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OS EFEITOS DA POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO SOBRE A RECENTE QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NAS MACRORREGIÕES BRASILEIRAS Autor: Cássio Freitas Daldegan. Mestrando em Economia, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Brasil. Resumo Entre as regiões brasileiras, com exceção do Distrito Federal, a renda de todos os trabalhos foi a que mais contribuiu para a variação na desigualdade de renda entre 1996 e 2009, desigualdade essa que tem se reduzido desde a década passada. Com trabalhadores que recebem exatamente um salário mínimo concentrados entre os de menor renda, especialmente para Norte e Nordeste, a valorização do mesmo se mostra importante para tal redução. Levando em conta as distribuições da renda total das regiões brasileiras, vemos uma convergência no pico das distribuições para uma renda maior, mas sem grandes mudanças na estrutura das mesmas. Palavras-chave: Salário mínimo; distribuição de renda; renda do trabalho. Área temática: Políticas públicas Abstract Among Brazilian regions, with the exception of the Federal District, the income from all jobs was the largest contributor to the reduction in income inequality between 1996 and 2009. With workers earning exactly the minimum wage concentrated among lower incomes, especially to the North and Northeast regions, the appreciation of it becomes important for such reduction. Taking into account the distributions of the total income of the Brazilian regions, we see a convergence of peak distributions for a higher income, but without major changes in the structure of the same. Keywords: Minimum wage; income distribution; labor income. 1. Introdução O Brasil tem como uma de suas características marcantes o elevado nível de desigualdade de renda, que continua muito alta em relação à média mundial. Entretanto, tal quadro vem sofrendo uma melhora desde o início da década passada. Dentre várias medidas que podem ser utilizadas para o cálculo da desigualdade, a evolução do coeficiente de Gini, entre 2001 e 2009 permitiu observar alguns períodos de queda mais acentuada e outros menos, mas sem interrupção. Esse cenário de redução contínua da desigualdade é o que diferencia esse período de vários outros que registram queda em períodos de tempo isolados. Vários estudos já foram feitos procurando identificar os mecanismos que mais contribuíram para tal processo e, de forma geral, a renda do trabalho se mostra sempre relevante, sendo vista, em grande parte, como a principal determinante. Entretanto, o Brasil se mostra muito heterogêneo quanto à composição da remuneração dos trabalhadores. As diferentes regiões que compõem nosso país tem características próprias quanto à composição de seus trabalhadores dentro do “leque” de remunerações possíveis. Algumas apresentam uma maior concentração de trabalhadores com remuneração igual ou em torno do salário mínimo, enquanto em outras há maior diversificação. Isso faz com que o impacto da valorização salarial sobre a desigualdade de renda seja distinto pelo país. Além disso, a definição do valor do salário mínimo influencia a remuneração não apenas daqueles que recebem remuneração igual ao mesmo, mas também daqueles que tem seu salário de certa forma indexado ao salário mínimo. Devido a este alcance, a política de valorização do salário mínimo vem desempenhando um papel social muito importante. O objetivo deste trabalho é identificar a influência do salário mínimo como fator redutor da desigualdade de renda nas regiões do Brasil: Sul, Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste, além do Distrito Federal1, entre os anos de 1996, 2001, 2005 e 2009, período em que a valorização do salário mínimo foi expressiva. Neste sentido, para melhor entendimento da política de valorização do salário mínimo no Brasil, parte-se de uma discussão sobre a trajetória histórica do mesmo e de sua possível relação com a desigualdade de renda, seguida da fundamentação teórica dessa relação e da literatura empírica sobre o tema. Nas sessões subsequentes, apresentam-se a estratégia empírica e os principais resultados. Por fim, são traçadas algumas considerações finais. 2. Trajetória histórica do salário mínimo O salário mínimo é a remuneração mínima que deve ser paga aos trabalhadores com carteira assinada nos países em que este é determinado por lei. De acordo com a Constituição Federal de 1988, o salário mínimo deve ser uma remuneração que permita ao trabalhador arcar com as necessidades vitais básicas do mesmo e de sua família, como os gastos com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos para garantir a preservação de seu poder aquisitivo. Apesar de ter seu valor estabelecido pelo governo federal, o salário mínimo tem valores diferentes entre os estados brasileiros desde sua criação, o que se explica não só pela diferença entre os objetivos dos governantes de cada estado como também por uma adequação aos diferentes custos de vida entre as regiões brasileiras. A abrangência do salário mínimo aumentou com o tempo. Estabelecido em 1940, até 1963, ele era restrito apenas aos trabalhadores urbanos, quando alcançou também os trabalhadores rurais. Apesar de ter sido unificado em 1984, a partir de 2000 foi permitido aos estados definir mínimos estaduais acima do valor definido a nível federal. A área de influência do mesmo vai além da 1 Tal divisão será considerada pois o Distrito Federal apresenta características muito distintas da região Centro- Oeste como um todo. remuneração de trabalhadores com carteira, tendo representado cada vez mais a remuneração dos aposentados, que por terem a correção de sua aposentadoria abaixo da correção anual do mínimo (quando tem um salário maior que o valor mínimo) cada vez mais aposentados recebam o piso. Há também, mesmo que informalmente, uma parcela relevante de trabalhadores sem carteira assinada que tem o valor de sua remuneração determinada pelo valor do salário mínimo, o que indica um papel progressivo da atual política de valorização do mesmo na redução da desigualdade de renda, uma vez que ele consiste na remuneração da parcela mais pobre da população, sendo na maioria das vezes a principal fonte de renda. Desde seu estabelecimento, o salário mínimo sofreu muitas variações em seu valor real, o que não permitiu a constância de seu poder aquisitivo. Quando estabelecido, o valor do salário mínimo era de R$ 603,97 reais, com base em janeiro de 2013. Sofrendo várias reduções de seu valor real ao longo do tempo, apenas em 1954 ele teve um reajuste que possibilitou um aumento acima de seu nível estabelecido em 1940, tendo tal medida enfrentado forte oposição (VIANNA, 1990). Em seguida, seu valor sofreu variações constantes, em que o objetivo era a reposição de seu valor real dado o processo inflacionário pelo qual o país passava. A inflação era utilizada nesse período para promover um financiamento inflacionário de muitos gastos do governo nas áreas de atuação do Plano de Metas. A partir de 1964, com o advento do golpe militar, houve uma mudança nos rumos da política salarial. Esta passou a ser utilizada para combater o que se entendia como uma inflação de custos (RESENDE, 1990). A recomposição do salário mínimo era feita com base na média da inflação durante o ano, e não mais pelo pico, o que fez com que este sofresse uma redução considerável. Posteriormente, o país passou por um período de crescimento elevado que perdurou até o fim da década de 1970. O crescimento econômico era prioridade e, com isso, planos econômicos como o 1° e o 2° Plano Nacional de Desenvolvimento tinham como objetivo promover o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por meio de medidas como o incentivo à formação bruta de capital fixo. Foram definidas metas de desenvolvimento regional para reduzira disparidade entre as regiões, mas não houve uma política social definida, o que não permitiu uma melhora efetiva no nível de desigualdade. Com a inflação tratada como um problema secundário, o salário real acabou sofrendo com os efeitos redutores da mesma, não tendo havido uma compatibilidade entre o aumento da produtividade que ocorreu na época e aumentos reais do salário mínimo. Para que a queda no valor real da remuneração ocorresse sem maior resistência dos trabalhadores foram fundamentais a repressão do direito à greve e a retirada do poder de negociação dos sindicatos durante o regime militar. Com o retorno à democracia, em 1985, a inflação passou a ser tratada como inflação inercial, caracterizada pela constância em seu valor de um período para o outro na ausência de choques externos, devido aos mecanismos de indexação da economia (MODIANO, 1990). Marcado por uma inflação mensal que na maior parte do período alcançava dois dígitos, nos primeiros anos de retorno à democracia foram implantados uma série de planos econômicos de combate à mesma. A correção salarial, assim como de outros preços relativos, era feita com base na inflação passada, mas com o nível mensal elevado da mesma, aquele perdia valor real muito rapidamente. Foi um período de variações constantes no valor real do salário mínimo, tendo sido este utilizado inclusive como instrumento de combate à inflação por meio do congelamento salarial. Apenas com o advento do Plano Real em 1994, a inflação foi reduzida de modo a dar condições para que o salário mínimo pudesse voltar a crescer sem ser um mecanismo da alimentação da mesma. A partir de então, a valorização salarial tem sido praticamente contínua, como pode ser visto no gráfico abaixo. Gráfico 1: Salário mínimo real no Brasil de 1940 a 2011. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA. Sendo o salário mínimo uma remuneração que serve como base para a camada mais pobre da população, espera-se que a manutenção do mesmo abaixo de seu valor de 1940 tenha promovido um processo regressivo de distribuição de renda, principalmente levando em conta os períodos de permanente elevação do PIB registrados pelo país desde então. Com base na série de variação percentual do PIB anual, que pode ser vista abaixo, entre 1940 e 1994 houve um crescimento médio do PIB de aproximadamente 5,61 % ao ano, enquanto o salário mínimo esteve durante a maior parte do período abaixo do seu nível real estabelecido em 1940. Isso indica que os ganhos do crescimento econômico se concentraram entre os indivíduos que não recebem o salário mínimo, mas sim entre aqueles que tem um ganho acima do mesmo. Já entre 1995 e 2012, período em que se tem a valorização salarial de forma contínua, o crescimento anual médio do PIB foi de aproximadamente 3,03%. O crescimento menor conjugado com os salários maiores indica o caráter progressista da política salarial, visto que a ausência de um crescimento mais acentuado leva a crer que a relação entre os ganhos reais dos assalariados sobre os ganhos dos proprietários de capital aumentou em comparação com o período anterior. Gráfico 2: PIB - variação real anual de 1940 a 2012 - (% a.a.). Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA. Para analisar uma possível relação entre o aumento do salário mínimo real observado e a redução na desigualdade de renda devemos levar em conta a variação no índice de Gini ao longo dos anos. No gráfico abaixo temos a trajetória do índice de Gini de 1980 até 2009. A partir de 1995 temos uma diminuição da variação do valor do índice. Há uma maior estabilidade que é seguida por uma pequena queda, que se intensifica a partir do início dos anos 2000. É possível perceber que o período de início da queda na desigualdade coincide com o período de valorização do salário mínimo, o que pode nos dar indícios de uma possível relação entre os dois processos. Gráfico 3: Coeficiente de Gini para o Brasil de 1980 a 2009. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA. 3. Fundamentação teórica A ideia defendida neste trabalho é de que a valorização do salário mínimo real colocada em prática desde meados da década de 1990 foi um fator relevante para reduzir a desigualdade de renda no Brasil. Teoricamente, essa relação pode ser vista a partir do modelo de determinação de salário e nível de emprego elaborado em Cahuc e Zylberbe (2004). Os autores iniciam sua abordagem desenvolvendo um modelo de monopsônio em que só há um demandante de trabalho. Neste modelo, a quantidade de trabalho e o salário que maximizam o lucro do demandante são definidos pela igualdade entre a produtividade marginal do trabalho e o custo marginal do trabalho. Entretanto, diferente do modelo de concorrência perfeita, o custo marginal é maior do que o salário pago ao trabalhador, dado que a elasticidade da oferta de trabalho em relação ao salário é positiva. Assim, tanto o número de trabalhadores quanto o salário serão inferiores ao valor dos mesmos em concorrência perfeita. Até que o salário alcance este valor, aumentos no mesmo possibilitariam aumento no número de empregados no mercado de trabalho, mas estes aumentos não seriam aplicados por não maximizarem o lucro da empresa demandante. Assumindo que um cenário de monopsônio dificilmente descreve a realidade, os autores consideram mais de uma empresa no modelo. Considerando e o esforço médio feito pelo trabalhador desempregado para obter emprego, V o número de vagas disponíveis no mercado de trabalho e U o número de desempregados, definimos a rigidez do mercado de trabalho, θ, como: . Nesta equação eU corresponde ao número efetivo de pessoas desempregadas, ou seja, aquelas que não tem emprego mas que continuam procurando. Cada unidade de esforço adicional feito pela pessoa possibilita um aumento na taxa de saída da situação de desemprego, sendo o número de contratações, que corresponde a: . Sendo assim, para uma pessoa desempregada, quanto maior o esforço feito pela mesma maior é sua possibilidade de encontrar um emprego. Já, pelo lado da empresa, as escolhas de nível de salário e de empregados são definidas pela igualdade em concorrência perfeita: , em que h é o custo de ter uma vaga não preenchida, Y a produtividade, r a taxa de juros, q a taxa de redução nos empregos devido ao aumento nos custos de produção e w o salário. A equação determina a demanda por trabalho ao definir o valor de θ, visto que deste modo o número de vagas disponíveis já estará delimitado. Na situação de equilíbrio entre oferta e demanda por trabalho, a taxa de desemprego u é definida como: . Temos, portanto, um efeito conjunto, em que um maior salário aumenta o esforço e, o que reduz a taxa de desemprego, ao passo que também aumenta os custos dos empregadores, q, o que eleva u. Portanto, para que um aumento no salário possibilite uma elevação no emprego é necessário que a elasticidade do esforço na busca de emprego, e, em relação ao salário, w, seja elevada ao mesmo tempo em que a elasticidade de θ em relação a w seja baixa. Os autores ressaltam que essas variações nos níveis de salário e emprego tem consequências sobre a desigualdade de renda. Por um lado, com salários mais altos, os custos dos empregadores aumentam, o que tende a elevar o desemprego. Por sua vez, salários maiores possibilitam uma maior renda às famílias que continuarem com seus integrantes fazendo parte do mercado de trabalho. Com o efeito positivo sobrepondo o efeito negativo, ou seja, com o aumento na renda das famílias sobrepondo a elevação no desemprego, salário maiores tendem a ter um efeito redutor da desigualdade de renda. 4. Revisão da literatura Vários estudos já analisaram a recente queda na desigualdade de renda no Brasil levando em conta diferentes fatores. Um importante exemplo é o Relatório IPEA (2006), que foi uma das primeiras análises do referido fenômeno. Utilizando a Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílio (PNAD) referente aos anos de 2001 a 2004, levou-se em conta cinco determinantes da renda familiar: características demográficas; transferência de renda; remuneração de ativos; acesso ao trabalho, desemprego e participação no mercado de trabalho e distribuição dos rendimentos do trabalho. As características demográficas não apresentaram variações que levassem à menor desigualdade de renda no período. Já os efeitos do programa Bolsa Família se mostram relevantes, principalmente devido ao aumento no número de pessoas atendidas pelo mesmo, tendo sido ela o tipo de transferência que mais contribuiu para variações no índice de Gini, comparativamente com transferências privadas e aposentadorias e pensões. O rendimento de ativos não parece ter sido relevante, apesar de ser importante levar em conta a má captação de tais rendimentos pela PNAD. A variação na ocupação dos adultos no período não favoreceu os mais pobres. Já a desigualdade de renda do trabalho apresenta uma redução permanente, tendo se intensificado a partir de 2001. Entretanto, seguiu-se a esta publicação uma série de outras análises que pretendiam identificar os fatores mais relevantes para reduzir a desigualdade de renda até então, sendo que em muitas destas a renda do trabalho se mostrou o principal determinante. Estudos como Soares (2010) dão base para a compreensão da política salarial como instrumento redutor da desigualdade. A partir dos dados das PNADs de 1995 a 2009, é feita uma decomposição dos determinantes da variação da renda domiciliar per capta considerando renda do trabalho, renda da previdência, renda dos programas de transferência focalizados e demais rendas. Por meio da contribuição acumulada destes fatores à distribuição de renda, foi possível identificar que a renda do trabalho foi a que mais contribuiu para a redução na desigualdade. Os rendimentos diferentes de um salário mínimo foram os mais relevantes, apesar de os ganhos exatamente iguais a um salário mínimo terem sido também significativos. Já Saboia (2007) procura discutir o potencial do salário mínimo para a melhoria da distribuição de renda no país entre 1995 e 2005. Para tanto, utiliza os dados das PNADs de 1995, 2001 e 2005, e considera a distribuição dos trabalhadores que tem o rendimento do trabalho igual a um salário mínimo entre os diferentes percentis de renda familiar per capta de 2005, além de fazer a decomposição dos determinantes da variação no índice de Gini para os períodos de 1995 a 2005 e 2001 a 2005 considerando rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões e transferências de renda. Tanto ao levar em conta os rendimentos individuais quanto a renda familiar, o autor chega a resultados que mostram a valorização do salário mínimo como o responsável pela maior parte da queda na desigualdade durante o período. Entretanto, levar em conta apenas o caso do Brasil como um todo pode, na verdade, estar escondendo uma maior diversidade de resultados. Neder e Ribeiro (2010) fazem uma análise para o Brasil e outra para os estados do Nordeste brasileiro procurando identificar os efeitos distributivos do salário mínimo no mercado de trabalho no período de 2002 a 2007. Para isso, os autores fazem uma decomposição dos fatores relevantes para explicar a queda na desigualdade com base nas PNADs 2002 e 2007, identificando a variação nos índices de Gini e de Theil referentes às mudanças no salário mínimo, na formalidade dos empregados e em outros atributos tanto para homens quanto para mulheres. Apesar de o salário mínimo ter contado com uma participação relevante na queda da desigualdade de renda (nunca inferior a 30%), no caso dos trabalhadores assalariados do Nordeste, a participação do mínimo para os empregados formais, do sexo masculino, chegava a 75,92 %, enquanto para o Brasil o resultado era de 30,4% (considerando a influência que o salário mínimo teve na variação do índice de Theil). Apesar de ser importante ter um quadro geral dos efeitos de qualquer processo para entendê-lo melhor, muitas vezes quando o objeto de estudo se mostra muito heterogêneo, como é o caso das características socioeconômicas do Brasil, é importante que se faça um estudo considerando as especificidades para as diferentes realidades do país. Tratar a política salarial como uma medida que afeta apenas os trabalhadores que tem remuneração equivalente ao piso também é uma generalização cuja revisão pode trazer benefícios. Como visto em Soares (2010), grande parte dos efeitos da renda do trabalho na queda da desigualdade não se devem ao salário mínimo. Entretanto, muitos trabalhos identificaram relação entre a valorização do mesmo e a queda na desigualdade, o que nos leva a crer que é relevante levar em conta os salários que, apesar de não serem iguais ao mínimo, são diretamente influenciados por variações no mesmo, ou pelos múltiplos dele. Neri (1999) chega a indicações de que a valorização do salário mínimo tem efeitos diferenciados sobre o mercado de trabalho das diferentes regiões do país. Utilizando os dados da PNAD 1996, identificou-se a proporção de pessoas que recebem remuneração igual a um ou a outros múltiplos do salário mínimo (tanto acima quanto abaixo do mesmo) para os trabalhadores como um todo, os do setor público, os com e os sem carteira. Tal procedimento é então repetido para todas as regiões geográficas brasileiras, mostrando diferenças relevantes entre a proporção de trabalhadores que recebe uma remuneração igual a um salário e são informais ou entre os que recebem remuneração abaixo do salário mínimo para as diferentes regiões. O autor conclui que os múltiplos do mínimo, e não apenas a remuneração idêntica ao mesmo, correspondem à remuneração de uma porcentagem relevante de trabalhadores, tanto no setor formal quanto no informal. Diante dos estudos anteriormente revisados, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise estática dos efeitos da política de valorização salarial a partir de 2001 para as regiões geográficas do país. Assim, será possível ter um quadro que destaque as diferenças entre as regiões na composição da força de trabalho, por meio da diferenciação entre a porcentagem de trabalhadores que recebem os múltiplos do salário mínimo, e observar as diferenças quanto à queda na desigualdade em cada região. Detectar as diferenças nos efeitos da valorização salarial ao longo do tempo para cada região possibilitará ter uma ideia de quais tipos de política seriam mais efetivas para que se atinja um menor nível de desigualdade de renda dado a distribuição da força de trabalho entre os diferentes níveis de remuneração. 5. Metodologia A base de dados utilizada neste trabalho é a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. O período de análise considera tanto a valorização salarial quanto a queda na desigualdade de renda. Assim, torna-se possível identificar o quanto a política salarial influenciou o período como um todo, pois apesar de este período ser caracterizado por diferenças relevantes na intensidade de queda na desigualdade, tanto a política salarial quanto a variação na desigualdade não mudaram de sentido. A PNAD é uma pesquisa anual feita a nível dos domicílios e de abrangência nacional que oferece informações sobre as características demográficas e socioeconômicas da população. Dentre as informações coletadas, temos dados sobre sexo, idade, educação, trabalho e rendimento, e características dos domicílios, e, com periodicidade variável, informações sobre migração, fecundidade, nupcialidade, entre outras. Há, também, a inclusão de outros temas específicos que são disponibilizados por meio de suplementos. A partir de 2004, a PNAD passou a englobar as áreas rurais dos seis estados da região Norte, tornando-se representativa de todo o território nacional. Sendo assim, para os anos de 2005 e 2009 não serão consideradas as áreas rurais de tal região, para que seja possíveluma comparação destes períodos com o ano de 2001. A decomposição dos índices de Gini, Mehran e Piesch para os anos de 1996, 2001, 2005 e 2009 permite observar a importância das rendas do trabalho para explicar a variação observada na desigualdade. Como pode ser visto em Hoffmann (2006), as três medidas de desigualdade estão relacionadas à área entre a Curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade. Sendo o rendimento per capta da i-ésima pessoa, com i=1,....,n, em que n indica o tamanho da população, estando os rendimentos ordenados de maneira que , em que é a média dos , as coordenadas da curva de Lorenz são: e . As três medidas de desigualdade utilizadas estão associadas à área entre a curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade (que ocorre quando ) da seguinte forma: i) Índice de Gini = ii) Índice de Mehran = iii) Índice de Piesch = Os índices variam de zero a um, sendo que, como pode ser visto, o índice de Mehran é ponderado por , sendo por isso mais sensível a mudanças na cauda inferior da distribuição. Por sua vez, o índice de Piesch é mais sensível a mudanças na cauda superior. A curva de Lorenz pode ser visualizada no gráfico abaixo, obtido a partir de SOARES (2010). Gráfico 4: Renda acumulada para a população. Fonte: SOARES (2010). A partir dos valores dos índices para todas as regiões e para os anos analisados, é feita a decomposição das rendas que compõem o rendimento domiciliar per capita com o objetivo de mensurar o efeito da renda do trabalho como fator determinante do nível de desigualdade de renda. A decomposição do efeito da renda do trabalho sobre o índice de Gini é descrita a seguir como pode ser encontrado em Silva (2009). O procedimento é análogo ao caso dos índices de Mehran e Pisch. Supondo Y como a renda per capta de uma família que é determinada por k componentes, temos que . O índice de Gini referente à renda per capta do domicílio é definido como , onde cov[Y.F(Y)] corresponde à covariância entre a renda total e o seu rank médio dentro da distribuição e a média da renda total. De forma semelhante, o índice de Gini por fonte de renda é obtido por . Já a razão de concentração de um determinado componente, sendo n o número de observações, é dado por . A partir das duas equações anteriormente expostas, temos a razão de correlação de ordem, definida por . Com isso, a decomposição do índice de Gini da renda total é dado por . Sendo , podemos definir a decomposição do Gini como .A contribuição relativa do fator k em relação à renda total pode ser definida como tal que . Em sequência, são estimadas funções de densidade de Kernel para todas as regiões nos quatro períodos de tempo acima mencionados. Como descrito em Pôrto e Sabino (2008), tal distribuição possibilita termos um quadro da concentração dos ganhos salariais promovidos pela política de valorização do salário mínimo entre as distintas remunerações que são diretamente determinadas pelo mesmo. A função de densidade de Kernel é um método para estimação de curvas de densidade, no qual cada observação é ponderada pela distância em relação ao valor central, o núcleo. De acordo com Kerm (2003) a função de densidade de Kernel pode ser representada como segue: . Temos que são os valores dos salários referentes às i-ésimas observações, os pesos, K(.) é uma função de Kernel, = h , sendo o fator de proporcionalidade local e a janela. Os pontos que estão próximos a recebem um peso maior, ao passo que a janela é o que regula a suavidade da função, havendo um trade-off entre a variância e o viés. Quanto maior for a janela, menor tende a ser a variância, e maior tende a ser o viés (quando a janela tende a zero, a função de Kernel é assintoticamente não viesada). Tanto na escolha da janela quanto da função de Kernel deve-se objetivar a minimização do erro quadrático médio. Portanto, a aplicação de tal metodologia procura alcançar dois objetivos. Por meio de uma análise estática, busca-se identificar se a política salarial realmente tem um efeito relevante na queda da desigualdade de renda em cada região. Já a aplicação da função de densidade de Kernel permite ver em quais percentis de renda se concentram os ganhos da política salarial. Ao identificar a parcela da população que recebe uma renda do trabalho equivalente aos múltiplos do salário mínimo é possível ter um quadro mais geral sobre quais estratos de trabalhadores são mais beneficiados pela atual política de valorização salarial nas grandes regiões brasileiras. 6. Rendimentos do trabalho e desigualdade de renda A influência que a valorização do salário mínimo tem sobre a renda das famílias é uma soma de dois efeitos: os efeitos negativos esperados de um aumento salarial sobre o nível de emprego e os positivos do mesmo sobre o nível de renda dos indivíduos que se mantiveram no mercado de trabalho. De acordo com os dados dos Censos de 2000 e 2010, temos que a renda per capta, exceto renda nula, e o percentual de empregados com carteira de trabalho assinada com 18 anos ou mais aumentaram para todas as regiões brasileiras, sendo que para o Brasil, os respectivos aumentos foram de aproximadamente 32,2 e 22,2%. Segundo Cahuc e Zylberbe (2004), tal cenário indica que o aumento no salário mínimo propiciou uma redução na desigualdade de renda durante o período, uma vez que não houve redução no emprego formal e se observa um aumento na renda per capta e na renda do trabalho. Com o aumento no salário, espera-se que os custos maiores levem a uma redução na quantidade de trabalhadores contratados e isso não aconteceu entre 2000 e 2010, como visto anteriormente. Como relatado em Moretto e Proni (2011), nesse período houve uma expansão no consumo, estimulada pela ampliação na oferta de crédito, pelo controle da inflação e pelos aumentos reais do salário mínimo. Esses fatos conjuntamente tiveram um efeito positivo sobre o mercado de trabalho. A expansão na demanda mais que compensou os aumentos nos custos provenientes de um maior salário, possibilitando aumento nos empregos com carteira de trabalho assinada. Além da constatação de que os aumentos no salário mínimo real não tem sido acompanhados de elevação no desemprego, deve-se identificar o quanto a renda do trabalho contribui para a composição da renda total. Com esse propósito, a Tabela 1 a seguir mostra a participação da renda do trabalho na renda domiciliar total entre 1996 e 2009. A participação da renda de todos os trabalhos (TTR) sempre correspondeu à maior parcela da renda total, e apesar de esta proporção ter diminuído ao longo do tempo, em 2009 ainda correspondia à grande maioria da mesma. Os menores valores são observados para a região Nordeste. Já, a região Centro Oeste tem a maior parcela dessa renda na renda total. A proporção das aposentadorias (APO) não mudou muito ao longo do tempo. Por sua vez, as rendas provenientes de outras fontes (OUT), que englobam doações, juros de aplicações financeiras, dividendos e rendimentos de aluguel aumentou muito sua participação percentualmente. Tabela 1 - Participação de cada parcela em relação à renda total, Brasil e macro regiões, entre 1996 e 2009 Parcela 1996 2001 2005 2009 Brasil TTR 0.82 0.78 0.75 0.74 APO 0.15 0.18 0.18 0.19 OUT 0.02 0.04 0.06 0.08 Norte TTR 0.86 0.84 0.82 0.79 APO 0.11 0.12 0.11 0.12 OUT 0.02 0.03 0.07 0.09 Nordeste TTR 0.79 0.74 0.70 0.66 APO 0.18 0.20 0.19 0.20 OUT 0.02 0.06 0.11 0.14 Sudeste TTR 0.83 0.79 0.77 0.77 APO 0.15 0.18 0.19 0.19 OUT 0.02 0.03 0.04 0.04 Sul TTR 0.83 0.79 0.77 0.76 APO 0.15 0.18 0.19 0.19 OUT 0.03 0.03 0.05 0.04 Centro Oeste TTR 0.87 0.85 0.82 0.80 APO 0.10 0.12 0.12 0.13 OUT 0.03 0.04 0.06 0.06 Distrito Federal TTR 0.85 0.82 0.81 0.82 APO 0.12 0.13 0.13 0.14 OUT 0.04 0.05 0.06 0.05 Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. A decomposição dos índicesde desigualdade é mostrada nas tabelas a seguir, tendo sido feita considerando as parcelas de renda de todos os trabalhos, aposentadorias e outras fontes de renda para os índices de Gini, Mehran e Piesch. De forma geral, os dados para o índice de Gini mostram que a renda de todos os trabalhos foi em todos os períodos uma variável importante para a queda na desigualdade de renda nas regiões brasileiras, tendo ganhado importância ao longo do tempo. Isso indica não só que os aumentos do salário mínimo favoreceram justamente os indivíduos com menor remuneração, mas principalmente que a renda do todos os trabalhos é a variável mais relevante ao analisar a desigualdade de renda. Ao mesmo tempo em que a renda do trabalho aumentou sua participação na renda total, de modo geral o seu poder explicativo em relação à desigualdade teve uma elevação ao longo do tempo. Isso sugere não só que a política de elevação do salário mínimo real ganhou força como instrumento de redução na desigualdade, como também que não houve indícios de esgotamento de seus efeitos ao longo do tempo. Já a contribuição da renda proveniente de aposentadorias para a redução da desigualdade de renda se reduziu ao longo do tempo. Os resultados encontrados na decomposição vão de encontro aos achados em Hoffmann (2006) e Soares (2010), em que, de forma geral, a renda do trabalho é a principal fonte que contribui para a redução da desigualdade, e as aposentadorias diminuem a contribuição ao longo do tempo. Tabela 2 - Contribuição percentual de cada parcela do rendimento na mudança no índice de Gini, Brasil e macro regiões, entre 1996 e 2009 1996-2001 2001-2005 2005-2009 1996-2009 Brasil TTR 8.75 37.68 67.99 84.24 APO 85.15 55.97 16.85 20.87 OUT 17.04 6.35 15.16 -5.11 Norte TTR -13.00 47.04 -108.82 80.30 APO 90.41 46.12 125.52 19.47 OUT 22.59 6.83 83.31 0.24 Nordeste TTR -2.70 25.66 29.57 65.65 APO 78.11 56.45 9.34 18.40 OUT 24.59 17.90 61.09 15.95 Sudeste TTR 22.63 41.70 76.38 84.86 APO 107.36 57.90 89.36 20.42 OUT 18.12 4.29 46.97 -3.35 Sul TTR -6.24 35.85 80.85 85.26 APO 88.75 58.22 13.66 18.60 OUT 17.50 5.93 5.49 -3.85 Centro Oeste TTR -1.63 42.74 87.31 95.29 APO 77.24 48.41 12.74 12.68 OUT 24.39 8.85 -0.06 -7.97 Distrito Federal TTR 43.10 40.07 40.36 48.76 APO 37.20 44.79 31.78 -7.90 OUT 19.70 15.14 27.86 59.15 Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Nos resultados para o índice de Mehran, de modo geral, a proporção de tal índice que é explicada pela renda do todos os trabalhos se mostra bem semelhante ao resultado para o índice de Gini. Como o índice de Mehran pondera pelos menores valores, pode-se dizer que a renda do todos os trabalhos também foi importante para reduzir a desigualdade de renda entre os mais pobres, indicando um efeito progressista da valorização do mínimo. Mesmo para o índice de Piesch, que pondera pelas maiores rendas, a renda do trabalho continua sendo o fator mais importante, com os resultados apresentados muito semelhantes aos do índice de Gini, quanto à importância de cada renda para reduzir a desigualdade. Tivemos um padrão a ser seguido para os três índices, em que a renda do trabalho para a maioria das regiões é a fonte de renda menos desigual e a renda de outras fontes a mais desigual. Isso quer dizer que mesmo utilizando diferentes índices que ponderam mais com relação a parcelas diferentes da população, há um quadro geral de desigualdade de rendimentos em que a renda do trabalho o aquele que está mais próxima de um cenário de igualdade. Além disso, de modo geral os valores para as rendas específicas não desviaram em grande medida daqueles da renda total. Apesar deste quadro geral, destaca-se aqui os resultados das regiões Norte e Nordeste, para as quais a desigualdade da renda do trabalho foi em sua maioria muito semelhante à da renda total e outras vezes a ultrapassou, neste caso especialmente entre os mais pobres (índice de Mehran). Foi a região Nordeste também que se destacou como sendo a que tinha a renda do trabalho representando a menor parcela em relação a renda total em 2009, apesar de substantiva. Este resultado indica a importância que programas mais focalizados como os de transferência de renda podem ter em tal região, visto que os aumentos no salário real podem não surtir o efeito esperado em ambientes em que a renda do trabalho tem uma menor proporção em relação à renda total, visto que nesta região a desigualdade de renda do trabalho se mostra entre as mais elevadas em 2009 para os três índices analisados. Já o Distrito Federal chama atenção por apresentar uma distribuição sempre mais desiguais que nas demais regiões para os rendimentos de outras fontes, visto a concentração em tal região de uma parcela da população que tem maior acesso a renda de lucros e alugueis por terem maior renda, o que faz com que estes se destaquem em relação à população como um todo e tornem a distribuição de rendimentos mais desigual. Tabela 3 - Contribuição percentual de cada parcela do rendimento na mudança no índice de Mehran, Brasil e macro regiões, entre 1996 e 2009 1996-2001 2001-2005 2005-2009 1996-2009 Brasil TTR 8.31 44.70 64.09 83.92 APO 78.51 51.44 17.57 16.92 OUT 10.54 3.87 18.34 -0.85 Norte TTR -26.38 53.20 -986.58 80.64 APO 106.97 42.24 508.85 14.56 OUT 19.41 4.56 577.73 4.81 Nordeste TTR 2.26 30.12 5.77 61.89 APO 79.68 55.02 7.05 14.40 OUT 18.06 14.85 87.18 23.72 Sudeste TTR 23.46 50.78 77.22 87.26 APO 69.98 47.18 15.74 14.90 OUT 7.43 1.59 7.02 -1.69 Sul TTR -5.18 42.67 81.21 88.05 APO 93.22 54.45 12.87 14.87 OUT 11.97 2.88 5.91 -2.92 Centro Oeste TTR 3.43 51.80 87.44 97.25 APO 78.26 43.06 11.27 9.13 OUT 18.32 5.14 1.28 -6.38 Distrito Federal TTR 50.68 49.69 -10.51 450.74 APO 32.36 37.87 75.00 201.63 OUT 16.96 12.44 35.51 -552.37 Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Tabela 4 - Contribuição percentual de cada parcela do rendimento na mudança no índice de Piesch, Brasil e macro regiões, entre 1996 e 2009 1996-2001 2001-2005 2005-2009 1996-2009 Brasil TTR 8.93 34.20 69.80 84.42 APO 88.47 58.21 16.52 23.20 OUT 20.30 7.58 13.68 -7.62 Norte TTR -8.40 44.04 -47.70 80.10 APO 84.71 48.02 98.85 22.22 OUT 23.69 7.94 48.85 -2.32 Nordeste TTR -5.11 23.45 40.12 67.49 APO 77.35 57.15 10.35 20.35 OUT 27.76 19.40 49.53 12.16 Sudeste TTR 22.30 36.77 75.96 83.18 APO 99.86 59.61 63.30 21.74 OUT 19.64 5.50 35.85 -4.07 Sul TTR -6.72 32.47 80.66 83.72 APO 86.82 60.09 14.07 20.65 OUT 19.90 7.44 5.27 -4.37 Centro Oeste TTR -3.73 38.30 87.26 94.28 APO 76.79 51.03 13.34 14.52 OUT 26.93 10.67 -0.61 -8.80 Distrito Federal TTR 40.33 36.00 48.32 57.01 APO 38.98 47.72 25.03 -3.61 OUT 20.70 16.29 26.65 46.59 Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. 7. Identificação dos beneficiados pela valorização do salário mínimo Após a identificação da relevância da política salarial como redutor da desigualdade de renda, é importante identificar em cada região qual é a proporção de indivíduos beneficiados pela política salarial vigente e em quais parcelas da população estes estão dispostos. Com o intuito de mostrar a importância que o salário mínimo tem para a renda dos indivíduos de cada decil da distribuição de renda, considerou-se os indivíduos que tem o valor da remuneração do trabalho principal menor que um salário mínimo, igual, igual a dois ou três salários dentro de cada extrato de renda. Os gráficos a seguir mostram a distribuição dos indivíduos quanto à renda do trabalho principal, em termos de salários mínimos, para cada decil de renda per capta. As regiões Norte e Nordeste apresentam uma concentração bem maior de indivíduos com remuneração igual ou menor a um salário mínimo entre os dois primeiros decis de renda se comparadascom quaisquer outras regiões, ao passo que entre os decis de maior renda, a representação é menor. No caso do Nordeste, se compararmos tal quadro àquele apresentado pela decomposição do índice Mehran, em que a proporção da variação na desigualdade de renda que se deve às mudanças na renda do trabalho é a menor entre as regiões, vemos que ao mesmo tempo em que o Nordeste é a região com maior porcentagem de sua população recebendo um salário mínimo ou menos entre os mais pobres, é nesta região que a elevação do salário mínimo tem menor efeito redutor da desigualdade. Os resultados abaixo mostram o menor poder explicativo da variação na renda do trabalho para redução na desigualdade de renda no Nordeste. Isso não se deve ao fato de que esta fonte de renda exerce pouca influência em tal processo, mas sim porque a renda de outras fontes tem um efeito especialmente grande, visto que os gráficos mostram que a valorização do salário mínimo é importante para reduzir a desigualdade de renda especialmente no Nordeste. De forma geral, todas as regiões apresentam um processo de “arraste”, com registro de aumento de indivíduos com rendimento igual a um salário mínimo e aos múltiplos do mesmo entre os representantes dos decis intermediários ao longo do tempo. No caso de quem recebe exatamente um salário mínimo, os picos passaram a se concentrar entre os 30 e os 60% mais ricos. Este processo indica que sua valorização tem um efeito redutor na desigualdade, não apenas para os de menor renda, mas também para aqueles que detêm níveis de renda intermediária. Gráfico 5 - Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo por décimos da distribuição da renda per capta 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo, por décimo da distribuição, 1996 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2001 N NE SE S CO DF Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Gráfico 6 - Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo por décimos da distribuição da renda per capta 0 5 10 15 20 25 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2005 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem menos que um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2009 N NE SE S CO DF Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Gráfico 7 – Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 1996, 2001, 2005 e 2009 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 1996 N NE SE S CO DF Brasil 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2001 N NE SE S CO DF Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Gráfico 8 – Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 1996, 2001, 2005 e 2009 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2005 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem exatamente um salário mínimo, por décimo da distribuição, 2009 N NE SE S CO DF Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. A posição dos indivíduos em cada decil da distribuição de renda que ganham dois e três salários é mostrada nos dois gráficos a seguir. Podemos observar uma concentração de indivíduos nos maiores valores da distribuição. Regionalmente, esta característica é mais marcante no Sudeste e no Distrito Federal. Embora as regiões Norte e Nordeste tenham um maior registro nos decis inferiores também para múltiplos do salário mínimo, o movimento para a direita registrado na distribuição faz com que as observações se concentram mais entre os decis de maior renda do que o observado para o caso dos que recebem exatamente um salário. Neste caso, a valorização real do salário mínimo tem um efeito concentrador de renda, uma vez que os beneficiados estão entre os de maior renda. Gráfico 9 – Percentual de pessoas que recebem dois salários mínimos, por décimo da distribuição, 1996 e 2001, 2005 e 2009 0 5 10 15 20 25 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem dois salários mínimos, por décimo da distribuição, 1996 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem dois salários mínimos, por décimo da distribuição, 2001 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem dois salários mínimos, por décimo da distribuição, 2005 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem dois salários mínimos, por décimo da distribuição, 2009 N NE SE S CO DF Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Gráfico 10 – Percentual de pessoas que recebem três salários mínimos, por décimo da distribuição, 1996, 2001, 2005 e 2009 0 5 10 15 20 25 30 35 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem três salários mínimos, por décimo da distribuição, 1996 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem três salários mínimos, por décimo da distribuição, 2001 N NE SE S CO DF Brasil 0 5 10 15 20 25 30 35 40 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem três salários mínimos, por décimo da distribuição, 2005 N NE SE SE CO DF Brasil 0 10 20 30 40 50 60 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Percentual de pessoas que recebem três salários mínimos, por décimo da distribuição, 2009 N NE SE S CO Brasil Fonte: Elaboração própria com base nas Pnads dos anos de 1996, 2001, 2005 e 2009. Os resultados para os deciís de renda corroboram aqueles obtidos para a decomposição dos índices de desigualdade. A renda do trabalho ter sido identificada como a principal variável para explicar a desigualdade de renda ao mesmo tempo em que foi na maioria das vezes a fonte de renda menos desigual é relacionada ao fato de que aqueles que recebiam o salário mínimo aos poucos diminuíram sua representatividade entre os mais pobres e aumentaram entre os de maior renda, o que só pôde ocorrer com os aumentos reais do mesmo. Ou seja, com o tempo os trabalhadores que recebem exatamente o valor do salário mínimo estão migrando para os decis intermediários de renda, contribuindo para uma redução da desigualdade de renda.. A função de densidade de Kernel utilizada, a seguir, nos permite um melhor panorama da desigualdade de rendimentos em cada região. A função mostra a proporção de indivíduos em relação ao total que apresentam cada um dos diferentes valores existentes para o logaritmo neperiano da renda total. Como é característico de uma população altamente desigual, os gráfico de densidade de distribuição para todas as regiões apresentam um pico em valores de baixa remuneração. Observando os gráficos para os quatro períodos é possível identificar uma tendência geral dos mesmos de se deslocarem para a direita ao mesmo tempo em que se vê uma concentração em torno do valor 6. Apesar desta convergência, cada região manteve sua distribuição de renda com as mesmas características gerais que apresentavam em 1996. Enquanto o Brasil apresenta um resultado intermediário, asregiões Norte e especialmente Nordeste contam com uma maior representação de indivíduos entre os decis de baixo rendimento, enquanto o Distrito Federal chama atenção pela maior quantidade de observações na cauda direita da distribuição. Como pôde ser visto na decomposição do índice de Mehran, que pondera pelos mais pobres, entre os quais se concentra a maioria dos indivíduos que recebem exatamente um ou menos de um salário mínimo, a renda do trabalho foi a parcela da renda total que mais contribuiu para reduzir a desigualdade de renda. Pode-se dizer então que os aumentos reais do salário mínimo contribuiram para o deslocamento do pico das distribuições de Kernel para a direita ao longo do tempo. Gráfico 11: Gráfico da distribuição de densidade de Kernel para a renda total em relação a todas as regiões brasileiras, DF e Brasil para o ano de 1996. 0 .1 .2 .3 .4 .5 D en si da de K er ne l 0 2 4 6 8 10 Log da renda total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Distrito Federal Brasil 1996 Distribuição da renda total, por região Fonte: Elaboração própria com base na Pnad 1996. Gráfico 12: Gráfico da distribuição de densidade de Kernel para a renda total em relação a todas as regiões brasileiras, DF e Brasil para o ano de 2001. 0 .1 .2 .3 .4 .5 D en si da de K er ne l 0 5 10 Log da renda total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Distrito Federal Brasil 2001 Distribuição da renda total, por região Fonte: Elaboração própria com base na Pnad 2001. Gráfico 13: Gráfico da distribuição de densidade de Kernel para a renda total em relação a todas as regiões brasileiras, DF e Brasil para o ano de 2005. 0 .1 .2 .3 .4 .5 D en si da de K er ne l 0 5 10 15 Log da renda total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Distrito Federal Brasil 2005 Distribuição da renda total, por região Fonte: Elaboração própria com base na Pnad 2005. Gráfico 14: Gráfico da distribuição de densidade de Kernel para a renda total em relação a todas as regiões brasileiras, DF e Brasil para o ano de 2009. 0 .1 .2 .3 .4 .5 D en si da de K er ne l 0 5 10 15 Log da renda total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Distrito Federal Brasil 2009 Distribuição da renda total, por região Fonte: Elaboração própria com base na Pnad 2009. Os resultados mostram a necessidade de se ter políticas voltadas para os problemas específicos de cada região, sem as quais não haverá uma distribuição de renda mais igualitária para as mesmas. Mesmo com o aumento na representatividade dos trabalhadores com rendas intermediárias nas regiões como um todo, a estrutura da distribuição de renda (a forma da função de Kernel), não convergiram entre as regiões para o período analisado. Apesar de a política de valorização do salário mínimo ter sido importante durante esta última década, claramente ela não é suficiente para combater o problema da má distribuição de renda do Brasil, provocado por múltiplos fatores, com particularidades regionais. O caráter abrangente de uma política de valorização salarial que atinge trabalhadores em todos os decis de renda tem sua importância por alcançar uma grande parcela da população, mas não consegue fazer com que parcelas específicas da mesma migrem para extratos de maior renda, sendo necessário para isto políticas específicas focalizadas nestes indivíduos. 8. Conclusão Vários estudos já analisaram a recente queda na desigualdade e seus determinantes. Para além dos estudos focados nos efeitos da transferência de renda ou da renda do trabalho para o Brasil como um todo, neste trabalho procurou-se identificar a relevância da valorização do salário mínimo para reduzir a desigualdade de renda nas regiões brasileiras. Ao decompor os índices de Gini, Pisch e Mehran em relação às rendas do trabalho, aposentadorias e outras fontes, a renda do trabalho concentrou a maior parte do efeito redutor da desigualdade de renda entre os anos de 1996 e 2009. Já a renda de aposentadorias perdeu importância ao longo do tempo, assim como a renda de outras fontes. Chama atenção os resultados para o Nordeste, em que a renda do trabalho foi a que menos explicou a queda na desigualdade de renda se comparado com as demais regiões e também onde a renda de outras fontes manteve um maior poder explicativo em 2009. Apesar disso, deve ser considerado o fato de que as regiões Norte e Nordeste tem uma maior parcela de trabalhadores que recebem exatamente um salário mínimo entre os decis de menor renda, indicando um importante efeito desconcentrador da política salarial. A função de densidade Kernel mostra que houve um processo de arraste de 1996 a 2009 em que os picos de distribuição das regiões passaram a se concentrar mais à direita da mesma, mostrando uma redução na desigualdade de renda em todas as regiões durante o período analisado. Entretanto, não houve mudança substancial nas formas das distribuições de frequência das regiões, que se mostram muito desiguais, indicando a necessidade da implementação de políticas específicas que levem em consideração as características regionais para que o Brasil como um todo alcance um cenário de maior igualdade. Referências bibliográficas CAHUC, Pierre; ZYLBERBE, André. Institutions and Labor Market Performance. In:___. Labor economics. Massachusetts: The MIT Press, 2004. cap. 12. p. 713-810. HOFFMANN, Rodolfo. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil e cinco regiões entre 1997 e 2004. Econômica, Rio de Janeiro, v.8, n.1, p. 55-81, junho 2006. 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