Prévia do material em texto
Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Ciências Econômicas Programa de Educação Tutorial Otavio de Souza Teixeira O FUTURO DA CLASSE TRABALHADORA: UMA DISCUSSÃO INTRODUTÓRIA SOBRE TECNOLOGIA, EMPREGO E RENDA Belo Horizonte 2021 2 Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Ciências Econômicas Programa de Educação Tutorial Otavio de Souza Teixeira O FUTURO DA CLASSE TRABALHADORA: UMA DISCUSSÃO INTRODUTÓRIA SOBRE TECNOLOGIA, EMPREGO E RENDA Monografia apresentado ao Programa de Educação Tutorial (PET) do Curso de Graduação em Ciências Econômicas da FACE/UFMG Orientador: Prof. Dr. Eduardo da Motta e Albuquerque Belo Horizonte 2021 3 “O impulso fundamental que põe e mantém a máquina capitalista em movimento é dado pelos novos bens de consumo, os novos métodos de produção ou transporte, os novos mercados e as novas formas de organização industrial... [Este processo] revoluciona incessantemente a estrutura econômica de dentro para fora, destruindo incessantemente a antiga, criando incessantemente a nova. Este processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o capitalismo” Joseph Alois Schumpeter 4 O futuro da classe trabalhadora: uma discussão introdutória sobre tecnologia, emprego e renda Resumo: Desde a Revolução Industrial Britânica a economia global tem apresentado uma trajetória de crescimento acentuado, impulsionada por uma série de avanços tecnológicos. Dentre os campos que sofrem maiores transformações impostas pela tecnologia, destaca-se o mercado de trabalho. Este trabalho tem por objetivo analisar o impacto da mudança tecnológica sobre a classe trabalhadora, em especial sobre o número de empregos, bem como a distribuição de salários e renda entre as famílias. Como metodologia adotamos uma revisão crítica da literatura. Apresentamos uma breve revisão da interação tecnologia, emprego e renda ao longo da história. Em seguida alguns trabalhos importantes sobre “o futuro do trabalho” foram revisados. Na sequência alguns desafios foram abordados, bem como algumas de suas implicações políticas. O maior obstáculo, sugerimos, não reside na tecnologia em si, mas na área da economia política. Nesse sentido, políticas que visam aumentar a apropriação pelos trabalhadores dos ganhos da tecnologia, em termos de maior remuneração salarial, redução da jornada de trabalho e maior autonomia na organização de suas atividades laborais, são urgentes e necessárias. Palavras-chave: Mudança tecnológica; Polarização do trabalho; Políticas públicas; Renda. 5 The future of the working class: an introductory discussion on technology, employment and income Abstract: Since the British Industrial Revolution, the global economy has been on a steep growth trajectory, driven by a series of technological advances. Among the fields that undergo major changes imposed by technology, the labor market stands out. This paper aims to analyze the impact of technological change on the working class, especially on the number of jobs as well as the distribution of wages and income among families. As a methodology, we adopted a critical literature review. We present a brief review of the interaction between technology, employment and income throughout history. Then some important works on “the future of work” were reviewed. Afterwards, some challenges were addressed, as well as some of their political implications. The biggest obstacle, we suggest, does not lie with technology itself, but in the area of political economy. In this sense, policies aimed at increasing workers' appropriation of technology gains, in terms of higher wages, reduced working hours and greater autonomy in the organization of their work activities, are urgent and necessary. Keywords: Technological change; Work polarization; Public policy; Income. 6 Sumário 1. INTRODUÇÃO 7 2. O “PASSADO” DA CLASSE TRABALHADORA 10 2.1. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA 10 2.2. A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 14 2.3. AS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX E AS PRIMEIRAS DO SÉCULO XXI 18 3. O “FUTURO” DA CLASSE TRABALHADORA 21 3.1. ALGUMAS TENDÊNCIAS 21 3.2. DESAFIOS E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS 28 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 33 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 35 7 1. INTRODUÇÃO Desde o início da Revolução Industrial, há mais de 250 anos, a economia global tem apresentado uma trajetória de crescimento acentuado, impulsionada por uma série de avanços tecnológicos. De máquinas a vapor que substituíram os moinhos hidráulicos, para a eletricidade, telefones, automóveis, aviões, transistores, computadores, e a Internet. Cada nova onda de tecnologia trouxe surtos de produtividade e crescimento econômico, permitindo métodos mais eficientes para o desempenho de tarefas existentes e dando origem a tipos de negócios inteiramente novos (PEREZ, 2002). Certamente, dentre os campos que sofrem maiores transformações impostas pela tecnologia, destaca-se o mercado de trabalho. E por consequência toda a organização social, em especial se aceitarmos que a centralidade do trabalho em nossas vidas ainda é um fato tangível1. Desde a Revolução Industrial Britânica comentaristas econômicos têm reconhecido a importância central das inovações tecnológicas no progresso econômico. Adam Smith discute as “melhorias do maquinário” e na forma como a divisão do trabalho promove inventos especializados. Em seu modelo de economia capitalista, Marx, atribui um papel central à inovação tecnológica nos bens de capital, considerando que “a burguesia não pode existir sem uma constante revolução nos meios de produção”. E Schumpeter reservou à inovação um papel central na sua teoria do desenvolvimento (FREEMAN e SOETE, 1997 [2008]). Tal percepção veio acompanhada pelas incertezas quanto à substituição do trabalho por máquinas (MOKYR, VICKERS e ZIEBARTH, 2015). David Ricardo em uma famosa passagem do capítulo ''Sobre o maquinário'' adicionado na terceira edição de seus “Princípios de Economia Política e Tributação”, argumentou que “A opinião, sustentada pela classe trabalhadora, de que o emprego da maquinaria é frequentemente prejudicial aos seus interesses, não se baseia em preconceitos e erro, mas está em conformidade com os princípios corretos da economia política” (RICARDO, 1821[1988], p.291). 1 Para uma discussão sobre a centralidade do trabalho ver: Offe, C. (1989) Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da 'Sociedade do Trabalho'. Rio de Janeiro. 1.v. Para uma discussão complementar ver: Albuquerque, E. (1996) O reposicionamento do trabalho: notas sobre a centralidade do trabalho intelectual na sociedade contemporânea. In: Inovações, mutações: o progresso científico-tecnológico em Habermas, Offe e Arrow. Belo Horizonte: UNA, pp. 21-54. 8 Supercomputação móvel, robôs inteligentes, carros autônomos, aprimoramentos neuro- tecnológicos do cérebro e edição genética. A evidência de mudanças dramáticas está ao nosso redor e está acontecendo a uma velocidade exponencial (BRYNJOLFSSON e MCAFEE, 2011 e 2014). Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, argumenta que estamos em uma revolução que está mudando fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos (SCHWAB, 2016). Neste sentido a discussão sobre progresso técnico e o futuro do trabalho está de volta à agenda. Será que a automação será o fim do trabalho tradicional? Esta parece ser a principal preocupação social quando falamos sobre a revolução tecnológica em curso. Não só a academia está interessada em entender melhor o futuro do emprego, por exemplo os trabalhos de Frey e Osborne (2013 e 2017) e de Arntz, Gregory e Zierahn (2016), agências internacionais como a OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIL), Fórum Econômico Mundial (WEF) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem publicado relatórios sobre o futuro dos empregos e temas relacionados, além de consultorias como a McKinsey (2017a; 2017b) e a Bain & Company (2018) também explorarem o tema. Nossa interpretação é de que as transformações em curso são a manifestação dos ciclos inerentes ao capitalismo e a “ansiedade tecnológica”, ao menos no que tange ao papel do trabalho na sociedade, é natural em momentos de ruptura e de transição entre paradigmas. Contudo a “ansiedade” atual pode apresentar características diferentes das anteriores tendo em vista a velocidade da mudança técnica atual. No processo de desenvolvimento capitalista, há uma transformação permanente das bases materiais onde estão assentadas as condições de reprodução e de acumulação do capital. O mercado de trabalho, nesse sentido, é espaço privilegiado onde tais transformações se manifestam. A incorporação do progresso técnico torna o trabalho humano ao mesmo tempo mais produtivo e redundante. Simultaneamente alteram-se o padrão de geração de ocupações da estrutura de rendimentos e das condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho. Assim também a própria estrutura social é uma representação dos movimentos simultâneos do capital e do trabalho. A transição de uma “sociedade do trabalho” para uma “sociedade da informação” ocasiona diversos ajustamentos estruturais da sociedade. Tendo em vista as rápidas 9 transformações tecnológicas em curso (inteligência artificial, internet das coisas, entre outras) faz-se necessário repensar as instituições sociais, e o emprego é uma delas. Este trabalho tem por objetivo analisar o impacto da mudança tecnológica sobre a classe trabalhadora, em especial sobre o número de empregos, bem como a distribuições de salários e renda entre as famílias. Como metodologia adotamos uma revisão crítica da literatura. Além desta introdução e das considerações finais, nosso texto está dividido em duas partes. A primeira, “o passado da classe trabalhadora”, discute de forma breve os impactos da mudança tecnológica sobre a classe trabalhadora, em especial sobre o número de empregos bem como a distribuições de salários e renda entre as famílias. Já a segunda parte aborda “o futuro da classe trabalhadora" com base em diversos trabalhos e debates sobre o tema, na sequência alguns desafios são abordados, bem como algumas de suas implicações políticas. 10 2. O “PASSADO” DA CLASSE TRABALHADORA 2.1. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA O processo de destruição criadora criou enormes riquezas ao longo da história, como o aumento exponencial da renda per capita após a Revolução Industrial Britânica, mas também gerou perturbações indesejadas. A preocupação com o impacto da mudança técnica sobre o trabalho não é um fenômeno recente. Economistas clássicos já debatiam sobre o tema, avaliando suas implicações sobre a sociedade e sobre a classe trabalhadora (MOKYR, VICKERS e ZIEBARTH, 2015). Neste sentido, Chennells e Reenen (1999) argumentam que no passado, muitos comentaristas temiam que a tecnologia pudesse levar a uma desqualificação dos trabalhadores. A fábrica de alfinetes de Smith simboliza a destruição de habilidosos artesãos e sua substituição por trabalhadores que eram obrigados a executar apenas tarefas repetitivas e mais servis. Ao bloquear a demanda por determinados tipos de trabalho, a Revolução Industrial Britânica causou certa ansiedade, mesmo que no geral não reduzissem a demanda geral de trabalho. No início do século XIX, os trabalhadores mais afetados pelo aumento de investimento em capital foram aqueles empregados em indústrias caseiras domésticas, que tradicionalmente tinham capital muito baixo e baixa produtividade. Os tecelões de teares manuais com suas pequenas oficinas foram rapidamente destruídos pelas fábricas (MOKYR, VICKERS e ZIEBARTH, 2015). Mokyr (1997) sintetizando uma série de argumentações de outros economistas, discorre que uma invenção que substitua trabalhadores por máquinas terá efeitos em todos os mercados de produtos e fatores. O aumento na eficiência da produção, que reduz o preço de um bem, aumentará a renda real e, portanto, aumentará a demanda por outros bens. Os trabalhadores substituídos podem encontrar emprego em outras indústrias, e seu salário real pode aumentar ou diminuir. Logo, não há a priori expectativa de que mudanças na tecnologia de produção necessariamente reduzirão a renda do trabalho e o emprego. Mokyr (1997, p. 24) ainda argumenta que “apesar de um longo e intrincado debate nacional sobre a “Questão das Máquinas” (...) a Grã-Bretanha do século XIX não sofreu um aumento secular no desemprego estrutural temido por Ricardo (...)”. 11 No mundo real, é claro, desequilíbrios temporários podem causar dificuldades para grandes subgrupos da população. Em um primeiro momento, enquanto a fábrica mecanizada deslocou o sistema doméstico, a participação do trabalho na renda caiu, os lucros aumentaram e as disparidades de renda aumentaram. Demorou mais de meio século até que as pessoas comuns vissem os benefícios da Revolução Industrial. Frey (2019) argumenta que a causa da crise dos padrões de vida na Grã-Bretanha foi a queda do sistema doméstico de produção, que foi gradualmente deslocado pela fábrica mecanizada. Os artesãos eram altamente qualificados e ganhavam salários decentes. Mas com a ascensão da fábrica, “um artesão após outro viu sua renda desaparecer”. Bessen (2016, p. 05) argumenta que ao longo do século XIX, “98% da mão de obra necessária para tecer uma jarda de tecido foi automatizada, no entanto, o número de empregos em tecelagem realmente aumentou”. A mecanização proporcionou ganhos de produtividade – na fiação, por exemplo, o número de horas de trabalho direto necessárias para processar 100 libras de algodão diminuiu de 300 em 1790 para 135 em 1820 (MOKYR, 2002) – o que causou a diminuição do preço do tecido para baixo aumentando sua demanda, ocasionando um crescimento líquido do emprego, mesmo com a economia de trabalho advindo do incremento tecnológico. Por mais dramáticas que tenham sido as mudanças no setor têxtil, elas devem ser mantidas em proporção. Bruland e Mowery (2009) argumentam que têxteis representaram cerca de 25% da produção industrial em seu pico. Logo, inovação e produtividade foram crescendo em outros setores também, ampliando o leque de oportunidades da classe trabalhadora. Apesar das controvérsias quanto aos efeitos, quantitativos e qualitativos, do impacto de novas tecnologias sobre o trabalho, existem argumentos convincentes sobre os benefícios da mecanização para a classe operária. Mokyr (1997) sugere que os trabalhadores fabris não qualificados foram amplamente beneficiados pela mecanização. Argumento corroborado por Clark (2007) que afirma que apesar das preocupações com a mecanização sobre emprego, trabalhadores não qualificados foram os maiores beneficiários da Revolução Industrial. O autor salienta que os salários reais sobre o período de 1760 a 1860 cresceram mais rápido do que o PIB per capita. 12 Frey e Osborne (2013 e 2017) apontam a existência de várias estimativas dos padrões de vida dos trabalhadores na Grã-Bretanha durante a industrialização na literatura. Citam Lindert e Williamson (1983)2, os quais sugerem que os salários reais quase dobraram entre 1820 e 1850. Os autores encontraram em Feinstein (1998)3, por outro lado, um quadro muito mais moderado, com a média dos padrões de vida da classe trabalhadora melhorando em menos de 15% entre 1770 e 1870, especialmente após 1830. Embora isso implique que os proprietários de capital foram os maiores beneficiários da Revolução Industrial (PIKETTY e ZUCMAN, 2014), há ao mesmo tempo consenso de que os padrões de vida médios em grande parte tenhammelhorado. Apesar das previsões de Ricardo não terem se concretizadas, como pode ser observado em uma análise de longo prazo, os impactos dúbios sentidos pela classe trabalhadora durante o período de transição e ajustamento são inegáveis. O período pré-revolução industrial é marcado por uma população predominantemente agrária, e com manufaturas artesanais. Com o desenvolvimento da máquina movida a força hidráulica (e posteriormente à vapor) e o desenvolvimento da indústria têxtil tal configuração começou a mudar. Landes (2005) argumenta que a transformação imposta ao trabalhador foi “ainda mais fundamental pois não apenas seu papel ocupacional, como também seu estilo de vida estava em jogo” (p. 45). Segundo o autor, a máquina impôs uma nova organização social, os artesãos antes habituados a executarem suas atividades em suas residências, agora estavam sujeitos à disciplina fabril. Não apenas o local de trabalho se alternou, como o ritmo do trabalho era determinado “por incansáveis equipamentos inanimados” (p. 45) e pela constante fiscalização de supervisores, os quais “impunham a assiduidade por meio de compulsão moral e pecuniária e, às vezes, por ameaça física” (p. 45). Durante os primeiros dias da industrialização, a vida de muitos trabalhadores tornou-se mais desagradável. As condições de vida para as massas na Grã-Bretanha falharam em melhorar antes de 1830-1840. A frase do poeta William Blake “moinhos satânicos” captura as longas horas de trabalho nas fábricas e as perigosas condições que materializaram o processo de industrialização (FREY, 2019). 2 Lindert, P.H., Williamson, J.G., 1983. Reinterpreting Britain’s social tables, 1688–1913. Explor. Econ. Hist. 20 (1), 94–109. 3 Feinstein, C.H., 1998. Pessimism perpetuated: real wages and the standard of living in Britain during and after the industrial revolution. J. Econ. Hist. 58, 625–658. 13 Não apenas os artesãos foram substituídos por operários, o que equivale a dizer em outras palavras que os artesãos se tornaram operários, mas outras ocupações foram criadas à medida que outras foram destruídas, eis o processo de destruição criativa em ação. Como já citado, o desemprego estrutural estimado inicialmente não se concretizou, de modo que podemos inferir o saldo positivo de ocupações dada a mudança técnica. As inovações do período ocasionaram diversas outras mudanças no mercado de trabalho e estimularam uma certa reorganização social, como a expansão do comércio – visto o aumento da demanda – a reorganização espacial das cidades – visto a aglomeração de fábricas – e ainda o desenvolvimento de novas rotas comerciais e a necessidade de melhoramentos logísticos. Vale ressaltar sobre este rearranjo social, conforme apontado por Bruland e Mowery (2009), o fato de a agricultura britânica ter crescido em termos absolutos durante 1750 – 1850 e ter sido altamente inovadora. Durante este período, as principais inovações foram desenvolvidas em ferramentas agrícolas, instrumentos de cultivo (arados, grades, cortadores), instrumentos de semeadura, equipamentos de colheita (ceifeiras, ancinhos, enxadas, foices, debulhadores, etc.) e equipamentos de drenagem. Os autores ainda destacam que a inovação agrícola foi associada ao surgimento de uma indústria de equipamentos agrícolas especializados, que por sua vez apoiaram o crescimento de inúmeras pequenas obras de engenharia e fundições. Enquanto a fábrica mecanizada deslocou o sistema doméstico, trabalhadores enfurecidos se voltaram contra as máquinas. Frey (2019, cap. 04 e 05) argumenta que na Revolução Industrial quase todo o progresso técnico foi utilizado para substituir trabalhadores. Como resultado observa-se o esvaziamento dos empregos de artesãos de renda média, causando uma grande divergência dentro da Grã-Bretanha. Contudo as classes dominantes agora tinham mais a ganhar com a permissão de mecanização, e desenvolveram todo o arcabouço institucional necessário para seu desenvolvimento (ACEMOGLU e ROBINSON, 2012). A resistência dos trabalhadores terminou apenas quando as pessoas começaram a ver seus salários aumentarem nas últimas décadas da Revolução Industrial. 14 2.2. A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Com a Segunda Revolução Industrial, iniciada em 1870, os Estados Unidos assumiram a liderança tecnológica da Grã-Bretanha. Isto significa que para traçar as fronteiras da tecnologia, e explorar sua interação com empregos e renda, devemos nos concentrar na experiência norte- americana. Frey (2019), baseado em artigos publicados em maio de 19244 e abril de 19295 no New York Times, nos conta que se não fosse pelos feitos de seiscentos acendedores de lâmpadas, com tochas e escadas, as ruas da cidade de Nova York à noite em 1900 teriam sido iluminadas “por nada além da lua”. Mas na noite de 24 de abril de 1907, a maior parte das vinte e cinco mil lâmpadas a gás nas ruas de Manhattan não foram acesas. Os acendedores de lâmpadas deixaram as luzes apagadas e entraram em greve. Lâmpadas de óleo e gás sempre exigiram atenção pessoal, mas com a eletricidade, o toque do acendedor não era mais uma habilidade que tinha algum valor. Os primeiros postes elétricos na cidade de Nova York já haviam sido instalados no final do século XIX, mas dificilmente haviam tornado os acendedores de lâmpadas redundantes. Cada lâmpada foi equipada com seu próprio interruptor, que tinha que ser ligado manualmente. A eletrificação precoce tornou o trabalho mais fácil, já que os acendedores de lâmpadas não precisavam mais carregar tochas e escadas para acender as lâmpadas. Ainda assim, os homens que acendiam as lâmpadas a gás não eram os beneficiários do progresso. O domínio da luz que já havia permitido a um trabalhador para sustentar sua família, se tornou uma tarefa tão simples, que poderia ser feito “por meninos no caminho de volta para casa escola”. E como tantas vezes na história, “a simplificação foi apenas um passo em direção a automação”. Com o avanço da eletrificação, os trabalhos dos acendedores de lâmpadas eram cortados em grandes números e em 1927, os dois últimos acendedores de lampiões a gás deixaram seus postos, encerrando a história de sua profissão. Alguns certamente pagaram o preço pelo progresso. Mas ao longo do século XX, para a grande maioria dos cidadãos, a tecnologia foi o motor de seu progresso material. De modo geral, as condições de trabalho foram melhoradas, eliminando os trabalhos mais perigosos e 4 B. Reinitz, 1924, “The Descent of Lamp-Lighting: An Ancient and Honorable Profession Fallen into the Hands of Schoolboys,” New York Times, May 4. 5 Reinitz, 1929, “New York Lights Now Robotized,” New York Times, April 28. 15 empregos servis. Os trabalhadores perceberam que seus salários dependiam do uso de novas tecnologias. E eles se beneficiaram do fluxo contínuo de novos bens e serviços que foram colocados à sua disposição. A conquista do capitalismo, como Schumpeter (1942) observou, não consistia em fornecer “mais meias de seda para rainhas, mas em trazê-las ao alcance das operárias em troca para quantidades cada vez menores de esforço”. Quando as pessoas têm boas opções alternativas de trabalho, são menos propensos a se rebelar contra máquinas. O deslocamento do trabalho nunca é indolor, mas se as pessoas tiverem razão para acreditar que eles eventualmente sairão na frente, eles são mais propensos a aceitar a agitação sem fim no mercado de trabalho. Frey (2019) sugere que o crescimento explosivo de empregos de classe média nas indústrias de produção em massa do século XX foi um dos principais motivos pelos quais a mecanização foi permitida a progredir ininterruptamente. Ainda segundo o autor: “uma abundância de empregos na manufatura foi o melhor seguro-desemprego que as pessoas poderiam obter”. Sabemos que a nova tecnologia pode destruir empregos, criar outros inteiramente novos ou transformar radicalmentea natureza dos empregos que no papel parecem ser os mesmos. Se a mudança tecnológica for do tipo “substituta”, o crescimento da produtividade por si só pode não compensar seus impactos negativos sobre o emprego e os salários. As tecnologias “habilitadoras”, em contraste, não apenas aumentam a produtividade, mas também reintegram a mão-de-obra em tarefas, ocupações e setores totalmente novos (PIANTA, 2009). Neste período, uma onda de tecnologias “habilitadoras” e aumento do crescimento da produtividade permitiu às pessoas da classe trabalhadora subir na escada econômica. Automóveis e a eletricidade geraram novas indústrias gigantescas e com mais capital investido em máquinas, as empresas começaram a aumentar os salários para evitar que os trabalhadores partissem para empregos melhores em outro lugar (FREEMAN e SOETE, 2008[1997]). Pessoas no topo e na base da distribuição de renda viram seu padrão de vida melhorar enormemente, e, consequentemente, as pessoas de classe média aceitaram as remodelações no mercado de trabalho com a expectativa de que eles também se beneficiaram (FREY, 2019). O número cada vez maior de empregos semiqualificados criados nas fábricas dos Estados Unidos forneceu oportunidades abundantes, mesmo para aqueles que se encontraram deslocados. Os homens foram capazes de migrar dos campos para os empregos nas fábricas, mais agradáveis e melhor remunerados. Ao mesmo tempo, a mecanização da manutenção da 16 casa permitiu que as mulheres deixassem o trabalho doméstico não remunerado para trás por trabalhos em escritório (FREY, 2019, cap. 6). Alexopoulos e Cohen (2016) descobriram que as grandes invenções norte-americanas do período de 1909 a 1949 eram predominantemente do tipo “habilitadoras”. Alguns empregos foram claramente destruídos à medida que surgiam novos, mas, no geral, as novas tecnologias aumentaram enormemente as oportunidades de emprego. Surgiram novas indústrias, produzindo automóveis, aeronaves, tratores, maquinário elétrico, telefones, produtos domésticos, eletrodomésticos, e assim por diante, o que criou uma abundância de novos empregos. As vagas aumentaram e o desemprego diminuiu à medida que a tecnologia progredia. Os autores demonstram que o motor de combustão interna e a eletricidade fizeram mais para criar empregos do que outras tecnologias. Inovações que economizam mão de obra tiveram efeitos semelhantes na produtividade, mas não impulsionaram tanto o emprego, o que sugere que a eletricidade e o motor de combustão interna também colocavam os trabalhadores em empregos antes inimagináveis. Alexopoulos e Cohen (2016, p. 792) destacam: “em suma, mesmo que a economia estivesse sobrecarregada com atritos, imperfeições ou rigidez de preços e salários, eles foram insuficientes para compensar o impacto positivo da mudança técnica no emprego”. Assim, os economistas chegaram à conclusão de que este foi um período em que a tecnologia estava trabalhando no interesse do trabalho. Acemoglu e Restrepo (2018) chegam à mesma conclusão apontando que “a Segunda Revolução Industrial, [levou à] criação de novas tarefas de mão-de-obra intensiva”. Os autores ainda discorrem sobre a capacidade de a tecnologia criar novas ocupações, ao destacar que “essas tarefas geraram empregos para uma nova classe de engenheiros, mecânicos, reparadores, condutores, trabalhadores de retaguarda e gerentes envolvidos com a introdução e operação de novas tecnologias”. Paralelo à expansão das oportunidades da classe trabalhadora, observa-se o início da mudança na demanda por habilidades, que pode ser rastreada até a mudança para eletricidade e a remoção da máquina a vapor, o que levou a uma reorganização completa da produção e da mudança do padrão ocupacional (WYATT e HECKER, 2006). Tal fato fica mais evidente nas três décadas do pós-guerra (PIKETTY e ZUCMAN, 2014). As linhas de montagem da fábrica exigiam uma grande quantidade de trabalho humano, a eletrificação permitiu que muitas etapas 17 da produção fossem automatizadas. Isso, por sua vez, aumentou a demanda por trabalhadores relativamente qualificados para operar as máquinas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o movimento do ensino médio foi essencial para a transformação, à medida que o escritório entrava em uma onda de mecanização, com máquinas de escrever e calculadoras. Uma característica importante destas tecnologias é que, embora reduzam o custo de processamento de informações, eles aumentaram a demanda por trabalhadores com ensino médio. Para explicar este fenômeno Goldin e Katz (1998 e 2008) sugerem que a história do século XX, desde a eletrificação, tem sido “a corrida entre tecnologia e educação”. A rápida rotatividade no mercado de trabalho trouxe alguns problemas de ajuste. Mas no geral, no período até a década de 1970, a maioria das pessoas podia esperar ver seus salários aumentarem. Como as fábricas foram eletrificadas, alguns trabalhadores foram recolocados em tarefas de manutenção e transporte, mas a ampliação da mecanização significou que empregos mais produtivos e melhor remunerados surgiram para eles (FREY, 2019, cap. 8). Uma das maiores virtudes da Segunda Revolução Industrial foi a criação de empregos inteiramente novos para as pessoas comuns ao mesmo tempo em que disponibilizou novos bens para eles. A enxurrada de aparelhos elétricos que entraram nos lares americanos beneficiou as pessoas em sua capacidade, tanto como consumidores, quanto como produtores. É verdade que as relações entre trabalho e gestão desempenharam um papel em facilitar a transição, junto com o aumento dos salários dos trabalhadores e a melhoria das condições de trabalho em geral. A emergência do estado de bem-estar social, no pós-guerra, tornou mais suave o processo de ajustamento. 18 2.3. AS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX E AS PRIMEIRAS DO SÉCULO XXI Uma das maiores conquistas do século XX foi a criação de uma classe média diversificada e próspera. A seção anterior demonstrou que a tecnologia desempenhou um papel fundamental em seu surgimento. Nesta seção mostraremos o papel que desempenhou em sua queda. Vários fatores moldaram a trajetória dos salários das pessoas, mas ao longo da história a tecnologia tem se mostrado o fator determinante. Contudo, conforme argumenta Carl Frey (2019) “o topo se afastando do resto seria muito menos preocupante se o meio tivesse continuado a prosperar”. A ideia de que os trabalhadores qualificados têm sido os principais beneficiários do progresso tecnológico é em grande parte um fenômeno da segunda metade do século XX. Talvez a maior tragédia das três últimas décadas do século XX, é que grande parte da força de trabalho na verdade viu seu salário real cair. Na era de computadores, “as fileiras dos ricos cresceram, mas ao custo de uma classe média em declínio” (FREY, 2019; AUTOR, 2015; AUTOR e DORN, 2013). Nas últimas décadas, os empregos dos trabalhadores foram transformados em movimentos mecânicos. Tal especialização aumentou muito a produtividade nas fábricas norte- americanas, mas trouxe maior monotonia para o trabalhador. Deste ponto de vista, automação da fábrica pode ser considerada uma bênção porque significa que os robôs industriais, controlados por computadores, poderiam eliminar a necessidade de intervenção humana direta nas operações. Em vez de serem executadas por trabalhadores, muitas tarefas de rotina podem ser realizadas por robôs com maior grau de precisão. Por outro lado, estes trabalhos rotineiros eram os que empregavam grande parte da classe trabalhadora do mundo desenvolvido. Numerosos estudos têm mostrado que os trabalhos de rotina estavam esmagadoramente agrupados nesta classe tanto em habilidade quanto na distribuição de renda (GOOS, MANNING e SALOMONS, 2014; AUTOR e DORN, 2013; GOOS, MANNING e SALOMONS, 2009; GOOS e MANNING, 2007). Como as máquinas controladas por computador reduziram a necessidade detarefas de rotina, os trabalhadores da classe média viram seus empregos desaparecerem. Embora a automação substituísse os trabalhadores em alguns empregos, também criou novos. Robôs substituem trabalhadores em tarefas repetitivas, mas as máquinas também exigiam pessoal qualificado, capaz de programação, reprogramação e reparação. Engenheiros e programadores são uma consequência da automação. Assim, a erosão de antigos empregos 19 deu origem aos novos, em geral mais especializados, que demandam maior capacidade analítica. Como os computadores tornaram os “analistas” mais ricos, estes gastam uma porcentagem maior de sua renda em serviços pessoais que são difíceis de automatizar (FREY, 2019). Contudo a automação de certos empregos significa menos oportunidades para os que possuem ensino médio, então tem-se observado um fluxo de trabalhadores produtivos de setores automatizados para trabalhos de serviço de baixa produtividade. Isso significa que milhões de trabalhadores migraram para empregos onde o teto de produtividade é baixo e, consequentemente, seus salários ficaram defasados em relação aos dos analistas (AUTOR e DORN, 2013; ACEMOGLU e AUTOR, 2011). Como tem sido amplamente documentado, a educação reforçou a divisão entre aqueles que prosperam na nova economia e seus pares menos educados (GOLDIN e KATZ, 1998; KATZ e MARGO, 2013). Este padrão se torna ainda mais evidente quando olhamos como os trabalhadores se ajustaram à automação. Aqueles com habilidades analíticas migraram para os conjuntos de empregos de alta remuneração, enquanto as pessoas que carecem de habilidades valiosas caíram e estão competindo por empregos não qualificados e com salários cada vez menores (AUTOR, 2015; GOOS, MANNING e SALOMONS, 2014; AUTOR e DORN, 2013). Na era do pós-guerra, os trabalhadores das linhas de montagem que experimentaram deslocamento ainda puderam encontrar trabalho em outros trabalhos de rotina que exigiam habilidades semelhantes (FREY, 2019). Mas desde a “revolução do computador”, americanos desempregados que costumavam trabalhar em uma ocupação de rotina tornaram-se muito menos propensos a encontrar um novo emprego semelhante. Menos opções de trabalho, especialmente para trabalhadores com formação não universitária, levou a uma competição em cascata por empregos de baixa qualificação (AUTOR, 2015; AUTOR e DORN, 2013). Mesmo que os trabalhadores nos países desenvolvidos tenham se tornado muito mais produtivos, os salários reais têm estado estagnados e mais pessoas estão sem trabalho. Consequentemente, a participação do trabalho na renda nacional caiu (PIKETTY e ZUCMAN, 2014). Os lucros corporativos atingiram uma parcela cada vez maior de na renda nacional, enquanto a parcela destinada aos trabalhadores “médios” tem sofrido um decréscimo. Neste sentido, Katz e Margo (2013) destacam que os efeitos dos computadores no mercado de 20 trabalho hoje têm sido semelhantes aos que acompanharam a mecanização da fábrica no século XIX. Até agora, as novas tecnologias de computador não causaram desemprego secular, como tem sido tão temido. Embora as indústrias e ocupações perderam empregos devido à automação, as perdas de empregos foram compensadas pela criação de novas tarefas, clientes e fornecedores beneficiando-se de bens mais baratos e aumentos nos gastos gerais do consumidor. Contudo reduziram o tamanho da classe média e a participação do trabalho na renda. E, como a história ilustra, mesmo quando novos empregos estão sendo adicionados, pode levar muito tempo para os trabalhadores adquirirem as habilidades necessárias para mudar com sucesso para empregos emergentes. Ademais, tal qualificação tende a ser percebida nos salários dos trabalhadores apenas alguns anos depois. 21 3. O “FUTURO” DA CLASSE TRABALHADORA 3.1. ALGUMAS TENDÊNCIAS Apesar da intensidade do debate, nenhum consenso sobre “o futuro do trabalho” foi definido. No entanto, concomitante a esta revolução tecnológica, há um conjunto de aspectos socioeconômicos mais amplos, fatores geopolíticos e demográficos de mudança que podem ser ainda mais significativos e duradouros no mundo do trabalho (BALLIESTER e ELSHEIKHI, 2018). Um aspecto-chave do debate sobre o futuro do trabalho está centrado em se empregos suficientes serão criados nos próximos anos para todos aqueles que procuram trabalhar. Balliester e Elsheikhi (2018) apontam que um debate apaixonado floresceu em torno da pergunta “Como a rápida mudança tecnológica afetará o número de empregos?” Alguns engenheiros e os tecnólogos estão convencidos de uma transformação tecnológica em proporções com a Revolução Industrial (BRYNJOLFSSON e MCAFREE, 2011 e 2014). Outros estão céticos em relação a esta questão e acreditam que a inovação atingiu seu limite (GORDON, 2012). A maioria dos observadores parece concordar que a destruição de empregos tende a acelerar sob a impressão de mudanças tecnológicas (FREY e OSBORNE, 2013; ARNTZ, GREGORY e ZIERAHN, 2016). Em contrapartida, pouco se sabe sobre o potencial de criação de novos empregos. Para que esses novos empregos apareçam, muitos comentam sobre a necessidade de novos mercados a serem desenvolvidos e regulamentados (DOSI e VIRGILLITO, 2019). O temor é que esse processo não aconteça rápido o suficiente. Portanto, o número de empregos pode cair mais rápido do que a força de trabalho global quando os empregos existentes são substituídos por automação e outros sistemas operados por inteligência artificial. Em ampla revisão sobre o tema Balliester e Elsheikhi (2018) destacam cinco dimensões nas quais as mudanças atuais impactarão o mundo do trabalho: (1) o futuro dos empregos (refere-se à criação e destruição de empregos ou composição futura da força de trabalho); 22 (2) sua qualidade (a qual discute sobre novas formas de emprego e como podem afetar as condições de trabalho no futuro); (3) desigualdade de salários e renda (destaca como o futuro distribuições de salários e renda entre as famílias podem se desenvolver levando em consideração uma série de determinantes); (4) sistemas de proteção social (abrangendo questões de sustentabilidade decorrentes de diversos fatores como o envelhecimento da população e novas formas de emprego); (5) e diálogo social e relações laborais (a qual discute como as instituições podem responder às mudanças dinâmicas contidas no futuro do trabalho). Nossa argumentação está centrada nas dimensões (1) e (3). A seguir, alguns trabalhos importantes estão sendo revisados sobre como o número de empregos pode evoluir no futuro bem como a distribuições de salários e renda entre as famílias é impactada pela mudança tecnológica. Dentre os trabalhos sobre o tema, o estudo feito por Frey e Osborne (2013 e 2017). Esse estudo examinou o quão suscetíveis os empregos são à informatização. Para isso, foi implementado uma nova metodologia para estimar a probabilidade de informatização para 702 ocupações detalhadas. Como resultado, cerca de 47% do total de empregos nos EUA foram apontados como sujeitos a automatização. Vale ressaltar que também foram encontradas evidências de que os salários e a escolaridade exibem uma forte relação negativa com probabilidade de uma ocupação ser afetada pela informatização (FREY e OSBORNE, 2013 e 2017). Os resultados de Frey e Osborne foram convertidos para outros países em novos estudos. A consultoria Deloitte (2015a) estimou que no Reino Unido 35% dos empregos poderiam ser automatizados nos próximos anos ou décadas. Para a Suíça foi descoberto que 48% dos empregos estavam na faixa de alto risco de automação, segundo a mesma consultoria (DELOITTE, 2015b). Já para o Canadá foi estimado que 42% da força de trabalho está sob alto risco de automação entre os próximos dez e vinte anos, o estudo foi realizado pelo Brookfield Institute (2016). 23 Para o Brasil, utilizando o modelo de Freye Osborne (2017), Lima et al. (2019) estimaram que a automação afetará fortemente o futuro do emprego nas próximas décadas, dado que 60% dos trabalhadores se encontram em ocupações que devem sofrer um alto impacto. Contudo o mesmo estudo faz diversas ressalvas quanto a adaptação feita do modelo utilizado à realidade brasileira, dada a heterogeneidade de ocupações e acesso a dados representativos da realidade laboral do país. Albuquerque et al., (2019) também buscaram reproduzir a metodologia de Frey e Osborne para estimação das probabilidades de automação das ocupações no Brasil. O resultado encontrado corrobora os achados de trabalhos correlatos da literatura especializada, isto é, apontaram que boa parte das ocupações pode ser automatizada nos próximos anos. Segundo os autores essas estimativas “são de potencial importância para os formadores de políticas públicas e profissionais por ser passível de nortear a carreira de trabalhadores, bem como definir cursos prioritários que as instituições de ensino deveriam oferecer visando maximizar as oportunidades de emprego no país”. Já o McKinsey Global Institute (MGI, 2017b) estimou o impacto da automação focando em atividades e não em ocupações. A consultoria descobriu que 50% das atividades realizadas no Brasil poderiam ser automatizadas utilizando a tecnologia disponível (na data de publicação do estudo). Ao focarem em habilidades ao invés das tarefas das ocupações Arntz, Gregory e Zierahn (2016) estudaram 21 países da OCDE e descobriram que, em média, 9% dos empregos têm alto risco de serem automatizados. O risco vai de 12% em países como Alemanha e Espanha a 6% na Coréia do Sul e Estônia. Essa discrepância, de acordo com os autores, pode ser um reflexo das diferenças gerais das organizações de trabalho, ou devido ao nível educacional desses trabalhadores em todos os países. Nedelkoska e Quintini (2018) ampliaram o estudo para 32 países da OCDE e estimaram que 14% dos empregos são altamente automatizáveis. Os valores variam de 6% para a Noruega até 33% na Eslováquia. No setor de transportes, por exemplo, muitos trabalhos correm o risco de serem automatizados. De acordo com Estevadeordal et al. (2017) a automação destes trabalhos pode trazer consequências consideráveis sobre o número de empregos e desigualdade de renda. Segundo os pesquisadores, a automação do transporte significa que 13% da população mundial economicamente ativa pode perder o emprego. 24 Ao mesmo tempo, os setores de manufatura permanecem altamente suscetíveis à automação. Relatório produzido por Chang, Rynhart e Huynh (2016) sugere que 60% dos postos de trabalho relacionados à indústria de eletroeletrônicos podem ser automatizados em países do sudeste asiático, como Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã. Para a indústria têxtil, de vestuário e calçados este número pode ser de 80% no Camboja e no Vietnã, segundo o mesmo relatório. Este possível declínio foi observado por Bessen (2018) para economias desenvolvidas, especialmente EUA. O autor argumenta que no setor de manufatura a tecnologia reduziu drasticamente os empregos nas últimas décadas. O modelo desenvolvido pelo pesquisador demonstra a ascensão e queda do emprego nas indústrias têxtil, siderúrgica e automobilística, sugerindo a saturação destas indústrias. Tal experiência demonstra uma possibilidade para países em desenvolvimento. O setor agrícola tende a ser afetado também pela nova revolução em curso. Fraser e Charlebois (2016) explanam sobre a possibilidade de aplicação da "Internet das Coisas” sobre processos agrícolas. O trabalho de West (2015)6 estima que para os Estados Unidos atividades como agricultura, silvicultura, pesca e caça, podem eliminar cerca de duzentos e vinte e três mil empregos até 2022 devido à automação. Embora a maioria dos estudos se concentre na questão da perda potencial de empregos, poucos reconhecem o potencial de novas tecnologias na criação de novos empregos. Balliester e Elsheikhi (2018) sugerem que, em parte, isso pode resultar do fato de que é mais simples prever o futuro dos perfis de trabalho que existem atualmente do que imaginar quais novos empregos podem existir no futuro. Nesse sentido, Luksha et al. (2015) apresentam um estudo em que especulam sobre as futuras indústrias e ocupações que podem surgir com as tecnologias atuais. Mais concretamente, os autores conduzem uma análise de cenário no nível da indústria investigando os efeitos da tecnologia nos empregos russos até 2030. Enquanto eles descobrem que vários empregos se tornarão obsoletos em um futuro próximo, o potencial de criação de empregos supera as perdas que virão. Devido às mudanças de tecnologias, novas práticas de trabalho e necessidades dos consumidores, novos empregos serão criados e os atuais serão ajustados. 6 WEST, D. (2015). What Happens If Robots Take the Jobs? The Impact of Emerging Technologies on Employment and Public Policy, (Washington, D.C., Brookings). Citado em BALLIESTER e ELSHEIKHI, 2018. 25 Conforme citado anteriormente, simultaneamente a esses avanços tecnológicos estão outros motores de mudança que podem afetar os empregos, como mudanças climáticas e demografia. Paralelo a destruição de ocupações vinculadas a setores de energias fósseis, conforme os padrões de consumo mudam, as “ocupações verdes devem crescer”. Nos Estados Unidos, até 2020, são esperadas a criação de empregos em ocupações como auditores de energia (cerca de duzentos mil novos postos de trabalho), técnicos em células de combustível (quase cem mil novas vagas) e analistas de mudanças climáticas (cerca de quarenta mil profissionais) (POLLIN et al., 20147). Apesar de serem poucos novos postos de trabalho, visto toda a economia, os exemplos citados demonstram um possível caminho a ser seguido. No entanto, este processo de destruição e substituição de empregos pode ser distribuído por um longo período de tempo resultando em um período de baixos salários e implementação lenta de tecnologia. Tradicionalmente, a mudança tecnológica era vista como um fator neutro, porém com a introdução em grande escala das TIC’s, alguns comentaristas afirmam que a mudança tecnológica se tornou tendenciosa e esvaziou o mercado de trabalho (BALLIESTER e ELSHEIKHI, 2018). Paralelo à mudança tecnológica, fatores econômicos e geopolíticos (ACEMOGLU e ROBINSON, 2012) contribuíram para a diminuição da contribuição do trabalho na renda nacional como observado por Piketty e Zucman (2014). Acemoglu e Autor (2010) argumentam que as tendências tecnológicas atuais devem corroer ainda mais os empregos da classe média, levando a um aprofundamento da polarização do trabalho. Autor e Dorn (2013) e Goos, Manning e Salomons (2014) constataram que nos Estados Unidos e na Europa a “polarização” do emprego por nível de habilidade tem sido, entre todos os tipos de ocupações, a principal causa da desigualdade na renda salarial. Arntz, Gregory e Zierahn (2016), por sua vez, descobriram que apesar das diferenças, a principal característica de todos os países da OCDE é que a capacidade de automação frequentemente diminui com o nível de educação bem como a renda dos trabalhadores. Para todos os tipos de empregados, os autores sugerem que “os indivíduos de baixa qualificação e renda são os que enfrentam um maior risco de terem seus postos de trabalho automatizáveis”. 7 POLLIN, R. et al. (2014). Green Growth: A U.S. Program for Controlling Climate Change and Expanding Job Opportunities, Energy and Environment (Washington, D.C, Centre of American Progress). Citado em BALLIESTER e ELSHEIKHI, 2018. 26 Acemoglu e Restrepo (2018) descobriram que a automação nos Estados Unidos está negativamente correlacionada com emprego e salários entre 1990 e 2007. Este efeito, de acordo com os autores, é mais pronunciado na manufatura, particularmente em ocupações manuais, em tarefas rotineiras cognitivase para trabalhadores sem formação universitária. Já Mann e Püttmann (2018) concluíram que, embora a automação reduza o emprego industrial, aumenta o emprego no setor de serviços e, em geral, tem um impacto positivo no emprego. Contudo o setor de serviços está tradicionalmente ligado às ocupações com menores rendimentos. Apresentando uma visão semelhante sobre o tema Bessen (2016) argumenta que as novas tecnologias devem ter um efeito positivo sobre o emprego se melhorarem a produtividade em mercados em que há uma grande quantidade de demanda reprimida. Já em trabalho posterior (BESSEN, 2018) sugere a saturação das indústrias têxtil, siderúrgica e automobilística, o que em contrapartida permitiria a ascensão de novos mercados, em especial o setor de serviços. Os cenários sobre o futuro do trabalho são os mais diversos. Se assumirmos que as máquinas só podem ser substitutas de tarefas de rotina, então “o resultado provavelmente será otimista ou menos pessimista”. A literatura sugere que a questão se dá por duas razões: (1) porque existem classes de ocupações que não serão totalmente automatizadas. Autor (2015) argumenta que tarefas que não podem ser substituídas pela automação geralmente é complementada por ela. Neste sentido mesmo que a robótica começasse a deslocar um grande número de trabalhadores, empregos dependentes de características humanas, tais como criatividade e inteligência emocional, podem se tornar mais numerosos; (2) porque é possível a introdução de novas tarefas em que o trabalho tem uma vantagem comparativa, o que pode compensar a perda de ocupações devido à automação. Ademais, conforme destacado por Acemoglu e Restrepo (2018), a viabilidade técnica não implica necessariamente em viabilidade econômica. Isto é, para que empregos humanos sejam substituídos por máquinas, a mudança do processo produtivo deve ser comparativamente mais lucrativa. Além desta questão, alguns estudos sugerem que as preferências por interação humana em certas indústrias, como cuidados e educação de idosos, podem impedir que certas ocupações sejam automatizadas. 27 O Quadro 01, preparada por Lladós (2019), ilustra as principais conclusões encontradas na literatura visitada, a qual nos mostra que o progresso tecnológico apresenta essencialmente uma tendência a substituir tarefas rotineiras, enquanto a complementaridade das habilidades exigidas será definida por sua natureza cognitiva ou manual. Quadro 01 - Impacto esperado da mudança tecnológica Tipo de ocupação (de acordo com a intensidade da habilidade) Impacto esperado no número de ocupações Impacto esperado na massa salarial Cognitivo não rotineiro Positivo Positivo Rotinas manuais e cognitivas Negativo Negativo Manuais não rotineiros Positivo Negativo Fonte: Adaptado de Lladós (2019, p. 4) Desta forma, a literatura sugere que a tecnologia melhore as perspectivas de emprego das pessoas que atuem em tarefas não rotineiras e que envolvem habilidades cognitivas, dada a complementaridade entre trabalho e tecnologia. O cenário é menos propício para tarefas de rotina que podem ser substituídas por automação digital, sejam as que requerem habilidades mentais ou manuais. O risco de automação seria menor para empregos definidos por um conjunto de tarefas que, apesar de manuais, não são rotineiras, pois não são facilmente automatizáveis e por poderem ser ocupadas por trabalhos de baixa qualificação e com menor remuneração. Neste sentido, a literatura sugere a manutenção da tendência de polarização crescente do mercado de trabalho, com uma demanda relativamente mais baixa de níveis de qualificação intermediários, paralelo a um aumento na desigualdade da renda salarial em favor de um trabalho mais qualificado. Tal questão é justificada por uma maior demanda relativa de trabalhadores com maior escolaridade, além do descompasso existente no mercado de trabalho entre a oferta e a demanda de competências. 28 3.2. DESAFIOS E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS As incertezas quanto aos impactos do progresso técnico sobre a sociedade não é algo exclusivo de nosso tempo. Mokyr, Vickers e Ziebarth (2015) denominam tal questão de “ansiedade tecnológica”, e apresentam três vertentes para tal questão: a primeira diz respeito a substituição generalizada de mão de obra por máquinas; a segunda trata das implicações sobre o bem-estar humano frente a tais transformações; já a terceira se opõe as anteriores argumentar a desaceleração do progresso tecnológico – a lá Robert Gordon (2012). Se por um lado, as novas tecnologias ameaçam as formas estabelecidas de se fazer as coisas, por outro, elas oferecem novas oportunidades de crescimento econômico e mudança social. Historicamente a tecnologia provou ser um formidável motor de crescimento e permitiu melhorias muito significativas nas condições de vida. Ademais avanços tecnológicos resultaram em efeitos líquidos positivos sobre o emprego. Contudo, o preço do progresso variou muito ao longo da história. Muitas vezes esquecemos que durante a extraordinária tendência de crescimento que começou na Inglaterra do século XVIII, milhões de pessoas estavam se adaptando a mudança. Assim como a tecnologia progrediu nos primeiros dias da industrialização, os padrões de vida de muitos regrediram. Palavras como "fábrica", "ferrovia”, “máquina a vapor” e “indústria” surgiram pela primeira vez. Mas também “classe trabalhadora”, “comunismo”, “greve”, “ludita” e “pauperismo” (HOBSBAWM, 19628). As tecnologias estão se difundindo muito mais rápido agora do que no passado. Demorou em média doze décadas para o fuso para difundir fora da Europa, em contraste, a Internet se espalhou por todo o globo em apenas sete anos (CITI GPS, 2015). Ademais a questão atual é que automação está acontecendo em um período de crescimento econômico desigual, aumentando os temores de desemprego tecnológico em massa e um apelo renovado por políticas e esforços para lidar com as consequências da mudança tecnológica, o que poderia levar ao surgimento da chamada “classe inútil”, a lá Harari9, de indivíduos que não são capazes de trabalhar porque suas profissões tornaram-se obsoletas (GENTILI et al., 2020). 8 HOBSBAWM, Eric (1962) The Age of Revolution: Europe 1789–1848. Citado em FREY, 2019. 9 HARARI, Yuval (2015) Sapiens: uma breve história da humanidade. 29 Na visão de Dosi e Virgillito (2019) uma abordagem reducionista sobre a temática se vale do repertório econômico mainstream, através de modelos de equilíbrio, onde no longo prazo, o sistema se auto ajustará, com todo o desemprego sendo friccional ou voluntário, aumentando os salários para aqueles que realizam tarefas complementares às tecnologias, e redução de salários para aqueles que realizam tarefas substituíveis. Os últimos são de certa forma responsáveis por não estarem adequados ao que o mercado está lhes pedindo, então eles devem ser capazes de se atualizarem de alguma forma. Contudo o sistema econômico é algo mais complexo e heterogêneo, além do fato de ser dinâmico e não estático. O desequilíbrio constante é a tônica do sistema capitalista. Neste sentido os comentaristas sugerem uma abordagem que englobe outros fatores, como as tendências já estabelecidas, os possíveis impactos das novas tecnologias e todo o arcabouço institucional daquela sociedade, que vai de regulamentações, estabilidade jurídica e atuação do Estado. Dosi e Virgillito (2019) comentam ainda que os impactos das mudanças tecnológicas têm de ser avaliados muito além das taxas de crescimento da renda nacional. Sobre esta questão “(...) bem-estar e condições de trabalho, igualdade em oportunidades, mobilidade social e qualidade de vida são, pelo menos, senão mais, igualmente importantes.” Mas a incerteza sobre o que esperar desta revolução permanece, e os observadores regularmente são vítimas de ataques de otimismo ou pessimismo sobre ofuturo do trabalho. Dosi e Virgillito (2019), parafraseando Christopher Freeman, argumentam que “As novas tecnologias podem anunciar uma economia de esperança, com trabalho para todos e com inclusão e igualdade social, ou inversamente, desemprego, desigualdade em massa e exclusão social”. A deterioração da classe média, derivada dentre outros fatores da polarização do trabalho, se mostra como um dos principais desafios sociais das próximas décadas. Destacamos três consequências: (1) o aumento da desigualdade, per se; (2) os riscos inerentes ao equilíbrio macroeconômico; e (3) a polarização política. O aumento da desigualdade no mundo é indiscutível e pode ser parcialmente explicado por mudança tecnológica enviesada por habilidade. A mudança tecnológica tendenciosa significa que novas tecnologias aumentam a demanda por trabalhadores com habilidades mais sofisticadas, em relação àqueles sem essas habilidades. 30 Nos EUA, o prêmio da faculdade começou a aumentar no final dos anos 1970. Entre 1980 e 2005, cerca de dois terços do aumento na dispersão dos lucros pode ser explicado pelo prêmio concedido à educação. Habilidades cognitivas, especialmente, são hoje recompensadas nos mercados de trabalho de todas as 22 economias da OCDE, embora haja dispersão (AUTOR, 2014). Ao mesmo tempo, a proliferação de tecnologias digitais reduziu a demanda para trabalhadores em uma ampla gama de tarefas de manufatura e de escritório. O resultado: o declínio secular no emprego em empregos tradicionais de renda média, acompanhado por uma mudança estrutural no mercado de trabalho, com realocação de trabalhadores para empregos de baixa renda que são menos suscetíveis à automação, agravando ainda mais a desigualdade de renda (GOOS, MANNING e SALOMONS, 2014; AUTOR e DORN, 2013; GOOS, MANNING e SALOMONS, 2009). Assim, a desigualdade entre os qualificados e os não qualificados tende a subir, a menos que o sistema educacional produza trabalhadores qualificados em um ritmo maior do que a tecnologia aumenta a demanda por eles. Deste modo uma ampla coordenação política se faz necessário, não apenas voltada para educação, mas para focos educacionais específicos, os quais devem ser capazes de suprir a demanda tecnológica. As tecnologias digitais facilitam a substituição do capital pelo trabalho. Embora essa substituição ajude a produtividade, ela não aumenta os salários. Em vez disso apenas aumenta a participação do capital na receita, levando a uma maior concentração de fortuna. Como resultado, enquanto a desigualdade de renda está aumentando, a concentração de riqueza também é impressionante (PIKETTY, 2014; PIKETTY e ZUKERMAN, 2014). Como reflexo do aumento do capital na participação da renda, beneficiando aqueles com menor propensão a consumir, e com tecnologias passíveis de substituir mão de obra pouco qualificada, a desigualdade de renda já crescente provavelmente é exacerbada. O resultado: redução de gastos na economia e uma demanda agregada permanentemente menor. Neste sentido alguns comentaristas argumentam que a crescente desigualdade pode levar a um período de estagnação secular (CITI GPS, 2015). Deste modo, políticas redistributivas devem ter suas discussões ampliadas nos próximos anos. Neste sentido, é importante ressaltar que nos EUA, o esvaziamento de empregos de renda média e o aumento da desigualdade de renda foi acompanhado por aumentos 31 consideráveis em endividamento, o que ajudou a sustentar os níveis de consumo. Pesquisadores do Citi GPS (2015) sugerem que o aumento da dívida das famílias norte-americanas que culminou na crise financeira de 2007 foi sem dúvida mais cara do que políticas de redistribuição para reduzir o problema subjacente: a desigualdade de renda. Do ponto de vista macroeconômico, políticas de redução da desigualdade e de crédito ex-ante seriam, portanto, preferíveis a resgates ex-post ou reestruturações da dívida. Embora o recente aumento da desigualdade possa não ter sido a única causa da crise financeira, é um risco para a estabilidade macroeconômica (CITI GPS, 2015). Outra preocupação é que a desigualdade econômica muitas vezes resulta em desigualdade política. Como argumentam Acemoglu e Robinson (2012), a influência que aqueles com grande riqueza exercem sobre políticos e legisladores é uma maneira infalível de deteriorar instituições inclusivas. Comunidades que têm visto empregos na manufatura desaparecerem, devido à automação ou globalização, também observam serviços públicos deteriorar, maiores aumentos nos crimes contra a propriedade e crimes violentos e piores resultados de saúde. Tais comunidades viram as taxas de mortalidade aumentarem devido a suicídio e relacionadas ao álcool (doença hepática). As taxas de mobilidade social são significativamente menores em lugares onde os empregos de classe média evaporaram (FREY, 2019, cap. 10). Alguns observadores acreditam que os ganhos de produtividade foram desproporcionalmente alocados a trabalhadores altamente qualificados. E onde os empregos desapareceram, pessoas tornaram-se mais propensos a votar em candidatos populistas. Frey (2019) aponta que alguns estudos têm mostrado que tanto nos EUA e na Europa, o apelo do populismo foi maior onde empregos tornaram-se mais expostos à automação10. Além disso, o crescimento do comércio com as economias em desenvolvimento pode ter exacerbado a desigualdade de rendimentos ao diminuir os salários da mão-de-obra pouco qualificada nas economias desenvolvidas. Como resultado, os movimentos populistas vêm ganhando força nos últimos anos, aumentando o temor de um período de desglobalização. 10 Por exemplo: C. B. Frey, T. Berger, and C. Chen, 2018, “Political Machinery: Did Robots Swing the 2016 U.S. Presidential Election?,” Oxford Review of Economic Policy 34 (3): 418–42.; M. Anelli, I. Colantone, and P. Stanig, 2018, “We Were the Robots: Automation in Manufacturing and Voting Behavior in Western Europe” (working paper, Bocconi University, Milan, Italy). 32 Dosi e Virgillito (2019) discutem o impacto das transformações tecnológicas sobre a dinâmica atual do “tecido socioeconômico”, especialmente no que diz respeito ao emprego, distribuição de renda, condições e relações de trabalho. O argumento dos autores caminha na direção de que o momento atual, no que tange a democracia, nos coloca em posição de escolha, segundo nossa interpretação, do futuro pacto social. Neste sentido destacamos como oportunidade o desenvolvimento de um novo pacto social, onde o dividendo tecnológico é distribuído de forma equânime, a lá Keynes11. 11 KEYNES, John (1931) Economic Possibilities for our Grandchildren. 33 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As incertezas quanto aos impactos do progresso técnico sobre a sociedade não é algo exclusivo de nosso tempo. Historicamente, avanços tecnológicos resultaram em efeitos líquidos positivos sobre o emprego. Por exemplo, a literatura não encontrou evidências de que o desemprego tecnológico ocorreu em grande escala durante a primeira revolução industrial, quando a mecanização substituiu algumas atividades humanas (MOKYR, 1997). Da mesma forma, a literatura, ao discutir o final do século XIX e início do século XX, descobriu uma relação positiva entre choques tecnológicos e o emprego agregado a curto e médio prazo mesmo na presença dos atritos presentes ao longo do processo de ajustamento (ALEXOPOULOS e COHEN, 2016). Durante as três décadas pós-guerra, produtividade, empregos e salários aumentaram, gerando efeitos positivos no bem-estar e na distribuição de riqueza (PIKETTY e ZUCMAN, 2014). Paralelo ao aumento dos postos de trabalho foi observado a mudança do padrão ocupacional, com ampliação de trabalhos cognitivos em detrimento de ocupações manuais (WYATT e HECKER, 2006). A maioria dos economistas reconhece que o progresso tecnológico pode causar alguns problemas de ajuste a curtoprazo. O que raramente é notado é que o curto prazo pode durar toda a vida. E, finalmente, a longo prazo depende das escolhas políticas feitas a curto prazo. Ao compreender os desafios associados, os riscos podem ser mitigados e, aproveitando as oportunidades, os benefícios da digitalização podem ser maximizados. Existem padrões amplos com os quais podemos aprender. Frey (2019) argumenta que quando o progresso tecnológico é substituição do trabalho, a história nos diz, hostilidade e convulsão social é mais provável que siga. Quando o progresso é do tipo habilitador, em contraste, e os ganhos do crescimento são mais amplamente compartilhados, tende a ser maior aceitação de novas tecnologias. Em uma visão otimista, é possível que estejamos à beira de uma série de avanços tecnológicos que criarão uma abundância de novos empregos para pessoas de classe média. No entanto, a evidência empírica das últimas décadas aponta na direção oposta, e há boas razões para pensar que as tendências atuais continuarão pelo menos por algum tempo, a menos que políticas sejam implementadas para neutralizá-las. Deste modo o desafio mais sério, sugerimos, não reside na tecnologia em si, mas na área da economia política. No século XX, os governos assumiram uma responsabilidade mais 34 ampla para aliviar alguns dos custos de ajuste impostos à classe trabalhadora. O movimento trabalhista, incluindo seu ramo político, de fato aceitou a tecnologia como o motor do crescimento, mas insistiu em criar um sistema de bem-estar para fornecer garantia confiável a todos os membros da sociedade de que sua renda pessoal não cairia abaixo de um certo nível, tornando as perdas pessoais mais restritas. E a riqueza recém gerada pela industrialização permitiu mais gastos, tornando mais fácil para a sociedade compensar os menos favorecidos. Nesse sentido, políticas que visam aumentar a apropriação pelos trabalhadores dos ganhos da tecnologia, em termos de maior remuneração salarial, redução da jornada de trabalho e maior autonomia na organização de suas atividades laborais, são urgentes e necessárias. Adicionalmente, políticas redistributivas aumentando a progressividade tributária e direcionadas para a erosão da renda precisam ser discutidas. Finalmente, políticas industriais que fomentem o desenvolvimento de setores de atividades capazes de absorver mão de obra, e ao mesmo tempo proporcionar bons empregos e maiores rendimentos, podem representar um caminho alternativo à tendência atual de polarização do trabalho. 35 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACEMOGLU, Daron; AUTOR, David. Skills, Tasks and Technologies - Implications for Employment and Earnings. Handbook of Labor Economics 4(16082). 2010. ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. The Race between Man and Machine: Implications of Technology for Growth, Factor Shares, and Employment. American Economic Review 108 (6): 1488–542. 2018. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. ALBUQUERQUE, P.; SAAVEDRA, C.; MORAIS, R.; ALVEZ, P.; YAOHAO, P. Na era das máquinas, o emprego é de quem? Estimação da probabilidade de automação de ocupações no Brasil. Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea. 2019. ALEXOPOULOS, Michele; COHEN, Jon. The Medium Is the Measure: Technical Change and Employment, 1909–1949. Review of Economics and Statistics 98 (4): 792–810. 2016. ARNTZ, Melanie; GREGORY, Terry; ZIERAHN, Ulrich. The Risk of Automation for Jobs in OECD Countries. OECD Social, Employment and Migration Working Paper 189, Organisation of Economic Co-operation and Development, Paris. 2016. AUTOR, David. Skills, Education, and the Rise of Earnings Inequality among the “Other 99 Percent”. Science 344 (6186): 843–51. 2014 AUTOR, David. Why Are There Still So Many Jobs? The History and Future of Workplace Automation. Journal of Economic Perspectives 29 (3): 3–30. 2015. AUTOR, David; DORN, David. The Growth of Low-Skill Service Jobs and the Polarization of the US Labor Market. American Economic Review 103 (5): 1553–97. 2013. BALLIESTER, Thereza; ELSHEIKHI, Adam. The Future of Work: A Literature Review. Research Department Working Paper n°29. ILO. 2018. BESSEN, James. Automation and Jobs: When Technology Boosts Employment. Law and Economics Paper 17-09, Boston University School of Law. 2018. 36 BESSEN, James. How Computer Automation Affects Occupations: Technology, Jobs, and Skills. Boston Univ. School of Law, Law and Economics Research Paper No. 15-49. 2016. BROOKFIELD INSTITUTE. The talented Mr. Robot: the impact of automation on Canada’s workforce. 2016. BRULAND, Kristine; MOWERY, David. Innovation Through Time. In: The Oxford Handbook of Innovation. Oxford: Oxford University Press. 2009. BRYNJOLFSSON, Eric; MCAFEE, Andrew. The second machine age: work, progress, and prosperity in a time of brilliant technologies. New York: Norton, 2014. BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. Race Against the Machine: how the digital revolution is accelerating innovation, driving productivity, and irreversibly transforming employment and the economy. Digital Frontier Press. Lexington, Massachusetts, 2011. CHANG, Jae-Hee; RYNHART, Gary; HUYNH, Phu. How technology is changing jobs and enterprises - Full report. ILO. 2016. CHENNELLS, Lucy; REENEN, John. Has technology hurt less skilled workers? A survey of the micro-econometric evidence. No W99/27, IFS Working Papers from Institute for Fiscal Studies. 1999. CITI GPS. Technology At Work: The Future of Innovation and Employment. Citi Global Perspectives & Solutions. 2015. CLARK, Gregory. A Farewell to Alms: A Brief Economic History of the World. Princeton; Oxford: Princeton University Press. 2007. DELOITTE. From Brawns to Brains: The Impact of Technology on Jobs in the UK. 2015a. DELOITTE. Man and Machine: Robots on the rise? The impact of automation on the Swiss job Market. 2015b. DOSI, Giovani; VIRGILLITO, Maria. ¿Hacia dónde evoluciona el tejido social contemporáneo? Nuevas tecnologías y viejas tendencias socioeconómicas. Revista Internacional del Trabajo, 138: 639-674. 2019. 37 ESTEVADEORDAL, A. et al. The Future of Work in Latin American Integration 4.0. in Integration and Trade Journal, Vol. 21, No. 42. 2017. FRASER, Evan; CHARLEBOIS, Sylvain. Automated Farming: Good News for Food Security, Bad News for Job Security? Disponível em: https://www.theguardian.com/sustainable-business/2016/feb/18/automatedfarming-food- security-rural-jobs-unemployment-technology [03/04/2021]. 2016. FREEMAN, Christopher; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial. Campinas, SP: Unicamp, 2008 [1997]. FREY, Carl. The Technology Trap: Capital, Labor, and Power in the Age of Automation. Princeton University Press, 2019 FREY, Carl; OSBORNE, Michael. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation? Oxford: Oxford Martin School. 2013. FREY, Carl; OSBORNE, Michael. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?. Technological Forecasting and Social Change, 114, 254-280. 2017. GENTILI, A.; COMPAGNUCCI, F.; GALLEGATI, M.; VALENTINI, E. Are machines stealing our jobs?, Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, Volume 13, Issue 1, March. 2020. GOLDIN, Claudia; KATZ, Lawrence. The Origins of Technology-Skill Complementarity. The Quarterly Journal of Economics 113 (3) (August 1): 693–732. 1998. GOLDIN, Claudia; KATZ, Lawrence. The Race between Technology and Education. Cambridge, MA: Harvard University Press. 2008. GOOS, Maarten; MANNING, Alan. Lousy and Lovely Jobs: The Rising Polarization of Work in Britain. Review of Economics and Statistics 89 (1): 118–33. 2007. GOOS, Maarten; MANNING, Alan; SALOMONS, Anna. Explaining Job Polarization: Routine-Biased Technological Change and Offshoring.American Economic Review 104 (8): 2509–26. 2014. 38 GOOS, Maarten; MANNING, Alan; SALOMONS, Anna. Job Polarization in Europe. American Economic Review 99 (2): 58–63. 2009. GORDON, Robert. Is U.S. Economic Growth Over? Faltering Innovation Confronts the Six Headwinds. NBER Working Paper No. 18315. 2012. KATZ, Lawrence; MARGO, Robert. Technical Change and the Relative Demand for Skilled Labor: The United States in Historical Perspective. Working Paper 18752, National Bureau of Economic Research, Cambridge, MA. 2013. LANDES, David. Prometeu desacorrentado. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2005. (1a ed., Cambridge University Press, 1969). LIMA, Y.; STRAUCH, J.M.; ESTEVES, M.G.P.; SOUZA, J.M. de; CHAVES, M.B.; GOMES, D.T. O Futuro do Emprego no Brasil: Estimando o Impacto da Automação. Laboratório do Futuro - UFRJ, Rio de Janeiro. 2019. LLADÓS, Josep. ¿Nos robarán los robots los puestos de trabajo? Un vistazo al mercado laboral en España. Oikonomics Revista de los Estudios de Economía y Empresa N.º 12. Universitat Oberta de Catalunya. 2019. LUKSHA, P.; PESKOV, D.; LUKSHA, E.; VARLAMOVA, D.; SUDAKOV, D.; KORICHIN, D. The Atlas of Emerging Jobs (2.0) [Computer software]. Moscow, Skolkovo. 2015. MANN, Katja; PÜTTMANN, Lukas. Benign Effects of Automation: New Evidence from Patent Texts. SSRN Electronic Journal. 2018. MGI. A future that works: automation, employment and productivity. McKinsey Global Institute. 2017a. MGI. Jobs lost, jobs gained: workforce transitions in a time of automation. McKinsey Global Institute. 2017b. MOKYR, Joel; VICKERS, Chris; ZIEBARTH, Nicola. The History of Technological Anxiety and the Future of Economic Growth: Is This Time Different?. Journal of Economic Perspectives, 29 (3): 31-50. 2015. 39 MORKYR, Joel. The Gifts of Athena: Historical Origins of the Knowledge Economy. Princeton and Oxford: Princeton University Press. 2002. MORKYR, Joel. The Political Economy of Technological Change: Resistance and Innovation in Economic History. 1997. NEDELKOSKA, Ljubica; QUINTINI, Glenda. Automation, skills use and training. OECD Social, Employment and Migration Working Papers 202. 2018. PEREZ, Carlota. Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages. Edward Elgar, Cheltenham, UK, 198p. 2002. PIANTA, Mario. Innovation and employment. In The Oxford handbook of innovation. Oxford: Oxford University Press. 2009. PIKETTY, Thomas; ZUCMAN, Gabriel. Capital is Back: Wealth-Income Ratios in Rich Countries 1700–2010. The Quarterly Journal of Economics, Volume 129, Issue 3, Pages 1255–1310, august. 2014. RICARDO, David. [1821] Princípios de economia política e tributação. 3a ed. São Paulo: Nova Cultural. 1988. SCHUMPETER, Joseph. [1942] Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Editora Unesp. 2017. SCHWAB, Klaus. The fourth industrial revolution. Cologny; Geneva: World Economic Forum. 2016. WYATT, Ian; HECKER, Daniel. Occupational changes during the 20th century. Monthly Labor Review, p. 35-57, mar. 2006.