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GRAVIDEZ PRECOCE Mães antes . do tempo A gestação na adolescência é uma questão de saúde 3Ública com impl icações 3sicológicas, famil iares e sociais; riscos para a mãe e o feto vêm mais de condições externas desfavoráveis do que da predisposição biológica em função da idade Por João Luiz Pinto e Silva, obstetra, e Dalva Rossi, assistente social / / T odos os anos cerca de 1 milhão de garotas com menos de 20 anos ficam grávidas no Brasil, de acor-do com o Ministério da Saúde. Gravidez, parto e puerpério perfazem, em todas regiões do país, 8 0 , 3 % do total de inter- nações de jovens no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2004, os partos juvenis totalizaram 700 mil na rede pública e cerca de 150 mil a 200 mil fora dela. As estatísticas elevadas, que ainda apontam o parto como a primeira causa de internação das adolescentes no SUS, exaltam a necessidade de ampla discussão sobre a gravidez precoce e suas consequências clínicas, culturais e psicossociais. Durante a adolescência, ocorre a mobili- zação de sentimentos que envolvem medos, dúvidas e desejos. Os sujeitos experimentam alternância de humor, crises existenciais e adquirem uma noção de tempo particular, em que o amanhã é sempre remoto e os fatos atuais não têm consequências imediatas. Tais caracte- rísticas, típicas dessa fase, tornam o adolescente protagonista de situações de risco e vivências novas, que resultam em descobertas, insegu- ranças e atitudes muitas vezes surpreendentes aos olhos dos adultos. Trata-se, no entanto, de um processo natural de experiências e compor- tamentos, cujo objetivo é o fortalecimento de uma nova identidade, construída em direção à emancipação completa na idade adulta. Para tanto, é preciso que o jovem elabore interna e concretamente aspectos que dizem respeito à perda da proteção dos pais, dos cui- dados essenciais relacionados à sobrevivência, e experimente mais uma etapa de separação e dis- tanciamento. Esse estágio da vida também inclui de modo predominante a transformação da ima- gem corporal, que pode levar de forma efetiva a alguns momentos de não reconhecimento de si mesmo do ponto de vista físico e psíquico. Ao contrastar as rápidas mudanças físicas com os novos padrões de comportamento que lhe são reservados e exigidos, o adolescente esgarça os modelos de referência até então utilizados, tornando-se mais vulnerável para o enfrentamento de experiências desconhecidas, principalmente de natureza sexual. BARRIGAS SALIENTES Enquanto a fecundidade das mulheres brasileiras decl inou nos últimos 40 anos, a das adolescentes cresceu. Acima, meninas grávidas na maternidade Alexander F leming, RJ, 1998 ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 85 SITUAÇÃO PREOCUPANTE NO MUNDO GRAVIDEZ PRECOCE PANORAMA BRASILEIRO De acordo com o Instituto Brasileiro de Geograf ia e Estatística ( IBGE) , o Brasil entrou no ano 2000 com 36 milhões de adolescentes — um quinto da população total , a maior coorte de indivíduos dessa fase da vida que se conhece na história demográf ica brasileira. Cerca de uni milhão de brasileiras com menos de 20 anos engravidam por ano, segundo o Ministério da Saúde De acordo com o Min is tér io da Saúde e a Agênc ia dos Estados Unidos para o Desenvo lv imento In te rnac iona l ( U s a i d ) , a cada a n o , cerca de 14 milhões de adolescentes dão à luz no m u n d o . A proporção de mulheres que têm o pr imei ro f i lho até os 18 anos var ia de 1% no Japão a 5 3 % em Níger , segundo dados • do Inst i tuto C u t t m a c h e r . / Ent re os países desenvo lv i - ' dos , os Estados Unidos l ideram a l ista de casos de grav idez na ado- lescênc ia . Na população desse país , e m 2002, a taxa era de 75 g ráv idas em MEDIDAS EDUCATIVAS Uma questão fundamental causa relevante preocupação aos profissionais que lidam com esse segmento etário: a intensificação e prema- turidade das vivências da sexualidade, quase sempre sem a devida orientação sobre como prevenir doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez precoce. Esta, quando associada às transformações psicofísicas e sociais da adoles- cência, tende a acentuar as inseguranças típicas dessa fase, tanto para as jovens mães quanto para os adolescentes que se tornaram pais. Abandono da escola ou do trabalho e de atividades de lazer é assunto evidenciado nas falas das meninas quando se descobrem grávidas e ainda não conseguem vislumbrar como superar ou vencer o desdobramento das dificuldades decorrentes da nova situação. Várias jovens assumem a maternidade sem um companheiro, dependendo única e exclu- sivamente da ajuda dos pais ou familiares. Muitas delas já largaram os estudos mesmo antes da gravidez. Para outras, esse novo dese- nho de vida leva definitivamente a formação escolar para segundo plano. Diante disso, é prioritário que o tema da sexualidade e gravidez precoce seja incluído nas escolas, de forma efetiva, ampla e sem discriminação. De um lado, informar para orientar e prevenir. De outro, como no caso das jovens gestantes, instituir medidas de apoio e estímulos educativos e socioculturais extensivos às famílias, a fim de que evitem o abandono escolar e concluam os estudos. cada mil garotas ent re 15 e 19 anos . Embora esteja em dec l ín io , o número de gráv idas adolescentes nos Estados Unidos é quase o dobro do regist ra- do na Ing la te r ra , na Aust rá l ia ou no C a n a d á , mais de quat ro vezes maior do que o da França e oito vezes o da Holanda ou do Japão. A n u a l m e n t e , 750 mi l amer i canas en t re 15 e 19 anos e n g r a v i d a m : 5 7 % delas t êm o f i l ho , 2 9 % p r o v o c a m abor to e 14% so f rem abor to espon- t â n e o . O i t en ta e dois por cento dos casos de g rav idez na ado lescênc ia não f o r a m p lane jados . Já há experiências nesse sentido no Brasil, entre elas creches nas escolas secundárias, fle- xibilidade de horários escolares para gestantes e mães recentes, em especial para lactantes, e constituição de grupos de adolescentes na mesma situação. Outros instrumentos com- plementares abrangem o favorecimento de discussões sobre o tema da gravidez entre colegas, professores, pais e funcionários, bem como atendimentos psicológicos que visem o resgate da auto-estima e da cidadania. Programas de sustentação financeira (como bolsa-auxílio) e cursos profissionalizantes têm se mostrado ferramentas de apoio fundamen- tais para que as jovens grávidas, ou mesmo os pais adolescentes, tenham condições reais de assumir o bebê. Entretanto, essas são iniciati- vas isoladas, não se constituindo em políticas públicas implementadas com base em um diagnóstico adequado da situação. APOIO FAMILIAR Outra questão merecedora de atenção qualifica- da é a das famílias das adolescentes que engra- vidam, que nem sempre estão preparadas para o acolhimento de um fato inusitado como esse. Em geral, os pais resistem a aceitar a sexualidade dos filhos, e é com seus pares que os jovens nor- malmente se abrem em busca de esclarecimento para questões ligadas ao sexo e para a troca de informações sobre experiências sexuais. A maternidade, ou paternidade, precoce modifica sobremaneira a dinâmica familiar, aumentando as responsabilidades de cada um 86 MENTE&CÉREBRO www.mentecerebro.com.br e levando toda a família a profundas transfor- mações. Os desdobramentos e repercussões de uma gravidez precoce atingem todas as classes sociais, com características e encami- nhamentos particularmente mais complicados naquelas de maior vulnerabilidade social. Em um primeiro momento, a gestação não planejada ocasiona a quebra de expecta- tivas e planos, tanto dos pais quanto dos ado- lescentes, e abre espaço para acusações, cul- pas e cobranças. A situação inevitável, porém, exige a reconstrução dos vínculos e espaços, o que, em geral, ocorre em um segundo momento. É quando o reordenamento das atitudes e relações afetivas intrafamiliares se torna possível,sob a forma de orientações e apoio mais efetivos que levem os adolescen- tes a, mais tarde, estabelecer novos limites e assumir outras responsabilidades. A discussão sobre a gravidez na adolescên- cia pela sociedade deve ser constante e neces- sita da parceria de profissionais de diferentes categorias. É preciso que um projeto ousado seja construído por todos os atores sociais, inclusive governo, com o objetivo de trabalhar a adolescência como um todo, na perspectiva de fortalecer mecanismos e estratégias de dis- cussão, bem como de desenvolver novas pro- postas nos diferentes espaços de atendimento a esses adolescentes. Também é de fundamental importância que os profissionais —- tanto os que acolhem as adolescentes prestes a assumir a mater- nidade em projetos de intervenção quanto os que não têm contato direto com elas, mas participam da elaboração de planos nas áreas de educação, saúde e promoção social — conheçam alguns aspectos clínicos capazes de desvendar preconceitos e contribuir para a compreensão da totalidade do fenómeno. S A Ú D E DA GESTANTE As complicações médicas da gravidez na ado- lescência têm sido discutidas na literatura de modo exaustivo e não concludente. Muitas das discrepâncias encontradas decorrem de critérios imprecisos utilizados nas diferentes definições, de metodologia inadequada para interpretar fenómenos relacionados, da falta de controle de variáveis confundidoras (que interferem nos resultados e por isso devem ser isoladas), de amostras insuficientes e não controladas, bem como da generalização de resultados imprecisos e tendenciosos. EVASÃO ESCOLAR Segundo estudo feito a partir de dados do Censo 2000, apenas 2 0 % das garotas brasi le iras entre 10 e 19 anos, que tem filhos, está na escola. A porcentagem das meninas dessa mesma idade, mas sem filhos, que estudam, sobe para 8 0 % ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 87 GRAVIDEZ PRECOCE Considerou-se por muito tempo que as desvantagens para a saúde da gestante ado- lescente e de seu filho eram significativamente mais importantes do que para mulheres adultas entre 20 e 30 anos — faixa etária em que se observam os melhores resultados clínicos para mães e recém-nascidos. Entretanto, a relação entre maternidade precoce e complicações maternas e perinatais parece resultar da associa- ção de múltiplos fatores, como idade, número de filhos, assistência pré-natal, ganho ponderal, aspectos socioeconómicos e culturais. As patologias mais citadas, como hipertensão gestacional (toxemia-pré-eclampsia-eclampsia), anemia, prematuridade e baixo peso ao nascer, parecem estar associadas à pouca idade e às condições psicossociais inadequadas. Estudos que controlaram fatores potencialmente confun- didores dos resultados maternos e perinatais não evidenciaram desempenho obstétrico insatisfa- tório, mostrando para as adolescentes resultados iguais aos de outras idades, alguns deles em decorrência da habitual condição de, nessa faixa etária, tratar-se da primeira gravidez. CUIDADOS PRÉ-NATAIS A assistência pré-natal adequada é um dos fato- res mais benéficos para a evolução e bom prog- nóstico da gravidez. Infelizmente, no Brasil, as adolescentes são captadas tardiamente por pro- gramas pré-natais (após o quinto mês) e menos assíduas que as mulheres de outras faixas etárias. Essa situação se agrava entre as mais jovens e as multíparas, garotas que engravidam duas ou mais vezes ainda no período da adolescência. A gravidez inesperada, a frequente neces- sidade de sua ocultação e a resistência ao controle pré-natal, por razões culturais ou por dificuldades em assumir tal estado perante a família e a sociedade, são alguns dos motivos encontrados para a insuficiência de cuidados durante o pré-natal. Entre as multíparas, o quadro é ainda mais preocupante. Apesar de ser lógico imaginar que a experiência já vivida estimularia a gestante ao acompanhamento pré-natal assíduo e precoce, isso paradoxal- mente não acontece. Fenómeno cada vez mais relatado, a repe- tição gestacional durante a adolescência vem A maternidade precoce faz parte de fiistórias familiares recorrentes e relaciona-se à afirmação subjetiva e social da feminilidade A maioria das abordagens sobre gravidez aponta a desinformação sexual das jovens como principal causa das preocupantes estatísticas relacionadas ao tema. Mas será que essa explicação ainda se sustenta? Mesmo com as limitações e dificuldades que o nascimento de um filho possa infligir à vida de uma jovem, é bastante comum ouvir a adolescente dizer que está contente por estar grávida e que quer ter o filho. A contextualização histórica mostra a influência da cultu- ra na percepção dessa questão. A sociedade do século XIX, por exemplo, relacionava puberdade a casamento; naquela época, a mulher só era valorizada pela possibilidade de tor- nar-se mãe. Com o tempo, o papel social feminino ampliou- se e os estudos e profissionalização passaram a adiar o casamento e a maternidade. Por que, então, as adolescentes continuam engravidando? Esse foi o foco da pesquisa que realizei, em 1993, com adolescentes grávidas de classes populares no Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro. Nesse estudo, publicado no livro Pronta para voar (Rocco, 2002), privilegiei o discurso das jovens sobre seu estado e as conclusões foram surpreen- dentes: a gravidez é desejada por elas. Na investigação do significado da gestação, destacam-se entre os principais fato- res os biológicos e os não-biológicos, nos quais se inserem os aspectos culturais e psicológicos. Com as transformações orgânicas da puberdade, surge o interesse pelo sexo genital e o impulso de testar a fertilidade, assim como o risco da gravidez que deno- mino "hormonal". Quando isso ocorre, dois desfechos I 88 MENTE&CÉREBRO www.mentecerebro.com.br 1 ATENDIMENTO ESSENCIAL Um direito fundamentai para a mãe e o bebê, o acompanhamento pré-natal é importante ponto de apoio e orientação para as adolescentes grávidas. Ao lado, paciente em exame de ultra-som e, ac ima, ultra-sonografia fetal se colocam para a jovem: o desejo de não ter o filho, expresso no aborto, e o de tê-lo, situado na maternidade. O destino da gestação está relacionado, de forma intrín- seca, aos aspectos psicossociais de cada família. No Brasil, a gravidez na adolescência não parece ser considerada um problema tão grande para as garotas de classes populares, como o é, em geral, para a classe média. No caso das primeiras, o desejo de ter o filho é predominante. A repetição da maternidade na adolescên- cia é uma constante na história das famílias das entrevis- tadas. Para muitas jovens, ser mulher ainda equivale a ser mãe. Surge, assim, o trinômio adolescente-mãe-mulher, em que a gravidez é via de acesso à feminilidade. O tor- nar-se mãe passa a ser uma forma de afirmação social e psicológica, uma espécie de maternidade social. Durante a investigação, as jovens mães relataram que o filho representa "tudo" para elas. A criança é, portanto, depositária de muitas expectativas: terá o que elas, em sua maioria, não tiveram, como estudo completo, perspectiva de trabalho e até mesmo uma família. A relação mais intensa, contudo, é a estabelecida entre as adolescentes e a própria mãe. As garotas repetem o modelo feminino, segundo o qual ser mulher está associado a ser mãe jovem. Quanto às adolescentes de classe média, observa-se, em geral, maior resistência ao desejo de ter um filho nessa fase da vida. A pressão social familiar se expressa de forma mais enfática do que nas de classes populares, sob os argumentos do estudo, do ingresso em uma universidade, da garantia de um bom emprego futuro etc. Isso lhes possibilita viver de modo mais prolongado sua adolescência, ao contrário das de classes mais bai- xas, em que a maternidade interfere nesse ciclo. Logo, surgem para elas outros objetos de desejo capazes de suprir a carência afetiva, e o desejo de terum filho pode ser adiado para a vida adulta. Com essa análise, é possível dizer que as causas da gra- videz na adolescência não se referem de maneira exclusiva à desinformação sexual, mas ao desejo inconsciente de ter um filho, aliado aos valores, às demandas e às fantasias sociocul- turais. Ele está inscrito no projeto de vida de cada mulher, com variadas formas de expressão, sendo o produto da elaboração individual dos modelos e representações próprias de sua cultura. Como diz Bertrand Cramer no livro Segredos femininos de mãe para filha (Artes Médicas, 1996), em que descreve a transmissão subjetiva da feminilidade de modo universal, as mães transmitem para as filhas, desde o berço, um complexo sistema de valores e sua forma de ser mulher. Por Diana Dadoorlan, doutora em psicologia clínica pela Universidade Paris 8, psicanalista e professora do Sen/iço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRj). ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 89 GRAVIDEZ PRECOCE JOVENS PAIS Ausência paterna é um dos temas abordados no documentár io "Meninas" (2006) , de Sandra Werneck, que registra o cotidiano de garotas grávidas, com idades entre 13 e 15 anos, na periferia do Rio de Janeiro. Não por acaso, duas das adolescentes retratadas no fi lme esperam bebés do mesmo homem. Abaixo, casa! de jovens durante as filmagens Calcula-se que pouco mais da metade das brasileiras que engravi- dam ainda adolescentes leve no ventre bebés concebidos de rapazes menores de 19 anos. Como a estimativa é de que 1 milhão de garotas engravidem todo ano no país, ao menos 500 mil adolescentes se tornam pais anual- mente . Os meninos "grávidos", da mesma forma que as meninas, neces- sitam de orientação e apoio a fim de enfrentar uma gestação não planejada e exercer com tranquil idade a função paterna, observam especialistas. Organizações não-governamentais voltadas para a paternidade adoles- cente ressaltam a importância da parti- cipação do homem no cuidado infantil e oferecem orientação e atendimento a garotos sobre sexualidade e direi- tos reprodutivos. Com isso, procuram afastar noções estereotipadas, como "o bebê é da mãe" ou "o adolescente não é capaz de prover a nova família e cuidar do filho". As O N G s defendem a inclusão dos pais adolescentes nos programas oficiais de apoio e orienta- ção às jovens mães. Buscam também, entre outras medidas, a autorização, na rede de saúde pública, da presença do acompanhante da parturiente durante o pré-natal, parto e pós-parto. A falta de apoio em uma sociedade cujo imaginário confere os papéis de "monstro", "vilão" ou "estúpido" ao adolescente que engravida uma meni- na acaba por aumentar os casos dos jovens que não dividem a responsabili- dade pela criação do filho. Apesar de, no início, os pais assumirem o bebê e ajudarem financeiramente, os cuida- dos com a criança em geral acabam ficando a cargo apenas das mães ou de outras mulheres do núcleo familiar, principalmente entre a população de baixa renda. (Da redação) Mais informações nos sites: www.papai.org.br e www.ecos.org.br 90 MENTE&CÉREBRO www.mentecerebro.com.br se configurando como realidade. Em geral, as jovens multíparas apresentam pior escolarida- de do que as não grávidas de mesma idade, menor adesão ao serviço, menor ganho pon- deral, uniões instáveis com o pai da criança e menor intervalo interpartal do que as adultas com mesmo número de filhos. ABORTO EM Q U E S T Ã O As taxas de mortalidade materna também são mais elevadas para mães com menos de 20 anos, chegando ao mínimo entre 20 e 30 e voltando a aumentar constantemente até o final da idade fértil. Embora seja possível reduzir as taxas de mortalidade resultantes de complicações obstétricas controlando fatores socioeconómicos e organizando os cuidados assistenciais, nas chamadas causas indiretas de morte, o fator idade materna continua a influir no risco, de forma isolada e independente. Em relação aos abortos provocados, não se têm encontrado relatos consistentes de maior ocorrência entre gestantes adolescentes, embora seja preciso levar em conta que essa observação se baseia em dados de casos de abortos complicados e hospitalizados, o que está longe de indicar a verdadeira dimensão do problema. Entretanto, segundo a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento, em 2003 os abortos representaram 16% das mortes maternas de mulheres de 15 a 24 anos nas regiões mais pobres do país. Está bem estabelecido que a idade precoce não é causa importante de abortos espontâne- os, como ocorre acima dos 40 anos. Contudo, faz parte do conhecimento informal sobre o assunto que as gestações de adolescentes de estratos sociais mais elevados terminam em aborto com maior frequência. Em geral, nesses casos, o procedimento é realizado de modo seguro e sem complicações, o que os faz desaparecer das estatísticas disponíveis, já os números para as adolescentes que passam pelo SUS para corrigir sequelas de abortos malfeitos crescem a cada ano. B E B É S S A U D Á V E I S Quanto à parturição na adolescência, alguns autores referem-se a maior número de ope- rações cesarianas motivadas por situações que se vinculariam ao processo incompleto de crescimento e desenvolvimento da mãe. Dificuldades funcionais uterinas em sua estreia precoce ou antecipada, bacia não totalmente formada, comportamento emocional descon- trolado durante o trabalho de parto, apresen- tações e posições fetais anormais, patologias maternas mais incidentes, como eclampsia e anemia, justificariam mais cirurgias para ulti- mar o parto. Não existem evidências, todavia, que relacionem o aumento de risco para cesa- riana à condição biológica da adolescência. Também há controvérsia na literatura sobre a relação entre maternidade precoce e agravos dos recém-nascidos. As complicações neonatais, a exemplo das obstétricas, quan- do presentes, podem resultar de condições ambientais e psicossociais desfavoráveis ou da associação multifatorial de eventos. Estudos mostram que o baixo peso ao nascer, a prematuridade, a maior morbidade e mortalidade neonatal, em geral citados como mais incidentes entre mães adolescentes, não são maiores quando se controlam possíveis variáveis confundidoras. Já a mortalidade infantil seria mais elevada em pacientes de classes menos favorecidas — onde predomina a maioria dos casos de gravidez precoce —, como resultado da falta de recursos e adequa- dos equipamentos sociais de suporte às jovens para o exercício da maternidade. OS AUTORES JOÃO LUIZ PINTO E SILVA é pro- fessor titular do Departamento de Tocoginecologia do Caism/Unicamp e da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. DALVA ROSSI é assisten- te social da mesma instituição e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Aguai. MAIS DE UM Além da gravidez precoce, outro fenómeno observado com frequência cada ¥62 maior no Brasil é a repetição de gestações ainda no período da adolescência. Do ponto de vista médico, há maior risco de essas jovens darem à luz bebés pequenos para a idade gestacional do que as gestantes adultas PARA CONHECER MAIS Adolescência, prevenção e risco. M. L Saito e L. E. Vargas da Silva. Atheneu, 2001 . Instituto Cuttmacher. Site: www.guttmacher.org ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 91 1 o olhaii A P R E S E N T A adolescente os INCRÍVEIS ANOS DE TRANSIÇÃO PARA A IDADE ADULTAj ^ ^ ^ ^ ^ CORPOS EM TRANSIÇÃO HORMÔNIOS E PUBERDADE • MATURAÇÃO CEREBRAL .ADOLESCÊNCIA E MODERNIDADE • IDENTIDADE E IMAGEM CORPORAL • TATUAGENS E PIERCINGS • DST E GRAVIDEZ • ANOREXIA, BULIMIA E OBESIDADE
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