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Gravidez precoce

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GRAVIDEZ PRECOCE 
Mães 
antes 
. do tempo 
A gestação na adolescência 
é uma questão de saúde 
3Ública com impl icações 
3sicológicas, famil iares e 
sociais; riscos para a mãe 
e o feto vêm mais de 
condições externas 
desfavoráveis do que 
da predisposição biológica 
em função da idade 
Por João Luiz Pinto e Silva, obstetra, 
e Dalva Rossi, assistente social 
/ / 
T odos os anos cerca de 1 milhão de garotas com menos de 20 anos ficam grávidas no Brasil, de acor-do com o Ministério da Saúde. 
Gravidez, parto e puerpério perfazem, em 
todas regiões do país, 8 0 , 3 % do total de inter-
nações de jovens no Sistema Único de Saúde 
(SUS). Em 2004, os partos juvenis totalizaram 
700 mil na rede pública e cerca de 150 mil 
a 200 mil fora dela. As estatísticas elevadas, 
que ainda apontam o parto como a primeira 
causa de internação das adolescentes no SUS, 
exaltam a necessidade de ampla discussão 
sobre a gravidez precoce e suas consequências 
clínicas, culturais e psicossociais. 
Durante a adolescência, ocorre a mobili-
zação de sentimentos que envolvem medos, 
dúvidas e desejos. Os sujeitos experimentam 
alternância de humor, crises existenciais e 
adquirem uma noção de tempo particular, em 
que o amanhã é sempre remoto e os fatos atuais 
não têm consequências imediatas. Tais caracte-
rísticas, típicas dessa fase, tornam o adolescente 
protagonista de situações de risco e vivências 
novas, que resultam em descobertas, insegu-
ranças e atitudes muitas vezes surpreendentes 
aos olhos dos adultos. Trata-se, no entanto, de 
um processo natural de experiências e compor-
tamentos, cujo objetivo é o fortalecimento de 
uma nova identidade, construída em direção à 
emancipação completa na idade adulta. 
Para tanto, é preciso que o jovem elabore 
interna e concretamente aspectos que dizem 
respeito à perda da proteção dos pais, dos cui-
dados essenciais relacionados à sobrevivência, e 
experimente mais uma etapa de separação e dis-
tanciamento. Esse estágio da vida também inclui 
de modo predominante a transformação da ima-
gem corporal, que pode levar de forma efetiva a 
alguns momentos de não reconhecimento de si 
mesmo do ponto de vista físico e psíquico. 
Ao contrastar as rápidas mudanças físicas 
com os novos padrões de comportamento que 
lhe são reservados e exigidos, o adolescente 
esgarça os modelos de referência até então 
utilizados, tornando-se mais vulnerável para o 
enfrentamento de experiências desconhecidas, 
principalmente de natureza sexual. 
BARRIGAS SALIENTES 
Enquanto a fecundidade 
das mulheres brasileiras 
decl inou nos últimos 
40 anos, a das 
adolescentes cresceu. 
Acima, meninas grávidas 
na maternidade 
Alexander F leming, 
RJ, 1998 
ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 85 
SITUAÇÃO PREOCUPANTE NO MUNDO 
GRAVIDEZ PRECOCE 
PANORAMA 
BRASILEIRO 
De acordo com o 
Instituto Brasileiro de 
Geograf ia e Estatística 
( IBGE) , o Brasil entrou no 
ano 2000 com 36 milhões 
de adolescentes — um 
quinto da população 
total , a maior coorte 
de indivíduos dessa fase 
da vida que se conhece 
na história demográf ica 
brasileira. Cerca de 
uni milhão de brasileiras 
com menos de 20 anos 
engravidam por 
ano, segundo 
o Ministério da Saúde 
De acordo com o Min is tér io da 
Saúde e a Agênc ia dos Estados Unidos 
para o Desenvo lv imento In te rnac iona l 
( U s a i d ) , a cada a n o , cerca de 14 
milhões de adolescentes dão à luz no 
m u n d o . A proporção de mulheres 
que têm o pr imei ro f i lho até os 
18 anos var ia de 1% no Japão a 
5 3 % em Níger , segundo dados 
• do Inst i tuto C u t t m a c h e r . 
/ Ent re os países desenvo lv i -
' dos , os Estados Unidos l ideram a 
l ista de casos de grav idez na ado-
lescênc ia . Na população desse país , 
e m 2002, a taxa era de 75 g ráv idas em 
MEDIDAS EDUCATIVAS 
Uma questão fundamental causa relevante 
preocupação aos profissionais que lidam com 
esse segmento etário: a intensificação e prema-
turidade das vivências da sexualidade, quase 
sempre sem a devida orientação sobre como 
prevenir doenças sexualmente transmissíveis e 
a gravidez precoce. Esta, quando associada às 
transformações psicofísicas e sociais da adoles-
cência, tende a acentuar as inseguranças típicas 
dessa fase, tanto para as jovens mães quanto 
para os adolescentes que se tornaram pais. 
Abandono da escola ou do trabalho e 
de atividades de lazer é assunto evidenciado 
nas falas das meninas quando se descobrem 
grávidas e ainda não conseguem vislumbrar 
como superar ou vencer o desdobramento das 
dificuldades decorrentes da nova situação. 
Várias jovens assumem a maternidade sem 
um companheiro, dependendo única e exclu-
sivamente da ajuda dos pais ou familiares. 
Muitas delas já largaram os estudos mesmo 
antes da gravidez. Para outras, esse novo dese-
nho de vida leva definitivamente a formação 
escolar para segundo plano. 
Diante disso, é prioritário que o tema da 
sexualidade e gravidez precoce seja incluído 
nas escolas, de forma efetiva, ampla e sem 
discriminação. De um lado, informar para 
orientar e prevenir. De outro, como no caso 
das jovens gestantes, instituir medidas de 
apoio e estímulos educativos e socioculturais 
extensivos às famílias, a fim de que evitem o 
abandono escolar e concluam os estudos. 
cada mil garotas ent re 15 e 19 anos . 
Embora esteja em dec l ín io , o número 
de gráv idas adolescentes nos Estados 
Unidos é quase o dobro do regist ra-
do na Ing la te r ra , na Aust rá l ia ou no 
C a n a d á , mais de quat ro vezes maior 
do que o da França e oito vezes o da 
Holanda ou do Japão. 
A n u a l m e n t e , 750 mi l amer i canas 
en t re 15 e 19 anos e n g r a v i d a m : 5 7 % 
delas t êm o f i l ho , 2 9 % p r o v o c a m 
abor to e 14% so f rem abor to espon-
t â n e o . O i t en ta e dois por cento dos 
casos de g rav idez na ado lescênc ia 
não f o r a m p lane jados . 
Já há experiências nesse sentido no Brasil, 
entre elas creches nas escolas secundárias, fle-
xibilidade de horários escolares para gestantes 
e mães recentes, em especial para lactantes, 
e constituição de grupos de adolescentes na 
mesma situação. Outros instrumentos com-
plementares abrangem o favorecimento de 
discussões sobre o tema da gravidez entre 
colegas, professores, pais e funcionários, bem 
como atendimentos psicológicos que visem o 
resgate da auto-estima e da cidadania. 
Programas de sustentação financeira (como 
bolsa-auxílio) e cursos profissionalizantes têm 
se mostrado ferramentas de apoio fundamen-
tais para que as jovens grávidas, ou mesmo os 
pais adolescentes, tenham condições reais de 
assumir o bebê. Entretanto, essas são iniciati-
vas isoladas, não se constituindo em políticas 
públicas implementadas com base em um 
diagnóstico adequado da situação. 
APOIO FAMILIAR 
Outra questão merecedora de atenção qualifica-
da é a das famílias das adolescentes que engra-
vidam, que nem sempre estão preparadas para 
o acolhimento de um fato inusitado como esse. 
Em geral, os pais resistem a aceitar a sexualidade 
dos filhos, e é com seus pares que os jovens nor-
malmente se abrem em busca de esclarecimento 
para questões ligadas ao sexo e para a troca de 
informações sobre experiências sexuais. 
A maternidade, ou paternidade, precoce 
modifica sobremaneira a dinâmica familiar, 
aumentando as responsabilidades de cada um 
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e levando toda a família a profundas transfor-
mações. Os desdobramentos e repercussões 
de uma gravidez precoce atingem todas as 
classes sociais, com características e encami-
nhamentos particularmente mais complicados 
naquelas de maior vulnerabilidade social. 
Em um primeiro momento, a gestação 
não planejada ocasiona a quebra de expecta-
tivas e planos, tanto dos pais quanto dos ado-
lescentes, e abre espaço para acusações, cul-
pas e cobranças. A situação inevitável, porém, 
exige a reconstrução dos vínculos e espaços, 
o que, em geral, ocorre em um segundo 
momento. É quando o reordenamento das 
atitudes e relações afetivas intrafamiliares se 
torna possível,sob a forma de orientações e 
apoio mais efetivos que levem os adolescen-
tes a, mais tarde, estabelecer novos limites e 
assumir outras responsabilidades. 
A discussão sobre a gravidez na adolescên-
cia pela sociedade deve ser constante e neces-
sita da parceria de profissionais de diferentes 
categorias. É preciso que um projeto ousado 
seja construído por todos os atores sociais, 
inclusive governo, com o objetivo de trabalhar 
a adolescência como um todo, na perspectiva 
de fortalecer mecanismos e estratégias de dis-
cussão, bem como de desenvolver novas pro-
postas nos diferentes espaços de atendimento 
a esses adolescentes. 
Também é de fundamental importância 
que os profissionais —- tanto os que acolhem 
as adolescentes prestes a assumir a mater-
nidade em projetos de intervenção quanto 
os que não têm contato direto com elas, 
mas participam da elaboração de planos nas 
áreas de educação, saúde e promoção social 
— conheçam alguns aspectos clínicos capazes 
de desvendar preconceitos e contribuir para a 
compreensão da totalidade do fenómeno. 
S A Ú D E DA GESTANTE 
As complicações médicas da gravidez na ado-
lescência têm sido discutidas na literatura de 
modo exaustivo e não concludente. Muitas 
das discrepâncias encontradas decorrem de 
critérios imprecisos utilizados nas diferentes 
definições, de metodologia inadequada para 
interpretar fenómenos relacionados, da falta 
de controle de variáveis confundidoras (que 
interferem nos resultados e por isso devem 
ser isoladas), de amostras insuficientes e não 
controladas, bem como da generalização de 
resultados imprecisos e tendenciosos. 
EVASÃO ESCOLAR 
Segundo estudo feito a 
partir de dados do Censo 
2000, apenas 2 0 % das 
garotas brasi le iras entre 
10 e 19 anos, que tem 
filhos, está na escola. A 
porcentagem das 
meninas dessa mesma 
idade, mas sem filhos, que 
estudam, sobe para 8 0 % 
ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 87 
GRAVIDEZ PRECOCE 
Considerou-se por muito tempo que as 
desvantagens para a saúde da gestante ado-
lescente e de seu filho eram significativamente 
mais importantes do que para mulheres adultas 
entre 20 e 30 anos — faixa etária em que se 
observam os melhores resultados clínicos para 
mães e recém-nascidos. Entretanto, a relação 
entre maternidade precoce e complicações 
maternas e perinatais parece resultar da associa-
ção de múltiplos fatores, como idade, número 
de filhos, assistência pré-natal, ganho ponderal, 
aspectos socioeconómicos e culturais. 
As patologias mais citadas, como hipertensão 
gestacional (toxemia-pré-eclampsia-eclampsia), 
anemia, prematuridade e baixo peso ao nascer, 
parecem estar associadas à pouca idade e às 
condições psicossociais inadequadas. Estudos 
que controlaram fatores potencialmente confun-
didores dos resultados maternos e perinatais não 
evidenciaram desempenho obstétrico insatisfa-
tório, mostrando para as adolescentes resultados 
iguais aos de outras idades, alguns deles em 
decorrência da habitual condição de, nessa faixa 
etária, tratar-se da primeira gravidez. 
CUIDADOS PRÉ-NATAIS 
A assistência pré-natal adequada é um dos fato-
res mais benéficos para a evolução e bom prog-
nóstico da gravidez. Infelizmente, no Brasil, as 
adolescentes são captadas tardiamente por pro-
gramas pré-natais (após o quinto mês) e menos 
assíduas que as mulheres de outras faixas etárias. 
Essa situação se agrava entre as mais jovens e 
as multíparas, garotas que engravidam duas ou 
mais vezes ainda no período da adolescência. 
A gravidez inesperada, a frequente neces-
sidade de sua ocultação e a resistência ao 
controle pré-natal, por razões culturais ou por 
dificuldades em assumir tal estado perante a 
família e a sociedade, são alguns dos motivos 
encontrados para a insuficiência de cuidados 
durante o pré-natal. Entre as multíparas, o 
quadro é ainda mais preocupante. Apesar de 
ser lógico imaginar que a experiência já vivida 
estimularia a gestante ao acompanhamento 
pré-natal assíduo e precoce, isso paradoxal-
mente não acontece. 
Fenómeno cada vez mais relatado, a repe-
tição gestacional durante a adolescência vem 
A maternidade precoce faz parte de fiistórias familiares recorrentes 
e relaciona-se à afirmação subjetiva e social da feminilidade 
A maioria das abordagens sobre gravidez aponta a 
desinformação sexual das jovens como principal causa 
das preocupantes estatísticas relacionadas ao tema. Mas 
será que essa explicação ainda se sustenta? Mesmo com 
as limitações e dificuldades que o nascimento de um filho 
possa infligir à vida de uma jovem, é bastante comum 
ouvir a adolescente dizer que está contente por estar 
grávida e que quer ter o filho. 
A contextualização histórica mostra a influência da cultu-
ra na percepção dessa questão. A sociedade do século XIX, 
por exemplo, relacionava puberdade a casamento; naquela 
época, a mulher só era valorizada pela possibilidade de tor-
nar-se mãe. Com o tempo, o papel social feminino ampliou-
se e os estudos e profissionalização passaram a adiar o 
casamento e a maternidade. Por que, então, as adolescentes 
continuam engravidando? 
Esse foi o foco da pesquisa que realizei, em 1993, com 
adolescentes grávidas de classes populares no Instituto 
Fernandes Figueira, Rio de Janeiro. Nesse estudo, publicado 
no livro Pronta para voar (Rocco, 2002), privilegiei o discurso 
das jovens sobre seu estado e as conclusões foram surpreen-
dentes: a gravidez é desejada por elas. Na investigação do 
significado da gestação, destacam-se entre os principais fato-
res os biológicos e os não-biológicos, nos quais se inserem os 
aspectos culturais e psicológicos. 
Com as transformações orgânicas da puberdade, 
surge o interesse pelo sexo genital e o impulso de testar 
a fertilidade, assim como o risco da gravidez que deno-
mino "hormonal". Quando isso ocorre, dois desfechos 
I 88 MENTE&CÉREBRO www.mentecerebro.com.br 
1 
ATENDIMENTO 
ESSENCIAL 
Um direito fundamentai 
para a mãe e o bebê, 
o acompanhamento 
pré-natal é importante 
ponto de apoio e 
orientação para as 
adolescentes grávidas. 
Ao lado, paciente 
em exame de 
ultra-som e, ac ima, 
ultra-sonografia fetal 
se colocam para a jovem: o desejo de não ter o filho, 
expresso no aborto, e o de tê-lo, situado na maternidade. 
O destino da gestação está relacionado, de forma intrín-
seca, aos aspectos psicossociais de cada família. 
No Brasil, a gravidez na adolescência não parece ser 
considerada um problema tão grande para as garotas 
de classes populares, como o é, em geral, para a classe 
média. No caso das primeiras, o desejo de ter o filho é 
predominante. A repetição da maternidade na adolescên-
cia é uma constante na história das famílias das entrevis-
tadas. Para muitas jovens, ser mulher ainda equivale a ser 
mãe. Surge, assim, o trinômio adolescente-mãe-mulher, 
em que a gravidez é via de acesso à feminilidade. O tor-
nar-se mãe passa a ser uma forma de afirmação social e 
psicológica, uma espécie de maternidade social. 
Durante a investigação, as jovens mães relataram que 
o filho representa "tudo" para elas. A criança é, portanto, 
depositária de muitas expectativas: terá o que elas, em sua 
maioria, não tiveram, como estudo completo, perspectiva de 
trabalho e até mesmo uma família. A relação mais intensa, 
contudo, é a estabelecida entre as adolescentes e a própria 
mãe. As garotas repetem o modelo feminino, segundo o qual 
ser mulher está associado a ser mãe jovem. 
Quanto às adolescentes de classe média, observa-se, 
em geral, maior resistência ao desejo de ter um filho 
nessa fase da vida. A pressão social familiar se expressa 
de forma mais enfática do que nas de classes populares, 
sob os argumentos do estudo, do ingresso em uma 
universidade, da garantia de um bom emprego futuro 
etc. Isso lhes possibilita viver de modo mais prolongado 
sua adolescência, ao contrário das de classes mais bai-
xas, em que a maternidade interfere nesse ciclo. Logo, 
surgem para elas outros objetos de desejo capazes de 
suprir a carência afetiva, e o desejo de terum filho pode 
ser adiado para a vida adulta. 
Com essa análise, é possível dizer que as causas da gra-
videz na adolescência não se referem de maneira exclusiva 
à desinformação sexual, mas ao desejo inconsciente de ter um 
filho, aliado aos valores, às demandas e às fantasias sociocul-
turais. Ele está inscrito no projeto de vida de cada mulher, 
com variadas formas de expressão, sendo o produto da 
elaboração individual dos modelos e representações próprias 
de sua cultura. Como diz Bertrand Cramer no livro Segredos 
femininos de mãe para filha (Artes Médicas, 1996), em que 
descreve a transmissão subjetiva da feminilidade de modo 
universal, as mães transmitem para as filhas, desde o berço, 
um complexo sistema de valores e sua forma de ser mulher. 
Por Diana Dadoorlan, doutora em psicologia clínica pela Universidade Paris 8, 
psicanalista e professora do Sen/iço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do 
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRj). 
ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 89 
GRAVIDEZ PRECOCE 
JOVENS PAIS 
Ausência paterna é um 
dos temas abordados no 
documentár io "Meninas" 
(2006) , de Sandra 
Werneck, que registra 
o cotidiano de garotas 
grávidas, com idades 
entre 13 e 15 anos, 
na periferia do Rio de 
Janeiro. Não por acaso, 
duas das adolescentes 
retratadas no fi lme 
esperam bebés do mesmo 
homem. Abaixo, casa! de 
jovens durante as filmagens 
Calcula-se que pouco mais da 
metade das brasileiras que engravi-
dam ainda adolescentes leve no ventre 
bebés concebidos de rapazes menores 
de 19 anos. Como a estimativa é de 
que 1 milhão de garotas engravidem 
todo ano no país, ao menos 500 mil 
adolescentes se tornam pais anual-
mente . Os meninos "grávidos", da 
mesma forma que as meninas, neces-
sitam de orientação e apoio a fim de 
enfrentar uma gestação não planejada 
e exercer com tranquil idade a função 
paterna, observam especialistas. 
Organizações não-governamentais 
voltadas para a paternidade adoles-
cente ressaltam a importância da parti-
cipação do homem no cuidado infantil 
e oferecem orientação e atendimento 
a garotos sobre sexualidade e direi-
tos reprodutivos. Com isso, procuram 
afastar noções estereotipadas, como 
"o bebê é da mãe" ou "o adolescente 
não é capaz de prover a nova família 
e cuidar do filho". As O N G s defendem 
a inclusão dos pais adolescentes nos 
programas oficiais de apoio e orienta-
ção às jovens mães. Buscam também, 
entre outras medidas, a autorização, na 
rede de saúde pública, da presença do 
acompanhante da parturiente durante 
o pré-natal, parto e pós-parto. 
A falta de apoio em uma sociedade 
cujo imaginário confere os papéis de 
"monstro", "vilão" ou "estúpido" ao 
adolescente que engravida uma meni-
na acaba por aumentar os casos dos 
jovens que não dividem a responsabili-
dade pela criação do filho. Apesar de, 
no início, os pais assumirem o bebê e 
ajudarem financeiramente, os cuida-
dos com a criança em geral acabam 
ficando a cargo apenas das mães ou 
de outras mulheres do núcleo familiar, 
principalmente entre a população de 
baixa renda. (Da redação) 
Mais informações nos sites: 
www.papai.org.br e www.ecos.org.br 
90 MENTE&CÉREBRO www.mentecerebro.com.br 
se configurando como realidade. Em geral, as 
jovens multíparas apresentam pior escolarida-
de do que as não grávidas de mesma idade, 
menor adesão ao serviço, menor ganho pon-
deral, uniões instáveis com o pai da criança e 
menor intervalo interpartal do que as adultas 
com mesmo número de filhos. 
ABORTO EM Q U E S T Ã O 
As taxas de mortalidade materna também 
são mais elevadas para mães com menos de 
20 anos, chegando ao mínimo entre 20 e 30 
e voltando a aumentar constantemente até 
o final da idade fértil. Embora seja possível 
reduzir as taxas de mortalidade resultantes de 
complicações obstétricas controlando fatores 
socioeconómicos e organizando os cuidados 
assistenciais, nas chamadas causas indiretas de 
morte, o fator idade materna continua a influir 
no risco, de forma isolada e independente. 
Em relação aos abortos provocados, não 
se têm encontrado relatos consistentes de 
maior ocorrência entre gestantes adolescentes, 
embora seja preciso levar em conta que essa 
observação se baseia em dados de casos de 
abortos complicados e hospitalizados, o que 
está longe de indicar a verdadeira dimensão 
do problema. Entretanto, segundo a Comissão 
Nacional de População e Desenvolvimento, 
em 2003 os abortos representaram 16% das 
mortes maternas de mulheres de 15 a 24 anos 
nas regiões mais pobres do país. 
Está bem estabelecido que a idade precoce 
não é causa importante de abortos espontâne-
os, como ocorre acima dos 40 anos. Contudo, 
faz parte do conhecimento informal sobre 
o assunto que as gestações de adolescentes 
de estratos sociais mais elevados terminam 
em aborto com maior frequência. Em geral, 
nesses casos, o procedimento é realizado de 
modo seguro e sem complicações, o que os 
faz desaparecer das estatísticas disponíveis, já 
os números para as adolescentes que passam 
pelo SUS para corrigir sequelas de abortos 
malfeitos crescem a cada ano. 
B E B É S S A U D Á V E I S 
Quanto à parturição na adolescência, alguns 
autores referem-se a maior número de ope-
rações cesarianas motivadas por situações 
que se vinculariam ao processo incompleto 
de crescimento e desenvolvimento da mãe. 
Dificuldades funcionais uterinas em sua estreia 
precoce ou antecipada, bacia não totalmente 
formada, comportamento emocional descon-
trolado durante o trabalho de parto, apresen-
tações e posições fetais anormais, patologias 
maternas mais incidentes, como eclampsia e 
anemia, justificariam mais cirurgias para ulti-
mar o parto. Não existem evidências, todavia, 
que relacionem o aumento de risco para cesa-
riana à condição biológica da adolescência. 
Também há controvérsia na literatura 
sobre a relação entre maternidade precoce e 
agravos dos recém-nascidos. As complicações 
neonatais, a exemplo das obstétricas, quan-
do presentes, podem resultar de condições 
ambientais e psicossociais desfavoráveis ou da 
associação multifatorial de eventos. 
Estudos mostram que o baixo peso ao 
nascer, a prematuridade, a maior morbidade e 
mortalidade neonatal, em geral citados como 
mais incidentes entre mães adolescentes, não 
são maiores quando se controlam possíveis 
variáveis confundidoras. Já a mortalidade 
infantil seria mais elevada em pacientes de 
classes menos favorecidas — onde predomina 
a maioria dos casos de gravidez precoce —, 
como resultado da falta de recursos e adequa-
dos equipamentos sociais de suporte às jovens 
para o exercício da maternidade. 
OS AUTORES JOÃO LUIZ PINTO E SILVA é pro-
fessor titular do Departamento de Tocoginecologia 
do Caism/Unicamp e da Faculdade de Ciências 
Médicas da Unicamp. DALVA ROSSI é assisten-
te social da mesma instituição e professora da 
Faculdade de Ciências Humanas de Aguai. 
MAIS DE UM 
Além da gravidez 
precoce, outro 
fenómeno observado 
com frequência cada 
¥62 maior no Brasil é a 
repetição de gestações 
ainda no período da 
adolescência. Do ponto 
de vista médico, há 
maior risco de essas 
jovens darem à luz bebés 
pequenos para a idade 
gestacional do que as 
gestantes adultas 
PARA CONHECER MAIS 
Adolescência, 
prevenção e risco. 
M. L Saito e L. E. Vargas 
da Silva. Atheneu, 2001 . 
Instituto Cuttmacher. 
Site: www.guttmacher.org 
ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 91 
1 o olhaii A P R E S E N T A 
adolescente 
os INCRÍVEIS ANOS DE TRANSIÇÃO PARA A IDADE ADULTAj 
^ ^ ^ ^ ^ 
CORPOS EM 
TRANSIÇÃO 
HORMÔNIOS E PUBERDADE • MATURAÇÃO CEREBRAL .ADOLESCÊNCIA 
E MODERNIDADE • IDENTIDADE E IMAGEM CORPORAL • TATUAGENS 
E PIERCINGS • DST E GRAVIDEZ • ANOREXIA, BULIMIA E OBESIDADE

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