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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA FLÁVIO HENRIQUE DOS REIS SOARES DIFERENÇAS INDIVIDUAIS EM PERFECCIONISMO E SUA RELAÇÃO COM TRAÇOS DE PERSONALIDADE E VÍNCULOS PARENTAIS Belo Horizonte 2018 FLÁVIO HENRIQUE DOS REIS SOARES DIFERENÇAS INDIVIDUAIS EM PERFECCIONISMO E SUA RELAÇÃO COM TRAÇOS DE PERSONALIDADE E VÍNCULOS PARENTAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Psicologia. Área de concentração: Desenvolvimento Humano Linha de pesquisa: Diferenças Individuais Orientadora: Profa. Dra. Marcela Mansur-Alves Co-orientadora: Profa. Dra. Carmem Beatriz Neufeld Belo Horizonte 2018 À minha mãe e minha avó (in memoriam), cujo o amor sem limites moldou parte de quem sou e me ensinou a acreditar em mim mesmo, não importa o quão difícil seja o caminho. AGRADECIMENTOS “passarinho que se debruça — o voo já está pronto!” (Guimarães-Rosa, 1956) Primeiramente agradeço à Deus, Universo, Acaso ou Força Maior que proporcionou minha existência, a existência de meus pais, pais de meus pais e assim por diante. Sem a maravilhosa engenharia da vida, nada disso faria sentido. Obrigado por me inspirar a tornar minha vida e a vida de meus pares um pouco melhor. Assim como as páginas que se seguem jamais teriam se escrito sozinhas, meu trabalho jamais seria completo sem os vários atores que fazem parte das cenas de minha vida. À minha orientadora Marcela Mansur-Alves agradeço por levar ao pé da letra a palavra orientar, com seriedade e dedicação guiou-me, lapidou este trabalho e elevou meu nível profissional em todos os sentidos. Obrigado por propor tantos desafios criativos e marcar o início de minha carreira! Agradeço à minha co-orientadora Carmem Beatriz Neufeld por me apresentar um jeito tão vivo e entusiasmado de lidar com a ciência! Agradeço a todos os professores que cooperaram com meu trajeto até aqui. Agradeço a estes professores e supervisores de estágios na pessoa de Jonas Jardim de Paula, ao qual sou grato por despertar meu interesse na psicologia científica. Agradeço à Renata Saldanha por me apresentar à Psicologia das Diferenças Individuais. Também agradeço à Professora Elizabeth Nascimento por me proporcionar uma experiência viva com a análise de dados! Agradeço à minha família, Mãe, Avó, Tias, Irmãs e prima, cujo o suporte incondicional, tornou possível afetivamente e objetivamente minha caminhada pela ciência. Ao meu Uthando Lwami Thokozani Malinga, agradeço a paciência, momentos de alegria e segurança sem os quais este trabalho jamais seria concluído, “you gave me more than a space, you gave me a place to be”. Aos meus amigos, agradeço nas pessoas de Cláudio, Fernando, Márcia e Samantha cujo o suporte afetivo tornou suportáveis os momentos mais difíceis que pude enfrentar. À Érica Espírito Santo, agradeço por me ouvir nos momentos de angústias e crer na minha capacidade mesmo em momentos de dúvida pessoal. Thankyou Luis Silva for helping me so much to improve my English and use it like a native. Agradeço às alunas de iniciação científica pelo auxílio na coleta de dados e contribuições pessoais, em especial, agradeço Míria, que se tornou tão rápido uma amiga. Aos alunos que já tive oportunidade de ensinar, agradeço por levarem a sério minhas palavras – e espero que apliquem algo do que ensinei! Aos colegas de laboratório agradeço toda a cooperação, aos funcionários da UFMG agradeço por serem parte de todas as etapas do mestrado. Agradeço aos colegas do Espaço Integrar pelas trocas ricas de conhecimento. Agradeço à agência CAPES e o Programa de Pós- Graduação em Psicologia, por todo auxílio financeiro e investimento em ciência. Agradeço à todas as instituições que acolheram a pesquisa e aos participantes que cederam seu tempo com interesse e responsabilidade para participar da pesquisa. Obrigado aos indivíduos por trás dos dados. Por fim, agradeço aos professores Maycoln Leoni Martins Teodoro, Lucas de Francisco Carvalho, Delba Teixeira Rodrigues Barros, Eni Ribeiro da Silva por aceitarem tão gentilmente ler meu texto e contribuírem para sua melhora. SUMÁRIO RESUMO ...................................................................................................................................... 10 ABSTRACT .................................................................................................................................. 11 LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................... 12 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS................................................................................... 13 LISTA DE TABELAS .................................................................................................................. 14 1. APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 15 2. OBJETIVOS .......................................................................................................................... 19 2.1 Objetivo Geral: ............................................................................................................... 19 2.2 Objetivos Específicos: .................................................................................................... 19 3. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................. 20 3.1 Modelos teóricos de Perfeccionismo ...................................................................................... 20 3.1.2 Definições lexicais e unidimensionais ................................................................................. 20 3.1.3 Definições Multidimensionais .............................................................................................. 22 3.1.4 Modelo Trifatorial de Slaney ............................................................................................... 26 3.2 Perfeccionismo e Traços de Personalidade ............................................................................. 33 3.3 Perfeccionismo e Vínculos parentais ...................................................................................... 43 4. HIPÓTESES .......................................................................................................................... 49 5. MÉTODO .............................................................................................................................. 51 5.1 Background .................................................................................................................... 51 5.2 Participantes .................................................................................................................. 51 5.3 Instrumentos ................................................................................................................... 52 5.4 Procedimentos de coleta e limpeza dos dados ............................................................... 55 6. RESULTADOS ..................................................................................................................... 58 6.1 Análises preliminares: estatísticas descritivas para as medidas de interesse, desvios de normalidade na amostra e diferenças de grupo relativas às variáveis sociodemográficas ......... 58 6.2 Associação entre perfeccionismo, personalidade e vínculos parentais .......................... 63 6.2.1 Análise de correlação............................................................................................. 63 6.2.2 Análise de regressão: predição dos traços de personalidade e vínculos parentais nas dimensões de perfeccionismo ................................................................................................ 66 6.3 Análise dos Tipos de Perfeccionistas ............................................................................. 72 6.4 Análise discriminante – Sensibilidade e especificidade nos preditores dos tipos de perfeccionismo baseando-se na personalidade e nos vínculos parentais ...................................... 79 7. DISCUSSÃO ......................................................................................................................... 81 8. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 99 9. REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 103 10. APÊNDICES.................................................................................................................... 114 11. ANEXOS ......................................................................................................................... 117 RESUMO Soares, F. H. R. (2018). Diferenças individuais em perfeccionismo e sua relação com traços de personalidade e vínculos parentais (Dissertação de Mestrado). Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. O perfeccionismo é uma característica psicológica que predispõe os indivíduos à busca de padrões elevados de desempenho. A literatura vem apontando que as relações parentais apresentam influência no desenvolvimento do perfeccionismo e, por sua vez, os traços de personalidade apresentam padrões de associação consistentes com os tipos de perfeccionismo e suas dimensões. Apesar do avanço nos estudos, pouco se sabe sobre como os traços e personalidade e vínculos parentais se associam às diferenças individuais em perfeccionismo quando analisados em conjunto. Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo principal explorar as relações entre as dimensões do perfeccionismo (padrões, ordem e discrepância), baseando-se no modelo trifatorial de Slaney, os traços de personalidade postulados pelo modelo dos cinco grandes fatores, e os vínculos parentais. O estudo teve caráter transversal. Participaram 515 indivíduos, 79% do sexo feminino, com idade média de 25,3 anos (DP = 7,8), provenientes de instituições de ensino superior públicas e privadas. Como instrumentos, foram utilizadas a Escala de perfeccionismo Almost-Perfect Scale Revised versão brasileira, o inventário dos cinco fatores NEO revisado, NEO FFI-R (versão curta), e a escala de vínculos parentais, Parental Bonding, versão brasileira. Os resultados encontrados apontam para associações de Padrões com Conscienciosidade (r=0,52), Abertura (r=0,17) e cuidado materno (r=0,09); Ordem com Conscienciosidade (r=0,57); Amabilidade (r=0,13), Extroversão (r=0,12), Neuroticismo (r=-0,12) e cuidado Paterno (r=0,10); Discrepância com Neuroticismo (r=0,56), Extroversão (r=-0,25), Amabilidade (r=-0,17) e Conscienciosidade (r=-0,17),Cuidado Materno (r=-0,22), Cuidado Paterno (r=0,16) Superproteção Materna (r=0,28) e Superproteção Paterna (r=0,11), todas as correlações estatisticamente significativas em um nível de p< 0,05. Nas análises de regressão, apenas neuroticismo e superproteção materna foram preditores significativos de Discrepância explicando 33% de sua variância. Para Ordem, apenas Conscienciosidade foi um preditor significativo explicando 32% da variância. Quanto à padrões idade, Conscienciosidade e Abertura foram preditores significativos, explicando 32% da variância desse escore. Houve uma prevalência de 32% de perfeccionistas adaptativos, 30,6% de perfeccionistas não adaptativos e 37,4% de não perfeccionistas dentro da amostra. Estes grupos diferiram em Neuroticismo, Extroversão, Conscienciosidade Cuidado Materno e Superproteção Materna, (p<0,05). Estes resultados apontam para o papel dos traços de personalidade como principais preditores diretos das diferenças individuais em perfeccionismo. Ao passo que os efeitos dos vínculos parentais são mais evidentes na diferenciação dos tipos de perfeccionismo. Tais resultados, ainda que o estudo possua limitações quanto à heterogeneidade da amostra, levantam a discussão acerca do perfeccionismo como adaptação característica da personalidade. Palavras chave: perfeccionismo, traços de personalidade, vínculos parentais ABSTRACT Soares, F. H. R. (2018). Individual differences in perfectionism and its relation with personality traits and parental bonds (Master’s thesis). Department of Psychology, Federal University of Minas Gerais, Minas Gerais, Brazil. Perfectionism is a psychological characteristic that predisposes individuals to pursue high standards of performance. Currently, perfectionism is considered a multidimensional construct comprising adaptive and maladaptive features. There is evidences about parental relationships influences over development of perfectionism and, in turn, personality traits show consistent patterns of association with the types of perfectionism and dimensions across studies. Nevertheless, little is known about how personality traits and parental bonds are associated with individual differences in perfectionism when analyzed together. Regarding this, the aim of this work was to explore the relationship between the dimensions of perfectionism, based on Slaney's three-factorial model, personality traits as postulated by the five-factors model, and parental bonding. The study was transversal with a total of 515 subjects, which 79% female, mean age of 25.3 years (SD = 7.8), from public and private higher education institutions. The instruments, used were the Almost-Perfect Scale Revised Brazilian version, the NEO Five-Factor Inventory (Neo FFi-R) and the Parental Bonding scale - Brazilian version. The results show associations of High Standards with Conscientiousness (r = .52), Openness (r = .17) and Maternal Care (r = .09); Order with Conscientiousness (r =.57); Agreeableness (r = .13), Extroversion (r =.12), Neuroticism (r=- .12) and Paternal Care (r = .10); Discrepancy with Neuroticism (r = .56), Extroversion (r = -.25), Agreeableness (r = -.17) and Conscientiousness (r = -.17), Maternal Care (r = -.22), Parental Care (r = .16) Maternal Overprotection (r = .28) and Paternal Overprotection (r = .11).All statistically significant at α <0,05. In the regression analyzes, only Neuroticism and Maternal Overprotection were significant predictors of Discrepancy explaining 33% of variance. In the Order score only, Conscientiousness was a significant predictor explaining 32% of its variance. In High Standards the age, Conscientiousness and Openness were significant predictors, explaining 32% of the variance of this score. There was a prevalence of 32% of adaptive perfectionists, 30.6% of non- adaptive perfectionists and 37.4% of non-perfectionists in this samples found by K-means clusters. These groups differed in Neuroticism, Extroversion, Consciousness Maternal affection and Maternal Overprotection, all at p <0.05. These results are evidences about the role of personality traits as the main direct predictor of individual differences in perfectionism. Whereas the effect of parental bonds is most evident in the differentiation of types of perfectionism. Such results, although the study has limitations regarding the heterogeneity of the sample, foster the discussion about perfectionism as a characteristic adaptation of the personality. Key Words: Perfectionism, Personality traits, Parental Bonding LISTA DE FIGURAS Figura 1-Esquema ilustrativo das dimensões do perfeccionismo e sua classificação como adaptativas e desadaptativas. ........................................................................................................ 32 Figura 2 - Esquema ilustrativo das dimensões de vínculos parentais em tipos. Adaptado de Parker (1979). ........................................................................................................................................... 45 Figura 3- Gráfico que apresenta a diferença nas médias padronizadas por escore z nas dimensões do perfeccionismo após execução da classificação dos grupos (tipos de perfeccionistas). .......... 74 Figura 4 - Gráfico de barras das médias padronizadas das dimensões de vínculos parentais com médias multivariadas significantemente diferentes. Cuidado Materno e Superproteção Materna. ....................................................................................................................................................... 78 Figura 5 - Gráfico de barras das médias padronizadas dos traços de personalidade com valores significativos da diferença multivariada entre os grupos (p<0,05). Nas dimensões Neuroticismo, Extroversão e Conscienciosidade. ................................................................................................ 78 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254116 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254116 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254117 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254117 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254119 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254119 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254119 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254120 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254120 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254120 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS APS-R - Almost Perfect Scale-Revised CP - Críticas Parentais D - Discrepância DA - Dúvida sobre as ações EP - Expectativas Parentais MPS-F - Frost's Multidimentional Perfectionism Scale MPS-H - Hewitt's Muldimentional perfectionism Scale O – Organização / Ordem P - Padrões PAO - Perfeccionismo auto orientado PF - Preocupação com falhas POO - Perfeccionismo orientado para os outros PP - Padrões pessoais PPS - Perfeccionismo prescrito socialmente LISTA DE TABELAS Tabela 1- Revisão das correlações bivariadas entre os componentes do perfeccionismo e traços de personalidade ................................................................................................................................ 39 Tabela 2 - Caracterização da amostra, segundo nível socioeconômico (Critério Brasil 2015) ... 52 Tabela 3 - Estatísticas descritivas para do escore total das escalas utilizadas na pesquisa.......... 59 Tabela 4 - Correlações de Pearson entre perfeccionismo, traços de personalidade e vínculos parentais ........................................................................................................................................ 65 Tabela 5 - Análise de regressão de "entrada forçada" predizendo Discrepância ......................... 68 Tabela 6 - Análise de regressão "entrada forçada" predizendo Padrões ...................................... 70 Tabela 7 - Análise de regressão "entrada forçada" predizendo Ordem ....................................... 71 Tabela 8 - Tipos de perfeccionistas segundo os escores obtidos nas subescalas da APSR* ....... 72 Tabela 9 - Diferenças entre as médias dos clusters de perfeccionistas ........................................ 73 Tabela 10 - Estatísticas descritivas dos tipos de perfeccionistas em relação às diferenças em personalidade e vínculos parentais................................................................................................ 77 Tabela 11 - Resultados da classificação - Especificidade e Sensibilidade da Classificação ....... 80 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254121 file:///C:/Users/flavi/Desktop/Dissertação%20entregue/Soares2018_digital_version.docx%23_Toc9254121 15 1. APRESENTAÇÃO O perfeccionismo é concebido como uma característica da personalidade na qual há tendências ao estabelecimento de padrões de desempenho muito elevados, acompanhados do auto monitoramento e, muitas vezes, crítica excessiva do próprio desempenho (Stoeber, 2018). Atualmente, o perfeccionismo é considerado um construto multidimensional que contempla não apenas aspectos disfuncionais, como era considerado antigamente, mas múltiplos componentes que apresentam interações complexas. A partir dos anos 1990, várias escalas de perfeccionismo foram produzidas impactando positivamente as produções nessa área ( Flett & Hewitt, 2016). Desse cenário, surgiram diferentes modelos e perspectivas para o estudo do perfeccionismo, aumentando exponencialmente as publicações sobre o assunto. Dada a importância dessa característica da personalidade sobre diversos aspectos da vida e sua complexidade, desde as primeiras publicações sobre o tema, frequentemente se indaga quais são as diferenças individuais entre os perfeccionistas, suas fontes e suas consequências sobre aspectos positivos ou negativos da vida (exemplos: Burns, 1980.; Hamachek, 1978; Pacht, 1984). Assim, as diferenças individuais entre os perfeccionistas têm chamado atenção dos pesquisadores, fomentando uma tentativa pela busca de seus aspectos determinantes/precursores. Assim, dentre esses aspectos figuram-se os traços de personalidade (Clark, Lelchook, & Taylor, 2010). Recentemente, com o advento de um consenso sobre os traços definidores das diferenças individuais em personalidade, tornou-se possível e viável o estudo de quais dessas diferenças estão envolvidas no desenvolvimento e desfecho dos tipos de perfeccionismo. Nas últimas décadas, o cenário internacional de pesquisa vem apresentando evidências sobre a relação entre as diferenças individuais em perfeccionismo e diversos desfechos, tais como saúde 16 mental, bem-estar e relacionamentos interpessoais (Egan, Wade, & Shafran, 2011; Roz Shafran & Mansell, 2001). Também, os traços de personalidade são reconhecidos por corriqueiramente se correlacionarem e explicarem outros aspectos mais abrangentes da personalidade. Estes traços são tendências e disposições individuais que influenciam os modos de ser, agir e sentir do indivíduo, possuem estabilidade temporal e situacional e são altamente herdáveis (John, Robins, & Pervin, 2008; McCrae & Costa, 1997). Há evidências da influência dos traços de personalidade em vários desfechos de vida, dentre eles desfechos associados à saúde física e mental (Ozer & Benet- Martínez, 2006). Na história da pesquisa da diferenças individuais, o perfeccionismo já chegou a ser considerado como traço básico por Cattell e, atualmente, faz parte do modelo de personalidade de 6 fatores conhecido como HEXACO ocupando o lugar de uma das facetas da conscienciosidade (Ashton, 2013). Apesar disso, há maiores evidências a respeito do perfeccionismo se classificar como um aspecto disposicional da personalidade, não um traço ou faceta básico (Stoeber,2018). Em seu desenvolvimento, o perfeccionismo comumente é citado como resultados da interação das relações parentais/ambientais com disposições mais básicas (traços), o que reforça a hipótese dessa característica se figurar como umaadaptação característica da personalidade, ou seja um padrão aprendido através da interação de determinados traços de personalidade e fatores de ambiente partilhado/não partilhado ( Flett, Hewitt, & Oliver, 2002; Maloney, Egan, Kane, & Rees, 2014; McCrae & Costa, 1999). Até a data, apesar das muitas pesquisas sobre definições e estratégias de mensuração do perfeccionismo, pouco se tem falado sobre a contribuição direta dos traços de personalidade no perfeccionismo em conjunto com influências parentais. Assim, é preciso esclarecer se o perfeccionismo se figura como uma tendência mais básica e geral da personalidade ou como resultado da interação dessas tendências mais gerais e basais (traços) com determinados aspectos ambientais (ex. percepção da qualidade dos vínculos parentais/ambiente não 17 compartilhado). Estas duas perspectivas alteram a maneira como o perfeccionismo é abordado e tem impacto direto em futuras direções para intervenções sobre essa característica. Partindo-se do pressuposto do impacto social do perfeccionismo sobre a saúde , bem conhecido e descrito na literatura (ex.Hewitt & Flett, 1991, 2002), conhecer os aspectos básicos da personalidade dos perfeccionistas e o que os diferencia é relevante, tanto científica quanto socialmente. Além dos traços de personalidade, sabe-se que interações parentais, ambiente compartilhado e não compartilhado têm impacto sobre o perfeccionismo. Porém, até a data pouco se estudou sobre o papel das relações parentais sobre os níveis e tipos de perfeccionismo. Este campo de estudo carece de mais pesquisas sobre interações de múltiplas variáveis sobre o as dimensões do perfeccionismo e os tipos de perfeccionistas (estudos centrados nas dimensões e estudos centrados em grupos de perfeccionistas). Ademais, até o momento as pesquisas sobre o perfeccionismo têm dado foco às críticas parentais e às expectativas parentais para o desenvolvimento e nível de perfeccionismo. O estudo atual pretende abordar os vínculos parentais. Estes vínculos dizem respeito à relação estabelecida entre os pais e a crianças desde seu nascimento, eles podem ter uma qualidade que fomenta desde independência e oferece afeto à falta de cuidado e supercontrole (de Cock & Shevlin, 2014; Hauck et al., 2006; Parker, Tupling, & Brown, 1979). Os vínculos parentais tem influência sobre aspectos positivos e negativos da saúde mental, assim como a personalidade ( Enns, Cox, & Larsen, 2000). Este é um ponto importante para a discussão que se pretende fazer aqui sobre os fatores que diferenciam os tipos de perfeccionismo Tendo em conta as influências da personalidade e dos vínculos parentais sobre diversos desfechos ligados a aspectos mais globais da saúde mental e considerando o exposto nos parágrafos anteriores, o objetivo principal do presente trabalho foi explorar, por meio de um estudo 18 transversal e descritivo, as relações existentes entre as dimensões de perfeccionismo, conforme propostas pelo modelo trifatorial de Slaney, os traços de personalidade e os vínculos parentais. Para tanto, esta dissertação está dividida em 9 capítulos: no primeiro encontra-se a apresentação do tema e do problema de pesquisa; no segundo estão compilados os objetivos da pesquisa; no terceiro, segue-se a revisão teórica sobre a evolução do conceito perfeccionismo, seus modelos, relações com a personalidade e relações com vínculos parentais. Seguindo, no quarto capítulo foram levantadas as hipóteses baseadas na revisão de literatura. O quinto capítulo destina- se à descrição do método da pesquisa, incluindo amostra, procedimento, instrumentos utilizados e análise de dados. No sexto capítulo, encontra-se apresentação dos resultados. No sétimo capítulo, tem-se a discussão e conclusão dos achados da pesquisa. No oitavo capítulo a conclusão do estudo, suas implicações e limitação foram apresentadas. Nos capítulos que se seguem (9, 10 e 11) estão contidas as referências bibliográficas utilizadas por este estudo, os anexos e apêndices pertinentes à pesquisa. 19 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral: Verificar as associações entre o perfeccionismo, os traços de personalidade e os vínculos parentais. 2.2 Objetivos Específicos: • Explorar as associações entre os componentes do modelo trifatorial de perfeccionismo, a saber padrões, ordem e discrepância, com cada um dos cinco traços de personalidade, propostos pelo modelo dos cinco fatores; • Verificar o padrão de associações entre os componentes do perfeccionismo e os vínculos parentais de cuidado e controle; • Identificar se os traços de personalidade e as dimensões parentais de cuidado e controle predizem as diferenças individuais em perfeccionismo • Classificar e dividir a amostra com base nos tipos de perfeccionismo, descritos na literatura, e testar diferenças nos traços de personalidade e nos vínculos parentais entre estes tipos. 20 3. REVISÃO DA LITERATURA 3.1 Modelos teóricos de Perfeccionismo As pesquisas sobre o perfeccionismo aumentaram exponencialmente a partir década de 1990 devido à criação de modelos e escalas para avaliação do construto (Flett & Hewitt, 2016). Os modelos do Perfeccionismo podem ser abordados de várias maneiras. Para os propósitos do presente estudo, o perfeccionismo será abordado de acordo com suas definições lexicais (unidimensionais), quanto à sua relação com a saúde e bem-estar e os modelos psicométricos mais usados atualmente. As definições lexicais dizem respeito ao significado atribuído a um termo ou palavra pelo dicionário. As definições agrupadas quanto à saúde dizem respeito às características positivas versus negativas do perfeccionismo e seus impactos na vida dos sujeitos. Por último, as definições psicométricas se relacionam aos modelos que operacionalizaram as escalas de perfeccionismo, sendo que, atualmente é consenso a multidimensionalidade do construto (Flett & Hewitt, 2014). 3.1.2 Definições lexicais e unidimensionais O perfeccionismo pode ser definido como uma exigência exagerada de perfeição em relação a si mesmo ou aos outros (Michaelis, 2016.) Geralmente, essas exigências dizem respeito à imposição exagerada de alto desempenho (Frost et al., 1990). Neste sentido, destacam-se três autores responsáveis por conceituar o perfeccionismo de maneira unidimensional, Burns (1980), Patch (1984) e Hollender (1965). Estas conceituações influenciaram os modelos posteriores e o que o que há em comum entre estas três definições é exatamente a busca por padrões de desempenho elevados (Burns, 1980; Hollender, 1965; Pacht, 1984). 21 Hollender (1965) define o perfeccionismo como a prática de demandar de si mesmo, ou dos outros, maior qualidade nas tarefas do que seria necessário para concluí-las. O autor usa o termo para se referir a como o indivíduo desempenha suas tarefas ou deseja desempenhá-las. Isso coloca o foco do estudo do perfeccionismo sobre as expectativas pessoais. Assim, embora o perfeccionista possa gerar produtos valiosos de seu desempenho, com frequência se vê incapaz de aproveitar os resultados de seu esforço. Hollender associa o perfeccionismo a diversas vulnerabilidades, incluindo propensão à depressão. Para o autor, a combinação de sucessivas falhas poderia levar ao desenvolvimento dessa psicopatologia em perfeccionistas (Hollender, 1965). Assim, o perfeccionismo apresenta relações complexas com outras características individuais e isso predispões alguns indivíduos a mais sofrimento que outros. A definição de Hollender continua a ser citada como base para vários autores que destacam os aspectos negativos do perfeccionismo (ex. Shafran, Cooper, & Fairburn, 2003). Porém, limita-se ao assumir apenas os aspectos patológicos do perfeccionismo partindo de uma perspectiva psicodinâmica. Burns (1980), por sua vez, também conceitua o perfeccionismo como uma característicanegativa e destaca sua distinção da busca por excelência. Para ele, os perfeccionistas avaliam a si mesmos quanto ao seu valor baseados em padrões de desempenho irracionais. Estes padrões geralmente são inflexíveis e impossíveis de alcançar. Assim, situa o perfeccionismo como um construto unidimensional, negativo e passível de tratamento. Quanto à personalidade, apenas aponta de maneira mais geral que os perfeccionistas têm a tendência a temer mais a reprovação exterior e apresentam maior vulnerabilidade emocional. Blatt (1985) acrescenta que entre estas vulnerabilidades está o risco de tentativas de suicídio mesmo entre sujeitos considerados bem- sucedidos. 22 Patch (1984) considera o perfeccionismo em si como uma patologia e corrobora a ideia de Burns (1980). Desta forma, indica que os perfeccionistas mantêm padrões tão altos que se tornam impossíveis de alcançar. Ambos os autores trabalham com o perfeccionismo de uma perspectiva clínica, ou seja, situam o perfeccionismo como uma característica psicopatológica, estando presente ou ausente, e se associando a indicadores de saúde mental. Recentemente esta perspectiva levou Shafran (2015) a formular o conceito de perfeccionismo clínico, ou seja, a autoimposição de padrões de desempenho muito altos acompanhados de avaliação negativa da performance e uma série de distorções cognitivas inicialmente introduzidas pelas definições de Burns e Patch. Estas distorções são compostas basicamente por pensamentos do tipo tudo-ou-nada e pelas crenças de que seu valor depende de seu desempenho (Shafran, Cooper, & Fairburn, 2002). Isto faz com que a autoestima dos indivíduos perfeccionistas seja contingente ao seu desempenho. Embora estas definições ajudem a entender o perfeccionismo, vários estudos têm corroborado a validade de modelos multidimensionais mais abrangentes, tais como aqueles propostos por Hewitt (1991), Frost (1990) e Slaney (1996, 2002). 3.1.3 Definições Multidimensionais As definições multidimensionais do perfeccionismo permitem descrever com mais acurácia os vários aspectos desse construto. Por exemplo, Hamachek(1978) definiu dois polos do perfeccionismo, “normal” e “neurótico” . Para o autor, o perfeccionismo normal diz respeito ao estabelecimento e busca por padrões de desempenho elevados. Contudo, na ausência de possibilidade de alcançar esses padrões de desempenho, os indivíduos têm flexibilidade para remanejar suas metas. Esses indivíduos conseguem aproveitar e ter prazer com suas conquistas. Ao contrário, os perfeccionistas “neuróticos” não conseguem ajustar adequadamente suas metas e nem obtém satisfação nas tarefas iniciadas. Eles estão sempre aquém dos seus ideais e 23 experimentam facilmente emoções negativas e senso de fracasso (Patch, 1984; Rudolph, Flett, & Hewitt, 2007). Assim, desde as primeiras definições, é possível perceber a ligação entre o perfeccionismo e desfechos negativos como ansiedade, depressão e outras características psicopatológicas (Burns,1980). Embora Hamachek escreva a partir de uma perspectiva psicodinâmica, suas sugestões foram utilizadas em diversos estudos posteriores (ex. Slaney, Rice, Mobley, Trippi, & Ashby, 2001; Stoeber et al., 2006; Terry-Short, Owens, Slade, & Dewey, 1995). Considerando essa multidimensionalidade, os modelos atuais que se destacam são o Modelo Multidimensional de Hewitt (MPS-H) (1991), Modelo Multidimensional de Frost (1990) (MPS-F) e o Modelo Trifatorial de Slaney (APS-R) (1992/2001). O primeiro aborda aspectos pessoais e interpessoais do perfeccionismo, o segundo aponta aspectos ligados ao seu desenvolvimento e o terceiro é baseado na dicotomia de aspectos positivos e negativos do construto. Dentre as escalas de perfeccionismo criadas na década de 1990, a primeira delas foi proposta pelo grupo de pesquisa composto por Frost, Marten, Lahart e Rosenblate (1990). O modelo de Frost e colaboradores é composto pelas dimensões de Padrões Pessoais (PP), Preocupação com Falhas (PF), Dúvidas sobre as Ações (DA), Organização (O), Críticas Parentais (CP) e Expectativas Parentais (EP). Desde de sua publicação, este modelo tem sido bastante usado na literatura (Flett & Hewitt, 2016). A dimensão PF reflete a tendência a interpretar os erros como fracasso aliado à crença de que se perderia o respeito alheio. Por sua vez, PP reflete o estabelecimento de padrões e metas muito altos os quais são ativamente referenciados para auto avaliação que o indivíduo faz. As críticas e expectativas parentais relacionam-se com a ideia de que as figuras parentais foram ou continuam sendo extremamente críticas com o desempenho do indivíduo, enquanto que as expectativas se referem ao estabelecimento de padrões e aspirações 24 muito altas voltadas para o indivíduo. A dimensão DA tem forte relação com o transtorno obsessivo-compulsivo e reflete a tendência de o indivíduo duvidar de sua capacidade em concluir alguma tarefa de maneira correta. A dimensão de organização captura a tendência individual a ser organizado e preferir que as coisas tenham sua ordem determinada. Para Frost e colaboradores (1990), essas dimensões são os componentes centrais do perfeccionismo e, assim, a partir delas, é possível pesquisar e relacionar o construto de uma maneira mais ampla a diversos desfechos. Outro modelo que tem contribuído para o avanço das pesquisas sobre o perfeccionismo é o Modelo Multidimensional proposto por Hewitt, Flett, Turnbull-Donovan e Mikail (1991). Neste modelo, a análise do perfeccionismo se dá em três fatores distintos. O primeiro é o Perfeccionismo auto orientado (PAO), ou seja, o indivíduo traça padrões e metas excessivamente altos para si e é bastante crítico com seu próprio desempenho. A segunda dimensão é o Perfeccionismo Orientado para os Outros (POO) no qual o indivíduo é crítico e duro com seus pares e em seus relacionamentos, exigindo que os outros tracem e alcancem padrões de desempenho que considere elevado. Numa terceira dimensão está o Perfeccionismo Prescrito Socialmente (PPS). Os perfeccionistas que obtém maior escore nesta subescala tendem a acreditar que os outros demandam deles nada menos do que um desempenho superior e tomam isto como condição para o seu próprio valor. Esta faceta está bastante relacionada aos sintomas depressivos, ansiosos e também aos fatores de personalidade ligados à instabilidade emocional, tais como Neuroticismo (Hewitt & Flett, 1991). Pode-se notar a complementaridade dos modelos citados nos parágrafos acima. Estudos utilizando estes modelos testaram a hipótese da existência de dimensões mais gerais e ortogonais de perfeccionismo adaptativo e desadaptativo, dualidade já apontada por Hamacek(1978).Stumpf e Parker (2000) analisaram a estrutura hierárquica do modelo de perfeccionismo proposto por Frost 25 e colaboradores (1990). Estes autores obtiveram dois fatores os quais denominaram Saudáveis e Não-saudáveis do perfeccionismo. Além disso, procuraram seguir o estudo de Stoeber (1998) onde a Escala multidimensional de perfeccionismo baseada no modelo de Frost (MPS-F) foi reduzida a quatro fatores empíricos. Esta redução foi obtida unindo as escalas de dúvidas sobre ações e preocupação com falhas em um único fator e críticas parentais e expectativas parentais em outro. Estes fatores condensados compuseram o fator Não-saudável do perfeccionismo. Por outro lado, padrões pessoais e organização, compuseram o fator denominado saudável. Mesmo que originalmente os autores da MPS-F não tenham desenhado a escala para capturar aspectos positivos e negativos do perfeccionismo, achados como estes corroboram a hipótese do perfeccionismo saudável versus não saudável proposta inicialmente por Hamachek (1978). Além deste estudo, Bieling, Israeli e Antony (2004) analisaram as duas escalas MPS-H e MPS-F em conjunto por meio de análise fatorial confirmatória em uma amostra deestudantes. Os resultados indicaram uma estrutura bidimensional e ortogonal. Os autores nomearam estes dois fatores de Preocupações Avaliativas (Evaluative Concersns) e Esforço Perfeccionista (Perfectionistic Strivings). O primeiro composto pelas dimensões de PP, PAO e Organização, enquanto o segundo composto pelas demais dimensões. As dimensões desadaptativas representadas pelas escalas têm se relacionado às características de personalidade e sintomas psiquiátricos de maneira distinta das dimensões positivas (Egan, Piek, & Dyck, 2015a; Hewitt, Flett, & Blankstein, 1991; Stoeber et al., 2006). Vários autores destacaram a relação do perfeccionismo desadaptativo com sintomas depressivos, ansiosos, bulimia, anorexia (Ulu, Tezer, & Slaney, 2012). Por outro lado, autoestima, auto eficácia e percepção positiva de si mesmo aparecem ligadas ao polo positivo do perfeccionismo (Bieling, Israeli, & Antony, 2004b). Desta maneira, as dimensões das escalas criadas para medir o construto localizam-se de maneira diferentes entre os polos positivos e 26 negativos do construto. Pode-se esperar que as dimensões contidas no polo positivo se relacionem de maneira mais intensa com aspectos adaptativos da personalidade, enquanto os polos negativos com fatores de risco para transtornos afetivos e ansiosos. Levando em conta as evidências acerca da dualidade do perfeccionismo, Slaney et. al (1996) criaram a Almost Perfect Scale. Esta escala foi desenhada primariamente para medir os aspectos desadaptativos do perfeccionismo, assim como as demais escalas criadas anteriormente. Contudo, em 2006, uma revisão teórica levou a modificações na primeira versão do modelo de Slaney (1996). Esta revisão adequou o modelo estabelecendo duas dimensões adaptativas e uma dimensão desadaptativa. O estudo desenvolvido e apresentado nesta dissertação está embasado neste modelo. 3.1.4 Modelo Trifatorial de Slaney Em 1996, foi criada a primeira versão da Almost Perfect Scale. Esta escala foi fruto da proposição de um modelo multidimensional de perfeccionismo que influenciava desfechos clínicos. O desenvolvimento da escala foi feito por um grupo de pesquisa da Universidade da Pensilvânia liderado por Robert Slaney com o intuito de avaliar e monitorar os efeitos do perfeccionismo sobre os pacientes de psicoterapia. A primeira versão da escala foi resultado da revisão da literatura disponível até a época. Esta revisão operacionalizou a criação de uma medida com as dimensões de Padrões, Ordem, Ansiedade, Relações Interpessoais, Relação Terapêutica e Procrastinação. Contudo, embora a escala apresentasse propriedades psicométricas adequadas, nenhuma das pesquisa conduzidas pelos criadores demonstraram que de fato ansiedade e procrastinação eram componentes centrais do perfeccionismo (Slaney, Rice, & Ashby, 2002). 27 A dimensão de padrões, baseada nas definições lexicais do perfeccionismo, media os aspectos positivos do construto. As demais dimensões não avaliavam os aspectos negativos como esperado. A solução foi a revisão da escala de perfeccionismo e a criação de um fator que considerasse adequadamente os aspectos desadaptativos do construto. Assim, em 2001, houve a inclusão de uma nova dimensão revisada pelos pesquisadores. A dimensão discrepância foi inserida para representar as diferenças entre o alto padrão estabelecido e a avaliação do sucesso em tê-los alcançado. Desta maneira, reduziu-se a o modelo inicial para três dimensões, o qual foi operacionalizado através da versão revisada da Almost Perfect Scale-Revised (Slaney et al., 2002; Slaney et al., 2001). A dimensão de padrões diz respeito à tendência ao estabelecimento de padrões de desempenho considerados elevados. A dimensão de ordem diz respeito à preferência por ordem, asseio e manter-se organizado e, como citado, a dimensão discrepância foi criada com a intenção de representar as diferenças entre os padrões estabelecidos e a percepção que os indivíduos têm de seu desempenho. As dimensões criadas para a revisão da APS-R procuram classificar adequadamente indivíduos como perfeccionistas adaptativos (altos padrões, ordem e baixa discrepância), não adaptativos (alta discrepância) e não perfeccionistas (baixos padrões e baixa discrepância) através da análise das pontuações dos indivíduos em cada uma das dimensões da escala criada (Kenneth,Rice & Ashby, 2007; Slaney, Rice, Mobley, Trippi, & Ashby, 2001). No estudo de revisão da APS-R, Slaney, Rice, Mobley, Trippi e Ashby (2001) investigaram os fatores teóricos em 809 graduandos em um estudo multicêntrico. Dos 38 itens criados a partir de entrevistas clínicas com perfeccionistas e revisão teórica, 23 foram retidos. Esta escolha se deu após os resultados da análise fatorial exploratória e confirmatória. Avançando, o modelo teórico de três fatores contendo os 23 itens apresentou bons índices de ajuste [X² (227, N=204) =459.22, 28 p <0,05; SRMR= 0,08; RMSEA=0,07; CFI=0,90]. Os autores também testaram as hipóteses da relação do perfeccionismo com desfechos positivos e negativos. A correlações entre a média da nota geral dos estudantes com a dimensões de padrões (r=0,42), ordem (0,03) e discrepância (r=- 0,18) foram todas significativas, embora nos dois últimos casos, de baixíssima magnitude. Ou seja, estudantes com padrões de desempenho superiores mantiveram notas mais elevadas do que os demais. Enquanto isso, as relações com indicadores de autoestima indicaram que estudantes com maior discrepância apresentaram menor autoestima (r=-0,35). Este estudo corroborou as perspectivas apresentadas sobre os fatores adaptativos e desadaptativos do perfeccionismo. Embora coerente com a literatura, faltava ao modelo ter sua estrutura testada além das amostras majoritariamente compostas por estudantes americanos brancos. Mobley, Slaney e Rice (2005) assinalaram que a maioria dos estudos sobre a estrutura do perfeccionismo havia sido engendrada neste grupo, deixando dúvidas sobre a generalização dos resultados. Assim, para complementar o estudo de validade da APS-R e do modelo trifatorial foi verificada a estrutura da escala além da amostra inicial (Mobley, Slaney & Rice, 2005). A validade cultural foi verificada entre 251 estudantes afro-americanos (173 mulheres e 77 homens) com idade média de 19 anos. Por meio de análises fatoriais confirmatória, o modelo original de três fatores obteve bons índices de ajustes em relação às pesquisas anteriores (X²=379,82 df= 227 RMSEA= 0,05 GFI=0,88; CFI= 0,96). Nos estudos de invariância estrutural entre os grupos, foi usada uma amostra anterior de estudantes americanos (n=314). Esta amostra comparativa foi retirada pelos autores do estudo de Byrne (1998). Os resultados indicaram invariância estrutural na comparação dos modelos entre as amostras. Contudo, foram encontradas diferenças no modo como os construtos se relacionam entre os grupos. No grupo afro americano, as correlações entre discrepância, padrões e ordem foram de direção negativa, enquanto ordem e padrões correlacionam-se positivamente. Já na amostra 29 americana branca, discrepância, padrões e ordem se correlacionam de maneira positiva. Os autores indicam que as diferenças entre os construtos que compões a APSR entre as amostras pode ser devido a diferenças culturais. Tal achado não invalida a estrutura da escala, mas alerta para as peculiaridades com que o perfeccionismo pode se manifestar em diferentes amostras da população, apontando a necessidade de realizar estudos acerca da estrutura e desenvolvimento do perfeccionismo em países e grupos culturais distintos. Outra diferença encontrada em estudos culturais sobre a estrutura interna da escala pode ser vista em Aydin (2013). A autora testou a validade transcultural da APSR entre estudantes norte- americanos (n=300) e estudantes de uma universidade da Turquia (n=300). Elencou analisar apenas asdimensões de discrepância e padrões. Nos resultados, esta última dimensão foi mantida como na escala original enquanto os itens referentes à discrepância agruparam-se em duas dimensões. Discrepância e Insatisfação. Assim, discrepância estaria relacionada à avaliação do desempenho e insatisfação estaria associada a fatores emocionais, tais como se sentir aquém do esperado. Aydin atribuiu a emergência do novo fator à percepção dos jovens turcos sobre as fontes de insatisfação e discrepância serem externas (econômicas, culturais e sociais) ao invés de referirem-se exclusivamente ao desempenho pessoal. Apesar dos resultados serem interessantes, não houve a tentativa de comparação entre modelos que sustentasse a criação de um novo fator, nem tampouco foram descritos os parâmetros para retenção dos fatores utilizados no estudo. Usualmente indaga-se sobre o valor de sem manter ordem e organização como uma dimensão do perfeccionismo (Shafran, 2001). Kim, Chen, MacCann, Karlov e Kleitman (2015) testaram modelos estruturais da escala e indicaram a necessidade de o fator ordem ser mantido como independente dos demais. O modelo com melhor ajuste propunha um fator de Esforço positivo, composto por Padrões Pessoais (MPSF-Frost) e Padrões (APS-R) equivalente ao 30 perfeccionismo adaptativo, um fator Preocupações Perfeccionistas, composto por Discrepância (APS-R), Preocupação com falhas e Dúvidas sobre Ações (MPS-F) e o fator latente Ordem. O último fator foi mantido baseado em dois argumentos: primeiro, o modelo foi o que o que melhor se ajustou aos dados e, segundo, embora haja correlação entre Ordem e Esforço positivo, o padrão de relação com outros construtos é empiricamente distinto. Por sua vez, na América latina, o modelo proposto por Slaney teve seu primeiro estudo realizado na Argentina. Arana, Keegan e Rutsztein (2009) adaptaram a APS-R em uma amostra composta por 268 estudantes universitários, donde 80,5% eram do sexo feminino e 19,5% do sexo masculino. Nos resultados, todos os 23 itens traduzidos para o espanhol mostraram índices de correlação item-total adequados quando as subescalas são utilizadas separadamente. Ademais, a análise de componentes principais, mostrou carregamento adequado dos itens no fator teórico que o embasava. Apesar dos dados serem reduzidos a quatro componentes principais, foi possível descartar o quarto componente por meio da prova dos autovalores e ponto de inflexão. É importante ressaltar que os itens 5, 12 e 18 apresentaram cargas fatoriais ambíguas em mais de um fator, sendo que os itens 5 e 18 carregaram em padrões e ordem, enquanto o item 12 carregou em discrepância e padrões. Todos estes itens pertenciam à escala de padrões. Assim, os autores chamaram a atenção para representação do construto em sua amostra. Contudo, os itens foram retidos por aumentarem a explicação da variância nos fatores em que deveriam carregar. Além disso sua eliminação diminuiu consideravelmente a consistência interna das escalas. Este foi um dos primeiros estudos de adaptação cultural da escala para outro contexto e idioma. Porém, uma limitação importante é a carência do teste da estrutura latente da escala e sua comparação com a teoria por trás do instrumento. 31 Atualmente (desde 2016), no Brasil, a Almost Perfect Scale-Revised está em fase de adaptação. O trabalho faz parte de uma pesquisa multicêntrica entre o Laboratório de Pesquisa e Intervenção em Terapia Cognitiva Comportamental (LAPICC/USP-RP) e o Laboratório de Avaliação e Intervenção na Saúde (LAVIS/UFMG). A primeira versão do instrumento adaptado para o português brasileiro já conta com evidências de validade e propriedades psicométricas (Soares, Carvalho, Keegan, Neufeld & Mansur-Alves, manuscrito submetido). Em suma, independente da escala utilizada os modelos do perfeccionismo vêm apresentando algo em comum, é possível extrair polos positivos e polos negativos de todos eles. Isto auxilia na pesquisa do construto e na comparação de resultados mesmo quando outras medidas e arranjos entre as medidas são usados de maneiras diversas (Stoeber, 2018). Estas dimensões apresentam relações estreitas com aspectos adaptativos e desadaptativos da personalidade diferenciando-se entre si e impactando de diferentes maneiras os indivíduos perfeccionistas. Na Figura 1 é possível verificar os componentes do perfeccionismo e suas relações com as dimensões adaptativas e desadaptativas, segundo os modelos citados nesta seção. 32 Embora existam dúvidas sobre a invariância do modelo estrutural entre as amostras, as versões da APSR apresentam resultados psicométricos satisfatórios. A teorização e revisão do modelo proposto pela escala segue uma longa tradição de autores que indicam aspectos positivos e negativos do perfeccionismo (Ex. Hamachek, 1979). Padrões, ordem e discrepância possuem correlação com diferentes desfechos. Estes desfechos indicam tanto pontos positivos, como por exemplo, satisfação, realização, quanto aspectos negativos ligados ao perfeccionismo. Mesmo sendo explícita a importância do construto ainda não há estudos nacionais que testem estrutura do perfeccionismo, sua relação com a personalidade, indicadores de saúde mental e seu desenvolvimento em amostras brasileiras. Figura 1- Esquema ilustrativo das dimensões do perfeccionismo e sua classificação como adaptativas e desadaptativas. 33 3.2 Perfeccionismo e Traços de Personalidade A personalidade pode ser entendida, a partir das perspectivas de traço, como um sistema em que tendências inatas (os traços) interagem com influências ambientais de maior ou menor especificidade na construção de ações e experiências individuais únicas (McCrae,2006). Sendo assim, para os estudos de personalidade, partindo da perspectiva das diferenças individuais, estas tendências inatas podem ser consideradas traços básicos que descrevem o modo de ser, agir e sentir dos indivíduos e se apresentam em um contínuo de características (McCrae & Costa 1982). Os traços são diferenças individuais relativamente duradouras e estáveis ao longo do tempo (John & Pervin, 2008). Atualmente, há relativo consenso sobre a estrutura, continuidade e coesão da personalidade durante as várias fases de vida do indivíduo (Roberts & Caspi, 2012). A taxonomia geral de personalidade mais consensual na atualidade é descrita a partir de um modelo penta fatorial conhecido como “Big Five” ou “Five Factor Model” (Goldberg, 1992; McCrae & Costa, 1997; 2008). Deste modo, as características que diferenciam os indivíduos podem ser reduzidas a cinco dimensões mais gerais. Os componentes principais da personalidade no modelo penta fatorial são Neuroticismo, Extroversão, Abertura, Amabilidade e Conscienciosidade. A dimensão Neuroticismo relaciona-se com a estabilidade emocional. Indivíduos com neuroticismo elevado têm propensão a experimentar sentimentos considerados negativos, tais como medo, raiva, tristeza, vergonha culpa e nojo. Assim, o indivíduo é propício a experimentar estresse psicológico (McCrae & Costa, 2003). Altos índices de Neuroticismo são associados à propensão a psicopatologia e menor bem-estar pessoal (Lahey, 2009). Por outro lado, pessoas com num nível baixo de Neuroticismo tendem a ser tranquilas, resilientes diante de situações mais estressantes, ou seja, mais emocionalmente estáveis. 34 A Extroversão associa-se com a sociabilidade do indivíduo e propensão a experimentar emoções positivas. Esta dimensão relaciona-se de maneira consistente com afetos positivos. Isto é, propensão a experimentar alegria, busca por sensações e interações sociais. Ademais, indivíduos extrovertidos podem apresentar alto nível de energia e assertividade, isto faz com que com regularidade se tornem indivíduos dominantes. Contudo, níveis extremamente altos desse traço estão associados à impulsividade. Por outrolado, pessoas introvertidas preferem se expor menos às situações sociais. Assim, a introversão deve ser vista como ausência de Extroversão, não seu oposto (McCrae & Costa 1998,2006). A dimensão denominada Abertura à experiência se relaciona estritamente com a curiosidade intelectual, sensibilidade estética e tendência a experimentar sensações e valores distintos. Pessoas com alta Abertura tendem a rever com mais facilidade seus valores. Abertura à experiência predispõe os indivíduos a maior tolerância à ambiguidade e situações pouco conhecidas. Ao contrário, indivíduos com baixa Abertura tendem a ser menos flexíveis, mais objetivos e aderir melhor às rotinas. Contudo, McCrae e Costa (1997) asseveram que a abertura à experiência deve ser considerada “(...)na amplitude, profundidade e permeabilidade da consciência, e na necessidade recorrente de ampliar e examinar a experiência (p. 825)”. O quarto fator, amabilidade, se define em termos da orientação individual que vai do contínuo de extrema compaixão ao antagonismo (Pervin & John, 2004). Isto é, indivíduos com alta Amabilidade tendem a ser altruístas, confiar nos outros e se sensibilizarem facilmente com a situação de seus pares (McCrae & Costa, 2003). Ao contrário, indivíduos antagonistas demonstram menos simpatia, cooperação e consideração com os outros. Porém, em situações de competição alta Amabilidade pode ser prejudicial. Esta dimensão, junto à Extroversão é a mais ligada ao ajuste 35 social, sendo capaz de predizer o sucesso em relacionamentos e resolução conflitos interpessoais (Jensen‐Campbell & Graziano, 2001; Costa & McCrae, 2006). O fator Conscienciosidade relaciona-se aos comportamentos voltados aos objetivos, expressão de organização, deliberação, controle de impulsos e meticulosidade (Pervin & John, 2004). Este autocontrole se expressa no planejamento deliberado de ações para alcançar um objetivo. Indivíduos com baixa Conscienciosidade tendem a ser impulsivos, desorganizados e expressar dificuldade em aderir a regras. Por outro lado, pessoas extremamente conscienciosas podem ter dificuldade em relativizar suas metas. Este fator tem predito satisfatoriamente o desempenho acadêmico, sucesso no trabalho, longevidade (Terracciano, Löckenhoff, Zonderman, Ferrucci, & Costa, 2008). Estes componentes da personalidade possuem poder preditivo de desfechos em várias esferas da vida. As revisões de Ozer, Benet e Martínez (2006) e de Roberts et al (2007) indicam desfechos do tipo individual (ex. felicidade, bem-estar, psicopatologias), interpessoal (ex. satisfação nos relacionamentos) e social (atitudes e valores políticos, envolvimento social). Ademais, mesmo sendo um modelo da personalidade normal, considera-se que os transtornos são o extremo quantitativo dos mesmos fatores ambientais ou genéticos que contribuem para variação normal da personalidade normal (Plomin et al., 2016). Assim, devido à abrangência do construto e dos instrumentos de personalidade, estas medidas são muito utilizadas para testagem da rede nomológica de outros construtos. Podemos entender o processo pelo qual os traços de personalidade influenciam outras características e o comportamento por meio de três mecanismos: influência direta, mediação e moderação. Hampson (2012) define como influência direta as associações entre um traço e um desfecho nas quais não há especificação de variáveis intervenientes (ex. Neuroticismo e 36 dificuldades interpessoais). Os efeitos de moderação são os processos pelos quais os traços afetam a associação entre alguma característica e um desfecho, por exemplo, a associação entre socialização e felicidade podem depender do nível de Extroversão. Já os efeitos de mediação são aqueles em que as associações entre um traço e o desfecho é moderado por outra diferença individual, por exemplo, a associação entre perfeccionismo e depressão pode ser mediada pelos níveis de autoestima ( Rice, Ashby, & Slaney, 1998). Estes exemplos ilustram a complexidade das relações entre traços de personalidade e outros construtos, assim como ressaltam a importância de investigar como os traços estão associados a outros aspectos da personalidade humana. Especificamente no que se refere ao perfeccionismo, embora haja relativo consenso quanto aos seus principais componentes e estrutura interna, pouco se sabe acerca do seu papel na estruturação da personalidade como um todo. Os primeiros estudos têm buscado investigar como se dão as associações entre os traços de personalidade (componentes mais básicos e com maior influência de fatores biológicos) e as dimensões componentes do perfeccionismo. Dois fatores da personalidade têm sido associados consistentemente a diferentes componentes do perfeccionismo. Por exemplo, o Neuroticismo se associa de maneira moderada às dimensões desadaptativas do perfeccionismo (ex. Preocupações perfeccionistas) (Egan et al., 2015; Rice, Ashby, & Slaney, 2007). Por outro lado, Conscienciosidade tem associações positivas com facetas do perfeccionismo como ordem, padrões pessoais e as dimensões adaptativas já nomeadas como “Esforço Perfeccionista”( Hill, Hall, & Appleton, 2012). As associações entre Conscienciosidade e perfeccionismo adaptativo são tão consistentes que se discute na literatura sua sobreposição. Hill et al. (2012) pesquisaram as semelhanças entre os alto-padrões perfeccionistas e a tendência pessoal de aspirar e buscar um alto nível de realizações. Embora os fatores tenham apresentado alta sobreposição (0,70) e relação semelhante com medidas como autocrítica, os índices de ajuste 37 de um modelo único contendo as duas dimensões se mostrou menos adequado que um modelo diferenciando as duas variáveis latentes. Isto indica a relação do perfeccionismo com este fator de personalidade, mas também cria evidências a favor da separação dos dois construtos. As dimensões do perfeccionismo descritas pela MPS-H foram associadas ao grau de Neuroticismo tanto em amostras de estudantes quanto em amostras psiquiátricas(Hewitt et al., 1991). O Perfeccionismo Prescrito Socialmente (PPS) associou-se positivamente e significativamente (p<0,05) ao maior nível de Neuroticismo independente da amostra ou sexo (estudantes r= 0,37 e pacientes r= 0,24). Mesmo este estudo sendo um dos primeiros a associar o perfeccionismo aos fatores de personalidade, pesquisas posteriores confirmaram a relação entre perfeccionismo e Neuroticismo. Outros autores encontraram relações parecidas e até mais fortes entre os traços (Dunkley, Mandel, & Ma, 2014). Hill, McIntire e Bacharach, (1997) relataram que, dos traços de personalidade, apenas Neuroticismo era preditor estatisticamente significativo do perfeccionismo prescrito socialmente. Em relação às características que compõe o Neuroticismo, os autores encontraram relações positivas e estatisticamente significativas entre as facetas de raiva e hostilidade (r=0,21), depressão(r=0,31), embaraço/constrangimento (r=0,22) e vulnerabilidade em relação ao perfeccionismo PPS , enquanto ansiedade e depressão foram associadas de maneira positiva ao Perfeccionismo Orientado para os Outros (r=0,14). Mais recentemente, De Cuyper, Claes, Hermans, Pieters, e Smits, (2015) utilizando o modelo de Hewitt, relataram associações semelhantes entre o Neuroticismo e a dimensão de perfeccionismo socialmente prescrito e a relação do Perfeccionismo autorientado e a Conscienciosidade. Os autores apresentaram estes resultados como evidências para diferenciação entre um perfeccionismo adaptativo (auto orientado) e negativo (socialmente prescrito). Já no modelo de Frost (F-MPS), Neuroticismo apareceu associado positivamente às preocupações com erros (r=0,30) e dúvidas sobre ações 38 (r=0,42) enquanto Conscienciosidade relaciona-se a padrões pessoais (r=0,36) e organização(r=0,54), todas correlações significativas no nível de p<0,05 (Stumpf& Parker, 2000). Desta forma, aspectos mais ligados à adaptabilidade do perfeccionismo associam-se à Conscienciosidade enquanto aspectos desadaptativos associam-se ao Neuroticismo (Dunkley, Blankstein, Masheb, & Grilo, 2006; Egan et al., 2015; Murray W Enns, Cox, Sareen, & Freeman, 2001; Stumpf & Parker, 2000). Quanto às dimensões do perfeccionismo definidas no modelo de Slaney, a discrepância apresenta padrões de associação moderada com Neuroticismo, enquanto ordem e padrões com Conscienciosidade (Rice, Ashby, & Slaney, 2007). Estas associações são as mesmas encontradas nos modelos de perfeccionismo positivo e negativo. Assim, aqueles que possuem menor estabilidade emocional estão mais propensos a apresentar os sinais negativos do perfeccionismo. Além das associações com o Neuroticismo, o padrão de correlações entre Conscienciosidade e Padrões também é moderado e ficam entre 0,39 e 0,48. Isto significa que indivíduos que possuem altos padrões tendem a traçar suas metas deliberadamente e empreender esforço para alcançá-las. Os padrões de associação entre perfeccionismo e personalidade se assemelham mesmo com o uso de diferentes escalas. Por exemplo, a dimensão e Padrões Pessoais (MPS-F), Perfeccionismo Auto orientado (MPS-H) e Padrões (APS-R) todos apresentam relações com a Conscienciosidade em diversos estudos ( Hill et al., 1997; Rice et al., 2007; Stumpf & Parker, 2000). De maneira complementar, nos estudos disponíveis sobre associações entre as dimensões da APS-R e Big Five, alguns assinalam a relação negativa entre Conscienciosidade e discrepância. A seguir, é apresentada uma tabela contendo um resumo das correlações entre as dimensões do perfeccionismo e fatores da personalidade. Para isso foram feitas buscas contendo os descritores Perfect*; Personality; Neuroticism; Cosncientiouness; Extraversion; Openness; Agreableness nas 39 babes de dados Scopus, PsycINFO e ScienceDirect. Foram selecionados somente os artigos que ultilizaram o nometo tri fatorial do perfeccionismo e que continham correlações com fatores de personalidade. Em negrito, na Tabela 1, estão destacadas as correlações encontradas entre as dimensões do perfeccionismo utilizadas para este estudo (P,D e O) e os traços de personalidade do modelo dos cinco grandes fatores. Os demais fatores da personalidade apresentam padrões de relações diferentes entre os estudos pesquisados. A Extroversão, Abertura e Amabilidade tendem a associar-se a aspectos positivos do perfeccionismo (Dunkley, Blankstein, Masheb, & Grilo, 2006; Hill, McIntire, & Bacharach, 1997; Rice, Ashby, & Slaney, 2007). Por exemplo, Rice, Ashby e Slaney (2007) Correlações significativas entre as dimenções do perfeccionismo e fatores da personalidade Autor Ano Padrões . 0,23 e 0,14 0,37 0,14 0,46 e 0,48 Discrepância 0,59 e 0,65 -0,32 e 0,16 . . -0,22 e -0,33 Ordem . . . . 0,55 P. AutoOrientado 0,16 . . . 0,42 P. Orientado aos Outros . . . -0,20 0,17 P. Prescrito Socialmente 0,40 . . . . Preocupação com falhas 0,51 . . -0,18 -0,18 Padrões Pessoais . . . 0,39 Expectativas Parentais 0,12 . . . . Criticismo Parental 0,36 . . -0,33 . Dúvidas sobre as ações 0,59 -0,28 . . -0,34 Organização . . . . 0,60 Padrões . 0,19 0,32 . 0,41 Discrepância 0,40 -0,16 . . . Padrões . . . . 0,46 Discrepância . . . . -0,31 Padrões . . . . 0,39 Discrepância 0,51 . . . -0,21 *Avaliação em duas amostras diferentes ConscienciosidadeDimensão Neuroticismo Extroversão Abertura Amabilidade 2017Suh, Gnilka, & Rice Rice, Ashby e Slaney* 2007 Ulu e Tezer 2010 2015 Ozbilir, Day, & Catano Tabela 1- Revisão das correlações bivariadas entre os componentes do perfeccionismo e traços de personalidade 40 encontraram associações significativas e positivas entre Abertura e Padrões. De fato, neste estudo as médias de pontuação no nível de Extroversão e Abertura entre perfeccionistas adaptativos e desadaptativos foram significativamente diferentes. Dunkley e colaboradores (2006) indicaram que a Extroversão estabelece uma relação inversa com as dimensões autocríticas do perfeccionismo. Em uma amostra de 475 estudantes com média de 20 anos de idade, testaram as associações entre o perfeccionismo positivo (altos padrões), o perfeccionismo negativo (perfeccionismo socialmente prescrito) e os fatores de personalidade. O perfeccionismo negativo, para além do Neuroticismo, associou-se a menores níveis de Extroversão. Assim, nesta amostra, os indivíduos com maior assertividade e tendência a experimentar emoções positivas apresentaram menor nível nas dimensões negativas do perfeccionismo (Rice et al., 2007). Contudo, diferente do Neuroticismo e Conscienciosidade, a Extroversão não parece ser um bom preditor do perfeccionismo, pois as análises entre estudos diferentes não revelam consistência de resultados (Hill et al., 1997). A Amabilidade tende a se relacionar aos fatores interpessoais do perfeccionismo assim como a Extroversão. Por exemplo, Hill e colaboradores (1997) indicaram que indivíduos com menor Amabilidade estariam mais propensos a manifestar altas expectativas de desempenho para os outros. Além disso, indivíduos que têm menor Amabilidade seriam mais egoístas e competitivos (Ashton, 2013). Desta maneira, uma explicação plausível proposta por Hill e colaboradores (1997) é que os perfeccionistas estariam demasiadamente voltados para si mesmo e seu desempenho incutindo no risco de serem egoístas. Estas características estariam ligadas a maiores problemas interpessoais. Contudo, nas associações revisadas, há apenas evidências que a Amabilidade tende a se manifestar ao lado de características mais positivas da personalidade, ao contrário dos fatores negativos do perfeccionismo tais como dúvidas sobre ações e preocupação com falhas (Boysan & 41 Kiral, 2016). Por exemplo, dos quatro estudos revisados sobre personalidade, discrepância, ordem e padrões, apenas um relata associações significativas entre padrões e Amabilidade. Neste mesmo estudo, a Amabilidade apresenta uma relação negativa, mas fraca, com perfeccionismo orientado para os outros, críticas parentais e preocupação com falhas ( Rice et al., 2007). A Abertura, relacionada ao nível de curiosidade intelectual, imaginação ativa e experiência de sentimentos, também apresenta padrões de associação inconsistentes com o perfeccionismo. Slaney et al. (2007) encontraram associações marginais entre Abertura e padrões (r=0,37), estes achados foram replicados por Ulu e Tezer (2010). Ambos os estudos foram conduzidos utilizando- se da APSR. Desta maneira foi indicado que indivíduos que tenderam a endossar altos padrões fossem mais curiosos e mentalmente ativos ( Rice et al., 2007). Apesar disto, em outros estudos as associações entre padrões pessoais e Abertura não são significativos (Egan, Piek, & Dyck, 2015b; Stumpf & Parker, 2000). Para além das associações, alguns autores consideram o Neuroticismo e a Conscienciosidade como fatores que influenciam o desenvolvimento do perfeccionismo. No entanto, até a data, existem apenas dois estudos que testaram esta hipótese. O primeiro deles testou modelos etiológicos do perfeccionismo incluindo, vínculos parentais, Neuroticismo e esquemas cognitivos centrais (Maloney et al., 2014). O segundo testou a hipótese de a Conscienciosidade predizer níveis posteriores de perfeccionismo de maneira longitudinal. O primeiro estudo empírico a respeito do desenvolvimento do perfeccionismo baseado em diferenças da personalidade relata que níveis altos de Conscienciosidade predizem acréscimos temporais no perfeccionismo. Neste estudo, testou-se a hipótese de que a Conscienciosidade influencia o desenvolvimento do perfeccionismo orientado a si mesmo enquanto o Neuroticismo participa no desenvolvimento do perfeccionismo socialmente prescrito. Na pesquisa foram 42 avaliados adolescentes com uma média de 16 anosde idade. Estas avaliações ocorreram em dois tempos. Primeiro, no início do ano escolar, e depois no fim do período letivo. Mesmo com o curto espaço de tempo foi possível observar que a Conscienciosidade foi o único fator da personalidade a predizer aumentos no perfeccionismo. Assim, concluiu-se que indivíduos com maior Conscienciosidade não estão propensos apenas a serem perfeccionistas, mas sujeitos a aumentarem o nível de perfeccionismo com o passar do tempo (Stoeber, Otto, & Dalbert, 2009b). O modelo de desenvolvimento do perfeccionismo pesquisado por Maloney et al. (2014) indicou a participação direta e indireta do Neuroticismo sobre os níveis de perfeccionismo. A relação indireta se deu pela mediação de esquemas cognitivos relacionados à rejeição. Este estudo apontou a importância desse traço para o desenvolvimento do perfeccionismo e corroborou coma teoria do desenvolvimento do perfeccionismo proposta por Flett et al. (2002). Esta teoria indica que além de pressões ambientais e parentais, crianças com temperamento menos estável são mais propensas a tornarem-se perfeccionistas. É importante notar que este modelo inclui a interação de vínculos parentais, expectativas parentais e criticismo. Estes dois fatores (CP e EP) mostraram relação direta com o perfeccionismo enquanto os vínculos parentais demonstraram relação mediada por esquemas de rejeição e desconexão. Estes esquemas dizem respeito a padrões de pensamentos e crenças desenvolvidos na infância. A partir dessas evidências preliminares pode-se hipotetizar que o desenvolvimento do perfeccionismo parece depender tanto de aspectos individuais quanto ambientais (Flett et al, 2002.) Em suma, os traços da personalidade mais estudados até o momento em relação ao perfeccionismo são o Neuroticismo e a Conscienciosidade. Ambos os traços são conhecidos por sua relação com desfechos adaptativos e desadaptativos (Costa & McCrae, 1992). Deste modo, os autores dos estudos citados usam esses traços para confirmar a hipótese de dualidade do 43 perfeccionismo. Todavia, é possível notar associações mais amplas da personalidade. A combinação dos outros fatores parece influenciar de maneira distinta a manifestação do perfeccionismo. 3.3 Perfeccionismo e Vínculos parentais Assim como características individuais, existem fatores externos e processos ambientais específicos que participam do desenvolvimento do perfeccionismo. Admite-se quatro modelos de desenvolvimento para o perfeccionismo baseado em fatores de aprendizagem e influência ambiental. O primeiro chama-se Modelo de expectativas sociais, o segundo é baseado na teoria de Aprendizagem Social (Bandura,1969), o terceiro nomeado de Reatividade Social e o quarto relaciona-se ao perfil parental ansioso. Embora distintos, estes fatores e processos são explicados através de uma perspectiva integrativa( Flett, Hewitt, Oliver, & MacDonald, 2002). As expectativas sociais referem-se à pressão que as crianças sofrem para alcançar padrões de desempenho elevado. Este modelo é associado às expectativas parentais assim como na gratificação contingente à performance (Flett et al. 2002). Por exemplo, os filhos ou alunos só são gratificados caso superem o desempenho esperado numa tarefa de casa. Este tipo de influência externa pode promover o desenvolvimento de uma autoestima contingente à aprovação. Num único estudo empírico sobre a etiologia do perfeccionismo é possível observar o impacto direto das expectativas e críticas parentais sobre o nível de ajustamento dos sujeitos participantes (Maloney et al., 2014). O papel dos pais no desenvolvimento do perfeccionismo dos filhos tem tanto impacto na literatura sobre o tema que, na escala de perfeccionismo de Frost há duas dimensões dedicadas às críticas parentais e expectativas parentais. (Frost, Marten, Lahart, & Rosenblate, 1990). 44 Os modelos baseados em aprendizagem social destacam o papel da imitação no desenvolvimento de padrões e expectativas muito elevadas (Flett et al., 2002). O modelo de reatividade social está ligado às vulnerabilidades infantis devido a fatores ambientais como falta de afeto dos pais, abuso, e condições de vida extremamente caóticas. Assim, as crianças desenvolveriam o perfeccionismo como uma maneira de lidar com as pressões de seu ambiente (Idem). Já o modelo de criação por pais ansiosos destaca a participação dos pais na criação de crenças sobre insegurança nas crianças, assim, o perfeccionismo seria uma maneira de lidar com a incertezas e assegurar os melhores desfechos possíveis, dimensão semelhante a Dúvidas sobre Ações (Frost et al. 1990). Todos estes modelos apresentam relações parentais e características individuais no cerne do desenvolvimento de padrões de comportamento perfeccionistas. É possível observar, por exemplo, que as percepções pessoais das críticas parentais influenciam o nível de perfeccionismo, assim como controle parental exacerbado e a falta de afeto (Flett et al., 2002). Assim, é possível destacar a participação das relações parentais e dos vínculos estabelecidos entre pais e filhos para desenvolvimento de padrões perfeccionistas. O desenvolvimento socioemocional e as características individuais da criança são influenciadas por seu temperamento, mas também pelas relações de vínculo estabelecidas com os cuidadores nos seus primeiros anos de vida. Estas primeiras relações também são conhecidas por influenciarem desfechos interpessoais posteriores. A psicologia do desenvolvimento tem dado bastante atenção aos estilos de apego e suas consequências para as diferenças individuais. O apego é definido como uma relação de vínculo e cuidado estabelecida entre os principais cuidadores e a criança (Field,1996). A qualidade dessa ligação pode ser estudada através dos comportamentos parentais. Estes comportamentos têm sido relatados como consistentes ao longo do tempo e sua influência vem sendo observada sob vários resultados, incluindo psicopatologia e 45 desenvolvimento saudável (Wilhelm, Niven, Parker, & Hadzi-Pavlovic, 2005) . Assim, embora a avalição dos vínculos parentais e seu estilo seja feita retrospectivamente, existem relações entre a recordação do relacionamento das figuras parentais com a criança e uma variedade de psicopatologias em adultos (Enns, Cox, & Clara, 2002). Os vínculos parentais podem ser definidos em termos de comportamentos e atitudes dos pais ou cuidados em relação a seus filhos. Em 1978, Parker, Tupling e Brown compilaram uma série de relatos na literatura para criar um meio de avaliar os vínculos parentais. Os comportamentos parentais e suas atitudes voltadas para a criança influenciavam toda a qualidade da relação desenvolvida que, por sua vez, influenciaria desfechos futuros. Ademais, os autores procuravam definir as qualidades ideais da relação parental para que fosse proporcionado o desenvolvimento adequado das crianças e para formação de vínculos afetivos posteriores. Este estudo deu origem Parental Bonding, instrumento utilizado até hoje para avaliar as qualidades da relação entre o cuidado e a crianças (Parker, 1979, 1990). Figura 2 - Esquema ilustrativo das dimensões de vínculos parentais em tipos. Adaptado de Parker (1979). 46 Os vínculos parentais – comportamentos e atitudes que mediam a qualidade da relação com a criança- são essencialmente compostos por duas dimensões. Estas dimensões são distintas e apareceram como fruto das pesquisas de Parker e colaboradores (1979, 2005), mas também foram confirmadas por meio de análises fatoriais exploratórias e confirmatórias em mais de uma cultura (Hauck et al., 2006; Teodoro, 2010). Estes vínculos podem ser avaliados por meio das atitudes e comportamentos relacionados ao cuidado, afeto, proteção e controle sobre a criança. A primeira grande dimensão representa o cuidado. Esta dimensão é composta por um contínuo que vai de cuidado/afeto