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Autora: Profa. Leila Dutra Rodrigues Colaboradores: Prof. Vinícius Albuquerque Prof. Francisco Alves da Silva Prof. Gabriel Lohner Gróf República Velha Professora conteudista: Leila Dutra Rodrigues Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista; especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade São Francisco e História, Sociedade e Cultura pela Pontifícia Universidade Católica; possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Mogi das Cruzes e licenciatura plena em História pela Universidade Bandeirante de São Paulo e, atualmente, cursa especialização em Direito Previdenciário. Atua como advogada nas áreas cível, família, previdenciária e trabalhista há mais de 20 anos. É professora titular da Universidade Paulista. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R696r Rodrigues, Leila Dutra. República velha. / Leila Dutra Rodrigues. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 104 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230 1. República. 2. História. 3. Política. I. Título. CDU 981 U515.86 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Carla Moro Lucas Ricardi Sumário República Velha APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 ORIGENS DA REPÚBLICA NO BRASIL ...................................................................................................... 11 2 NASCE UM PAÍS VOLTADO PARA O MUNDO EXTERNO ................................................................... 12 3 A INSERÇÃO DO BRASIL NOS QUADROS DO CAPITALISMO .......................................................... 20 4 A REPÚBLICA DOS PRIMEIROS TEMPOS ................................................................................................ 31 Unidade II 5 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ............................................................................................................ 51 5.1 O café: processo e crise ...................................................................................................................... 51 5.2 Café com leite ........................................................................................................................................ 55 5.3 Voltando para o café ........................................................................................................................... 55 5.4 O ciclo da borracha .............................................................................................................................. 60 5.5 Cacau ......................................................................................................................................................... 62 6 O SETOR INDUSTRIAL..................................................................................................................................... 62 Unidade III 7 O SISTEMA POLÍTICO ...................................................................................................................................... 71 7.1 Movimentos sociais urbanos e rurais ........................................................................................... 71 7.2 Outros movimentos sociais .............................................................................................................. 87 7.3 Arte e sociedade: a Belle Époque ................................................................................................... 89 7.4 Arte e sociedade: a Semana de Arte Moderna de 1922 ....................................................... 91 7.5 Os projetos sociais e artísticos para um Brasil Novo ............................................................. 92 8 REVOLUÇÃO DE 1930 .................................................................................................................................... 93 7 APRESENTAÇÃO Prezados alunos, O objetivo desta disciplina é apresentar um dos momentos mais importantes da nossa história: o nascimento da República. Nesse período várias transformações ocorreram: o sistema político mudou, surgiram as indústrias e com elas uma nova classe social, bairros e vilas operárias. As cidades passaram a influenciar a economia. Busca-se expor uma visão social, a importância que os vários momentos sociais e operários tiveram na formação das estruturas da sociedade, em especial na formação das entidades de classe e das primeiras normas trabalhistas. Mais uma vez, o historiador terá que se apropriar de dois termos muito utilizados na área: contexto e anacronismo. Contexto é o conjunto de circunstâncias: lugar e tempo, cultura, valores, costumes, hábitos, pensamentos etc. Anacronismo significa pessoas, eventos, palavras, objetos, costumes, sentimentos, pensamentos ou outras coisas que pertencem a uma determinada época e que são erroneamente retratados em outra época, ou seja, ver o passado com os olhos do presente. Por mais que algumas situações possam parecer inconcebíveis e extremas, precisamos entender que a realidade era muito difícil para determinada parcela da sociedade, causando movimentos e mudanças importantes. Para isso vamos propor a análise de documentos históricos, em especial textos e imagens de jornais do período. A análise destes documentos é de suma importância e, em muitos momentos, pode auxiliá-lo no ensino da disciplina. Entender como as pessoas reconheciam a sua realidade e a grande diferença entre o estudo da história tradicional e a narração dos fatos pelos atores do contexto são muito importantes. Não podemos esquecer que a história é escrita pelos vencedores. Assim, ter contato com os documentos da época que nos apresentam uma outra realidade é muito rico e importante. Aproveite a leitura e usem a curiosidade essencial dos historiadores para ampliar os conhecimentos e explorar os centros de pesquisas. 8 INTRODUÇÃO A proposta desta disciplina é analisar as questões que motivaram o fim do Império e o nascimento da República no Brasil; observar até que ponto os interesses econômicos motivaram as transformações políticas; como o novo sistema político já nasceu comprometido com os inúmeros interesses econômicos que dominavam a administração do público; e quais fatores asseguraram a inserção do Brasil nos quadros do capitalismo. Reproduzindo as práticas antigas, implantadas desde o período da colônia, o Brasil permaneceu produzindo para atender aos interesses dos países estrangeiros. Assim, vamos verificar que a República dos primeiros tempos aumentou ainda mais o abismo entre as classes dominantes e as classes trabalhadorasmenos favorecidas. Para isso, iremos analisar o desenvolvimento econômico e a importância do nosso maior artigo de produção: o café. O café, desde o início do crescimento do seu processo de produção até a crise, representou o produto de maior importância econômica. Veremos como ele interferiu no crescimento de outras atividades econômicas e nas decisões políticas que influenciaram a formação do Estado brasileiro até o nosso presente. O ciclo da borracha, apesar de não possuir uma influência econômica a ponto de competir com o café, também motivou o crescimento e a consolidação de uma nova elite regional, que fez surgir novas regiões ricas e prósperas no extremo do Brasil. Já o setor industrial nasceu como representação de todas essas transformações, pois as riquezas das produções agrícolas financiaram e motivaram o crescimento das indústrias e as inúmeras mudanças econômicas e sociais decorrentes. A República nasce para gerenciar os interesses das oligarquias e se solidifica como representante institucional da elite. Os movimentos sociais urbanos e rurais surgiram como contraposição aos interesses da elite, buscando garantir a mínima dignidade para as classes trabalhadoras, completamente excluídas dos processos de decisão e subordinadas aos interesses da elite. A formação do proletariado ocorreu pelo crescimento das indústrias, principalmente nas capitais, e com grande influência da 1ª Guerra Mundial. A imigração de trabalhadores para o Brasil, atraídos por falsas promessas, mas com grande influência das ideologias de esquerda, fez surgir os primeiros sindicatos e solidificar as primeiras legislações operárias em território brasileiro. No período, crescia a ideia do belo, da formação de uma elite retratada pela Belle Époque, na qual os rituais de práticas sociais, boas maneiras, moda, diferenciavam a elite dos demais atores da sociedade. 9 A Semana de Arte Moderna de 1922 acontece como forma de contrapor os ideais estrangeiros e valorizar a arte e a cultura nacionais, como as mais diversas formas de expressões, teatro, música, literatura, dança, pintura, escultura, entre outros. Com o nascimento da República, surge a necessidade da implantação da identidade nacional e os projetos sociais e artísticos para um Brasil Novo, com um modelo moderno e dinâmico. Com a crise econômica mundial, acontece a crise da República Velha, representante fiel de um modelo econômico. Para analisarmos todos esses fatores, além de autores reconhecidos, iremos manusear documentos da época, em especial jornais operários, que traduzem a forma como os excluídos estavam vivenciando as transformações pelas quais o país passava. 11 REPÚBLICA VELHA Unidade I 1 ORIGENS DA REPÚBLICA NO BRASIL A República foi proclamada em 15 de novembro de 1889, e foi antecedida pelos seguintes regimes: • Pré-colonial (1500-1530); • Colônia (1530-1822); • Primeiro Reinado (1822-1831); • Regência (1931-1840); • Segundo Reinado (1840-1889). Durante a monarquia, a principal atividade econômica era a agricultura, tendo como base o trinômio latifúndio, monocultura e mão de obra escrava. A nossa produção visava atender o mercado externo, em especial, a crescente indústria na Europa. Temos que lembrar que, neste período, estava ocorrendo o desenvolvimento das indústrias na Europa e nos EUA. Em países como a Inglaterra e Alemanha, a burguesia comemorava crescimento da sua riqueza enquanto os trabalhadores viviam na miséria. Muitas mulheres e crianças realizavam trabalhos pesados, estavam sujeitos ao assédio moral muito grande por parte das chefias, recebiam salários miseráveis, ganhavam muito pouco, laboravam em jornadas diárias de trabalho que variavam de 14 a 16 horas diárias para as mulheres, e de 10 a 12 horas por dia para as crianças, muitas vezes sem intervalo para refeição e descanso. Os burgueses se reuniam em grandes festas para comemorar os lucros, enquanto os trabalhadores viviam em miséria, passando fome e vivendo em situação indigna. Moravam em cortiços, sem as mínimas condições de higiene e conforto. Recebiam como parte dos salários batatas e carvão. Eram subnutridos, fracos e, em decorrência, estavam permanentemente exaustos. Para garantir que os operários trabalhassem, as indústrias serviam café. O nosso café era o estimulante dos operários europeus. A produção brasileira, que neste período era majoritariamente agrícola, se desenvolvia para atender os interesses dos burgueses europeus. Desde o início, a nossa economia foi sedimentada visando à exportação de produtos agrícolas. Essa opção econômica fez toda a diferença na formação do Estado brasileiro e trouxe consequências até 12 Unidade I hoje. Muitos dos nossos problemas sociais existem pela manutenção de latifúndios e pela produção agrícola que visa atender o mercado externo. As nossas carências sociais são herança dos primeiros períodos da história e, hoje, se refletem na aglomeração dos grandes centros, na escassez de recursos e no elevado preço de gêneros básicos, já que grande parte da terra continua se concentrando nas mãos de poucos proprietários; a produção agrícola não busca atender as necessidades internas e nunca houve uma preocupação com a preservação do meio ambiente, pois a prática exploratória do meio norteou a nossa produção por muitas décadas. 2 NASCE UM PAÍS VOLTADO PARA O MUNDO EXTERNO Precisamos entender que o Brasil nasceu para atender as necessidades externas e permaneceu sendo gerido desta forma por muitos longos anos. Entretanto, a necessidade externa fez com que crescesse a agricultura. Grandes fazendas se desenvolveram, territórios novos passaram a ser explorados, surgindo novas vilas e cidades. Segundo Casalecchi (1982, p. 18): A cultura cafeeira gerou uma grande transformação na economia: 1. Para resolver os seus problemas de transportes, implanta e desenvolve o sistema ferroviário. 2. Para resolver os problemas do beneficiamento e ensacamento, dinamiza as atividades industriais de máquinas de beneficiar café e sacaria, ao mesmo tempo que incentiva a indústria têxtil para vestir os seus trabalhadores (escravos e depois os assalariados). 3. Para resolver os seus problemas de comercialização, financiamento e abastecimento, dinamiza as atividades do comércio de exportação e importação, o sistema bancário, o convívio urbano, além de propiciar o desenvolvimento dos portos, armazéns, transportes urbanos, numa palavra – auxilia o crescimento ou o aparecimento de cidades. 4. Para resolver os seus problemas de mão de obra utiliza-se dos escravos e depois, com a extinção do tráfico, em 1850, e com a crescente necessidade de braços para a lavoura com a expansão, introduz-se o trabalhador livre: o assalariado. Ocorreu um grande desenvolvimento. Cafeicultores tornaram-se muito ricos e poderosos. Foi a era dos barões do café. Fazendas imensas plantavam esse produto e utilizavam mão de obra escrava. Cidades cresceram em função da circulação de riquezas. 13 REPÚBLICA VELHA Para exportar o café, a rede de ferrovias teve que ser ampliada até os portos e várias cidades cresceram no entorno das estações de trem. Figura 1 – Cultura cafeeira no Brasil meridional, com indicação dos dois setores principais em que sucessivamente ela se desenvolve [imagem meramente ilustrativa] Adaptada de: Prado Junior (1981, p. 121). Alguns cafeicultores possuíam uma visão mais ampla de mercado e, gradualmente, passaram a substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, o que trouxe mais mudanças. Segundo Casalecchi (1982, p. 22) “isto libera novos capitais, antes mobilizados na compra de escravos e incentiva ainda mais as atividades econômicas”. Ou seja, parte do capital que os fazendeiros gastavam com a aquisição e manutenção da mão de obra escrava passou a ser utilizada no desenvolvimento de outras atividades econômicas, entre elas a indústria. É importante salientar que havia uma grande diferença de ideias entre os grandes fazendeiros do Vale do Paraíba e do Oeste de SãoPaulo. Os primeiros eram mais conservadores, apoiavam a Monarquia e defendiam a mão de obra escrava. Já os fazendeiros do Oeste de São Paulo, da região de Campinas, por exemplo, eram mais urbanos, tinham mais proximidade com os ideais republicanos, entre eles a abolição. 14 Unidade I Sendo assim, os fazendeiros mais urbanos utilizaram-se das riquezas oriundas do café para provocar mudanças fundamentais e grande crescimento econômico. Para se ter uma ideia, “a província de São Paulo, que em 1832 tinha 45 vilas e 1 cidade, passa para 57 cidades e 69 vilas, em 1887” (CASALECCHI, 1982, p. 22). Segundo Caio Prado Jr., citado por Casalecchi (1982, p. 20): a partir de 1850, fundam-se “62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás e 8 estradas de ferro”. Atrelado ao crescimento da indústria ocorreu a concentração nas cidades. Um grande número de operários, muitos estrangeiros, imigraram para as cidades. Alguns já haviam participado de movimentos sociais e sindicais em seus países e trouxeram para as terras brasileiras as suas experiências de organização e mobilização operária. O programa do Partido Liberal, antes mesmo de 1870, já pregava pela introdução do trabalho livre. Lembremos que, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós proibiu o tráfico de escravos. A saída imediata foi o tráfico interno, o que não foi suficiente para atender as necessidades. Outro importante acontecimento foi a Guerra do Paraguai (1864-1870), pois vários negros lutaram com a promessa de liberdade e de condições de constituírem uma vida livre e digna e passaram a se mobilizar exigindo o atendimento das promessas. Além disso, a partir da década de 1880, o movimento abolicionista se fortaleceu. Surgiram associações, periódicos e uma massiva propaganda. O historiador Boris Fausto ensina que vários membros da sociedade participaram dos movimentos abolicionistas. Pessoas de condições sociais diversas participaram do movimento, entre eles “destacou-se Joaquim Nabuco, importante parlamentar e escritor, oriundo de uma família de políticos e grandes proprietários rurais de Pernambuco” (FAUSTO, 2008, p. 218). O autor também cita a participação de pessoas negras ou mestiças, que tiveram uma atuação marcante no movimento abolicionista, e “os mais conhecidos são os de José do Patrocínio, André Rebouças e Luís Gama” (FAUSTO, 2008, p. 219). O Brasil sofria uma grande pressão externa para decretar a abolição, a Inglaterra e os EUA pressionavam o governo imperial. Em 13 de maio de 1888, não resistindo mais às inúmeras pressões, a princesa Isabel decreta a Lei Áurea. Os escravos finalmente foram libertados. 15 REPÚBLICA VELHA Primeira página: Figura 2 – [imagem meramente ilustrativa] Fonte: Correio Paulistano (1888, n. 9511). Correio Paulistano Editor gerente – Joaquim Roberto de Azevedo Marques S. Paulo – Terça-feira, 15 de Maio de 1888. PARTE OFFICIAL DECRETO N 3353 DE 13 DE MAIO DE 1888 16 Unidade I Extingue a escravidão no Brazil A Princesa Imperial Regente, em nome do Imperador o Sr. D. Pedro II, ha por bem sancionar e mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléia Geral: Art. 1º E’ declarada, da data da presente lei, extincta a escravidão no Brazil. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario. – Rodrigo Augusto da Silva, do conselho de Sua Magestade o Imperador, ministro e secretario de Estado dos negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em treze de Maio de 1988 – Izabel, Princeza Imperial Rgente. – Rodrigo Augusto da Silva. [...] Consummatum est! Gloria ao partido conservador! Gloria á nação Brazileira Gloria à Sua Alteza a Princesa Imperial Regente! Está abolida a escravidão no Imperio. O dia 13 de Maio de 1888 é o complemento do dia 28 de Setembro de 1871. Quem o diria? A 28 de Setembro de 1885, os mais ousados davam dez annos de vida á negra instituição. E era pouco. Em Dezembro de 1887, os emancipadores pediam o prazo máximo de três annos. Em Maio de 1888 lavrou-se o decreto da abolição, imediata e incondicional! E há ainda quem negue a interferência da Providencia aos destinos humanos! Ha quem negue a acção do Providencialismo na Historia da Humanidade! Estes, com certeza, nunca leram Bossuet nem Laurent, e ficam surdos á voz do Passado. Para confrontar com a data de 7 de Setembro de 1822, francamente, só vemos a data de 13 de Maio de 1888. A emancipação social e econômica é a consequência da emancipação politicia [...] Fonte: Correio... (1888). 17 REPÚBLICA VELHA Notem que o jornal citado faz uma franca defesa do Império, considera o regime como benfeitor da sociedade e ainda ironiza a previsão dos movimentos abolicionistas que estimavam a abolição da escravatura para um momento futuro. Afirma que essa alteração no quadro político/social se deve à intervenção da “providência”, ou seja, a interferência divina dos desígnios da sociedade e da história da humanidade. O jornal retratou os últimos suspiros dos conservadores, já que o Império começou a enfrentar outro problema, “especialmente no Vale do Paraíba, onde muitos proprietários arruinaram-se com a Abolição” (CASALECCHI, 1982, p. 57). Esses proprietários esperavam receber do Império uma indenização pela perda da propriedade dos escravos. Saiba mais Grande parte dos jornais apresentados está digitalizada em: Centro de Documentação e Memória da Unesp – Cedem: Disponível em: http://www.cedem.unesp.br/. Acesso em: 14 jul. 2022. Arquivo Edgard Leuenroth: Disponível em: http://www.ael.ifch.unicamp.br/site_ael/. Acesso em: 14 jul. 2022. Fundação Maurício Grabois (PC do B): Disponível em: http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/. Acesso em: 14 jul. 2022. Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro – CPV: Disponível em: http://www.cpvsp.org.br/. Acesso em: 14 jul. 2022. Arquivo Público do Estado de São Paulo: Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/. Acesso em: 14 jul. 2022. Não receberam nenhuma quantia. A parcela da sociedade que até então exercia a defesa da Monarquia se insurgiu contra ela e passou a defender a instauração da República. Cresce a oposição ao sistema político. É importante ressaltar o impasse pelo qual a Monarquia passou. Ao libertar os escravos chocou-se com os seus aliados, já que os monarquistas eram escravocratas. Ao libertarem os escravos fortaleceram os seus opositores, que defendiam os ideais republicanos. Assim, a Monarquia uniu duas forças opostas, gerando um bloco republicano único. 18 Unidade I Além disso, a Monarquia enfrentou problemas com a Igreja Católica e com os militares. Com a igreja, pela proximidade da Monarquia com a maçonaria; com os militares, porque estes perderam seus poderes e influência gradativamente e viram ingressar em suas forças civis que não possuíam “atributos seletivos exigidos pela aristocracia – ‘riqueza’, ‘bons padrinhos’, ‘dotes intelectuais’, o que reforça o seu desprestígio numa sociedade de ‘legistas’” (CASALECCHI, 1982, p. 67). Essas pessoas ingressavam na carreira militar visando à possibilidade de ascensão profissional e financeira. Em sua maioria, possuíam uma visão mais progressista, defendiam ideais republicanos, principalmente no exército. Assim, podemos entender que o exército era uma força mais democrática e representava as aspirações populares, principalmente da classe média. Podemos dizer que foi um conjunto de fatores que influenciou o fim da Monarquia. Em 11 de novembro, em uma reunião realizada na casa de Deodoro da Fonseca, na presença de Francisco Glicério, Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo, Benjamim Constant, Major Solon e Rui Barbosa, Deodoro assim teria se pronunciado: “Eu queria acompanhar o caixão do Imperador, que está velho e a quem respeito muito. Ele assim o quer, façamos a república. Benjamim e eu cuidaremos da ação militar; o Sr. Quintino e osseus amigos organizam o resto” (CASALECCHI, 1982, p. 88). O povo assistiu a tudo de camarote. No dizer de Aristides Lobo: “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava” (CASALECCHI, 1982, p. 94). Primeira página e editorial do jornal A Provincia de São de Paulo, edição 16 de novembro de 1889: Figura 3 - [imagem meramente ilustrativa] Fonte: A Provincia de São Paulo (1889). 19 REPÚBLICA VELHA A Provincia de São Paulo Sabbado 16 de Novembro de 1889 Viva a Republica A Provincia de São Paulo 15 de novembro de 1889 Glorioso Centenario da Grande Revolução Proclamação Replubica Brazileira [...] Viva a República, Cidadãos! Viva a Nação Brasileira! Viva a Republica! Viva o Exercito! Viva a Armada! Viva a Provincia de São Paulo! Fonte: A Provincia... (1889). Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação “O povo assistiu àquilo bestializado”, artigo de Aristides Lobo. Rio, 1889 (CASALECCHI, 1982, p. 94). Reflita sobre esta frase e tente entender qual foi a reação da população no momento da Proclamação Reflita sobre esta frase e tente entender qual foi a reação da população no momento da Proclamação da República.da República. Observação A República já nasceu comprometida com os interesses das oligarquias. Observação No final da Monarquia, a carreira militar era uma opção de profissão para jovens de origem menos favorecida. 20 Unidade I Lembrete A República nasceu como a solução de vários problemas, não há como dizer que um único fator interferiu no fim da Monarquia. O governo, em decorrência de vários fatores, perdeu o apoio das forças que lhe garantiam o poder, uniu e fortaleceu opositores. A Monarquia acabou pela sua incapacidade de sustentação. Lembrete Enquanto no Brasil a República estava sendo proclamada, na França, em 1889, estava sendo inaugurada a Torre Eiffel. Com 300 metros de altura, a torre projetada por Gustave Eiffel inicialmente foi criada como uma obra para a Exposição Mundial de Paris. Ao longo dos anos se tornou um símbolo da Cidade Luz (Paris). Saiba mais O filme recomendado pode propiciar uma inter-relação com os conteúdos deste tópico, ele retrata a exploração e a miséria às quais os operários ingleses estavam expostos: DAENS – Um Grito de Justiça. Direção Stijn Coninx. França: Dérive Productions, 1992. 138 min. 3 A INSERÇÃO DO BRASIL NOS QUADROS DO CAPITALISMO Segundo Caio Prado Junior, nos primeiros anos da República “a larga expansão das forças produtivas e o progresso material a que assistimos nos últimos decênios do Império ainda se ativarão mais com o advento da República” (PRADO JUNIOR, 1981, p. 154). Vários fatores concorreram para isso: a elevação do nível de vida da população europeia e nos EUA, o desenvolvimento da industrialização e o fomento do comércio internacional. Além disso, ocorreu o aperfeiçoamento dos sistemas de transportes e do sistema financeiro em nível mundial, o que facilitou a exportação e a importação das mercadorias. Devemos lembrar que estava em plena expansão o liberalismo, o que facilitou o comércio internacional. Nesse período, o capitalismo pregava pela livre-iniciativa e o livre comércio. Defendia também que o Estado não deveria intervir nas relações particulares. Assim, a burguesia se expandiu por todo o planeta e se solidificou no Primeiro Mundo. 21 REPÚBLICA VELHA O Brasil também estava em expansão econômica. Ocorreu uma numerosa imigração de trabalhadores de várias regiões da Europa. Prado Junior (1981, p. 155) alerta que o aperfeiçoamento técnico da navegação colaborou tanto para o fluxo dos imigrantes que já possuíam o conhecimento técnico para laborar nas indústrias como também para a importação de máquinas necessárias para o desenvolvimento da produção. A figura a seguir, do Censo de 1920, no capítulo “População”, demonstra o grande número de estrangeiros que passaram a integrar a população brasileira. Figura 4 – Censo de 1920 [imagem meramente ilustrativa] Fonte: Brasil (1920, p. 7). 22 Unidade I É importante ressaltar a dificuldade do trabalho dos pesquisadores. Vejam que a estatística foi feita a mão! Lembrem-se de que não havia computador na época! Na figura podemos notar o crescimento da população brasileira em relação à idade. A primeira coluna analisa os brasileiros de idade ignorada. Nas demais, faz uma comparação em relação à idade e à quantidade de homens e mulheres. Nesse censo foi a primeira vez que a população negra foi excluída. Os censos do Império registravam a presença dos negros, mas com o advento da República surgiram as teorias positivistas de branqueamento, e uma das formas de apagar a presença do negro da nossa história era a ausência de registro da sua existência. O crescimento dos cafezais no final do Império propiciou recursos necessários para a expansão da rede ferroviária, como também para a expansão da rede de energia elétrica, necessária para as indústrias. Há uma transformação na elite. Se antes havia uma preocupação com a política e os assuntos da corte, agora, os mesmos indivíduos se tornavam burgueses. A preocupação estava voltada para enriquecer, segundo Prado Junior (1981, p. 155), “especuladores e negocistas”. Muitos estrangeiros passaram a investir recursos no Brasil, a maioria na indústria e comércio. Foram abertas várias filiais de bancos ingleses, alemães, franceses, norte-americanos e outros. O ingresso de capital estrangeiro fomentou ainda mais a lavoura cafeeira. Além do café, outros produtos eram feitos visando ao mercado externo: a borracha, o cacau, o mate, o fumo. Entretanto, o revés da produção voltada para o mercado externo era a baixa produção de gêneros utilizados pelo mercado interno, o que forçava a importação de gêneros que faziam parte da cesta básica, encarecendo demais os produtos. Esse movimento aumentou em muito a dívida externa brasileira: A dívida externa do Brasil cresce de pouco menos de 30 milhões de libras por ocasião da Proclamação da República para quase 90 milhões em 1910. Em 1930 alcançará a cifra espantosa de mais de 250 milhões (PRADO JUNIOR, 1981, p. 157). Apesar do crescimento da dívida externa, a balança comercial permanecia equilibrada tendo em vista o grande volume das exportações. A questão central é que esse momento definiu as futuras crises, uma vez que grande parte da produção nacional era para exportação. Nossa economia dependia do equilíbrio econômico dos países europeus e dos EUA. A elite do período encontrou no liberalismo o modelo econômico para atender às suas expectativas. Essas ideias reafirmaram ainda mais as diferenças sociais e, apesar da abolição da escravidão, a sociedade brasileira reafirmou as desigualdades, com o empobrecimento ainda maior dos trabalhadores livres: 23 REPÚBLICA VELHA Nessas circunstâncias, o liberalismo adquiria um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte. Acoplado ao presidencialismo, o darwinismo republicano tinha em mãos os instrumentos ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário (CARVALHO, 1990, p. 25). Apesar do crescimento da lavoura cafeeira e do enriquecimento dos proprietários de terra, a classe trabalhadora não colhia os frutos do crescimento econômico. Os grandes fazendeiros passaram a enfrentar problemas com a mão de obra livre. Os antigos senhores permaneciam com a mentalidade escravocrata e não davam aos trabalhadores estrangeiros condições dignas de trabalho. Os trabalhadores eram tratados em condições análogas à escravidão. Para pagar as despesas da viagem e da moradia, não recebiam integralmente os salários. Para sobreviver eram obrigados a comprar os gêneros de primeira necessidade das vendas de propriedade dos senhores, onde os preços eram muitos altos. Assim, a dívida nunca era paga e o trabalhador e sua família eram obrigados a permanecer laborando. A maioria dos imigrantes veio para o Brasil acreditando nas falsas promessas do governo brasileiro. O Brasil publicou emjornais europeus anúncios nos quais oferecia trabalho, afirmando que aqui era uma terra de oportunidades onde os trabalhadores poderiam conseguir terras e enriquecer com o trabalho. Segundo Toledo (2004, p. 15), “a maior parte era de imigrantes que fugiam da miséria do campo italiano e das condições existentes nas fazendas de café paulistas”, provavelmente atraídos pelas promessas e garantias de trabalho. Agências de imigração foram criadas. Eles aliciavam as famílias ainda em sua terra natal, arcavam com as despesas de documentação e transporte. Quando chegavam no Brasil, os imigrantes eram encaminhados para os centros de imigração, onde os aliciadores já faziam a triagem e encaminhavam os trabalhadores para as fazendas onde iriam trabalhar. Ocorre que, quando lá chegavam, encontravam uma situação bem diferente da que havia sido ofertada. Nesse sentido, analisar o trecho a seguir é de suma importância. O artigo, publicado no jornal Guerra Sociale, descreve a dura realidade dos imigrantes que vieram para trabalhar nas lavouras de café. Transcrição do artigo publicado no texto a seguir: 24 Unidade I Escursão de Propaganda Odissea dos Colonos – A loucura religiosa – A sementeira libertaria O que no interior do Estado de São Paulo, na região servida pela estrada de ferro Araraquarense, mais impressiona o viajante, são as causas dos colonos. Situados em lugares onde a inteligência dos fazendeiros os localizou, sem ter em consideração a topografia do terreno, a convergência dos mananciais, nem a escolha do clima, esses edifícios de construção primitiva distanciam-se um dos outros por espaços mais ou menos regulares. As paredes destes palácios são construídas com algumas dúzias de estacas toscas, colocadas a distancia de vários centímetros uma das outras. Algumas chegam ao telhado, outras alcançam a meio distancia. A maior parte dessa choupana são cobertas com palhas e as restantes com zinco. Nesses chiqueiros o calor, o frio, a chuva, os ventos, as tormentas de pó, de granizo, fazem das suas, como em campo aberto, Os insectos nocivos, que ali se criam, assombram pela sua proliferação. Quatro sarrafos atravessados uns sobre os outros, e um pouco de berva silvestre ou palha de milho, servem de leito aos desgraçados colonos. É sobre esses leitos que as mulheres pertencentes ao proletariado campesino dão à luz, sem assistência médica, aos futuros escravos, que hão de continuar a obra dos seus perseguidores: trabalhar e sofrer vicissitudes espantosas, para enriquecer os modernos feudatários. O fubá, a mandioca (rais de pau), e feijão, gêneros de ultima qualidade, deteriorados, constituem, com escassez, a base da alimentação desses esforçados pioneiros do trabalho. Homens e mulheres, velhos e creanças de ambos os sexos, levantam-se as altas horas da madrugada, invadem os cafezais e, durante todo o dia, torrados pelo sol, banhados pela chuva, ou tiritando de frio, labutam, como leões, até a noite, estafando-se completamente, ao ponto de perderem a disposição para comer a bazofia, que os cães regeitam. Raros são os que vestem roupa interior. Farrapos de algodão, cheios de claraboias feitas pelos espinhos ou [...] [...] mistura de diversos idiomas ou dialetos que ninguém entende. A loucura religiosa domina sensivelmente o pensamento e o sentimento da população das cidades, dos lugarejos e das fazendas. Cada casa é uma capela. Não há dinheiro para adquirir o pão, mas sempre aparecem para comprar cêra, afim de alumiar os bonequinhos de pau. Todos os males se remediam com rezas e promessas, além de um pouco de azeite de lamparina, com a qual os fanáticos se ungem. 25 REPÚBLICA VELHA A sciencia medica foi substituída pela magia. Os médicos e os farmacêuticos cederam o lugar, aos curandeiros, que tratam todas a moléstias com rezinhas, penitencias e orações. Durante o longo período de esteio organizam-se procissões, que conduzem as margens dos ribeirões, os santos, os padroeiros e banham-se para que façam chover. Em Nova América o fanatismo chegou ao ponto de prejudicar o vigário daquela localidade. Um estupido, metido a curandeiro catequisou o povo de tal forma, que este passa o dia rezando [...] mas não vae à missa, obedecendo aos conselhos do seu facultativo, o qual não poder ver com bons olhos que nas almas ingênuas levem o seu pecúlio ao padre. Esse, por sua vez, está furioso contra o novo messias e contra os seus fanáticos, a causa da concorrência, pois sente-se ameaçados de morrer à mingua. De mãos dadas com o fanatismo, a pornografia marcha divinamente. Em Araraquara, por exemplo, vemos mocinhas de quinze anos percorrer em nas ruas, penetrando em todos os estabelecimentos... em todas as casas... pedindo esmolas para Nossa Senhora, ou vendendo bilhetes de tombolas, dirigindo, aos fregueses, gracejos que faziam corar um santo de pedra, ou insultos, quando não caem com o cobre. O mais digno de nota e de satisfação para quem viaja propagando o ideal libertário é a psicológica de elemento anarquista destas comarcas. A amabilidade, e a franqueza a sinceridade, e a bondade, a honradez e o entusiasmo da grei libertaria cativam e comovem. O acolhimento leal e expontaneo que encontrei em todas as localidades, deu-me animo e facilidade para realizar em poucos dias e de maneira feliz, que sob o ponto de vista do beneficio econômico para nossa folha, quer sob o da propaganda em geral, a tarefa que me foi confiada. [...] Fonte: Guerra... (1916, p. 2). 26 Unidade I Figura 5 – [imagem meramente ilustrativa] Fonte: Guerra Sociale (1916, p. 2). 27 REPÚBLICA VELHA O artigo descreve o estado de penúria dos imigrantes campesinos, eles viviam em choupanas, cabanas rústicas sem as mínimas condições de higiene e segurança, a alimentação era de péssima qualidade, verdadeira “basófia”, ou seja, guisado de restos de comida. Trajavam verdadeiros farrapos, não possuíam roupas de baixo, trabalhavam sob péssimas condições, expostos às mais adversas condições e com uma jornada estafante. O descanso era somente no domingo para irem à missa, já que grande parte dos imigrantes era católica. Contudo, precisamos entender que o jornal era uma publicação anarquista. Nesse sentido, além das denúncias em relação às condições de vida, ele fazia um ataque direto à religião, ironizava a fé e questionava o comportamento das “meninas de 15 anos” que vendiam rifas para ajudar a igreja. Chama as benzedeiras de curandeiras, questionando as suas práticas e o comportamento do padre da paróquia. Mas ao final, faz propaganda dos ideais anarquistas, elogia os trabalhadores que receberam o ativista e divulga as conquistas obtidas. É importante reconhecer que esses ativistas tinham uma grande dedicação à causa. Viajavam em cidades divulgando os ideais, faziam denúncias, organizando os trabalhadores e tentando aproximá-los da causa anarquista. Muitos desses imigrantes já conheciam os princípios anarquistas em suas terras natais, mas os trabalhadores brasileiros somente tiveram contato com os ideais através das reuniões organizadas pelos ativistas. Resumidamente, o artigo deixa claro que os camponeses viviam uma situação de miséria em suas pátrias em decorrência da guerra e que foram enganados por propagandas do governo brasileiro que prometiam terra e trabalho digno. Vieram trabalhar na lavoura do café e, ao chegar, eram tratados como escravos, reproduzindo aqui uma realidade ainda mais cruel do que em suas terras. A dura realidade do campo fez com que centenas de famílias de imigrantes que estavam nos campos, no intuito de fugir dessas condições de vida, se deslocassem para as cidades, passando a engrossar as fileiras de operários, tornando-se, conforme descreveu Toledo (2004, p. 15): “operários industriais, chapeleiros, sapateiros, tipógrafos, trabalhadores de olarias, pedreiros, carpinteiros, ferroviários. Eles contribuíram para a organização dos sindicatos de São Paulo”. Com o passar dos anos, unindo-se a outros imigrantes que se encontravamnos grandes centros, mas trabalhando em fábricas, criaram entidades de classe, associações, jornais e fundaram partidos de esquerda. Passaram então a se mobilizar, denunciando a situação de miséria, as péssimas condições de vida, conforme demonstra o trecho do artigo a seguir: Trabalhadores da Europa, não venham para o Brasil (1904). Pede-se aos jornais anarquistas do mundo todo que reproduzam o seguinte apelo: Que os trabalhadores dos centros industriais e agrícolas fiquem de guarda contra os vis engodos de jornalistas e agentes de emigração, interessados em lhes pintar o Brasil com as mais deslumbrantes cores a fim de induzi-los 28 Unidade I a emigrar. Estejam atentos, agora e sempre, se não querem ser vítimas das maiores mistificações e logros. Não é verdade que aqui há trabalho para todos. Não é verdade que aqui o operário é bem remunerado. Não é verdade que aqui são dadas garantias aos estrangeiros. Não é verdade que aqui o operário pode fazer fortuna. Tudo isso são verdadeiras mentiras inventadas por jornalistas e agentes de emigração regiamente pagos pelo governo e grandes proprietários do Brasil, com o único fim de fazer chegar até aqui uma nova superabundância de trabalhadores braçais, de modo a poder negociá-los ao mais baixo preço possível. Estejam atentos, portanto, os trabalhadores da Europa, especialmente os das nações latinas que, iludidos, enganados, abandonam impensadamente o país de origem para se jogarem em torrentes nas praias desta infernal república onde, uma vez chegados – sem trabalho, sem pão e sem ajuda – se encontram à mercê dos consulados que não se interessam absolutamente nada por sua desgraçada situação. No Brasil – já avisamos muitas vezes – só há condições de vida para os trapaceiros e ladrões profissionais. No Brasil só há trabalho para os que se submetem a ser bestas de carga por um salário irrisório. No Brasil os patrões obrigam a trabalhar e não pagam. No Brasil a vida custa os olhos da cara. No Brasil não existe nenhuma garantia para o operário e muito menos para o estrangeiro. No Brasil, o governo é composto de um bando de piratas e ladrões. No Brasil a vida e a liberdade dos cidadãos estão à mercê de uma Polícia feroz, selvagem, que rouba, violenta, mata impunemente, movida apenas pelo instinto de mando e pelo hábito de roubalheira. No Brasil, onde a indústria não existe, o elemento trabalhador não encontra ocupação a não ser nas fazendas (grandes feudos) onde os colonos, bestialmente tratados, estão condenados a levar uma vida de padecimentos e atribulações. No Brasil – repitam em voz alta, publiquem nos cabeçalhos de todos os jornais – há mais gente que morre de fome do que se possa imaginar, há misérias que o velho mundo ignora totalmente; aqui se cometem infâmias e atrocidades inauditas, de se arrepelarem os cabelos. Cuidado, trabalhadores da Europa: não se deixem enganar pelos rufiões. La Battaglia, S. Paulo, 11.9.1904 (CARRONE, 1984, p. 121). Entretanto, essa relação de exploração do trabalho livre também ocorreu com os trabalhadores brasileiros. A falta de formação, a maioria analfabeta recém-egressa da escravidão, facilitava a exploração. O trabalhador, embora livre, acabava sendo preso e tratado como escravo diante das dívidas que contraíam com os fazendeiros, que pagavam salários miseráveis e ao mesmo tempo vendiam os gêneros de primeira necessidade a preços exorbitantes. Assim, os trabalhadores sempre estavam endividados e, não tendo como quitar a dívida, eram obrigados a permanecer trabalhando. Essa situação se reproduziu em todo o território. A exploração era ainda maior nas regiões mais distantes, onde o transporte e armazenamento dos gêneros era de domínio completo dos senhores. O 29 REPÚBLICA VELHA que era ruim podia ser piorado: o abuso era ainda mais extremo na indústria de exploração de borracha, pois os fazendeiros tiravam proveito da enorme distância dos grandes centros e da falta de cultura dos trabalhadores. Devemos lembrar que a indústria de borracha estava localizada no extremo do território brasileiro, Manaus e Belém: O boom da borracha foi responsável por uma significativa migração para a Amazónia. Calcula-se que entre 1890 e 1900 a migração líquida para a região foi de cerca de 110 mil pessoas. Elas provieram sobretudo do Ceará, um Estado periodicamente batido pela seca. A economia da borracha trouxe como consequência o crescimento da população urbana e a melhora das condições de vida de pelo menos uma parte dela, em Belém e Manaus. Entre 1890 a 1900, a população de Belém quase dobrou, passando de 50 mil a 96 mil pessoas. As duas maiores cidades da Amazônia contaram com linha elétricas de bonde, serviços de telefone, água encanada, iluminação elétrica nas ruas, quando isso, em muitas cidades, era ainda um luxo. Entretanto, essas mudanças não conduziram à modificação das miseráveis condições de vida dos seringueiros que extraíam borracha no interior (FAUSTO, 2014, p. 164). Havia um isolamento tanto pela distância como pela falta de tecnologia. O poder era exercido pelos proprietários das terras e das indústrias. O Estado praticamente não intervia na administração local e a exploração dos trabalhadores não encontrava nenhuma oposição institucional. Os trabalhadores europeus contaram com o apoio dos seus países. O governo italiano chegou a proibir a imigração para o Brasil. Os cônsules atuavam diretamente e buscavam proteger seus cidadãos. As inúmeras denúncias forçaram o parlamento a gerar as primeiras leis de proteção do trabalhador rural. Paralelamente, o fim do trabalho escravo gerou uma grande crise financeira aos proprietários de terra que eram conservadores. Muitos optaram por mudar a atividade produtiva para a pecuária. Ocorre que a criação de gado necessita de uma quantidade menor de trabalhadores. Assim, povoados que foram gerados em torno das plantações de café sofreram as consequências da estagnação de empregos e da circulação de mercadorias. Em muitos lugares a produção agrícola será aniquilada, e em seu lugar, onde o latifúndio se consegue manter, desenvolver-se-á quando muito a pecuária, onde o problema da mão de obra é menos premente. Mas uma pecuária extensiva, de nível econômico muito baixo. Em suma, a estagnação, a decadência, o despovoamento (PRADO JUNIOR, 1981, p. 160). 30 Unidade I Ainda no Nordeste também ocorreram mudanças estruturais. Os antigos engenhos se transformaram em usinas: Em lugar do engenho aparecerá a grande usina, unidade tipicamente fabril e maquinofatureira, que passará a produzir o açúcar extraído da cana fornecido pelas lavouras dos antigos engenhos transformados assim em simples produtores de matéria-prima; divisão de funções que será o germe de novas e profundas contradições em que se oporão a usina absorvente, que tende a recompor em seu benefício uma grande propriedade de novo tipo, e os engenhos (que de engenhos conservam quase sempre apenas o nome, pois já não passam de simples lavouras fornecedoras de cana-de-açúcar) que procuram tenazmente, mas sem sucesso nem perspectivas, se conservar (PRADO JUNIOR, 1981, p. 161). A recomposição de forças econômicas e políticas ocorreu em vários lugares do Brasil. Fortaleceu-se a mentalidade industrial e surgiram novos líderes regionais, que passaram a recompor as forças da República. Entretanto, sem sombra de dúvidas, foi em São Paulo onde ocorreram as maiores transformações. A República trouxe consigo as indústrias e a modernização das cidades, além de no campo, em algumas regiões, ocorrer uma maior diversificação da produção e do cultivo de animais. Assim, a República se solidifica com contradições: o crescimento da monocultura como fator estrutural da economia, com a circulação do dinheiro que a cafeicultura gerou, e o surgimento de outras atividades, em especial da indústria, que passou a capitanear o crescimento de uma elite burguesa. Saiba mais O filme indicado a seguir retrata bem o período em questão. MAUÁ, o Imperadore o Rei. Direção: Sérgio Resende. Brasil: Europa Filmes, 1999. 134 min. Observação Liberalismo é uma teoria que defende a liberdade política e econômica. Portanto, defende que o Estado deve abster-se do controle da economia e da regulação das relações privadas. Nesse sentido, valoriza a livre-iniciativa, o espírito empreendedor, a autonomia das relações econômicas e o livre mercado. 31 REPÚBLICA VELHA Lembrete A República consolidou as desigualdades sociais existentes desde a fundação do Brasil. Saiba mais Para entender melhor esse período de transição, leia: COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 1979. Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação Durante a primeira fase da República o café era reconhecido como o símbolo do Brasil e o café era Durante a primeira fase da República o café era reconhecido como o símbolo do Brasil e o café era conhecido com o ouro verde. Por quê? Qual a importância dessa cultura na nossa formação econômica conhecido com o ouro verde. Por quê? Qual a importância dessa cultura na nossa formação econômica e política?e política? Saiba mais O livro indicado a seguir, do historiador Boris Fausto, apresenta aspectos importantes de nossa história. FAUSTO, B. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. 4 A REPÚBLICA DOS PRIMEIROS TEMPOS Somos da América e queremos ser americanos (MANIFESTO DO PARTIDO REPUBLICANO, 1870 apud CARVALHO, 2009). O americanismo marcou a República nascente como que por antinomia ao europeísmo com o qual se identificava a Monarquia. Se as instituições monárquicas prendiam o Brasil à Europa, as republicanas integravam-no ao sistema continental americano. Pretendia-se romper com a tradição monárquica (BUENO, 1997, p. 150). A República brasileira teve como inspiração o modelo norte-americano. Preocupou-se com a integração do território e com a retomada de parcerias econômicas com países da América do Sul, em especial com o Paraguai, a Argentina e o Chile. Houve mudança na estruturação do Estado brasileiro de 32 Unidade I forma federativa e, por fim, do nome: República dos Estados Unidos do Brasil! Outros aspectos também foram inspirados, conforme demonstra Topik (2009, p. 104): Listras verdes e amarelas e estrelas substituíram a bandeira da monarquia pouco depois que a guarda real rendeu-se às tropas rebeldes do marechal Deodoro da Fonseca no campo de Santana, no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1889. O novo estandarte republicano era uma imitação consciente da bandeira dos Estados Unidos. Ainda que a recém-nascida república logo tenha adotado um padrão distinto para sua bandeira, não cessou de imitar a vizinha do norte. O nome do país foi mudado para Estados Unidos do Brasil, e a nova Constituição, promulgada em fevereiro de 1891, foi claramente delineada com base no modelo norte-americano. Figura 6 – Bandeira Provisória da República Disponível em: https://bit.ly/3PpygBS. Acesso em: 14 jul. 2022. José Murilo de Carvalho, em sua obra A formação das almas, nos informa que “em São Paulo, desde 1873 existia o partido republicano mais organizado do Brasil” (1990, p. 24), fruto da insatisfação dos produtores rurais paulistas, que não viam na monarquia o retorno aos seus anseios. Para eles, o modelo de república a ser adotado era o americano. Esse modelo possuía como características uma definição mais individual do pacto social, restringindo ao máximo a participação popular: Mais ainda, ao definir o público como a soma dos interesses individualistas do pacto social. A versão do final do século XIX da postura liberal era do darwinismo social, absorvido no Brasil por intermédio de Spencer, o inspirador do principal teórico da República, Alberto Sales (CARVALHO, 1990, p. 24). Resumidamente, a expressão “darwinismo social” vem da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Esse importante cientista foi o criador da evolução das espécies: a teoria evolucionista. Nessa teoria, as espécies sobrevivem de acordo com a seleção natural, sobrevivem os mais fortes, já que os mais frágeis e doentes são naturalmente excluídos, morrem ou são devorados pelos predadores. Sobrevivendo os mais fortes, são estes que se reproduzem. Assim, ao longo dos anos, as espécies vão 33 REPÚBLICA VELHA sendo aprimoradas, já que as matrizes são sempre os espécimes que conseguiram sobreviver. Do ponto de vista social, os teóricos que defendem o darwinismo social entendem que nas sociedades sobressaem aqueles que possuem condições genéticas superiores: os brancos, bens nascidos, cultos, pois naturalmente tiveram acesso às melhores condições de vida, gerando seres humanos com capacidade, principalmente intelectual, superior. A superioridade existe tanto do ponto de vista intelectual quanto físico, formato do cérebro, do corpo, entre outros. Na época, vários estudos do cérebro humano foram desenvolvidos tendo como base o darwinismo social. Para os defensores do positivismo, teoria adotada pelos republicanos paulistas, os EUA demonstravam a superioridade das ideias e de visão da sociedade. O país era a prova da existência da seleção social, em que deveriam dominar os mais cultos e ricos. Assim, a existência de uma sociedade dividida em classes era natural, justificada, já que nem todos possuem as condições necessárias para dominar, e sim para serem dominados. Vamos analisar o documento apresentado a seguir, trata-se de uma charge, no jornal O Parafuso, de 19 de maio de 1920, que demonstra como os intelectuais brasileiros, engajados nas lutas sociais, já haviam percebido a grande identidade dos projetos americanos com os da elite brasileira. Verificamos a figura do “Tio Sam”, que traz consigo a ideia de modernidade e industrialização. Ao segurar a lâmpada, a imagem simboliza como a energia está diretamente ligada à ideia de desenvolvimento (o touro, o bonde, o carvão). Já o pobre, seminu, está com a mão estendida como um pedinte, ele é excluído deste progresso pela sua situação de miserabilidade. Vejam “o forte dominando o mais fraco”. O “Tio Sam” possui garras, está com o telefone debaixo dos braços, domina e controla a modernidade: Figura 7 – O Parafuso, de 19 de maio de 1920, primeira página [imagem meramente ilustrativa] Assim nasceu a nossa república. Ao contrário de outros países, como a França, o ideal de república, 34 Unidade I no Brasil, não surgiu como fruto de movimentos populares, de lutas de classe ou mesmo de uma revolução social. Não houve sequer confronto. Carvalho (1990) nos revela que, nas marchas dos soldados, na ocasião da tomada do poder pelos republicanos, inúmeras mulheres acompanharam os soldados (maridos e parentes) imaginando que haveria um grande confronto. Contudo, tal situação não ocorreu. Na passagem da monarquia para a república não ocorreu um levante, uma revolução. Somente uma troca de cadeiras, da qual a população não participou. Essa característica, própria do Brasil, gerou inúmeros questionamentos sobre os ideais republicanos entre os líderes políticos. Na verdade, a República nasceu para atender aos anseios da nova classe econômica que se fortaleceu com a abolição da escravatura. Com o fim da monarquia, esses novos atores passaram a interferir diretamente na política brasileira, utilizando-se de seu poder econômico. A prosperidade, a crescente monetarização da economia e as estradas de ferro haviam conduzido mais e mais proprietários de terras para os investimentos comerciais, financeiros e urbanos. Enquanto a tradicional aristocracia detentora de terras gradualmente se aburguesava, a burguesia assumia rapidamente feições aristocráticas. Mas apenas ao final do período imperial a burguesia aristocrática associa poder econômico a político e redefine sua missão. Tais financistas viriam a ser os principais organizadores e participantes do Encilhamento. Foram também os principais intermediários para os investidores europeusno continente. Sua ascensão promoveu uma mudança na política externa brasileira. Ao contrário da elite plantadora, que se contentara em depender do crédito comercial britânico, os financistas brasileiros buscavam mais autonomia e espaço para manobras através de contatos com investidores franceses, alemães, portugueses e até mesmo alguns norte-americanos (TOPIK, 2009, p. 117). Assim, a nova elite republicana nascia com uma proximidade política e econômica com os EUA. Além da proximidade com os ideais, havia uma grande identificação com os princípios econômicos (ligados à comercialização dos produtos nacionais como o café e o açúcar). A nova elite apoiou a consolidação dos EUA como uma hegemonia mundial, substituindo a Inglaterra, que era apoiada pelo Império. Além dos aspectos externos, havia as questões internas das lideranças republicanas. Inspirados na sua maioria nas ideias de August Comte, importante filósofo e sociólogo francês do século XIX, considerado o criador do Positivismo e da Sociologia, os intelectuais viam a possibilidade de transformar o Brasil em um país ideal. Mantendo a forte defesa dos interesses da elite dominante, o modelo do liberalismo adotado 35 REPÚBLICA VELHA reafirmou ainda mais as diferenças sociais. Mesmo após a abolição da escravidão, a sociedade brasileira aumentou ainda mais as desigualdades, excluindo os pobres e a classe trabalhadora. Nessas circunstâncias, o liberalismo adquiria um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte. Acoplado ao presidencialismo, o darwinismo republicano tinha em mãos os instrumentos ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário (CARVALHO, 1990, p. 25). Essa realidade foi marcante em São Paulo e Rio de Janeiro, as duas capitais pioneiras na industrialização. Com o crescimento das indústrias, fortaleceu-se a figura do industrial, produzindo um outro membro da elite. Da mesma forma que ocorreu na Europa, mas com algumas décadas de atraso, nascia no Brasil a elite burguesa. Um grande número de indústrias foi criado no final do século XIX. Costa (1979, p. 199) informa que: [...] em menos de dez anos, o número de indústrias passou de 175 em 1874 para mais de seiscentas. [...] Em 1880, havia 18.100 pessoas registradas como operários. Um recenseamento de 1907 registra 2.983 estabelecimentos industriais e uma população de 136.420 pessoas dedicadas a essas atividades. Com o crescimento e desenvolvimento das atividades industriais, aumentou o poder político e econômico dos proprietários de indústrias que viam nos ideias liberalistas as respostas aos seus anseios. O espírito da especulação e a busca pelo enriquecimento pessoal a todo custo, denunciados amplamente na imprensa, na tribuna, nos romances, davam ao novo regime uma marca incompatível com a virtude republicana. Em tais circunstâncias não se podia nem mesmo falar na definição utilitarista do interesse público como a soma de interesses individuais. Simplesmente não havia preocupação com o público. Predominava a mentalidade predatória, o espírito do capitalismo sem a ética protestante (CARVALHO, 1990, p. 30). O confronto entre ideais e realidade era profundo. As propostas republicanas positivistas viam na transformação da sociedade a possibilidade da instauração de uma nação civilizada, próxima ao modelo europeu. Já os ideais liberalistas, modelo que prevaleceu, viam no momento a possibilidade de um grande enriquecimento. Apesar de minoria em muitos momentos, os ideais positivistas tiveram grande influência na sociedade. Para eles “a explicação para o que lhes parecia a ‘anomalia’ da realidade brasileira encontrava eco nas teorias racistas de Gobineau e Lapouge e nas doutrinas deterministas de Ratzel” (COSTA, 1979, p. 203). Esses intelectuais acreditavam que grande parte dos problemas brasileiros ocorria pela mistura de raças e pela grande influência negra na nossa população. Surge, então, a teoria do branqueamento. O Brasil importou a teoria, mas fez uma adaptação: a ideia de miscigenar. Para isso, a proposta era de importar 36 Unidade I imigrantes europeus que iriam miscigenar com os negros e a raça negra seria suplantada no decorrer dos anos. Para esses teóricos, após alguns anos, não haveria mais negros; a população brasileira teria sido transformada em branca e, portanto, seria portadora das qualidades de virtudes da raça que eles defendiam. Andrews (1998, p. 212) nos explica essa teoria: A única saída para os negros afligidos por este medo era abraçar a “tese do branqueamento” desenvolvida na virada do século por intelectuais brasileiros em resposta a um racismo científico europeu. Os racistas científicos doutrinários consideravam a mistura racial como um processo regressivo, em que o ancestral racial europeu era enfraquecido e diluído ao ser misturado com aquele das pessoas não brancas. Alguns intelectuais brasileiros aceitaram esta doutrina, e seu implícito prognóstico triste para países em que a miscigenação era disseminada. Outros, no entanto, imaginaram uma resposta extremamente criativa que na verdade levava o racismo científico um passo adiante. Declarando que os teóricos europeus tinham muito pouca fé em sua própria herança racial, pensadores brasileiros como João Baptista de Lacerda e F. J. Oliveira Viana disseram que, quando os brancos misturavam seus gens (ou, na linguagem da época, seu sangue) com aqueles dos não brancos, era a herança racial branca, e os atributos raciais brancos, que tendiam a dominar nos produtos dessas uniões. Por isso, com o tempo, e supondo a chegada continuada de imigrantes europeus no país, a mistura racial pouco a pouco “eliminaria” as características raciais africanas e indígenas e produziria o “branqueamento” final do Brasil. Para que a teoria realmente desse certo, mais do que miscigenar com os brancos, surgiu a necessidade de apagar da memória a existência e atuação dos negros na construção da nossa sociedade. Portanto, duas necessidades unidas fizeram com que a imigração de europeus fosse urgente: a industrialização e o branqueamento. Veja o quadro a seguir: Tabela 1 Período Número de imigrantes 1851-1860 121.000 1861-1870 97.000 1871-1880 219.000 1881-1890 530.000 1891-1900 1.129.000 1901-1910 671.000 1911-1920 717.000 1921-1930 840.000 Fonte: Segatto (1987, p. 12). Segatto (1987, p. 13) informa ainda: “Em 1901, 90% dos operários das fábricas de São Paulo eram 37 REPÚBLICA VELHA europeus, principalmente italianos; em 1913, essa proporção era 82%; e em 192, de 40%”. Vale aqui fazer um parêntese sobre o que estava ocorrendo no mundo: em 28 de junho de 1914 iniciou-se a Primeira Guerra Mundial, que durou até 1918. Envolveu vários países que estavam em plena 2ª Revolução Industrial. Esses países foram destruídos: fábricas, escolas, hospitais e o campo foram dizimados. A miséria cresceu e várias famílias foram forçadas a deixar a sua terra natal. A guerra iniciou-se pelos efeitos das alterações econômicas mundiais e pelo surgimento de novas potências econômicas que acirraram a concorrência econômica entre os países. Figura 8 – A verdadeira causa da guerra Fonte: Guerra Sociale (1916). O jornal Guerra Sociale, de 20 de maio de 1916, apresenta na primeira página um artigo que faz relatos da guerra e demonstra como ela somente atendia aos interesses das autoridades e empresários que enriqueciam com a morte do povo. Ou seja, os empresários vendiam armas para os Estados, e estes impunham o seu poder através do dominio bélico. Entretanto, quem morria nas guerras eram os soldados, na grande maioria trabalhadores comuns, pessoas pobres que perdiam suas vidas e todas as suas posses. Praticamente todos os países europeus participaram da guerra. Em 1917, ocorre a revolução socialista, que implanta um novo modelo econômico: o socialismo. Nasce a União Soviética, colocando em questão o modelo econômico até então adotado pelo mundo, o capitalismo. Com o transcorrer da segunda década doséculo XX, outros países adotam o modelo socialista, entre eles parte da Alemanha: 38 Unidade I Figura 9 – [imagem meramente ilustrativa] Fonte: A Plebe (1919, n. 6). Observação Insurrecionais eram os revoltosos, pessoas que se manifestaram contrárias à realidade. Foi um período de muita efervescência política! Guerra mundial, surgimento de um novo regime político, desenvolvimento de um novo modelo industrial, intensificação das trocas mercantis e circulação de pessoas pelo mundo. Grande parte dos operários imigrantes que vieram para o Brasil participou das discussões políticas que envolviam essas mudanças, tanto em seus países de origem como aqui, com as informações que recebiam através de cartas e dos jornais operários. A Lanterna foi um jornal operário, ligado ao movimento anarquista. Trazia notícias da Europa e dos movimentos operários que ocorriam no Brasil. Foi de suma importância no sentido de informar e auxiliar na organização dos operários. O artigo fala sobre a barbárie e o sofrimento causado pela guerra, cujo objetivo era somente atender aos interesses econômicos da burguesia e dos governos. 39 REPÚBLICA VELHA Figura 10 – A Lanterna, 27 de fevereiro de 1915 [imagem meramente ilustrativa] 40 Unidade I Transcrição do artigo: De Paris As sopas populares Quando em todos os campanários de França tocaram os sinos a rebate, anunciando a mobilização, paralisou-se a vida do paiz, imobilizaram-se as máquinas, as mãos soltaram a ferramenta, cerraram-se as oficinas. Foi a tempestade das dores e das revoltas, os cantos entusiásticos e os soluços mesclados com o estrondo dos comboios, pulando ao longo dos trilhos. A’ medida, que se esvaziavam cidades e campos, mordia uma angústia as estranhas da multidão. Se a invasão provocava a cólera e se partiam alegremente os que deviam repeti-la, os outros, sem trabalho, sem dinheiro, entreolhavam-se com ansiedade, e a mesma pergunta acudia a todos os lábios: “Comeremos amanhã?” Os mais optimistas abanavam a cabeça e diziam consigo: “Que atroz miséria vai pegar este inverno sobre a população laboriosa!” Vieram os dias frios e mesmo os mais pessimistas são obrigados a reconhecer que a vaga de penúria anunciada está longe de ser tam terrível como se previra. Sob o ponto de vista simplesmente material, é incontestável que a população operária não sofre em demasia com o período que atrevassamos. Não faltam certamente miseráveis, mendigos, náufragos. Já em tempo de paz existiam e os maus dias lançavam-nos à rua tam lamentáveis como hoje. Não tenhamos em conta esta minoria excepciona, mas sim a grande massa popular. Fonte: A Lanterna (1915). A situação relatada demonstra a extrema miséria dos trabalhadores franceses, vítimas da Primeira Guerra, e descreve o abandono das cidades, o frio e a fome sofridos pela população pobre. Assim, milhares de trabalhadores fugiram para o Brasil. Parte iludida pelas promessas do governo brasileiro de fatura e estabilidade, parte com a intenção de organizar o movimento operário e fomentar as ideais anarquistas e socialistas no Brasil. O campo e os grandes centros se viram abarrotados de imigrantes miseráveis. Tudo isso, reunido, gerou ainda mais uma hierarquização do poder, que ficou concentrado nas mãos dos detentores de capital e da produção; estes viam na realidade social uma possibilidade de enriquecimento rápido e fácil: mão de obra abundante e barata. Os jornais, documentos importantes para a análise do contexto, em várias situações apontaram a realidade dos operários. 41 REPÚBLICA VELHA Neste livro-texto estamos utilizando vários jornais operários, já que, desde aquele momento, havia uma grande distinção entre as notícias publicadas pela grande imprensa e a imprensa alternativa. O jornal Guerra Sociale era produzido pelo movimento anarquista. Para se aproximar dos operários brasileiros era escrito tanto em italiano como em português. Outros jornais como A Plebe, A Lanterna, Terra Livre, entre outros foram de suma importância na formação e organização dos trabalhadores. A importância é se conhecer o contexto da Primeira República e reconhecer que prevaleceu uma das principais premissas da economia: demanda e oferta. Lembrando, demanda é a procura, refere-se às pessoas que estão buscando algo. Oferta é o que está sendo oferecido, o que está à disposição. A indústria estava se estabelecendo, precisava de mão de obra abundante e barata. Vieram para os grandes centros centenas de operários com formação, experiência e em uma situação de miséria. Ou seja, havia uma grande oferta de mão de obra. Isso reduzia os salários, já que para cada vaga de trabalho havia vários trabalhadores oferecendo a sua mão de obra. Dessa forma, as indústrias puderam explorar a mão de obra à vontade, pois sabiam que poderiam substituir os empregados com facilidade e pagando menos. Não havia uma legislação geral, o que facilitava ainda mais a exploração. As indústrias brasileiras puderam se expandir. Ressaltando ainda que a elite industrial contava com total apoio dos governos, em especial com a proteção das forças policiais, que reprimiam violentamente os movimentos operários. Entretanto, a consolidação industrial não ocorreu de forma hegemônica em todo o território nacional e é importante reconhecer as grandes diferenças internas que ocorreram no período. A crescente elite industrial estava situada principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Havia também divergências substanciais entre as políticas do Centro-Sul e o Nordeste, a visão de Estado, a centralização do poder e, ainda, a fragilidade da estrutura das forças armadas. Toda essa situação gerava uma grande instabilidade interna e uma desconfiança dos demais países: A queda do Império foi vista com incerteza pela maioria das nações “civilizadas” e não muito bem recebida em casa. O gradual surgimento do republicanismo não angariou tanta aprovação como sustentaram posteriormente historiadores apologistas do regime. Em vez disso, a República enfrentava profunda vulnerabilidade externa e interna. Foi esse estado de coisas, muito mais do que a semelhança das instituições políticas ou o súbito iluminismo, o que tornou a amizade com os Estados Unidos mais importante do que nunca para a República brasileira nascente, que passou a negociar com o primeiro país a partir de uma posição mais frágil do que o fizera a monarquia (TOPIK, 2009, p. 119). 42 Unidade I Era fundamental que o país conseguisse se unir internamente e demonstrar para os demais países que o novo sistema político era irreversível e havia surgido para se consolidar. Fausto (2008, p. 248) explica que: Recebida com restrições na Inglaterra, a proclamação da República brasileira foi saudada com entusiasmo na Argentina e aproximou o Brasil dos Estados Unidos. [...] O nítido deslocamento do eixo da diplomacia brasileira de Londres para Washington se deu com a entrada do Barão do Rio Branco para o Ministério das Relações Exteriores, onde permaneceu por longos anos, entre 1902 e 1922, atravessando várias sucessões presidenciais. Dessa forma, a República nasceu com a necessidade de se afirmar interna e externamente. Externamente, o apoio dos EUA foi fundamental, já internamente, ocorreram levantes, como veremos a seguir. Canudos Segundo Fausto (2008, p. 257), “seu líder era Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Antônio Conselheiro”. Filho de comerciante, nascido no Ceará, pretendia ser padre. Transformou-se em beato e foi no sertão da Bahia que ele se estabeleceu e criou a comunidade que, no seu apogeu, alcançou 30 mil habitantes. Em inúmeras ocasiões ocorreram confrontos entre os seguidores de Antônio Conselheiro e forças oficiais, o que gerou inúmeras desconfianças dos republicanos. Para agravar a situação, Conselheiro pregava pela volta da Monarquia. Após um mês e meio de luta (cerca de 45 dias), “uma expedição sob o comando do general Arthur Oscar, constituída de 8 mil homens e dotada de equipamento moderno, arrasouo arraial em outubro de 1897” (FAUSTO, 2008, p. 258). Esse conflito demonstrou a grande distância que existia entre o poder central e as inúmeras realidades do Brasil. O governo republicano não conseguiu negociar com os sertanejos e teve que impor o seu poder por meio da força. Rio Grande do Sul Segundo Fausto (2008, p. 255): entre a proclamação da República e a eleição de Júlio de Castilhos à presidência do Estado em novembro de 1893, dezessete governos se sucederam no comando do Estado. Opunham-se, de um lado, os republicanos históricos, adeptos do positivismo, organizados no Partido Republicano Rio-grandense (PRR), e, de outro lado, os liberais. 43 REPÚBLICA VELHA A situação gerou uma guerra que se iniciou em 1893 e durou dois anos e meio. Conhecida como Revolução Federalista, ocasionou a morte de milhares de pessoas, os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, gasparistas ou maragatos, que eram oposicionistas dos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas, pica-paus ou ximangos. A grande disputa ocorreu pelo poder. Na verdade, o sul do Brasil queria espaço e reconhecimento no novo poder que havia sido instalado e do qual estava excluído. Prudente de Morais Desde o início havia um acordo entre Floriano Peixoto e a elite paulista. Com a eleição de Prudente de Morais, em 1º de março de 1894, a aliança se rompeu. Foi o fim da intervenção do exército na Presidência de República. No governo de Prudente, tornou-se aguda a oposição, já existente na época de Floriano, entre a elite política dos grandes Estados e o republicanismo jacobino, concentrado no Rio de Janeiro. Os jacobinos derivavam seu nome de uma das correntes predominantes da Revolução Francesa. Formavam um contingente de membros da baixa classe média, alguns operários e militares atingidos pela carestia e as más condições de vida (FAUSTO, 2008, p. 256). Com a eleição de Prudente houve uma cisão entre os jacobinos e o novo governo. O modelo que assumiu não era mais próximo aos ideais de revolução francesa e aos militares, prevalecendo os ideais de capitalismo capitaneados pelos EUA. Logo nos primeiros anos houve uma grande mudança na liderança do Brasil República. Prevaleceram os interesses econômicos, e os militares que derrubaram o Império perderam parte do poder. Barão do Rio Branco Personagem emblemático. Da mesma forma que parte da sociedade idolatra a sua atuação na República, outra parcela possui críticas severas. Dentre as críticas, o seu papel na teoria do branqueamento. Vários teóricos acusam o Barão de ter mandado incinerar os registros dos negros escravizados, temendo as inúmeras ações de indenização que poderiam ocorrer. Na verdade, até o censo de 1920, o primeiro do período da República, a população negra era contabilizada. Havia uma discriminação da população brasileira negra e branca. Após 1920, a população passou a ser discriminada como brasileiros e estrangeiros. Além disso, todos os estrangeiros possuem registros de suas entradas no serviço de imigração, assim há registros de entrada de portugueses, italianos, espanhóis, poloneses, japoneses entre outros, mas não há registros de entradas dos africanos. 44 Unidade I A escravidão poderia gerar indenizações. Para termos um paralelo, os judeus foram indenizados pelas atrocidades das quais foram vítimas no nazismo, que durou cerca de 10 anos. Já a escravidão no Brasil durou 388 anos! Inúmeros africanos e afrodescentes poderiam pleitear indenizações pelas atrocidades e explorações de que foram vítimas. Os documentos que poderiam provar a origem e o período da entrada destes escravizados foram destruídos. É muito difícil provar a origem e o destino de cada escravizado que ingressou em território brasileiro. Inúmeras vítimas de um sistema de exploração desumano e atroz não possuíam documentos comprobatórios de suas existências. Por outro lado, Barão do Rio Branco é reconhecido pela sua capacidade diplomática: [...] a tradição diplomática exigia um perfil bastante claro daqueles que aspiravam à carreira no Itamaraty. A constituição desse perfil, baseado no habitus social e cultural da classe dominante, compunha-se de uma sofisticação e erudição literária e histórica, domínio de idiomas e interesse pela cultura internacional de corte “civilizado”. Ou seja, europeu-ocidental, pós-revolução francesa, monárquico, embora liberal, e de um certo toque anticlerical, no estilo do ethos neoabsolutista em curso na Europa, próximo do exemplo do Império Austro-Húngaro. O conhecimento das ciências em destaque consistia um plus, na medida em que trazia um verniz moderno para a erudição tradicionalista com enfoque historicista (SILVA, 2008, p. 96-97). Ou seja, apesar de Rio Branco representar o novo Brasil internacionalmente, ele era o digno representante da elite aristocrática que havia sido deposta e possuía uma formação cultural erudita e tradicional. Sua atuação buscou consolidar o Brasil no continente americano, fortalecendo a posição do Brasil em toda a América Latina e com os EUA, firmando inúmeros acordos com vários países europeus. Ele reconhecia, além disso, que assim como nenhum país dispõe do poder total, nenhum é totalmente desprovido de muito poder. A questão se resume toda em saber utilizar o limitado poder ao alcance de cada um, buscando aumentá-lo ou complementá-lo por meio de alianças. A aliança com os Estados Unidos servia a esses objetivos e foi o principal meio de que lançou mão para inserir o país no mundo (RICUPERO, 2000, p. 54). A política externa de Rio Branco, entre os anos de 1902 a 1912, adotou três modelos: a busca pela soberania nacional, o aumento internacional do prestígio do Brasil e a definição da soberania brasileira. O que podemos perceber é que o poder foi se reajustando. Os nobres foram substituídos pelos burgueses, a aristocracia pelo conceito de modernidade, mas o povo foi excluído, pois o novo sistema econômico aumentava ainda mais as diferenças. 45 REPÚBLICA VELHA Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação Pesquise os inúmeros modelos de bandeira nacional que foram propostos na ocasião da Proclamação Pesquise os inúmeros modelos de bandeira nacional que foram propostos na ocasião da Proclamação República. Você irá se surpreender, pois o modelo atual, na verdade, era a última opção.República. Você irá se surpreender, pois o modelo atual, na verdade, era a última opção. Observação A nossa primeira Constituição Federal foi uma cópia da Constituição dos EUA. Lembrete Barão do Rio Branco foi uma figura emblemática, representava a modernidade por um lado e mantinha o perfil conservador da época do Império. Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação com os conteúdos estudados nesta unidade. POLICARPO Quaresma, herói do Brasil. Direção: Paulo Tiago. Brasil: Paramount Pictures, 1988. 123 min. 46 Unidade I Resumo Nesta unidade pudemos entender as ideias que fomentaram o surgimento da República. Na verdade, a República nasceu para atender aos interesses econômicos de parte da oligarquia cafeeira e de militares insatisfeitos com a falta de reconhecimento e valorização pela Monarquia. Não houve uma comoção ou uma revolução! Houve uma troca de cadeiras. Casalecchi (1982, p. 94) cita o artigo de Aristides, que descreveu a reação popular como: “o povo assistiu àquilo bestializado”. A mudança de sistema político ocorreu para atender interesses econômicos de uma elite que buscava mais poder e influências nas decisões do Estado. A abolição da escravatura demonstrou que o governo monárquico havia priorizado as cobranças e interesses econômicos internacionais. Tornar os escravos livres não foi uma decisão humanitária, foi uma opção econômica. Mas, ao fazê-lo, deixou de atender aos anseios dos cafeicultores tradicionais, que almejavam por uma indenização, uma forma de ressarcimento pelo prejuízo sofrido ao perderem a propriedade da mão de obra. A Monarquia não indenizou ninguém e, assim, perdeu o apoio de parte da elite tradicional.Esses fazendeiros tornaram-se defensores e apoiadores do novo regime. Já a outra parcela de fazendeiros, que possuíam uma visão mais moderna e já contratavam mão de obra imigrante, viram na República a possibilidade de expandir seus negócios, investindo na modernização e industrialização. Era a possibilidade de crescimento e fortalecimento da elite burguesa. Como podemos notar, o povo, a grande massa, não fazia parte dessas disputas. Para eles, a realidade não mudou. Permaneceram trabalhando muito, recebendo baixos salários e vivendo em condições miseráveis. Por isso, mudar o regime, mudar o governo não representou grandes mudanças sociais. O povo assistiu à mudança no sistema como assistia aos desfiles militares. Na verdade, foi um grande cortejo militar que se encaminhou à sede do governo e tomou posse. A família imperial foi avisada antes e havia deixado o palácio na véspera da Proclamação da República! 47 REPÚBLICA VELHA Nesta unidade pudemos observar as transformações que ocorreram na política em decorrência das mudanças econômicas, principalmente o impacto do decreto da abolição da escravatura em confronto com os interesses da oligarquia cafeeira. Foi possível verificar que quando falamos de oligarquia cafeeira havia uma grande diferença entre as regiões. Na região de Campinas, os fazendeiros possuíam uma visão mais moderna da sociedade, pois mesmo antes da abolição da escravatura investiram na imigração. Eles viam o café como um negócio e usaram os recursos da cultura para investir em eletricidade, modernidade, educação e, principalmente, na diversificação dos recursos em indústrias. Apostaram na República como um sistema político que poderia atender aos seus anseios, ao contrário da Monarquia, que investia em manter a estrutura social da mesma forma. Já a velha oligarquia, que estava mais ao centro do estado de São Paulo, queria manter a sociedade nos mesmos moldes, inclusive contra a abolição. Ao investir na República, acabou se contrapondo à abolição e não realmente investindo em mudanças estruturais. Estes fazendeiros esperavam uma indenização por perderem os seus escravos, o que não ocorreu. Dessa forma, opuseram-se ao regime, que, ao final, não atendeu aos seus anseios. A sociedade assistiu às trocas de cadeiras sem compreender as grandes mudanças. Não houve um levante, uma revolução, tudo aconteceu de forma ordeira e tranquila. Com o passar dos anos, a troca de sistema passou a gerar revoltas muito localizadas, mas que geraram grandes impactos. A Guerra dos Canudos mudou a realidade de uma região do sertão e fez surgir um mito: Antônio Conselheiro. Outras pessoas importantes, como Prudente de Moraes e o Barão do Rio Branco, também deixaram seu legado nesse período. Contudo, o importante é reconhecer que, além das mudanças estruturais no Brasil, o mundo estava se transformando. O fim da Primeira Guerra Mundial criou uma nova polaridade, com o surgimento da União Soviética, e expulsou da Europa milhares de imigrantes que se deslocaram pelo mundo. Para o Brasil, vieram muitos que contribuíram com suas experiências culturais e deixaram a sua marca nesse momento histórico. 48 Unidade I Exercícios Questão 1. O final da Guerra do Paraguai teve consequências não apenas relativas à política externa como também reverberou internamente no Império, causando grandes transformações. Estas mudanças se devem, entre outros fatores: A) Ao crescimento da importância do Exército, até então preterido pela Guarda Nacional, e suas reivindicações para participar da vida política, o que era proibido pelas leis do Império. Daí resultou constantes conflitos entre o Império e os militares. B) À imediata proclamação da República, uma vez que a derrota na Guerra do Paraguai apenas demonstrou a debilidade do sistema de governo imperial. C) Ao reforço da ideologia escravista com a deserção em massa de escravos das fileiras do exército, que passaram a lutar pelo lado paraguaio. D) Ao fim do padroado – união entre Igreja e Estado – devido aos conflitos causados pela assinatura da bula Inter-coetera pelo papa da época, Gregório II, que cedia aos paraguaios a região do Prata, o Mato Grosso e o controle do porto de Macapá. Com o fim dessa união, o Império se enfraqueceu e a República laica foi proclamada. E) À morte de Dom Pedro II, que liderava as tropas pessoalmente na batalha de Lomas Valentinas e foi alvejado por um vaqueiro mercenário que lutava por Solano Lopez. Como não tinha herdeiros, a República foi proclamada para impedir que o Conde d’Eu, marido da princesa Isabel, assumisse o trono e incorporasse o Brasil à França. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas A) Alternativa correta. Justificativa: além da importância ganha com a vitória na Guerra do Paraguai, o exército brasileiro adotou concepções ideológicas de cunho positivista, sendo contra muitas das práticas políticas adotadas pelo Império. B) Alternativa incorreta. Justificativa: a República foi adotada quase 25 anos depois do fim da guerra. C) Alternativa incorreta. Justificativa: ao contrário, houve o crescimento do sentimento abolicionista, em alguma medida pelo reconhecimento dos esforços dos escravos que, apesar da sua condição, foram leais ao exército e ao Império. 49 REPÚBLICA VELHA D) Alternativa incorreta. Justificativa: não houve nenhuma bula papal que cedesse territórios ao Paraguai. E) Alternativa incorreta. Justificativa: Dom Pedro II não só não lutou pessoalmente na guerra como morreu apenas depois da Proclamação da República, na Áustria. Questão 2. (Enade 2011) A primeira República e, em especial, as décadas iniciais do novo regime vêm ganhando crescente interesse e espaço na produção historiográfica brasileira. Dessa forma, muitos são os historiadores, particularmente os que se dedicam à história política e cultural, que têm retomado o período numa chave distinta daquela que o consagrou como República Velha, uma fórmula que certamente merece reflexões, a começar pela constatação de que, não casualmente, foi imaginada e propagada pelos ideólogos autoritários das décadas de 1920 a 1940. GOMES, A. C. A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. p. 21. As interpretações que revisam a Primeira República a partir de novos olhares e que se propõem a analisá-la sem o adjetivo “Velha” têm demonstrado que: A) As eleições cumpriram papel importante no período, contribuindo para que ocorresse um revezamento entre os grupos dominantes, sem a necessidade destes recorrerem a fraudes ou a violências físicas. B) Os ideólogos estado-novistas apontavam o fracasso da República Velha como resultante dos embates pelas tentativas de implantação de um Estado forte e centralizado, logo após a Proclamação da República. C) As formas de participação popular iam além das revoltas, motins e greves, que eclodiram em diversos pontos do país, e se expressaram também em associações recreativas, esportivas e dançantes da população negra e pobre. D) As constantes perseguições policiais a negros, que ocorriam principalmente nas grandes cidades, logo após a abolição da escravidão, cessaram a partir da década de 1910, como resultante do movimento que ficou conhecido como a Revolta da Chibata. E) Os baixos índices de alfabetismo e, consequentemente, de participação política durante o período foram os responsáveis pela formação de uma sociedade patriarcal avessa a qualquer tipo de mobilização política ou reivindicação de direitos. Resposta correta: alternativa C. 50 Unidade I Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: os grupos que se consolidaram no poder durante a Primeira República valeram-se exclusivamente das fraudes eleitorais e da violência do voto de cabresto. B) Alternativa incorreta. Justificativa: pelo contrário, o problema da Primeira República, segundo os estado-novistas, era justamente o excesso de autonomia, embora as elites dominantes fossem minoritárias. C) Alternativacorreta. Justificativa: embora a participação popular na política fosse restrita, é fato que tais movimentos expressavam legitimamente a voz do povo, que se manifestava ao seu modo em um espaço político reduzido. D) Alternativa incorreta. Justificativa: a Revolta da Chibata aconteceu devido aos maus tratos sofridos pelos marinheiros, em sua grande maioria ex-escravos ou filhos de cativos. E) Alternativa incorreta. Justificativa: houve sim mobilização, mesmo com os baixos índices de alfabetização e espaço político reduzido.