educadora e nos leva pelas mãos ao encontro de percepções e aprendizagens diferenciadas. Conforme diz muito bem a autora: “é estar diante desse mesmo grande desafio da função docente: avaliar a aprendizagem de nossos alunos.” O ato de avaliar e o cotidiano das pessoas O ato de Avaliar está presente em todos os momentos da vida humana. Todos os dias somos obrigados a tomar decisões baseadas em alguns poucos dados de que dispomos. Realizamos, mesmo sem perceber, julgamentos provisórios das situa coes que acontecem à nossa volta. A fusão de pensamento e ação nos encaminha para alguma decisão: qual o melhor caminho a seguir, o que fazer, para onde ir ou sobre o que escolher. No entanto, esses velozes julgamentos provisórios, que orientam e definem nossos atos e nossas formas de viver o cotidiano, não são, em si, isentos e neutros. Eles nos ensinam. A repercussão da nova ação realizada, fruto de nossas ponderações, orienta nosso aprendizado. O resultado positivo ou negativo de nosso desempenho nos faz refletir sobre a ação realizada e nos encaminha com mais segurança para enfrentar novos desafios. A reflexão sobre a ação consolida nossas percepções e orienta nossas práticas. Mesmo assim, cada situação é uma nova oportunidade. Somos sempre renovados, a partir de cada experiência. Mas o que é essa avaliação a que me refiro? É um momento de reflexão e de tomada de decisões. A avaliação cotidiana exige permanente resposta. Articulação entre pensamento, ponderação e ação. A avaliação implica a existência de um processo anterior – do qual cada momento é resultante – e de um produto, um resultado que, dialeticamente, encaminha a pessoa para novos procedimentos. Essa tomada de decisão reflete muito mais do que a simples escolha pessoal, antes, reflete considerações estruturais e históricas da pessoa. Assumidas como verdades pontuais, essas “avaliações” se alteram ou não, de acordo com as reações manifestadas pelas condições do ambiente e do grupo social com o qual nos relacionamos. Ao fazer um juízo visando a qualquer tomada de decisão, colocamos em funcionamento o pensamento, os sentidos, nossa capacidade intelectual, nossas habilidades, sentimentos, paixões, ideias e ideologias. Nessas reflexões estão implícitas não só nossas idiossincrasias, mas também os condicionamentos sociais, políticos, econômicos, culturais e o contexto em que cada situação ocorre. A escolha da profissão, por exemplo. Ser professor. Não é uma escolha do acaso, mas envolve muitas reflexões e ponderações até a tomada de decisão. Com base na avaliação pessoal e social, escolhemos uma carreira entre tantas outras. Essa é uma decisão que vai se refletir não apenas na nossa própria vida, mas na de muitas outras pessoas: família, amigos, futuros alunos... Nessa realidade profissional, novos juízos acontecem. Que tipo de professor pretendemos ser? Se a opção for a de ser um bom professor, cada um de nós – você e eu – já tem articulado em seu pensamento o que vem a ser isso. Acredito que, neste caso, por exemplo, você vai se esforçar permanentemente para alcançar e manter aquele comportamento ideal de perfeição docente, que foi sendo construído intelectualmente (com base em todos os estudos e leituras que você já fez sobre o tema), socialmente (nas relações com professores que você considerou bons) e mediante todas as demais variáveis que vão orientar a construção dessa sua imagem de bom profissional. No entanto, para ser avaliado como bom professor, não dependemos apenas de nossa visão idealizada e de nossa autoavaliação. Muitas outras coisas vão estar em jogo. A avaliação do bom profissional depende de várias condições e de critérios específicos que transcendem o próprio julgamento da pessoa envolvida. Nem sempre o julgamento que você faz de seu desempenho é semelhante às formas como seus colegas, chefes, alunos e familiares vêem seu trabalho. Aspectos diferenciados, objetivos até divergentes, empatia ou oposições de propósitos orientam o olhar e o julgamento para identificar o que é bom ou não no desempenho do “outro”. O pior em todo esse processo é que não ficam claros, par quem é avaliado, os critérios e as condições considerados por seus avaliadores para julgá-lo como bom ou mal profissional. Certamente, se as evidências consideradas na avaliação fossem explicitadas para a pessoaavaliada, ela teria melhores condições de explicar, se defender ou mesmo compreender o que é considerado pelos outros como seus pontos fortes e fracos. Avaliar e ser avaliado como bom professor são julgamentos baseados em óticas, posições e opiniões diferentes, mas dizem de seu desempenho, O olhar dos que avaliam vai estar voltado para a manifestações apresentadas por sua ação. São avaliações que se refletem não apenas em sua forma de atuar profissionalmente, mas em toda sua vida e na vida de todos os que, de alguma forma, forem marcados por sua presença. Considerar-se e ser considerado como um bom professor aumenta sua autoestima, sua satisfação, e impulsiona sua vontade de ser cada dia melhor. O professor é o profissional que tem como uma de suas competências a obrigação de emitir juízos sobre o desempenho de muitos “outros”: os seus alunos. O seu julgamento sobre cada um de seus alunos reflete integralmente no desempenho de cada um. Ignorando isso, o professor realiza a “avaliação” sem se preocupar com a perspectiva e o esforço do aluno, mas considerando apenas a maneira como o aluno corresponde às suas expectativas, em relação ao desempenho dele. O que é certo ou não, o que o aluno sabe sobre determinado assunto, é avaliado com base na ótica, na opinião e no posicionamento do docente, nem sempre muito claros para quem está sendoavaliado. O que significa, por exemplo, o aluno tirar nota cinco (em dez) na prova construída pelo professor? Essa nota representa que o aluno não estudou? Ou não entendeu parte do que foi pedido na prova? Ou a prova privilegiou algum aspecto específico do conteúdo que o aluno não entendeu bem? O que representa a nota desse aluno no contexto geral da turma? E das demais turmas da mesma série? E, mais importante ainda, o que representa essa nota no processo geral de avaliação da aprendizagem de cada aluno? De todos os alunos? O que o professor vai fazer considerando essa nota, todas as notas, para garantir o ideal se aprendizagem desse aluno, de todos os seus alunos? O que representa esse momento pontual na vida desse professor e desse aluno? Que alterações de rumo serão necessárias para se chegar ao objetivo final da relação pedagógica estabelecida entre essas pessoas, ou seja, a garantia da melhor aprendizagem possível? Colaborando sobremaneira para a construção, sistematização e aquisição do conhecimento, Mary Rangel, em seu livro “Métodos de ensino para a aprendizagem e a dinamização das aulas” - Papirus, 2013 - observa para o trabalho docente que a revisão ou releitura dos fundamentos e fundações dos estudos sobre o processo de ensinar e aprender pode não só reincorporar saberes relevantes, que ampliam compreensões de princípios e práticas, como atender a uma premissa essencial: a de que o conhecimento é uma construção que se fortalece e se consolida, que cresce e prossegue, porque tem bases sólidas que lhe conferem segurança. Por isso, fundamentos e fundações acrescentam perspectivas aos avanços e às atualizações do conhecimento. No cotidiano do bom professor, a avaliação transcende a sala de aula e se instala como procedimento permanente de investigação. Avaliar o outro – o aluno, o aprendiz – é também avaliar-se pelos mesmos questionamentos feitos aos seus alunos. Envolve um exercício permanente e uma averiguação constante. As pessoas mudam e, para ser sempre um bom professor, é preciso se adequar permanentemente às novas realidades, aos novos alunos, às novas exigências educacionais. O ato de avaliar no cotidiano da sala de aula Ao assumirmos que o ato de avaliar se faz presente em todos os momentos da vida humana, estamos admitindo que ele também está presente em todos os momentos vividos em sala de aula. O dia-a-dia da sala de aula é um rico momento do cotidiano de cada uma das pessoas que ali se encontram. Na atualidade, a sala de aula é um dos raros espaços onde as pessoas se encontram fisicamente presentes para realizarem atividades em comum e se ajudarem mutuamente a aprender. A avaliação se transforma, assim, em dinâmica que orienta a prática. Como processo de investigação permanente, todas as atividades devem ser discutidas, planejadas, executadas e servir de impulso pra novas realizações. O processo avaliativo percorre como fio condutor e propulsor cada um desses momentos de interação professor-alunos e conteúdos a serem trabalhados pedagogicamente. Na interação proporcionada pelas atividades pedagógicas, alunos e professores avaliam todo e todos, permanentemente. São formulados juízos provisórios que orientam a tomada de decisões e a definição das tarefas e atividades a serem realizadas, como a participação em um projeto, a melhor utilização do ambiente da sala de ala ou os questionamentos sobre determinado assunto, que podem resultar em vários desdobramentos de projetos e de pesquisas individuais ou coletivas. Essas definições, julgamentos e reorientações de percurso fazem parte de um processo que vai resultar, de alguma forma, no objetivo principal da ação do docente: a aprendizagem do aluno. Portanto é preciso ter consciência de que avaliar essa aprendizagem é uma ação que começa bem antes, no início da interação didática, e prossegue como energia circulante durante todo o processo de aprendizagem. Avaliar a aprendizagem. Mas que aprendizagem? O aluno procura uma escola para aprender. Esse é o primeiro princípio para a necessidade de haver escolas e professores: garantir que os alunos aprendam o que é definido socialmente para a formação de bons profissionais e bons cidadãos. Socialmente, a escola legitima essa aprendizagem do aluno ao emitir certificados que definem seus desempenhos. Portanto, a escola funciona articulando os anseios pessoais dos alunos com as expectativas da sociedade na formação de cidadãos intelectualmente competentes e socialmente participativos. Nesse sentido, as atividades feitas em grupos, a distribuição dos alunos em turmas e todas as ações coletivas realizada no âmbito da escola visam mais do que simplesmente informar e fornecer competências intelectuais. Nesse contexto, aprender significa dominar os conhecimentos sobre determinados assuntos e saber utilizar esses conhecimentos para os mais diversos objetivos e nas mais variadas situações. Significa saber trabalhar individualmente e em grupos utilizando o conhecimento como matéria-prima para novas realizações. Portanto, avaliar a aprendizagem significa mais do que conferir ou aferir o índice de respostas corretas dadas pelos alunos em relação a questões previamente definidas pelo professor-examinador. Avaliar a aprendizagem de cada aluno, de todos os alunos, é refletir permanentemente sobre as finalidades e os objetivos do que vem sendo trabalhado, experimentado e vivenciado, no cotidiano das aulas, e as formas como cada aluno, cada grupo de alunos e professor ou os professores envolvidos vêm atuando e contribuindo para a superação dos desafios de aprendizagem de todos. O ato de avaliar e o projeto pedagógico da escola O processo de avaliação das aprendizagens dos alunos tem de refletir não apenas o exame dos conteúdos trabalhados em sala de aula, mas aspectos mais abrangentes, ligados à formação do cidadão. Em vez de corresponder somente ao desempenho do aluno em um determinada disciplina, o processo de avaliação discente articula-se ao projeto pedagógico da escola e aos objetivos educacionais que se apresentam como missão da instituição de ensino. Na atualidade, as instituições escolares de todos os níveis não se vêem mais como sistemas isolados. A utilização das múltiplas formas de interação e comunicação, via tecnologias digitais de comunicação e informação, amplia as áreas de atuação das escolas colocando-as em um plano de intercâmbios e de cooperação internacional real, com instituições educacionais, culturaiseoutras que sejam de seu interesse. Essas novas possibilidades educacionais trazem desafios para a definição do projeto pedagógico da escola, como, por exemplo, a necessidade de reformulação e atualização permanentes dos currículos, assim como a compatibilização dos conteúdos entre as instituições parceiras. Força a definição das esferas de influência e de articulações entre as diferentes instituições e a necessidade de autonomia para que cada estabelecimento de ensino possa tomar decisões e definir procedimentos para o desenvolvimento de seus projetos educacionais em parcerias com outros estabelecidos, nacionais e estrangeiros. Nesse complexo e veloz processo de articulação de valores, comportamentos, habilidades e conteúdos a serem trabalhados pedagogicamente pelos professores e alunos, torna-se de extrema responsabilidade definir os objetivos que funcionarão como guias para o processo avaliativo. O professor deve estar sempre se questionando sobre os objetivos do trabalho que está realizando com seus alunos. Se esses objetivos correspondem não apenas às diretrizes definidas coletivamente no projeto pedagógico, mas, principalmente, às expectativas, aos interesses e às necessidades educacionais dos alunos em um mundo em permanente transformação. Uma educação entendida como um processo que busque o fortalecimento das pessoas, visando ao autoconhecimento, ao posicionamento crítico diante da realidade social e à autonomia na busca do conhecimento. Que lhe garanta o fortalecimento de suas identidades – individual e grupal – e a luta pela transformação da sociedade para o oferecimento de maiores e melhores condições de vida e bem-estar para todos. Nas atividades cotidianas em sala de ala, o bom professor vai se preocupar em ir além da transmissão de sua visão particular sobre determinado conteúdo. Sua preocupação será a de estimular o aluno a trabalhar com os conhecimentos disponíveis nos mais diferenciados meios, para superar desafios de forma crítica e criativa. O intenso uso das novas mídias digitais altera as relações interpessoais e com o conhecimento. Este, disponível nas grandes bases de dados informacionais, pode ser acessado a qualquer momento, por qualquer pessoa, independentemente de conhecimentos prévios para compreender o que está sendo informado. A informação acessada é matéria bruta que precisa ser trabalhada didaticamente nos ambientes educacionais. Nessa nova realidade, o professor não é mais o provedor das informações, mas o articulador e o organizador das atividades, para que os alunos possam aproveitar ao máximo as informações disponíveis e, nesses exercícios, irem além das informações, aprendendo, produzindo, construindo, criticando e avaliando as informações disponíveis. Em um mundo que muda rapidamente, o professor deve estar preparado para auxiliar seus alunos a lidarem com estas inovações, a analisarem situações complexas e inesperadas; a desenvolverem sua criatividade; a utilizarem outros tipos de “racionalidades”: a imaginação criadora, a sensibilidade tátil, visual e auditiva, entre outras. Nesse novo contexto, o aluno terá participação dinâmica na realização das situações propostas para sua aprendizagem e de seus companheiros. No esforço para a realização de cada desafio, estarão em jogo seus conhecimentos anteriormente adquiridos, suas experiências, seus sentimentos, seus valores, suas habilidades, suas competências, sua inspiração criadora e tudo o mais que, de certa forma, todos devem usar ao elaborarem suas avaliações provisórias na vida cotidiana. No caso específico da situação de ensino, todas essas energias serão orientadas para a superação de desafios voltados para a aquisição e a produção de conhecimentos, valendo-se da imensa quantidade de informações disponíveis nas múltiplas mídias digitais e nos espaços de informação da atualidade. Cabe aos professores, nesse contexto, maiores competências do que a simples transmissão do conteúdo a ser trabalhado na situações de ensino. Ao contrário, seu papel, no ato de ensinar/aprender, e o de partilhar, com outros professores e estudante, os recursos materiais e informacionais de que dispõem para que, juntos, possam estabelecer alguma ordem, ainda que efêmera, no meio de tantas informações disponíveis. Estabelecer uma cartografia de saberes, valores, pensamentos e atitudes a partir da qual possam instigar criticamente seus conhecimentos e os de seus alunos, indo além, em busca do novo. A avaliação da aprendizagem em um projeto educativo As atividades desencadeadas no processo de aprendizagem não são estanques nem isoladas, fazem parte de um processo contínuo e devem ser avaliadas progressivamente, durante todo o tempo. O processo de avaliação é parte integrante e substantiva do processo de avaliação é parte integrante e substantiva do processo de ensino-aprendizagem. Ocorre em todos os momentos, durante a realização das atividades criativas, dinâmicas e questionadores, que necessitam de reflexões, pesquisa e frequentes tomadas de decisões. Assim, a avaliação da aprendizagem requer novas posturas do professor, ativo, participante e atento aos questionamentos e comportamentos dos alunos. Um professor responsável pelo estabelecimento de um clima favorável à participação de todos, com liberdade para que os alunos possam apresentar suas dúvidas, manifestar suas inquietações e incompreensões, sugerir caminhos alternativos para a realização de atividades, comprometendo-se com sua própria aprendizagem e com a de todos os demais participantes do processo. É nas relações cotidianas estabelecidas entre professores e alunos que vai se dar a aprendizagem. As informações obtidas nas mais diversificadas fontes – dentro e fora do ambiente de aprendizagem – precisam ser dispostas, apresentadas, discutidas e trabalhadas pelo grupo de alunos e professores para alcançarem novos objetivos de aprendizagem. Nessa relação dinâmica de levantamento de informações, de discussão, crítica, reelaboração e construção de novos conhecimentos, em que professor e alunos participam de todo o professo, não há sentido para uma forma de avaliação que não seja processual e da qual todos os envolvidos não participem ativamente. A interação entre todos propicia condições de auto e heteroavaliação, assim como a necessidade de permanente avaliação do próprio processo de ensino-aprendizagem. O professor deve procurar observar e verificar o desempenho e a aprendizagem dos alunos não apenas por meio de uma prova ou um teste apresentado ao final do curso ou de cada unidade. Não é também pela solicitação de pesquisas, resenhas ou monografias descontextualizadas do processo desencadeado pela disciplina que vai se aferir a aprendizagem dos alunos. As atividades individuais ou grupais, sejam elas testes, pesquisas, buscas, sínteses ou qualquer outro procedimento similar, só se apresentam com uma força, colaborando para a aprendizagem, quando seus resultados são apresentados, debatidos, questionados e (re)trabalhados no coletivo formado pelo grupo de alunos e professor. Parceiros na dinâmica da sala de aula, ou em qualquer outro ambiente de aprendizagem, professores e alunos devem participar de todo o processo de ensino- aprendizagem e, consequentemente, de avaliação. Nesses processos se incluem não apenas as avaliações das aprendizagens dos alunos, mas as condições existentes para que elas possam ser estimuladas. Assim, são avaliadas as propostas teóricas- metodológicas de ensino, o acesso e a adequação dos meios disponíveis para que as atividades possam se realizadas (sejam eles livros, filmes, computadores, Internet, como também as possibilidades de uso de laboratórios, as visitas, entrevistas com especialistas etc.) de acordo com as especificidades do conteúdo e dos objetivos educacionais em questão. No casoespecífico de cursos de formação de professores e em todos os cursos de especialização de docentes – avaliadores de tantos outros alunos - os objetivos vão além do conhecimento teórico sobre o assunto. Torna-se da maior importância que se multipliquem as ocasiões de os alunos se situarem de diferentes maneiras como avaliadores de si mesmos e dos outros. Nesses cursos, o exercício da autoavaliação deve ser uma prática comum a todas as disciplinas. É na reflexão intensiva sobre sua própria prática e seu desempenho e no estímulo para a explicitação e o confronto de suas avaliações com as dos demais alunos e professores (conhecendo, inclusive, os critérios de julgamento utilizados por todos), que o aluno-professor e/ou o futuro professor vão se apropriando da complexidade do julgamento avaliativo. O essencial não é que o aluno chegue a um consenso sobre seu desempenho ou o desempenho dos demais participantes que ele também avaliou e que esse consenso seja definido por uma nota ou menção. O importante é que o aluno compreenda a multiplicidade de fatores que envolvem um processo decisório como a avaliação. Que esses resultados possam ser utilizados para reorientar o processo de ensino-aprendizagem, definindo o que pode ser melhorado, o que deve ser mantido ou o que precisa ser excluído. A possibilidade que o aluno tem de envolvimento com a própria avaliação de seu desempenho e dos demais colegas, do processo e de todas as demais condições estabelecidas para a aprendizagem, vai ser contribuição decisiva para sua formação como avaliador, ação inerente à sua função de professor. Nesse caminho, é importante que os estudantes participem da construção de uma proposta de avaliação (ou pelo menos tenham conhecimento dela) com o conjunto de evidências, por meio da qual serão observados seus desempenhos na disciplina. Essas evidências formam um conjunto revisável, temporário e diferenciado de critérios para a avaliação do desempenho dos alunos na realização das atividades propostas na disciplina. Tendo claro em que perspectiva está sendo observado e o que se espera de seu desempenho, o aluno terá (todos os alunos terão) melhores condições de mostrar seus conhecimentos e suas habilidades. Em princípio, o ponto de partida para a criação de uma proposta de avaliação deve ser tarefa do professor, que vai orientá-la de acordo com os objetivos gerais do projeto pedagógico e os objetivos específicos de sua disciplina nesse contexto. N ao sendo uma proposta fechada, à medida que o processo for se desenvolvendo, ela pode ser alterada, com a colaboração dos alunos. Uma das preocupações na apresentação desses indicadores aos alunos é tornar claras para eles as formas perante as quais deverão ser avaliados em suas aprendizagens, reduzindo a ansiedade e as expectativas em relação aos “fantasmas da avaliação”. Essas formas de trabalhar com a avaliação não excluem e nem impedem a conotação subjetiva que está presente também em todas as demais formas de avaliação, mesmo nas que são tradicionalmente chamadas de provas ou testes “objetivos”. Como procedimento, não vão levar a diferenças significativas se forem utilizadas unicamente como o intuito de atribuir notas para o desempenho dos alunos, pelo professor. Para que esse instrumento possa colaborar em um processo de avaliação preocupado em oferecer maiores e melhores condições e oportunidades de aprendizagem aos alunos, é preciso que ele seja pensado como uma contribuição, um desvelamento das regras e das formas individuais e subjetivas com que o professor normalmente avalia alunos que, em muitos casos, ele nem conhece, esquecendo que eles também são pessoas. A avaliação só encontra sentido no processo amplo da educação quando é pensada, planejada e executada, tendo como objetivo auxiliar essas pessoas, sejam elas professores e/ou alunos, a aprender mais e melhor, a reorientar seus caminhos, suas formas de estudar e de lidar com os conhecimentos, esclarecendo e apresentando as fragilidades e potencialidades de cada um em relação a determinado tipo de conhecimento. Como indícios, as muitas formas de avaliação precisam ser compreendidas, analisadas, explicitadas e delimitadas em sua visão parcial sobre o julgamento do desempenho e da aprendizagem do “outro”. A avaliação da aprendizagem precisa ser permanentemente avaliada. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES Luiz C. A. Lelis Currículo, tendências e filosofia Na visão recente de Carbonell (2016), existe abundante e substanciosa literatura confrontando e oferecendo à reflexão os princípios pedagógicos e sociais que norteiam a construção do “currículo explícito” e do “currículo oculto”. Necessário se faz compreender a amplitude de tais descrições, considerando a permeabilidade constante entre ambos os princípios pedagógicos, notadamente por reconhecermos que o conhecimento pautado nos livros didáticos não é isento e não é neutro. Ao contrário, vem impregnado de toda a conotação intencional da predominância de determinados princípios sociais, ideológicos, de crenças e costumes, sempre em sintonia com as estruturas ideológicas dominantes nos respectivos momentos. Não raro, atentem, os livros didáticos distribuídos gratuitamente na rede pública de ensino em nosso país são antagônicos entre si a cada ciclo de governança que se estabeleça no Município, Estado ou União. A substituição periódica desse material didático não se dá por sua atualização justificada, mas sim por sua adequação aos interesses das relações e estruturas ideológicas de dominação vigentes naquele espaço e tempo. Nesse cenário, o currículo levado ao aluno traz em si as mensagens subliminares e intencionais que poderão, a partir da contundente ação docente, estabelecer atitudes, comportamentos, compreensões, rituais, gestos e práticas corporais, crenças, e outros aspectos extraordinariamente condicionadores da socialização dos alunos, estabelecendo estreitas e ardilosas interconexões entre poder, dominação ideológica, conhecimento e ensino escolar. Ainda segundo Jaume Carbonell (2016, p.58-59), a construção de um currículo crítico e verdadeiramente emancipador implica nas seguintes premissas: - Diante do caráter essencialista e do pensamento único, propõe-se um currículo que respeite a mais ampla diversidade epistemológica, social e cultural, sobretudo das vozes mais marginalizadas e excluídas. - Diante da sala de aula como espaço negado ao sujeito, defende-se a criação de espaços onde os estudantes construam seus próprios marcos de significação do conhecimento. - Ante o caráter não histórico e não contextual, propõe- se um currículo que reivindique a memória, que se conecte com a experiência local da comunidade escolar e se projete para um mundo mais justo e esperançoso. - Ante o império da racionalidade que coloniza o espaço escolar de interesses e dispositivos técnicos de dominação ideológica, a prioridade deve recair sobre as considerações éticas. - Diante da fragmentação curricular, que se opte pela integração de saberes. - Diante da superioridade e a compartimentalização das diversas dimensões do ser humano, que se aposte firmemente pela relação entre o sujeito e o conhecimento, entre a razão e o sentimento, entre o conhecimento e a emoção, entre a estética e a ética. Somemos ainda a estes recortes o viés de valorização da diversidade cultural, das etnias, das relações de gênero, das identidades linguísticas, da emancipação social por meio do conhecimento. Avaliação Vani Moreira Kenski, em seu escrito sobre o ato de avaliar, nos traz a reflexão necessária sobre estarmos no lugar do outro. Em vezes somos avaliadores, em vezes outras somos nós os avaliados. Entender as condicionantes pontuais do processo de avaliar, no contexto sociocultural no qual estão inseridos os atores - avaliador e avaliado - é pressupostodireto para a dosimetria dos instrumentos de avaliação aplicados. Colaborando sobremaneira para a construção, sistematização e aquisição desse conhecimento, Mary Rangel, em seu livro “Métodos de ensino para a aprendizagem e a dinamização das aulas” - Papirus, 2013 - observa para o trabalho docente que a revisão ou releitura dos fundamentos e fundações dos estudos sobre o processo de ensinar e aprender pode não só reincorporar saberes relevantes, que ampliam compreensões de princípios e práticas, como atender a uma premissa essencial: a de que o conhecimento é uma construção que se fortalece e se consolida, que cresce e prossegue, porque tem bases sólidas que lhe conferem segurança. Por isso, fundamentos e fundações acrescentam perspectivas aos avanços e às atualizações do conhecimento. É óbvio, portanto, que a valorização do contexto sociocultural no qual está inserido o grupo de trabalho acadêmico deve, sempre, escudar os instrumentos avaliativos adotados pelos professores em relação a seus alunos. No cotidiano do bom professor, a avaliação transcende a sala de aula e se instala como procedimento permanente de investigação. Avaliar o outro – o aluno, o aprendiz – é também avaliar-se pelos mesmos questionamentos feitos aos seus alunos. Envolve um exercício permanente e uma averiguação constante. As pessoas mudam e, para ser sempre um bom professor, é preciso se adequar permanentemente às novas realidades, aos novos alunos, às novas exigências educacionais. Ouvindo Jussara Hoffmann (2018, p. 141), temos que uma prática avaliativa mediadora opõe-se ao modelo do ‘transmitir-verificar-registrar’ e persegue uma ação reflexiva e desafiadora do professor em termos de contribuir, elucidar, favorecer a troca de ideias entre e com seus alunos. A avaliação mediadora, segundo a autora, não se concretizará satisfatória em um cenário de ‘professor falante e aluno ouvinte’, recomendando que ao professor cabe a percepção de que a aprendizagem é resultante das experiências vivenciadas na relação de ensino-aprendizagem entre professores e seus alunos, atores que são de um mesmo processo educativo. E ainda orienta que ao se despertar no professor a percepção desses segmentos de ensino para a relação dialógica inerente ao processo educativo, favorecemos a sua aproximação e curiosidade com os diferentes modos de pensar e agir dos estudantes. A função classificatória também tem seu lugar na avaliação escolar. Com o sistema seriado ou não ao final de uma série, ciclo, etapa ou grau, é necessário verificar se um aluno conseguiu incorporar os conhecimentos, as habilidades e as posturas que se tinha como objetivos finais. É evidente que estamos nos abstraindo, neste momento, da discussão sobre o fato de estes objetivos terem sido formulados de um modo democrático ou autoritário, de terem sido fixados por pactos sociais voltados para a socialização do produto social ou se foram impostos pelos grupos hegemônicos de modo a atenderem prioritariamente a seus objetivos ideológicos particulares. Ao tratarmos da avaliação especificamente no âmbito da educação superior, estarão validadas todas as premissas e todos os conceitos até aqui apresentados nessa compilação. Destarte, concluem-se atualíssimas as reflexões levantadas nesse passado recente, mas que ecoam aos nossos ouvidos e mentes nos dias atuais. No objetivo de complementarmente ilustrar o cenário da avaliação docente sobre os alunos em sala de aula, faz-se a indicação do vídeo abaixo que apresenta relevantes contribuições acerca do tema avaliação. No âmbito da avaliação no ensino superior, O Ministério da Educação criou em 14-04-2004 a Lei n° 10.861, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), estabelecendo critérios e dimensões para a avaliação continuada no âmbito da educação superior no país, englobando três componentes essenciais: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes, detalhando ainda todos os aspectos a serem avaliados em torno desses três eixos, principalmente o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente e as instalações. Decorre daí a obrigatória instalação por parte das Instituições de Ensino Superior (IES) da Comissão Própria de Avaliação-CPA, por meio da qual se realiza periodicamente a autoavaliação da IES, devendo os resultados serem amplamente divulgados junto à comunidade acadêmica e abertos à sociedade. Os relatórios dessas avaliações realizadas pela CPA são entregues ao MEC e devem nortear as ações internas das IES no planejamento de melhoria contínua da atividade institucional em todas as dimensões do SINAES. Na educação superior, portanto, o engajamento notadamente de alunos e professores na autoavaliação institucional é preponderante. Mais ainda, os graduandos realizarão de acordo com calendário expedido pelo MEC o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes-ENADE. Por essa avaliação aqueles que estão por graduar-se realizam provas aplicadas diretamente pelo MEC, na perspectiva de serem medidos os desempenhos de formandos e de seus respectivos cursos. Por definição do Ministério da Educação, o ENADE avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao aprofundamento da formação geral e profissional, e o nível de atualização dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial. Decorre dessa exigência formal a prática pelas IES de constantes seminários preparatórios, ao longo da graduação, de maneira que seus alunos estejam familiarizados com a tipologia de provas aplicadas no ENADE, objetivando, assim, que seus alunos e respectivos cursos de graduação obtenham bons conceitos de avaliação. Por outro lado, o ENADE traz à tona antiga reflexão de autores presentes nessa compilação que apresentamos, qual seja, a existência de parâmetros impositivos para a avaliação, definidos verticalmente pela autoridade máxima e deixando de apreciar o locus sociocultural em que se inserem cursos, alunos e professores, também não considerando as prerrogativas dos projetos pedagógicos construídos no seio da comunidade acadêmica das IES e que, obviamente, são projetos que refletem a realidade social, econômica e cultural das sociedades nas quais se inserem país afora. Complexidades do processo de avaliação, às quais professores e gestores da educação devem atentar permanentemente, na busca constante pelo aperfeiçoamento do sistema avaliativo interno nas instituições de ensino, de maneira que possam seus atores principais - os alunos - receberem o melhor que a escola tem a oferecer-lhes: conhecimento! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BERTICELLI, Ireno Antonio. 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