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oDESENLACE ~ DE UMA ANALISE Gérard Pommier Jorge Zahar Editor Transmissão da Psicanálise o DESENLACE DE UMA ANÁLISE Embora tenha sido objeto da con- sideração de alguns analistas depois de Freud, a questão do fim da análise só foi retomada com maior profundidade por Jac- ques Lacan, que viu nela um dos problemas tundarnantalscoloca- dos ao psicanalista por sua expe- , riência. Observando que quase um século depois das primeiras descobertas de Freud a incerteza teórica ainda paira sobre o as- sunto, Gérard Pommier parte neste estudo precisamente dessa indagação: como termina uma análise? Algumas análises terminam com sucessos "terapêuticos" mais ou menos relativos, outras permane- cem intermináveis. Contudo, a explicação dos resultados nada soluciona e fica essa embaraçan- te imprecisão sobre as razões do término. Ao mesmo tempo que mostra a continuidade existente de Freud a Lacan, Pommier tenta depreender aquilo que, numa análise, pode logicamente se desenlaçar daquilo que permane- cerá indefinido. Assim, ao realizar tal percurso numa direção tão essencial, O desenlace de uma análise é uma obra tão plena de ensinamentos clínicos que encontra poucos similares na literatura analítica atual. Seu maior mérito reside no ,fato de demonstrar de modo cabalo quanto a obra de Lacan o DESENLACE • I\. Transmissão da Psicanálise V diretor: Marco Antonio Coutinho Jorge 1 A Exceção Feminina Gérard Pommier 2 Gradiva Wilhelm J ensen 3 Lacan Bertrand Ogilvie 4 A Criança Magnífica da Psicanálise Juan David Nasio S Fantasia Originária, Fantasias das Origens, Origens da Fantasia Jean Laplanche e J.-E. Pontalis 6 Inconsciente Freudiano e Transmissão da Psicanálise Alain Didier- Weill 7 Sexo e Discurso em Freud e Lacan Marco Antonio Coutinho Jorge 8 O Umbigo do Sonho Laurence Eataille 9 Psicossomática na Clínica Lacaniana Jean Guir 10 Nobodaddy - A Histeria no Século Catherine Mil/ot 11 Lições Sobre os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise Juan David Nasio 12 Da Paixão do Ser à "Loucura" de Saber Maud Mannoni 13 Psicanálise e Medicina Pierre Benoit 14 A Topologia de Jacques Lacan Jeanne Granon-Lajon: IS A Psicose Alphonse de Waelhells 16 O Desenlace de Uma Análise Gérard Pommier Gérard Pommier o DESENLACE DE UMA ANÁLISE Tradução: Cristina Rollo de Abreu Psicanalista Membro do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro Título original: Le Dénouement d'une Analyse Tradução autorizada da primeira edição francesa publicada em 1987 por Point Hors Ligne, de Paris, França Copyright © 1987, Gérard Pommier Copyright © 1990 da edição em língua portuguesa: Jorge Zahar Editor Lrda. rua México 31 sobreloja 20031 Rio de Janeiro, RJ Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação no todo ou em parte, constitui violação do copyright. (Lei 5.988) Impressão: Tavares e Tristão Ltda. ISBN: 2-904821-17-1 (ed. orig.) ISBN: 85-71 Hl-118-3 OZE, RJ) SUMÁRIO - Posição do problema................................................ 7 - No princípio do infinito e do finito: o inconsciente e o~isso 20 I. Análise Infinita... 29 1: A leitura literal do saber do inconsciente, a escansão....... 31 2. Efeito terapêutico do ato analítico, infinitude de seu limite 50 3. A presença física do analista, escansão e frustração 64 11.Análise Finita ... 75 1. posição da fantasia................................................... 77 2. A fantasia na neurose obsessiva e na histeria................. 95 3. A construção da fantasia 112 4. Ilustração topológica 123 5. A interpretação 125 111.Incidências do Momento de Coricluir... 149 1. Ética e fim da análise , 151 2. Tempo inicial do desejo do analista , 171 3. O melhor é para o pior o escolho da inibição 178 IV. Fim da Análise e Sublimação... 189 1. Sublimação e ato criativo 191 2. Ética, estética.......................................................... 200 3.. Fim da análise e psicose 206 POSIÇÃO DO PROBLEMA A psicanálise tem conhecido, durante quase um século, um crescimen- to constante em todos os países em que as condições políticas e econô- micas lhe foram propícias. Mesmo quando permanece marginal, é ain- da em seu nome que diferentes procedimentos terapêuticos são empre- gados. Quando se extravia, guarda ainda sua força, a despeito daque- les que pretendem servi-Ia. Retira seu vigor menos das instituições e dos homens que a representam que do' próprio inconsciente, inflexível assim que reconhecido. Entretanto, alguns dos problemas cruciais que coloca não estão, até agora, resolvidos. Seu estatuto epistemológico, seus objetivos e seus resultados permanecem numa indefinição embaraçosa. Se sua técnica tem sido fartamente utilizada, o motivo de sua eficácia e de seu suces- so permanece parcialmente obscuro. Certamente não é necessário co- nhecer as leis da gravidade para se atirar uma pedra, ocorrendo o mes- mo com a descoberta freudiana. Utilizando um dispositivo idêntico, os analistas nova-iorquinos e os de Buenos Aires explicarão seu efeito segundo esquemas bastante diferentes, até mesmo diametralmente opostos. Os praticantes da psicanálise permanecem divididos quanto aos princípios de sua ação e a razão de seu poder. Uma imprecisão teórica permanece a respeito dos problemas cruciais, o que contrasta com a influência da descoberta freudiana. Mas, longe de prejudicá-Ia, esta in- definição lhe serve. Este mistério relativo faz dela a Senhora dos pensa- mentos do herói moderno, que sempre pode pronunciar sua senha 1 diante dos impedimentos do destino. Ela permanece inclassificável, sus- peita, e seu sucesso não impede que a aproximem de um fenômeno re- ligioso, ou de uma bricolagem ortopédica em que a sugestão constitui o principal recurso. Qual seria o procedimento que evitaria à psicanálise tais obstácu- los? Como, dentro deste campo, apresentar um resultado e levar adian- 7 8 o desenlace de uma análise te uma demonstração, não apenas com o intuito de ~onvencer o não- . . iado mas também de se fazer entender entre analistas de uma mes-InICI " , I ma corrente de pensamento? Este interessante quebra-cabeça tem re e- vância desde que não mais se contente com um. vago. consenso e com fórmulas acabadas. Eis porque as escolas de pSlcan~hstas puderam se curvar, tão freqüentemente, frente à citação dogmática de Freud ou de seus sucessores mais prestigiados, quando. não procu~aram sua salva- ção junto aos autores da mo~a. Elas pareciam ter abrigado uma orga- nização hierárquica e centralizada, na qual ? funclOna~ento se asse- melhava mais ao de uma seita que às modalidades, pertmentes a uma associação científica. Na falta de pontos de apoio teóricos sólidos, a filiação, a transferência e a sugestão puderam tomar lugar de demon~- tração em um campo que continua a ser atravessado pelas contradi- ções e pelas incoerências. . ,... A paixão queima o exegeta aSSIm como o teonco. O paladino do afeto e do corpo despreza, cordialmente, os in~am~d~s. do mate~a, que, por sua parte, zombam do maníaco do efeito significante, assim como do detetive do traumatismo precoce. . . . . Os relatos clínicos e as exposições de "casos" perrmtinam escla- recer as questões em suspenso, e sair do campo. da ilust!ação? O s~ces- so terapêutico e a citação das palavras dos paclent~s nao podem, mf~- lizmente, ser tomados como provas: se a verdade sal da boca dos ,a?ah- sandos sua ordenação e sua comunicação permanecem problematlca~. Quando expõe fragmentos clínicos, um anal~sta não pode ser exausti- vo; precisa selecionar as frases que escuta e sera ,leva~o a escolher a(~uelas que correspondem ao que preten~e.p:ov~r. Alem dISSO,os ~ro~edlmen- tos de demonstração não são verificáveis, porque a expenencia nunc.a pode ser repetida duas vezes de modo semelhante pelo mesmo anali- sando, e sempre difere sensivelmente de um caso p~~ra ?utro. É verdade que através do que se repete na expenencia, uma estru- tura pode ser extraída e formalizada, até mesmo matemizada. Entre- tanto, quando se trata de elaborar esta estrutura, de fazê-Ia operar,o~ apenas falar dela, cada analista irá utilizá:l~ a seu mod? e segundo cr~- térios cuja mestria lhe escapa. Toda sua lógica, por .mals longe, q~e v~, está a serviço de uma posição subjetiva, ~ue det:rmma esta propna 10- gica, e o que o analista não sabe determina assim o uso que ele pode fazer do saber. . . O "não-saber" assume, deste modo, um lugar de pnmazia e sua eficácia uniforme pôde colocar em dúvida a valid,ade de :odo esforço teórico. É verdade que esta eficiência do não-saber e um escand~o cons- tante desde que a psicanálise existe: mesmo quando .sua teona. estava apenas mal esboçada, Freud já podia dar conta de diversos efeitos te- posição do problema 9 rapêuticos, dos quais ainda ignorava a origem. E o mesmo ocorre com cada analista, que, desde então, se engaja por sua vez na prática. Ocor- re o mesmo com cada um deles, não apenas logo que inicia, mas ao longo de toda a sua carreira. Seu saber se atrasa. O tempo passa antes que reconheça o que faz, e o que sabe não progride senão no só-depois de seu ato. A experiência que possa adquirir não lhe é essencial para escutar cada um dos novos analisandos que podem vir a procurá-Io. Sem dúvi- da, não lhe é inútil, mas apenas em um efeito de contraste, que lhe per- mite compreender a novidade de cada palavra e distinguir o que, em última instância, a diferencia de toda experiência anterior. A experiên- cia, de início, confirma a inutilidade da experiência, que se auto-destrói no ato que prepara. Um analisando não pode fazer escutar o que lhe é particular a não ser que seu sintoma, o que manca na sua palavra, escape a todo esquema pré-estabelecido. Se o saber, quer seja fruto da prática, ou livresco, tem como re- sultado mais garantido ensurdecer para toda novidade, não é menos verdade que o "não-saber", necessário à eficácia do tratamento, é um critério problemático. Como distingui-Io da ignorância? Que caracte- rísticas permitem não confundi-Io com o desconhecimento, que é a con- dição do neurótico e constitui, freqüentem ente, seu orgulho? O neuró- tico desconhece a identidade a que se agarra e experimenta a respeito de si mesmo uma estranheza sintomática. Sua análise lhe permitirá si- tuar este desconhecimento que é, deste modo, totalmente diferente do "não-saber" do analista. Este, pelo contrário, é, em princípio, imune às identificações imaginárias às quais seu "eu" possa ter se agarrado. O que se tornaria a análise, se no momento em que o analisando pensasse ter, enfim, descoberto na pessoa do analista o pai indulgente ou a mãe devastadora que procurava há tanto tempo, o médico se reco- nhecesse, de repente, nesses retratos tocantes? Se o médico também se imaginar assim, o encontro que se seguirá, talvez seja um momento ma- ravilhoso de felicidade; mas, por outro lado, o "happy end" está longe de ser a saída previsível. Em oposição ao desconhecimento, o ,"não-sabido" diz respeito ao momento extremo em que o analisando pára de se identificar com as imagens de estimação do seu passado, que o puxam para trás e o fazem adoecer. Eis porque o "não-saber" diz respeito, especificamente ao fim da análise de cada analisando, momento que é menos o de uma prescrição sem retorno das identificações imaginárias, e mais aquele em que um golpe sem remédio é desfechado sobre os ideais que elas estabelecem. Deste modo, o ponto de eficácia que comanda o desenrolar dos 10 o rJesenlace de uma análise tratamentos escapa ao saber constituído, e é dominado pelo problema do fim da análise, que até hoje permanece controverso quanto a sua própria existência. .. . _ Uma análise se finaliza? A duraçao dos tratam~ntos passa,. por S pelo resultado das concepções teóricas e da prática dos analistasveze, . ", ~. ? E . atuais. Mas as coisas senam diferentes ha alguns decênios? , . preCISO tomar o exemplo de Strachey e sua esposa, que ficaram em analI.s~ quase todas as suas vidas? Mesmo Freud se queixav~,.em 1937, da dIfIC~ld~- de que havia para encurtar a duração das ~n~lIses. A Imensa ~naIOna das análises se interrompe, na melhor das hipóteses, em um efeIto. t:r~- pêutico favorável, mas não estão, por isso, acabadas. Qual 0, cnteno que permite falar de fim da análise? Seu pro,c~sso permane.cera apenas suspenso em condições mais ou menos precanas? ~ode se Interromper em um momento de equilíbrio, permitindo ao analisando acab~r com a ligação estranha que o une menos ao analista, d~ qu~ ~o que Ign?ra em sua própria palavra? Existe, ao contrário, um .fI?1logICO calculavel com tanta certeza quanto as condições que presidiram a entrada em análise? Se Freud evocou a questão do fim da análise ao lon~o .de tod.a a sua obra - antes de tudo, nos termos de um objetivo tera~~u~lco mais ou menos bem executado - só a abordará em sua especificidade n? final de sua vida. O título de seu texto de 1937: Die endliche und die: unendliche ana/yse mereceria, por si só, ser cuidado~amente p~sado. Este título pode, de fato, ser entendido de duas maneiras ~ue sao, e.m última instância, opostas: podemos entender nesta formulaçao que exis- tem análises que terminam, enquanto outras não terminam. Podemo~, também, conjeturar que há a análise que termina e que esta mesma ana- lise, em outro nível, não termina. ., . 2 Ao proporem o título L'ana/yse avec fin ~l / 'analyse s~ns fin, .~s tradutores oficiais conduziram o texto no sentido da pnrneira possibi- lidade. Esta distorcão de compreensão tornou-se possível em função de um contra-senso, porque Freud não escreveu Die endliche analyse und die unendliche ana/yse; seu enunciado não comporta senao uma única vez a menção à análise, que é, ao mesmo tempo, "finita" e "infi- nita". Esta dupla adjetivação talvez seja contraditória, mas nem por isso merece ser menos respeitada. Em alemão como em francês [assim como também em português], não existe uma palavra que permita a conjunção de duas idéias _tão opos- tas como finita e infinita, embora uma junção como essa nao exceda os limites daquilo que pode ser pensado. Num domínio filosó~ico, pode- se conjeturar que a descoberta do infiníto seja também ufi: fim; no .do- mínio matemático, é concebível que um número seja o maior, terminal posição do.problema 11 neste sentido, e não esteja menos incluído numa série infinita: isto Ocorre com os números transfinitos de Cantor. Contudo, o limite da análise, mesmo que não tenha fecho, não pode ser definido nestes termos. Po- demos pressentir que o que termina e o que não termina não são do mesmo registro e não se deduzem um do outro tão simplesmente. O texto de Freud fala nitidamente a favor dessa dificuldade. Quan- do é colocada a questão de saber "00. se existe um fim natural da análi- se, se é mesmo possível levar uma análise a tal fim", o texto esclarece que ainda é preciso "00. logo de início chegar a um acordo sobre o que se entende pelos vários sentidos da expressão 'fim da análise' ". Freud distingue, por um lado, o fim da análise tal como se produz quando o paciente se diz satisfeito e o analista, simultaneamente, não receia uma repetição a curto prazo do sintoma. Tal fim deve ser distinguido, por outro lado, do objetivo mais ambicioso de uma análise, em que o tra- balho tenha sido tão extenso que nenhuma outra "modificação ulte- rior" possa vir a ocorrer. As noções de finito e infinito que são aqui distinguidas se refe- rem, respectivamente, ao aspecto terapêutico da análise e a uma pers- pectiva ideal de "normalidade psíquica absoluta". Podemos conceber que a realização de tal absoluto não possa se situar senão no infinito. De que modo Freud apresenta esta relação bastante especial entre o terminado e o interminável, este momento em que o que se finaliza parece se distinguir do que não se finaliza, em um ponto de cruzamen- to, de quiasma, que não merece ser considerado como uma suspensão, mas como um desenlacej ' Valeria a pena chamar "desenlace" um mo- mento em que se encontram disjuntos a finitude e o infinito? "Desen- lace" é a palavra que convém, se apenas considerarmos que, com a aná- lise, se descobre neste termo um sujeito que mantémcom seu destino uma relação cujo advento nunca teria se realizado sem a análise. Trata- se da "instalação de um estado que nunca surge espontaneamente no Eu e cuja criação original constitui a diferença essencial entre o ho- mem analisado e aquele que não o foi". Entretanto, esta "criação original" de um sujeito cuja certeza ética é, inicialmente, a de sua própria existência, ainda não. diz nada sobre o. que termina e o que não termina. O artigo de Freud aborda suces- SIvamente dois grandes temas, cujo desenvolvimento justifica seu títu- ~o. Quando trata-se de início do resultado terapêutico da psicanálise, e sobre o destino da pulsão e sobre as possibilidades que existem de amansar seus efeitos que a reflexão se detém. Esta eficácia específica e.relativa está associada ao ato analítico. Presa à consistência imaginá- na do corpo, a pulsão faz adoecer; sua força, sua "quantidade" está no princípio de um sofrimento que o gesto apropriado do analista po- 12 o desenlace de uma análise de liberar: " ...0 efeito terapêutico está ligado ao ato de tornar cons- ciente o que no 'isso' está, no sentido mais amplo, recaIcado". Entre- tanto, tal alívio - por vezes bastante rápido nesta espécie de mudança espantosa que a transferência permite - só terá se exercido sobre o fa- tor quantitativo e não irá nem mesmo roçar o que está na fonte da pro- dução pulsional. " ... Por esta via, podemos levar a cabo uma das meta- des da tarefa analítica." O que pode ser, então, a outra metade da tarefa? Se o próprio instrumento do efeito terapêutico é a linguagem, em jogo no "ato de tornar consciente", esta linguagem tem a especificidade de ser feita pa- ra carrear a demanda de amor e ela se encontra, a esse respeito, com o impasse da sexuação, quer dizer, o complexo de castração. Desse mo- do, a tábua de salvação do ato e da transferência não pode evitar o ro- chedo da castração, cujas particularidades, escreve Freud, fazem dele uma "rocha intransponível". O remédio é eficaz ao preço da descober- ta de um mal que, se mudou de natureza, se mostra, desta vez, irremediável. Pulsão de um lado, e complexo de castração de outro, teríamos aqui os termos que explicitariam a dupla adjetivação de uma psicanáli- se quanto a seu termo? Poderíamos, com efeito, ter a impressão de que o que não poderia terminar se situa do lado da pulsão, cuja força só pode ser "amansada" nos conflitos que "a opõe ao 'Ich"'. Este resul- tado é precário e pode sempre se apagar, porque nada pode prever se os acontecimentos da vida, os golpes do destino, não a despertarão ama- nhã. Em contrapartida, a geografia do complexo de castração parece limitada por uma fronteira mais nítida. Sua resultante parece mais bem traçada: " ... freqüentemente, temos a impressão, com a inveja do pênis e o protesto masculino, de que se abriu uma passagem através de toda a extratificação psicológica até à 'rocha de origem' e de ter assim ter- minado com seu trabalho." Contudo, Freud não nutre o gosto pelas simplificações e pelas di- coto mias fáceis. Ele se inclina, antes, às nuances e sabe reservar seu lugar aos pontos de incerteza. De fato, seria melhor evitar situar com tanta pressa o infinito do lado da pulsão, porque, no' fundo, a constân- cia de sua força se identifica à de um desejo reconhecido em fim de análise; igualmente, seria melhor não ter tanta pressa em assimilar o complexo de castração a um fim, porque as particularidades deste im- passe constituem elas mesmas a ocasião de um relançamento infinito. Em seu artigo de 1927 sobre O Problema do término das análi- ses, Ferenczi não mostrará um gosto tão pronunciado pelas nuances. Ele parece tomar uma posição definida quando escreve " ... que a aná- lise não-é um processo sem fim, mas pode, se o analista possui a com- posição do problema 13 petência e a paciência necessárias, ser levada até uma conclusão natu- ral". Esta afirmação linear comporta, contudo, um item interessante uma vez que, para que a análise termine, também é preciso que o ana- lista que a conduz tenha, ele próprio, concluído esta tarefa. Uma análi- se pode terminar de um lado, com a condição de ter chegado a seu ter- mo do outro; e as condições deste fim, que tudo precede, não são mais precisadas nos limites desse artigo. O maior interesse da argumentação de Ferenczi é menos o de insistir sobre uma "conclusão natural", mas problemática, que sobre a competência do analista e sobre os "encami- nhamentos e erros" que obscurecem sua ação. Trata-se, como escreve Freud, de imperfeições inevitáveis de urna profissão tão "impossível" quanto' 'a do educador ou do político". A este respeito, tais imperfei- ções são inevitáveis e seria preciso, ademais, haver empenho em mos- trar que, longe de dificultarem o desenvolvimento da análise, podem trazer-lhe um auxílio inesperado. Seja como for, seu reconhecimento leva Ferenczi a tomar posições vanguardistas, uma vez que, por seu in- termédio acaba por recusar toda distinção entre análise terapêutica e a que é promovida com fins didáticos. Seu importante ensaio tem um interesse suplementar. Ele valori- za a fantasia, enquanto que Freud insiste, essencialmente, sobre a pul- são e sua conseqüência sintomática. Existe uma relação entre a pulsão e a fantasia. O que tem seu efeito sintomático sobre o corpo, para a primeira, é a oportunidade do devaneio diurno, para a segunda. Deste modo, compreende-se melhor o efeito terapêutico associado ao "ato de tornar consciente" que Freud evoca em seu artigo: a' fantasia, que se constrói graças à intervenção do analista, libera o corpo do sofri- mento sintomático. Como escreve Ferenczi, "nossa principal tarefa no tratamento da histeria consiste, em essência, na busca da estrutura da fantasia, tal como esta se produz automaticamente e inconscientemen- te. Durante este processo, o sintoma desaparece em largas proporções." ? fato de que a construção da fantasia seja inversamente proporcional a formação do sintoma exige uma demonstração que Ferenczi não apre- senta neste artigo, e seu critério de fim de análise não é exposto senão através da diferença que o analisando deve ser capaz de fazer entre sua fantasia e a realidade. Apesar das consideráveis diferenças de apreciação, não existe uma divergência fundamental entre Freud e Ferenczi no que concerne ao lu- gar respectivo do complexo de castração e àquilo que termina na análi- se. Não parece ocorrer o mesmo quanto a Balint, se considerarmos seu a.rtigo de 1932, denominado Análise de caráter e renovação. Este valo- nza essencialmente o aspecto terapêutico da questão: um encaminha- mento tão pragmático é justificado, porque a cura é o motivo que leva 14 o desenlace de uma análise a quase totalidade dos pacientes a se engajar na via da análise. A no- ção mesma de angústia de castração não é diretamente levantada por este autor, e a única questão que retém sua atenção é a da possibilidade de um acesso ao gozo. O prazer, a liberdade do paciente de realizar suas inclinações, parecem ser para ele a saída normal da análise. De resto, tal resultado corresponderia exatamente ao que o analisando veio pro- curar: "Nosso objetivo terapêutico está claramente definido," escreve ele. "É preciso que essas pessoas desconfiadas reaprendam no decorrer do tratamento a se entregarem ao amor, ao prazer, ao gozo, sem medo e com inocência, como na sua mais tenra infância." O pressuposto teórico de tal perspectiva terapêutica é a existência de um verdejante paraíso da infância, de um período mais ou menos prolongado da vida, vivido numa libere.•ade do amor e dos prazeres, que um trauma mais ou menos precoce teria vindo interromper. A ta- refa analítica se encontra, assim, orientada pelo objetivo da rememo- ração do trauma, e depois pela regressão até esse instante, para, a par- tir dessa interrupção desastrosa, retomar um desenvolvimento harmo- nioso e desvencilhado de angústia: "O desenvolvimento deve ser reto- mado de onde o trauma o fez desviar-se de seu curso primitivo." Balint ainda está, em 1932, retomando as mesmas concepções do inícioda psicanálise e se contenta em propor uma nova versão do mé- todo catártico? Seria errôneo reduzir sua posição a um simples traba- lho de rememoração e de repetição na transferência. De fato, através da concepção do que chama de análise de caráter, oferece um ponto de vista inédito sobre o problema do fim da análise. O caráter, escreve ele, sem dúvida permite ao indivíduo se afirmar. Esta marca que lhe é própria o autoriza a se garantir a despeito de tudo e a realizar suas ambições, quaisquer que sejam as dificuldades que en- contre e as adversidades com que se confronte. Se a força dada pelo "caráter" não permite necessariamente triunfar, ela mantém contudo uma independência que é essencial à existência. Entretanto, na mesma proporção de sua força, este caráter é tam- bém o que opõe um obstáculo às potencialidades de gozo. Na análise, ele se opõe às possibilidades de regressão e, portanto, à reconstrução desta personalidade harmoniosa, capaz de se entregar ao prazer, que Balint chama de seus votos. Mesmo se uma análise é parcialmente bem sucedida quanto ao seu objetivo terapêutico, o sucesso será sempre con- trariado por este inflexível "caráter", cuja rigidez irá impor uma outra lei. Assim, o fim terapêutico encontra uma dificuldade que lhe dará posição do problema 15 um movimento pendular, um aspecto maníaco-depressivo, cujo valor clínico tem amplo alcance. Durante a tarefa analítica, o paciente en- curta o ciclo que oscila entre dois pólos extremos, entre estes " ... dois pontos limi~es na sexualidade. ~e q~al9uer pessoa. O ponto genital.:. que o indivíduo pode se permitir atingir no desabrochar de uma gem- talidade sem angústia; o ponto de fixação ... a que sua angústia o traz de volta". O fim de análise pode assim ser considerado como um momento de oscilação mais ou menos rápido entre dois termos, conforme o pa- ciente se oriente pelos embaraços de sua adaptação ao mundo exterior ou conforme se deixe levar pelas vias de seu gozo. Por que tal concepção merece uma atenção especial? Sem dúvi- da, ela tem, de início, um valor clínico notável, cuja descrição é clássi- ca; mas, além disso, ela mostra os efeitos de uma estrutura que é a da fantasia. De fato, esta última tem uma função, a de apresentar a busca de um gozo, acossado pelas vias do devaneio porque sua realização é proibida. Assim, a fantasia comporta dois pólos: de uma parte, retrata os áureos tempos de um gozo para sempre perdido e, de outra parte, encena a montagem de ficção que justifica esta perda. De um lado, mos- tra um doce paraíso, por exemplo, o de uma infância em que tudo teria sido permitido, e, de outro lado, a dura realidade do prazer que escapa, à qual convém encarar. Se existe uma saída da análise, esta deverá re- solver tal oposição que existe ao nível da fantasia, uma vez que é a seu nível que a identificação encontra um suporte e o sintoma um alimento. Como o impasse da fantasia, que não é outro senão o do gozo, pode encontrar sua solução no fim da análise? Como seu movimento alternativo, do qual a fenomenologia maníaco-depressiva dá uma idéia, pode encontrar um ponto de mediação que permita uma conclusão? A noção de introjeção, seguida da de identificação ao analista, que foi atribuída a Ferenczi e a Balint, deveria .esboçar uma resposta a este dilema. Infelizmente, os psicanalistas pós-freudianos da I.P.A. retomaram esta intuição lançando-a sobre uma vertente cuja validade é difícil de reconhecer. A título de exemplo, podemos consultar nos Ele- mentos de psicologia psicanalüica um texto de Kris, Hartmann e Lõe- wenstein. Neste artigo, os autores expõem como o eu fraco do neuróti- co deve ser sustentado e depois substituído pelo eu forte e autônomo do analista. A idéia de uma identificação ao analista torna-se, então, '?na, exigência exorbitante e sem fundamento analítico, uma vez que e. propno do eu do analista não dobrar o do paciente, mas, ao contrá- no, prestar-se à sua fantasia. A identificação ao analista só é chocante nesta medida; ela assu- 16 o desenlace de uma análise miria um sentido bem diferente se fosse acrescentado que não se trata de uma identificação ao "Eu", à pessoa do médico, mas que se trata do momento em que o analisando acede à posição do semblante que de fato o analista ocupou até então para ele. Neste sentido, a contribuição de Lacan à questão do fim da aná- lise começa com sua crítica à noção do "eu autônomo", cara aos anglo- saxões. Esta noção, que seria bem-vinda no treinamento de diretores de empresas, é cômica quando aplicada ao analista, cujo Eu, submeti- do a longas macerações, não tem, do ponto de vista do analisando, mais autonomia que a pele do camaleão, que passa da areia à casca de árvo- re e desta à folha. Antes disso, é a própria noção de autonomia do eu que cai em falso. Longe de surgir como uma instância autônoma e um guia seguro em direção à realidade, o "Eu" se caracteriza por uma fun- ção de desconhecimento que está no princípio da alienação do sujeito. Lacan variará na sua concepção do fim da análise, mas diversas constantes permanecem através destas modificações sucessivas. Como a do lugar central reservado à ética, ao desejo, e a da recusa reiterada de qualquer concepção normativa do fim da análise, a começar pela de uma adaptação às normas das associações de psicanalistas. Dentre as primeiras formalizações que pôde propor, Lacan apre- sentou, em 1954, no seu seminário sobre Os escritos técnicos de Freud, um esquema do progresso da análise: trata-se de uma espécie de espiral que se aproxima, gradualmente, de um núcleo central, o do recalque originário, graças à fala que endereça ao analista. "É pela assunção falada de sua história que o sujeito se engaja na via da realização de seu imaginário mutilado." A prudência da fórmula deixa espaço para revisões ulteriores: de fato, se o sujeito se engaja nesta via, ele perma- necerá separado de seu termo pelo próprio instrumento que lhe permi- te avançar, ou seja, a fala e a transferência. Em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, esta apreensão reflexiva do sujeito, graças à fala que endereça ao analista, é considerada como um reconhecimento que, se for levado a termo, de- veria revelá-lo na completude de sua identidade: lá, onde o lugar do sujeito estava reservado no inconsciente, o sujeito deve advir. Sublinha- mos que se trata de uma leitura do "Wo es war, soll Ich werden" freu- diano, leitura cuja perspectiva é infinita, uma vez que sua realização é esperada do significante. De fato, o significante está bem longe de unificar o sujeito, uma vez que o divide. Aquele que fala, nunca se reen- contrará falando. A impossibilidade em que o sujeito se encontra de reconhecer seu desejo na sua própria fala necessita da interpretação; posição do problema 17 mas esta jamais irá desvelar qualquer completude do sujeito e designa- rá, ao contrário, sua divisão. Como podemos apreender esta necessidade da interpretação? Por que o que fala não pode, somente pelo desenvolvimento de seus pensa- mentos, descobrir o que está no cerne de sua existência, do qual nin- guém além dele deveria poder se aproximar? Deve existir uma particu- laridade do pensamento que lhe interdita reencontrar o que o motiva. Em seu seminário sobre A Lógica da Fantasia, Lacan explica esta particularidade modalizando o "cogito" cartesiano, cuja função cau- sal ele negativiza. Esta modalização do pensamento acarreta duas ocor- rências inversas: "não penso lá onde sou" e "sou lá onde não penso". O sujeito de Descartes encontra a certeza de seu ser a partir de seu pen- samento, enquanto que o "sou" do inconsciente, ao contrário, se afir- ma no momento ,de l:'m "não penso", uma vez que este sujeito, antes mesmo que fale, e objeto de um pensamento que ele não é: ele é pensa- do como ser antes ?e pensar. Seu lugar de Ser lhe é designado, antes mesmo de seu nascimento, pelo Outro materno, do qual não pode se se~arar senão graças à negação. Podemos assim, partindo do cogito car- tesiano, fornecer seu assento lógico ao aforismo freudiano: "Láonde isso estava (o'pens~mento) eu devo advir (como Ser)." Há aqui um vel, uma alternativa diante da qual o sujeito se encontra sem fim preciso: deverá escolher entre o ser ou o pensamento. Esta opção contraditória sempre o impedirá de saber o que ele é cO?Io objeto de gozo; não poderá resolver o enigma de seu ser pelos c~mmhos de suas associações livres. O processo analítico, a transferên- CIa, aparece assim como o principal obstáculo ao fim de uma análise q~e, de início, ela permitiu, e é neste ponto de divisão que a interpreta- çao se fará necessária. . . A divisão do ser e do pensamento parece uma abordagem muito I~telectual e totalmente filosófica, cuja relação com os sintomas e o fI~ da análise de um sujeito não se percebe facilmente. Seu interesse n~o aparece senão na medida em que se pode traduzir a noção de ple- mtude ~e ~er na de gozo alcançado, objetivo que o analisando pode ~ersegU1r mdefinidamente. De fato, o instrumento da análise a lingua . 'f' ,gem,_sigru rca uma perda de ser e portanto de gozo, uma vez que ~ ser se opoe ao pensamento que a linguagem exprime. O sujeito é as- SImdi idid ., IVI I o entre o saber das palavras e o gozo perdido que ele fanta- SIarecuperar. Se a interpretação é necessária entre gozo perdido sinto- ma e fala, não terá qualquer eficácia se contenta-se em trazer um saber SUplementar,que sempre permanecerá no registro das palavras. Sua po- 18 o desenlace de uma análise srção e sua eficácia não terão alcance senão na medida em que, embora significante, incida sobre a perda mesma do gozo, sem palavra, que o desejo busca recuperar. Deste modo, enquanto Freud sublinha o interminável impasse da "rocha de castração", Lacan evoca um passe, uma travessia da fanta- sia que apresenta o desejo. Será que estes termos permitem opor Freud a Lacan? Tal não é o propósito de Lacan, que nunca pretendeu "ultra- passar" a rocha da castração. Quanto a Freud, o impasse da rocha da castração não o fez economizar o destino da pulsão, que concerne di- retamente à travessia da fantasia. A pertinência dos termos "passe" e "travessia da fantasia" - acrescentada de suas ressonâncias literária e romântica - lhes valeram ser amplamente usados. Entretanto. podem parecer estranhos, porque pouco se vê o que assim se atravessa. Estas dominações não sobressaem senão em relação à função da fantasia. Sua função é a de assentar o ser de gozo de um sujeito, em vista da causa de um desejo que ele não compreende, de que padece. e do qual está separado. A distância que existe entre o sujeito e a causa que o determina cava um passe, cuja travessia faz conclusão. De fato, se a interpretação incide sobre a fanta- sia, o sujeito pode repentinamente perceber que a causa do que o ator- menta e o torna doente não é nada além do que aquilo que ele tem de mais íntimo. Produz aquilo de que é o efeito. Neste ponto, a fantasia pode se atravessar no sentido em que o sujeito se identifica à causa de seu desejo, ou ainda, ao sintoma. Tal identificação possibilita situar o instante do fim, aquele em que um analisando tem liberdades de fun- cionar, por sua vez, como analista. Com a Proposição de 9 de outubro de 1967, Lacan teve a idéia de colocar em prática e estudar este processo dentro da própria insti- tuição analítica. Trata-se mais de um desafio que de uma aposta, por- que o fim da análise, momento subjetivo de desser, é rebelde a todo tratamento de grupo, assim como a todo reconhecimento hierárquico, que ela contradiz por definição. Se tal proposição encontrasse sua inci- dência prática - é o que falta pôr à prova ~, subverteria radicalmente o recrutamento clássico dos psicanalistas que, até hoje, segue os mes- mos procedimentos usados em qualquer outro grupo social. Estas posições do problema delimitam o encaminhamento que será agora seguido. O que não termina e o que termina estão nodulados pe- lo amor de transferência dentro da tarefa analítica. Nas páginas que se seguem, consideraremos, separadamente, o fio infinito e o ponto de finitude que ele permite situar. Tentaremos mostrar que tal trajeto não permite falar de uma "conclusão", no sentido usual desta palavra. O posição do problema 19 termo "desenlace" convirá mais, porque o instante em que um nó se desfaz não implica a ruptura de um fio, subentendida pelas palavras "fim" ou ·"conclusão". NaTAS I Em francês, mot de passe, que significa literalmente palavra de passe. (N.T.) 2 A tradução brasileira, tendo sido feita da Standard Edition inglesa, não comporta esta duplicidade. A tradução para o inglês foi feita no ano de sua publicação (1937), por Joan Riviere, com o título de A nalysis lerminable and interminable, sendo revista em 1950, pelo tradutor oficial da Standard Edition, James Strachey. A tradução para o português seguiu a inglesa, tendo o título de Análise terminável e interminável. (N.T.) 3 No original, assim como no título da obra, dénouemenl tem o sentido de término fim conclusão de uma t::refa e o de desenlace, desnodulação, desatadura de uma ligação ou de uma amarraçao, motivo pelo qual o autor prefere usá-Io quanto à questão do fim de análise. Tal opção terminológica se explicita na referência que o autor faz à topologia do nó borromeano introduzida por J. Lacan na teoria psicanalítica. (Cf. ca- pítulo Ilustração topolágica, p. 123). (N.T.) NO PRINCÍPIO DO lNFlNllO E 00 FlNllO: O INCONSCIENTE E O ISSO Falar a propósito de uma psicanálise, do que pode terminar e do que não termina, exige desdobramentos relativamente complexos. ~oo~u. do, o princípio do finito e do infinito não estão longe de uma pnmeira aproximação intuitiva. Assim é, se considerarmos. por exemplo. o mo- vimento da fala. Toda frase se completa, mas nem por isso requer menos a frase que se segue. Esta constatação não fornece senão uma regra geral que comanda todo o desdobramento da fala. O desenrolar das palavras não oferece outro ponto de sustentação senão o que assinala o fim de cada seqüência, limite que também é o momento de um relançamento da significação. Entretanto, as frases são portadoras de outro limite além deste que vem pontuar o momento de conclusão, e é este li~ite interno que pode fornecer urna primeira intuição do que poderá termmar em análise. Daremos um exemplo para mostrar qual pôde ser o momento con- clusivo de uma sessão de análise. Trata-se de uma jovem mulher que, depois de ter falado de uma recordação da infância, descreve os senti- mentos que experimentara após a separa~ão de seus pais. Nest~ ép~ca morava com sua mãe, que às vezes mantinha algumas breves ligações amorosas. Aliás, esta situação ainda ocorre e, de vez em quando, sua mãe lhe telefona para avisar que não virá para o j~ntar. A.analisanda expressa, então, seu ressentimento, com um enunciado cUJO remate a fará gargalhar: " ... não gosto que minha mãe saia com outros ho- mens .... " Esta frase só mereceu uma atenção especial, uma escansão opor- tuna e depois uma interrupção da sessão, porque a analisanda ri às gar- galhadas ao se escutar pronunciando-a. Existe um saber incluído nes- sas poucas palavras, um saber oculto, uma vez que aquela que o desvela 20 no principio do infinito e do tinito 21 fica surpresa. De um lado, um saber, para charná-lo propriamente in- consciente se revela e. de outro, ao descobrir este inconsciente, há aquela que .ri e aquilo d? que ela ri, o sujeito e a causa encontrando-se, por um Instante, conjugados no ato de rir. Isso a faz rir. Diverte-se com esse "algo" que se mostra, demarcado pelo saber inconsciente, embora em outro contexto este mesmo "algo" a torne constantemente doente. Antes dela rir, a fras~ que pronuncia é por certo equívoca, mas, pen- sando bem, nem mais nem menos do que qualquer enunciado.' Nesta proposição, a escansão não é apenas lícita mas o riso a torna necessária. mesmo que a duração da sessão fique bastante exí- gua. 1àl encurtamento permite uma progressão sensível do saber incons- ciente. Sem que esta pessoa ria, o sentido de sua frase permanece sus- penso e indecidí vel. Pode ainda ser concluída de diversas maneiras:"N ão gost.o que mi~ha mãe saia com outros homens" .. , "que não meu pai". S.en,_u~ eq~l~oco surge, sendo dado um passo em relação a esta signi- ficaçâo implícita, uma vez que também pode ser escutada de modo to- talmente diferente: "não quero que minha mãe saia com outros homens" .. , "que não eu" .,. "que não eu no lugar de meu pai, que não eu no lugar de homem". " Na frase que acaba de pronunciar, a analisanda descobre um sa- ber i~consciente. mas há algo mais. Não se trata do saber, nem mesmo do signo do saber, mas o de uma surpresa que é assinalada pelo riso. Aquela que ri faz ouvir a explosão de sua presença e surge mais violen- t~mente ainda, na medida em que tinha acabado de sair de uma ausên- era, em ~ue se dissimulava, um instante antes, no seu próprio dizer. Ela 'surge ali onde el.a s~ d~sconhece, em um riso que exterioriza o sujeito barrado da cadela significante, desvanecido, indizível. Se não risse co- ":to se denunciaria esta presença, senão pelo sintoma, que também faz signo de existência por vias mais dispendiosas? Há, pois, este riso que reve~a sua presença desvane.cida e há também aquilo do que ri, o que ela e para o Outro materno, certamente sem o saber mas não sem seu d . . '. esejo. Ri por perceber sua presença de sujeito com relação a este dese- ~~ que a faz dizer mais do que acreditava saber. Se separa, numa garga- ~da, do desejo do Outro materno, no lugar mesmo em que está nele ~Ie!lad~. ~cabar co~ a alienação segue este caminho tortuoso: a sepa- _çao nao e nada mais que este Instante de reconhecimento da aliena- çao, se pudermos chamar de "reconhecimento" este ato (no caso o ri- so) que a significa. ' Refletindo melhor, o saber inconsciente encontrado nesta frase pa- rece bastante exíguo, uma vez que revela apenas os pontos cardeais do complexo de Edipo. A analisanda revela o seu amor incestuoso por sua 22 o desenlace de uma análise mãe. Quando se coloca no lugar de homem, a verdade deste saber está ordenada pela inveja do pênis, que é antes o instrumento necessário para conquistar a mãe que a ocasião de uma rivalidade com os homens (tão desprovidos, ademais). Entretanto, uma questão não deixa aqui de se colocar: como po- de acontecer, enquanto que a verdade deste saber parece se desvelar, que o mesmo saber continue a insistir sintomaticamente, como se ain- da fosse desconhecido? De fato, durante a sessão seguinte, a mesma analisanda manifes- tará um idêntico desconhecimento, enquanto seu riso parecia demons- trar que havia entendido o lugar que sonhava ocupar. Se queixa ainda de sua mãe e diz: " ... ela teria apenas que pedir meus conselhos, minha opinião ou qualquer outra coisa". Não há necessidade alguma de epi- logar sobre a natureza dessa "outra coisa" que poderia, enfim, satisfa- zer sua insaciável mãe. Mais que o pênis, a indeterminação do termo empregado evoca o que o falo tem de proteiforme. O frescor do saber inconsciente, sua insistência, chamam a atenção. A operação do saber se sabendo não permite compreender qual tópica assegura essa insistência. Para entender a repetição do desconhecimento, é preciso ainda acrescentar o lugar de força do "isso" num inconsciente indefinida- mente reproduzível. Somos levados a fazer esta hipótese bizarra de um "topos" sem nome, o "isso", se queremos conjeturar um lugar de exis- tência que dê conta da insistência do saber inconsciente. Para que este lugar do "isso" surja, será suficiente apenas que o analista sublinhe' e confirme dois termos nas frases que foram cita- das. Na primeira, seria preciso dar relevância à expressão "outros ho- mens" e, na segunda, seria preciso pegar no ar a seqüência "qualquer outra coisa". Qualquer frase sempre pode ser recortada, escandida, de tal mo- do que seu ponto de equívoco surja. É muito fácil conseguir tal efeito: é suficiente confirmar, com insistência, um interlocutor em um certo ponto, para que este se escute falar e apreenda seu próprio pensamento sob nova luz, uma vez que o que é, de início, sublinhado pela confir- mação, é sua pura função de enunciação, sua posição de sujeito face ao desconhecido de sua própria fala. Dizer "sim" parece um ato dos mais anódinos, mas, sob seu aspecto simplório, desabafa e exterioriza o sujeito de uma pura enunciação, que não é a de quem acabou de pro- nunciar a frase. O olhar desnuda menos que a escansão que, quando incide sobre o equívoco, extcrioriza um sujeito despido e tão néscio de no principio do infinito e do finito 23 seu próprio dizer que sua presença não poderá ser sublinhada senão c~mo f~ding, com~ silêncio, como gargalhada ou como afeto. A con- f~rmaçao do que diz um analisando, a escansão de uma seqüência par- ticular de seu dizer, faz aparecer um novo saber que, antes de vir à luz deve então ser considerado "inconsciente". ' Mas onde então está depositado o saber inconsciente? Dizendo claramente, em nenhum lugar. Prende-se entre o tempo de abertura e de fechamento do inconsciente, ou ainda, entre o momento de abertu- ra e de fechamento de uma frase. Quando uma primeira palavra é ex- pressa; toda a. polissemia do código, das lembranças, das sensações é potencial e se interrompe quando uma segunda palavra é pronunciada: e exatamente neste instante, durante esta interrupção, que o inconsciente se forma, neste ponto de resistência, onde a polissemia do Outro é re- calcada pela barra da significação. É por facilidade discursiva que se fala "o inc~nsciente", que nunca deveria - rigorosamente - poder ser substantIvado. O termo "inconsciente" é apenas a adjetivação de u,m~ ~orm_açã? .adventícia, limiar, produzida nesta fronteira em que a significação fálica se abate e exclui o sujeito, que portanto não poderia lhe ser "consciente", Al~m, disso, um certo saber só surge como inconsciente graças à transferência que, de ,todo modo, reintroduz um sujeito no que se dizia com total desconhecimento de causa. Esta introdução de um sujeito e do que o causa é essencial, pois esta articulação do sujeito e do que o atormenta é homogênea à captura do sintoma. De fato não é o amor do inconsciente que interessa ao analisando, mas seu sintoma. Quaisquer que sejam os modos com que se apresente e as racio- nalizações intelectuais sob as quais se esconda, o sintoma está na ori- gem da de.m?~da de análise. Pode ocorrer da demanda se mostrar pu- ramente didática, mas esta não é menos sintomática. O analisando fa- la, de início, do que ~alha em sua existência, segundo modalidades que mereceriam ser precisadas, pois quase nunca fará a ligação entre seu s<:frimento psíquico e tudo o que possa dizer. Se vem por seu sintoma, nao o sabe ou, antes, o sabe sem saber. 'Será raro alguém que associe s~~ úlcera, sua rinite, sua colite e as variadas misérias que o afetam co- tidianamente com o que vem procurar na análise. Quando vier a esta- bele~er uma ligação, esta lhe terá quase sempre sido sugerida por um terceiro ou por suas leituras, e não poderá perceber seu alcance senão após .um certo trabalho. Seu desconhecimento da relação que existe en- ~re . sintoma e fantasia é proporcional ao recalque, sobre o qual incide o ato analítico. Ele não pode crer que exista uma articulação en- treo de que seu corpo sofre e o que anima seus pensamentos e, se fala 24 o desenlace de uma análise mais facilmente de suas inibições e de suas angústias, o sintoma de- manda uma leitura particular. Esta posição específica merece ser sublinhada, porque é proble- mática não apenas no momento de entrada na análise, mas em todo o seu decorrer, bem como no instante do fim. Não são os pensamen- tos, as explicações ou as racionalizações, que se podem apresentar a respeito do sofrimento, que serão suficientes para reduzir o sintoma. A experiência da análise introduz uma lógica que não é clássica, lógica cujas conseqüências Freud pôde avaliar bem rapidamente. Não se trata de sublinhar apenas o fracasso dos métodos catárticos, os quais pôde utilizar, algum tempo, junto com seu amigo Breuer. Ao contrário, trata- se das concepções que encontraram apoio, não sobre a ab-reação das lembranças,mas sobre a repetição traumática do saber do inconscien- te. Trata-se então de toda a primeira tópica freudiana, aquela de um aparelho psíquico cujas instâncias são o inconsciente, o pré-consciente e o consciente, e das dificuldades encontradas no emprego da técnica que se apóia sobre elas. A invenção da segunda tópica, que distingue as novas instâncias do "isso", do "eu" e do "supereu", é precedida por um remanejamen- to da teoria do narcisismo. Vale dizer que o "Eu", que é o lugar do sintoma, mudará de posição e que, ao mesmo tempo, a condução da análise modifica sua orientação e seus objetivos. Esta passagem da pri- meira para a segunda tópica é de uma grande importância teórica para se avaliar o que termina e o que não termina em análise. Com ela, dis- tinguiremos mais facilmente, de um lado, o saber do inconsciente, es- truturado como uma linguagem e encontrando seu limite gramatical na rocha da castração, e, de outro lado, o lugar da pulsão, o "isso", onde o efeito de linguagem possibilita a construção lógica da fantasia. Não se trata, então, de opor a primeira e a segunda tópica. De fato, se a fantasia pode se construir no lugar do "isso", é com a condi- ção de um certo trabalho sobre as formações do inconsciente da pri- meira tópica, ou seja, os chistes, os lapsos, os sonhos e tudo o que no trabalho do inconsciente denota o lugar sintomático do sujeito. Quando Freud inventa o "isso", não se trata do batismo de um ' novo inconsciente; ao contrário, busca designar "algo" diferente, cujo lugar, aliás, estava reservado no seio da primeira tópica: o "isso" é anun- ciado pela noção de recalque primordial, enquanto que o inconsciente desdobra os efeitos do recalque secundário, quer dizer, do recalque pro- priamente dito. Este lugar é indicado, por exemplo, na Interpretação dos sonhos,\por este ponto particular do sonho que sempre resistirá à significação e que Freud chama de "umbigo do sonho". no princípio do infinito e do tinito 25 , . Sem dú~ida" o ':isso" já tinha seu lugar reservado na primeira t~p.lca, mas n~o ha mel?s d: norneá-lo sem falsificá-Io, porque é a prin- CipIO ~ebelde a denommaça?, porque resiste ao significante. Quando Freud I~~roduz esta palavra .blzarra~ o "isso", busca empregar uma "não- pa!~vra . Esquecemos, hoje em dia, que apenas procurou limitar "al- go ~ 9ue: ,n~ n;omento de sua descoberta, tratava-se de dizer, sem maior precI~~o, ,~I ha certamentAe algo que não convém nomear". Atualmen- te, o ISSO ganh~u ~ubstancla.' a certeza de sua indeterminação se es- fumou, quando nao e confundido com o inconsciente ou com um saco de gatos de onde sairia a pulsão. E v~rdade .q~e ~ste destino do "isso" não é original. Todas as pa- lavras cuja amblç~~ e conceit~al terminam por conhecer com o tempo um certo desperdício de sentido, tanto mais rápido se este sentido se separa d.e qualq~er significação comum. Ocorre o mesmo com a noção d~ Real introduzida por Lacan. Seu uso possibilitou renovar a tentativa ~elta por. Freud c.o~ ~ "isso", tentativa de designação de "algo" que e_um efeito do significante mas que, entretanto, escapa à denomina- çao. O termo "Real" não qualifica simplesmente o que as palavras não consegu~n: nome~r, mas também o que as palavras produzem, quando sua amblça? ~e. dizer fracassa. Apenas neste sentido, retroativamente a.o uso do. significante, o Real já estava lá. Não se trata do que precede- na o s~r~lment? do ~omem e d~ linguagem: este Real é o dos cientistas e.dos .fllo~of?s I?eahstas e norninalistas, para quem o mundo é, em úl- tima mstancia, mcognoscív~l. Não há Real inacessível, senão porque o homem fala e porque esta separado do mundo exilado do mundo por toda a espessura da língua. ' , Tal exílio é um efeito de ling.uagem, porque não existe na língua co~rente qualque: palavra apropnada que permita nomear o sujeito. EXiste o nome propno, mas este nome não está na língua corrente. Ne- n,huma outra palavra o definirá. Nesta medida, o primeiro Real inaces- slv~l de modo algum residirá na coisa em si, na incomunicabilidade dos objetos .q~e n?s rodeiam, ~as sua morada será o próprio sujeito. Com sua rejeiçao russo que significante algum jamais definirá "recalque pri- n;ordial" da primeira tópica, "isso" da segunda tópi~, "Real" laca- mano, encontra-se delirni~ado o lugar reservado de ,um não sabido que, para ser ~laborado, necessitará de uma construção. E nisso que se aposta com o fim da análise. O que somos para o Outro da linguagem escapa à linguagem e nosso ser de ~o.zo permanece assim indefinido. Somos o primeiro x, o operador eficiente, mas não sabido, de tudo que podemos saber. O que podemos fazer, o que podemos dizer, nossos pensamentos, perma- necem aSSIm para nós mesmos sempre surpreendentes, porque o lugar 26 o desenlace de uma análise de onde nossos atos partem, nosso centro mais íntimo, é também o que não conhecemos. Esta posição do sujeito e do que o agita, comanda seus devaneios, a ordem de sua fantasia, assim como de sua torção sintomática. Seu lugar é excentrado em relação aos significantes, a todo o aparelho de linguagem, por mais longe que este se estenda. Eis porque todas as ex- plicações que se podem dar sobre a fenomenologia do sintoma terão sempre como única eficácia a da sugestão. A significação que pode ser dada ao sintoma, em última instância, o renovará, porque é homogê- nea a um saber inconsciente que nunca dirá nada sobre o não sabido - do qual ele dá conta infinitamente. De fato, o "não-sabido" não é um ponto inerte da estrutura, ele ocasiona a interminável questão do sujeito, seu "che Vuoi?", este momento sempre repetido em que ele se pergunta o que ele é, em uma ausência de resposta que renova o saber inconsciente. Compreendemos melhor, agora, a evolução dos conceitos psica- nalíticos: Freud teve de inventar um novo arranjo do aparelho psíqui- co, porque a oposição do inconsciente e do consciente não era mais su- ficiente para dar conta da experiência. Tão longe quanto chegue o de- ciframento do saber inconsciente, não descobre o que o causa, ainda menos que não contém, por definição, o sujeito a que diz respeito. As- sim, é preciso inventar um novo termo, exterior ao saber, o "isso", e o sujeito que lhe corresponde, o "lch". Ainda é necessário dar conta desta necessidade de uma nova tó- pica pois, se a experiência tem seus embaraços, ainda nada esclarece. Há uma lógica da constituição de uma nova tópica, desde que não se esqueça as condições do recalcamento. De fato, se o recalcamento é oca- sionado pela angústia de castração, o inconsciente não revelará nada além do que o que ocasiona esta angústia, quer dizer, o complexo de Édipo. Ora, nenhum dos traços deste complexo é suficiente, por si só, para fornecer o lugar do sujeito e do desejo que o sustenta. É apenas o relacionamento do conjunto do ternário edipiano - da escrita in- consciente - que dá o lugar relativo do sujeito e de sua causa, quer dizer, da fantasia que se encontra situada então fora do inconsciente e da qual é o produto. O desejo é apenas dedutível, relativo. O saber "do inconsciente" está indefinidamente recalcado por- que, a cada vez que se desvela, o ternário edipiano é para o sujeito a ocasião de um encontro com a angústia de castração. Sem dúvida, existem diversas maneiras de se defrontar com esta rocha da castração, sendo a mais comum a de nada querer saber sobre ela e preferir o sin- toma. Nesta perspectiva, o sintoma se mostra em sua face de gozo e a análise serve então para renovar indefinidamente seu processo, cujo no princípio do infinito e do finito 27 pretexto .é a transferência. A castração é esta passagem, no limite da qual ~ sintoma, nem que seja o sintoma do amor de transferência é prefendo. ' . C.om a angústia de castração, o inconsciente se forma e encontra seu limite. De um lado, ela é seu ponto de origem, uma vez que ocasio- na o recalque. e,.d~ outro lado, ela restringe o saber no momento em que obtura a lOf~OItudeque a precede. Nestes dois tempos de abertura e fecha.men!o, o lOc~nscIente pega o saber sob suas próprias condiçõesde ~fetJvaç.ao:Seu bilhete de entrada é igualmente sua porta de saída. ASSIm,o hmIt~, o fim da análise, aquele que Freud definiu com a ro- cha da castraçao, renovará sua própria operação. O levantamento do recalque desem.bo.caem um novo recaique e, se o inconsciente só pro- duz um sabe~ hmItado,_seu proc.ess?é sem fim, porque a significação que ele expoe - e nao um significante especial - o engendrará novamente. ,O ~aber fi~al_menteexposto .pelo inconsciente não mostra apenas as propnas condições q~e o constituem, quer dizer, o complexo de Édi- po. O horror da castraçao o engendra e o produz infinitamente a partir dele ~esmo. Nesta perspectiva, a análise é infinita por ser finita, por- que o ponto de horror que poderia limitá-Ia, é também o que a renova. Ao mesmo tempo, a relatividade dos termos do complexo de Édi- po descreve um ponto fixo, que é o lugar da fantasia. Escreveremos, no esquema que se segue, o lugar da fantasia em (a), do .mesmo m~do que <l>representa aí o símbolo da castração, que determina n? parenteses do saber inconsciente os três termos do com- plexo de EdIpO: <l>(1,2,3) \1/ (a) . A causa do desejo é o ~onto de exclusão desta estrutura, ponto v!rt~al: arcobotante mapreensível, que a mantém em conjunto. Sua exis- tencI~ impede de considerar separadamente um do outro o inconscienteeo" " .. ,ISSO.' a pnmeira e a segunda tópica. O desejo humano encontra s~a condição nas aporias do complexo de Édipo, complexo desconhe- cido p<?r.causa do recalque, e é ele que rege uma. fantasia que não é ProposIclOnal, mas que se constrói em análise. 28 o desenlace de uma análise o inconsciente e o "isso", o significante e a, fantasia, se articu- lam um com o outro segundo um processo em que se encontra, de um lado, a rocha da castração e, do outro, a relação do sujeito com sua fantasia. É a partir desta articulação que se pode demonstrar que o que não termina em análise. que também é sua vertente terapêutica, está do lado da leitura do saber inconsciente. enquanto o fim lógico diz res- peito à construção da fantasia. I Análise Infinita ... A LEITURA LITERAL DO SABER DO .INCONSCIENTE, A ESCANSÃO o psicanalista tem reputação de falar pouco. A escassez de sua fala é proporcional ao efeito que se espera de seu silêncio. Esta moderação prepararia lentamente as palavras mágicas que, esclarecendo a causa do sofrimento, constituiriam também seu remédio? As coisas não se passam assim. A intervenção do analista não consiste em nomear o ino- minável, como se colocar-se um significante sobre o que não tem nome trouxesse alívio. Falar não cura, não melhora nada e talvez as palavras agravem o sofrimento, se terminam apenas por fixar sua significação. O silêncio prepara o momento de libertação? Tampouco é assim, porque a entrada em tratamento analítico tem um efeito imediato. A reserva do analista nada suprime de sua presença e seu silêncio de mo- do algum o impede de atuar em sua especificidade. Pontuação, escan- são e sublinhagem, nenhuma destas modalidades do ato analítico ne- cessitam da fala. É preciso, ainda, esclarecer que nenhuma delas difere das outras. A pontuação é uma intervenção mínima, mas certamente não é específica da psicanálise. De certa forma, é natural: quando se escuta alguém falar, pontua-se, quase por si só, a fala de quem se dirige a nós, com diversas interjeições, exclamações e confirmações, que marcam nos- sa presença de auditor em seu próprio dizer. Todas essas emissões so- noras que atestam nossa escuta, constituem uma pontuação, colocam as vírgulas e os pontos; indicam os momentos de suspensão, assim co- mo as modalidades de interrogação. Nossa presença e nosso corpo vêm se intercalar na fala que nos é dirigida; somos a vírgula, o ponto, a ex- clamação, tantos signos vazios da escrita que encarnamos; este corpo, que perdeu sua consistência, com o recalque, a resgata com a transfe- rência, que é portanto o instrumento adequado de descoberta do que motivou o próprio recalque. A pontuação do analista não é, então' diferente daquela do dis- curso corrente. Apenas se distingue porque ~ analista não se satisfaz 31 32 o desenlace de uma análise com ela (não considera a fala da forma como o discurso corrente con- vidaria) e porque sua rarefação destaca uma seqüência de preferência à outra. A pontuação é esta intervenção mínima do analista, que pode consistir numa confirmação ou na emissão de algum ruído. Ela chama a atenção do analisando para um de seus dizeres e provoca, assim, um "efeito sujeito": graças a ela, o paciente se questiona sobre o que aca- bou de enunciar e pressente aí um saber desconhecido. Bastante diferente é a escansão, que nada tem de pontuação "na- tural", uma vez que marca uma nova cesura: recorta a fala segundo um contorno que contraria, induzindo aí um equívoco, a intenção de quem falava. A escansão é o instante de um encontro inesperado, que possi- bilita a um analisando certificar-se da verdade do saber inconsciente. Percebe que o seu sofrimento não é sem causa, mesmo que ignore a natureza dela, e mesmo que só possa imaginá-Ia graças ao analista, que lhe possibilita sua transferência. O que é a escansão? Trata-se da liberdade tomada pelo analista de interromper a fala do analisando em certo ponto, e de tal maneira que o agenciamento sonoro, sobre o qual a cesura incide, libertará uma significação nova e equívoca. A escansão propriamente dita caracteriza- se por seu efeito de corte, especialmente se acompanhada pelo final da sessão. Tem pertinência não porque incida sobre as palavras, interven- ção sempre fácil e freqüentemente gratuita, mas porque possibilita des- tacar, graças ao saber literal do inconsciente, o sintoma da fantasia que o engendra. A escansão é pertinente se, e apenas se, o equívoco que ela apre- senta possibilita uma certa construçãoda fantasia. Nem todo jogo de palavras e toda homofonia merecem a mesma atenção. Pode ser bas- tante divertido destacar um equívoco, escandindo a última palavra de uma frase como: "quando escrevo uma carta para minha amante e a despacho". De fato, destacar a unidade fonética: "a despacho", possi- bilita ouvir um equívoco divertido, mas esta operação é gratuita em um contexto que não possibilita correspondê-la a algum elemento consis- tente da fantasia. O mesmo não ocorre, por exemplo, com uma paciente cujo sinto- ma é uma colite espasmódica. Após ter sofrido durante várias horas de dores abdominais fortes, comenta os dons de narrador de seu pai. Ficava maravilhada com suas narrativas, embora não tenha guardado de memória nenhuma delas em especial: "As histórias que meu pai me contava quando era criança não me lembro bem ... estas histórias, a grosso modo, diziam respeito a ".1 A escansão é pertinente aqui porque o conjunto fonético (engravida- vam) pode ser lido em sua correspondência com a fantasia de esperar . análise infinita ... 33 ~m filh? do pai. O co?te.:'to torna esta escansão pertinente, posto que e anunciada pela confissão de uma amnésia: "não me lembro bem" etc ... ~ ausência de leI?b!a~ças é homogênea ao enigma do desejo:'~ este enigma toma conslstencla na dor do sintoma. Um conjunto de le- tras e, deste modo, destacado de uma certa seqüência de significantes. . A Jetra distingue-se do significante. O ato de deciframento isola a primeira do segundo e a analisanda faz a leitura deste elemento di _ t d ber i . ISc:e o ,o .sa er mc~nsclente. O deciframento não requer uma compreen- sao previa do analista. Este pode não ter a menor idéia do que significa um lapso ou um erro de gramática, mas a incompreensão de modo al- gum o Im~ede de ob:ervá-Ios, enquanto que o analisando pode não tê- los percebido, ou nao Ihes atribuir qualquer importância. O ato do analista traz a letra à existência, demarcando silenciosa- ~en.t~ seu~ contornos. Mesmo que não lhe falte uma intuição sobre sua s!gll1flcaça?,~ as .assoc!ações do analisando lhe mostrarão a legitirnida- ?e d~ seu silêncio, pois elas sempre vão mais longe do que ele poderia Imagm~r. O que derrapa no discurso é, assim, aquilo que colocana pista; o erro. e o ~elhor guia d~ uma verdade que não espera e sacode qual- quer hneandade discursiva, desde as primeiras sessões. Quando este pa.ciente me diz, nos momentos iniciais da primeira entr~vlsta ~ue ... "FUI ~er um _ginecologista", sem dúvida é espantoso ?uvlr seu s}~toma ?e ej~c.ulaçao precoce se associar com tanto frescor a problema~lca da Identificação feminina. Contudo, ainda é muito ce- do para decIf~ar este elo literal. Mesmo sendo preferível que uma análi- se avance r~pldam~!ll~e~ a possíbílídade de leitura não pode preceder o que lhe dara sua eficácia no Jogo transferencial. A intuição, a experiên- CIa,'; ? saber ~ue,;la deposita,. per~i.tem pensar que esta qualificação de gmeC?logIsta_ revela uma identificação feminina articulada ao sin- t.o~a de ejaculação precoce. Entretanto, os caminhos da leitura são os umc~s a te~ um efeito terapêutico e seu encaminhamento é imprevisí- vel. E preCISO, de fato, que o próprio sujeito a leia, para que a letra que ?escobre e~ sua própria palavra seja posta à mesma altura da letra do ~m.toma escnto sobre seu corpo. Tal transferência segue uma via as- SOClatIV~,da qual é impossível fazer economia. "Ginecologista" pode se assocI~r a ~~ no_me próprio, a uma lembrança da infância ou a um traço de identificação do médico, antes que a feminilidade que encobre sej~ de~masc~rada. ~ analista é, desse modo, levado a se calar, se não quiser Impedir o paciente de fazer sua própria leitura ou seia de se tratar. ' 's , , Quando a_escansão destaca um conjunto literal, possibilita ler um eqUIVOCOque nao era perceptível de imediato na fala. O fragmento so- 34 o desenlace de uma análise noro destacado por esta operação se mostra como um rébus e as regras para sua leitura correspondem às mesmas leis que aquelas destacadas por Freud na Interpretação dos sonhos. Na Traumdeutung, Freud mos- trou como os conjuntos de imagens figuradas nos sonhos podiam ser lidas como rébus, hieróglifos ou caligramas da escrita chinesa. Trata-se de ler "ao pé da letra", esquecendo o valor próprio de cada imagem, do mesmo modo que convém esquecer a primeira significação de uma frase, se quisermos tomar "ao pé da letra" os conjuntos fonéticos que as escansões podem isolar. É verdade que o saber literal do inconsciente aparece mais clara- mente durante o sonho, mas também está atuando durante a vida diur- na, se bem que nesta seja mais difícil de ler. Contudo, pode ser decifra- do segundo regras que testem o savoir-faire do analista. Decifrar o que se ouve "ao pé da letra" requer que seja feita abstração tanto da signi- ficação como da gramaticalidade (de fato, o sujeito gramatical, o su- jeito consciente, é quem, pelo fato da angústia de castração, recalca es- ta literalidade). Nesta medida, qualquer frase pode ser entendida como a seqüência de um sonho e sua literalidade é passível de ser lida em cada um de seus segmentos. Ela anima as frases onde quase sempre mantém-se imperceptível e mostra-se resplandescente por um instante na fixão sintomática, na queda do lapso ou do jogo de palavras. Na mais simples frase de um analisando existe uma latência da letra que apela a seu leitor, e seu modo de deciframento difere tão pou- co do do sonho, que este precisa pedir emprestado a via da fala para começar a surgir. O discurso analítico opera neste ponto por uma vio- lência, uma vez que é a partir da suposição do saber inconsciente que se propõe um deciframento das produções literais, cuja validade se au- toconfirma apenas no só-depois de seus efeitos. É apenas no instante em que um analisando fala de um de seus sonhos que o valor de rébus de uma de suas encenações irá surgir-lhe. Um analisando, por exemplo, se lembra vagamente de um sonho em que parecia se tratar de uma mulher que atualmente o interessa e de seu rival junto a ela. Parecia-lhe que este sonho era erótico, se bem que lhe restasse uma única imagem: ele estava em pé diante de um açougue, numa fila de espera. É suficiente que a imagem seja dita, descrita, para que perca seu mistério e ganhe seu ·equívoco:"entro na fila do açou- gue". Um enunciado tão banal permite decifrar o que o desejo de assassinato do rival tem de excitante para ele, num contexto em que "en- tro na fila' '2 surge como o hieróglifo da ereção. Entretanto, tal deciframento necessita, para não ser gratuito, de um índice adequado: por exemplo, um leve destacamento, uma hesita- análise infinita ... 35 ção ou uma mudança de tom no momento em que "entro na fila" é pronunciado, ou ainda um elemento do contexto que permita isolar es- ta seqüência. Este critério é tão mais necessário na medida em que nem todas as seqüências se lêem como hieróglifos. Algumas se lêem como rébus e outras, ainda, como caligramas. O contexto e os índices de de- ciframento são, então, insubstituíveis para se escandir "com conheci- mento de causa'? (como "bom ignorante", visto que esta operação não tem uma compreensão imediata). O hieróglifo tem esta característica de poder ser lido de uma só vez, não deixando de ter referência a uma certa forma de simbolismo que requer ser desmontado, analisado. O rébus, em compensação, é com- posto de vários traços literais que só são passíveis de serem lidos graças a seu valor fonético. . O mesmo ocorre no curto fragmento que se segue: trata-se de um analisando cujo sintoma atual é uma ejaculação precoce. Por outra via sua situação amorosa caracteriza-se pela permanência de uma situação triangular, real ou fantasiada. Permanece nesta situação até o dia em que uma escansão incide sobre um enunciado especial: "eu vivo como terceiro num casal"." O recorte literal incide sobre o conjunto fonéti- co (inteira), que pode ser escutado segundo duas significações diferen- tes. Em suma, inteira evoca a integralidade e sua modalidade feminina se ~ssocia à ple.nitude do gozo feminino. É este gozo que para ele está articulado ao sintoma de ejaculação precoce. Em poucas palavras co- ",-o terceiro se associa a uma posição terceira diante de um casal, quer dizer, à fantasia da cena primária. A escansão tem, então, este efeito de separar o sintoma e a fantasia. .» como terceiro (fantasiaj-scena primária "eu vivo (inteira) <-.. ?ia~te d~ um casal . inteira (sintomaj-c ejaculação precoce Do lado do sintoma, a identificação feminina se situa no "intei- r~". A ejaculação precoce ocorre porque ele se antecipa ao gozo femi- nmo. Goza no momento da penetração como se penetras-se a si mesmo. Do ~ado da fantasia, "como terceiro" possibilita construir a cena pri- mána que se refere à existência triangular de seu ser entre seus pais. ~bserve-se que uma vez que a escansão incide sobre (inteira) e na me- dida em que a fantasia da cena primária se desdobra neste momento um novo equívoco se apresenta no mesmo instante, porque "eu Vivo"; pode se referir tanto ao verbo "viver" como ao verbo "ver)'. Na frase que acabamos de citar, "como" e "terceiro" podem ser 36 o desenlace de uma análise mentos do rébus "inteira". Não se trata de consider~d?s com? os fra~ não é um caligrama. Como o caligrama se um hieroghfo, assim com ocorrências freudianas da letra? . distingue das duas outrasl no tropeço do discurso de um outro aIl: ah- Tom~re~os o exem~1~ uma bulimia. Quando começa a ex~hcar sando. cUJO Sllltoma atu tanta freqüência, inicialmente descrevera ~ua o que o faz comer com . b e o alimento mais especlflca- força que o atira so r '.. "E' fome como uma . _ m se uida esta frase se precipita: no mente, entre as refelçoe? E g b' los" Odeciframento consiste . tremelO que como o . . entreme\O ... no en ." foi repetido duas vezes. Decifrar este em acentuar "no ~nt!e~e~o. q~ebem ue logo se evidencie que não se tropeço da en.un~Ia~ao e ~Il, s 'bus q Se nos reportarmos às ocorrên- trata de um hlerogl~fo ou e u;; re t ata-se de um caligrama que indica cias da Int~rp'retaçao.dos son oS~e; re resentação específica, do mes- um lugar loglco, vazl~.de qua;de aceiiar a substância fonética de qual- mo modo que a letra c mes~ P fi mente delimitado recorda-lhe que quer língua. Este espaçovazio, gr~~c:s evoca. Descreve'o lugar onde ele as palavras fazem tropeçar quan t erneio que é o de uma cena limento nesse en r come, se ausenta no. a . '. do em que seu corpo representa um primária em ,q~e ~e lll~ha lllf.g~nnt 'ente distendido no espaço de uma falo copulatono, Jamais su icien em não-relação. fil '" a letra. dados "entro na I a e um , Nos três exemplos que foram .' entremeio" é outra ainda. . ,,' tra e "no entremeio ... . "como terceiro e o~ ." ifo rébus ou caligrama, são dife- Seus princ~pios ?e leltura~rJa hlero;l;ab~r do analista possibilita, por rentes; sena erroneo acr~ ítar qu~ t· Sem dúvida os elementos de si só, decidir qual é a leItur~ pertmenme~ vez que se r~sumem ao que o orientação podem parecer simples. ? o de ocorrências é bastante li- saber inconscie~te, fornece e c~od n~m~:ber que incide o deciframento mitado ..Ora, nao e sobre a ver ~ :rr~ é o que orienta o ato analítico, do anahsta, mas sobre o amá: . o lógico fading etc. - que cons- e é ele - lapso, erro de gram ~Ica, err , titui o melhor critério de· declframento. I" s sendo os mais Existem numerosas modalidades de erros OgICO., A • • na- simples de descobrir aqueles que se e~contr::~~!~q~~~~:~~~ e a logias, quando estas, de algum mo o, se fra mento de so- Assim ocorre na seguinte frase que des~eve ~: o ;ato de minha nho: "O boá está enrolado perto do aquece ~r c inino em mã~". Se o boá é igual ao gato e se o ,gato desl~nafáol'sexo fem . . tã ta ma-e e uma mae Ica.linguagem familiar, en ao es . . de raci _. f .. t ' que utiliza modos e racio Um tipo de erro lógico requen e e o um mesmo significante 01' cínio em quarta proporcIOnal. Por exemplo, análise infinita. . . 37 um mesmo fragmento de frase é repetido em duas situações diferentes. Então, quase sempre pode-se deduzir daí que os significantes que acom- panham estas repetições estão do mesmo modo em uma certa 'relação, geralmente sintomática. A leitura em quarta proporcional descobre uma letra por ausên- cia; coloca em evidência um contraste que faz surgir um elemento sin- tomático - quer dizer, uma letra - no discurso.° inconsciente calcula uma quarta proporcional, mas - azar! - é o sintoma, o fracasso da proporcionalidade, que se apresenta neste lugar. No fragmento clínico que se segue, dois tempos se sucedem, ha- vendo de início o relato de um sonho e depois uma lembrança da vés- pera. Nestes dois tempos há o surgimento de uma frase idêntica: "es- tou humilhada", que possibilita estabelecer um sistema de quarta pro- porcional. Primeiro, o sonho: "Estou a caminho de uma igreja com um homem que em breve deve se casar com minha irmã mais velha. No caminho, ele me agarra bruscamente e tenta me violar. Me debato, mas acabo cedendo. Ele me faz gozar profundamen- te. Larga-me e, então, entendo que me despreza porque eu tinha goza- do. Em seguida, há uma outra cena em que conto tudo à minha irmã. Ela me ouve em silêncio e não sei se acredita em mim. Fico certa, de repente, de que ela me despreza também. Estou profundamente humi- lhada ..." As associações diretas referentes ao sonho são raras, como se este fosse bastante claro 'por si mesmo, como se a referência classicamente , edipiana que surge em primeiro plano fosse suficiente para explicá-Io. Este sonho lembra-lhe, sobretudo, suas fantasias masturbatórias, das quais ela já havia falado. Tinha constatado, sem entender, que precisa- va imaginar que era tratada rudemente e desprezada para poder gozar ao se masturbar. Como nenhuma associação suplementar lhe ocorre a respeito do sonho, prefere falar do que ocorrera no domingo ante- rior, porqUe tinha sido posta a prova. Um acontecimento estranho ocorrera, algo que nunca lhe tinha acontecido antes. Havia pedido ao homem com quem vive para que fizessem amor. Isto surpreende a ela mesma, pois sempre pensou que se faz ou não se faz amor, mas que isto prescinde de palavras, ou melhor, que as palavras possam provocá-lo, embora indiretamente. Aliás, logo constata a legitimidade desta opinião, porque seu amante se atira sobre Um ttabalho urgente que deve terminar naquele momento. À surpresa de ter pedido com tanta firmeza e distância algo que usualmente não 38 o desenlace de uma análise faz, se acrescenta, então, um profundo sentimento de mal-estar. Com o passar do tempo, surge um sentimento de vergonha: ... "estou humilhada". A repetição deste significante no sonho e no relato do aconteci- mento possibilita isolar uma quarta proporcional sintomática, que for- nece um primeiro vestígio do pensamento inconsciente que acompanha a fantasia masturbatória e; para além, do que fracassa com constância em sua vida amorosa. Se estabelecermos uma proporcionalidade, per- cebemos que a recusa do homem na segunda seqüência equivale ao go- zo da violação na primeira. Ou ainda, que seu desejo de fazer amor - expresso de tal modo que sabia de antemão que seria rejeitado - equivale ao gozo da violação que sofrera. Há, deste modo, uma equi- valência entre a rejeição e o gozo. Esta equivalência sintomática permanece incompreensível se não se der atenção à última parte do sonho, em que a irmã mais velha toma uma atitude de silêncio desprezante ao escutar o relato de sua irmã mais nova. Para esta analisanda (como, aliás, para outras), um trabalho an- terior permite assegurar que a irmã mais velha tem um estatuto de mãe ideal; ideal porque foi o objeto do amor do pai, sem que tivesse sido contaminada pelo desejo masculino e pelo coito. O sonho possibilita confirmar que a irmã ocupa com certeza um tal lugar, uma vez que seu casamento se projeta no futuro. A irmã mais velha é investida do amor do pai, amor virgem e ideal, puro e mais materno que qualquer coisa que a mãe possa representar. Este lugar da mãe idealizada é essencial, tanto quanto desconhe- cido, na fantasia de sedução histérica. De fato, o "traumatismo sexual" da histérica, esta idéia de que acredita ter sido seduzida por um adulto, por um pai, é seguida de uma outra seqüência que revela o objetivo incestuoso desta crença: depois de ter sofrido a sedução por um ho- mem investido de um traço paterno, a filha vai falar disso com sua mãe e esta não lhe dá crédito. Ou ainda, tem vergonha de ir falar com sua mãe, mas tem certeza de que deveria fazê-Io. Não pode falar-lhe, como se sua mãe não fosse acreditar-lhe ou fosse considerá-Ia como culpada ou, ainda, apenas ficar em silêncio. Esta parte da fantasia, geralmente deixada na obscuridade, expli- cita a "rejeição" e desvela aquilo que faz sintoma na vida amorosa, o sentimento de uma profunda derrelição no exato instante em que o amor é mais vivo. A "rejeição", a derrelição são, nesta perspectiva, ne- cessárias, pois que é este sentimento que testemunha uma relação à mãe ideal, para além do homem com quem representa a fantasia de sedu- ção. O desprezo e a humilhação são necessários para o acesso a esta mãe e as humilhações reais, sonhadas ou fantasiadas durante a mas- análise infinita ... 39 turbação são O signo de um Iaç . b o Incestuoso com el A - .s~ re este laço; mascara-o porque seu silênci . a. mae Silencia sao. Muda, aceita ver decair não uma fi CI~ ~ o SIgno de sua perrnis, do p~i. A mãe e a filha se unem neste g~~a viril, mas ~ lugar-tenente conflrm~, a decadência paterna. SI encio que nao preserva, mas EXIste, igualmente, um tipo es ecial d nalado; ele diz respeito à pont _ p e erro que merece ser assí- como para o tipógrafo' quem d~:ao: ocorre.o mes?Io para o analista página não deve deixa; de inclui contar os SIgnOStIpográficos de uma do, o deciframento se interrom ies, espaços em branco. Do mesmo mo- so falte ou não falte inverte :seSnOt?dre°dfuro, sobre a vírgula que, ca- P , 1 o e uma frase or exemplo, este analisando se ' . doméstica que eclodiu com sua IhsenEtelresp?ns~vel por uma cena "S' mu er. e qUIS dizer:Into-me realmente b ' . "Sinto-me I em responsavel por isso" e disse: li d ,:e,a mente bem, responsável por isso" o a a sIgmfICação se inverte com' _ ' Esta analisanda evoca a situação [; ~/ntroduçao de uma vírgula. acabara de se encontrar,
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