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25/02/2013 ACESSO À JUSTIÇA No primeiro momento mostrarei como dentro da sociologia do direito vem sendo tratado esse tema, o que é o acesso à justiça, a gente vai ver a forma de tratamento do tema dentro dos estudos e das pesquisas da sociologia do direito. No segundo momento a gente vai ver que existe dentro dessas análises sobre o acesso à justiça uma obra, um estudo, uma pesquisa que é uma referencia dentro dessas análises, que é uma referência de um processualista italiano chamado Mauro Cappelletti, que fez uma análise da maneira como esse tema do acesso à justiça vai se desenvolvendo historicamente nas sociedades ocidentais e ele vai mostrar que as sociedades ocidentais conheceram 03 grandes “ondas” de acesso à justiça. No terceiro momento a gente vai trabalhar a última “onda” de acesso à justiça proposta pelo Cappelletti que é aquela que me parece a mais atual e a mathauis interessante e aquela que tem um substrato sociológico maior, que diz respeito à reforma institucional do setor judiciário a partir da estruturação dos juizados especiais. E por fim no quarto e último momento, fazendo uma crítica a essa possibilidade de acesso à justiça a partir da estruturação dos juizados especiais, a gente vai falar sobre a possibilidade de estarmos hoje diante de uma quarta onda de acesso à justiça que é uma onda que é pensada não mais em termos da reforma institucional do poder judiciário, mas em termos da cultura dos operados do direito, consequentemente a cultura dos profissionais do direito e obviamente isso passaria pelo ensino jurídico. Tratamento do tema Quando a gente fala acesso à justiça dentro desses estudos da sociologia do direito, nós estamos falando do acesso ao poder judiciário, ou seja, a justiça aqui é sinônimo dessa institucionalidade do poder judiciário. Eu poderia, por exemplo, estar falando de acesso à justiça como sendo acesso ao direito justo, por exemplo, o movimento dos sem teto aqui de Macaé deveria ter acesso à justiça no sentido de ter um direito justo a moradia. Vejam como aí eu estaria falando do acesso à justiça no sentido de um direito justo, de uma condição valorativa em torno de um direito que não é necessariamente aquele direito que vigora no ordenamento jurídico. Quando eu estou falando de acesso à justiça desse campo que vou abordar agora, eu estou lidando não com essa perspectiva de um possível direito justo que seria diferente do direito legal ou do direito concretamente existente no ordenamento normativo brasileiro, então existe um direito justo que não se confunde com o direito existente. Eu estou falando de acesso à justiça em termo de acesso ao poder judiciário, como setores da população brasileira podem ter acesso ou não com seus problemas, com as suas demandas, com as suas reinvindicações ao poder judiciário, é isso então que é o tema do acesso à justiça. Esse tratamento do tema pode ter, via de regra, duas perspectivas de análise: a primeira é imaginar quais são as dimensões institucionais do campo do direito que facilitam ou não esse acesso à justiça, ou seja, como o direito se organiza por meio de um processo, por meio de uma institucionalidade, por meio da estrutura do poder judiciário para facilitar ou dificultar o acesso à justiça do maior número de jurisdicionados, ou de cidadãos brasileiros, etc. Vejam como aí eu estou discutindo a questão do acesso à justiça, ou seja, da maneira 25/02/2013 como pessoas podem chegar ou não com seus pleitos ao poder judiciário em função de dimensões institucionais do direito. Existe outra perspectiva de tratar esse tema que é a perspectiva propriamente daquilo que a gente pode chamar de sociedade civil ou de conhecimento de direitos, que é a seguinte, independentemente de qualquer barreira ou de qualquer mecanismo facilitador de acesso à justiça, eu posso discutir essa questão em função de toda uma série de análises sobre o conhecimento dos direitos por parte da população brasileira, por quê? É evidente que se eu tenho conhecimento dos meus direitos, se eu tenho conhecimento de possíveis violações dos meus direitos, obviamente eu tenho mais condições de formular um pleito perante o poder judiciário. Se eu desconheço esses meus direitos, se eu não tenho o menor conhecimento de possíveis violações a esses direitos, é evidente que eu vou ter muito mais dificuldade de formular um pleito perante o poder judiciário, por exemplo, se uma pessoa não sabe que um policial não pode entrar na sua casa sem um mandado, etc, o policial vai entrar lá e a pessoa vai achar que é normal, não vai nem entender e nem poder entrar com uma ação de invasão de domicílio, etc. O conhecimento de direitos faz com que eu possa ter mais acesso ou não a justiça, bem como a estrutura ou a dimensão institucional do campo do direito também faz com que eu possa ter acesso ou não à justiça. Vou tratar somente das dimensões institucionais do campo do direito, não vou me ocupar com essa questão de conhecimento de direitos por parte da sociedade civil. Com relação a essa discussão em torno dessa variáveis que eu estou chamando aqui de dimensão institucional do campo do direito, nós temos uma pesquisa que é de análise de referência em torno dessa discussão do acesso à justiça a partir dessas dimensões, que é uma pesquisa feita por um processualista italiano chamado Mauro Cappelletti. Na verdade é uma pesquisa que ele fez junto com um sociólogo inglês, mas o nome de ponta é o Cappelletti e quando se fala em acesso à justiça a grande referência é ele. Ele não é sociólogo, trabalha no campo do direito processual. Ele vai propor então em termos de uma história de acesso à justiça nas sociedades ocidentais e é válido para o Brasil, três grandes “ondas”, três grandes fases, três grandes movimentos de acesso à justiça. 03 Grandes “ondas” de acesso à justiça A primeira onda que ele vai apontar, que é o primeiro momento no qual nós temos uma expansão do acesso à justiça para um número maior de cidadãos, de jurisdicionados na sociedade ocidentais, é o que ele chama de gratuidade do acesso à justiça, ou seja, o fato de chegar ao poder judiciário sem necessariamente ter que arcar com as custas do processo. O que isso significa dizer é evidente, se para ingressar com uma ação no judiciário eu tenho que pagar um advogado, eu tenho que arcar com as custas processuais, etc, é evidente que certos setores da população tem mais condições de colocar um pleito no judiciário e outros setores tem menos condições. Cappelletti diz que no momento em que se institucionaliza nas sociedades ocidentais a gratuidade do acesso à justiça, isso faz com que um número maior de pessoas, de cidadãos, de jurisdicionados possam efetivamente chegar com seus pleitos no poder judiciário. E obviamente quando ele fala gratuidade do acesso à justiça, nós temos uma serie de desdobramentos desse princípio geral como, por exemplo, a estruturação e posterior 25/02/2013 desenvolvimento da defensoria pública. Ou seja, eu tive uma primeira onda de acesso à justiça. Ele vai dizer que as sociedades ocidentais conheceram uma segunda onda de acesso à justiça, é o que ele vai chamar do reconhecimento do acesso à justiça de direitos coletivos, difusos e transindividuais. Ou seja, quando os ordenamentos normativos e os atores que processam as demandas que chegam ao poder judiciário, ou seja, os magistrados, começam a reconhecer a incorporação no funcionamento do direito do reconhecimento de direitos coletivos, difusos e transindividuais, ou seja, os pleitos, as demandas, as ações, não mais são calcadas, tão somente, em direitos individuais, mas se reconhece também a existência de direitos coletivos. Exemplo concreto: Uma determinada empresa, uma grande fábrica que conta com 300 empregados e esses empregados são filiados a um comitê de fábrica, um comitê da empresa que por sua vez é filiado a umacentral sindical. Se eu reconheço tão somente a procedência e a competência para ingressar na justiça do trabalho a partir da adoração de um direito individual, se essa empresa estiver, por exemplo, não pagando horas extras para o conjunto de trabalhadores, eu vou dizer o seguinte, somente o trabalhador X, Y, Z podem ingressar com suas ações individuais porque somente direitos individuais são reconhecidos como sendo incorporados ou como sendo passíveis de processamento no poder judiciário. Então eu tenho 200 trabalhadores, sendo que somente individualmente cada um deles pode ingressar na justiça do trabalho. Muito provavelmente eu vou ter uns 15/20/30, talvez os outros não vão entrar. Quando eu reconheço, por exemplo, a representatividade do sindicato de ingressar com uma ação em nome dos seus filiados por se tratar de um direito coletivo, ou seja, o sindicato tem competência para ingressar com uma ação em nome de todos os seus filiados. Obviamente o reconhecimento então de um direito coletivo vai ampliar o acesso à justiça. Com certeza eu vou ter a possibilidade de poder contar com um número maior de trabalhadores ingressando no poder judiciário, por meio do reconhecimento de um direito coletivo, ou seja, aquilo que de certa maneira era pautado numa lógica meramente individual, quando eu reconheço a representatividade e incorporo isso, não como no ordenamento jurídico, mas como funcionamento dos magistrados de direitos coletivos, eu aumento a possibilidade de entrada de pleitos, de participação de jurisdicionados no acesso à justiça. Obs.: direitos difusos são aqueles que não são passíveis de apropriação individual. Os direitos coletivos minimamente ainda são de certa maneira, passíveis de uma referencia enquanto coletividade, então é o conjunto de trabalhadores. Vejam como quando eu incorporo dentro do campo do direito o reconhecimento, como dimensão institucional, dos direitos coletivos, difusos e transindividuais, eu aumento o número de possibilidades de acesso à justiça. Consequentemente com relação a esse primeiro momento histórico da gratuidade, eu venho a somar um outro momento histórico, uma segunda fase, uma segunda “onda” de acesso à justiça que eu estou chamando aqui de reconhecimento de direitos coletivos, difusos e transindividuais. 25/02/2013 Cappelletti chega então à terceira “onda” do estudo dele que envolve a reforma institucional do poder judiciário. É nessa reforma pela qual as sociedades ocidentais passam ao longo do século XX que ele vai reconhecer um terceiro momento, terceira fase, terceira “onda” de acesso à justiça, ou seja, esse terceiro momento de ampliação do número de pleitos ao poder judiciário. Essa reforma institucional do poder judiciário então envolve evidentemente uma reconfiguração estrutural do poder judiciário, que no caso do Brasil vai assumir a forma de uma estrutura que passa pelos juizados especiais, ou seja, isso que se constitui como sendo a terceira onda do acesso à justiça na leitura do Cappelletti, no Brasil diz respeito diretamente a estruturação dos juizados especiais. Como é que isso se dá no Brasil? E o que isso significa dentro daquilo que é o funcionamento do poder judiciário? Aquilo que representa de uma certa maneira os juizados especiais, começa mais ou menos na década de 80 com a criação no estado do Rio Grande do Sul, o primeiro Conselho de Conciliação e Arbitragem (CCA). Significa dizer que dentro da estrutura do tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, então não era uma coisa obrigatória do poder judiciário, foi uma iniciativa própria por parte do tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, que no início da década de 80 vai criar dentro do poder judiciário, ou seja, um órgão dentro da estrutura do TJ do RS, um CCA, de modo a tentar solucionar por meio da conciliação determinados pleitos que chegavam ao judiciário, a justiça comum e eram encaminhados para esse conselho desde que voluntariamente aceito pelas partes e a decisão desse conselho de conciliação e arbitragem tinha o mesmo peso, porque depois passava pela chancela do juiz, de uma decisão judicial, ou seja, fazia a coisa julgada, etc. Eu estou querendo dizer que aquilo que é o juizado especial já estava mais ou menos presente inicialmente nessa iniciativa do TJ do RS ao criar o primeiro CCA do Brasil na década de 80. Não é a toa que essa iniciativa se da no Rio Grande do Sul quando a gente viu que esse é o estado que contava de uma certa maneira com parte da magistratura que era considerada como mais progressista no Brasil. Que era aquela magistratura que já despontava alguns quadros que eram vinculados ao direito alternativo, etc. Esse Conselho na estrutura do TJ do RS poderia decidir por uma conciliação em causas que tinham um teto em teto de valor econômico de 40 obrigações reais do tesouro nacional (ORTN’s) que equivalia a mais ou menos 4,78 salários mínimos na época. Vejam então que essa é uma iniciativa pontual do estado do RS, consequentemente adstrita ao estado da federação brasileira. Esta iniciativa do TJ do RS vai ser generalizada para o território brasileiro como um todo, ou seja, no âmbito da federação, não por iniciativa do poder judiciário, mas em 1984 por iniciativa do então Ministério da Desburocratização que vai incentivar a criação de Juizados de Conciliação e Arbitragem (JCA). Esses JCA’s na lei que institucionaliza que é a lei 7.244/84, ela vai chamar esses juizados de Juizados de Pequenas Causas. Isso vai consolidar no âmbito da federação, no âmbito do poder judiciário tomado aí como um todo, vai tomar este funcionamento de um juizado que baseado em causas que não venham a exceder um determinado valor econômico, possam ser resolvidas por meio de uma conciliação, por meio de uma arbitragem e depois vai ser chancelada por um juiz, por um magistrado que vai fazer que aquela decisão tenha força de uma sentença, gerando todos aqueles efeitos normais de uma sentença. 25/02/2013 3ª Onda: juizados especiais Isso institucionaliza esses juizados no âmbito federal, mas continua a ser algo que de uma certa maneira é um incentivo, mas não é uma obrigatoriedade por parte dos TJ’s. A obrigatoriedade da criação desses juizados dentro do poder judiciário vai acontecer por ocasião da constituição federal de 1988. Ela faz uma certa reformulação dos diferentes poderes da República e do seus funcionamentos (poder legislativo, executivo e judiciário) e na reformulação da estrutura do poder judiciário que foi implementada pela constituição de 1988, consequentemente é um reforma constitucional, existe a obrigatoriedade por parte da estrutura do poder judiciário de criar juizados especiais no âmbito de todos os tribunais de justiça dos estados brasileiros. Então aquilo que se tornou obrigatório e possível no âmbito federal, mas que ainda contava com a iniciativa dos tribunais de justiça, aqui na constituição de 1988 tornou-se obrigatório, ou seja, todos os tribunais de justiça tiveram que criar juizados especiais para que ficassem em conformidade com o que estava estabelecido na nova constituição de 1988. Aqui uma primeira referência que eu acho importante e depois veremos que há princípios que norteiam e a gente vai falar sobre eles do funcionamento desses juizados. Primeira referência: existe a mudança do nome de juizados de pequenas causas para juizados especiais. Essa mudança foi justificada na época pelo seguinte, a ideia de pequena causa fazia uma referência a uma monetarização da causa e não necessariamente ao seu valor e particularmente a um possível valor simbólico, ou seja, dizer que uma causa é pequena em função de um determinado valor, no caso 5 salários mínimos, não significa dizer que ela é pequena para uma pessoa que tenha necessidade do dinheiro daquela causa. A ideia de que existe uma pequena causa associada tão somente ao teto, ou seja, ao valorda causa, não necessariamente condiz com aquilo que efetivamente uma causa representa para jurisdicionados, para aqueles que entram com uma ação, etc. Por isso que não obstante a continuidade desse princípio, ou seja, existe um teto econômico, um teto de valor monetário para que uma causa possa ser julgada no âmbito dos juizados especiais, mas ele modificou o seu não, não mais são juizados de pequenas causas e sim juizados especiais. Segunda referência: a regulamentação do funcionamento dos juizados especiais veio em 1995, ou seja, 7 anos depois da sua criação pela constituição federal de 1988, pela lei 9099/95 que vai regulamentar o funcionamento dos juizados especiais. Pequeno detalhe, muitas vezes os dispositivos constitucionais são meramente programáticos, ou seja, eles sinalizam para uma modificação, mas depois eles remetem a lei complementar, a regulamentação daquele dispositivo. Isso significa dizer que os juizados especiais foram criados pela constituição de 1988, agora, como eles funcionam? Quais são os seus princípios de funcionamento? Etc. isso foi remetido a uma lei posterior e a gente chama exatamente de lei complementar que foi promulgada em 1955. E ela fixou a regulamentação do funcionamento dos juizados especiais e vai fixar em 40 salários mínimos o teto das causas que podem ingressar no juizado especial, caso assim os jurisdicionado queira ou não. Eu estou querendo dizer que se eu tenho uma causa, por exemplo, estou brigando com a VIVO por me cobrar duas faturas que eu já havia pago, isso dá 8mil reais, estou brigando com ela então e entrando com uma ação de danos materiais e morais, se minha ação for até 40 salários mínimos, eu posso ingressar com essa ação nos juizados especiais, nada impede que eu entre na justiça comum. Ou seja, ele não é obrigado a ingressar com a ação no juizados especiais 25/02/2013 pelo fato dela ser igual ou inferior a 40 salários mínimos. Agora caso ele queira, ele pode. Agora por que ele ingressaria? Porque o modo de funcionamento do juizado especial é um modo diferente de funcionamento da justiça comum, que modo seria esse? Princípios orientadores de funcionamento dos juizados especiais: 1. Universal – consequentemente não se atrela a sua condição específica de renda. / Gratuidade – Então eles funcionam com base no principio da gratuidade das custas processuais, o que significa dizer que se eu entro na justiça comum eu tenho que arcar com as custas caso eu não queira arcar com as custas eu tenho que provar as minhas condições de hipossuficiente e entrar com a defensoria pública, etc. 2. Orientado no seu funcionamento para buscar de imediato entre as partes envolvidas no conflito uma conciliação. Por isso que a primeira audiência feita no campo de funcionamento de qualquer juizado especial, é uma audiência de conciliação que pode ser seguida direto por audiência de julgamento. A primeira tentativa é sempre de conciliação entre as partes. Na justiça comum não necessariamente vai ter essa tentativa de conciliação. 3. Informalidade – todo rito processual é muito mais informal, todo o procedimento “processual” é muito mais informal. Por exemplo, eu posso chegar a um juizado especial e relatar meu problema a um técnico administrativo e ali se configurar uma ação, não preciso de protocolar uma ação escrita, etc. Vejam como isso já é um indício de uma informalidade no que diz respeito ao funcionamento dos juizados especiais. 4. Oralidade – você pode chegar e oralmente peticionar sua causa, os procedimentos a partir daí não necessariamente encadeiam em função de peças escritas, boa parte seguem com o principio da oralidade e isso significa dizer que é um tipo de juízo caracterizado por uma celeridade processual. 5. Celeridade processual - as diferentes etapas do procedimento dos juizados especiais, elas são mais rápidas que na justiça comum, o que significa dizer que se eu entro com uma petição, se eu entro com uma causa na justiça comum, o tempo processual de juntada aos autos, de encaminhamento para contestação, etc, até a decisão, é um tempo maior. Os juizados especiais tentam compactar e consequentemente o processo venha ter uma solução mais rápida que na justiça comum. Da mesma forma que existem pessoas que podem arcar com um tempo processual maior, existem pessoas que não, por exemplo, perdi minha mala e eu preciso muito rapidamente reaver certos pertences porque eu não posso comprar outros. Se eu não precisasse daquilo rapidamente e pudesse comprar mais, poderia esperar mais tempo para até auferir valor maior em minha causa. O que significa dizer que o quanto mais rápido for o processo, sobretudo aqueles que não tem condições de arcar com o tempo processual longo, tem facilitado o seu acesso a justiça. 6. Em certos causa isso também facilita como principio de acesso a justiça, a possibilidade de representação em próprio nome, ou seja, para acessar a justiça comum necessariamente eu preciso da intermediação de um advogado que bem eu pago ou bem vai ser o defensor. Nos juizados especiais, independente de 25/02/2013 advogados, independente de defensor, eu posso chegar lá e no meu próprio nome propor uma ação independentemente de qualquer representação. Ou seja, se esses princípios de uma certa maneira indicam que o funcionamento dos juizados especiais vai trazer para dentro do juizados especiais mais ações, mais requerimentos, os setores da população que tinham dificuldades em chegar com suas demandas ao poder judiciário, se o desbloqueio institucional por meio do funcionamento desses princípios vai possibilitar um número maior, é evidente que o funcionamento dos juizados especiais deveria abrigar cada vez mais setores que não chegavam ao poder judiciário, grupos desfavorecidos, setores populares, etc. Existe uma pesquisa de um historiador da UFF e do CPDOC da FGV, o Mario Grynszpan, que ele fez uma pesquisa em termos de sociologia do direito sobre o funcionamento dos juizados especiais no Rio de Janeiro, e ele vai fazer uma pesquisa sobre as pessoas que acessam, ou seja, que mobilizam o juizado especial e ele vai chegar a seguinte conclusão, isso é em base de dados empíricos, basicamente quem mobiliza juizado especial é ou são as classes médias, o que significa dizer que setores populares não chegam com seus problemas nos juizados especiais, isso segundo o Mário Grynszpan mostra que eu não tive propriamente com a institucionalização dos juizados especiais, um maior acesso a justiça, eu tive somente um desafogamento da justiça comum para os juizados especiais, ou seja, as classes médias que a principio, com seus problemas, chegam a justiça comum, não chegam mais e sim chegam ao poder judiciário via juizados especiais. Ou seja, o que aconteceu não foi necessariamente um maior acesso a justiça, ou seja, um maior número de pessoas chegando com seus pleitos ao poder judiciário, eu tive tão somente o deslocamento de problemas da justiça comum para os juizados especiais, por quê? Porque de uma certa maneira são as classes médias e não as classes que pretensamente seriam alvo da reforma do poder judiciário, que passaram a mobilizar os juizados especiais. E na pesquisa do Grynszpan o que sinaliza é que de uma certa maneira não obstante os juizados especiais serem orientados para um funcionamento com base nesses princípios inovadores, existe ainda uma cultura por parte do funcionamento dos operadores do direito que faz com que os juizados especiais funcionem a partir de todos os elementos de tecnicismo, de formalidade, de não oralidade, ou seja, todos esses princípios na verdade se diluem porque a cultura na qual esses operadores (serventuários, juízes, etc) movimentam os juizados especiais continua a ser uma cultura tecnicista, uma cultura baseada numa linguagem técnica, numa formalidade, etc. Consequentemente a 4ª onda de acesso a justiça, a ideiade que eu teria mais pessoas chegando ao poder judiciário, depende de uma mudança na cultura dos operadores do direito para de uma certa maneira colocar em prática certos princípios que são orientadores mas que na hora do “vamos ver”, ou seja, na hora que eles vão funcionar, eles são absorvidos por uma cultura tradicional que funciona da mesma maneira que funciona a justiça comum, ou seja, esses princípios é como se ficassem sem efetividade, eles não tem um desdobramento concreto e prático. 04/03/2013 Relembrando e aprofundando A pesquisa feita pelo Mario Grynszpan que está na obra “Cidadania, justiça e violência”, é empírica e nela é abordada a mobilização dos juizados especiais. E ele esperava que nessa pesquisa ele encontrasse dados que iam provar que esses juizados eram mobilizados por setores “populares”, mas ele percebe que os juizados especiais basicamente, majoritariamente são mobilizados pelas classes médias, ou seja, aquilo que era o objetivo da reforma institucional do poder judiciário com a criação dos juizados especiais, ou seja, ter um tipo de justiça que funcionasse segundo outros princípios (oralidade, etc) e esse funcionamento pudesse incorporar ao poder judiciário, pleitos, requerimentos que a principio não chegavam à justiça comum, este objetivo não estaria sendo concretizado. Isso indicaria que de uma certa maneira, o que nós estaríamos presenciando com o funcionamento dos juizados especiais, seria meramente um deslocamento dos pleitos que seriam endereçados a justiça comum em direção aos juizados especiais, ou seja, as classes médias que já mobilizavam o poder judiciário por via da justiça comum, ou seja, a justiça tradicional, passam a deslocar esses seus pleitos para os juizados especiais, efetivamente são mais rápidos, mais informais, etc, mas as classes médias operam tão somente um deslocamento, ou seja, não existe uma ampliação do acesso à justiça, nós não temos um número maior de pessoas chegando com seus problemas ao poder judiciário, nós temos tão somente no interior do poder judiciário um deslocamento dos pleitos que eram endereçados à justiça comum e passam a ser agora endereçados aos juizados especiais, então essa é a partir do dado empírico que o Mario Grynszpan traz, essa é uma conclusão, uma análise que resulta no fato de que os setores populares não chegam com seus pleitos aos juizados especiais, e esse era o objetivo da criação dos juizados especiais, o que a gente percebe é somente esse mero deslocamento das demandas que já chegavam ao poder judiciário, que agora continuam a chegar agora não mais para a justiça comum e sim para os juizados especiais. Podemos adiantar algumas hipóteses explicativas desse fenômeno, ou seja, se os juizados foram criados para aumentar o acesso à justiça, ou seja, para possibilitar um número maior de acessos ao poder judiciário e esse objetivo não se concretiza, porque são as classes médias que estão mobilizando, qual é a explicação que eu posso dar para esse dado empírico, ou seja, para essa constatação? Duas hipóteses nós podemos adiantar e o Mario Grynszpan vai sinalizar sobretudo para a segundo hipótese. A primeira hipótese retoma uma discussão que nós já tínhamos iniciado no ponto anterior (cidadania e direitos sociais) que seria a discussão em torno do conhecimento dos direitos. O que a gente tinha visto no ponto anterior? Que fazendo uma pesquisa junto aos moradores da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, mais da metade do conjunto de entrevistados, não sabia citar um único direito constitucional garantido pela constituição federal, o que significa dizer que eu posso reformar o poder judiciário quantas vezes eu quiser, eu posso retirar as barreiras institucionais e procedimentais que dificultam o acesso ao poder judiciário, criando novos procedimentos de oralidade, etc, entretanto se as pessoas não conhecem os seus direitos, essa reforma não vai ter algum tipo de desdobramento concreto, por quê? Porque as pessoas não estariam chegando com seus pleitos, não em função de o poder judiciário ter mecanismos de dificuldade ou de facilidade para esses pleitos chegarem, as pessoas não estão colocando as suas demandas porque desconhecem os seus direitos. 04/03/2013 4ª onda: cultura dos operadores do direito Segunda hipótese e essa que o Grynszpan vai privilegiar, ele vai sinalizar não necessariamente a pesquisa que ele está fazendo, mas ele vai sinalizar para um conjunto de pesquisas que a gente chama de pesquisas etnográficas que envolvem pesquisas de campo, ou seja, pesquisas empíricas obre o funcionamento dos juizados especiais. Então vejam que eu não estou mais mobilizando dados como o Mario Grynszpan estava fazendo, no sentido de saber quais são as classes sociais que pleiteiam junto ao juizado especial, Grynszpan está sinalizando para um conjunto de pesquisas etnográficas que são pesquisas de campo, pesquisas empíricas sobre o funcionamento dos juizados especiais, que vem sendo feito de larga escala pela antropologia do direito e pela sociologia do direito. E o que de certa maneira essas pesquisas vão apontar, que não obstante todos esses princípios, que são princípios norteadores do funcionamento dos juizados especiais, informalidade, oralidade, um discurso que seriam um discurso mais próximo das partes que estão no litígio, uma facilitação da demanda de uma pessoa com relação ao trabalho do próprio serventuário nos juizados especiais, etc, ou seja, não obstante todos esses princípios que norteiam o funcionamento dos juizados especiais, as práticas desses juizados não seriam muito diferentes daquelas práticas tradicionais da justiça comum, ou seja, o que essas pesquisas etnográficas estão sinalizando? Que os juizados especiais continuam a funcionar, eles colocam em funcionamento toda uma prática que continua sendo uma prática tecnicista, uma prática formalista do funcionamento da justiça, aquilo que seria informalidade, oralidade, vai sendo absorvido nos juizados especiais, por uma certa cultura que opera o direito, cultura essa tanto dos magistrados, como dos serventuários dos juizados especiais, ou seja, esse corpo técnico administrativo que continua a dar prosseguimento no tratamento dos pleitos, dá um prosseguimento técnico-formal para essas demandas, para essas questões. Isso significa dizer que de uma certa maneira, aquilo que poderia ser uma possível reforma do poder judiciário, no funcionamento dos juizados especiais, isso não se opera, do ponto de vista dos princípios, obviamente nós temos, mas as práticas efetivamente não vão possibilitar a concretização desses princípios, consequentemente os juizados especiais continuam a funcionar segundo padrões, segundo referencias tecnicistas, formalistas. Obs.: quando eu falo tecnicista, formalista, não estou mais dizendo tão somente da maneira que eu concebo o direito, eu estou falando do próprio procedimento, então alguém chega lá para colocar uma demanda, o funcionário vai lá e pede para apresentar aquilo escrito, induz, vai trazendo para dentro de um lógica formal, técnica, baseada na peça escrita, etc, o funcionamento dos juizados especiais. Se isso efetivamente se opera, nós teríamos aqui uma segunda hipótese explicativa que não se confunde com a primeira desse acesso aos juizados especiais não por parte dos setores populares, mas por parte das classes médias. Porque quando eles chegam lá com seus pleitos, eles batem naquela mesma estrutura, que é a mesma estrutura que os afasta, quando os setores populares, quando aqueles grupos sociais que tem dificuldade para lidar com esse procedimento tecnicista, formalista, etc, chega aos juizados especiais, eles vão encarar um tipo de estrutura que é a mesma estrutura da justiça comum que a principio, os afasta. Consequentemente e aí a gente chega ao último momento que é o quarto ponto da nossa fala, existiriahoje dentro dessa discussão sobre o acesso a justiça que pensa essa questão, a partir de uma possível 4ª onda de acesso à justiça. 04/03/2013 O grande mecanismo atual que efetivamente poderia efetivar uma ampliação do acesso à justiça, tal qual foi o mecanismo da gratuidade, de reconhecimento de direitos coletivos, difusos e transindividuais, da reforma do poder judiciário. O que hoje estaria em jogo como uma possível 4ª onda que ampliaria o acesso à justiça, seria a reforma do ensino jurídico, de maneira a possibilitar a formação de um novo bacharel em direito, ou seja, algum tipo de impacto na cultura desses operadores do direito que de uma certa maneira, ao lidar com o direito a partir de outros paradigmas, de outras técnicas, de outros procedimentos, de outras habilidades, de outras competências, que seriam essas competências novas, por exemplo, privilegiar uma mediação, privilegiar um discurso não técnico, incorporar outros elementos que não meramente jurídicos stricto sensu, ou seja, tudo aquilo que a gente discutiu até agora e muito dentro da sociologia do direito, ou seja, a reforma do ensino jurídico poderia impactar a formação do bacharel em direito que iria para o campo das práticas profissionais com uma outra cultura, outras habilidades, competências e consequentemente operariam esse campo do direito a partir de outras referencias, que não mais essas referencias técnicas e formais. A 4ª onda do acesso à justiça aponta para essa temática de uma nova cultura e aí a gente está no limite, no limite, fechando o curso e voltando para o primeiro ponto que a gente discutiu em Sociologia e Direito I, que é a reforma do ensino jurídico, ou seja, a gente fez toda uma discussão ao longo do curso de vários temas e de uma certa maneira está voltando para esse ponto que foi o ponto de partido ao longo de um ano, que é a centralidade para pensar possíveis reformas, possíveis novidades dentro do campo profissional do direito, a necessidade de se pensar e de se operacionalizar uma reforma do ensino jurídico que possibilite impactar a cultura, ou seja, as competências, as habilidades, uma visão de mundo daqueles que estão sendo formados dentro das faculdades de direito. Então aí estaria sinalizada a 4ª onda de acesso à justiça, ou seja, não basta a reforma do direito, a reforma institucional do poder judiciário, se a cultura daqueles que operam o direito, daqueles que estão inseridos profissionalmente dentro do poder judiciário continua a ser uma cultura que de certa maneira vai ter práticas, que são práticas tradicionais, tecnicistas, formalistas. Os princípios acabam sendo redimensionados, acabam sendo absorvidos dentro dessa prática, que é uma prática relacionada com uma determinada forma de conceber o direito e o seu funcionamento, forma essa que acaba sendo concreta na medida que são os operadores do direito que lidam com isso.
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