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Indaial – 2019 Direito Penal i Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L788d Lixa, Ivone Fernandes Morcilo Direito penal I. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 197 p.; il. ISBN 978-85-515-0370-6 1. Direito penal. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 341.43 III aPresentação Caro, acadêmico, a punição e castigo é um dos grandes dilemas que envolve a existência humana. Ao longo da história, nas diversas culturas e textos sagrados, encontramos explicações e justificativas para o controle das condutas consideradas desviantes/indesejáveis e/ou criminosas. Crime e punição estão no cerne da moral, da religião e dos debates filosóficos buscando valorar condutas humanas e enaltecendo ou condenando ações e sentimentos. Várias são as compreensões acerca do que é crime: legal (comportamento punido pelo código penal); moral (quando o comportamento é ofensivo aos valores sociais); política (quando o poder instituído, através dos que dele se apropriam, viola direitos a fim de ser mantido); entre outras. Entretanto, no contexto de nossa disciplina, vamos nos central na questão jurídica penal, ou seja, a definição de crime, seus elementos caracterizadores e punibilidade sob a perspectiva do Direito. Portanto, nosso estudo será de um dos campos do Direito que é o Direito Penal, composto por um conjunto de normas que descrevem (tipificam) os crimes e estabelece sanções (penas) pela sua infração. Como se observa, trata-se de um campo específico do Direito que trata do crime e da pena. Delimitando nosso campo de estudo, nosso objetivo será o estudo do Direito Penal Parte Geral prevista no “Código Penal” – expressão mais utilizada para nominar o Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, que tem por título “Código Penal brasileiro”. Mais especificamente, nosso estudo se limitará aos arts. 1º ao 31 do referido Código e terá como temáticas centrais: Introdução ao Direito Penal, Teoria da Norma Penal e Teoria do Crime. Para tanto organizamos o estudo em três unidades. A Unidade 1 tem como objeto principal a análise e discussão acerca dos fundamentos do Direito Penal, cujos objetivos são os de compreender e identificar os conceitos de Direito Penal relacionando-o com os demais campos do saber jurídico. São objetivos desta unidade também individualizar e conceituar os princípios gerais do Direito Penal; compreender e discutir as fontes do Direito Penal; discutir a especificidade da norma penal. Ela está dividida em três tópicos, quais sejam: Tópico 1: conceito, objeto e características do Direito Penal; Tópico 2: os princípios do Direito Penal e Tópico 3: a norma penal no tempo e espaço. Na Unidade 2 o estudo centra-se na Teoria do Crime objetivando-se compreender o crime como fato jurídico e teorias penais da ação criminosa; identificar, conceituar e classificar os diferentes tipos de crime e sujeitos envolvidos (autor e vítima), bem como os aspectos subjetivos do crime, quais sejam, dolo e culpa. Para atingirmos tais objetivos, dividimos a unidade em três tópicos. O Tópico 1: analisa e problematiza o conceito de crime, as teorias acerca do crime e elementos caracterizadores. Tópico 2: analisa os sujeitos do crime – autor e vítima – e tipo de crime. No Tópico 3: apresenta especificamente a discussão acerca dos elementos subjetivos do delito – dolo e culpa – diferenciando-os e analisando as implicações na imputação e penalização. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Finalmente, na Unidade 3, estudaremos os conceitos e características da antijuridicidade e concurso de pessoas na prática de delitos. Para explorarmos melhor os temas, dividimos nossa discussão em três tópicos. Tópico 1: Antijuridicidade – conceitos, excludentes de ilicitude, estado de necessidade e legítima defesa. Tópico 2: concurso de pessoas – conceito e teorias. Finalmente, no Tópico 3: A coautoria – analisando conceito e distintas espécies de participação na prática do delito. A proposta desse livro é contribuir para sua formação acadêmica, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e competências que auxiliem em sua atuação profissional. Estaremos sempre juntos nessa jornada! Bons estudos! Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII UNIDADE 1 – FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL .............................................................. 1 TÓPICO 1 – CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL ................ 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL ..................................................................................................... 4 2.1 DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO ............................................ 5 2.2 DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E DIREITO PENAL ADJETIVO ..................................... 6 2.3 DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL ................................................. 7 3 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS RAMOS JURÍDICOS ........................... 7 3.1 DIREITO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL ............................................................... 8 3.2 DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL ........................................................... 10 3.3 DIREITO PRIVADO E DIREITO PENAL .................................................................................. 11 3.4 DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................................ 12 4 CRIMINOLOGIA E A FUNÇÃO ÉTICA DO DIREITO PENAL ............................................. 13 4.1 CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL ..................................................................................... 14 RESUMODO TÓPICO 1..................................................................................................................... 18 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 19 TÓPICO 2 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL ................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 21 2 COMPREENDENDO PRINCÍPIOS E REGRAS ......................................................................... 21 3 AS DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS ................................................................. 23 3.1 DIFERENÇAS QUANTO À HIERARQUIA ............................................................................. 23 3.2 DIFERENÇAS QUANTO AO CONTEÚDO ............................................................................. 24 3.3 DIFERENÇA QUANTO À ESTRUTURA FORMAL ............................................................... 24 3.4 DIFERENÇA QUANTO À APLICAÇÃO ................................................................................. 25 3.5 DIFERENÇAS QUANTO AO IMPEDIMENTO DO RETROCESSO ..................................... 25 4 PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO PENAL ...................................................................... 26 4.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA ............................................................................ 27 4.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .............................................................................................. 29 4.3 O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE ....................................................................................... 31 5 PRINCÍPIOS DECORRENTES ....................................................................................................... 32 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 39 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 40 TÓPICO 3 – NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO ................................................................ 43 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 43 2 AS NORMAS PENAIS ...................................................................................................................... 43 3 CARACTERÍSTICAS DA NORMA PENAL ................................................................................ 46 3.1 LEI PENAL NO TEMPO .............................................................................................................. 47 3.1.1 Conflitos de Leis Penais no Tempo (Conflito Intertemporal) ........................................ 49 3.1.2 Eficácia das Leis Penais Temporárias e Excepcionais ..................................................... 49 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 54 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 56 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 57 sumário VIII UNIDADE 2 – TEORIA DO CRIME ................................................................................................. 59 TÓPICO 1 – CONCEITO: CRIME, TEORIAS E ELEMENTOS ................................................... 61 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 61 2 CONCEITO ......................................................................................................................................... 61 3 CONDUTA .......................................................................................................................................... 64 4 TEORIAS DA AÇÃO ........................................................................................................................ 67 4.1 TEORIA FINALISTA DA AÇÃO ................................................................................................ 69 4.2 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO ...................................................................................................... 70 5 AÇÃO E ILICITUDE ......................................................................................................................... 71 5.1 CONSCIÊNCIA E ILICITUDE .................................................................................................... 71 5.2 EMBRIAGUEZ ............................................................................................................................. 73 5.3 CULPABILIDADE DIMINUÍDA ................................................................................................ 74 5.4 INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ........................................................................ 75 5.5 ERRO DE PROIBIÇÃO ................................................................................................................ 76 5.6 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR ....................................................................................... 77 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 78 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 79 TÓPICO 2 – SUJEITO, OBJETO E TIPOS DE CRIME .................................................................. 81 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 81 2 SUJEITOS DA CONDUTA TÍPICA ............................................................................................... 81 2.1 OBJETO DO CRIME ..................................................................................................................... 83 2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ............................................................................................... 84 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 93 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 94 TÓPICO 3 – ASPECTOS SUBJETIVOS DO CRIME – DOLO E CULPA................................... 97 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 97 2 DO CRIME DOLOSO ....................................................................................................................... 97 2.1 AS TEORIAS SOBRE O DOLO ................................................................................................... 99 2.2 ESPÉCIES DE DOLO .................................................................................................................... 100 2.3 DO CRIME CULPOSO ................................................................................................................. 102 2.4 A PREVISIBILIDADE ................................................................................................................... 104 2.5 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA CULPA: IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA ................................................................................................... 106 2.6 ESPÉCIES DE CULPA .................................................................................................................. 106 3 CRIME QUALIFICADO PELORESULTADO ............................................................................. 109 3.1 CRIME PRETERDOLOSO ........................................................................................................... 109 3.2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE ......................................................................... 110 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 113 TÓPICO 4 – DESCRIMINANTES PUTATIVAS: ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO................................................................................................. 115 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 115 2 DISTINÇÃO ENTRE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO .......................................... 116 3 FORMAS DE ERRO DE TIPO ......................................................................................................... 117 3.1 ERRO DE TIPO ESSENCIAL ...................................................................................................... 118 3.2 ERRO DE TIPO ACIDENTAL .................................................................................................... 119 3.3 ERRO DE PROIBIÇÃO ................................................................................................................ 120 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 122 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 124 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 125 IX UNIDADE 3 – ANTIJURIDICIDADE, CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS .......127 TÓPICO 1 – ANTIJURIDICIDADE ...................................................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 CONCEITO DE ANTIJURIDICIDADE ........................................................................................129 2.1 CLASSIFICAÇÃO ..........................................................................................................................131 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 2 – EXCLUDENTES DE ILICITUDE .................................................................................139 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................139 2 CONCEITO DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE .............................................................................139 2.1 EXCESSO PUNÍVEL ......................................................................................................................145 3 ESTADO DE NECESSIDADE ..........................................................................................................148 3.1 ATUALIDADE DO PERIGO ........................................................................................................148 3.2 INEVITABILIDADE DO PERIGO E INEVITABILIDADE DA LESÃO .................................149 3.3 INVOLUNTARIEDADE NA CAUSA DO PERIGO .................................................................149 3.4 INEXIGIBILIDADE DO SACRIFÍCIO DO BEM AMEAÇADO .............................................150 3.5 CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICADORA DA CONDUTA .............................150 4 EXCLUSÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE ...........................................................................151 5 LEGÍTIMA DEFESA...........................................................................................................................153 5.1 REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA ......................................................................................154 5.1.1 Agressão injusta, atual ou iminente ...................................................................................154 5.1.2 Moderação dos meios necessários ......................................................................................157 5.2 CLASSIFICAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA .............................................................................159 5.3 OFENDÍCULOS .............................................................................................................................161 6 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL ....161 6.1 INTERVENÇÕES MÉDICAS E CIRÚRGICAS ..........................................................................162 6.2 VIOLÊNCIA ESPORTIVA ............................................................................................................163 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................165 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................166 TÓPICO 3 – CONCURSO DE PESSOAS ..........................................................................................167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 CONCEITO DE CONCURSO ..........................................................................................................167 3 TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS ........................................................................170 3.1 TEORIA MONISTA OU UNITÁRIA DA PARTICIPAÇÃO ................................................170 3.2 TEORIA DUALISTA ......................................................................................................................171 3.3 TEORIA PLURALISTA .................................................................................................................172 3.4 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ................................................172 4 ESPÉCIES DE PARTICIPAÇÃO ......................................................................................................174 5 REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS ...................................................................175 6 AUTORIA .............................................................................................................................................176 6.1 TEORIA UNITÁRIA ......................................................................................................................177 6.2 TEORIA RESTRITIVA ...................................................................................................................178 6.3 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO .............................................................................................178 6.4 TEORIA EXTENSIVA ....................................................................................................................178 7 AUTORIA MEDIATA ........................................................................................................................179 7.1 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES .................................................180 7.2 TIPOS DE AUTORIA .....................................................................................................................181 7.3 REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS .................................................................1817.4 FORMAS DE PARTICIPAÇÃO ....................................................................................................181 7.5 ALGUMAS DIFERENCIAÇÕES IMPORTANTES....................................................................182 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................183 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................192 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................193 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................195 X 1 UNIDADE 1 FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender e identificar os conceitos fundamentais do Direito Penal; • relacionar o Direito Penal com os demais campos do conhecimento jurídico; • individualizar e conceituar os princípios do Direito Penal; • identificar as fontes do Direito Penal; • interpretar a norma penal; • aplicar a lei penal no tempo e espaço. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL TÓPICO 2 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL TÓPICO 3 – NORMA PENAL NO TEMPO E ESPAÇO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 1 INTRODUÇÃO Ao iniciarmos o estudo em qualquer área do conhecimento o ponto de partida é compreendermos o que exatamente vamos estudar, ou seja, qual é nosso objeto de reflexão e análise e é exatamente isto que faremos nessa primeira unidade. Desde o conceito de Direito Penal, compreendendo-o como um sistema normativo, compreenderemos os elementos centrais que compõe o Direito Penal, buscando responder às seguintes questões: o que é Direito Penal? Qual sua função? Qual sua relação com os demais campos do Direito? Quais seus fundamentos e princípios basilares? Quando e como pode ser aplicado? Estas são algumas das questões que vamos compreender e discutir nesta primeira unidade e momento inicial de estudo. Veremos nesta unidade que o Direito Penal é um sistema normativo de controle formal, composto por regras e princípios jurídicos que constituem um campo específico do Direito Público. Essencialmente o Direito Penal estabelece as ações consideradas como crimes e a elas, como consequência, imputa uma pena ou medida de segurança. Concebendo o Direito como um sistema normativo, ou seja, como um todo coerente e harmônico e não um emaranhado de normas desconexas, há que se compreender o Direito Penal em sua interrelação com os demais campos do Direito, particularizando e caracterizando a norma penal. Analisaremos a norma penal desde uma perspectiva contemporânea, considerando o Direito Penal em sintonia com os princípios e fundamentos éticos do Estado Democrático de Direito. Aprofundando o conceito de crime, desde uma perspectiva causal-explicativa, encontraremos na Criminologia, uma fonte de compreensão crítica e analítica das condições de criminalização e as funções do sistema punitivo. Verificaremos que o Direito Penal seria um saber inócuo e abstrato, sem condições de por si só, responder de maneira efetiva a complexa questão do crime e criminalidade. Por essa razão, apenas analisando o sistema normativo penal à luz da Política Criminal e Poder Judiciário, é que visualizaremos o que é “Direito Penal”. Vamos lá! UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 4 2 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL O Direito Penal é definido como o ramo do Direito Público composto por um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado. Ocupa-se em estudar: os valores fundamentais sobre os quais se assentam as bases de convivência social (bens jurídicos), os fatos e/ou condutas que os violam e as normas jurídicas (princípios e regras jurídicas) destinadas a proteger e garantir tais valores através da imposição de penas e medidas de segurança. Há um certo consenso entre os penalistas acerca da conceituação de Direito Penal. Para Bitencourt (2008), Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurídicas que determinam que ações são consideradas como crimes e lhes imputa a pena – esta como consequência do crime –, ou a medida de segurança. Já para Luiz Régis Prado (2008), é o setor ou parcela do ordenamento jurídico público que estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando- lhes determinadas consequências jurídicas – penas ou medidas de segurança. Enquanto sistema normativo, integra-se por normas jurídicas (mandamentos e proibições) que criam o injusto penal e suas respectivas consequências. Nucci (2008) assevera que o Direito Penal é o corpo de normas jurídicas voltadas à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo as infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação. Em síntese, o Direito Penal ou Direito Criminal, como preferem alguns, define as infrações penais (crimes, delitos e contravenções), cominando pena na hipótese de descumprimento dos preceitos estabelecidos. Como Direito Público, sua atuação independe da vontade do ofendido, constituindo dever e função do Estado intervir e impor sanção, cabendo somente ao Estado a penalização. DICAS • Sendo ramo do Direito Público, o Direito Penal tutela valores que interessam à coletividade e são indisponíveis. Portanto, não pode o sujeito particular ofendido dispor da ação penal, desistindo ou mesmo perdoando o autor de um delito. • Possui caráter primário ou constitutivo (não acessório) e autônomo e não meramente sancionatório. • É de caráter positivo, sendo sua principal fonte o jus positum – Direito positivo. • É valorativo e imperativo, ou seja, valora condutas e impõe ao agente a obrigação de fazer ou deixar de fazer algo. • É sancionatório, porque reage com uma sanção, pena, àquele que violou o preceito legal. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 5 É o Direito Penal um sistema de controle social formalizado, constituído por um conjunto de regras e princípios que formam um campo específico do ordenamento jurídico destinado a proteger bens jurídicos relevantes, e é a forma mais dura de intervenção do Estado na vida coletiva e individual, e por esta razão, apenas se justifica em situações para as quais os demais ramos do Direito são ineficientes. Em assim sendo, significa que o Direito Penal deve intervir na vida coletiva e/ou individual tão somente quando outras intervenções jurídicas não penais falharem ou forem ineficazes, devendo funcionar apenas subsidiariamente (princípio da subsidiariedade), intervindo minimamente na criminalização de condutas (princípio da intervenção mínima), atuando ultima ratio na solução de um conflito ou problema social. A razão para que o Direito Penal seja assim considerado é porque a intromissão do Estado na esfera penal é de privação ou restrição de liberdade, bem jurídico fundamental no Estado Democrático de Direito. Mas, afinal, o que são os bens jurídico-penais? Para o penalista Roxin (1997), bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo, considerando tais bens a finalidade maior da vida social. Pode-se então considerar como bens jurídicos valores e/ou interesses relevantes e significativos para a vida humana, tanto individual como coletiva. Embora sendo a religião e a moral bens jurídicos relevantes e também protegidos, é vedado ao Direito em geral, e ao Penal em particular, a intervenção no âmbito moral, religioso e ético, e todas as demais esferas da vida íntima das pessoas, determinando condutas morais e/ou religiosas, uma vez que possui comofunção a proteção de tais bens jurídicos e não ser um instrumento de controle na esfera íntima de crença religiosa ou convicção moral. Há que se assinalar que o controle social é exercido por um conjunto de instituições (escola, igrejas, associações, entre outras), estratégias (aceitação, valorização pessoal, entre outras) e ações (formas específicas de agir) que objetivam estabelecer limites e padrões de comportamento social, criando normas e aplicando sanções (não jurídicas) para os “desvios” em relação aos padrões estabelecidos. Em relação aos demais ramos do Direito, o Direito Penal é preventivo, isto é, tem por objetivo impedir a prática de delitos através de uma prevenção geral e genérica, dirigida a todos os cidadãos, impondo, a partir do devido processo legal e demais garantias legais e constitucionais, a sanção prevista. Por ser o Direito Penal a expressão máxima do poder coercitivo do Estado, a norma penal é um imperativo que atribui à pena a função de prevenir delitos e proteger bens jurídicos. 2.1 DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO Entende-se como Direito Penal objetivo o conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) que descrevem os crimes (infrações penais) e impõem como consequência sanções (penas ou medidas de segurança). UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 6 Já o Direito Penal subjetivo é o direito de punir – jus puniendi – exercido exclusivamente pelo Estado, coibindo-se, assim, a vingança privada. Trata-se do ius imperium, poder de império do Estado. Divide-se em: • Ius puniendi in abstracto (ou primário) – surge com a criação da norma penal e é a prerrogativa do Estado de poder exigir de todos os destinatários que se abstenham de praticar a ação ou omissão definida no preceito legal. • Ius puniendi in concreto (ou secundário) – é o que nasce, em geral, com o cometimento da infração penal, surgindo daí o poder-dever do Estado de exigir que o infrator se sujeite à sanção prevista. DICAS Portanto: é no momento em que ocorre a infração que é possível a punição em concreto, uma vez que é quando ocorre a possibilidade jurídica de ser imposta uma sanção penal. O Direito Penal objetivo é a norma penal em si e o Direito Penal subjetivo é a expressão do poder/faculdade do Estado de elaborar e fazer cumprir as normas, executar as decisões do Poder Judiciário. Por consequência, o ius puniendi, Direito Penal subjetivo, é a decisão político-criminal que, com base na norma penal, declara punível um fato, imputando uma sanção a seu autor. 2.2 DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E DIREITO PENAL ADJETIVO O Direito Penal substantivo ou material é o Direito Penal objetivo, ou seja, o conjunto de normas (regras e princípios) que definem as infrações penais e impõem sanções (penas ou medidas de segurança). O Direito Penal Adjetivo ou formal é o Direito Processual Penal, que possui como finalidade determinar a maneira como deve ser aplicado o Direito Penal. FIGURA 1 – DIREITO PENAL MATERIAL E DIREITO PENAL FORMAL FONTE: A autora Direito Penal Material (normas penais) Direito Penal Formal (processo penal) Direito Penal TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 7 2.3 DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL A denominação Direito Penal Comum é utilizada para designar o Direito Penal aplicável pela justiça comum, de modo geral, a todas as pessoas, enquanto o Direito Penal Especial é aquele ramo do Direito Penal que se encontra sob a jurisdição especial que rege somente a conduta de um determinado grupo de pessoas. O Direito Penal Comum tem como fundamento o Código Penal e as diversas leis penais extravagantes, como a Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006), Código de Trânsito (Lei nº 10.826/2003), Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), entre outras. O Direito Penal Especial é aquele que se encontra sob a responsabilidade de justiça especializada. Em nosso ordenamento é o caso da chamada justiça castrense ou militar, a qual se incumbe de aplicar as normas previstas no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969). Há que se esclarecer que não se pode confundir Direito Penal Especial com Parte Especial do Direito Penal, que é aquela referenciada no próprio Código Penal, como o Direito Penal Econômico, Direito Penal Empresarial, Direito Penal do Consumidor etc. Observe que estas áreas não são autônomas, apenas caracterizam estudo com objeto específico e possuem legislações específicas, sem que haja Justiça ou Tribunal Especializado, como é o caso da Justiça Militar. FIGURA 2 – DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL FONTE: A autora Direito Penal: ramo do direito público cujas normas visam a proteção de bens jurídicos, punindo fatos que os violam Direito Penal Subjetivo: Direito do Estado de punir Direito Penal Comum: aplicado pela justiça comum a todos os cidadãos Direito Penal Especial: aplicado pela Justiça especial (CPM) Direito Penal Objetivo: normas penais 3 RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS RAMOS JURÍDICOS Compreender o Direito Penal em sua complexidade não significa limitar- se à ordem normativa, à legislação penal em si, mas também conhecer a Ciência Penal, que se constitui em um conjunto de conhecimentos acerca do sistema UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 8 normativo penal (regras e princípios penais), que é chamada Dogmática Penal. O termo “dogmática” deve ser compreendido como o conjunto do saber jurídico penal que possui função analítica e problematizadora acerca do direito positivo penal criado pelo Estado. A Dogmática Penal trata-se de uma ciência que, a partir das normas positivas, discute os valores e finalidades das normas, permitindo a seu aplicador (Estado-Juiz) decidir de maneira justa e equânime, evitando, assim, a arbitrariedade e o casuísmo. Segundo o penalista Muñoz Conde (2001), a Dogmática Penal possui uma importante função no Estado Democrático de Direito, que é a de garantir a proteção dos direitos fundamentais do cidadão frente ao poder arbitrário do Estado, pois, embora este tenha limites estabelecidos pela ordem constitucional, é necessário o controle de tais limites. Portanto, o Direito Penal, enquanto saber científico, não é apenas mera contemplação ou memorização das normas penais, mas trata-se do campo de direito dinâmico e permanente inter-relação com outros campos da Ciência Jurídica, como a seguir analisaremos brevemente, considerando apenas alguns, dentre os vários, campos específicos do Direito e sua relação com o Direito Penal. 3.1 DIREITO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL Sem dúvida, a relação do Direito Penal com o Direito Constitucional é inegável e basilar. Considerando a Constituição Federal como o fundamento do ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito e ápice do sistema jurídico, todas as normas obrigatoriamente estão vinculadas e subordinadas aos ditames constitucionais. Tal enlace coloca-se no plano vertical, de maneira que todos os setores do ordenamento jurídico devem retirar seu fundamento de validade formal e material, da Constituição, servindo esta como fonte primeira e limite insuperável de sua atuação (LENZA, 2012, p. 44). Na perspectiva contemporânea de Direito, o Direito Constitucional condiciona e norteia todos os ramos do Direito e, em particular, o Direito Penal, por duas razões: 1. Os bens jurídicos tutelados encontram-se insculpidos na Magna Carta como Direitos Fundamentais, cabendo ao Estado a tarefa de protegê-los; 2. O Direito Penal, enquanto instrumento de controle social, facultando ao Estado a imposição de restrições a direitos fundamentais (vida, liberdade, patrimônio etc.), e esta ingerência deve ser em conformidade e sob o controle dos princípios constitucionais penais, que são indisponíveis e inegociáveis mesmo para o ente estatal. Os direitos fundamentais constituem, neste sentido, o núcleo central de legitimação e limite de ação do Estado, que deve obedecer aos princípios políticos e jurídicos da ordem democrática,como estudaremos mais detalhadamente no próximo tópico. Lembrando o consagrado constitucionalista Konrad Hesse (1983), a Constituição é que estabelece os pressupostos de criação, vigência e execução do ordenamento jurídico e constitui o elemento unificador do sistema normativo. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 9 Luigi Ferrajoli (2002) lembra que o modelo clássico positivista reduzia a validade normativa à sua vigência, considerando-a tão somente produto legislativo, sem considerar-se o conteúdo valorativo das normas produzidas. Entretanto, nos estados constitucionais contemporâneos, tal concepção é insuficiente e inadmissível. Para Ferrajoli, o Direito em geral e o Direito Penal em particular, no Estado Democrático Constitucional, vinculam-se a princípios políticos e jurídicos éticos que delimitam os parâmetros valorativos de produção, interpretação e aplicação das normas jurídicas, devendo declarar-se inválidas as normas que violam direitos fundamentais. DICAS Portanto, uma determinada norma pode ter vigência (formal), observando- se apenas o critério de legitimidade jurídica formal, mas não ter validade (material) por estar em desconformidade com significados ou conteúdos normativos delimitados constitucionalmente. No Estado absolutista, validade e vigência eram equivalentes. O Estado Democrático de Direito caracteriza-se justamente por essa possível divergência. A validade das normas exige conformidade com os valores estabelecidos por outras normas superiores a elas. Uma teoria juspositivista contemporânea como a de Kelsen não faz essa distinção, pois, para o autor, todo Estado é um Estado de Direito, equivalendo-se vigência e validade. A possibilidade de invalidade de uma norma vigente se abre diante da recusa dessa premissa, em que por muito tempo se afirmou que o ordenamento jurídico é um todo completo e coerente, desprovido de lacunas. Em um Estado Absoluto, a resposta à questão “quando e como punir?” é muito simples: “quando e como queira o soberano”. Já no Estado Democrático de Direito, são normas constitucionais que oferecem as respostas aos problemas do “quando” e do “como”. Para Ferrajoli, dependendo do caráter vinculante das respostas, um sistema será mais ou menos garantista, mais ou menos de “direito”. FONTE: SALAH, H. K. Introdução aos fundamentos do direito penal. Disponível em: <http:// www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7411>. Acesso em: 28 mar. 2019. O Direito Penal contemporâneo deve ser assentado, portanto, em princípios fundamentais, próprios do Estado Democrático de Direito, e tem como base o expresso na Magna Carta. Porém, por serem normas prescritas de forma imperativa, em não raras vezes tanto o órgão julgador como o legislador produzem e aplicam normas que afrontam a ordem democrática e constitucional. Criando um paradoxo. Entretanto, como lembra o próprio Ferrajoli (2002), há na prática uma grande contradição entre as normas produzidas e reproduzidas com os princípios e valores constitucionais, mas a realização do modelo é um projeto a ser perseguido e efetivado. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 10 Lembra Ferrajoli: Se as lutas pelos direitos são o veículo necessário mediante o qual se afirmam necessidades vitais insatisfeitas, é essencialmente graças a elas que se produzem as mudanças progressivas na esfera do direito positivo: do reconhecimento constitucional de novos direitos fundamentais à elaboração de novas garantias legais para direitos já reconhecidos, das evoluções da jurisprudência às solicitações de responsabilidade política pela violação dos direitos já garantidos. E é precisamente nesta capacidade de mudar ou de influenciar a legislação, a jurisdição, o governo e a administração que consistem a força e o sucesso de uma luta social; por outro lado, é signo de esterilidade ou de fraqueza a sua falta de saídas, ou pior, de objetivos institucionais, idôneos, a garantirem e a estabilizarem as instâncias em formas jurídicas positivas (2002, p. 871). A íntima e vital relação entre Direito Penal e Direito Constitucional é o que permite a funcionalidade axiológica do sistema normativo, uma vez que as normas penais apenas possuem validade e obrigam quando orientadas segundo os fins dos valores constitucionais consagrados, conferindo sentido de justiça ao controle punitivo do Estado. 3.2 DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL A relação entre Direito Processual Penal e Direito Penal é muito estreita. De acordo com Tourinho Filho (2011, p. 54), Direito Processual Penal é constituído pelo conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos auxiliares, bem como a persecução penal. Portanto, enquanto o Direito Penal é constituído por normas que definem condutas criminosas e cominam as sanções correspondentes, o Processo Penal é o “instrumento” através do qual a pena é imposta, sendo ambos complementares, uma vez que o ius puniendi – direito do Estado de punir – somente pode ser exercido através do ius persequendi – meio formal de exercício do direito de punir. Frise-se: no Estado Democrático de Direito não há como aplicar uma pena senão pelo devido processo legal, due process of law –, segundo o disposto no art. 5º, inc. LIV da CF, ao determinar que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A ocorrência de um delito desencadeia para o poder público o dever de punir o agente, tornando realidade a sanção cominada à infração cometida. Entretanto, para que isso aconteça, o Estado deve necessariamente recorrer ao Poder Judiciário, através de um procedimento formal e solene, que assegure o contraditório e ampla defesa, a fim de demonstrar a culpabilidade do agente, podendo ou não o Estado impor pena ou, se for o caso, medida de segurança. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 11 3.3 DIREITO PRIVADO E DIREITO PENAL Embora o Direito seja um sistema normativo unitário com inter-relações internas e externas, que possui todos os ramos do ordenamento jurídico mútuos, complexas e intrincadas implicações, cada campo específico mantém autonomia. No caso do Direito Privado não é diferente, a exemplo do Direito Civil. De acordo com o Código Civil, entende-se por ilícito: a) O ato de alguém que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186). b) O exercício abusivo de um direito por seu titular, quando exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187). As penas previstas a estes vão desde a obrigação de reparar o dano, a imposição de multa, a rescisão contratual, a nulidade do ato ou negócio jurídico, até, em caráter excepcional, a decretação da prisão coercitiva, quando se tratar de dívida de alimentos, obedecendo ao disposto no art. 528 do CPC, que é a única hipótese por dívida admitida pela CF (art. 5º LXVVII), uma vez que a jurisprudência colocou fim à possibilidade de depositário infiel. Ainda, em casos de indenização civil ex-delicto que acompanham a condenação na esfera penal e a tutela de institutos do Direito Civil, por exemplo, a propriedade em casos de furto, roubo, dano etc., ou mesmo nos contratos e negócios privados. FIGURA 3 – ANÁLISE DO ATO ILÍCITO – ESFERA CIVIL OU CRIMINAL? FONTE: <https://cdn-images-1.medium.com/max/800/1*ZuQKwNF8BhEq2cONo5zkXw.png>. Acesso em: 28 mar. 2019. Para casos de infrações chamadas de “menor potencial ofensivo”, atualmente as chamadas contravenções penais e crimes cuja pena máxima não exceda a dois anos (Lei nº 9.099/95), ocorre o “devido processo legal consensual”, em que, por meio de uma transação penal, é possível a aplicação de pena alternativa. A relação entre Direito Penal e Direito ProcessualPenal é tão próxima que se pode concluir afirmando que o segundo é a força, a energia potencial para que aquele se concretize. ESFERA PENAL ESFERA CIVIL ABUSO DE DIREITO PRÓPRIO VIOLAÇÃO DE DIREITO ALHEIO CRIME ATO ILÍCITO Lato Sensu UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 12 Há clara diferença entre ilícito civil e ilícito penal. Na esfera civil, embora seja reconhecida a conduta ou ato pela norma civil como ilícito, não há crime, havendo ainda diferenças bastante claras. A responsabilidade penal é sempre individual e personalíssima (art. 5º, inc. XLV da CF), enquanto no Direito civil é admitia a responsabilidade por ato de terceiros, como no caso de pais que respondem por seus filhos menores, do empregador ou comitente por seus empregados e prepostos, entre outros. DICAS Sugere-se como leitura complementar os seguintes sites: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/16730/Il%C3%ADcito_Civil_Il%C3%ADcito_Penal.pdf> e <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1404>. Acessos em: 28 mar. 2019. 3.4 DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO Para Celso Bandeira de Mello (2011), Direito Administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem. É composto, portanto, por regras e princípios que regem o funcionamento e organização da administração pública e sua relação com particulares no exercício do interesse público. São muitos os pontos de contato entre o Direito Penal e o Administrativo. Por exemplo, a tutela penal da Administração Pública (Título XI da Parte Especial do CP), os efeitos extrapenais da condenação, dentre os quais há a perda do cargo, função ou mandato eletivo (art. 92, I, do CP) e ainda, a pena restritiva de direitos, como a proibição de atividade, cargo ou função pública, bem como mandato eletivo (art. 47, II, do CP). UNI Para melhor compreensão, leia um texto sobre essa temática, acessando o link a seguir: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=11132>. Acesso em: 29 mar. 2019. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 13 Como se observa, o Direito Administrativo também prevê sanções, porém de caráter disciplinar, relacionadas à prática de atos ilícitos na esfera da administração pública. Portanto, tais sanções não são penas, uma vez que as sanções penais exigem a prática de crime e a submissão a processo penal, que deve obedecer aos princípios do contraditório e ampla defesa. EM SÍNTESE: Relação do Direito Penal com alguns ramos do Direito Direito Constitucional • A supremacia política e jurídica constitucional fundamenta o Direito Penal. • Os bens jurídicos tutelados encontram-se insculpidos na Magna Carta como Direitos Fundamentais, cabendo ao Estado a tarefa de protegê-los. • O Direito Penal, enquanto instrumento de controle social, faculta ao Estado a imposição de restrições a direitos fundamentais (vida, liberdade, patrimônio etc.), e esta ingerência deve ser em conformidade e sob o controle dos princípios constitucionais penais, que são indisponíveis e inegociáveis. Direito Processual Penal • O Direito Penal não é autoexecutivo, ou seja, é um direito de coação indireta cuja concretização depende do devido processo legal. • O Processo Penal é o instrumento através do qual o Direito Penal torna-se efetivo. Direito Privado • Embora sejam esferas jurídicas distintas, o conceito de ilícito civil é mais amplo que o penal, uma vez que este implica a existência de crime – violação a bens jurídicos fundamentais à sociedade e apenada gravemente. • Apesar da independência das esferas Civil e Penal, há efeitos recíprocos. Direito Administrativo • Os ilícitos penal e administrativo não se confundem, uma vez que ao primeiro com graves sanções. • A responsabilidade penal e a administrativa são independentes, mas a condenação penal pode gerar efeitos na esfera administrativa, como perda de cargo ou função. 4 CRIMINOLOGIA E A FUNÇÃO ÉTICA DO DIREITO PENAL O Direito Penal inegavelmente é um instrumento de controle social que padroniza e molda comportamentos. Por sua natureza, o Direito Penal não possui uma perspectiva causal-explicativa do crime, encontrando na Criminologia a fonte de compreender criticamente as condições de criminalização e as funções do sistema punitivo – social, cultural e político – e penal – Direito Penal, Política Criminal e Poder Judiciário. A função da Criminologia é fornecer elementos para ações públicas de prevenção geral (ações de bem-estar social e individual, reorientação do sistema de educação, planejamento urbano e habitacional etc.) e sociais, tomando por objeto o sistema punitivo, é necessário que se identifique e individualize os elementos que o compõem, de forma a construir e a propor novas concepções acerca da violência (individual, institucional e estrutural), indo além da perspectiva unitária tradicional e reducionista (interpessoal: criminoso, vítima, pena, punição). Portanto, são importantes elementos tanto para o legislador penal como para o jurista que deve aplicar a norma penal no caso concreto, dando efetividade ao Direito Penal. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 14 Como você já deve ter percebido, o Direito Penal é um sistema normativo que valora bens e condutas humanas relevantes para a vida social e, portanto, interagindo de maneira dinâmica com os valores éticos sociais positivando-os e dando sentido jurídico, com a finalidade de protegê-los. 4.1 CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL O Direito Penal contemporâneo é resultado das concepções iluministas europeias do século XVIII, que passaram a tratar a questão do crime essencialmente como ente jurídico, buscando integrar o agir delitivo com a previsão legal processual, situando a Criminologia distante do Direito Penal, privilegiando o último. Desde tal perspectiva, portanto, o Direito Penal é concebido como saber normativo, valorativo e finalista – essencialmente abstrato –, preocupado tão somente com a coibição do delito como fenômeno individual e/ou coletivo, de natureza repressiva. UNI “Iluminismo” é um movimento construído entre os séculos XVII e XVIII por pensadores que, na esfera penal, pregavam a reforma das leis e administração do modelo punitivo. Com a obra de Hugo Grotis sobre o direito natural (de iuris ac pacis) em 1625, as ideias políticas começam a ser revistas, dando início à luta sobre os fundamentos do direito penal do Estado entendendo que a pena deve ter um fundamento racional. A evolução prossegue com as obras de Puffendorf, Thomasius e Cristhian Wolff, jusnaturalistas que fundaram o direito do Estado na razão, combatendo o direito romano e o canônico, bem como opondo- se ao princípio da retribuição reconhecendo o fim da pena na utilidade comum. O grande marco do Iluminismo no campo penal foi a obra de César Beccaria publicada em Milão em 1764, Dei delliti delle e pene. Um pequeno livro que se tornou o símbolo da reação liberal ao desumano sistema então vigente. A obra de Beccaria reflete a forte influência dos enciclopedistas Montesquieu e Rosseau cujas ideias Beccaria acolhe, reproduz e desenvolve. Parte da concepção de “contrato social”, afirmando que a finalidade da pena é apenas a de evitar que o criminoso cause novos males e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade. Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo sequer o juiz ter o poder de interpretá-las, opondo-se, dessa forma, ao arbítrio que prevalecia na justiça penal. Combateu a pena de morte, a tortura, o processo inquisitório, defendendo a aplicação de penas certas, moderadas e proporcionais ao dano causado à sociedade. FONTE:<https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/a-historia-as-ideias-direito-penal.htm>. Acesso em: 29 mar. 2019. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 15 Emsíntese, para o Direito Penal, o problema do crime se encerra com a aplicação e execução da pena, não interessando as razões e fatores relacionados ao fenômeno do crime. Nas palavras de Orlando Soares (2003), criminólogo brasileiro clássico, o Direito Penal é um saber inócuo e abstrato que nada tem podido realizar no campo da prevenção do crime e tratamento do criminoso, porque na verdade só cuida da repressão do delito. Desde tal constatação é possível afirmar que seria utópico compreender e prevenir o crime somente através do Direito Penal, exigindo-se estabelecer diálogo com outros campos do conhecimento, particularmente com a Criminologia. Em sentido lato, Criminologia pode ser definida como saber acerca da questão do crime, suas causas, características, natureza, bem como fatores relacionados com o criminoso e a criminalização. UNI Vejamos algumas definições clássicas de Criminologia: [...] Nelson Hungria diz que a Criminologia é o “estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a etiologia e tentar sua debelação por meios preventivos”. Jean Pinatel define a Criminologia como “a ciência que tem por objeto fundamental coordenar, confrontar e comparar os resultados obtidos pelas ciências criminológicas para lograr uma síntese sistemática”. [...] Jean Merquiset entende a Criminologia como “o estudo do crime como fenômeno social e individual de suas causas e de sua prevenção”. Kinberg diz que a Criminologia é “a ciência que tem por objeto não somente o fenômeno natural da prática do crime, como também o fenômeno da luta contra o crime”. Martin Wofgang pondera que o termo Criminologia deve ser empregado para designar o corpo de conhecimento científico sobre o crime. [...] O criminólogo austríaco Roland Grassberger define a Criminologia como “o sistema das ciências auxiliares do Direito Penal sobre as causas, prova e prevenção do crime. Enrique Cury, penalista chileno, conceitua a Criminologia como “a ciência causal-explicativa do delito”. FONTE: FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton. Criminologia Integrada. São Paulo: Ed. RT, 2012, pp.36 e 37. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 16 Em que pesem as distintas definições, a Criminologia, diferentemente do Direito Penal, é uma ciência empírica acerca do crime, sua gênese, fornecendo elementos acerca das causas do delito e dos fatores relacionados ao delinquente. A Criminologia possui um objeto próprio de investigação – o crime na sua complexidade, os sujeitos envolvidos (criminoso, vítima e sociedade) –, métodos de investigação e um sólido conjunto de conhecimentos elaborados ao longo de séculos de investigações e problematizações. Em assim sendo, é sua tarefa não apenas acumular e divulgar dados ou números sobre o crime, mas obter dados, discuti-los, sistematizá-los e interpretá-los desde marcos teóricos adequados com a finalidade de contribuir para a construção de políticas criminais adequadas e efetivas. Enquanto o Direito Penal possui uma perspectiva causal-explicativa do fenômeno da criminalidade, cuja função do saber criminológico é a de subsidiar e legitimar a política criminal que orienta ações de prevenção e repressão ao crime, permitindo adotar um horizonte mais amplo e crítico, permite compreender as condições de criminalização engendradas a partir do sistema punitivo e seus mecanismos de controle e dominação. Desta forma, é conferida à Criminologia a função de problematizar este sistema como parte de um conjunto sociopolítico articulado de exercício de poder, permitindo uma compreensão crítica em relação ao próprio Direito Penal. Mas qual a razão da valorização central do Direito Penal em relação à Criminologia na formação acadêmica? O Direito Penal, como parte da Dogmática Jurídica, funciona como um sistema (teórico e conceitual) coerente, uniforme e previsível, que aparentemente teria a capacidade de evitar a arbitrariedade do Estado contra o cidadão, garantindo a segurança jurídica (elemento essencial do discurso justificador do Direito Moderno). Portanto, o Direito Penal constrói uma legitimidade técnica racional para imputar a responsabilidade penal; ou seja, possui o condão de “vincular as decisões à lei e à conduta do autor de um fato-crime, objetiva e subjetivamente considerada em relação a este o exorcizar, por esta via, a submissão do imputado à arbitrariedade judicial (ANDRADE, 1997, p. 27). Em assim sendo, a Dogmática Penal (fundamento e justificativa técnica racional do Direito Penal) serve de instrumento punitivo, que divorciado da Criminologia transforma-se num mero decisionismo arrogante despojado de vínculo com a realidade. Entretanto, o Direito Penal exerce sua função de controle através de um subconjunto de normas articuladas institucionalmente: Direito Processual Penal, Organização Judiciária, Execução Penal etc. A ação orientada e sucessiva das distintas instituições (desde a Polícia Judiciária com função investigativa até o “estabelecimento” prisional), cada qual obedecendo a limites e funções previamente definidas (legislações específicas) compõe o Sistema Penal. Trata-se de uma institucionalização do controle punitivo. TÓPICO 1 | CONCEITO, OBJETO, CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 17 Analisando criticamente a relação tradicional entre Direito Penal e Criminologia, que acabou por tornar a Criminologia como saber “auxiliar”, afirma Vera Regina de Andrade (1997, p. 103): Com efeito, enquanto a Dogmática do Direito Penal, definida como "Ciência" normativa, terá por objeto as normas penais e por método o técnico-jurídico, de natureza lógico-abstrata, interpretando e sistematizando o Direito Penal positivo (mundo do DEVER-SER) para instrumentalizar sua aplicação com "segurança jurídica", a Criminologia, definida como Ciência causal-explicativa, terá por objeto o fenômeno da criminalidade (legalmente definido e delimitado pelo Direito Penal) investigando suas causas segundo o método experimental (mundo do SER) e subministrando os conhecimentos antropológicos e sociológicos necessários para dar um fundamento "científico" à Política Criminal , a quem caberá, a sua vez, transformá-los em "opções" e "estratégias" concretas assimiláveis pelo legislador (na própria criação da lei penal) e os poderes públicos, para prevenção e repressão do crime. Podemos então concluir que o crime, enquanto fenômeno complexo, carrega em si distintos elementos – fato criminoso, o criminoso, a vítima, a política criminal, a punição etc. – que são objeto de estudo de distintos campos das chamadas Ciências Criminais, que podem ser divididas em Ciências Criminais Histórico- Filosóficas (História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito Penal Comparado); Ciências Criminais Causais-Explicativas (Criminologia, Antropologia Criminal, Sociologia Criminal, Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise Criminal); Ciências Jurídico-Repressivas (Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penitenciário); Ciências Criminais Auxiliares (Penologia, Política Criminal, Medicina Legal, Psiquiatria Forense, Estatística Criminal etc.). A relação entre Direito Penal e Criminologia é inegável, uma vez que o saber criminológico contribuiu de maneira eficaz para a fixação de estratégias – políticas criminais – de enfrentamento às causas da criminalidade e fatores criminológicos, fornecendo elementos cientificamente elaborados para um Direito Penal humanizador e eficiente, assegurando uma lógica punitiva assentada em uma perspectiva além do binômio crime-pena. 18 Neste tópico, você aprendeu que: • “Crime” é um conceito jurídico e está relacionado com a previsão normativa estabelecida pelo Código Penal. • O Direito Penal é um dos sistemas normativos que compõem o Direito e como tal, possui interrelação com os demais ramos do Direito devendo ser compreendido em sua sistematicidade. • A compreensão do crime e do processo de criminalização não pode ser compreendida somente pelo Direito Penal,mas sobretudo pela Criminologia que estuda os fatores subjacentes ao fenômeno do crime para além da mera legalidade. RESUMO DO TÓPICO 1 19 1 O Direito Penal é ramo do Direito Público composto por um conjunto de normas que têm por finalidade regular o poder punitivo do Estado. Desde tal afirmação, é CORRETO afirmar que: a) ( ) O Direito Penal é composto por normas não jurídicas que se ocupam do controle das ações criminosas, impondo sanções. b) ( ) As normas penais são as que determinam ações consideradas crimes e imputam as penas ou medidas de segurança, portanto, criam o injusto penal e suas respectivas consequências. c) ( ) As normas penais fixam os limites das ações éticas e morais que regem a vida social. d) ( ) O Direito Penal, enquanto ramo do Direito Público, não tutela bens jurídicos particulares, como a propriedade individual. 2 Considere as afirmações a seguir: I- Ao conjunto de normas jurídicas que descreve os crimes e impõe sanções (medida de segurança ou penas), entende-se como Direito Penal objetivo. II- O Jus Puniendi é o Direito Penal Subjetivo, constituído de normas que garantem à vítima o Direito a justa reparação pela violação a bem jurídico tutelado. III- O direito de punir é exercido somente pelo Estado, que é o ente jurídico legítimo para exigir que os cidadãos se abstenham de praticar determinadas condutas. IV- O Direito Penal objetivo é a norma penal em si e o Direito Penal subjetivo é a expressão do poder do Estado de fazer cumprir as normas e executar as decisões do Poder Judiciário. Assinale a afirmação CORRETA: a) ( ) As afirmações I e II estão corretas. b) ( ) As afirmações I, II e IV estão corretas. c) ( ) As afirmações I, III e IV estão corretas. d) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas. 3 O Direito Penal é composto por dois tipos de normas: 1. as normas que definem as infrações penais e impõem sanções (Direito Penal Substantivo); 2. as que possuem como finalidade definir a maneira de como se aplicar o próprio Direito Penal (Direito Penal Adjetivo). O artigo 157 do CP estabelece: Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Quanto ao tipo, É CORRETO afirmar que tal norma penal: a) ( ) Trata-se de norma ao Direito Penal Substantivo ou Material. b) ( ) Trata-se de norma de Direito Especial que apenas se aplica aos sujeitos que praticam tal conduta. AUTOATIVIDADE 20 c) ( ) Trata-se de norma de Direito Penal Adjetivo ou Formal, porque há necessidade da formalização do ato infracional. d) ( ) Trata-se de medida de segurança aplicada aos inimputáveis. 4 Contemporaneamente, no Brasil, o Direito Penal assenta-se em princípios fundamentais próprios do Estado Democrático de Direito, o que garante que as normas penais válidas são as que se orientam segundo os valores constitucionalmente definidos. Desde tal perspectiva, é CORRETO afirmar: a) ( ) O Direito Constitucional estabelece a função valorativa (axiológica) ao Direito Penal, garantindo pressupostos para a criação e aplicação da lei penal. b) ( ) As normas penais são criadas e aplicadas segundo os princípios morais e éticos da sociedade, independentemente do modelo político constitucional vigente. c) ( ) Para garantir a validade da norma penal, na perspectiva contemporânea, basta sua vigência. d) ( ) Não há normas penais inválidas. 21 TÓPICO 2 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro em geral passa a ser assentado em princípios fundamentais, próprios do Estado Democrático de Direito, superando-se assim a concepção legalista do Direito. Contemporaneamente compreende-se todo o sistema normativo a partir da harmonização à Constituição não apenas no plano formal, como também no plano material. Por outras palavras, há que se tratar a norma penal em consonância com os valores expressos, implícita ou explicitamente, na Magna Carta, uma vez que os valores e princípios constitucionais devem servir de orientação tanto para a interpretação da norma como para sua criação. Este deve ser o marco jurídico para se pensar o Direito no século XXI, exigindo-se do jurista em geral a concretização e promoção dos valores e princípios constitucionalmente afirmados. Neste tópico o objetivo será o de compreender o conceito de princípios jurídicos, bem como identificar os que servem de fundamento do Direito Penal brasileiro, uma vez que o estudo de qualquer ramo do Direito deve ser iniciado pelo entendimento da lógica e coerência do ordenamento jurídico. 2 COMPREENDENDO PRINCÍPIOS E REGRAS No atual estágio da Ciência do Direito, os princípios não são considerados como meras aspirações ou mesmo idealizações, mas possuem força normativa. As normas jurídicas são as formas através das quais o direito se expressa, criando, modificando ou extinguindo direitos. Genericamente pode-se afirmar que a norma jurídica é uma prescrição cujo objetivo é estabelecer o agir humano, individual ou coletivamente, de forma a garantir ou realizar direitos. Como você já deve ter estudado, a norma jurídica difere-se da norma moral ou religiosa, uma vez que as normas ou preceitos jurídicos possuem uma natureza coercitiva – impõem-se obrigatoriamente aos sujeitos – e são elaboradas a partir das relações sociopolíticas e culturais. A norma jurídica é um produto histórico e político que se concretiza pela interpretação diante do caso concreto e não se confunde com texto legal, com enunciado jurídico, uma vez que a norma é a afirmação do direito cujo sentido exprime valores. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 22 Para o clássico pensador brasileiro Ferraz Junior (2006), para esclarecer o que é o termo “norma jurídica”, via de regra, deve-se compreendê-lo sob três aspectos: o propositivo, o prescritivo e o comunicacional. O primeiro, ou seja, norma jurídica como proposição, é o sentido relacionado ao “dever ser” do comportamento humano, portanto, estabelece um imperativo que se pode formular na seguinte estrutura lógica: uma proposição hipotética ligada condicionalmente a uma sanção (“se” ocorrer A “deverá” ser imposto “B”; ou ainda; se “fulano” cometer a conduta “X”, deverá ser aplicada a pena “Y”). Para o referido autor, sob a dimensão prescritiva, as normas são atos de uma vontade impositiva que disciplina condutas, sendo, sob tal aspecto, imperativos ou comandos de uma “vontade institucionalizada”, que em nosso caso é o Estado, único ente político legítimo para prescrever normas jurídicas. Já na dimensão comunicacional, a norma jurídica institui uma comunicação – troca de mensagens entre indivíduos – estabelecendo relações de subordinação e coordenação. Sem adentrar na complexa conceituação de norma jurídica, pode-se afirmar que as normas jurídicas são significações construídas a partir dos textos positivados e estruturados, das necessidades e valores humanos e dos bens protegidos juridicamente. Entretanto, há que se destacar que as normas jurídicas se expressam por meio de regras e princípios e, em assim sendo, o sistema normativo deve ser compreendido como um conjunto de regras e princípios, sendo estes o fundamento daquelas. Como se costuma dizer, os princípios são como “núcleos” em torno dos quais as regras “gravitam”. Os princípios são expressões de valores fundamentais da vida social concretizados na Constituição e atuam como expressões ideais de justiça. Já as regras são normas jurídicas que obrigam, permitem ou proíbem algo, sendo que sua aplicação depende da “subsunção” – “encaixe” perfeito – do fato ou da conduta ao que nela está previsto. Assim, se o fato ou conduta corresponde ao que está descrito na regra, ela será aplicada e sua consequência é considerada válida. Para o pensador português Canotilho(2003), as regras como normas exigem, permitem ou proíbem algo em termos definidos, sem admitir qualquer exceção. Não obstante tal conceito, deve-se considerar os princípios como fundamento das regras, uma vez que estas expressam e viabilizam os valores prescritos nos princípios. Exemplo: O art. 1º do Código Penal dispõe: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Tal regra expressa o princípio da legalidade ou da reserva legal, segundo o qual a criação dos tipos incriminadores e suas respectivas penas está submetida à lei formal anterior, funcionando como exigência de segurança jurídica e garantia individual. TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 23 UNI As normas jurídicas são gênero do qual princípios e regras são espécies. Princípios, no Direito Penal, são limitadores do poder punitivo do Estado. Regras são normas de conduta e definem o limite entre o lícito e o ilícito. Já os princípios são mandados de otimização (segundo Robert Alexy) e, portanto, devem ser aplicados com a máxima efetividade possível. 3 AS DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS Nos lembra Robert Alexy (2002) que a distinção entre Regras e Princípios não é nova e, apesar disso, imperam confusão e polêmica acerca de sua frequente utilização. Lembra Alexy que há uma grande variedade de critérios de distinção, tais como valores, terminologia etc. Embora os critérios de distinção entre regras e princípios sejam numerosos, o da generalidade é o mais utilizado. Segundo tal critério, os princípios são normas de um alto grau de generalidade, enquanto as regras possuem baixo grau de generalidade. Para Alexy, um ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam a realização de algo em maior ou menor medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, são mandados de otimização que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e seu cumprimento não depende apenas das condições reais, mas também jurídicas. Já as regras são normas que apenas podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Resume Alexy (2002, p. 90) que “toda norma ou é uma regra ou é um princípio”. A seguir vamos estabelecer algumas diferenças para melhor compreendermos a diferença entre regras e princípios. 3.1 DIFERENÇAS QUANTO À HIERARQUIA A primeira grande diferença entre estas duas espécies de normas jurídicas está na hierarquia, uma vez que os princípios constituem expressões de valores fundamentais de qualquer ramo do Direito e, por essa razão, em um conflito aparente entre regras e princípios, estes são superiores àquelas. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 24 Exemplificando: entre o conflito, o princípio da insignificância ou de bagatela e o tipo penal descrito no art. 155 do CP (furto simples), considerando o caso concreto, embora a conduta seja típica à luz da regra legal, levando em conta as condições particulares de realização do delito, a personalidade do agente e a lesão ao bem jurídico tutelado a conduta deve ser considerada atípica, uma vez que o princípio se sobrepõe à regra. UNI O princípio da insignificância nasce da concepção de que não se deve criminalizar comportamentos que causem lesões insignificantes aos bens jurídicos protegidos, e por tal razão, são consideradas materialmente atípicas. 3.2 DIFERENÇAS QUANTO AO CONTEÚDO Outro elemento diferenciador está no conteúdo. Os princípios expressam valores ou finalidades a serem atingidas, enquanto as regras descrevem condutas que devem ser observadas. Pode-se exemplificar com a seguinte situação: A CF em seu art. 5º, inciso XLVI, estabelece que a “lei regulará a individualização da pena”. O CP em seu art. 59, caput determina que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Observe que o princípio ínsito na norma constitucional impõe uma diretriz a ser seguida. Já a norma penal orienta como o magistrado deverá fixar a pena na sentença condenatória. 3.3 DIFERENÇA QUANTO À ESTRUTURA FORMAL Tal diferenciação é muito fácil de ser estabelecida. As regras descrevem fatos e atribuem uma consequência. Exemplificando: art. 121 do CP: Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Já o princípio expressa valores e concepções de diversas formas, a exemplo do art. 5º, LVII da CF, que anuncia: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. TÓPICO 2 | OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 25 3.4 DIFERENÇA QUANTO À APLICAÇÃO No tocante à aplicação das normas jurídicas, as regras são aplicadas pelo critério da subsunção, que é “enquadrar’ ou “inserir” o caso concreto à norma legal em abstrato. É a adequação de uma conduta ou fato concreto à norma jurídica. Os princípios são aplicados utilizando-se o critério da ponderação, que é uma técnica que utiliza a proporcionalidade como forma de raciocínio jurídico, considerando: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Preleciona Barcellos (2008, p. 57-58) que a ponderação se estrutura em três etapas: primeira etapa, deverão ser identificados os comandos normativos ou as normas relevantes em colisão; na segunda, o intérprete deverá proceder à análise dos fatos e premissas do caso concreto, considerando os valores, interesses e necessidades em questão; por fim, como última fase, deve o intérprete valorar a importância dos bens jurídicos em confronto, mediante as consequências e impactos concretos da decisão. 3.5 DIFERENÇAS QUANTO AO IMPEDIMENTO DO RETROCESSO Como os princípios estabelecem conceitos ideais de justiça, uma vez garantida sua efetividade, não se admite seu retrocesso, por representar um autêntico anacronismo. É o que se conhece como “efeito cliquet”, expressão utilizada por alpinistas e define o movimento de “ir para cima”. No campo jurídico, a origem da nomenclatura é francesa, para designar o entendimento o Conselho Constitucional reconhece que o princípio da vedação de retrocesso (chamado de "effet cliquet") se aplica inclusive em relação aos direitos de liberdade, significando que não é possível a revogação total de uma lei que protege as liberdades fundamentais sem a substituir por outra que ofereça garantais com eficácia equivalente. Pode-se dar como exemplo a pena de morte. Os países que aboliram a pena de morte, segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 4º, 3, ela não pode ser restabelecida. O mesmo ocorre no Brasil, uma vez que estabelece a CF em seu art. 5º, inciso XLVII: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL 26 Assim sendo, tal postulado, como cláusula pétrea, os direitos fundamentais apenas podem ser ampliados, uma vez que são conquistas irreversíveis, podendo apenas avançar no sentido de ampliar juridicamente sua tutela. EM SÍNTESE: PRINCÍPIOS REGRAS São hierarquicamente superiores às regras. São inferiores aos princípios, a eles se sujeitando. São a expressão de valores ou finalidades a serem atingidos. Descrevem condutas a serem observadas. Contêm enunciados e expressão de ideias. Contêm descrição de fato e atribuição de consequência. Os princípios são aplicados positivamente, como orientação a ser seguida, ou negativamente, para anular uma regra que os contradiga. As regras são aplicadas mediante
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