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XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 2177-2576 versão online O Caso de Milhões: Via Varejo e os Sinais de Alerta no caminho Autoria Juliana Bacelar de Freitas - b.juliana@hotmail.com PPGCONT/UnB / UnB - Universidade de Brasília Anderson Alves de Oliveira - anderson.peritocontador@gmail.com Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis / UnB - Universidade de Brasília Rodrigo de Souza Gonçalves - roadgoncalves@gmail.com PPGCont - Programa de Pós-graduação em Ciências Contábeis / UnB - Universidade de Brasília Resumo O presente Caso de Ensino aborda o episódio das denúncias anônimas de possíveis fraudes na Via Varejo S.A. recebidas em outubro de 2019. A companhia criou um Comitê de Investigação para conduzir uma investigação independente e detalhada e, como resultado, foram encontrados indícios de fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão trabalhista da Companhia e pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos e falhas de controles internos que poderiam resultar em erros materiais em determinadas contas contábeis da Companhia. O impacto de R$1,190 bilhão foi reconhecido integralmente nas demonstrações contábeis de 2019. Diante desse cenário de incerteza, a aplicação deste caso pretende fomentar o debate sobre o papel e planejamento da auditoria, com foco nas red flags, já que busca identificar possíveis sinais de alerta no ambiente da Via Varejo que pudessem facilitar e propiciar um ambiente mais frágil e suscetível a fraudes e erros. Palavras-chave: Via Varejo. Auditoria. Planejamento de Auditoria. Red Flags. Fraude. 1 O Caso de Milhões: Via Varejo e os Sinais de Alerta no caminho RESUMO O presente Caso de Ensino aborda o episódio das denúncias anônimas de possíveis fraudes na Via Varejo S.A. recebidas em outubro de 2019. A companhia criou um Comitê de Investigação para conduzir uma investigação independente e detalhada e, como resultado, foram encontrados indícios de fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão trabalhista da Companhia e pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos e falhas de controles internos que poderiam resultar em erros materiais em determinadas contas contábeis da Companhia. O impacto de R$1,190 bilhão foi reconhecido integralmente nas demonstrações contábeis de 2019. Diante desse cenário de incerteza, a aplicação deste caso pretende fomentar o debate sobre o papel e planejamento da auditoria, com foco nas red flags, já que busca identificar possíveis sinais de alerta no ambiente da Via Varejo que pudessem facilitar e propiciar um ambiente mais frágil e suscetível a fraudes e erros. Palavras-chave: Via Varejo. Auditoria. Planejamento de Auditoria. Red Flags. Fraude. INTRODUÇÃO “ - Mas e agora, chefe? - A gente confia em você!” Naquela sexta-feira de abril de 2020, enquanto processava a notícia que acabara de receber por telefone, João refletia sobre suas decisões que o levaram até ali. Ele tornava-se o sócio responsável da auditoria de uma das maiores empresas varejistas do Brasil: a Via Varejo. Entretanto, apesar da explosão de felicidade e sentimento de conquista que queria dominar suas emoções, a preocupação foi a sensação mais presente naquele momento. Apesar da excelente notícia, a situação de João era delicada já que estava assumindo o posto de líder de um projeto que havia ficado vago horas antes por uma causa séria e grave. A oportunidade surgira pela demissão do sócio responsável pelo cliente, pois a Via Varejo acabara de passar por um processo de investigação que descobrira a ocorrência de fraude nos números da companhia, gerando um impacto de mais de um bilhão nas demonstrações financeiras. Assim, após cobrança de vários stakeholders e da mídia, a empresa de João julgou coerente e necessário o desligamento do antigo sócio por entender que o mesmo não havia feito o trabalho da melhor forma possível, prejudicando a imagem da firma. Portanto, aquela ligação do presidente da empresa de auditoria para João naquela tarde de sexta-feira não significava apenas uma promoção como todas as outras, significava algo a mais: a confiança da recuperação da reputação da firma de auditoria perante o mercado. O chefe do mais novo líder do projeto de auditoria da Via Varejo ainda o lembrou de mais um detalhe, já que a reunião com o Conselho de Administração do cliente seria dentro de um mês e os membros do conselho queriam discutir o planejamento da auditoria para o próximo ano. João não teve tempo de comemorar a boa notícia que recebera naquele dia, ele tinha uma importante missão pela frente e todo estudo e análise da situação seriam necessários para apresentar o melhor e mais completo planejamento de auditoria que uma empresa poderia ter. Ele precisava recuperar a confiança dos conselheiros e assegurar que a auditoria independente estaria mais bem preparada para este novo ano e ciclo. CONTEXTO DO CASO “Mais possibilidade de escolha, mais simplicidade, mais mobilidade e experiência encantadora” 1 O ano de 2019 foi um período desafiador para a Via Varejo. A empresa contou com grandes mudanças como troca de controlador, de gestão e até de posicionamento estratégico. Entretanto, o principal evento que chamou a atenção do mercado de capitais foi o recebimento XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 2 de denúncias anônimas sobre possíveis fraudes e irregularidades contábeis. Diante desse cenário, a companhia estabeleceu um Comitê de Investigação que deu início aos trabalhos em outubro de 2019 e encerrou-se em março de 2020. O processo de investigação teve três principais fases, onde empresas independentes e conselheiros renomados foram envolvidos para garantir a imparcialidade das análises. A primeira fase de investigação não identificou quaisquer vestígios que pudessem confirmar as denúncias recebidas, sendo divulgada essa constatação por meio de Fato Relevante no dia 13 de novembro de 2019. Entretanto, as duas etapas posteriores da investigação identificaram indícios de irregularidades e fraudes contábeis configurados, especialmente por meio de manipulações das provisões trabalhistas da companhia e pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos, bem como falhas de controles internos que poderiam resultar em erros materiais em determinadas contas contábeis. Estes achados foram divulgados ao mercado por meio de dois Fatos Relevantes, datados de 13 de dezembro de 2019 e 25 de março de 2020, respectivamente. Envoltos nesse episódio de incerteza e investigação, a Via Varejo ainda passava por uma constante troca de cadeiras e responsabilidades dos principais conselhos e comitês de sua estrutura de governança corporativa. E, no meio desse contexto, encontrava-se a auditoria independente, que não havia descoberto previamente nenhum sinal de irregularidade nos números da companhia e que precisava garantir ao mercado de capitais a veracidade das demonstrações financeiras da Via Varejo, assegurando especialmente a qualidade do serviço prestado. Desta forma, a auditoria independente encontrava-se em uma situação delicada e desafiadora para a manutenção da sua reputação perante o mercado de capitais e, em especial, seu cliente: como garantir a qualidade de seus serviços em um ambiente possivelmente fraudulento? Existem mecanismos que possam sinalizar ou minimizar fragilidades e que ajudem no planejamento e execução dos trabalhos de auditoria? Existem sinais de alerta para possíveis falhas ou erros existentes na companhia auditada? HISTÓRICO DA VIA VAREJO A Via, antiga Via Varejo, é uma empresa brasileira de varejo fundada em 2010 por meio da fusão das empresas de varejo Casas Bahia, de propriedade da família Klein, e Ponto, de propriedade do GrupoPão de Açúcar. Com sede localizada em São Caetano do Sul – SP, gerencia uma rede de mais de 1.000 lojas espalhadas pelo Brasil. Através de empresas e marcas conhecidas no ramo e por meio de plataformas de e-commerce, o grupo é atuante no mercado de eletroeletrônicos, eletrodomésticos e móveis. A partir de junho de 2019, a Via Varejo S.A. passou a ser controlada pela família Klein, colocando em prática sua visão de oferecer soluções financeiras e de fullcommerce. Assim, Michael Klein passou a ser o presidente da companhia, assumindo mais de 10% das ações. Em composição à marca principal do grupo, atuam outras marcas de renome nacional, como Casas Bahia, Ponto, Bartira e Extra.com.br. A rede Casas Bahia, por exemplo, é reconhecida como uma das marcas mais valiosas do Brasil pela pesquisa da Interbrand e é detentora de mais de 700 lojas físicas, sendo avaliada em R$ 800 milhões. A Ponto, por sua vez, é uma empresa com mais de 250 pontos no território brasileiro, sendo um dos líderes do mercado varejista. A Bartira é a maior fábrica de móveis da América Latina com mais de 1,5 mil colaboradores e o Extra.com.br está há mais de 16 anos no mercado e, em 2013, tornou-se o primeiro e-commerce a desenvolver uma plataforma para maketplace1. A Via Varejo ainda é detentora da maior malha logística de varejo do país e, para alcançar tal feito, passou por uma grande e histórica transformação digital, que fica evidenciada pelos níveis crescentes de usuários ativos nos aplicativos de suas marcas desde junho de 2019, quando ainda possuíam apenas 1,5 milhão, até dezembro de 2020, alcançando a marca de 14 XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 3 milhões de perfis ativos. Deste modo, a companhia se coloca no mercado com uma estratégia definida: foco em multicanais, nos digitais e nas multiplataformas. Deste modo, para dar suporte a todos os planos e visões da Via Varejo, a companhia conta com 27 Centros de Distribuição, contando com mais de 46 mil colaboradores, realizando as vendas por meio de 1.052 pontos físicos, sendo 857 atribuídos às Casas Bahias e 195 ao Ponto. Assim, o alcance da marca é enorme e atinge diversos públicos por possuir lojas em shoppings e nas ruas de todas as regiões do Brasil2. Vale ressaltar, por fim, o processo de expansão liderado pela Via Varejo. Assim, em 2019, a empresa concluiu a aquisição de 80% da Airfox, uma empresa de tecnologia sediada em Boston – EUA, criando a banQi, uma carteira digital para atender as necessidades dos clientes. E, em abril de 20213, a companhia anunciou que mudou sua marca e passou a se chamar somente Via, com o intuito de ir além do varejo e ampliar ainda mais seus ramos de atuação. O AMBIENTE DA EMPRESA A Via Varejo é listada no segmento Novo Mercado da Brasil, Bolsa e Balcão (B3), sendo este o mais elevado nível de Governança Corporativa (GC) e é cotada em bolsa pelo código “VIIA3”. A estrutura de GC proposta pela empresa está disposta em seu site institucional, com breves comentários acerca de cada órgão, expressa pela Figura 1 abaixo. Figura 01: Organograma da empresa Via Varejo S.A. em 2019 Fonte: Via Varejo: Relações com Investidores (2021). Mudanças de composição dos Conselhos de Administração (CA) e Comitê de Auditoria foram realizadas ao longo do ano de 2019 por diversas renúncias de seus diretores, além da troca de presidente pela aquisição de Klein. A empresa, ainda no final de 2019 e no decorrer de 2020, passou por atualizações de seus regimentos internos e código de ética. A linha do tempo a seguir demonstra a evolução da estrutura da Via Varejo nos anos em análise. Tabela 1: Linha do Tempo com os principais eventos da Via Varejo entre jan./2019 e jul./2020 Data do Evento Tipo de Comunicado Assunto Descrição 20/02/2019 [1] Fato Relevante Expectativas 2019 (i) Processo de turnaround: Divulgação de Projeções para 2019 muito otimistas e com forte crescimento. 25/02/2019 [2] Fato Relevante Alienação de Participação Acionária (i) Alienação de Participação Acionária detida pelo Acionista Controlador de 3,09% do capital. 23/04/2019 [3] Fato Relevante Cisão Parcial Cnova (i) Cisão Parcial com sua subsidiária integral. Cnova Comércio Eletrônico S.A. 26/04/2019 [4] Ata de Reunião CA Renúncia Diretor (i) Renúncia do Diretor de Relações com Investidores. 15/05/2019 [5] Comunicado ao Mercado Notícia divulgada na mídia (i) Confirmação da notícia vinculada à mídia de que o empresário Michael Klein se aliou à XP para fazer uma proposta de aquisição das ações da Via Varejo detidas pelo Grupo Pão de Açúcar. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 4 28/05/2019 [6] Ata de Reunião CA Alteração de Código de Ética. (i) Alteração de Código de Ética. 05/06/2019 [7] Comunicado ao Mercado Via Varejo e Airfox evoluem a parceria e lançam banQi (i) Via Varejo e startup norte-americana de tecnologia financeira, Airfox, evoluem a parceria e lançam banQi, solução tecnológica de Mobile Point of Sale. 26/06/2019 [8] Fato Relevante Mudança de Administração (i) Substituição do presidente do CA da Companhia, passando a ocupar tal cargo o Sr. Michael Klein; (ii) Renúncia de todos os diretores da empresa, exceto um; (iii) Eleição de novos membros para a diretoria. 15/07/2019 [9] Comunicado ao Mercado Eleição de Chief Digital Officer (i) Contratação de um profissional para o cargo de Chief Digital Officer (CDO). 31/07/2019 [10] Comunicado ao Mercado Renúncia Diretor (i) Renúncia de um diretor executivo da Companhia, sem cargo definido. 02/09/2019 [11] Comunicado ao Mercado Plano de Opção de Compra de Ações (i) Estabelecimento de Plano de Remuneração baseado em Ações. 20/09/2019 [12] Comunicado ao Mercado Mudança na composição do comitê de auditoria estatutário (i) Renúncia dos dois conselheiros dos cargos de membros do Comitê de Auditoria da Companhia; (ii) Substituição do Coordenador do Comitê de Auditoria, (iii) Eleição de conselheiros suplentes para os dois postos vagos no Comitê de Auditoria. 13/11/2019 [13] Fato Relevante Investigação Independente (i) Primeiro anúncio do recebimento das denúncias anônimas de possíveis fraudes e irregularidades contábeis. 02/12/2019 [14] Comunicado ao Mercado Notícia veiculada na mídia sobre Black Friday 2019 da Companhia (i) Confirmação da notícia veiculada em mídia sobre a boa performance da companhia na Black Friday de 2019, com estimativa de R$1,1 bilhão de vendas durante o evento. 12/12/2019 [15] Fato Relevante Atualização acerca da Investigação Independente (i) Segundo anúncio sobre a investigação independente, confirmando evidências que suportam a presença de possíveis fraudes e irregularidades contábeis. 19/12/2019 [16] Fato Relevante Projeção de resultados para o exercício de 2020 (i) Processo de turnaround: Divulgação de Projeções para 2020 muito otimistas. 19/12/2019 [17] Comunicado ao Mercado Notícia divulgada na mídia. (i) Confirmação da notícia veiculada em mídia os altos valores projetados para 2020. 21/01/2020 [18] Comunicado ao Mercado Notícia divulgada na mídia. (i) Desmentir notícias veiculadas na mídia sobre possível oferta de ações até o meio do ano de 2020. 07/02/2020 [19] Comunicado ao Mercado Exercício da opção de compra das ações da Airfox/banQi e aquisição de participação adicional (i) Aquisição de participação adicional das ações do banQi que, uma vez consumada, permitirá em seguida a aquisição de até 100% do capital do banQi. 12/02/2020 [20] Ata de Reunião CA Atualização do Regimento Interno do Comitê de Auditoria (i) Atualização do Regimento Interno do Comitê de Auditoria. 18/03/2020 [21] Comunicado ao Mercado e Fato Relevante Resultados Não Auditados da Companhia (i) Divulgação e exposiçãoantecipada dos números do fechamento do ano de 2019, com grande ênfase na boa performance da empresa, sem a validação necessária da auditoria externa. 25/03/2020 [22] Fato Relevante Encerramento da investigação independente (i) Terceiro anúncio sobre as investigações das denúncias anônimas recebidas. Conclusão de investigação, confirmando a existência de evidências que corroboram com a presença de irregularidades e fraudes contábeis. 27/04/2020 [23] Comunicado ao Mercado Aquisição ASAPLog (i) Aquisição ASAPLog, empresa de tecnologia e atua no setor de logística (“LogTec”), especializada em soluções para logística urbana. 29/04/2020 [24] Comunicado ao Mercado Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária (i) Ajuste de Atribuições do Conselho de Administração e eleição de novos membros. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 5 30/04/2020 [25] Comunicado ao Mercado Notícia divulgada na mídia. (i) Confirmação da notícia veiculada na página do jornal Valor Econômico na rede mundial de computadores em 29/04/2020, intitulada "Via Varejo ganha R$ 3,5 bi em valor de mercado". 03/06/2020 [26] Fato Relevante Oferta de Ações (i) Oferta Restrita consistirá na distribuição pública primária de, inicialmente, 220.000.000 Ações (“Ações da Oferta Base”), com esforços restritos de colocação. 09/07/2020 [27] Comunicado ao Mercado Mudança na Composição do Comitê de Auditoria Estatutário e dos Comitês de Assessoramento (i) Mudança na composição dos membros do Comitê de Auditoria e aprovação de novo Regimento Internos para todos os Comitês ativos. Fonte: Autoria Própria, com dados extraídos do sítio oficial da Via Varejo – Relações com Investidores. A Via Varejo contava, em 2019, com 5 Comitês de Assessoramento ao Conselho de Administração, sendo eles: (i) Comitês de Pessoas, Inovação e Governança, (ii) Comitê de Finanças, (iii) Comitê de Divulgação e Negociação, (iv) Comitê de Auditoria, Riscos e Compliance, (v) Comitê de Ética e Disciplina. Cada Comitê deve ser composto por, no mínimo três membros, que serão nomeados pelo Conselho de Administração para um mandato de dois anos, havendo a possibilidade de reeleição e/ou renúncia. O CA ainda tem a responsabilidade de eleger um Presidente ou Coordenador para cada órgão de deve representar, organizar e coordenar as atividades dos respectivos Comitês. A Via Varejo ainda conta com políticas e documentos que visam regular e orientar as ações da companhia, como, por exemplo: (i) Política Anticorrupção, (ii) Política de Divulgação e Uso de Informações Relevantes e Preservação de Sigilo, (iii) Política de Gerenciamento de Riscos e (iv) Código de Conduta Ética. Vale ressaltar, ainda, a existência do programa de Compliance da companhia baseado no comprometimento da Alta Administração. A Figura 2 evidencia os pilares do programa, que estabelecem diretrizes para orientar as decisões e atividades dos colaboradores e parceiros. Figura 02: Programa de Compliance da Via Varejo Fonte: Site Via Varejo: Ética e Compliance (2021).4 EM BUSCA DOS “PORQUÊS”: RESULTADOS DA VIA VAREJO “Fazer varejo de novo” foi a proposta divulgada pela empresa no ano de 2019, que se propôs a investir em plataformas estáveis e funcionais, melhorando assim o prazo de entrega das mercadorias, o relacionamento com os fornecedores e clientes, a geração de caixa e a atração de talentos. A intenção da companhia era tornar tudo mais fácil, simples e intuitivo para os consumidores da marca. Entretanto, é interessante que se questione os porquês da ênfase dada pela empresa em seus resultados para o ano de 2019. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 6 No início de dezembro de 2019, logo após ao evento conhecido como “Black Friday”, a empresa divulgou de forma inédita um Fato Relevante que confirmava os números veiculados à reportagem da Valor Globo5, que afirmava que a companhia havia vendido ao todo R$1,1 bilhão de reais durante o evento. A Via Varejo ainda reafirmou sua performance nos Relatórios da Administração, evidenciando que as vendas foram substancialmente superiores ao ano anterior e que houve redução significativa do número de reclamações dos consumidores. Essa excelente performance foi designada, em grande parte, pelas melhorias tecnológicas desenvolvidas na plataforma de vendas digital e pela mitigação dos problemas sistêmicos anteriores, o que permitiu uma experiência de compras superior para o consumidor e mais alinhada com o planejamento estratégico para o ano de 2019. Ainda como forma de afirmação e divulgação de seus resultados e conquistas em 2019, a companhia confirmou presença expressiva e relevante na mídia. Assim, a Via Varejo aliou ações customizadas na televisão, como patrocínios de futebol e novelas, com projetos digitais especialmente desenhados para atender os consumidores de diferentes localidades6. Entretanto, apesar das afirmações da companhia sobre sua boa performance, dois Fatos Relevantes foram divulgados no final do ano de 2019 que trouxeram outro rumo para a história da Via Varejo. Ambos os documentos tratavam sobre a denúncia anônima realizadas através do canal de denúncia sobre supostas irregularidades contábeis e fraudes no final de setembro e início de outubro. Assim, para se ter uma ideia acerca das eventuais repercussões desse evento, elaborou- se o comparativo de números e resultados da Via Varejo no período de 2010 a 2019 de forma a permitir analisar de forma conjunta todo o ambiente que a empresa estava envolvida. A Figura 3 mostra a evolução das contas patrimoniais e a Figura 4 mostra as de resultado desde o início da criação da Via Varejo até o ano posterior do recebimento das denúncias. Fonte: Autoria Própria com dados extraídos das Demonstrações Financeiras da Via Varejo. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 7 É válido destacar, anteriormente, que a apuração dos fatos e das denúncias recebidas foi concluída em março de 2020, quando houve a divulgação do terceiro e último Fato Relevante que abordou o tema. Neste documento, a companhia confirmou a presença de evidências que comprovaram irregularidades na casa dos R$1.190 milhões de reais, sendo R$1.169 milhões relativo a erros de estimativa e R$20,8 milhão remanescentes que se referiam aos efeitos das fraudes contábeis identificadas ao longo das apurações. Neste cenário, a companhia reconheceu o montante achado na sua demonstração de resultado, gerando um impacto negativo na performance da empresa para o ano, como demonstrado na Figura 4, fechando o período com prejuízo acima de 1 bilhão de reais. Entretanto, excetuando o impacto significativo nas contas da Via Varejo em 2019 decorrente do processo de investigação, é válido notar o intenso crescimento das contas do passivo desde 2015, comportamento que não era verificado anteriormente. Além disso, contas que não foram afetadas pela correção das irregularidades, como Ativo Total, especialmente o Imobilizado, tiveram forte aumento entre 2018 e 2019. Importante mencionar ainda, analisando a Figura 4, que o crescente aumento de Receita não estava necessariamente conectado com a mesma performance do lucro do período, dado que em 2018, por exemplo, a Via Varejo amargou um prejuízo de mais de 250 mil de reais. O comportamento de queda do lucro pode ser observado desde 2014, com o lucro operacional saindo dos 2 milhões de reais e batendo a marca de apenas 353 mil reais em 2018. Neste cenário de inquietação e incerteza, dias antes da publicação das demonstrações financeiras e do Fato Relevante que informou a conclusão das investigações, a companhia veio a público por meio de um Fato Relevante para reafirmar sua posição patrimonial, tendo em vista que notícias veiculadas na mídia relatavam sobre o possível endividamentoe posição de caixa desfavorável após os recentes episódios. Assim, em fato inédito, a Via Varejo reafirmou seus valores de disponível, bem como dívida bancária, estoques e fornecedores, mesmo antes do relatório de auditoria validar os números divulgados. Assim, as Figuras 5 e 6 demonstram a evolução dos números de Demonstração do Fluxo de Caixa e dos Indicadores Econômico- financeiros. Nota-se pela Figura 5 que os valores relativos à Demonstração de Fluxo de Caixa não possuem comportamento padrão e esperado para Via Varejo há certo tempo. Porém vale destacar a queda acentuada em 2016 (-R$1.550 milhões), com tendência de recuperação em 2017 e 2018 (-R$471 milhões e R$152 milhões, respectivamente). Deste modo, fica evidente a flutuação, não constância e possível não previsibilidade dos resultados da companhia para esse cenário de caixa. Além disso, é possível notar queda na maioria dos indicadores econômico- financeiros da entidade em 2018, desempenhando uma performance abaixo do que anteriormente estava sendo registrada. Entretanto, apesar de números conflitantes e/ou dúbios com as narrativas apresentadas pela Administração da Via Varejo, assim seguiu o ano de 2020, com intensas confirmações de notícias da mídia por meio da Fatos Relevantes ou Comunicados ao Mercado. Em 29 de abril de 2020, por exemplo, a companhia emitiu um Comunicado para corroborar as informações divulgadas em uma notícia do Valor Econômico, sob o título de “Vendas da Via Varejo já se igualam ao patamar registrado antes da crise”. Um dia depois, em 30 de abril de 2020, emitiu um outro Comunicado para corroborar novamente uma segunda notícia do Valor Econômico intitulada “Via Varejo ganha R$ 3,5 bilhão em valor de mercado”. Divulgaram ainda Fatos Relevantes sobre o novo recorde de vendas alcançado na Black Friday de 2020 com o montante R$ 3 bilhões7 e a ótima performance das vendas de Natal8. Assim, com a essência de “a Via de compras de todos os brasileiros onde, quando e como eles quiserem”, a Via Varejo divulgou ao mercado em 3 de junho de 2020 a aprovação do Conselho de Administração para a realização de oferta pública de distribuição primária de ações ordinárias, nominativas, escriturais e sem valor nominal9, que, posteriormente, seria XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 8 eleito a melhor oferta de follow-on da América Latina em 2020 pelo LatinFinance Awards daquele ano10. Encerrou o ano de 2020, portanto, revertendo o prejuízo de R$1 bilhão do ano anterior para lucro no mesmo montante. Para acompanhamento da abertura e análise dos números da Via Varejo S.A. de 2010 a 2020, verificar Anexo 1. O PLANEJAMENTO DE MILHÕES “Não cometa o mesmo erro, João! Planeje!” Em 13 de novembro de 2019, a Via Varejo S.A. divulgou o primeiro de uma trilogia de Fatos Relevantes que abordariam as denúncias anônimas relativas a supostas irregularidades contábeis. Assim, nessa primeira comunicação, a companhia informou que as denúncias foram recebidas ao final de setembro e no início de outubro de 2019, sendo instaurado pelo Conselho de Administração (CA) um Comitê de Investigação em 10 de outubro de 2019. Tal Comitê se reportaria diretamente ao CA da entidade, sendo assessorado por consultores independentes e de renome que foram contratados para assegurar que as apurações fossem conduzidas por profissionais habilitados, independentes e experientes11. Em 12 de dezembro de 2019, a empresa se manifestou novamente para conceder atualizações acerca do tema por meio do segundo Fato Relevante afirmando que, com o desenrolar da segunda fase de investigação, foram encontrados indícios de fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão trabalhista da companhia e pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos, bem como falhas de controles internos que poderiam resultar em erros materiais em determinadas contas contábeis6. Deste modo, diante dos achados, o Comitê de Investigação instaurou a terceira fase de análise para corroborar os resultados encontrados. Ainda no segundo Fato publicado, a Administração da companhia afirmou que as providências já estavam sendo tomadas e divulgou uma estimativa do impacto dos possíveis ajustes contábeis decorrentes da investigação, na ordem de R$ 1,05 bilhão a R$ 1,2 bilhão. A condução dos trabalhos de identificação de riscos e oportunidades dentro da empresa estava acontecendo e, até aquele presente momento, já haviam sido definidos ajustes de R$ 200 milhões, que seriam referentes a créditos fiscais e outras provisões, o que totalizariam o impacto de até R$ 1,4 bilhão nas demonstrações financeiras da Via Varejo. E, apesar da delicada notícia ao mercado, a companhia reafirmou seu compromisso com a total transparência possível sobre o processo, garantindo que os investidores e o mercado em geral seriam informados sobre o andamento da investigação.6 Por fim, o terceiro e último Fato Relevante sobre a investigação das denúncias recebidas foi divulgado em 25 de março de 2020, trazendo as informações da conclusão das análises. Este documento confirma a existência de evidências que corroboram a existência da fraude contábil e falhas de controles internos descritos no segundo Fato Relevante. O montante final de impacto nas demonstrações financeiras foi de R$ 1,190 bilhão, sendo R$ 1,169 bilhão relativo aos erros de estimativa e R$ 20,8 milhões às fraudes propriamente ditas. Os valores foram reconhecidos a débito na demonstração do resultado do período de 2019, tendo em vista que, em avaliação conjunta com os conselheiros e auditores independentes, não houve necessidade de reabertura dos saldos do período anterior – 2018 – em razão de os aspectos qualitativos e quantitativos não serem materiais13. Diante desse cenário de incerteza e de possível fraude, a auditoria independente tinha um importante papel a cumprir: atestar a veracidade das informações contábeis divulgadas aos stakeholders, assegurando a confiança e a credibilidade do ciclo informacional do mercado. Entretanto, a qualidade dos serviços prestados ficou em xeque no momento pela não participação ativa na descoberta da possível fraude e irregularidades contábeis, uma vez que as denúncias foram realizadas de forma anônima. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 9 Portanto, para assegurar a integridade dos trabalhos executados, os auditores independentes envolvidos nesse novo ciclo de trabalho deveriam ter mais cautela e ceticismo em suas análises devidos aos eventos ocorridos e ainda, identificar sinais de alerta que poderiam ter sinalizado previamente um ambiente propício a erros e falhas da Administração. Essa análise criteriosa deve ajudar os profissionais a identificarem padrões de comportamentos que podem evidenciar possíveis problemas na auditoria e, com isso, os auditores podem ficar mais atentos a determinados episódios para que não se repitam ou tomem providências e salvaguardas devidas. Isto posto, diante deste cenário pós descoberta de fraude, o novo sócio de auditoria da Via Varejo se encontrava em um ambiente de pressão e responsabilidade. Os chefes da firma de auditoria tinham deixado bem claro que confiavam em João para recuperar a confiança e credibilidade da empresa perante o mercado, demonstrando serem capazes de executar um ótimo trabalho e identificar previamente os problemas dentro dos clientes. Assim, João estava diante em um grande dilema: Quais procedimentos ele e sua equipe deveriam adotar ainda na fase de planejamento para mitigar os riscos de auditoria relacionados a possíveis fraudes para que pudessem se preparar da melhor forma possível para a execução dos trabalhos e apresentar um plano robusto e convincente para os conselheiros, investidores e mercado como um todo? NOTAS 1 Site institucional: https://ri.via.com.br/a-companhia/nossas-marcas/ 2 DemonstraçõesFinanceiras Padronizadas de 2020, disponíveis em https://ri.via.com.br/. 3 Comunicado ao Mercado: Via Varejo muda marca e se transforma em Via, 25 de abril de 2021, disponível em: https://ri.via.com.br/. 4 Via. (2021). Ética e Compliance. Recuperado de https://ri.via.com.br/governanca-corporativa/etica-e- compliance/ 5 Notícia Valor Globo, disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/12/02/black-friday- sinaliza-solida-recuperacao.ghtml. 6 Demonstrações Financeiras Padronizadas de 2019, disponíveis em https://ri.via.com.br/. 7 Fato Relevante: Via Varejo – Evento Anual “Black Friday”, 30 de novembro de 2019, disponível em https://ri.via.com.br/. 8 Fato Relevante: Via Varejo – Desempenho Vendas de Natal, 04 de janeiro de 2021, disponível em: https://ri.via.com.br/. 9 Fato Relevante: Oferta Restrita consistirá na distribuição pública primária ações, 03 de junho de 2020, disponível em: https://ri.via.com.br/. 10 Comunicado ao mercado: Via Varejo vence o LatinFinance Awards 2020, 29 de janeiro de 2021, disponível em: https://ri.via.com.br/. 11 Fato Relevante: Via Varejo – Investigação Independente, 13 de novembro de 2019, disponível em: https://ri.via.com.br/. 12 Fato Relevante: Via Varejo – Atualização da Investigação Independente, 12 de dezembro de 2019, disponível em: https://ri.via.com.br/. 13 Fato Relevante: Via Varejo – Conclusão da Investigação Independente, 25 de março de 2020, disponível em: https://ri.via.com.br/. NOTAS DE ENSINO RESUMO O presente Caso de Ensino aborda o episódio das denúncias anônimas de possíveis fraudes na Via Varejo S.A. recebidas em outubro de 2019. A companhia criou um Comitê de Investigação para conduzir uma investigação independente e detalhada e, como resultado, foram encontrados indícios de fraude contábil caracterizada pela manipulação da provisão trabalhista da Companhia e pelo diferimento indevido na baixa de ativos e contabilização de passivos e falhas de controles internos que poderiam resultar em erros materiais em determinadas contas XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 10 contábeis da Companhia. O impacto de R$1,190 bilhão foi reconhecido integralmente nas demonstrações contábeis de 2019. Diante desse cenário de incerteza, a aplicação deste caso pretende fomentar o debate sobre o papel e planejamento da auditoria, com foco nas red flags, já que busca identificar possíveis sinais de alerta no ambiente da Via Varejo que pudessem facilitar e propiciar um ambiente mais frágil e suscetível a fraudes e erros. Palavras-chave: Via Varejo. Auditoria. Planejamento de Auditoria. Red Flags. Fraude. ABSTRACT This Teaching Case addresses the episode of anonymous reports of possible fraud at Via Varejo S.A. received in October 2019. The company created an Investigation Committee to conduct an independent and detailed investigation and, as a result, evidence of accounting fraud was found, characterized by manipulation of the Company's labor provision and undue deferral of asset write-off and accounting for liabilities and failures in internal controls which could result in material errors in certain of the Company's accounting accounts. The impact of R$1.190 billion was fully recognized in the 2019 financial statements. Faced with this uncertain scenario, the application of this case intends to encourage debate on the role and planning of audits, with a focus on red flags, as it seeks to identify possible warning signs in the Via Varejo environment that could facilitate and provide a more fragile environment and susceptible to fraud and errors. Keywords: Via Varejo. Audit. Audit Planning. Red Flags. Fraud. OBJETIVOS EDUCACIONAIS E INDICAÇÃO DO PÚBLICO-ALVO Este caso de ensino foi desenvolvido com o objetivo de incentivar o debate a partir de uma situação real de denúncia anônimas e, consequente, investigação de fraudes e irregularidades contábeis em uma empresa do setor de varejo do Brasil, especialmente do ponto de vista da auditoria, seu planejamento e possíveis red flags que poderiam ter alertado previamente os auditores externos do acontecimento e dos indicadores que possibilitem um melhor planejamento para os futuros trabalhos. Deste modo, o caso situa-se no cenário atual brasileiro vivenciado pela Via S.A (antiga Via Varejo S.A) após o recebimento de denúncias anônimas de desvios no final do ano de 2019. Portanto, a fim de cumprir com o debate proposto, espera-se que seja debatido o fenômeno sob a ótica da Teria de Agência, com ênfase aos aspectos do papel da auditoria, seu planejamento e identificação de red flags. Assim, com base nesse conteúdo programático proposto, recomenda-se a utilização deste Caso de Ensino em cursos de graduação e pós- graduação (stricto sensu e lato sensu) em Ciências Contábeis e Administração. Isto posto, este Caso pode ser trabalhado em disciplinas que buscam debater de forma crítica e teórica um fenômeno que envolve acontecimentos de fraudes e irregularidades, divulgações contábeis, papel da Administração e Auditoria e as principais estruturas de Governança Corporativa como indicativo de boa gestão e bom ambiente para trabalhos de auditoria. Portanto, recomenda-se a utilização em matérias como Fraudes e Investigação Contábil, Auditoria e Administração de Empresas. Diante do exposto, o caso pretende fomentar o aprendizado dos alunos por meio de: (i) Construção de Habilidades: raciocínio crítico, comunicação, criatividade, argumentação, formulação de estratégias e resolução de problemas; (ii) Expansão do Conhecimento: compreensão e análise de organização que passa por um período de denúncias de supostas fraudes e irregularidades, papel da auditoria, importância da utilização e identificação de red flags; (iii) Desenvolvimento de métodos de estudo e aprendizagem por meio de debate em grupo com a aplicação de conhecimentos teóricos e argumentação. Recomenda-se leituras prévias para a melhor compreensão dos assuntos abordados no Caso de Ensino, como, por exemplo, notícias de meios de comunicação impressos ou XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 11 eletrônicos e informações constantes no sítio eletrônico da organização sobre a Via Varejo, bem como artigos científicos e livros acadêmicos que embasam o tema de auditoria e red flags. Pode-se complementar o estudo com notícias sobre outras companhias do mesmo ramo de atuação da Via Varejo, fato que torna mais rico o debate e potencializa a expansão do conhecimento. FONTES DOS DADOS As informações elencadas no presente Caso de Ensino foram extraídas da situação real vivida pela Via Varejo em 2019, quando houve as denúncias anônimas de possível fraude e irregularidades contábeis e seus consequentes desdobramentos com as investigações implementadas pela companhia. Portanto, são apresentados dados relativos aos Fatos Relevantes, Demonstrativos Contábeis, Notas Explicativas e comentários da Administração para subsidiar os relatos e análises do Case. Foram citadas, ainda, informações estruturadas coletadas no sítio oficial da Comissão de Valores Mobiliários e da área de Relações com Investidores da própria empresa, bem como as ações tomadas pela entidade e seu posicionamento ao final das investigações das denúncias e informações disponíveis em jornais e revistas de grande circulação, com acesso online, sobre a Via Varejo S.A. PROPOSTA DE PLANO DE ENSINO A proposta para o desenvolvimento desse Caso de Ensino engloba aproximadamente 0,5 hora-aula complementares (extraclasse) e 4 horas-aula normais, que podem ser dispostas de acordo com os seguintes procedimentos: a) Na aula anterior à aplicação do Caso de Ensino, o(a) docente deve disponibilizar o material para que os alunos realizem uma leitura prévia. Tempo de leitura: 30 minutos. b) No dia da aula que será aplicada o Caso: i) O(a) docente deve, no início da aula, realizarum resumo do caso, elencando os principais pontos de atenção do ocorrido na Via Varejo em 2019. Tempo de exposição: 10 minutos. ii) Posteriormente, o(a) docente deve expor reflexões, em formato livre, sobre o tema das Papel e Planejamento da Auditoria e Red Flags, elencando os principais tópicos, amarrando a teoria e dando destaque aos pontos essenciais. Sugere-se o uso de slides sucintos e visuais para essa abordagem. Tempo de exposição: 30 minutos. iii) Em sequência, o(a) docente deve solicitar que os alunos se dividam em grupos de 3 ou 4 alunos (dependendo do número de pessoas presentes na aula). Os alunos então devem analisar, criticar e responder as questões propostas no caso de ensino. Tempo de execução: 1 hora e 30 minutos. iv) Após todos terem respondido as questões, cada grupo deve eleger um integrante para ser responsável pelo debate de cada questão, devendo chegar em um consenso sobre a resposta final. O processo deve se repetir para todas as questões. O debate, embora liderado pelos dois alunos anteriormente citados, é aberto para qualquer pessoa participar e deixar suas contribuições. Tempo de execução:1 hora e 30 minutos. v) Ao final, o(a) docente deve realizar uma avaliação geral do desempenho da turma, elencando os principais pontos fortes e os principais pontos de melhoria, tanto no quesito teórico, quanto no quesito didático, argumentativo, expositivo e persuasivo de cada aluno. Tempo de avaliação: 20 minutos. Vale mencionar que, caso o(a) docente entenda ser necessário, poderá disponibilizar materiais complementares para o estudo dos discentes, indicando, por exemplo, referencias complementares. Por fim, ressalta-se que a proposta realizada anteriormente é meramente ilustrativa e facultativa, cabendo o julgamento do(a) docente quanto à utilização dos procedimentos de ensino-aprendizagem anteriormente expostos, considerando, ainda, aspectos XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 12 como quantidade de alunos e maturidade para compreensão e discussão. Para isso, também há de se considerar o envolvimento da turma para atividades que exijam as ações descritas acima. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO Questão 01: Qual é o papel e quais são as responsabilidades da Auditoria Independente no mercado de capitais? O objetivo da primeira questão proposta é definir de forma mais clara o escopo do trabalho da Auditoria Independente, elencando suas responsabilidades, especialmente no quesito de erros e fraudes. Essa compreensão inicial propicia aos alunos uma base para a resolução das questões seguintes e os fazem refletir sobre o alcance do trabalho do auditor dentro do mercado de capital. Nesse sentido, espera-se que os alunos compreendam que um dos pressupostos da auditoria é a redução da assimetria informacional, visando o bom funcionamento do mercado de capitais. Assim sendo, essa atividade exerce um papel importante como intermediadora de informações, encontrando e corrigindo divergências nelas encontradas antes de sua disponibilização (Borges et al., 2017). Portanto, para a garantia da confiança e credibilidade emanada pela auditoria, os auditores devem prezar pelo nível do trabalho executado. Assim, DeAngelo (1981), Watts e Zimmerman (1986), Becker, DeFond, Jiambalvo e Subramanyam (1998) e Dantas e Medeiros (2015) afirmam que a qualidade de auditoria deve ser compreendida como a probabilidade de um auditor detectar distorções materiais e de informá-las aos usuários externos por meio de sua opinião. Demonstrações contábeis fidedignas e confiáveis garantem essa expectativa de redução da diferença de acesso aos dados. Todavia, erros e fraudes podem ocorrer na contabilização das entidades, resultando em distorções dos relatórios financeiros. A fraude é caracterizada pelo ato doloso cometido de forma planejada, com a intenção de obter proveito a partir de prejuízo de terceiros (Perera; Freitas &; Imoniana, 2014). O erro, em contraponto, caracteriza-se por ser um ato não intencional, sem a presença do dolo (Murcia & Borba, 2007). Nessa ótica, mesmo não cabendo ao auditor a responsabilidade primária de diferenciação ou detecção de erros ou fraudes (CFC, 1991), espera-se que o mesmo fique atento às possíveis falhas da entidade para que possa assegurar que os relatórios estão livres de distorções relevantes, visto que a premissa fundamental da auditoria é a garantia da qualidade informacional (Freitas, et al., 2020). Questão 02: Quais ferramentas podem auxiliar o Auditor Independente a gerenciar e reduzir seus riscos em um trabalho? O objetivo da segunda questão proposta é de refletir sobre como um Auditor Independente pode gerenciar o risco do trabalho executado. Para isso, sugere-se que a discussão seja pautada especialmente pelo assunto de red flags utilizadas no Planejamento de Auditoria. A reflexão sobre esse tópico ajudará na compreensão de quais atitudes, decisões, salvaguardas e procedimentos os auditores podem realizar antes do início da execução dos trabalhos para que fiquem menos expostos aos riscos, visando estarem preparados e atentos a todas as circunstâncias do projeto e do cliente, assegurando uma melhor qualidade informacional. Para isso, Wells (2005) frisa a importância do uso de red flags. Esta recomendação de utilização de sinais de alerta torna-se válida pela dificuldade encontrada em detectar fraudes nas demonstrações financeiras, conforme afirmam autores como Murcia et al. (2008) e Reina et al. (2008). Murcia e Borba (2007) ainda completam esse posicionamento quando afirmam XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 13 que é mais fácil comprovar a existência de um ambiente favorável às fraudes do que a ocorrência das mesmas. De acordo com Uretsky (1980) e Reinstein e McMillan (2004), red flags (bandeiras vermelhas) são tidas como sinais de alerta e ainda como early warning (advertência precoce) durante uma auditoria em relação a possíveis imprecisões das demonstrações. Já para Albrech e Romney (1986), Bell e Carcacello (2000) e Koornhof e Plessis (2000), são acontecimentos ou condições que expressem pressões, oportunidades ou características pessoais que podem levar a gestão a cometer desvios indevidos. Ademais, consoante ao que diz Reina et al. (2008), tais sinais também podem ser utilizados para determinar o grau de risco das demonstrações financeiras, ou seja, quanto maior a presença de red flags, maior será o grau de risco e, consequentemente, o risco de auditoria. Logo, os sinais de perigo atuam como sintomas e até mesmo um “termômetro” na prevenção e detecção de falhas e fraudes nas entidades (Vladu; Amat &; Cuzdriorean, 2017). Assim, o uso de red flags se torna essencial para mapear o ambiente fraudulento e, consequentemente, reduzir a probabilidade de materialização dos riscos presentes na auditoria. Isto possibilita, portanto, o aumento da confiança e credibilidade dos auditores no mercado de capitais, reafirmando e validando o ciclo informacional de mercado. Ainda neste contexto, é válido ressaltar que a presença de red flags não determina necessariamente a ocorrência de fraude, atesta apenas que aquele ambiente está mais vulnerável e propício para a concretização dos desvios, elevando assim o risco de auditoria. Todavia, Murcia e Borba (2007) asseguram que o contrário é verídico, ou seja, inegavelmente sempre haverá sinais de alerta quando se há uma fraude. Portanto, adotar red flags na auditoria possibilita ao profissional identificar previamente indícios de irregularidade, podendo adotar medidas de contingência, ações preventivas e salvaguardas para se resguardar de possíveis responsabilizações futuras como, por exemplo: (i) diminuição da materialidade, (ii) aumento do escopo do trabalho, (iii) aplicação de testes de imprevisibilidade e (iv) diminuição da confiança e assurance dos controles. Ressalta-se, ainda, quetais decisões são tomadas na fase do Planejamento de Auditoria, tornando-se relevantes para o desencadeamento do trabalho. Não obstante ao exposto, a materialização das ameaças, que seriam prevenidas pelo uso das red flags, expõe não somente os auditores, com a diminuição da qualidade do serviço prestado (Dantas & Medeiros, 2015), mas todo o mercado de capitais, pela quebra de confiança e credibilidade. Assim, a lógica inversa torna-se verdadeira: a preocupação com red flags aumenta a qualidade da auditoria, deixando os profissionais mais preparados e treinados para o reconhecimento do ambiente fraudulento, e prospera a relação com o mercado. Logo, o benefício do uso das bandeiras vermelhas é estendido para os usuários - internos e externos - do ciclo informacional financeiro, afirmando a necessidade de estudos com essa temática, dada sua contribuição tanto para os acadêmicos, quanto para o mercado. Por conseguinte, uma constante preocupação de um auditor deve ser conhecer o ambiente e a estrutura da empresa auditada, para que possa planejar os trabalhos de forma eficiente e eficaz para que todos os riscos envolvidos sejam reduzidos. Dessa forma, a governança corporativa dos clientes de auditoria se torna relevante para a qualidade dos trabalhos, visto que ela é o emaranhado de mecanismos de controle que protege e aprimora os interesses dos acionistas das empresas, conforme definem Shleifer e Vishny (1997) e Freitas et al. (2020). Assim sendo, um ambiente mais monitorado pela Administração tende a representar menor risco para a auditoria, conforme apontam Bedard e Johnstone (2004), Martinez e Moraes (2006), Bortolon, Sarlo e Santos (2013) e Dantas et al. (2016). Deste modo, as red flags “Ausência e/ou Deficiência de Governança Corporativa” e “Mudanças da Administração” devem ser analisadas com cautela pelos auditores para que o risco da auditoria em ambientes XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 14 sem essa estrutura ou com mudança nessa estrutura seja calculado de maneira correta para que se evite a concretude de tais ameaças (Farber, 2005; Magro & Cunha, 2017; Freitas et al, 2020). Vale destacar, entretanto, que o uso de indicativos de Governança Corporativa não garante por si só que a estrutura interna das empresas está adequada às boas práticas. Além disso, a ascensão do tema pode ser vista com preocupação, uma vez que as empresas ainda estão se adaptando aos requisitos necessários de uma governança consolidada. Assim, a avaliação da presença de elos importantes dentro da estrutura faz-se necessária para avaliar o grau de maturidade das práticas adotadas pelas organizações. Enfatiza-se, ainda, a red flag “Ausência e/ou Deficiência de Comitê de Auditoria ou Fiscal” como sinal de alerta apontado por Albrecht e Romney (1986), Wells (2005), CFC (1999), Bell e Carcacello (2000) e Eining, Jones e Loebbecke (1997). Adicionalmente, revisões analíticas também surgem como evidências e alertas para a auditoria (Cupertino & Martinez, 2008), uma vez que variações repentinas e bruscas nas demonstrações contábeis de uma empresa podem significar risco tanto para a própria companhia, como para a auditoria externa. É esperado que a entidade varie seus números proporcionalmente a anos anteriores, portanto variações muito diferentes representam red flags para o auditor. Portanto, conforme mencionado por CFC (1999) e Bell e Carcacello (2000), a red flag “Entidade passa por um momento de rápida expansão” também deve ser analisada. Ademais, uma das possíveis abordagens para a mensuração da qualidade da auditoria é proposta por Lennox (1999), que avalia a relação entre relatórios de auditoria que citam problemas de continuidade operacional e a posterior falha nos negócios dos clientes. Nesse cenário, para o autor, haverá uma falha de auditoria do erro tipo 1, conhecida como superqualificação, se o auditor emite uma opinião atestando a crise operacional da entidade, fato que não se concretiza nos próximos doze meses. Outra possível falha é configurada pelo erro tipo 2, a subqualificação, sendo a mais grave, onde o profissional da auditoria divulga uma opinião sem modificações de forma incorreta. Salienta-se, ainda, o disposto na Estrutura Conceitual (CPC 00 R2, 2019) em que as demonstrações financeiras devem ser elaboradas baseadas na premissa de continuidade operacional pelo futuro próximo, devendo ser divulgadas fatos ou suposições que contrariem esse cenário. Assim, a literatura prevê que as empresas que estão com sua continuidade ameaçada podem desempenhar comportamentos não corretos para camuflar seus números para o mercado para que não seja transmitida de forma idônea a situação em que se encontram. Esse possível comportamento omisso e fraudulento aumenta o risco do auditor, devendo ser monitorado pela red flag “Dúvidas quanto à Continuidade Operacional” (Murcia & Borba, 2007; Eining et al. 1997). Em pesquisas elaboradas por Albrecht e Romney (1986), Eining et al. (1997) e Bell e Carcacello (2000) destaca-se outra red flag que deve sinalizar ao auditor a necessidade de dispor mais atenção aos números e ambiente da companhia: “Remuneração dos executivos relacionada ao lucro operacional, lucro financeiro ou ações”. Esse sinal de alerta torna-se relevante dentro da auditoria uma vez que surge o incentivo aos dirigentes da companhia auditada para gerenciar o resultado para se alcançar uma meta de resultados desejada e, consequentemente, uma remuneração mais atrativa para si. Este ponto deve ser tratado com atenção e cautela, dado que existem diversas maneiras de manipular o lucro de uma firma, quer seja inflando a receita, quer seja deflacionando as despesas. Além disso, o preço das ações pode ser influenciado pela forma que a entidade se porta perante o mercado, então faz-se necessário que os auditores também fiquem atentos para as narrativas utilizadas pela empresa auditada afim de verificar se elas condizem com a realidade. Ainda em uma perspectiva de cuidados que um auditor deve ter no decorrer do seu trabalho, ressalta-se o conhecimento do ramo de atuação no qual o cliente auditado atua, dado que entidades que estão inseridas em segmentos de mercado que estão sujeitos a fortes mudanças ou estão envolvidas em atividades arriscadas podem apresentar uma maior propensão XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 15 a cometer desvios ou erros (Albrecht, 2003), aumentando o risco de auditoria. Deste modo, a red flag “Segmento de Mercado altamente competitivo e/ou arriscado” é suportada pela visão dos pesquisadores Murcia e Borba (2007), Albrecht e Romney (1986) e Bell e Carcacello (2000), que afirmam que os fatores externos às entidades também devem ser analisados para mensuração da ameaça à auditoria, a fim de evitar materializações deste risco. Questão 03: Existiam sinais de alerta que pudessem indicar aos Auditores Independentes possíveis irregularidades no ambiente da Via Varejo ou em suas demonstrações financeiras de 2019? Questão 04: Quais procedimentos João e seu time de auditoria pode e/ou deve adotar para realizar um bom planejamento de auditoria para o ano de 2020 a fim de reduzir o risco da auditoria em relação a possíveis fraudes? As questões três e quatro podem ser discutidas de forma conjunta, propondo-se os seguintes objetivos e discussões: O objetivo da terceira questão proposta é refletir sobre as circunstâncias do ambiente da Via Varejo antes da divulgação dos Fatos Relevantes que tornaram pública a investigação de uma possível fraude da empresa. Espera-se que os estudantes possam associar as red flags presentes na literatura com alguns eventos presente no caso da Via como forma de demonstrar a afirmação de Murcia e Borba (2007), que asseguram que inegavelmente sempre haverá sinais de alerta quando se há uma fraude. Essa reflexão é relevante para o contexto paraque se possa analisar possíveis gaps na atuação da auditoria independente e o mapeamento dessas eventuais falhas possibilitará o ajuste do Planejamento de Auditoria do período seguinte, que é o dilema vivido por João, o mais novo líder do projeto da Via Varejo. O objetivo da quarta questão proposta é refletir sobre quais procedimentos podem auxiliar a equipe de auditoria a realizar um planejamento adequado para o ano seguinte da descoberta das irregularidades. Sugere-se então que os alunos façam a análise sob a perspectiva das Red Flags discutidas na questão anterior, já que elas são tidas como sinais de alerta para possíveis fraudes e erros. Assim, espera-se que os alunos sejam capazes de elaborar procedimentos de auditoria que mitiguem os riscos levantados pelas red flags elencadas na questão três e direcionem como a auditoria deve tratar os assuntos no próximo ano para que a confiança e reputação da firma não seja colocada à prova novamente. Para iniciar os debates desta questão, seria importante discutir inicialmente sobre os principais riscos da auditoria, a fim de que os procedimentos para elaboração de um bom planejamento de auditoria sejam adequados para a mitigação dos episódios que podem expor a firma de auditoria. Deste modo, as principais ameaças que estão relacionadas a essa atividade é o risco de auditoria e o risco de litigância. O risco de auditoria pode ser entendido como o risco geral dos trabalhos, englobando os riscos inerentes, de controle e de detecção, e que se expressa pela probabilidade do auditor emitir uma opinião sem modificação sobre demonstrações financeiras com distorções materiais (IFAC, 2008). Já o risco de litigância pode ser compreendido como aquele que os auditores correm de sofrer litígios (OJO, 2008). Desta forma, faz-se necessário que os profissionais de auditoria mensurem os riscos de forma o mais precisa possível para que se mitigue as possibilidades de concretização das ameaças sofridas. Ademais, a não observação da existência de indícios ou “fios soltos” que poderiam ter alertado previamente os auditores ou sinais de que possivelmente uma distorção relevante e material poderia ocorrer nas demonstrações auditadas demonstra que o risco de auditoria estimado na época das atividades de asseguração poderia não estar refletindo devidamente a realidade do trabalho. Assim, com o risco subestimado pela desatenção aos detalhes XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 16 fundamentais, os trabalhos dos auditores independentes não são desempenhados da melhor forma possível, acarretando muitas vezes na concretização do risco corrido. Isto posto, alguns fatos ocorridos em 2019, ano em que foram descobertas as irregularidades, deveriam ter chamado a atenção dos auditores e elevado o nível de preocupação em relação às demonstrações financeiras. Ressalta-se que tais eventos são apenas indícios e não são capazes de afirmar por si só a ocorrência de possíveis fraudes. Entretanto, são episódios que devem ligar os sinais de alerta dos auditores para que possam: (i) se preparar ainda melhor para os trabalhos, (ii) revisar o planejamento de auditoria, se necessário, (iii) revisar a materialidade, se necessário e/ou (iv) revisar procedimentos adotados, se necessário. Assim, a Tabela 2 elenca acontecimentos anteriores na Via Varejo que poderiam indicar problemas e acontecimentos posteriores, cita as possíveis red flags associadas aos eventos e aborda alguns procedimentos que podem ser feitos em caso de observância desses casos em uma auditoria e que podem nortear o planejamento para os trabalhos liderados por João. Tabela 2: Lista de Eventos, Red Flags e respectivos Procedimentos para Mitigação de Risco de Auditoria Eventos Red Flags Associadas Procedimentos de para o Planejamento de Auditoria Mudanças dentro da estrutura de Governança Corporativa proposta pela entidade, como, por exemplo, troca dos membros do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria ou atualização de regimento e atribuições dos Conselhos e Comitês (Tabela 1: Eventos 4, 8, 9, 10, 12, 20, 24 e 27) A. Ausência e/ou Deficiência de Governança Corporativa. B. Ausência e/ou Deficiência de Comitê de Auditoria ou Fiscal. C. Mudança de Administração. 1. Acompanhamento das Reuniões de Conselho de Administração e Comitês. Se não possível a presença física do responsável pela auditoria, a equipe deverá acompanhar pelas atas. 2. Investigação da reputação e/ou conflitos de interesse dos novos dirigentes da empresa auditada. 3. Leitura tempestiva dos regimentos internos que detalham as atribuições dos Conselhos e Comitês e acompanhamento das iniciativas descritas. 4. Acompanhamento das últimas decisões tomadas pela Alta Administração, como mudanças de hierarquia, novas aquisições, mudanças de remuneração e outras. As DFs e os indicadores econômico-financeiros da Via Varejo nos anos anteriores ao episódio de denúncia da fraude não possuem, em sua maioria, um comportamento esperado ou regular. (Tabela 1: Evento 1; Figura 6) A. Entidade passa por um momento de rápida expansão. 1. Elaboração de Revisões Analíticas para acompanhamento de saldos patrimoniais e de resultado para identificar possíveis alterações e eventos não esperados. 2. Entendimento junto à Administração sobre os motivos que justifiquem as variações observadas. 3. Planejamento específico, detalhado e rigoroso para as contas que apresentarem maiores variações e/ou variações fora do esperado pela firma de auditoria. Prejuízos consecutivos. (Figuras 4 e 5) A. Dúvidas quanto à Continuidade Operacional. 1. Elaboração de Revisões Analíticas para acompanhamento de saldos patrimoniais e de resultado para identificar possíveis alterações e eventos não esperados. 2. Entendimento sobre os principais pontos dos anos anteriores que justifiquem os prejuízos consecutivos. 3. Acompanhamento junto à Administração do plano de desenvolvimento traçado para superar as perdas e análise da adequação. 4. Apuração no mercado perante empresas concorrentes sobre a perspectiva do segmento para anos seguintes. Aquisição de Empresas (Tabela 1: Eventos 2, 3, 7, 19 e 23) A. Segmento de Mercado altamente competitivo e/ou arriscado. B. Entidade passa por um momento de rápida expansão. 1. Acompanhamento das transações das Partes Relacionadas. 2. Entendimento do negócio das empresas adquiridas e de como se dará a sinergia entre as empresas do grupo afim de descobrir possíveis incentivos duvidosos das aquisições. 3. Entendimento sobre o segmento de mercado da empresa auditada e comparação com concorrentes. 4. Entendimento sobre a operação das novas empresas adquiridas Plano de Remuneração baseado em Ações. (Tabela 1: Eventos 11, 14, 16, 17, 21 e 25) A. Remuneração dos executivos relacionada ao lucro operacional, lucro financeiro ou ações. 1. Acompanhar discursos usados na mídia afim de verificar a coerência dos dados repassados. 2. Analisar os Relatórios de Administração e as perspectivas estabelecidas pela companhia diante o público para os anos seguintes para que se verifique se há metas arrojadas fora do alcance operacional. 3. Analisar o orçamento da empresa para o ano auditado para que se verifique o comportamento dos números. Acompanhar a realização do orçado versus realizado para identificar se poderá ser necessário algum tipo de gerenciamento de resultados para atingir a meta estabelecida. Fonte: Autoria Própria Os eventos, red flags e procedimentos apresentados na Tabela acima são sugestões de análises, não sendo exaustivos. Os alunos podem contribuir com outras visões e literaturas. XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022 On-line - 21 - 23 de set de 2022 - 2177-2576 versão online 17 REFERÊNCIAS Albrecht, W. S. & Romney, M. (1986). Red-flagging management fraud: a validation. Advances in Accounting, n.3, p.323-333. DOI: 10.7819/rbgn.v19i65.2918Albrecht, S. (2003). Fraud Examination. São Paulo: Editora Thomson. Bedard, J.C. & Johnstone, K. M. (2004). Earnings manipulation risk, corporate governance risk, and auditors' planning and pricing decisions. The Accounting Review, v.79, n. 2, p.277-304. 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