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Nélia Elaine Wahlbrink Engster Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas Editora 1º Ed. / Setembro / 2013 Impressão em São Paulo - SP E58e Engster, Nélia Elaine Wahlbrink Educação e currículo : fundamentos e práticas pedagógicas. / Nélia Elaine Wahlbrink Engster. – São Paulo : Know How, 2009. 155 p. : il., color. Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-63092-08-3 1. Educação. 2. Pedagogia. 3. Formação. II. Título. CDD – 71.207 Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professora Responsável Nélia Elaine Wahlbrink Engster Projeto Gráfico, Diagramação Glaucia Ferraro Capa Wagner Boni Revisão Ortográfica Nádia Fátima de Oliveira Carlos Beltrão Marcela Aparecida de Oliveira 1º Edição: Julho de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD KnowHow 2013 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Nesta disciplina - Educação E Currículo: Fun- damentos E Práticas Pedagógicas - você terá a opor- tunidade de conhecer, de forma detalhada, as questões referentes ao currículo escolar. Embora a disciplina su- gira uma abordagem bastante teórica, no decurso será possível perceber que o currículo escolar é interferente de diversos aspectos da vida social e dos sujeitos. Da mesma forma você será orientado (a) a perceber as ar- ticulações subjacentes ao currículo escolar prescrito e que moldam os sujeitos e são determinantes para a for- mação de novas culturas e de novas estruturas sociais. Para que isso seja perceptível, a cada unidade você será desafi ado (a) a realizar atividades que aproxi- mem a teoria às situações do cotidiano, possibilitando, assim, que você identifi que a presentifi cação do currícu- lo em circunstâncias práticas. É importante perceber que, da mesma forma que o currículo molda pessoas, ele também é pensado, mol- dado, de forma a surtir efeitos desejáveis que atendam às necessidades específi cas de interesses dominantes. Nessa dimensão, é relevante salientar que a formação e a atuação docente poderão signifi car uma Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas nova perspectiva de encaminhamentos curriculares por- que o professor, sendo conhecedor das implicações de uma prática pedagógica consciente, fará uso das pro- postas curriculares com base em metodologias que fo- mentarão a autonomia e a análise crítica. No entanto, ao estudar o currículo, faz-se neces- sário considerar as imbricações do contexto atual da pós- -modernidade nos movimentos educacionais, bem como as que antecederam e que desencadearam as teorias, com suas especificidades. Assim, a cada época, crenças e valo- res sociais são postulados no currículo escolar e acabam fortalecendo os pressupostos de cada teoria. Buscamos, de forma permanente, a atualiza- ção e a melhoria deste material. Você pode nos auxiliar, encaminhando sugestões e propostas de melhoria, via monitor, tutor ou professor. Pela sua ajuda, antecipada- mente, ficamos gratos. Entre sempre em contato conosco quando surgir alguma dúvida ou dificuldade, pois a sua passagem por esta disciplina será também acompanhada pelo Sistema de Ensino EaD Know How, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou Ambiente Virtual de Aprendizagem. Participe dos bate-papos (chats) marcados e envie suas dúvidas pelo Tira-Dúvidas. Toda equipe está à disposição para atendê-lo (a). Seu desenvolvimento intelectual e profissional é a nossa satisfação e o nosso maior objetivo. Acredite no seu sucesso, seja persistente e te- nha bons momentos de estudo! Equipe EaD Know How Sumário Capítulo 1 O currículo e suas intercorrências Capítulo 2 As teorias do currículo: uma abordagem histórica Capítulo 3 O currículo como artefato social Capítulo 4 Currículo, cultura, poder e prática educacional Capítulo 5 Professor como articulador do currículo Capítulo 6 A pós-modernidade e as instâncias do currículo Gabarito 07 23 43 61 79 105 131 Capítulo 1 O Currículo e suas Intercorrências 9 Para iniciarmos os estudos sobre Educação e Currículo: Fundamentos e Práticas Pedagógicas, é ne- cessário esclarecermos a qual aspecto da educação e do currículo estamos nos referindo. Antes, porém, escreva a sua concepção de currículo aqui: ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ____________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ 1. Currículo: Aproximações à Temática 10 Ao ler as indagações a seguir, registre suas res- postas. • Ao ler ou ouvir a palavra educação, que ideia lhe vem à mente? - A educação transmitida de uma geração a ou- tra na perspectiva cultural? - A educação formadora dos valores de cada su- jeito? - O direito de ensino regular nas escolas públi- cas ou privadas? • Ao ler ou ouvir a palavra currículo, que ideia lhe vem à mente? - Aquele documento que expressa o perfil de formação escolar do sujeito? - O perfil profissional que o sujeito apresenta ao se candidatar a uma vaga? - O currículo que norteia o trabalho escolar? É imprescindível considerarmos essas aproxi- mações aos termos antes de discuti-los na perspectiva da Educação e do Currículo enquanto Fundamentos e Prá- ticas Pedagógicas, porque elas trazem os componentes daquilo que construímos culturalmente ou pelo senso co- mum. Dessa forma, é possível dizer que nada se constrói em teoria sem que tenha sido, primeiramente, pensado ou estruturado mentalmente, com base no conhecimento prático. O currículo tem uma relação muito próxima 1.1 Reflexões Preliminares 11 com educação, ainda que seja na dimensão da constru- ção do currículo pessoal. Ele também é o resultado de uma caminhada percorrida em conhecimentos práticos, culturais e científi cos o que confi rma a premissa de que do conhecimento empírico emerge o conhecimento cien- tífi co. Na construção do currículo pessoal/profi ssio- nal, o sujeito expressa a sua trajetória de formação obti- da nos caminhos escolares. Essa trajetória é o resultado da construção individual, mas não solitária e neutra, dos interferentes no processo, sejam eles concebidos em for- mas subjetivas (regras, textos, normatizações, etc.) ou objetivas (a fala e a ação dos sujeitos com quem convi- vemos). A concepção que se tem acerca do currículo, traz imbricadas defi nições de conceitos que estão vincu- lados ao contexto. A seguir abordaremos duas delas: • CONCEITO DE EDUCAÇÃO Quando ocorrem referências ao termo educa- ção o conceito básico intrínseco faz referência à existên- cia ou não da mesma, dando-lhe a conotação de pertença ou não; isto é, se a pessoa age de acordo com as regras sociais existentes, cumpre com seus deveres e desfruta dos seus direitos, é uma pessoa que tem educação, é um exemplo de cidadão. No entanto pode ser uma defi nição 1.2 Defi nições Relevantes 12 do senso comum, que não exige reflexão, apenas aceita- ção e subjugação às regras. Em um conceito mais elaborado, educação pode ser definida como processo que mantém viva a cultura de um povo, que transmite conhecimentos, técnicas e sabe- res, mas que supõe rupturas através das quais o homem se renova, bem como a sua cultura, seu conhecimento e constrói sua história com base num conhecimento verda- deiro, utilizável, inalienável e intransferível. Nessa pers- pectiva, a educação está estreitamente relacionada ao processo de ensino escolarizado, porém a educação, no decorrer do tempo passou por significativas mudançase hoje, além da educação formal institucionalizada, tam- bém pode ocorrer em diferentes contextos não formais, por ações do Terceiro Setor, o que confirma a importân- cia da educação e o papel das sociedades organizadas na formação dos sujeitos. • CONCEITO DE CURRÍCULO O emprego do termo currículo tem uma história bastante recente na escola, tem, portanto, uma tradição precoce. É importante verificar que, na linguagem corri- queira do cotidiano escolar, o termo currículo sempre foi pouco mencionado. O mesmo ocorre quando se foca a figura do professor, que pouco utilizou o termo nos seus propósitos diários, ressaltando preferência pela elabo- ração de atividades pertinentes à listagem de conteúdos prescritos para o bimestre, semestre ou ano. As questões escolares sempre foram expressas com base na ótica dos programas curriculares, do traba- lho escolar e raras vezes sob a amplitude da perspectiva curricular que traz intrínseca uma ideia mais abrangente sobre o que, como, quando, porque e para que ensinar; condição que expressa a identidade da escola, seus va- 13 lores, visão de homem e sociedade e sua missão com o processo de ensino e aprendizagem. Nas escolas, o currículo ainda aparece traves- tido de signifi cados diversos, o que contribui para a mi- nimização do seu valor conceitual. Ou seja, o currículo, na escola, ainda é um objeto de contemplação a distân- cia, do qual poucos se aproximam e muitos têm aversão. Entende-se que é de competência administrativa, porque tem relação específi ca com matriz curricular, cômputo de carga horária, matrícula e transferência de alunos. Por conseguinte, há também aqueles que têm a falsa ideia de que o currículo está vinculado às bases pedagógicas da escola com vistas a considerar as linhas metodológicas, o planejamento, entre outros, e que o professor que reali- za o trabalho diário com os alunos deve estar preocupado com o conteúdo a vencer. Considerando a trajetória recente do currículo nas escolas, teóricos que se dedicam ao estudo do tema defi nem um caminho de intercorrências nessa circuns- tância. A exemplo disso, Sacristán (2000, p.14 e 15), expressa sua opinião em cinco itens: “...ponte entre sociedade e escola;...plano edu- cativo...composto por diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc.;...expressão formal e material desse pro- 1.3 Conceituação de Autores 14 O currículo não é senão uma lista- gem de matérias/conteúdos na perspectiva da acumulação de informações, ou na pers- pectiva da disciplina intelectual exigida pe- los métodos de investigação de cada ciência particular, ambas as perspectivas igualmen- te colocadas acima e à parte do mundo da vida e das relações sociais, ético-políticas. jeto que deve apresentar...seus conteúdos, suas orienta- ções e suas sequências para abordá-lo, etc.; Referem-se ao currículo pessoas que o enten- dem como um campo prático. Entendê-lo assim supõe a possibilidade de: 1) analisar os processos instrutivos e a realidade prática a partir de uma perspectiva que lhes dota de um conteúdo; 2) estudá-lo como território de intersecção de práticas diversas que não se referem apenas aos processos do tipo pedagógico; interações e comunicações educativas; 3) sustentar o discurso sobre a interação entre teoria e prática em educação.” “... conjunto ou série de coisas que as crianças e os jovens devem fazer e experimentar, a fim de desen- Marques (1999, p. 15) afirma que a palavra advém do currículo romano, que significa pista circular de atletismo, e que, ao ser aplicado ao contexto escolar, passou a ser relacionada aos estudos, demarcando uma sequência articulada de estudos a serem desenvolvidos na escola. Bobbit (apud Pedra, 1997, p.30), ao fazer um estudo sistematizador do currículo para aprofundar o campo de estudos teóricos sobre o tema, destaca que: 15 O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectu- ais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, confl itos simbólicos e culturais, necessida- des de legitimação e controle, propósitos de dominação regidos por fatores ligados à classe, à raça e ao gênero. volver habilidades que os capacitem a decidir assuntos da vida adulta”. Goodson (1995, p.8), ao levantar a história do currículo, aponta a questão crucial do seu signifi cado quando se refere ao processo de produção, de fabricação. 1.4 Como se constituiu a ideia de Currículo Etimologicamente, currículo é defi nido como um percurso a ser seguido. O currículo, como uma práti- ca, surgiu muito antes da noção teórica e do seu respec- tivo estudo sob o nome do “currículo”. Segundo GOO- DSON (1995, p.31), currículo é uma palavra de origem latina – Scurrere – que se refere a corrida, a curso ou carro de corrida. O termo latino curriculum signifi ca movimento progressivo ou carreira e é adotado para in- 16 dicar uma unidade de estudos a ser seguido e concluído. Professores e professoras sempre estiveram en- volvidos com o currículo, se considerarmos a dimensão do ato de designar uma área de conhecimento em estudo, em desenvolvimento. Assim, o currículo acabou por se definir sob a designação dada às atividades realizadas no contexto escolar. O currículo constitui-se de um campo repleto de perspectivas metodológicas e de possibilida- des contraditórias de poder, de interesse e de dominação. Abordar a história do currículo é uma possibilidade con- creta de vislumbrar o conhecimento corporificado no currículo como um artefato social e histórico, passível de alterações, que não se caracterizam pela rigidez de en- caminhamentos metodológicos e do contingente social. Currículo implica ação dinâmica e transformadora. Uma análise histórica do currículo permite ve- rificar pontos de evolução e continuidade e também rup- turas. Mostra que os pesquisadores interessam-se mais em descrever como se organiza o conhecimento escolar (em definir o que os alunos devem aprender) do que em verificar as razões dessa efetivação. Analisar a história do currículo com base em referências sociais e culturais remete a interferências na fabricação do currículo, no entendimento de que há ide- ologias intrínsecas que lhe direcionam a articulação. As- sim, percebemos que os conhecimentos articulados no currículo têm o enfoque do que é socialmente válido. A prática educativa da educação institucionali- zada tem sido caracterizada pelas tentativas de articular problemas sociais no marco do currículo escolar, com o propósito de resolver, de acordo com o contexto viven- ciado, problemáticas emergentes. Na atualidade, poderí- amos fazer referência à Aids, à violência, à sexualidade, 17 aos atentados, enfi m, temas que estão diretamente rela- cionados aos Temas Transversais propostos pelos Parâ- metros Curriculares Nacionais, em função de aspectos evidenciados no cotidiano social. Desta forma, à medida que o currículo expressa interesses de um tempo e de um contexto, ele constrói identidades e subjetividades, confi gura, através da práti- ca escolar, indivíduos que pensam e agem de acordo com as características sociais, econômicas e culturais intrín- secas ao contexto. “O currículo não só constrói, ele faz. É preciso reconhecer que as questões de ex- clusão e inclusão no currículo têm conexões com a inclusão ou exclusão na sociedade”. GOODSON, 1995, p. 10) Uma história do currículo se constrói a partir da análise das interferências dos valores e habilidades de diferentes épocas, porém, ratifi ca a preocupação do acesso à educação, à escola e ao conhecimento para além da neutralidade. Dessa forma, não pode deixar de iden- tifi car conhecimentos e valores verdadeiros e legítimos nas diferentes vivências e nos seus condicionantes de le- gitimidade. Síntese do capítulo Nessa unidade refl etimos sobre a indissocia- bilidade que existe entrecurrículo pessoal e escolar, na medida em que o escolar forma o pessoal e este não se constitui sem o escolar. Também conhecemos a defi ni- ção de alguns autores acerca de currículo, que tem ori- 18 gem latina – Scurrere – que se refere a corrida, a curso ou carro de corrida, significa movimento progressivo ou carreira e é adotado para indicar uma unidade de estu- dos a ser percorrido. Agora você também já sabe que escrever a história do currículo não foi tarefa fácil para os pensadores que se propuseram a esta tarefa, uma vez que o currículo sempre foi operacionalizado sem que houvesse uma preocupação acerca dos registros sobre o que e como se efetivaram os saberes escolares. Porém é importante reconhecer que uma história de currículo se constitui a partir das bases socialmente válidas. Revista do professor (www.revistadoprofessor.com.br) A Revista do Professor é uma publicação didá- tico-pedagógica, de circulação nacional, destinada a pro- fessores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Tem como objetivo servir de material de apoio e atua- lização do professor com atuação em sala de aula, via artigos, relatos de experiências, sugestões de atividades, esclarecimento de dúvidas, reportagens e coberturas de eventos educacionais e culturais. Revista Pátio (www.revistapatio.com.br) A Revista Pátio é editada pela ARTMED e é considerada o mais qualificado veículo de atualização e formação para os profissionais de Educação. Aborda temas centrais emergentes nas salas de aula e meios acadêmicos do país e do exterior. A Pátio, desde 1996, socializa os conhecimentos de ponta e as experiências bem-sucedidas de autores de renome e grande prática Sugestão para complementação de estudos 19 pedagógica, oriundos de todos os Estados brasileiros e dos grandes centros mundiais. Entre suas publicações, destaca-se o olhar sobre as questões curriculares. Sentidos de Currículo: entre linhas teóricas, metodolo- gias e experiências investigativas no campo do Currículo. Org. Inês Barbosa de Oliveira (UERJ) e Antô- nio Carlos Rodrigues de Amorim (FE/Unicamp). Dispo- nível em: http://www.posgrad.fae.unicamp.br/gtcurricu- loanped/publicações.html Filme: Escritores da Liberdade Hilary Swank, duas vezes premiada com o Os- car, atua nessa instigante história, envolvendo adoles- centes criados no meio de tiroteios e agressividade, e a professora que oferece o que eles mais precisam: uma voz própria. Quando vai parar numa escola corrompida pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na vida dos estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos ou- tros, uma turma de adolescentes supostamente indomá- veis vai descobrir o poder da tolerância, recuperar suas vidas desfeitas e mudar seu mundo. Com eletrizantes performances de um elenco de astros, incluindo Scott Glenn (Dia de Treinamento), Imelda Stauton (Harry Potter e a Ordem da Fênix) e Patrick Dempsey (Grey’s Anatomy), ganhador do Globo de Ouro. Escritores da Liberdade é baseado no aclamado best-seller O Diário dos Escritores da Liberdade. 20 Atividades 1) Aproveite o término desta unidade e reflita sobre o currículo ao qual você teve acesso na sua vida escolar. Aceite o desafio! Remeta-se às lembranças escolares. Escreva um pequeno texto sobre as memórias desse tempo – Memórias de uma trajetória curricular escolar. Guarde e aguarde, retomaremos essa tarefa na próxima unidade. 2) Quais são as aproximações existentes entre o currícu- lo profissional e o escolar? 3) Qual o significado da palavra currículo? 4) Conceitue educação com base numa visão mais ela- borada do seu significado. 5) Por que nas escolas o currículo ainda é um objeto de contemplação a distância? Capítulo 2 As teorias do currículo: Uma abordagem histórica As teorias do currículo: Uma abordagem histórica 25 1. Trajetória histórica das teorias do currículo Ao falar em teorias do currículo, é importante reconhecer que elas: - São compreendidas como modelos que sele- cionam temas e abordagens do trabalho escolar; - Interferem na configuração do currículo efeti- vado pelos professores porque, à medida que o professor operacionaliza esse currículo na escola, ele o assume e o interpreta, promovendo interferências na opção curricu- lar da escola e na sua história de vida; - Têm relação com a postura profissional de for- mação e comprometimento do professor; - Configuram um aspecto de racionalidade às práticas pedagógicas; - São a mediação entre pensamento e ação da educação; - Têm no professor e no aluno o destinatário do currículo. As teorias desempenham papéis bastante signi- ficativos no decorrer da história da educação, porém, em cada teoria há que se perceber a essência, ancorada no ob- jetivo que perpassa todas elas e que diz respeito ao o que, como e porque ensinar. Em seus estudos, Silva (1999, p. 26 22) expressa essa preocupação da seguinte forma: Essas indagações são relevantes à medida que se discute e estuda as teorias curriculares numa pers- pectiva de identificar como cada uma delas enfocava o processo de ensino e aprendizagem, a postura do pro- fessor e do aluno. É, portanto, possível dizer, segundo Silva (2001) que as teorias do currículo estão situadas num campo epistemológico de “puras” teorias, mas es- tão envolvidas na atividade de garantir o consenso, a he- gemonia, que é conhecido como um território contestado porque envolve organização social e poder. O que se deve ensinar: as habilidades básicas de escrever, ler e contar; as disciplinas acadêmicas humanísticas; as disciplinas cien- tíficas; as habilidades práticas necessárias para ocupações profissionais? Quais fontes principais de conhecimento a ser ensinado: o conhecimento acadêmico, as disciplinas cientí- ficas, os saberes profissionais do mundo ocu- pacional adulto? O que deve estar no centro do ensino: os saberes “objetivos” do conheci- mento organizado ou as percepções e as ex- periências das crianças e dos jovens? Em ter- mos sociais, quais devem ser as finalidades da educação: ajustar as crianças e os jovens à sociedade tal como ela existe ou prepará-los para transformá-la; a preparação para a eco- nomia ou a preparação para a democracia? 27 1.1 As teorias tradicionais As teorias tradicionais do currículo caracteri- zam-se pela prescrição dos conteúdos, isto é, a escola oferece aos professores uma listagem dos conteúdos que devem ser ministrados. Nessa circunstância, os conte- údos não são questionados com relação à sua validade ou necessidade. Igualmente não são proporcionadas re- fl exões críticas acerca dos mesmos. A premissa básica está em ensinar o que está determinado para quem deve aprender. Dessa forma, o aluno é mero receptor dos con- teúdos transmitidos linearmente pelo professor. Não há espaço para a inserção dos questionamentos ou partici- pação dos alunos. Suas opiniões e indagações são igno- radas ou abafadas sob o prisma da autoridade e do temor ao professor. Entende-se que o marco da efi ciência do cur- rículo está na qualidade do trabalho desenvolvido, arti- culada à quantidade dos conteúdos desenvolvidos e nos resultados alcançados. Portanto o currículo deve ter re- sultados sempre positivos. Essa abordagem do currículo escolar está per- meada pela interferência americana que, na década de 20, sofre com os processos migratórios e a explosão do processo de industrialização e gera uma necessidade maior de mão de obra especializada, inclusive. Esse fato tem refl exos diretos sobre a escola, ou seja, o processo de escolarização se expandiu e os currículos escolares de- veriam atender à demanda do contexto. É nesse período 28 que, provavelmente, ocorre o maior impulso significati- vo nas questões administrativas da educação, uma vez que se fez necessário racionalizar o processo de constru- ção, desenvolvimento e testagem de um currículo.Ainda segundo Silva (2001, p.16), “as teorias tradicionais pretendem ser neutras, científicas, desinte- ressadas... ao aceitar mais facilmente o status quo, os co- nhecimentos e os saberes dominantes, mas acabam por se concentrar mais nas questões técnicas”. Assim, nas teorias tradicionais, há uma aproxi- mação curricular ao modelo tecnicista, também chama- do de cienticifista, onde a efetivação do currículo escolar ocorre a exemplo da linha de produção de uma fábrica e há preocupação específica centrada no “o que, quanto e como ensinar”. Nas teorias tradicionais, o “o que e quanto ensinar” era conhecido e inquestionável, porém a preocupação maior estava em como fazê-lo de forma a garantir a transmissão dos conteúdos. Para Silva (2001), é possível dizer que nas teorias tradicionais existe uma grande preocupação organizacional do currículo. 1.2 As teorias críticas As reflexões sobre um novo direcionamento das questões curriculares surgem na década de 60. Co- nhecida como uma década de intensas transformações (liberação sexual, movimento feminista, protestos contra a guerra do Vietnã, movimentos da contracultura, protes- tos estudantis, etc.) é também a década em que as teorias 29 críticas do currículo sugerem mudanças na área do currí- culo. Elas deslocam os conceitos do eixo puramente pe- dagógico de ensino e aprendizagem para os conceitos de ideologia e poder, permitindo que o currículo seja visto sob uma nova perspectiva. As teorias críticas são uma proposta de reno- vação das teorizações sobre currículo e sofrem inter- ferências diretas do movimento de reconceptualização que tiveram origem na literatura estadunidense, da nova sociologia da educação (NSE) do sociólogo inglês Mi- chel Young, e no Brasil de Paulo Freire com as refl exões acerca da Pedagogia do Oprimido, enquanto na França são relevantes os ensaios de Althusser, Bourdieu e Pass- seron, Baudelot e Establet. Os precursores do movimento de reconceptu- alização (formado por participantes da I Conferência sobre currículo, ocorrida em 1973, na Universidade de Rochester – Nova York) defendiam que era necessário questionar os modelos técnicos dominantes do currículo. O movimento de reconceptualização e a nova sociologia da educação emitem teorizações críticas mais centradas nas questões do currículo aliadas aos preceitos de Paulo Freire (1970), quando questiona o conceito de educação bancária e sugere, em seu lugar, o conceito de educação problematizadora. Para os franceses Althusser, Bourdieu, Passseron, Baudelot e Establet o intuito era fornecer as bases marxistas para a educação, reconhe- cendo a escola como o maior aparelho ideológico capaz de exercer o processo de reprodução através do processo de ensinar e através do ambiente. Paulo Freire 30 Visto que as teorias tradicionais se limitavam a garantir o como ensinar com o objetivo de garantir a transmissão dos conteúdos, as teorias críticas vêm com o intuito de questionar os pressupostos dos arranjos educacionais e sociais. Enquanto as teorias tradicionais eram caracterizadas pela submissão, pelo ajuste e pela aceitação, as teorias críticas são teorias de desconfian- ça, de questionamento e transformação. Segundo Silva (2001, p.30), “para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz”. Inerente às teorias críticas está o fato de con- ceber o currículo como uma construção social, como reflexo de um contexto social, portanto é selecionado e transmitido pelas escolas a partir de interesses sociais e não neutros. A escola atua ideologicamente atra- vés do currículo, seja de uma forma mais di- reta, através de matérias mais suscetíveis ao transporte de crenças explicitas sobre a dese- jabilidade das estruturas sociais existentes.... Além disso, a ideologia atua de forma dis- criminatória, ela inclina as pessoas das clas- ses subordinadas à submissão e obediência, enquanto as pessoas das classes dominan- tes aprendem a comandar e a controlar. Essa diferenciação é garantida pelos mecanismos seletivos que fazem com que as crianças das classes dominadas sejam expelidas das es- colas antes de chegarem àqueles níveis, onde se aprendem hábitos e habilidades próprios das classes dominantes. (SILVA, 2001, p.32) 31 As teorias críticas não se limitam a perguntar o quê ensinar, submetem esse ‘o quê’ ao questionamento constante, no intuito de identifi car por que tal conheci- mento é ensinado e não o outro? Quais interesses permi- tem que tal conhecimento esteja no currículo? Por que privilegiar tal conhecimento em detrimento do outro? As teorias críticas estão preocupadas em estabelecer uma conexão entre: 1.3 O Currículo Oculto O currículo oculto, de certa forma, está presen- te em todas as propostas curriculares, no entanto, como não está explicito e descrito em nenhuma teoria, pode-se dizer que ele está camufl ado entre as ações pedagógicas. Mesmo assim exerce grande poder nas teorias curricula- res, em função dos mecanismos ideológicos que executa. O currículo oculto não está centrado em pesso- as, ações, componentes físicos ou arquitetônicos escola- res, nem tampouco se encontra ladeado pelas propostas dos documentos ofi ciais que norteiam a educação, con- 32 tribui silenciosamente para as aprendizagens sociais con- sideradas relevantes (ainda que apenas por um pequeno percentual da sociedade). Dessa forma, para identificar a subjetividade do currículo oculto, é essencial que se reconheçam os diferentes aspectos em que ele atua tendo clareza sobre o quê e como (por que formas) se aprende. Nessa circunstância, alargam-se as fronteiras de ação do currículo oculto porque é universalmente aceito que não se educa somente pelo saber sistemati- zado e organizado, tudo educa ou (des)educa, porém o ser humano é resultado das interferências que sofre por todos os meios, objetos, teorias e métodos a que tem acesso. Especificamente na escola, é preciso considerar como se estabelecem as relações entre os professores e os alunos; os professores entre si; os alunos entre si; a administração e os professores; a administração/coorde- nação com os alunos; os pais e a escola; o professor e a família. Também é importante considerar de que forma o ambiente está organizado, que liberdades ou limitações oferece aos alunos; como educa para a autonomia; para a cidadania. Enfim, é necessário um olhar mais acirrado para os detalhes do contexto escolar, que oferecerão sub- sídios para que se identifiquem os interferentes de for- mação das pessoas que agem silenciosamente. Podemos dizer que uma escola de caráter liberal tem atuação mais flexível do que uma escola de caráter mais rígido. No entanto, cada uma com sua proposta, terá interferentes do currículo oculto. Outros exemplos a considerar podem estar vin- culados à questão de gênero, quando uma escola separa meninos de meninas nas aulas de Educação Física, ou diferencia alunos mais capazes dos menos capazes ou 33 oferece currículo técnico para quem precisa de um traba- lho, ou um currículo cientifi cista para quem vai prestar o concurso do vestibular. Entre outros, ela está ensinando e os alunos estão aprendendo. No entanto a diferença se encontra no fato do quê eles estão aprendendo, porque quem ensina tem atitudes impregnadas de histórias de vida e conteúdos ideológicos que ratifi cam posições e são discriminatórias. Ainda que o contexto atual esteja caracteriza- do pelo neoliberalismo, onde quase tudo é declarado, os valores estão mais explícitos e tudo é questionável, pode parecer insignifi cante a preocupação com o que está oculto no currículo escolar, mas muitas “leituras” serão possíveis, à medida que for feito esforço para con- siderarmos essa possibilidade. O intuito é o de viciar o olhar para o aspecto de detectar o que não está visível e permitir uma prática docente mais consciente. À medidaque o currículo oculto for menos efi caz, o trabalho dos professores e demais pessoas que atuam na escola será mais efi ciente, no sentido de formar cidadãos críticos, não alienados e capazes de efetuar uma leitura de mundo realista. 1.4 As teorias pós-críticas As teorias pós-críticas, da mesma forma que as teorias críticas, preocupam-se em identifi car o quê se ensina nas escolas, porém, mais do que isso, querem responder à indagação: Por que se ensinam certos con- 34 teúdos selecionados para o currículo e não outros? Ou seja, há sempre uma seleção que supõe a escolha de um conteúdo em detrimento do outro e é essa opção que as teorias críticas perseguem em seus questionamentos. No entanto, as discussões referentes às teorias críticas têm relação bastante próxima da realidade, pois considera o contexto atual da educação, visto que são permitidos caminhos ambíguos nessa teoria. Na abor- dagem das teorias críticas, à medida que se inseriu um novo olhar para o processo de ensino e aprendizagem, nas teorias pós-críticas o processo é feito considerando as vertentes intercorrentes e o poder do discurso ideoló- gico, intrínseco ao currículo multifacetado. É importante ressaltar que o currículo, na abordagem pós-crítica, con- templa caminhos plurais, onde há estradas que podem se entrecruzar. A partir das teorias pós-críticas, ocorre um avanço com relação à concepção de educação no sen- tido da amplitude da abordagem curricular. Assim, as questões da diferença como: gênero, cultura, raça, etnia, religião, alteridade, subjetividade e sexualidade, entre outros, farão parte das possibilidades curriculares. Em- bora essas abordagens conceituais tenham relação com o currículo, o grande desafio ainda consiste em aproximá- los das discussões curriculares, visto que ocorrem ba- sicamente entre os intelectuais, nas universidades, por exemplo. Há, nas teorias pós-críticas, muitas possibilida- des de estudos acerca dos elementos que, indiretamente, compõem o currículo, mas no Brasil, a tendência dos estudos culturais vem ganhando espaço de significação, pois busca sustentação na cultura e o objetivo maior não é trabalhar com a amplitude do termo, mas identificar 35 nos aspectos particulares, interferentes signifi cativos que farão a diferença na abordagem curricular. Não é mais possível, nesse contexto, aceitar o currículo como veículo de transmissão do conhecimen- to, o currículo é um terreno onde se produzirá cultura, portanto as diferenças culturais não poderão mais ser ignoradas, elas têm interferência forte no currículo e po- dem ser interpretadas. É por isso que, a partir das teorias pós-críticas se insere a possibilidade do olhar diferencia- do sobre a abordagem dos conteúdos curriculares, con- siderando as relações de poder nele existentes e que pri- vilegiariam determinados conhecimentos em detrimento de outros. Assim, as teorias pós-críticas continuam enfa- tizando a observância das relações de poder que envol- vem o currículo, embora, nessa fase, sejam vistas sob a ótica da descentralização, podendo atuar em diferentes lugares e até mudar o seu foco, sem deixar de existir. É possível concluir que as teorias pós-críticas Na tradição crítica, cultura não é vista como conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos de forma não-problemática a uma nova geração, nem ela existe de forma unitária e homogênea. Em vez disso, o currícu- lo e a educação estão profundamente envolvi- dos numa política cultural... a tradição crítica vê o currículo como um terreno de produção e criação simbólica, cultural... O currículo e a educação não atuam, nessa visão, apenas como correias transmissoras de uma cultura produzida num outro local, por outros agen- tes, mas são partes integrantes e ativas de um processo de criação de sentidos, de signifi ca- ções, de sujeitos. (SILVA, 1996, p.88 e 89) 36 resultam de um tempo histórico complexo e multifaceta- do, por isso continuam questionando as relações de po- der, ideologia, saber e identidade, suas inter-relações e significações. Além disso, as questões culturais, na pers- pectiva marxista, passam a interessar mais aos pensado- res do campo educacional, que iniciam suas reflexões e propostas de educação considerando a necessidade de atender à diversidade do corpo discente. No campo da psicologia, ocorre maior sensibilização com relação às questões da identidade, alteridade, diferenças individu- ais do ser humano, aliado à abordagem sociológica que se preocupa com as questões de convivência, interação e cultura. A ênfase que se dá ao currículo nessa teoria encontra-se no conceito do discurso e menos no conceito de ideologia. Considerando que em cada teoria do currículo existem especificidades, o quadro a seguir, sugerido por Silva (2001, p.17), pretende possibilitar a memorização das categorias de cada teoria. Teorias Tradicionais Ensino Aprendizagem Avaliação Teorias Críticas Ideologia Reprodução cultural e social Teorias Pós-críticas Identidade, alterida- de, diferença Subjetividade Metodologia Didática Organização Planejamento Eficiência Objetivos Poder Classe social Capitalismo Relações sociais de produção Conscientização Emancipação e libertação Currículo oculto Resistência Significação e discurso Saber-poder Representação Cultura Gênero, raça, etnia, sexualidade Multiculturalismo 37 Síntese do capítulo Sugestão para complementação de estudos Nessa unidade estudamos as teorias do currí- culo e as especificidades próprias a cada teoria. Nas teo- rias tradicionais constata-se a rigidez que imprime a sua marca ao processo de ensino e aprendizagem, fazia-se necessário nesse período um aluno receptor e um pro- fessor transmissor. Nas teorias críticas começam a surgir os questionamentos acerca do que se faz na escola, é o período em que a rigidez cede espaço à flexibilização. As teorias pós-críticas permitem a subjetivação de tudo o que se faz, assim as críticas ocorrem de forma a buscar a razão originária dos problemas em questão. Além disso, estudamos também que o currículo oculto é um poten- cial educador, porém invisível e não descrito. Artigo: Reflexões sobre o currículo oculto nas séries iniciais. Artigo de Cibelle Maciel. Disponível em: www. duplipensar.net/.../reflexoes-sobre-curriculo-oculto-nas- series-iniciais.html Livro: Documentos de Identidade. SILVA, Tomaz Tadeu e. Belo Horizonte: Au- tentica, 1999. Livro: Currículo: Teoria e História. GOODSON, Ivor F. 4.ed. – Petrópolis: Vozes, 1995. 38 Filme: O Clube do Imperador Baseado no texto The Palace Thief, de Ethan Canin, O Clube do Imperador conta a história de William Hundert (Kevin Kline), um professor apaixonado pelo trabalho que tem sua vida pacata e controlada totalmente mudada quando um novo estudante, Sedgewick Bell (Emile Hirsch), chega à escola. Porém, o que começa como uma terrível guerra de egos acaba se transformando em uma profunda amizade entre professor e aluno, a qual terá reflexos na vida de ambos nos próximos anos. 39 Atividades 1) Considerando o desafio referente às Memórias de uma trajetória curricular escolar (exercício proposto no capítulo 1), identifique as características do currículo descrito com uma das teorias estudadas e justifique a sua resposta. 2) Cite as teorias do currículo e uma característica de cada teoria. 3) Leia atentamente a fábula a seguir, que pretende ser uma metáfora para refletir sobre as teorias do currículo: A Escola dos Bichos Autor desconhecido Certa vez, os animais resolveram preparar seus filhos para enfrentar as dificuldades do mundo e, para isso, organizaram uma escola. Adotaram um currículo prático, que constava de natação, corrida, escalada e voo. Para facilitar o ensino, todos os alunos deveriam cursar todas as matérias e ao mesmo tempo, em regime seriado. O pato, exímio em natação (melhor mesmo que 40 seu professor), conseguiu notas regulares em voo, mas era aluno fracoem corrida e escalada. Para compensar essa fraqueza, ficava retido na escola o dia todo, fazendo exercícios extras. De tanto treinar a corrida, ficou com os pés terrivelmente esfolados e não conseguia mais nadar como antes. Entretanto, como o sistema de promoção era a média aritmética das notas das várias disciplinas, conse- guiu ser um aluno sofrível e ninguém se preocupou com o caso, exceto naturalmente, o pobre pato. O coelho era o melhor aluno do curso de corri- da, mas de tanto tentar a natação, sofreu tremendamente e acabou nervoso. O esquilo escalava qualquer árvore, admiravel- mente, conseguindo belas notas no curso de escalada, mas foi frustrado no de voo, pois o professor o obrigava a voar de baixo para cima e ele insistia em usar os seus métodos,subia na árvore e voava de lá para o chão. Em natação ele teve que se esforçar tanto que acabou por passar com a nota mínima em escalada, saindo-se me- diocremente em corrida. A águia foi uma criança problema, severamente castigada desde o princípio do curso, porque usava mé- todos próprios para atravessar o rio ou subir nas árvores, o que era proibido, pois eles não estavam previstos no programa. No fim do ano, uma enguia anormal, que tinha nadadeiras, consegue a melhor média em todos os cur- sos, foi a oradora da turma. Os ratos e cães de caça não entraram na es- cola, porque a administração recusou-se a incluir duas matérias que eles julgavam importantes: “como escavar 41 tocas” e “como escolher esconderijos”. Acabaram por abrir uma escola particular, junto com as marmotas e, desde o princípio, obtiveram grande sucesso. (disponível em: http;//w.w.w.slideshare.net.profandre/a_escola_dos_ bichos acesso em 17/05/20009) 4) Com base na leitura, responda e explique: que mode- lo de teoria curricular a fábula expressa? Capítulo 3 O Currículo como artefato social 45 3. Sociedade e Currículo Tomando novamente como referência o sentido etimológico da palavra currículo – correr, percorrer, re- ferente a curso ou percurso a ser seguido (GOODSON, 1995, p.31) - é possível considerar que, comumente, adota-se a definição de trajeto a ser percorrido como sen- do único. Nisso está contida a informação de que há um currículo prescrito, que deverá ser seguido e cumprido por um determinado grupo de docentes organizados em salas de aula, sob a designação de séries. Essa concepção de currículo escolar é a mais utilizada e praticada no con- texto da modernidade, porque é aquela que exige menor empenho de quem articula o processo de ensino e apren- dizagem. Aliada a isso, está também a característica pró- pria da modernidade, qual seja, a de que as pessoas mui- to pouco têm refletido sobre a sua prática e sobre o que fazem da sua vida. Cada vez menos há tempo suficiente para realizar tudo o que o cotidiano impõe, o que o traba- lho exige, o que os compromissos pessoais e sociais de- mandam. Essa parece também ser a fórmula do currículo atualmente, ou seja, ele está diretamente relacionado com a velocidade do tempo que se tem para trabalhar com os alunos na escola e com a prescrição que deve estar cum- 46 prida até o final do ano letivo. Essa forma de pensar o currículo, porém, distancia-se de outra ideia, também in- trínseca ao significado etimológico de currículo, qual seja a de um percurso a ser proposto para estudo e análise. É nesse aspecto que a escola poderia estabelecer uma dife- rença positiva no trabalho que efetiva, se pensasse na re- lação de reciprocidade de construção coletiva de saberes a partir do conhecimento prévio dos alunos, localizando- os num contexto histórico, social e familiar. O desejo de que apresente uma abordagem de construção social diluída no contexto curricular, para que seja ardilosamente reforçada no decorrer do tempo, traz intrínseca a intenção de que o currículo pronto e acabado necessita somente aplicabilidade prática. Ou seja, faz-se necessário que o currículo seja apropriado por quem o executa sem que seja necessário reflexão e adequação. Esse é o conceito em que o currículo existe num contexto social e o reporta ao dia-a-dia na intenção de perpetuar a ideia de que o conhecimento é concebido e produzido socialmente. Por outro lado, existe a possibilidade e a neces- sidade do currículo estar traduzindo o conhecimento para uso em ambiente educacional, porém adaptado para am- bas as classes (dominantes e submissas) para depois ser trabalhado em sala de aula. Ainda assim, currículo conti- nua significando relação emergente entre ele mesmo e os padrões de organização e controle social. Além de separar os alunos por classes e séries, nessas práticas de controle social aparece, no decorrer do tempo, a possibilidade de determinar um currículo dife- renciado para alunos que frequentam uma mesma escola. O que vem a ser uma forma a mais de diferenciação e prescrição, porque fica explícito que alunos com posições 47 econômicas diferenciadas, localizados em escolas distin- tas, terão também acesso a um processo diferenciado de ensino. 1.1 Currículo e Invenção Social Segundo GOODSON (1995), a questão da pro- dução de um currículo escolar é resultado das reprodu- ções e invenções sociais, entre outros aspectos. A forma como se estabelece o currículo e os conteúdos é, na prá- tica, a expressão das ideologias que se quer perpetuar na história da educação. A partir da Revolução Francesa, percebe-se que o currículo passou a ter enfoque diferen- ciado, considerando-se classe social, cultura e educação popular. Por muito tempo, os educadores não puderam distinguir o trabalho de educação do trabalho de controle social, negando, dessa forma, a experiência de vida dos educandos. A família, na fase pré-industrial sempre foi par- ticipante do processo educacional e formativo, especial- mente se considerada a família dos artesãos que tinha a responsabilidade de ensinar aos fi lhos as habilidades ocupacionais e emocionais e passou também, a partir da Revolução Industrial, a ter uma função mais restrita ao ambiente do próprio lar. Isso decorreu em função da dis- persão familiar, consequência das modifi cações sociais, da industrialização, onde os pais (artesãos em maioria) deixaram de exercer o papel de ensinar à sua prole, o ofício, porque ingressaram no mercado de trabalho ofe- 48 recido pelas macroestruturas. Com o surgimento das instituições educacionais mais técnicas e diretivas, a escola passa a assumir a ta- refa educativa anteriormente exercida pela família. Essa transição oferecerá oportunidade, de forma mais ampla e objetiva, à intervenção do Estado nas Instituições de ensino, introduzindo o sistema de salas de aula, onde um maior número de alunos passaria a ser controlado e supervisionado, ao mesmo tempo, enquanto aprendem. “... a mudança de classe para sala de aula representava uma transformação mais generalizada em escolarização – a vitória suprema das pedagogias baseadas em grupo sobre as formas mais individualizadas de ensino e apren- dizagem”. (Ibid.1995, p.34) Um fator de diferenciação claro e significativo, já estabelecido em 1868, se dá quando aparece a preocu- pação com o tempo em que o aluno permanece na escola. Tauton (apud GOODSON, 1995, p.34) referia-se ao fato de que o tempo que se destina à educação das crianças é o tempo que diferenciará a natureza da própria educação. O autor defendia que, se já era sabido que um aluno per- maneceria na escola somente até os quatorze anos, não seria importante que se iniciassem com ele estudos que não teria condições de aprofundar, ao contrário dos que ...Com o triunfo do sistema industrial, a concomitante dispersão da família fez que esta cedesse os seus papéis à penetração sub- sequente da escolarização estatal, deixando que fossem atribuídos pelo sistema de salas de aula, onde grupos maiores de crianças e adolescentes poderiam ser adequadamente supervisionados e controlados... (HAMILTON apud GOODSON, 1995, p. 33 e 34) 49 permaneceriamna escola até os dezoito, dezenove anos. Ainda naquela época (1868), a escolarização destinava-se aos fi lhos das famílias de boa renda, que se- guiriam o currículo clássico. Os fi lhos da classe mercan- til estudariam até dezesseis anos de idade e, para esses, o currículo já se apresentava de forma menos clássica, inserindo uma parcela de prática no currículo propos- to. Para os alunos que estudariam até os quatorze anos, fi lhos dos pequenos proprietários agrícolas, pequenos comerciantes e artesãos superiores, o currículo baseava- se nos seguintes elementos: ler, escrever e contar com nível bastante elevado. Esses três níveis abrangeriam a escolarização secundária completa, porém a maior parte da população operária, que era a de menor poder econô- mico, permaneceria na escola elementar, onde os alunos aprenderiam o equivalente ao saber ler, escrever e contar. Nesse período, o currículo funcionou, igualmente, como mecanismo que identifi cava e diferenciava socialmente os sujeitos. Considerado o tempo de perpetuação do currí- culo escolar, sob o enfoque da identifi cação e diferencia- ção, é possível perceber que os avanços ocorridos foram mínimos e que os mecanismos diferenciadores continu- aram presentes nas propostas que se anunciavam inova- doras e reformuladas. No século XX, efetiva-se o currículo com enfo- que na trilogia: Pedagogia, Currículo e Avaliação, citada por GOODSON (1995) como aquela que caracterizou a epistemologia dominante da escolarização do Estado na época. O intuito era caracterizar a avaliação como acrés- cimo relevante à prescrição curricular, visto que implan- taria o aspecto do controle. Na perspectiva da trilogia, apareceram também os efeitos colaterais do currículo, 50 que passaram a ter a característica da generalização e da durabilidade. As atividades de sala de aula passaram a ter a característica de horas/aula compartimentalizadas, especialmente num momento em que o estado iniciou seu processo de intervenções financeiras. É importante dizer que várias foram as opor- tunidades de inovação curricular. Segundo GOODSON (1995, p.35), a regularidade e sistematização do currícu- lo em matérias de ensino foram introduzidas na década de 1850 e chegou à situação atual em 1904, definidas como Regulamentos Secundários e, em 1917, surgiram as matérias básicas que foram aceitas para o Certificado escolar. Desde então, o conflito curricular já se caracteri- zava como o atual, privilegiando a avaliação do conheci- mento examinável e a matéria escolar dividida em horas/ aula. Segundo Goodson (1995, p.33): O currículo reduzido à matéria escolar passou a existir a partir de 1904 e, a partir dessa data, o conflito curricular esteve localizado na avaliação do examinável. A caracterização das matérias acadêmicas ganhou força nos Certificados Escolares e passou a dominar os currí- culos das escolas secundárias, instalando uma competi- ção pelo tempo para ensinar. Isto é, considerando que todas as matérias deveriam ser ensinadas de modo a produzir bons resultados, competia-se pela maior carga horária da matriz curricular. Desta forma o currículo es- tabelece estreita relação com as matérias necessárias ao “O elo comum entre as pedagogias ‘de classe’ e as pedagogias baseadas na se- quenciação é nítido, porém a passagem para a dualidade “moderna” – pedagogia e currí- culo – envolve a transição do sistema educa- cional ‘de classe’ para o de sala de aula.” 51 Ensino Acadêmico, supondo também a atuação de do- centes especialistas, capazes de articular a quantidade e a qualidade dos conteúdos. Ao estabelecer essa diferença, surgiu a neces- sidade de alocação de recursos. A relação das matérias acadêmicas com as disciplinas universitárias mantinha- se também na proporção de alunos aptos, supondo que necessitariam de um corpo docente mais numeroso, mais qualifi cado e melhor remunerado. Continuou, dessa forma, a distinção do currícu- lo proposto para grupos distintos de alunos. O critério de distinção utilizado estava baseado no status e na classe, e não mais no tempo que o aluno permanecia na escola. Os grupos estruturados mantinham uma escala que contem- plava três possibilidades. No primeiro estariam lotados de alunos formados em escolas secundárias, interessados em aprender um argumento e acompanhar um raciocínio e que assumiriam profi ssões liberais, cargos de direção ou altos negócios. No segundo grupo estariam os alunos que mantinham seu interesse no campo das artes ou das ciências aplicadas, por isso deveriam cursar as escolas técnicas. No terceiro grupo encontram-se os alunos que tinham maior habilidade concreta do que intelectual e que seguiriam um currículo prático, com vistas a uma futura ocupação manual ou prática, seriam alunos que frequentariam a escola secundária moderna. Essa distinção de currículos a grupos diferen- ciados, nada mais é do que um mecanismo de ratifi cação das estruturas sociais. Nesse sentido, ainda é relevante compreender que a evolução de cada matéria refl etia o processo de lutas pelo reconhecimento da mesma, es- pecialmente porque se esperava que o aluno se sentisse atraído por aquilo que a matéria propunha. Professores, 52 com “entusiasmo missionário”, procuravam imprimir novos estilos à forma de ensinar, embora nem sempre estivessem preparados para exercer a tarefa. Além dis- so, a competitividade entre as instituições era reflexo do quadro anteriormente descrito. Todos, com sutileza, pro- curavam ser o melhor e oferecer o melhor, arrebanhar o maior número de alunos para sua instituição. Considerando-se que o aluno teria nas mãos a decisão sobre o currículo que escolheria, a competi- tividade foi ganhando mais força e significado, expan- dindo-se inclusive para a formação de grupos dentro das universidades, que empregavam esforços para que a disciplina que lecionavam fosse considerada “discipli- na acadêmica” e com isso receber recursos financeiros e oportunidades de carreira diferenciados. 1.2 Educação, poder e articulação No universo da educação, é necessário pensar nas relações de poder e de articulação social que inter- ferem na operacionalização do currículo. Nesse sentido, refletir sobre a história do currículo e o contexto escolar no século XXI sugere um olhar sobre três elementos bá- sicos de análise: corpo docente, contexto social e sistema de ensino. Não raras vezes é possível constatar que, para qualquer crise que surja, delega-se à escola a responsa- bilidade pelo ocorrido, acusando-a de usar estratégias ultrapassadas sugerindo que ela procure estar atualizada, renovada, modificada. 53 Segundo Teixeira (1978), costuma-se investir contra a escola em situações de crise. Ela sempre é a pri- meira responsável pelas crises, sejam de valores, de po- der, de cultura, ou de aprendizagem. Quando o homem (os professores, o corpo administrativo e demais órgãos da escola) se reorganiza para atender às necessidades do contexto social vivenciado, é fadado a novas críticas, no caso de identidade e autoridade. O poder delegado à escola percorre caminhos obtusos de articulações, mesclando sentimentos de culpa e de prazer que, embora bastante discutíveis, representa- ram grandes alterações no desenrolar da história da edu- cação. Nesse sentido, é possível tomar como exemplo a questão concernente aos costumes, aos valores, ao caráter. Considerando as transformações ocorridas no campo familiar e social, existe hoje uma nova geração que se apresenta com novos valores, novas posturas, no- vas aspirações; o que num passado bem próximo seria caracterizado como falta de segurança, de solidez, de aspiração e projetos de vida, hoje é fato corriqueiro nas organizações familiares, nas aspirações dos adolescentes, que, diga-se de passagem, são também o refl exo de um contexto social bastante amplo, interferente e modifi cado. Surgem diferentes estruturas de famílias, dis- tintas fi losofi as de vida, diversas posturas com relaçãoa fatos vivenciados, e, principalmente, constata-se que atualmente não se encontra mais a marca registrada das gerações em que a disciplina era determinante nas rela- ções interpessoais. É possível dizer que, atualmente, as manifestações de ordem coletiva e também individual são muito mais públicas e declaradas, especialmente se com- paradas àquela disciplina de outrora, velada e castrada. 54 Ao longo desse processo, a autoridade dos pro- fessores também se transformou. Vive-se num contexto, onde as certezas dão lugar à relatividade e à subjetivi- dade, à contestação e ao questionamento. Essa geração que se apresenta renovada em suas aspirações e desejos, procura por uma nova escola, pressupõe uma nova edu- cação escolarizada, requer um currículo reformulado. A liberdade e a expressão própria dos indivíduos, sejam crianças ou jovens, procuram seu espaço na escola. É necessário discernir até que ponto a escola mudou em função dessas características ou até que pon- to também abriga professores cúmplices dessas crises. A escola, para atender a essa nova demanda, precisa refletir com profundidade sobre as questões concernentes à ro- tina escolar e à infra-estrutura que dispõe, diferenciando o que tem (alunos/professores/profissionais administrati- vos e pedagógicos...), o que deseja (ideal) e o que poderá fazer (real). Ainda segundo Teixeira (1978, p.20), “as es- colas não são responsáveis pelas transformações do es- pírito da sociedade, no entanto refletem o que vai pela sociedade”. Os princípios norteadores do movimento da Escola Nova foram uma tentativa de reorganização e re- orientação da escola, deixando claro que a autoeducação nada mais é do que a necessidade de cada um assumir direta e integralmente seus próprios atos, acreditando que, havendo um meio normal e favorável, o homem se desenvolverá em harmonia. A Escola Progressista ao substituir a Escola Nova, afirma que: (...) “o professor deverá propor um plano educacional, visando oportunizar atividades que tenham continuida- 55 de, a partir das experiências da sociedade/da humanida- de, com a responsabilidade de educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; prepa- rar para um futuro desconhecido em vez de transmitir um passado fi xo e claro; ensinar a viver com mais inteli- gência, com mais tolerância (...) em vez de simplesmente ensinar dois ou três instrumentos de cultura e alguns manuaizinhos escolares”. (TEIXEIRA, 1978, p.41) A partir do desenvolvimento científi co e tec- nológico, as características da sociedade foram sendo alteradas, as descobertas científi cas e tecnológicas fo- ram invadindo a coletividade e a privacidade das pes- soas, exigindo mudanças e adaptações de forma brusca e urgente, fazendo surgir novos paradigmas culturais e educacionais. Se, por um lado, surgiram oportunidades inúmeras de conforto e modernização através dos avan- ços científi cos e tecnológicos, por outro lado, ocorreram também mudanças na mentalidade dos indivíduos, oca- sionando fortes abalos na ordem social e moral. Muda- ram-se os hábitos, os costumes, os interesses, as famí- lias, as comunidades. Considerando que a escola deve dar ao aluno, além de um universo singular de informações, o embasa- mento teórico/prático para que possa ser um crítico inte- ligente, faz-se necessário também o exercício exaustivo da cidadania e da democracia. Nesse sentido, os aspec- tos histórico/culturais dos educandos passam a ser pré- requisitos, pois de acordo com eles, teremos maior ou menor abrangência educativa. Não há dúvida que deveríamos oferecer aos alunos aquilo que há de melhor e mais verdadeiro no universo em que estamos inseridos. Para tanto, é neces- 56 sário observar de onde vem o conhecimento e, a partir dessa informação, escrever o currículo escolar. Há que se aceitar que essa análise não tem sido a prática dos setores responsáveis. O conhecimento sugerido pelos currículos escolares prescreve a distinção de valores, de gênero, de classes, impondo, mesmo que disfarçadamente, a educa- ção para a submissão de alguns e para a emancipação e poderio de outros. “A educação constituiria um dos prin- cipais dispositivos através do qual a classe dominante transmitiria suas ideias sobre o mundo social existente. Essas ideias seriam diferencialmente transmitidas, na es- cola, às crianças das diferentes classes.” (ALTHUSSER apud SILVA 1996, p.84) O currículo pensado para as escolas apresenta, portanto, o poder social como fator determinante na pro- dução e distribuição do conhecimento, na escolha dos conteúdos, metodologias e estratégias, o que torna ques- tionáveis nossas ideias e convicções sobre o que sejam as áreas centrais do conhecimento e as habilidades bási- cas para aprendizagem. A escola, porém, terá sempre na figura do professor a possibilidade concreta de articular conteúdos, ideias, objetivos e acontecimentos numa tro- ca constante do aprender e ensinar a partir de referen- ciais estruturados em conhecimentos, experiências e até em prescrições norteadoras. Síntese do capítulo Nessa unidade você se confrontou com a ideia de currículo vinculada a uma invenção social, o que quer dizer que ele existe não só em função do que a escola pensa e faz, mas também em função de como as relações 57 Sugestão para complementação de estudos sociais são determinantes para a definição do currículo. Assim, o currículo pode ensinar para a submissão, para a alienação e para a diferenciação de alguns poucos sobre uma minoria. Por traz desse modelo de currículo estão imbricados conceitos ideológicos que pretendem ser perpetuados pelo poder que é instituído a poucos. Para- fraseando Teixeira (1978), podemos dizer que a escola reflete o que vai pela sociedade. Livro: Currículo, conhecimento e suas representações PEDRA. José Alberto. 5.ed.Campinas: Papirus, 1997. Filme: A Vila O filme se passa na zona rural da Pensilvânia em 1987, e conta a história de um pequeno vilarejo de Covington, com a pequena população de 60 pessoas, ro- deada por uma floresta onde se acredita haver critaturas míticas habitando o lugar. A história ainda conta o ro- mance de Kitty, a filha do líder do vilarejo e de Lucius, um jovem rapaz. Os dirigentes da cidade possuem uma política de restrição bem forte: todos são proibidos de adentrar à floresta, ou seja, todos os habitantes da vila viveram toda a sua existência isolados do restante do mundo, já que ninguém do exterior pode entrar lá também. Há um mon- te de postos de vigia, que servem tanto para afugentar as criaturas como para se certificarem de que ninguém tente fugir da vila. Entretanto, o vilarejo começa a ser ameaçado 58 quando Lucius Posters começa a questionar sobre o con- finamento completo das pessoas de lá. 59 Atividades 1) Por que a definição de currículo como percurso único a ser seguido é a mais efetivada no sistema de ensino? 2) Um currículo escolar é resultado das reproduções e invenções sociais porque expressa as ideologias que se querem perpetuar na história da educação. Com base nessa afirmação, é possível dizer que o currículo escolar tem uma estreita relação com as invenções sociais ou com a autonomia conteudista da escola? 3) Os efeitos colaterais de generalização e durabi- lidade do currículo surgem em função da trilogia: _______________, _______________ e ____________. 4) Comente, na perspectiva da educação, poder e arti- culação, a frase “As escolas não são responsáveis pelas transformações do espírito da sociedade, no entanto refle- tem o que vai pela sociedade”. (TEIXEIRA 1978, p.20) 5) Valendo-se da fábula A escola dos bichos, como se articula a ideia de currículo? Capítulo 4 Currículo, Cultura, Poder e Prática Educacional 63 A influência das teorias críticas na prática educacional Na década de sessenta, as experiências esco- lares sofreram transformações, em função da tendência tecnicista que procurou reavivar a importância dos ob- jetivoseducacionais na concepção comportamentalista. As teorias curriculares tradicionais sofreram análises, críticas e mudanças e acabaram se transformando nas teorias críticas do currículo. As teorias tradicionais tinham como referência desejável o status quo e apresentavam a elaboração e a organização do currículo como característica principal. Para essas teorias interessava a tecnicidade do como fa- zer o currículo. As teorias tradicionais eram sempre vis- tas como teorias de ajuste e aceitação, ao passo que, nas teorias críticas, o foco principal de análise era a compre- ensão do que o currículo faz, qual a sua aplicabilidade imediata, apresentando, assim, caráter de questionamen- to constante. No contexto das teorias críticas, os aspectos re- ferentes à ideologia têm valor singular, Althusser (apud SILVA 1999, p.31) afirma que: “a escola constitui-se num aparelho ideológico central porque atinge toda a 64 população por um período prolongado de tempo”. Isso se faz, de forma concreta, através das matérias escola- res que possibilitam a inserção de crenças e desejabili- dade de estruturas sociais, nas disciplinas humanistas e, de forma menos direta, nas disciplinas exatas que são objetivas e menos reflexivas. Essencialmente, “a esco- la contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, via matérias escolares, as crenças que nos fazem ver os arranjos sociais existentes como bons e de- sejáveis” (Ibid., p. 31 e 32). Além disso, considerando as teorias críticas, a própria escola também atuaria de forma discriminatória, educando as classes dominadas para a dominação e as classes dominantes para a autonomia e para o comando. Ainda segundo Althusser, a escola atua como reproduto- ra da sociedade capitalista quando se vale das matérias escolares para ratificar as diferenças sociais. A força do currículo está nas matérias escolares, no enfoque que lhe são dadas, pois é pelo currículo que se concretiza a pos- sibilidade de perpetuar a sociedade capitalista econômi- ca e ideologicamente. O eixo da crítica marxista que se faz à educação e à escola está em identificar qual a relação entre esta e a economia, a educação e a produção, uma vez que econo- mia e produção são os responsáveis pela dinâmica social. O ensaio de Althusser responde essas questões quando defende que a escola se configura como um grande e po- tente aparelho ideológico do estado, atuando diretamente sobre os alunos através das disciplinas escolares. Em contrapartida, o conceito de correspondên- cia, expresso por Bowles e Gintis (apud Silva 1999, p. 32), é utilizado com o objetivo de estabelecer a conexão entre escola e produção, enfatizando as abordagens da 65 aprendizagem através da vivência e do desenvolvimento nas relações sociais da escola em busca de uma quali- fi cação adequada para um bom trabalhador capitalista. Signifi ca entender que o mercado de trabalho exige de- terminados comportamentos de subordinação e que a escola coopera com esse processo à medida que o currí- culo escolar, desarticulado da ideia do conteúdo, funcio- na como refl exo dessa situação. Tal concepção contrasta com a de Althusser, quando apontava os conteúdos como principais responsáveis pela transmissão e reprodução da ideologia (capitalista). No entanto, a contribuição tanto de Althusser (apud Silva, 1999) quanto de Bowles e Gintis (apud Silva, 1999),ocorre no sentido de apontar que a escola sempre é apontada como espaço potencial para a reprodução de uma ideologia que favorece uma expectativa social. A aprendizagem, vista enquanto vivência das relações sociais da escola, sugere que o aluno das classes subordinadas deverá aprender como o trabalhador capi- talista deve se qualifi car para o trabalho, ou seja, deverá preparar-se para obedecer ordens, ser assíduo, pontual, passível de confi ança. Porém, saber comandar, liderar e ser autônomo, caso conquiste uma posição mais elevada na escala ocupacional. Nesse caso, a escola reforçará es- sas atitudes nos alunos, de forma que as percebam como necessárias para as vivências, através do seu funciona- mento. A escola novamente educará os subordinados para a submissão e os alunos de escalões superiores para a autonomia e o exercício do comando. Em ambos os ca- sos, porém, especialmente no primeiro, tomará cuidado para fazê-lo com sutileza. Assim, se estabelece a correspondência entre as relações sociais da escola e as relações sociais do local 66 de trabalho, permitindo a reprodução das relações so- ciais de produção da sociedade capitalista. Desse modo a escola é, ao mesmo tempo, reflexo e componente do contexto social vivenciado, porque, ao preparar os alu- nos para atuarem nesse contexto, estará reforçando jus- tamente o controle social e capital vigente. 1.2 Cultura e Capital Cultural Silva (1999, p. 33), ao considerar a análise so- ciológica de Bourdieu e Passeron, ratifica que o enfoque central do currículo está no conceito de produção, atrela- do ao funcionamento econômico e cultural em que a es- cola e a cultura agem, via metáforas econômicas. Assim, a cultura funciona como economia e, através da cultura predominante, a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida. Nessa perspectiva, a cultura funciona como ca- pital cultural, isto é, a cultura existe como valor social para a população e propicia vantagens materiais e sim- bólicas. É, exatamente, a cultura das classes dominan- tes refletida em seus hábitos, costumes, valores, ações e comportamentos. À medida que a cultura tem valor social, ou seja, a pessoa que a tem sente-se beneficiada de alguma forma, ou então, à medida que a cultura trans- mite a sensação de que vale alguma coisa, transforma-a em capital cultural. Além desse enfoque, pode também manifestar-se como capital cultural institucionalizado, representando a conquista de títulos e certificados, como 67 capital objetivado, considerando-se as obras de arte, li- terárias, etc., e como capital introjetado, incorporado e internalizado às estruturas sociais e culturais. Nesse contexto, a escola tem, no entendimento de Bourdieu e Passeron (apud Silva, 1999, p. 35), inter- ferência direta sobre a formação da sociedade, porque acaba adotando o caráter de exclusão, agindo de forma a impor a cultura dominante sem que se perceba que isso está ocorrendo. Para tanto, defi ne a cultura dominante como cultura e a cultura dos demais como qualquer coi- sa. A imposição e, por outro lado, a ocultação da imposi- ção, permite que a defi nição da cultura dominante como cultura apareça como a única existente. A exclusão se concretiza quando a escola adota o currículo que atende às necessidades da classe dominante, criando como ca- pital cultural reconhecido o padrão dos alunos de classe dominante e ocasionando nos alunos das classes subal- ternas a certeza da desvalorização do seu capital cultural, reduzindo-o quase à nulidade. Nessa perspectiva, as crianças e jovens da clas- se dominante são bem sucedidas na escola e têm garanti- do acesso a grupos superiores em educação; enquanto as crianças e jovens da classe dominada fi cam designadas a aceitar o fracasso que as faz desistir no decurso do ca- minho. As crianças e jovens da classe dominante veem seu capital cultural sendo valorizado e fortalecido, já as crianças e jovens veem a sua cultura nativa desvaloriza- da e seu capital cultural reduzido a nada. É desta forma, que as classes sociais se mantém como estão, reprodu- zindo o poder e a valorização da cultura da classe domi- nante sobre a dominada. É assim que se completa o ciclo da reprodução cultural. Ainda segundo a análise dos sociólogos ante- 68 riormente citados, especialmente nas análises de Bour- dieu, é possível vislumbrar uma tentativa de reverter essa situação de dominação da cultura dominante no currículo escolar, quando propõem a pedagogia racio- nal como uma alternativa para aproximar os alunos das classes sociais opostas. Nessa pedagogia, os alunosdas classes subalternas teriam na escola a oportunidade de experimentar aquilo que as crianças e jovens das classes privilegiadas desfrutam no dia-a-dia. Essa discussão é feita de forma incisiva nas teorias críticas que avançam os anos 80, porém as teo- rizações mais recentes sobre o currículo concluem que a situação de manutenção e reprodução da cultura domi- nante sobre a dominada ainda se mantém. 2. Identidade do Currículo Brasileiro O currículo escolar brasileiro, especialmente nos anos vinte e trinta, caracterizou-se pela transferên- cia de ideias americanas, bem como pela combinação de ideias tecnicistas e progressistas. O campo do currícu- 69 lo apresentava uma miscelânea de teorias, ideias e ten- dências que interagiram com o núcleo epistemológico brasileiro e, embora progressista, mantinha as tradições curriculares do país. As reformas de ensino ocorridas no Brasil sur- giram como uma possibilidade de melhorar a qualidade do ensino e do profissional docente, buscando sempre considerar o educando como ser que merece ter suas in- dividualidades respeitadas, apesar da dualidade técnica e progressiva. Não só nessa época, mas a partir do momen- to em que os pensadores da Escola Nova, em repúdio aos métodos tradicionais de ensino e aprendizagem, propuseram uma reestruturação curricular sugerindo orientações básicas de programas e métodos de ensino, a intenção passa pelo viés da modernização e inovação, adequando o discurso escolar às necessidades vitais e vi- venciais dos indivíduos. Acompanhando a evolução dos estudos dos pro- gramas de currículos brasileiros, percebe-se, em todas as tendências, o propósito de inovar, crescer e melhorar a educação, abandonando a visão tradicional e lançando mão de investigações e pesquisas no campo educacio- nal, psicológico e social numa perspectiva humanista e contextualizada de ensino, ainda que transpareça sempre a incerteza de que, de fato, a proposta sugerida esteja adequada à realidade e às necessidades dos alunos. Indagações constantes têm relação com o fato de que o Brasil, ao longo da história da educação, tem se respaldado em propostas importadas de países hege- mônicos, que deixam transparecer a interferência direta e sólida das teorias americanas que querem, conscien- temente, aumentar a dependência cultural brasileira, 70 através das atividades fundamentais do ser humano (tra- balho, linguagem e poder) e dos diferentes meios de aprendizagem. Desde quando o Brasil efetivou seu primeiro empréstimo com o Banco Mundial, houve grande empe- nho para mudar a ênfase da educação no Brasil, visando não mais reeducar a pobreza somente, mas formar capi- tal humano adequado às novas tendências do padrão de acumulação. Compreende-se assim, que o homem é fator direto para o crescimento industrial intensivo e a educa- ção foi considerada, a partir da ótica do capital humano, fonte direta para o crescimento industrial intensivo. Na década de setenta, houve investimento direcionado para a educação no Brasil. Com o uso de fi nanciamento externo, enfatizou-se o Ensino Profi ssio- nalizante, especifi camente no Ensino Médio, o que signi- fi cou mão-de-obra qualifi cada para os setores específi cos da indústria e da agricultura. Além disso, houve grande ênfase nos cursos de Ensino Superior, mais precisamente na área de Engenharia Industrial e Agronomia. Igualmente na década de 70, houve dedicação maior para as Secretarias de Educação do Norte e Nor- deste, nesse caso, os projetos educacionais foram menos custosos e implantou-se o projeto Minerva e Mobral para erradicar o analfabetismo. Na década de oitenta, intensifi caram-se os in- vestimentos na área social, especialmente para os setores mais pobres com objetivo de aliviar tensões decorrentes do projeto global de desenvolvimento, o nível primário priorizou a preparação da mulher para a aceitação de po- líticas de planejamento familiar e controle de natalidade. Todos os projetos encaminhados foram morosos no pe- ríodo entre a intenção e efetiva assinatura dos mesmos, 71 uma vez que o Banco Mundial sempre foi muito exigen- te no sentido de ter certeza dos retornos imediatos. Apesar das reminiscências, com o surgimento das escolas progressistas transformadoras alterou-se o conceito educacional e sugeriu-se uma reformulação no modo da estrutura e do funcionamento curricular. Fazia- se necessária uma escola que preparasse o indivíduo para o incerto e o encorajasse a indagar, investigar e agir autonomamente. Nesse sentido, as reformas de ensino ocorridas entre as décadas de vinte e trinta, buscaram reordenar o processo pelo qual se constrói o conheci- mento, abandonando o currículo organizado por áreas de ensino e indicando novas formas de aprendizagem a partir das preocupações e das vivências dos educandos. 2.1 Década de 90: Os Parâmetros Curriculares Nacionais Considerando a década de 90 e a educação básica brasileira, as reflexões e interferências éticas, políticas e de poder ocorrem no currículo a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Discutir, re- fletir, falar ou escrever sobre o currículo escolar remete sempre à possibilidade (institucional ou não) de pensar a educação na condição de reinventar possibilidades práti- cas e teóricas. Remete também ao questionamento da va- lidade ou não do planejamento didático, da necessidade de conhecimentos novos, atualizados e de interação ao meio, e da servidão do currículo, isto é, porque ele existe 72 da forma como se encontra, a quem serve e a quem inte- ressa que seja assim. A defi nição e a prescrição de parâmetros na- cionais de abordagem curricular, na forma de prescrição de conteúdos, quer ser uma possibilidade de regulação dos sistemas de ensino, mas, ao mesmo tempo, pode ser um caminho de acomodação e quebra de qualidade educacional, porque permitirá o comodismo àquele que deveria ser o desencadeador do processo de construção e reconstrução de conhecimentos – o professor. Ainda assim, defi nir currículo continua sendo uma questão subjetiva, porque trará implícita a visão de mundo, a história de vida, e as experiências de quem o conceitua. Em se tratando do país, signifi ca observar as políticas públicas da educação. Em se tratando das Insti- tuições de Ensino, signifi ca referendar as prescrições do Projeto Político Pedagógico das Instituições e suas man- tenedoras diretas (públicas ou privadas). Em se tratando dos professores, particularmente, a relação se estabelece com a razão desencadeadora da busca profi ssional, alia- da às convicções de ética, fi losofi a e pedagogia. Em se tratando dos alunos, o currículo tem relação com o de- sejo de aprender, temperado diariamente pelo desafi o à descoberta através da motivação, além das necessidades de formação profi ssional e pessoal. No entanto, indepen- dente das instâncias (nacionais, estaduais, municipais ou locais, do público ou do privado) o currículo implicará sempre o envolvimento direto do seu articulador, o pro- fessor. Acreditar que a educação se faz no contato constante e intenso com os objetos de pesquisa, signifi ca distanciar-se de métodos tradicionais e conservadores, onde se formatava uma ideia de educação e currículo 73 em que o professor era transmissor e o aluno o recep- tor, eximindo ambos de reflexões e invenções acerca do trabalho escolar diário. Significa possibilitar ao aluno o contato direto com diferentes meios de aquisição de informações e conhecimento, interagir com ele no pro- cesso de construção de um currículo que vislumbre a construção de conhecimentos do grupo, com validade individual e coletiva. Quando essa forma de pensar o currículo se fi- zer presente nas escolas, segundo Doll Jr.(1997), haverá uma mudança nas relações entre professores e alunos, não existirá mais tão enfaticamente a concepção de pro- fessor instruído que informa os alunos não instruídos, ou seja, supera-se a visão de professor transmissor e aluno receptor.