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Religiosidade e Espiritualidade na APS CARACTERÍSTICAS GERAIS: É importante que na prática médica, seja sempre respeitado a crença do paciente, nunca tentando contrariá-lo ou fazê-lo desacreditar de suas crenças. O acolhimento é sempre o aspecto primordial na atenção básica de saúde A Religião e a Religiosidade • Religião: sistema organizado de crenças, práticas e simbolismos que aumentam a aproximação da pessoa com o sagrado • Religiosidade: é o modo como o individuo acredita, segue a prática de uma religião, podendo ser: → Organizacional/extrínseca: participação na igreja, templo religioso, em grupos → Não organizacional/intrínseca: prece ou oração, leituras, meditação, ouvir músicas ou ver programas de televisão Espiritualidade Aborda o aspecto existencial Busca pessoal para entender questões associadas ao fim da vida, ao sentido da vida, as relações com o sagrado ou transcendente, que pode ou não levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou formação de comunidades religiosas É um aspecto dinâmico e intrínseco da humanidade, por meio do qual se busca e expressa o significado, o propósito e a transcendência. Também é a forma como a pessoa se expressa na conexão com o momento, com si mesmo, com os outros, com a natureza e com o que é significativo ou sagrado. A espiritualidade é onde buscamos significado, conexão, conforto e paz para nossas vidas As instituições ressaltam que a espiritualidade é diferente de religião; a espiritualidade está ligada a busca de um proposito de vida pessoas, uma transcendência associando a família, sociedade, e outras pessoas em geral. Alguém espiritualizado não necessariamente precisa ter uma religião. Enfrentamento ou Coping religioso-espiritual: Coping é o modo como a pessoa lida com o estresse, ou seja, são as estratégias cognitivo- comportamentais utilizadas pela pessoa para manejar situações estressantes. Quando essa estratégia enfoca a religiosidade ou a espiritualidade, recebe o nome de coping religioso-espiritual (CRE). Pode ser:As estratégias podem ser: 1. Positivas: quando a estratégia traz benefício à saúde e ao bem-estar do paciente, devendo ser encorajado pelo profissional; são benéficas por meio do estímulo da fé, meditação, prece, perdão, contemplação, entre outros 2. Negativo: quando a estratégia traz sofrimento ou dor espiritual, nesses casos o profissional tem papel de oferecer suporte para a ressignificação e reenquadramento dos conflitos que levaram a pessoa a adotar essa perspectiva. Ex: ser abandonado por Deus por não se curar, punição divina, ou manter-se em relações abusivas/violentas por fatores religiosos (violência doméstica), relacionar o adoecimento com sentimento de punição divina (câncer) Com isso, podemos perceber que a religiosidade possui um lado positivo e negativo, tudo depende da forma com que ela é usada na prática e na vida do individuo que possui a crença Saúde e Espiritualidade: Compreendendo a relação É um binômio que existe desde a década de 1960 Trata-se de um olhar através do método centrado na pessoas, compreendendo que as crenças e IESC V – Aula 6 valores espirituais interferem diretamente na experiencia com a doença Pode ser usada como uma ferramenta para trabalhar o significado da vivência do paciente + Em mais de 50% dos estudos considera-se apropriado o médico saber sobre as necessidades espirituais do paciente Especialmente na área de saúde mental, que concentra a maior parte das publicações sobre R/E, as evidências de benefício da abordagem clínica da espiritualidade da pessoa já são bastante robustas As evidências nesse campo têm-se demonstrado tão robustas que a Academia Americana de Médicos de Família e Comunidade recomenda que já há evidências suficientes para indicar a abordagem da espiritualidade na prática clínica, e que deixar de fazê-lo poderia ser considerado má prática. A literatura também demonstra a importância da abordagem da dimensão espiritual da pessoa do ponto de vista de impacto negativo para a saúde Barreiras para Abordagem da Espiritualidade: • Falta de conhecimento sobre o assunto • Deficiência de treinamento para abordagem • Falta de tempo • Desconforto acerca do tema • Medo de impor pontos de vista religiosos ao paciente • Preocupação em atuar em uma área “não medica” • Pensamento de que o conhecimento da religião não é relevante no tratamento médico • Opinião de que isso não faz parte do papel médico • Falta de interesse no tema As barreiras, como falta de conhecimento ou treinamento, vêm sendo superadas à medida que o tema ganha espaço nas pesquisas e nas discussões clínicas MODELO DE ABORDAGEM NA PRÁTICA CLÍNICA: É o desenvolvimento de instrumentos para obtenção da história ou anamnese espiritual Tem como objetivo aprender sobre como os pacientes lidam com suas doenças, sistema de suporte disponíveis e crenças sobre os cuidados médicos É importante usar os recursos de crença do próprio paciente antes de impor outros métodos Entre as cinco ferramentas com melhor pontuação, três foram desenvolvidas para utilização no âmbito da APS: FICA, HOPE e SPIRITual History. O FICA se destaca por ser o único validado entre os três, em língua inglesa. É preciso ter em mente, de modo geral, que um instrumento de avaliação espiritual deve ser fácil de aplicar, flexível, adaptável, não demorado e ser aplicado de modo dialogado com a pessoa, sem produzir uma abordagem focal, tipo check list Conduta Proposta: Uma proposta de aplicação clínica dessa visão pode ser exemplificada pelo método 3H, que compreende a vivência espiritual do ser humano como dividida em aspectos cognitivos (head), emotivo-experienciais (heart) e comportamentais (hands) Esse modelo é particularmente interessante por ajudar o profissional de saúde a avaliar as estratégias de coping positivo (R/E sendo fonte de conforto ou suporte) ou negativo Correlacionando esses modelos com a prática clínica na APS, é preciso destacar que a abordagem prática da espiritualidade ocorrerá à medida que o médico de família e comunidade integrar o conhecimento das evidências científicas sobre R/E às habilidades de comunicação e competência cultural. O processo de consulta deve ser compreendido como o “encontro entre dois especialistas”, sendo eles o medico e o paciente. Esse modelo de encontro de especialistas, dentro da abordagem espiritual, traz à tona a necessidade de autoconhecimento do médico para suas dimensões pessoais, no mesmo campo das dimensões do paciente O modelo de encontro clínico pode ser explicado pelo BMSEST de cuidado da pessoa integral: relação médico paciente ABORDAGEM DA ESPIRITUALIDADE A PARTIR DO MÉTODO CENTRADO NA PESSOA 1º Componente: explorando a doença e a experiência de doença A dimensão de significado que a pessoa atribui a sua fé, crença ou vivência ganha imensa importância em relação a sua condição de saúde. Compreender o significado que a espiritualidade detém no contexto da doença do paciente (a qual em estudos evidenciou maior associação aos desfechos com menor índice de depressão e maior qualidade de vida) 2º Componente: entendendo a pessoa como um todo Neste componente é preciso interrogar oportunamente sobre a fé, crenças, valores e significado para que a abordagem ao paciente seja integral. Conhecer a pessoa como um todo, incorporando com a avaliação rotineira do cooping religioso-espiritual (saber se a visão da pessoa em relação a sua religiosidade-espiritualidade é negativa ou positiva). Neste componente, também pode ser abordada a dimensão relacional e comunitária da pessoa. Nesse passo, inserem-se interrogações sobre relações familiares (crenças semelhantes ou conflitivas), princípiosreligiosos ou culturais e suporte social, por exemplo, dentro de uma comunidade religiosa ou de um grupo em que a pessoa vivencie sua relação transcendental. 3º Componente: elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas Os valores espirituais podem ter impactos diretos nas decisões das pessoas, podendo influências em condutas específicas como não desejar transfusão sanguínea, ou tratamentos farmacológicos, mas também pode influenciar diretamente no fator volitivo e motivacional. O objetivo de abordar esses aspectos é fortalecer a aliança terapêutica e também auxiliar a pessoa na ressignificação de vivências prévias negativas ou que prejudiquem o vínculo com o tratamento clínico. 4º Componente: intensificando o relacionamento entre pessoa e médico É importante que o médico tenha clareza de que seu papel é estar ao lado da pessoa e não contrarias suas crenças ou sua espiritualidade. s. “O olhar, a compaixão e o respeito adquirido” pelos pacientes pode fazer toda a diferença na condução de uma situação essa postura exige autoconhecimento do profissional para gerir processos importantes como a transferência e contratransferência Outra postura essencial é que o profissional se mantenha em situação de igualdade com a pessoa na construção da relação, de modo a garantir um ambiente seguro, livre de julgamento ou depreciação devido à fé ou conjunto de crenças da pessoa. Adotar uma atitude compassiva e empática auxilia o profissional nesse trabalho. ESPITIRUALIDADE NA PROMOÇÃO DA RESILIÊNCIA: O estado de saúde se relaciona com a resiliência – capacidade humana de se adaptar à tragédia, trauma, adversidade, dificuldade ou estressores significativos. A resiliência pode ser construída por diversos meios, incluindo a religiosidade. O médico de família e comunidade pode contribuir para a construção de resiliência de pessoas auxiliando na ressignificação de situações estressoras que produzam sofrimento ou desequilíbrio. A mudança de perspectiva que as pessoas adquirem ao associar a religiosidade/espiritualidade pode mudar totalmente a vida do paciente, atribuindo sentido e significado a existência e fortalecendo a resiliência Espiritualidade e resiliência do profissional de saúde As competências esperadas para a abordagem clínica da espiritualidade do paciente são, entre outras: empatia, compreensão, presença e percepção da própria espiritualidade À medida que a complexidade para o exercício da prática clínica aumenta, o médico também se percebe sobrecarregado, inseguro ou incompleto. Aprender a olhar para seus recursos internos, como a dimensão espiritual, por exemplo, com autoconhecimento, pode ser uma estratégia dos profissionais para promoverem resiliência frente aos desafios da prática. QUANDO REFERENCIAR O PACIETE: O cuidado espiritual especializado deve ser empregado na prática médica na atenção básica. Quando surgem necessidades religiosas específicas, como preces ou rituais (p. ex., unção de um enfermo), é mais apropriado consultar um profissional treinado em cuidado espiritual, como um líder religioso ou um capelão. O suporte da equipe multiprofissional também é componente dessa rede de atenção, por exemplo, quando há envolvimento de saúde mental, necessidade de adaptação física para a prática religiosa ou necessidade de mobilização da rede de suporte social. Referência: • Tratado de medicina de família e comunidade : princípios, formação e prática [recurso eletrônico] / Organizadores, Gustavo Gusso, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias; [coordenação editorial: Lêda Chaves Dias]. – 2. ed. – Porto