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UNIDADE 4 – PSICANÁLISE: TEORIA E TÉCNICA A PSICANÁLISE NA CONTEMPORANEIDADE 1 Reflexões contemporâneas à luz da psicanálise Você já parou para se perguntar como a psicanálise, um saber produzido no século XIX com Sigmund Freud, se faz atual até hoje? Como ela pode ser capaz de explicar os quadros psíquicos e a organização da sociedade na atualidade? Sobre o fim da psicanálise ou o seu anacronismo, Anna Freud respondeu a um jovem analista que predizia a morte desse saber: Predizer a morte da psicanálise talvez esteja na moda. A única resposta inteligente é a que Mark Twain deu, quando um jornal anunciou, por erro, a notícia de sua morte: 'As notícias sobre minha morte são muito exageradas. (...) Sob muitos aspectos é quando atacada que a psicanálise caminha melhor. (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 260) Desta maneira, traremos aqui de algumas análises de quadros como a depressão e diagnósticos da atualidade à luz da psicanálise. Já que, para a psicanálise, tudo é trabalho, então vamos ao trabalho. 1.1 O contemporâneo e a depressão O século XXI é marcado pela, cada vez maior, atualização e sofisticação das tecnologias. Essas tecnologias imprimem um determinado ritmo ao nosso corpo que é o da aceleração. A velocidade, a imposição da felicidade, o individualismo, o grande incentivo ao consumo como forma de ter bem-estar, introduzem na sociedade aquilo que Freud definiu para indicar um sintoma da civilização, um mal-estar. Qual seria a razão desse mal-estar? A aceleração impede que o sujeito consiga processar e elaborar os acontecimentos, pela falta de tempo que engole o homem. A ditadura da felicidade encerra o sujeito numa busca desenfreada de algo ou alguém (um objeto) que possa lhe cobrir a falta, que segundo a psicanálise, lhe é constitutiva,e o sujeito se vê em meio a culpas e consumismos. Maria Rita Kehl (2009), em seu livro “O tempo e o cão: a atualidade das depressões” nos indica que o mal-estar na contemporaneidade é a depressão. O que, na Idade Média, a melancolia despontava como sendo o mal-estar, hoje é a depressão que tem aparecido com mais frequência na clínica e denotado o desfuncionamento do modo de organização da sociedade. Para além do crescimento da indústria farmacêutica e a sua produção de antidepressivos em larga escala a partir da década de 1970, Kehl (2009) sugere também que o sujeito contemporâneo está mais propenso a deprimir-se. Embora a psiquiatria tenha tomado para si a explicação e a resposta a se dar para os quadros depressivos, a psicanálise tem muito a dizer sobre elas. Para a teoria psicanalítica, a depressão está muito mais para a clínica das neuroses do que da psicose, ainda que ela insira as suas especificidades. 1.2 O funcionamento da depressão para a psicanálise O saber psicanalítico sobre o quadro depressivo o situa desde um comprometimento no começo da formação da estrutura clínica (neurose, psicose ou perversão), no que diz respeito à posição do sujeito frente à elaboração dos seus mecanismos de defesa. Durante a passagem do sujeito neurótico pelo complexo de édipo na infância, há uma escolha do sujeito para a depressão que não o coloca dentro de outras estruturas tais como a histeria e a neurose obsessiva. Quando falamos de escolhas, nos remetemos a Freud que diz sobre a escolha inconsciente em que, no momento do segundo momento do complexo de édipo, a criança consegue ver o pai como rival na disputa do amor pela mãe. Nesse momento, para Kehl (2009), o consequente depressivo decide não se instalar na rivalidade fálica com o pai, preferindo se apoiar na proteção materna. Como efeito de não entrar na disputa com o pai, contrariando o caminho normal da formação da estrutura neurótica - que seria entrar em rivalidade com o pai e perder pra ele -, o depressivo se protege mal da castração. A castração é o momento em que, neste enfrentamento do filho com relação ao pai, a mãe demarca ao filho a posição fálica que o pai exerce mediante o desejo dela. O depressivo se instala a um passo do caminho em que os neuróticos e histéricos escolhem a sua posição fantasmática: no lugar de entrar na batalha fálica, tentando não perder uma determinada posição que acreditava ocupar no desejo da mãe, o sujeito depressivo escolhe reconhecer-se de antemão no lugar de castrado. Seria o mesmo que dizer que: antes de entrar na batalha, já reconhece que perdeu. No entanto, eles não recuam porque não tenham rivalidades, mas porque não podem assumir o risco de perder e nem a probalidade de um segundo lugar. Sendo assim, o depressivo não entra no duelo com o pai, durante a passagem pelo complexo de édipo, preferindo estar no lugar de objeto indefeso no abrigo da mãe. O depressivo paga o preço da impotência, da letargia e da inadequação aos imperativos da vida, quando opta pelo gozo ou a satisfação parcial desse lugar de abrigo. De acordo com Kehl (2009), por conta de sua vulnerabilidade em sua posição na estrutura clínica, o sujeito que se instala no recuo diante da batalha pelo seu desejo se protegendo no abrigo da depressão, se encontra num lugar mais próximo do “saber recalcado sobre a castração do que os neuróticos” (KEHL, 2009, p. 16). A posição do depressivo é também efeito do esforço de não se ver com um saber que seja imperativo a todo sujeito, seja por meio do sintoma, do chiste ou do sonho, o saber inconsciente. Podemos dizer, desta forma, que o depressivo não quer se ver com o seu desejo e, para a psicanálise, esta é uma forma de se anular subjetivamente. Com efeito, para não ter que lidar com este sofrimento que o faz ter acesso a sua dimensão desejante, o depressivo prefere recorrer aos medicamentos. Como sabemos, o medicamento não permite que o sujeito elabore sobre a sua condição e, para justificar seu apelo medicamentoso, é preferível dizer que possui um déficit. Podemos dizer também que o tempo da aceleração, em que se exige um sujeito ativo, voraz, proativo, não ajuda o depressivo e o coloca numa posição de dívida e culpa, posto que não consegue acompanhar o ritmo demandado. Para você que ficou mais interessado sobre como a psicanálise enxerga e trabalha clinicamente com a depressão, o livro “O tempo e o cão: a atualidade das depressões” de Kehl (2009) é uma pesquisa excelente, feita sobre o tema e extraído diretamente da experiência clínica da autora. Assista aí 2 Diagnósticos do presente Com base na história, podemos dizer que psicanálise e psiquiatra já tiveram anteriormente nos séculos XIX e XX um laço muito mais estreito e esse laço definia o modo de condução das terapêuticas realizadas, bem como o desenho dos quadros clínicos que surgiam para o tratamento. Veremos a seguir como se dá essa relação entre psicanálise e psiquiatria no século XXI e os seus efeitos. 2.1 Relação da psicanálise e da psiquiatria Sigmund Freud, Jacques Lacan, Donald Winnicott, entre outros vários psicanalistas dos séculos XIX e XX, tinham a sua formação baseada na medicina psiquiátrica. Seus tratamentos eram baseados na longa duração e na palavra. Hoje, a psiquiatria não quer mais estar em nenhum contato com a psicanálise. A psiquiatria, ao longo dos anos, foi se cercando de um certo poder, principalmente a partir das neurociências, dando a si o poder de gerir o mal-estar, e foi aos poucos desprezando a questão da palavra enquanto cura, dando prioridade à prescrição de medicações: ANSIOLÍTICOS, ANTIDEPRESSIVOS, ENTRE OUTROS. Porém, a que se deve esse afastamento? Birman (2005) afirma que esse afastamento se credita à formação de novas subjetividades no contemporâneo. É possível ver que, diante das mudanças da sociedade, naquilo que se refere ao advento da tecnologia, e a sua consequente transformação do nosso entendimento de tempo e espaço, fomos colocados diante de um imediatismo, por vezes, cruel. A ingestão de remédios atende a essa nova formação de subjetividade que quer a resolução de seu problema de maneira instantânea e sem trabalhopsíquico. Birman (2005) aponta ainda que as queixas contemporâneas dos sujeitos giram mais em torno do corpo, à ação e sensação e não mais tanto passa pela resolução pelo pensamento ou linguagem próprias do material de trabalho da psicanálise. Assim sendo, a subjetividade pós-moderna estaria mais às voltas com a pulsão e a interdição, do que com o conflito interiorizado. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 1 - ImediatismoFonte: Lightspring, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: A imagem mostra uma cabeça humana em perfil, formada por diversos relógios analógicos. A parte de cima da cabeça está se desfazendo e os relógios se espalhando. 2.2 Quadros clínicos contemporâneos É muito comum na clínica atual presenciarmos a demanda das queixas dos pacientes estarem mais às voltas com questões corporais, com certa frequência, na descrição de delimitados sintomas. Dentre eles, como exemplo, a síndrome do pânico. A síndrome do pânico é uma terminologia psiquiátrica que encontra equivalência, na clínica psicanalítica, por aquilo que Freud denominou como neurose de angústia, portanto, a tal síndrome não é uma doença nova, embora traga nova aparência. A síndrome é descrita como uma vivência corporal de um sentimento rompante de morte, em que o corpo se apresenta em primeiro plano. Outra manifestação de sofrimento dirigido ao corpo é a síndrome da fadiga crônica ou burnout, em que o sujeito apresenta imenso esgotamento físico. Além dos transtornos de ansiedade em que o sujeito sente imensa falta de ar e outras sensações corpóreas; e dos transtornos alimentares, entre outros transtornos psicossomáticos, bastante diagnosticados na clínica contemporânea. Todas essas demonstrações de sofrimento estão incluídas no que muitos rapidamente nomeiam como estresse. Estresse como um momento em que o corpo se fragiliza e precisa de técnicas de relaxamento corporal, medicamentos e atividade física. A crítica de Birman (2005) incide sobre a nossa atual incapacidade de organizar e formar instrumentos de pensamento e ferramenta simbólica para dar conta do excesso da vida contemporânea que nos possui e que parece ser maior do que nós, como consequência desta impossibilidade de simbolizar ou sublimar o movimento de descarregar tudo no corpo. Este movimento explica a grande variedade de distúrbios psicossomáticos que surgiram na atualidade. Por esta incapacidade de simbolizar e sublimar os eventos psíquicos – ferramentas que a psicanálise oferece na análise -, é que cresce cada vez mais a demanda por medicamentos. Medicamentos que não intervêm nos pensamentos, portanto, não mudam a causa do aparecimento do conflito psíquico, adiando o problema que, a longo prazo, produz efeitos colaterais deletérios; mas que apaziguam o sofrimento corporal e colocam o sujeito a curto prazo em produtividade novamente. 3 Estudos sobre violência Neste tópico, falaremos sobre como a psicanálise estuda e entende os fenômenos da violência. Algumas críticas direcionadas à teoria psicanálitica seguem no sentido de dizer que suas análises ficam muito restritas à dimensão individual ou a uma clínica que não engloba a constituição social dos sujeitos. Saindo de uma esfera mais individualista de análise dos funcionamentos psíquicos de cada pessoa, veremos alguns psicanalistas contemporâneos trazendo para os seus trabalhos um diagnóstico da atualidade afirmando a inseparabilidade entre sujeito e sociedade. 3.1 Violência como o negativo Em seu livro “Pulsão de Morte: por uma clínica psicanalítica da potência”, André Martins (2009), filósofo e psicanalista, questiona a atualidade do conceito de pulsão de morte, elaborado por Freud. O conceito é utilizado por muitos pós-freudianos para explicar alguns movimentos de seus pacientes na clínica, mas esse autor questiona a sua real aplicabilidade, haja visto que até na obra freudiana, em alguns momentos, ele tratará das forças da vida para diminuir o sofrimento psíquico de seus pacientes. Quando se trata do debate acerca da violência e da criminalidade atual, não se pode fugir de um pensamento marcado pelas tendências negativas que se manifestariam em psicopatologias individuais ou coletivas, e o seu consequente remédio repressivo. Essas soluções repressivas se sustentam em uma crença na propensão a destruição inscrita nas subjetividades. Poderíamos pensar, assim, sobre qual a influência do pensamento de pulsão de morte freudiana nessa crença de uma inclinação para a maldade? Freud chegou ao conceito de pulsão de morte a partir das suas experiências clínicas. Ele se questionava sobre como o paciente pode escolher a neurose no lugar da cura; como explicar o prazer de matar que alguns sujeitos apresentam, ou como explicar a impossibilidade de vivenciar a felicidade e o prazer de alguns pacientes, quando estes ganham algo que esperavam há muito tempo, sem elucidar esses fenômenos pela pulsão de morte, ou seja, pelo movimento do homem rumo à autodestruição. Porém, na mesma medida que Freud nos coloca em direção a este conceito, ele apresentará a possibilidade de outras explicações: ele vai dizer que na neurose obsessiva e na melancolia, por exemplo, o superego é bastante exigente na sua relação com o ego, lhe colocando diferentes obrigações e, consequentemente, fazendo com que surja muitos sentimentos de culpa. A diferença entre estas duas estruturas psíquicas é que, na neurose obsessiva, o ego lutaria contra estes sentimentos de culpa impostos pelo superego; e, na melancolia, o ego as aceitaria. A forma de se resolver esta questão em análise seria trazer à consciência os processos recalcados que mantêm o sentimento de culpa. Como exemplo, Martins (2009) traz o caso “Fort da” de Freud, em que descreve a situação de uma criança que, diante da não presença da mãe, vai construindo pra si um modo de lidar com essa angústia. A criança brinca com o carretel em que ele joga e depois o puxa pela linha, trazendo-o de volta. Se existe esta dimensão criativa dos sujeitos em lidar com as suas angústias, por que Freud precisa recorrer à teoria da pulsão de morte? É na questão da agressividade que Freud mais insistirá com a lógica da pulsão de morte. E é Winnicott quem apresenta outras perspectivas sobre este assunto. Winnicott não enxergará uma tendência ao negativo nas primeiras manifestações de agressividade de uma criança, mas perceberá uma necessidade de expansão com relação ao mundo. Estas manifestações, para o psicanalista, só poderiam ser tidas como secundárias e não como uma expressão de que existe uma natureza em seus movimentos, pois vai depender do modo como o ambiente pode abrigar este bebê na sua vivência primeira de indiferenciação e dependência do responsável por ele. Os sujeitos, cujo meio não foi suficientemente bom para acolher o desamparo inicial, podem sim viver as demandas pulsionais como ameaças internas, erigindo seus mecanismos de defesa, mas não se pode generalizar, como afirmam os estudos winnicottianos. 3.2 Freud pensador da cultura Freud escreveu algumas poucas obras se dedicando a pensar especificamente sobre a cultura. Dentre elas, estão as obras “Mal-estar na civilização” (1929/1996) e “Futuro de uma ilusão” (1927/1976). Em “Mal-estar na civilização” (FREUD, 1996), ele faz a oposição entre civilização e instinto, entre desejo e lei. Como os sujeitos são dotados de impulsos instintuais, e esses impulsos podem levá-los à barbárie, podemos entender que, para a civilização se manter ordenada, é preciso esse sujeito seja contido em seus impulsos, gerando assim um mal-estar. Mal-estar, pois o homem estaria sacrificando suas pulsões para poder viver em sociedade. Freud deposita na humanidade a característica de uma animalidade. Para ele, o homem detém uma postura natural para ser agressiva e, muitas vezes, selvagem. Desta maneira, fazem-se necessárias as leis e códigos de conduta da civilização para barrar os impulsos de serem manifestadosde modo puro. Esses impulsos, então, precisam ser reprimidos. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 2 - ImpulsosFonte: MachineHeadz, Istock, 2020 #PraCegoVer: A imagem mostra duas crianças com mochilas nas costas, empurrando um ao outro. Pelo fato de todos nós possuirmos movimentos em direção à destruição, à anti- sociabilidade, à anti-cultura, é preciso haver uma batalha da civilização para retirar a liberdade dos sujeitos e substituir pelo senso de comunidade. O papel da civilização será sempre o de conservar a ordem e dar segurança. Isso não quer dizer que os indivíduos nunca terão satisfação, mas satisfações sempre parciais. Já no trabalho “Futuro de uma ilusão” (FREUD, 1976), está contida uma certa desesperança com relação ao homem, pois ele vai entender que alguns homens não vão conseguir abrir mão de suas pulsões por questões de excesso delas ou por doenças, e vai apresentar problemas para a civilização. Desta maneira, a luta entre indivíduo e civilização será sempre infinda. Freud também irá apontar a religião como um importante mecanismo de freio para os impulsos instintuais do homem. Como se a religião se constituísse como um pai cuidador que oferece proteção, segurança e lei. 3.3 Mal-estar na contemporaneidade Sobre os estudos da infância e da adolescência contemporâneas e sua noção de desenvolvimento pela luz da psicanálise, podemos nos perguntar se o olhar sobre a agressividade infanto-juvenil poderia ser tomado no sentido mais de uma expressão de saúde do que de doença, saindo um pouco da tendência ao negativo freudiano. Como explicar os processos de agressividade e delinquência juvenil pela psicanálise? Aberastury e Knobel (1970/1981), no livro “Adolescência Normal”, vão afirmar alguns aspectos da adolescência como normais e próprios ao caminho da organização psíquica, tais como: agressividade, homossexualidade e esquizoidia; a dificuldade de aprendizado, necessidade de busca de identidade e pertencimento a grupos; imprescindibilidade em intelectualizar e fantasiar; aspectos regressivos ao início do desenvolvimento; impulsos sexuais, ações reivindicatórias com propensão à destruição e à agressividade; maneiras ambivalentes de lidar com processos da vida; separação gradual dos pais; incisivas oscilações de humor, entre outras características. Estes autores enumeram essas características como um padrão esperado de apresentação nesta fase do desenvolvimento, para afirmá-las como manifestações normais da adolescência. Aberastury e Knobel (1981) entendem que a adolescência se constitui pelo intermédio entre a fase infantil e o tornar-se adulto, em que os sujeitos vão adquirindo um si mesmo a partir de referências internas parentais e possibilidades de exteriorização. Nesse momento, é o momento em que o adolescente vai buscar edificar outras relações fora das relações parentais. No constituir-se a si próprio, o jovem percebe que as suas orientações antigas infantis não lhes servem mais para lidar com as questões impostas pelo cotidiano. Sua autonomia e responsabilidade aumentam, de modo que, em alguns momentos, pode não ser capaz de enfrentar alguns processos. Além disso, a sexualidade vem de modo mais incisivo do que o repertório psicológico que possui para lidar com ela, e esse movimento pode levar à gravidez precoce, por exemplo. Para lidar com as suas questões existenciais, o jovem pode desenvolver mecanismos de defesa, tais como: MENTIR, ENGANAR, ESCONDER, ROUBAR, DESTRUIR. O embate adolescente, para estes psicanalistas, acaba no momento em que a identidade se edifica, especialmente com a decisão profissional (sua entrada efetiva no mundo adulto). No entanto, eles vão apontar para o aspecto da psicopatia, que é o contrário dessa vivência, que é quando o jovem fracassa na estruturação psíquica de seu luto da perda da infância e da construção de identidade, refreando a entrada na vida adulta. Na interlocução entre adolescência, delinquência e psicopatia, temos o psicanalista inglês Donald Winnicott, que é um autor muito utilizado e que tende a ver a agressividade com positividade. Winnicott escreveu o livro “Privação e Delinquência” (WINNICOTT, 1987/2005), em que entende que o apelo antissocial tende a se manifestar no ambiente desde as primeiras fases da vida de uma criança. É, assim, saudável que um sujeito expresse suas questões internas direcionadas ao meio em que vive. Mesmo que use o termo delinquência em seus estudos - termo que está carregado de simbologia negativa - Winnicott quer conservar uma visão positiva acerca das expressões de agressividade na adolescência: rebeldia e desobediência seriam manifestações do jovem em direção a sua autonomia. Para o autor, é preciso que haja um ambiente bom para que receba esses impulsos dos adolescentes em uma compreensão que saiba reconhecer que são demais as exigências que recaem sobre ele, e o conduza a redescobrir o bom ambiente. É, desta maneira, preciso que o ambiente lhe ofereça condições de tentar de novo. Em toda rebeldia, para Winnicott, existe o elemento de contestação de direitos, ainda que se expresse de maneira desorganizada. A adolescência é, por excelência, um período de construção de valores, sentidos, formas de ver a si mesmo, o outro e o mundo e será o ambiente a designar a avaliação da agressividade desses sujeitos. Para você que se interessou em saber um pouco mais sobre os impulsos de agressividade, não como uma tendência negativa do ser humano, mas como algo que se pode remeter à saúde, é recomendável o artigo da psicóloga e psicanalista, Cristina Rauter (2003) “Produção social do negativo: Notas introdutórias”. Assista aí 4 Formação de identidades em sociedades contemporâneas Uma das críticas direcionadas à psicanálise seria ao fato de ela estar muito mais atenta aos processos psíquicos e a sua formação a partir das relações parentais, e incluir pouco a dimensão social do sujeito no espaço da clínica. No processo de estudo das histéricas, existia um contexto de repressão sexual da mulher na década de 20, por exemplo, não podemos dizer que o século XXI seja tão permeado assim por essas questões. O que se quer dizer é que o contexto social também atravessa os sujeitos e as suas manifestações psicopatológicas. Veremos aqui, neste capítulo, então, a formação das identidades no contexto atual. 4.1 A construção das subjetividades A constituição das formas de ser de um sujeito está condicionada a diferentes fatores, tais como: aspectos inerentes do próprio sujeito, a sua trajetória de vida, a como se dão as suas relações afetivas, bem como ao contexto social, político, econômico e cultural que permeia a sua vida. Sabemos que o bebê, a partir do seu nascimento, vivencia as diferentes situações com muitos medos: não conhece ainda os recursos que existem ao seu redor para sobreviver. Ao longo da vida, vai construindo esses referenciais e descobrindo a sua capacidade, a partir dos graus de autonomia e confiança que o ambiente oferece. O corpo se desenvolve e a sua vida psíquica vai sendo dimensionada a partir da sua relação com o outro. No entanto, para a psicanálise, a vida psíquica de um sujeito não se estabelece a partir do nascimento, mas previamente, quando esta criança já é elaborada no discurso dos pais. A partir dos ideais, anseios e projeções dos pais, a criança vai sendo gestada antes mesmo de nascer. Podemos dizer que esse discurso prévio também vai compondo a personalidade e a formação de identidade da criança, e como ela se relaciona com estes anseios. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 3 - Discurso prévioFonte: Highwaystarz-Photography, Istock, 2020. #PraCegoVer: A imagem mostra a barriga de uma mulher grávida passando creme na barriga. No momento em que o feto está sendo gestado na barriga da mãe, ele: escuta, sente, percebe a luz, os impactos emocionais da mãe, os modos de se alimentar,práticas cotidianas maternas, o pai e o ambiente. Quando nasce, se o ambiente é bom com cuidados, carinho e educação, tem condições de formar para si uma existência com a qual seja capaz de lidar. No contato do bebê com a mãe, vai sendo possível desenvolver aspectos inatos e inaugurar outros, por meio do afeto e da educação com o primeiro objeto real externo. Imitação, introjeção, projeção, reintrojeção são etapas conscientes e inconscientes pelas quais passam para estruturar seu aparelho psíquico, criando o mundo simbólico. Desta maneira, podemos dizer que a subjetividade é formada por elementos de ordem: INDIVIDUAL, FAMILIAR, SOCIAL E CULTURAL. A identidade da criança, assim, é esse caldo de interação entre: os aspectos inatos, as suas potencialidades; o discurso e desejo de seus pais engendrados antes de nascer e depois nas referências transmitidas; e, por último, a qualidade das interações afetivas que promove no contexto sociohistórico em que vive. A terapêutica da psicanálise vai permitir analisar o processo de formação da identidade do sujeito por meio da identificação: o mecanismo de funcionamento do insconsciente, as suas projeções afetivas, manifestações da ansiedade, mecanismos de defesa que são erigidos, a organização do ego e do superego (se eles são capazes de lidar com o imperativo do inconsciente e o superego atua de maneira incisiva), um campo consistente de sustentação das frustrações, análise dos sonhos, vida interior e vida externa, impulsos agressivos e sexuais e suas possibilidades de contenção, aspectos regressivos, fixações, inibições, simbolizações dentro dos princípios do prazer e da realidade. Em termos da formação no aspecto social contemporâneo da criança, como pertencente a uma família e a uma comunidade, na relação com o social, é possível ver como a criança forma seus entendimentos de democracia, solidariedade, altruísmo, tolerância, conseguir estabelecer relações de afeto e aceitação com a diferença e com os iguais. Desde a mais tenra idade, vai se formando a estrutura para uma manifestação de personalidade mais dura ou libertadora, submissa ou autônoma, anárquica, democrática ou ditadora. As demonstrações psicopatológicas, de aprendizado ou sociais, até no que se refere à delinquência, podem também ser entendidas como manifestação de ansiedades, defesas, influenciadas pelo contexto cultural em que vivemos, nas formas de organização da sociedade. Infância e adolescência são fases em que os sujeitos estão em franco desenvolvimento biopsicossocial, o que representa as suas fragilidades frente aos estímulos internos e externos que formam a sua identidade. Estão, desta forma, prenhes de potencial destrutivo, criativo, de vida e de morte que precisam ser moldados, restringidos e estimulados pela cultura de seu tempo, por meio das suas leis, valores e normas. Desta feita, para compreendermos um pouco mais sobre a formação da identidade é importante explorar como se dá a relação com o outro na psicanálise e a própria noção de identidade. Assista aí 4.2 A relação com o outro e a noção de identidade na psicanálise Somos seres interdependentes, ou seja, precisamos do outro para fabricar o nosso ser e a nossa identidade. O processo de constituição da identidade na relação com o outro se dá pelo processo de identificação. O processo de identificação se define como complexo, movente e dura a vida toda. Como já dissemos anteriormente, este processo tem começo no imaginário dos pais, antes mesmo da criança nascer, por meio de seus desejos para a criança e vai se desenhando por novos elementos que vão sendo inseridos durante a vida desse sujeito. A duração ao longo da vida se dá por uma permanente reorganização do ego frente aos pontos críticos que são exigidos do sujeito enfrentar, com outros direcionamentos da libido e mudanças em valores e ideias, muito guiadas pelos valores de referência criados na infância e adolescência. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001, p.132) “a identificação é "um processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma total ou parcialmente, a partir daquele modelo". Isto significa que a criança, por meio da identificação, pode se organizar em torno de limites e possibilidades de expansão no que diz respeito a ela mesma e ao mundo ao seu redor. São estruturações e reestrurações permanentes de elaborações, lutos e mudanças que ocorrem no psiquismo, em grande medida, inconscientes. Todo este movimento dá ao sujeito a noção de um si mesmo, de uma identidade. Ainda que sejamos diferentes e semelhantes em alguns aspectos, existe este movimento comum que nos permite a todos girar em torno da passagem por estes processos. É um entendimento de disposição psicológica em que Freud trabalhou muito em suas obras. O bebê nasce em uma circunstância de dependência integral e vai caminhando para se constituir enquanto ser autônomo gradualmente, isto é, passa de um estágio em que se coloca entre o eu e o não eu, até o momento em que pode dizer “eu sou”, se pondo frente as suas escolhas de vida. A identidade, por assim dizer, é efeito de múltiplas identificações parciais, em que podemos nos defrontar com uma pluralidadade de pessoas psíquicas em uma mesma pessoa, levando em consideração questões afetivas que vão oscilando, modificando, às vezes de modo contraditório ou dialogando entre si. A identidade se fabrica por meio das relações sociais em que se avistam influências entre as estruturas mentais e a sociedade. Além disso, é preciso considerar as fantasias inconscientes, elementos econômicos, dinâmicos e estruturais da mente, bem como o espaço que existe na mente para as questões dos ritos, dos mitos, das utopias e do real. Ética, moral, superego, delinquência, democracia se apresentam como noções que se interrelacionam entre si na produção da subjetividade e identidade do indivíduo, sendo formado por inúmeros fatores, afinados entre si ou não, na organização e formação do aparelho psíquico. Desta interação recorrente entre as potencialidades do ser e suas relações afetiva, educacional, histórica, econômica, social e política advém o indivíduo com as suas potencialidades relacionais. É ISSO AÍ! Nesta unidade, você teve a oportunidade de: compreender o funcionamento da clínica atual das depressões pela perspectiva da psicanálise; entender como a relação do homem consigo mesmo e com o outro é afetada pela dinâmica de funcionamento do contemporâneo; conhecer como a psicanálise estuda os fenômenos da agressividade e da violência; entender como se dá a formação de identidade para a psicanálise; estudar a noção de identidade e a relação com o outro na formação de identidade no contemporâneo. REFERÊNCIAS
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