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Imprimir INTRODUÇÃO Como estudante de Direito, você provavelmente já se questionou sobre como entender e explicar o fenômeno da criminalidade. Há séculos, as motivações que levam as pessoas a cometerem delitos são objeto de estudo das ciências sociais, e o próprio Direito ocupa posição de protagonismo nessa investigação, por razões óbvias: antes de tentar resolver um problema, é necessário conhecê-lo em seu contexto e complexidade. A área que se dedica a estudar essas questões é a Criminologia, uma ciência interdisciplinar que busca compreender o fenômeno do crime, analisando suas causas e consequências na sociedade, com �nalidade de controle e prevenção. Assim, esse será nosso objetivo de estudo: conhecer a Criminologia, entendendo-a como a ferramenta importante que é para promover uma aplicação mais justa, democrática e e�caz do Direito. Porém, é importante reforçar que, para continuar desenvolvendo o pensamento crítico, você deve estudar além do que elaboramos aqui, tudo bem? Então, vamos começar! A CIÊNCIA CRIMINOLÓGICA: O QUE É? Apesar das divergências doutrinárias, podemos conceituar a Criminologia como uma ciência autônoma, empírica, interdisciplinar, que busca investigar as causas e circunstâncias em que os delitos são cometidos, avaliando os impactos do delito na sociedade e considerando como objetos de estudo quatro dimensões da criminalidade: o crime, o criminoso, a vítima e o controle social do comportamento criminal (MOLINA, 2007). A tarefa de explicar o fenômeno criminal está de acordo com os objetivos do próprio Direito Penal, já que é através dessa tarefa que se torna possível a criação de medidas mais e�cazes de controle e prevenção do crime. Mas a Criminologia ainda vai além, pois tem por objetivo auxiliar na intervenção do Estado sobre o delinquente, bem como avaliar criticamente os diversos modelos de resposta ao delito, apontando suas falhas e acertos e idealizando novas formas mais adequadas de controle do crime. Ou seja, ela não apenas ajuda a controlar e prevenir a criminalidade, como também busca garantir que os desviantes responderão de forma justa e compatível com a dignidade humana, com o objetivo de reintegrá-los à sociedade. Trata-se de uma ciência autônoma, isto é, com função, objetos e metodologias de investigação próprios. E como ciência empírica que se presta a ser, busca descrever a realidade através da análise e observação dos fatos e das relações sociais, fornecendo informações dotadas de con�abilidade e validade acerca do fenômeno criminal. No entanto, é importante levar em consideração que a Criminologia não é uma ciência exata, mas sim social, e emprega metodologias próprias de seu campo de estudo. Apesar das divergências doutrinárias, podemos conceituar a Criminologia como uma ciência autônoma, empírica, interdisciplinar, que busca investigar as causas e circunstâncias em que os delitos são cometidos, avaliando os impactos do delito na sociedade e considerando como objetos de estudo quatro dimensões da Aula 1 INTRODUÇÃO: CRIMINOLOGIA A área que se dedica a estudar essas questões é a Criminologia, uma ciência interdisciplinar que busca compreender o fenômeno do crime, analisando suas causas e consequências na sociedade, com �nalidade de controle e prevenção. 45 minutos criminalidade: o crime, o criminoso, a vítima e o controle social do comportamento criminal (MOLINA, 2007). A tarefa de explicar o fenômeno criminal está de acordo com os objetivos do próprio Direito Penal, já que é através dessa tarefa que se torna possível a criação de medidas mais e�cazes de controle e prevenção do crime. Mas a Criminologia ainda vai além, pois tem por objetivo auxiliar na intervenção do Estado sobre o delinquente, bem como avaliar criticamente os diversos modelos de resposta ao delito, apontando suas falhas e acertos e idealizando novas formas mais adequadas de controle do crime. Ou seja, ela não apenas ajuda a controlar e prevenir a criminalidade, como também busca garantir que os desviantes responderão de forma justa e compatível com a dignidade humana, com o objetivo de reintegrá-los à sociedade. Trata-se de uma ciência autônoma, isto é, com função, objetos e metodologias de investigação próprios. E como ciência empírica que se presta a ser, busca descrever a realidade através da análise e observação dos fatos e das relações sociais, fornecendo informações dotadas de con�abilidade e validade acerca do fenômeno criminal. No entanto, é importante levar em consideração que a Criminologia não é uma ciência exata, mas sim social, e emprega metodologias próprias de seu campo de estudo. Nesse sentido, a investigação criminológica pode se utilizar de diversos métodos de investigação cientí�ca. A principal metodologia que emprega, no entanto, é a indutiva: parte da observação de casos particulares reais para induzir compreensão sobre fenômeno criminal em um contexto macrossociológico (PENTEADO FILHO, 2002). A Criminologia, ainda, é interdisciplinar porque não se restringe ao Direito, mas possibilita, de forma coordenada e integrada, a formação de um diálogo entre diversas outras ciências, tais como a Medicina, a Psicologia, a Sociologia e a História, de forma a reunir os conhecimentos necessários para compreender as complexidades que se apresentam em todas as dimensões do fenômeno criminal. Essas disciplinas se combinam para que o investigador criminológico adquira a extensa lista de conhecimentos e competências necessárias à compreensão da criminalidade. Diante do exposto, podemos a�rmar que a Criminologia fornece um diagnóstico quali�cado do fenômeno da criminalidade, observando-o de forma analítica e com rigor cientí�co. Por meio da observação e análise crítica do crime, de seus atores e do controle social da criminalidade, essa ciência possibilita a criação de campanhas, programas, diretrizes e estratégias mais e�cazes no combate ao crime, considerando as especi�cidades de cada entorno social e auxiliando os legisladores e os aplicadores do Direito a prevenir e reprimir a criminalidade, bem como recuperar o sujeito desviante de forma mais efetiva e com os custos sociais adequados à sociedade. Figura 1 | Criminologia. Fonte: Shutterstock. VIDEOAULA: A CIÊNCIA CRIMINOLÓGICA: O QUE É? Aula em vídeo sobre os aspectos iniciais da Criminologia, expondo seu conceito, suas características e seus objetivos no estudo do fenômeno criminal. DO DIREITO PENAL À CRIMINOLOGIA: CIÊNCIAS COMPLEMENTARES A Criminologia não é a única ciência que se dedica ao estudo da criminalidade. O Direito Penal e a Política Criminal, duas ciências igualmente autônomas, também se ocupam em estudar o crime e a criminalidade. Porém, por perspectivas de análise distintas. Direito penal O Direito Penal, por exemplo, é a ciência que determina, através das especi�cidades histórico-culturais de cada sociedade, quais comportamentos humanos serão entendidos como crimes, estabelecendo uma sanção penal para aqueles que os pratiquem. Ou seja, o Direito Penal ocupa-se do crime como norma: como conduta proibida pela lei e que, quando realizada, gera ao Estado a possibilidade de aplicação da punição penal. Assim, o Direito Penal preocupa-se em de�nir os crimes através de sua descrição na norma legal, e o objeto de estudo da dogmática penal é o próprio ordenamento jurídico criminal. Criminologia A Criminologia, por sua vez, se ocupa do crime enquanto fato, isto é, não se importa tanto com a descrição típica do delito de acordo com a norma jurídica, mas, sim, se interessa por entender e explicar as causas e consequências, sejam elas sociais, psicológicas, políticas ou mesmo econômicas, que levam os indivíduos a cometerem delitos. Assim, para a Criminologia, o delito não interessa apenas a nível de comportamento individual, mas é compreendido como um problema que afeta toda a sociedade. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. Métodos de investigação do Direito Penal e da Criminologia Os métodos de investigação utilizadospelas duas ciências aqui abordadas também são distintos. O Direito Penal utiliza-se do método dedutivo, partindo de hipóteses gerais, consideradas corretas e entendidas como normas jurídico-penais pelo Direito, para deduzir as possíveis consequências sociais que o cometimento do crime promoveu no caso concreto (PENTEADO FILHO, 2012). Diferentemente, a Criminologia, como visto anteriormente, costuma empregar a metodologia indutiva para explicar a criminalidade. Política Criminal Ainda, há a Política Criminal, uma ciência penal que visa elaborar medidas de controle do fenômeno criminal. Ela se ocupa do crime como valor, isto é, como fenômeno que produz efeito negativo na sociedade, razão pela qual seu enfrentamento e prevenção são seus objetivos fundamentais. As três ciências expostas são imprescindíveis na compreensão da complexidade do fenômeno criminal. Como bem ensina Cueva (1990, p. 316), tais matérias dependem mutuamente umas das outras para se fazerem compreender, já que “[...] não existe problema jurídico-dogmático que não requeira um conhecimento de suas bases criminológicas”. Assim, tanto a Política Criminal quanto a Criminologia são fundamentais para uma prática jurídica mais e�ciente e baseada em aportes cientí�cos. Figura 2 | Política Criminal. Fonte: Shutterstock. Ante todo o exposto, podemos compreender a Criminologia como uma das mais importantes ciências que auxiliam o Direito – mas que vai muito além, e independe dele para existir – na compreensão das especi�cidades do fenômeno criminal em cada entorno social e cultural, possibilitando a criação de tipos penais mais adequados às necessidades de cada país e políticas criminais mais justas e comprometidas com o respeito ao interesse coletivo. VIDEOAULA: DO DIREITO PENAL À CRIMINOLOGIA: CIÊNCIAS COMPLEMENTARES Aula em vídeo contextualizando as ciências penais (Direito Penal, Criminologia e Política Criminal) e explicando a cooperação entre elas, que atuam alinhadas a objetivos semelhantes na condução do fenômeno criminal. A IMPORTÂNCIA DA CRIMINOLOGIA: UMA FERRAMENTA DE JUSTIÇA Tanto o crime quanto o Estado e o próprio Direito são construções sociais. Não são entes ontológicos, encontrados na natureza para serem observados, mas fenômenos sociológicos, úteis à organização da vida em sociedade. Desta forma, ainda que a problemática da criminalidade remonte aos primórdios da humanidade, é evidente que o crime nada tem de natural, não passando de um mandamento normativo que, em determinado contexto histórico-cultural, foi criado por um grupo de legisladores para perseguir �nalidades que não necessariamente correspondem aos interesses da coletividade. A�nal, como bem ensina Hirsch (2010, p. 37), o Estado não pode ser entendido apenas como resultado de um contrato social ou fruto da vontade popular. Ele deve ser conceituado como “[...] a condensação material de uma relação social de força”, isto é: funciona absorvendo os con�itos e as demandas sociais dos distintos grupos que vivem em uma mesma sociedade, sendo a atuação prática dos agentes estatais o resultado dessa absorção de interesses. Assim, nesse jogo de poder político, econômico e social, mesmo um Estado democrático pode, por vezes, ser instrumentalizado em favor de um ou mais grupos em detrimento de outros. Nesse contexto, o sistema e a legislação penal podem ser manipulados por aqueles que monopolizam as estruturas de poder (BARATTA, 1980). A qualidade democrática desse Estado poderá ser testada, justamente, pela avaliação da capacidade que ele possui de proteger-se contra essas investidas, e, assim como o Direito Penal atua para garantir a justiça e a lisura do processo penal, será função da Criminologia denunciar a instrumentalização do Estado caso ela se concretize, assegurando a legitimidade do sistema e reclamando justiça. Figura 3 | Legislação penal. Fonte: Shutterstock Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. A Criminologia atua como ferramenta para o aplicador do Direito Penal, contextualizando os conhecimentos necessários para a resolução de causas mais complexas, que dependem de conhecimentos próprios de outras ciências. É, também, fundamental para o trabalho policial, não apenas porque torna a investigação dos crimes mais e�ciente, produzindo resultados mais seguros, mas porque oferece as ferramentas necessárias para a promoção do mapeamento da criminalidade em cada entorno social, possibilitando o planejamento da intervenção policial e�cazmente e prevenindo a criminalidade. Esse auxílio preventivo, especialmente considerando o contexto de falência do sistema penitenciário brasileiro, é indispensável na promoção da justiça social e no respeito à dignidade humana da população brasileira. Re�ita Em uma sociedade globalizada, conectada à internet, a Criminologia também se apresenta como ferramenta crucial para promover a segurança cibernética, tanto do Estado, quanto das empresas privadas. Novamente, ela surge como opção de prevenção, promovendo segurança através de uma análise interdisciplinar que compreende as especi�cidades da criminalidade cibernética e permite a formulação de medidas efetivas de prevenção. Como se vê, a Criminologia é tendência na academia e no mercado de trabalho, e seus conhecimentos podem contribuir – e muito! – para a construção de uma legislação e uma prática jurídico-penal mais justa e democrática. Concordemos que, no Brasil, país que ocupa a 2ª posição no ranking mundial de homicídios, com uma das polícias mais violentas (UNODC, 2019) e a terceira maior população carcerária do mundo (UNISINOS, 2020), não há como negar a urgente necessidade de atenção às causas e consequências da criminalidade. VIDEOAULA: A IMPORTÂNCIA DA CRIMINOLOGIA: UMA FERRAMENTA DE JUSTIÇA Aula em vídeo contextualizando a importância da Criminologia na �scalização da qualidade democrática do Estado como ferramenta de justiça social. ESTUDO DE CASO Imagine que você, como advogado, é convidado para palestrar em um evento sobre violência doméstica. No entanto, quando o convite é feito pela coordenação do evento, pedem para que sua exposição não se restrinja apenas aos aspectos jurídicos do tema, e que também aborde conhecimentos interdisciplinares sobre o fenômeno da violência contra a mulher. A coordenação explica que essa abordagem é importante, principalmente, para despertar a consciência do público sobre as mulheres em situação de violência que possam estar em seus círculos de convivência, possibilitando a identi�cação dos ciclos de violência doméstica e o fortalecimento da rede de combate e prevenção a ela. Você ainda é informado de que nesse evento, que acontece todos os anos, funciona um Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. projeto de apoio à causa, o qual costuma receber diversas denúncias de parentes, amigos e até mesmo de vítimas de violência doméstica, que procuram por mais informações, apoio ou ajuda para prevenir que a violência praticada evolua para níveis mais graves ou alcance sua expressão máxima no feminicídio. Nesse contexto, re�ita e responda às seguintes questões: Você saberia buscar, entre as ciências penais, aquela em que você encontraria as informações interdisciplinares que a coordenação do evento pediu? Qual seria essa ciência e qual a sua importância no contexto da situação anteriormente exposta? Você consegue identi�car qual é o papel da Política Criminal, da Criminologia e do Direito Penal no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher? RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO A ciência que pode fornecer as informações e os conhecimentos interdisciplinares necessários para que a sua palestra ultrapasse os aspectos jurídicos da violência doméstica e do feminicídio é a Criminologia. Ela pode ser fundamental ao pro�ssional do Direito em situações como a exposta, já que é pelos conhecimentos que ela aporta que você poderá, além de expor os aspectos jurídico-penais da violência doméstica, discorrer sobre as especi�cidadesda violência que se pratica contra a mulher no âmbito doméstico, explicando como ela se desenvolve e evolui, mostrando como identi�car sinais em vítimas retraídas e apontando possíveis medidas de apoio e prevenção que podem ser aplicadas, inclusive, pela própria sociedade civil. Nesse sentido, a Criminologia é a ciência que se preocupa em estudar as causas e consequências da violência doméstica, buscando entender como ocorre o ciclo dessa violência que, quando não rompido, pode manter a mulher em situação de abuso por uma vida inteira, a qual pode terminar, inclusive, nas mãos do agressor. Ela também estuda a �gura do agressor, buscando compreender suas motivações e �nalidades em uma sociedade patriarcal, bem como estudando formas de intervenção mais e�cientes para sua reintegração à sociedade e para a prevenção à violência doméstica. A vítima é igualmente objeto de interesse, e seu papel na dinâmica do crime também é estudado, especialmente com o objetivo de proteção e prevenção. O Direito Penal e a Política Criminal, como se sabe, são ciências penais e têm o crime por objeto de estudo. A Política Criminal aproveita os aportes teóricos da Criminologia e do Direito Penal para idealizar e criar medidas práticas de intervenção, políticas públicas a serem aplicadas no âmbito criminal para combater a violência doméstica, controlar e prevenir o delito e proteger a vítima. O Direito Penal, em contrapartida, é a ciência que, através do clamor social pela reprovabilidade acentuada da violência doméstica contra a mulher, de�nirá tal conduta como crime e determinará a punição a ser aplicada. Como se vê, as três ciências atuam no enfrentamento à violência doméstica, porém cada uma se ocupa de questões distintas nessa problemática social tão complexa. Saiba mais No artigo “O Papel da Criminologia na De�nição do Delito”, de Flávia Sanna, a autora contextualiza, de forma crítica e aprofundada, a íntima relação entre Direito e Criminologia, apontando a função imprescindível que a ciência criminológica apresenta em um dos momentos mais fundamentais do Direito: Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. a de�nição do delito. O texto aprofunda os ensinamentos da presente aula, e por isso, vale a pena conferir e �xar o conhecimento através do autoestudo. A pesquisa foi publicada na Revista da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). Sessões de Cinema para entender mais sobre a Criminologia: • “O Senhor das Moscas”: uma obra para re�etir sobre a vida em sociedade, sobre a fragilidade da democracia e sobre o constante risco de manipulação tirana, pautada no medo por um inimigo em comum, que qualquer grupo que se preste a viver em sociedade está exposto. “O Senhor das Moscas” é sobre isso. Após um trágico acidente de avião, um grupo de jovens estudantes precisa se organizar para viver o naufrágio em uma ilha deserta. Nesse processo, os sobreviventes se dividem em dois grupos. Um, se organizou de forma democrática. O outro, surge de uma dinâmica de violência e imposição de poder, utilizando do medo do desconhecido para controlar e manipular os demais. Aí, você já pode imaginar a aventura re�exiva que essa obra vai te proporcionar. Ela vai contextualizar a complexidade da dinâmica social para que, a partir daí, você possa deduzir a importância da Criminologia nesse cenário todo: estudar a dinâmica da criminalidade é se preparar para proteger a sociedade – ou o seu cliente – dos tiranos, que querem impor seus interesses individuais contra os direitos alheios. Se interessou? Então, não deixe de assistir! • “Seven: Os Sete Pecados Capitais”: esse é um dos clássicos de cinema sobre investigação policial e assassinatos em série, e é uma ótima porta de entrada para compreender uma das vertentes de trabalho de um criminólogo: a perícia criminal. Com o auxílio da Medicina Legal, da Psicologia Forense e de tantas outras disciplinas, o perito criminal pode compreender toda a complexidade do crime concreto, analisando suas evidências de forma quali�cada e extraindo observações seguras acerca dos fatos. No �lme indicado, uma dupla de policiais protagonizará o papel do criminólogo, em busca de um serial killer de alta periculosidade, cujo modus operandi indica um padrão: se baseia nos sete pecados capitais previstos na Bíblia. Vale a pena conferir! INTRODUÇÃO A Criminologia é a ciência que investiga as causas e consequências da criminalidade, através da análise de quatro dimensões do fenômeno criminal: o delito, o delinquente, a vítima e o controle social da criminalidade. É apoiando-se nesses quatro elementos que ela estuda a criminalidade, e é sobre eles que aprenderemos nesta aula. Aula 2 OBJETOS: CRIMINOLOGIA A compreensão aprofundada dos quatro objetos da Criminologia é fundamental para que o operador do Direito possa identi�car as características e a dinâmica da criminalidade, melhor entendendo o funcionamento do próprio ordenamento jurídico no qual ele atua. 49 minutos https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista61/revista61_153.pdf A compreensão aprofundada dos quatro objetos da Criminologia é fundamental para que o operador do Direito possa identi�car as características e a dinâmica da criminalidade, melhor entendendo o funcionamento do próprio ordenamento jurídico no qual ele atua. Porém, como em todo novo conhecimento que se adquire, é fundamental que você continue estudando além desta aula para poder �xar bem o conteúdo e aproveitar todas as re�exões que a ciência criminológica incita sobre o Direito, o crime e a própria sociedade. O autoestudo é imprescindível para o bom aproveitamento desses conteúdos, então, mãos à obra! O DELINQUENTE A noção de punição sempre existiu na história, já que a conduta humana que se desvia dos padrões aceitos pelo corpo social também sempre foi uma realidade na vida em sociedade. Assim, a �gura do delinquente é fato antigo, e sempre foi de interesse do Direito. A visão da sociedade e das ciências penais sobre o indivíduo delinquente, no entanto, sofreu profundas modi�cações ao longo dos últimos séculos. Entre os registros mais remotos sobre a história da criminalidade, na Pré-História da Criminologia e perdurando até o período Clássico (século XVIII), o delinquente era considerado um pecador. Como ensina Madrid (2010, p. 37), no âmbito jurídico, há uma assunção histórica de correspondência entre dano e reparação, e “[...] o delito tem sido entendido como um mal que exige compensação”. O delinquente era visto, à época, como um pecador que se utilizou de seu livre-arbítrio para, podendo fazer o bem, praticar o mal. Ou seja, ele representava um sujeito “impuro”, que devia dispor de um sacrifício para que pudesse alcançar a “salvação” através da “puri�cação” de seu corpo e sua alma. Esse sacrifício era representado pela pena. Essa noção sobre a �gura do delinquente só se modi�cou signi�cativamente com a Escola Positivista do pensamento criminológico, que vigorou durante o século XIX e início do século XX. Nesse período, correntes deterministas, pautadas por uma interpretação biológica da criminalidade, compreendiam o delinquente não mais como pecador, mas sim como um sujeito anormal, acometido por alguma patologia biológica ou psicológica que, “naturalmente”, favorecia que aquele indivíduo cometesse crimes. Assim, a partir desse período, o delinquente não mais foi entendido como alguém impuro, que precisava se sacri�car através de uma pena para alcançar a salvação. Na verdade, ele passou a ser compreendido como um louco, anormal, um doente que não era capaz de atuar de forma a seguir as regras sociais, pois sua “natureza genética” era delinquir. Figura 1 | Deliquente. Fonte: Shutterstock Essa interpretação do delinquente foi superada ainda no século XX, concretizando-se na segunda metade do século com a Criminologia Crítica, a qual passou a propor a compreensão da �gura do criminoso de forma muito mais complexa. Afasta-se a interpretação deterministada criminalidade, colocando a �gura do delinquente em segundo plano e compreendendo que o estudo dos demais objetos da Criminologia possuía muito mais valor para explicar a criminalidade. O delinquente passa a ser entendido não como pecador, nem como doente, escravo de suas patologias, mas sim como um indivíduo comum, igual a qualquer outro, que se envolve na criminalidade por uma diversidade de razões (SUMARIVA, 2018). Dessa forma, diante da compreensão de que a criminalidade vai muito além da pessoa do infrator, a Criminologia, sem deixar de considerá-lo, passa a interpretá-lo sempre de forma contextualizada, levando em conta as especi�cidades de cada caso concreto e sua relação com as demais dimensões da criminalidade. A visão atual da Criminologia sobre a �gura do delinquente é, portanto, a de que ele não passa de um ser humano comum, um sujeito real e fruto de seu espaço e tempo, e que pode deixar de cumprir a lei por uma variedade de motivos, os quais devem ser analisados caso a caso e de forma contextualizada. VIDEOAULA: O DELINQUENTE Aula em vídeo sobre a interpretação da �gura do delinquente, de acordo com cada principal período de evolução do pensamento criminológico. A VÍTIMA Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. A compreensão criminológica acerca do papel da vítima no fenômeno da criminalidade passou por três períodos: o Período de Protagonismo, o Período de Neutralização e o Período de Redescobrimento (PENTEADO FILHO, 2012). Período de Protagonismo Na Pré-História da Criminologia, quando o sistema social de punição ainda era regido pela vingança privada e imperava a Lei do Talião, a vítima possuía um papel fundamental no fenômeno criminal, pois era ela quem decidia a penalidade aplicável ao criminoso. Tratou-se do Período de Protagonismo da vítima no fenômeno criminal. Período de Neutralização Quando tal período acabou e o Estado passou a intervir nas relações delitivas, tomando para si o poder/dever de aplicar a punição àqueles que transgredissem as normas, teve-se o chamado Período de Neutralização da vítima, já que sua �gura perdeu importância na dinâmica criminal. Esse cenário, no entanto, vem mudando, e a importância do papel da vítima na dinâmica criminal tem ganhado mais e mais espaço desde o advento da Segunda Guerra Mundial e as atrocidades presenciadas pelo mundo durante a ascensão do regime nazista na Alemanha. O referido regime levou aos campos de concentração e a um dos genocídios mais impactantes da história, e o mundo – mas, principalmente, a Criminologia – se viu compelido a lançar um novo olhar acerca da �gura da vítima. Esse foi o Período de Redescobrimento da importância da vítima na dinâmica da criminalidade, dando origem à Vitimologia (estudo da vítima). Vitimologia Entre os fenômenos revelados pela Vitimologia, um dos aportes principais é a compreensão dos processos de vitimização. Esses processos dizem respeito aos níveis de dano e sofrimento ocasionados às vítimas em razão das práticas delitivas, e são subdivididos em três fases: • Vitimização primária: diz respeito aos prejuízos causados à vítima de forma direta pela prática delitiva, como a lesão corporal provocada na vítima pela conduta criminosa; a perda de um bem, em razão da prática de furto; etc. • Vitimização secundária: é relativa ao sofrimento causado à vítima pelos órgãos públicos e pelo sistema de justiça no momento da denúncia, durante sua apuração ou na ocasião da punição pelo delito, como a vítima de estupro que é questionada pelo delegado. • Vitimização terciária: refere-se aos danos causados à vítima pela reação social negativa ao delito do qual ela foi paciente, como a vítima de estupro que é estigmatizada por seu grupo de amigos. Ainda, os conhecimentos aportados pela Vitimologia permitem evidenciar que determinados problemas sociais que se relacionam com a criminalidade nem sempre poderão ser resolvidos pela intervenção única e exclusiva sobre a �gura do criminoso. Especialmente em crimes que envolvem violência ou grave ameaça, os quais costumam deixar marcas físicas ou traumas psicológicos nas vítimas, estas precisarão do apoio de programas e órgãos estatais que promovam sua proteção e reparem o dano recebido, permitindo fazer-se justiça adequadamente a cada caso concreto. Figura 2 | Vítima. Fonte: Shutterstock. Por �m, o estudo da Vitimologia também é fundamental para possibilitar denúncias sobre aspectos da criminalidade real que apenas as vítimas dos delitos poderiam fornecer. É através dos relatos das vítimas, viabilizados pela Vitimologia referente à parcela de crimes que ocorreram de fato, mas que nunca chegaram ao conhecimento dos órgãos públicos do Estado. Como se vê, o redescobrimento do papel da vítima trata-se de medida de fundamental importância na compreensão de toda a complexidade do fenômeno criminal. VIDEOAULA: A VÍTIMA Aula em vídeo apresentando aprofundamento sobre a compreensão, segundo cada período histórico, da �gura da vítima, exempli�cando a importância de estudar seu papel na dinâmica criminal e apontando as três fases do processo de vitimização, reconhecido pela Criminologia. O DELITO E O CONTROLE SOCIAL Delito Para o Direito Penal, o crime é entendido como um fato típico, ilícito e culpável. Para a Criminologia, no entanto, o conceito utilizado para interpretar o crime não é aquele dado pela dogmática jurídico-penal. Para a ciência criminológica, será considerada como delito a conduta humana que apresentar: • Incidência massiva na sociedade: não é possível considerar fato isolado como crime. • Incidência a�itiva do fato praticado na sociedade: a conduta desviada precisa causar sofrimento na vítima e gerar insegurança na comunidade. • Persistência da incidência da conduta desviada no espaço e no tempo: a conduta deve ocorrer de maneira reiterada na sociedade que se está analisando, persistindo por signi�cativo período e em um mesmo território. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. • Razoável consenso acerca da etiologia do delito e sobre as técnicas de intervenção: deve haver certo consenso social sobre a origem e as causas daquela conduta desviante, bem como acerca das possibilidades e�cientes de intervenção. Assimile Para a Criminologia, portanto, o crime é um fenômeno social grave e complexo, possuidor de múltiplas facetas, que afeta o indivíduo de forma isolada (seja o criminoso ou a vítima), mas, principalmente, que afeta toda a sociedade de forma muito negativa (SUMARIVA, 2018). Controle social Em razão dessa carga negativa, é evidente que o crime deve ser controlado para que seja possível uma vida equilibrada em comunidade. Esse controle é exercido pelo Estado. Por mais antigo que seja, no entanto, o Estado, assim como o delito, não é um ente natural. É fruto de consenso social, e os poderes que lhe são concedidos pela sociedade – especialmente o poder punitivo – só devem ser utilizados em favor dos interesses da coletividade. Isso, contudo, nem sempre é a realidade, já que o Estado é composto por seres humanos que, por vezes, podem desvirtuar suas �nalidades para perseguir interesses difusos, favorecendo certos grupos em detrimento de outros. É nesse intuito que o controle social também é objeto da Criminologia: não só porque as formas de aplicação do controle social impactam o fenômeno criminal, mas também porque, por vezes, no interior do Estado e no exercício do seu poder punitivo, algumas condutas consideradas pela Criminologia como crime também podem ocorrer, sendo papel da Criminologia denunciá-las (PENTEADO FILHO, 2012). Figura 3 | Estado e seu poder punitivo. Fonte: Shutterstock. Mas o interesse da Criminologia pelo controle social como objeto de estudo vai muito além. Ele pode ser entendido como o conjunto de estratégias, instituições e sanções que visam submeter a vida em sociedade a padrões socialmente aceitos pela coletividade e que se subdividem em dois sistemas: • Sistema de controle social informal:dá-se por meio das regras de conduta socialmente impostas aos indivíduos, do nascimento à morte, por grupos e instituições que compõem a sociedade. Exemplos: igreja, escola, família. No entanto, quando os mecanismos do sistema informal são insu�cientes no controle e na prevenção das condutas desviantes, atua o sistema de controle formal. • Sistema de controle social formal: ocorre por agências estatais, órgãos e instrumentos previstos do Poder Público. Assim, diz respeito à atuação da Polícia, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Administração Pública e de quaisquer outros órgãos que integrem a atividade de controle social. São nesses termos, portanto, que o crime e o controle social da criminalidade são considerados como objetos de estudo da Criminologia, e é com base nessas de�nições que se deve observar e estudar o fenômeno da criminalidade. VIDEOAULA: O DELITO E O CONTROLE SOCIAL O vídeo visa aprofundar a perspectiva da Criminologia a respeito do crime enquanto objeto de estudo e, também, falar sobre o controle social, expondo exemplos de sua aplicação e importância na compreensão do fenômeno criminal. ESTUDO DE CASO Imagine que você, como advogado ou operador do Direito em qualquer outro cargo jurídico, é procurado por um amigo que quer consultá-lo sobre o que fazer em relação a uma provável situação de violência doméstica, na qual se encontra uma mulher muito próxima a ele, que aqui chamaremos simbolicamente de Maria. Esse sujeito conta que tem acesso ao ambiente doméstico de Maria esporadicamente, e que já presenciou inúmeras microagressões praticadas por seu cônjuge João contra ela, tais como ofensas verbais e ambientais, humilhações, diminuição do valor de Maria em razão de seu gênero feminino, entre outras questões. Seu amigo relata, também, que já presenciou situação em que João roubava o dinheiro que Maria recebe por trabalhos caseiros, e que ele tem um conhecido histórico de desvios dos rendimentos de Maria para sua conta, pelos quais, no entanto, nunca respondeu. O amigo diz que Maria já lhe confessou que sabe que vive em um relacionamento abusivo, manifestando intenção de sair daquela situação após relatar um momento em que quase chegou a ser agredida por João, o que lhe causou muito medo. No entanto, dias depois, conta que Maria apresentou ideais completamente diferentes sobre seu relacionamento, dizendo estar feliz e manifestando vontade de continuar nele. No entanto, seu amigo não tem certeza de que Maria esteja em segurança, pois na última vez em que visitou sua casa, Maria agia estranhamente e apresentava marcas nos braços, que pareciam arranhões e beliscões. Quando questionada, conta seu amigo, Maria desconversou e logo pôs �m ao encontro. Ele diz que Maria é Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. �sioterapeuta, bastante religiosa e uma pessoa muito amigável, que possuía vários círculos de amizade, mas que, recentemente, não frequenta mais nenhum deles. Conta, ainda, que João é segurança privado, com histórico de abuso de álcool e conhecido por ser uma pessoa explosiva e que tende à agressão. Seu amigo pergunta a você como proceder nesse caso, pois teme que a vida de Maria possa estar em risco, mas, ao mesmo tempo, não se sente confortável em fazer uma denúncia, porque acredita na sabedoria do ditado popular que diz que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Considerando a situação exposta, re�ita e responda aos seguintes questionamentos: Qual seria a melhor orientação que você, como advogado, poderia dar a seu amigo? Você consegue identi�car, no problema criminal apresentado, as quatro dimensões da Criminologia? Qual é a importância de estudar o fenômeno criminal exposto considerando os quatro objetos de estudo da Criminologia? RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO Em primeiro lugar, é importante mencionar que a situação exposta se trata de evidente caso de violência doméstica patrimonial e psicológica, duas condutas reconhecidas como fenômenos criminais pela Criminologia e de�nidas pela própria legislação brasileira como crime, conforme dispõe o art. 5º da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Assim sendo, por se tratar de crime, você deveria orientar seu amigo a comunicar os fatos às autoridades públicas. Mas isso somente deve ser feito caso haja indícios de que a vida ou a integridade de uma mulher em aparente situação de violência possa estar em risco. Isso porque a violência doméstica, como violência machista que é, decorre de um longo processo de submissão da vítima ao poder do homem, e essa vítima já se encontra fragilizada pela privação de liberdade e de direitos em diversos âmbitos da sua vida e das suas relações pessoais. Por isso, é muito importante que, ao tentar ajudá-la, sejam respeitados o espaço e a vontade da mulher. No entanto, é necessário lembrar que o estudo da in�uência dos sistemas de controle social formal e informal na dinâmica do crime, possibilitado pela Criminologia, permite observar que durante os abusos sofridos pela mulher no âmbito doméstico ou familiar, ou em suas relações íntimas de afeto, apresenta-se um ciclo vicioso de violência, que costuma se repetir incessantemente, impossibilitando que a vítima possa sair daquela situação por inúmeras razões. Por isso é tão importante entender que “em briga de marido e mulher, mete-se a colher, sim!”. A�nal, se o crime, como ensina a Criminologia, não é apenas um problema de importância individual, mas algo que impacta negativamente toda a sociedade, a incidência da violência doméstica contra qualquer mulher é um problema de todos e deve ser combatida. Não estando a vítima em risco, a melhor forma de ajudá-la é dando apoio e levando as informações necessárias para que ela possa despertar consciência real sobre a situação de violência em que se encontra e, a partir daí, ativamente peça ajuda ou denuncie. Essa é a importância de se conhecer o papel da vítima no fenômeno da criminalidade. Já que a vítima interfere na dinâmica criminal, intervir incentivando sua ação e defendendo o seu interesse e a sua proteção é a melhor forma de alcançar a justiça e a harmonia social que tanto a Criminologia quanto o Direito buscam. Assim, como se vê, os conhecimentos da Criminologia aportam muito valor à análise criminológica que o operador do Direito possa vir a precisar fazer em qualquer momento de sua carreira. No caso analisado, por se tratar de violência doméstica, os sistemas de controle informal, como a religião, a cultura familiar, a dinâmica das amizades, entre outras questões, já são naturalmente impactantes na manutenção dessa vítima no ciclo de violência. Porém, o sistema de controle social formal também deve ser considerado, especialmente quando é preciso decidir sobre fazer ou não uma denúncia no Brasil, país com histórico de vitimização secundária de pessoas que sofrem violência doméstica, que perpassa uma série de falhas estruturais do sistema de justiça brasileiro. Assim, antes da denúncia, é fundamental analisar as especi�cidades de cada caso para identi�car se os riscos apresentados valem a pena e não colocarão a vítima em situação ainda mais desfavorável e perigosa. Saiba mais Leitura Complementar: • O Poder Simbólico, de Pierre Bourdieu Apesar da indispensabilidade da leitura do livro completo, recomenda-se investir, ao menos, no Capítulo VIII, intitulado A Força do Direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico, entre as páginas 209 e 254. A leitura é fundamental para aqueles que queiram aprofundar o pensamento crítico e a forma de interpretar o Direito. Na obra, o autor tece interessante crítica ao afastamento da ciência jurídica de sua essência social, denunciando os prejuízos que a desconsideração das demais ciências sociais, como a Sociologia e a Criminologia, ocasiona à justiça do Direito e ao interesse social. Sessão de cinema para entender mais sobre a Criminologia: • Seven: Os Sete Pecados Capitais Esse é um dos clássicos do cinema sobre investigação policiale assassinatos em série, e é uma ótima porta de entrada para compreender uma das vertentes de trabalho de um criminólogo: a perícia criminal. Com o auxílio da Medicina Legal, da Psicologia Forense e de tantas outras disciplinas, o perito criminal pode compreender toda a complexidade do crime concreto, analisando suas evidências de forma quali�cada e extraindo observações seguras acerca dos fatos. No �lme indicado, uma dupla de policiais protagonizará o papel do criminólogo, em busca de um serial killer de alta periculosidade, cujo modus operandi indica um padrão: baseia-se nos sete pecados capitais previstos na Bíblia. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. Aula 3 A EVOLUÇÃO DAS PENAS A história da criminalidade apresenta uma série de períodos distintos, com compreensões diversas sobre a criminalidade e sobre as formas de punição, e é a respeito disso que falaremos nesta aula. 53 minutos http://docente.ifrn.edu.br/nonatocamelo/disciplinas/etica-no-servico-publico/texto/pierre-bourdieu-o-poder-simbolico/view INTRODUÇÃO Ainda que o crime seja um problema social antigo, nem sempre ele foi encarado pela sociedade e enfrentado pelo Estado da mesma forma como atualmente ocorre. A história da criminalidade apresenta uma série de períodos distintos, com compreensões diversas sobre a criminalidade e sobre as formas de punição, e é a respeito disso que falaremos nesta aula. Aqui, aprenderemos sobre a evolução das penas, para que possamos compreender como a ideia de punição se desenvolveu até a aplicação do cárcere punitivo. No entanto, para que o conteúdo seja efetivamente �xado e para que você possa continuar aprofundando seu pensamento crítico, é importante seguir estudando além do que abordaremos ao longos dos nossos estudos, certo? A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PUNIÇÃO O Estado, guiado por leis às quais todos os cidadãos encontram-se submetidos, foi a forma encontrada pela humanidade para viver em sociedade de maneira harmônica e equilibrada. Isso porque, conforme ensinam os autores contratualistas, tais como Thomas Hobbes (apud MADRID, 2010), há uma tendência humana natural à guerra e à pulsão destrutiva, sendo necessário que um pacto social, que legitima a criação de um Estado soberano, garanta o freio da violência inata através da aplicação do seu poder de punir. Mas a ideia de punição, no entanto, não surgiu com o poder de punir do Estado moderno. O registro histórico mais antigo da sociedade ocidental sobre os sistemas punitivos remete ao período de vingança privada, quando ainda não havia a intervenção do Estado nas relações interpessoais e a aplicação de penalidade por eventuais condutas delitivas �cava a cargo da vítima. De início, não havia qualquer regulamentação social sobre as disputas que se travavam, de forma que a punição aplicada, por vezes, não tinha qualquer relação com o dano original sofrido pela vítima. Nessa dinâmica, famílias e comunidades inteiras lutavam até o extermínio. Lei de Talião Nesse sentido, a primeira evolução no sistema punitivo veio com a Lei do Talião, que não retirou a vingança do âmbito privado, mas determinou regras mínimas para o castigo. Além disso, a pena não poderia mais ser escolhida de forma arbitrária e desproporcional. Um dos princípios da gestão da qualidade é “focar a qualidade no cliente”, ou seja, ofertar um produto ou serviço que satisfaça as necessidades e com atributos de qualidade que agregam valor. O cliente é a peça-chave do sistema de qualidade, e por isso as empresas comprometem a garantir um bom atendimento ou ofertar o produto conforme especi�cado, como também a possibilidade de superar as suas expectativas. Figura 1 | Originalmente, a Lei de Talião aparece no código babilônico de Hamurabi. Fonte: Wikipedia. Vingança Divina Outro sistema punitivo muito difundido nas mais diversas partes do mundo e que teve vigência em concomitância com o período de vingança privada (e até mesmo após ele) é o período da vingança divina. Na Idade Média, por exemplo, esse sistema apresentou importância fundamental na organização social da cultura ocidental, vinculando diretamente a lei penal aos princípios e valores da religião católica e popularizando a aplicação das penas de suplício. Sobre a vingança divina, Farias Júnior (1996, p. 24) ensina: Re�ita Nesse período, a ofensa a outro que ocasionava dano e gerava a obrigação de reparação era entendida, acima de tudo, como uma ofensa aos deuses, ao poder divino. Assim, quem cometia um delito estava em “dívida” com a sociedade e “impuro” perante os deuses, e era mediante a execução da pena que esse pecador alcançaria a “salvação”. O afastamento da vingança divina, com a formação do Estado moderno e a concentração do poder punitivo exclusivamente nas mãos e no interesse do soberano, readequou, uma vez mais, a forma de interpretar a punição. Com a tomada de autonomia do Estado em relação ao monopólio da religião, as penas, que já A vingança divina, que também era pública, foi potencializada com o uso de juízes e tribunais. O escopo era o de conter a criminalidade, mas por mais aterradores que fossem os castigos e os suplícios in�igidos contra os delinquentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensa exemplaridade das execuções das penas corporais e infamantes, nunca houve e�caz efeito inibitório ou frenador da criminalidade. costumavam ser públicas, tornaram-se estratégias políticas com o objetivo de repreender e exempli�car, mostrando à sociedade que aqueles que transgredissem as regras teriam o mesmo destino. Nessa época, a privação de liberdade não era uma forma objetiva de punição, sendo o cárcere punitivo a modalidade que se con�gurou apenas com a revolução das penas do Estado moderno. VIDEOAULA:A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PUNIÇÃO Aula em vídeo, de aprofundamento, acerca dos principais períodos de evolução das penas, quais sejam: o Período de Vingança Privada, o Período de Vingança Divina e o Período de Vingança Pública. O SURGIMENTO DA PENA DE PRISÃO Privação da liberdade A privação de liberdade como modalidade punitiva possui registros históricos nas mais diversas épocas e sociedades. No entanto, tais registros costumam retratar a medida de encarceramento do sujeito delinquente como uma ação temporal, provisória, que visa apartar aquele indivíduo do convívio social até que possa efetivamente cumprir sua condenação. Nesse sentido, conforme ensina Bittencourt (2011, p. 28) acerca da privação de liberdade no período de 1700 a 1280 a.C., na sociedade Suméria: O ato de aprisionar com o caráter de pena em si mesma, tal como atualmente, ocorre em grande parte dos sistemas penais de todo o mundo. É uma criação recente, e só veio a concretizar-se em 1791, com o estabelecimento do Código Penal Francês, que, pautado pelos valores e ideais iluministas e in�uenciado pela Revolução Francesa, inspirou-se nos autores da Escola Clássica do pensamento criminológico, revolucionando a forma de punir da modernidade. Aplicação de suplícios Antes da revolução das penas que deu origem ao cárcere punitivo, a prática punitiva mais comum da sociedade ocidental era a aplicação de suplícios: uma modalidade de castigo físico e penas capitais que ocorriam em praça pública. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. Na antiguidade, os infratores eram mantidos encarcerados até que saísse o julgamento que a eles seria imposto; penas que, naquele período, eram destinadas aos castigos físicos. Os infratores eram tratados de maneira desumana, passando por torturas e humilhações, como por exemplo, tomando-se o que previa o “Código de Hamurabi” (baseado na Lei do Talião). Porém, diante de um contexto de crise econômica e social, em uma Europa que apresentava aumento nos índices de pobreza e criminalidade, experienciava inúmeras guerras e disputas religiosas e já demonstrava interesse em reformular todo o seu sistema, rompendo com o absolutismo e instaurando uma nova forma organizacional do Estado, esse espetáculode execução pública deixava de surtir o efeito desejado na massa social, sendo encarado pelo povo e pelos intelectuais burgueses da época como uma manifestação de “raiva irracional” do soberano, surgindo assim a necessidade de reformulação do sistema penal. Movimento Criminológico Clássico O movimento criminológico clássico, que se guiava pelos ideais iluministas, acreditava que o uso da razão contra o antigo regime absolutista era a solução para colocar �m à selvageria e à violência. Nesse sentido, a justi�cativa do cárcere como principal modalidade punitiva se dava pela defesa de seu caráter “humanizador” da punição de Estado, que deixaria de instrumentalizar o corpo e a vida humana. Essa é a já apresentada perspectiva “humanista” ou “pietista” sobre o surgimento da prisão. Há, contudo, outra forma de interpretar a história de criação do cárcere, a qual desmonta a vertente que aponta para o suposto “humanismo” da privação de liberdade. Essa perspectiva é chamada de “disciplinar” (ou disciplinaria, em espanhol) e surgiu apenas no século XX, com os aportes críticos da obra de Michel Foucault (2001). Tal perspectiva de surgimento do cárcere será nosso assunto no bloco a seguir. VIDEOAULA: O SURGIMENTO DA PENA DE PRISÃO Aula em vídeo sobre o histórico de surgimento do cárcere punitivo, apresentando a pena de suplício e a perspectiva “humanista” para a interpretação da privação de liberdade. O CÁRCERE DESDE UMA PERSPECTIVA DISCIPLINAR De acordo com a perspectiva humanista sobre o surgimento da prisão, como visto, esta deveria ser interpretada como um grande progresso da humanidade, já que sua aplicação substituiu um sistema que se pautava pela violência e pela morte como punição por um sistema que se limita a recolher os criminosos no interior de suas muralhas. Foucault (2001), em sua obra Vigiar e Punir, no entanto, apresenta perspectiva de interpretação distinta acerca do tema e revela que o surgimento da prisão, na realidade, não parece ter nada de “humanista”. O autor propõe interpretar o cárcere, em suas funções e sua criação, através de uma perspectiva disciplinar, entendendo-o como um dos mais importantes instrumentos do Estado para, de acordo com os interesses dos grupos no domínio do poder, controlar e submeter a população à disciplina. Assim, tal perspectiva defende que, ainda que o cárcere, à primeira vista, pareça uma forma de punição mais humana e justa quando em comparação à cultura dos suplícios, ele não deixa de ser tão cruel quanto. Com o cárcere, o que ocorre é que se deixa de punir apenas o corpo do apenado para atingir, também, sua “alma” Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. (assim entendida como as subjetividades do indivíduo apenado). O que muda com o surgimento do cárcere punitivo, portanto, é apenas a relação castigo-corpo. A produção de sofrimento, contudo, continua sendo objetivo da pena. Ainda, a criação do cárcere promove a despersonalização da aplicação da punição. O carrasco é substituído por uma equipe especializada, que não se confunde em nada com aqueles que possuem a posse direta do poder de punir do Estado, e se translada o espetáculo da pena de sua execução em praça pública para dentro das muralhas do cárcere. Ambas as medidas são muito convenientes a possíveis interesses escusos, já que impedem que a sociedade possa apontar responsáveis por eventuais danos ocasionados pelo poder punitivo do Estado e, ainda, impossibilitam que a sociedade �scalize a “humanidade” da execução da pena. Pela perspectiva disciplinar, a pena privativa de liberdade é compreendida não como uma investida humanitária e in�uenciada pelos ideais iluministas e cristãos, mas sim como uma estratégia de poder, que serve ao capitalismo e cujo principal objetivo é o remanejamento do poder de punir do Estado, visando torná-lo mais e�caz, regulamentado e detalhado. Nesse sentido, o cárcere punitivo serve à lógica da nova ordem econômica dominante, na medida em que: • Concede mais importância aos delitos econômicos. • Reduz o custo econômico da aplicação da pena. • Produz o resultado desejado de segregar os indivíduos apenados da sociedade, de forma muito mais e�ciente que o sistema do suplício. No entanto, a e�ciência do cárcere como medida capaz de controlar e prevenir a criminalidade jamais se comprovou cienti�camente. Na verdade, ao contrário, estudos do século XX já apontavam a falência do sistema carcerário e de seu ideal ressocializador (RIVERA BEIRAS, 2017). Mesmo sendo evidente a falência desse sistema, contudo, o cárcere punitivo continua sendo a principal forma de punição no Brasil e em tantos outros Estados do mundo, levando-nos inevitavelmente a indagar: qual será, a�nal, a �nalidade da manutenção desse sistema falido como principal modalidade punitiva em pleno século Figura 2 | Cárcere. XXI? Não há resposta única e correta a questionamento tão complexo. No entanto, a partir dos nossos estudos, em breve você poderá tirar suas próprias conclusões sobre as entrelinhas do sistema penal. VIDEOAULA: O CÁRCERE DESDE UMA PERSPECTIVA DISCIPLINAR Aula em vídeo sobre a interpretação do surgimento do cárcere punitivo, bem como de suas funções e �nalidades, através de uma perspectiva crítica e disciplinar. ESTUDO DE CASO Imagine que você, como jurista que já conhece a importância da Criminologia para explicar a criminalidade, se depara com um debate entre dois colegas sobre a verdadeira interpretação acerca do surgimento, das funções e da �nalidade do cárcere punitivo. De um lado, um dos colegas levanta a perspectiva humanista para defender seu ponto de vista, argumentando que a cultura punitiva dos suplícios, vigente antes do cárcere, era muito mais desumana, e que a privação de liberdade como pena, além de respeitar a dignidade humana, possui a �nalidade de prevenção especial fundamental ao impedimento da criminalidade: a ressocialização do apenado, para que, uma vez solto, ele não volte mais a cometer crimes. Do outro lado, o segundo colega defende que a prova mais evidente da desumanidade e falência desse sistema é a própria experiência brasileira, que já aplica o cárcere punitivo há mais de um século e, até agora, só experienciou um aumento nos índices de criminalidade e de morte em razão de seu funcionamento, sendo de conhecimento popular que a prisão, no Brasil, mais se con�gura como uma “escola do crime” do que como um ambiente que busca a “reintegração social” do apenado. Considerando o debate exposto e as informações factuais a seguir aduzidas, re�ita: 1. O sistema penitenciário brasileiro alberga 668.135 mil pessoas, estando preparado para atender apenas 455.113 mil presos, e por isso apresenta índice de superlotação de quase 200% de ocupação (DEPEN, 2020). 2. A legislação jurídico-penal brasileira, por determinações constantes no Código Penal, na Lei de Execução Penal e, até mesmo, na própria Constituição Federal, dispõe de regras mínimas para o tratamento dos presos e a execução da pena privativa de liberdade. Essas regras envolvem o direito à saúde, à higiene, à alimentação, à educação, ao trabalho e ao lazer. Ainda, dispõe que os apenados devem ser recolhidos, em regra, em celas individuais, respeitando um limite mínimo de 6 metros quadrados para cada pessoa (BRASIL, 1984). A realidade fática, no entanto, apresenta-se completamente diferente. A maioria das unidades penitenciárias do país sequer possui vagas disponíveis para trabalho e educação dos detentos (DEPEN, 2020), e qualquer outro direito dos apenados �ca impossível de ser garantido quando a lotação carcerária os obriga a habitar celas completamente insalubres e sem o espaço mínimo necessário para a garantia da vida humana (JORNAL, 2019). 3. A desumanidade das condições carcerárias é tamanha que o Brasil já foi, inclusive, internacionalmente reconhecido por violar os direitos humanos dos detentos (OEA, 2018), e o próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão de 2015, pelo julgamento da ADPF n. 347, reconheceu que a realidadedo sistema prisional brasileiro se Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. con�gura como um “Estado de Coisas Inconstitucional”, em razão da violação massiva e estrutural de direitos fundamentais (STF, 2015). Apesar das duas decisões, no entanto, nenhuma medida signi�cativa para melhorar as condições de vida dentro do sistema penal foi tomada pelo Poder Público. Observando os dados citados e analisando o tema criticamente, sem deixar de considerar os aportes da Criminologia, qual das duas perspectivas de interpretação do surgimento, das funções e das �nalidades do cárcere melhor se enquadra para explicar a realidade carcerária brasileira? Por quê? RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO Em primeiro lugar, é importante recordar que a Criminologia, como ciência social, não se propõe a gerar resultados absolutos e inquestionáveis sobre a criminalidade. Isso porque tal tarefa seria impossível, já que o crime e a criminalidade são fenômenos sociais que se adaptam de acordo com o espaço e o tempo e variam em suas características, considerando a cultura da sociedade em que se inserem. Assim, diante de tal discussão, não há necessariamente uma resposta totalmente correta e outra totalmente errada. Existem duas perspectivas distintas de interpretação de um momento histórico e de um fato social, a qual também variará de acordo com as crenças e experiências de cada investigador criminal. Porém, o ato de analisar, de forma crítica e contextualizada, os fatos e os fenômenos sociais e criminais permite revelar as possíveis inconsistências que essas perspectivas venham a apresentar. É por isso que, para auxiliar no debate dos colegas, você, que já conhece a Criminologia e ambas as perspectivas de interpretação do cárcere, deveria incentivar os envolvidos a realizarem uma análise crítica dos dados sobre a realidade do sistema penal brasileiro, tirando suas próprias conclusões acerca de qual das duas perspectivas de interpretação de seu surgimento mais se adequa à realidade prática. E os fatos falam por si só. A experiência carcerária brasileira não apenas desrespeita as regras que dispõe em sua própria lei como, em realidade, parece apresentar intenção completamente oposta à declarada função “ressocializadora” da pena, principal argumento na defesa da “humanidade” do cárcere punitivo. Observar relatos e dados sobre a realidade diária experienciada pelos indivíduos privados de liberdade no Brasil permite evidenciar que, ainda que a condenação daqueles sujeitos não comporte castigos corporais ou uma pena de morte, as condições nas quais eles são mantidos privados de sua liberdade, no �m, são cruéis, violentas, torturantes e desumanas, assim como as penas de suplícios também eram. Assim, ainda que a perspectiva humanista não esteja totalmente errada ao interpretar a criação do cárcere como uma medida que “humanizou” a forma de aplicar a pena – a�nal, a opção anterior era o esquartejamento em praça pública! –, é evidente, especialmente considerando os dados sobre a realidade carcerária brasileira, que o sistema penitenciário não possui nada de “humano” em sua constituição ou em suas funções. O fato que resulta de mais de um século de funcionamento do cárcere punitivo no Brasil não é uma sociedade mais saudável e equilibrada, mas sim uma sociedade doente, com índices de criminalidade cada vez mais altos, e que continua enviando milhares de brasileiros, todos os anos, à experiência de uma privação de liberdade profundamente desumana, e majoritariamente por razões patrimoniais (40,91% dos presos cumprem pena por crimes patrimoniais) (DEPEN, 2020). Como se vê, os fatos apontam indubitavelmente à adequação da perspectiva disciplinar para compreender o cárcere punitivo, e possuir essa consciência é fundamental para qualquer aplicador do Direito que, por vezes, é parte desse processo despersonalizado de aplicação do poder punitivo do Estado. A�nal, se você vai ajudar a enviar alguém ao cárcere, o mínimo que pode fazer para realizar essa tarefa da forma mais justa possível é conhecer a realidade desse sistema. Saiba mais Leitura Complementar: • Vigiar e Punir, de Michel Foucault Sem sombra de dúvidas, essa obra é a leitura mais indispensável quando se fala em compreender o contexto histórico, as �nalidades e os interesses por trás da criação e ampla disseminação do cárcere como principal modalidade punitiva, justamente, por se apresentar como uma forma mais “humanitária” de punir. O autor, importante nome da Criminologia Crítica, revolucionou a história da punição com a obra aqui indicada, em que tece uma crítica repleta de fundamentos – e, mais importante, cheia de questionamentos – acerca do papel do cárcere punitivo como instrumento à disposição do Estado e dos grupos que detêm o monopólio do capital e dos cargos de poder. O livro pode ser encontrado na biblioteca institucional. Sessão de cinema para aprender mais sobre Criminologia: • O Experimento de Aprisionamento de Stanford Esse �lme é ideal para quem quer entender mais sobre a dinâmica do cárcere e os impactos da privação de liberdade dentro de uma instituição total (isto é, em uma instituição disciplinar, que visa o controle social), causados tanto nos encarcerados quanto nos agentes penitenciários. Na referida obra, 24 estudantes do sexo masculino são selecionados para participar de um experimento social realizado pela Universidade de Stanford, nos EUA. O experimento consiste na simulação de um ambiente prisional, onde os participantes são subdivididos em dois grupos (presos e policiais) e devem se manter no papel designado durante todo o experimento. O objetivo do professor de Psicologia de Stanford que propõe o experimento é curioso: comprovar que os traços de personalidade dos prisioneiros e guardas são a principal causa dos comportamentos abusivos – e criminais – entre eles. Você já imagina que esse experimento não deve ter dado muito certo, não é? Con�ra a obra para entender melhor o desfecho dessa história, você não se arrependerá! Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. INTRODUÇÃO Conhecer a Criminologia e compreender a evolução do pensamento criminológico é importante para melhor entender a própria ciência jurídica e suas funções e �nalidades. Porém, como o Direito e a Criminologia são ciências sociais que apresentam características e problemáticas distintas de acordo com cada espaço-tempo Aula 4 A CRIMINOLOGIA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL Conhecer a Criminologia e compreender a evolução do pensamento criminológico é importante para melhor entender a própria ciência jurídica e suas funções e �nalidades. 55 minutos que se analisa, é fundamental que possamos estudar, de forma direcionada, a Criminologia e suas questões considerando especi�camente o âmbito brasileiro. Sendo a Criminologia uma ciência ainda pouco valorizada na América Latina, e considerando que a própria tradição jurídico-penal brasileira remete à prática europeia, é evidente que as obras estrangeiras são fundamentais à compreensão da problemática geral da criminalidade. Porém, é preciso ir mais a fundo no tema para entender, em profundidade, as problemáticas que envolvem a experiência especí�ca da sociedade brasileira e, assim, poder pensar soluções mais e�cientes para o país. É sobre isto que trataremos na presente aula: a evolução da Criminologia no Brasil. Vamos começar? ESTUDANDO A CRIMINOLOGIA DESDE O “SUL GLOBAL” Estudar a Criminologia, o Direito e a sociedade de forma geral desde o “sul global” é entender que se estuda desde uma sociedade pós-colonial, cuja história de formação encontra-se marcada por inúmeros episódios de exploração, de genocídios e de destruição, realizados em nome da razão e do progresso da humanidade. Como ensina Boaventura de Souza Santos (2006, p. 37), o “sul global” pode ser entendido como uma “[...] metáfora de sofrimento humano causada pelo capitalismo”, considerando o capitalismo como, sociologicamente, ele se apresenta: um sistema econômicoque surgiu como evolução do antigo sistema mercantil europeu e que, durante sua vigência, legitimou o desenvolvimento do “norte global” em detrimento da exploração do “sul global”. Re�ita Conhecer a Criminologia desde o “sul global” é, portanto, buscar a emancipação social dos conhecimentos produzidos exclusivamente pelo “norte global” e que, por tantas vezes, se preocupam apenas com a prática social e política que interessa aos integrantes daquelas sociedades, ao mesmo tempo em que ignoram os gravíssimos problemas ocasionados pela difusão da “civilização” europeia pelo resto do mundo – sendo o Brasil, sem dúvidas, um dos países mais afetados. Criminologia no Brasil A história do Brasil já começa marcada por um crime: o genocídio da população indígena, a primeira das três raças que compõem o país. Além da exploração dos recursos naturais brasileiros, o extermínio de aproximadamente três milhões de nativos (BRASIL, 2021) corresponde ao primeiro episódio – de muitos – de genocídio cometido pela Europa contra o povo do Brasil. Diz-se o primeiro porque não foi o único, já que se soma ao genocídio indígena o início de um projeto que, conforme ensina Abdias Nascimento (2016, p. 42), é o “[...] maior de todos os escândalos do caminho do progresso”: a escravização dos povos negro-africanos. Esse empreendimento de exploração humana absolutamente cruel e desumano tornou-se fonte de acumulação de riquezas de fundamental importância à Europa, e o Brasil ocupou lugar de destaque nessa indústria, sendo o país que mais recebeu escravos. A escravidão, o genocídio indígena e a exploração dos recursos naturais do território brasileiro pela Europa somam-se, conforme a história se desenrola, ao imperialismo norte-americano e à consequente exploração do Estado brasileiro pelo monopólio de poder que o sistema capitalista coloca nas mãos do “norte global”. Assim, falar a partir de um dos países do “sul global”, como é o caso do Brasil, é compreender, como investigador e parte dessa sociedade, quais estruturas de exploração e dominação compõem histórica, cultural e politicamente esse Estado. Estudar o crime e a criminalidade no Brasil é entender o papel que as instituições e estruturas de poder internas e externas desempenham em relação aos problemas sociais brasileiros. É entender que o racismo, o machismo e a desigualdade econômica são realidades sociais no Brasil, e que é impossível obter resultados satisfatórios e verídicos sobre a criminalidade no país se não se considerar como essas questões intervêm no resultado delitivo. É compreender a “marginalização” do Brasil no jogo político e econômico internacional, e interpretar os impactos que isso também traz à dinâmica criminal. É isso, portanto, que se deve considerar ao estudar a Criminologia e qualquer outra ciência social desde o “sul global”. Figura 1 | Criminologia no Brasil. Fonte: Shutterstock. VIDEOAULA: : ESTUDANDO A CRIMINOLOGIA DESDE O “SUL GLOBAL” Aula em vídeo sobre a perspectiva pós-colonial para compreender e aplicar os conhecimentos criminológicos aos países do “sul global”. O PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO NO BRASIL: PRIMEIROS CONTORNOS O histórico de evolução das penas no Brasil se inicia profundamente vinculado à legislação europeia. Isso porque, como colônia, o Brasil restou submetido às leis portuguesas por 230 anos. Durante esse período prévio à legislação propriamente brasileira, portanto, vigoraram no território brasileiro as Ordenações Afonsinas (1447- 1521), Manuelinas (1521-1603) e Filipinas (1593-1830). Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. Tais diplomas determinavam formas de punição próprias do período absolutista e previam penas que iam desde castigos corporais até penas patrimoniais, ou mesmo penas capitais. A pena atuava causando sofrimento físico no condenado, e ainda se previam regras de direito penal de caráter privado, sendo facultado à vítima de certos delitos a determinação das penas aplicáveis ao desviante. Importante! Só eram considerados como “seres humanos”, ou como “cidadãos” para �ns de proteção da legislação portuguesa vigente no Brasil, os próprios portugueses, seus descendentes e os demais europeus que aqui se encontravam. Era ao homem branco e dono do capital, que vinha exterminando os nativos, escravizando os negros e explorando um território tomado à força, que a proteção legislativa se destinava. Amparando-se em uma interpretação completamente equivocada do cristianismo, Portugal manteve todo um sistema desumano funcionando por décadas no Brasil, justi�cando, através da lei, o genocídio e a escravidão das outras duas raças que habitavam o território brasileiro. Sistema jurídico-penal brasileiro A tradição jurídico-penal brasileira já surgiu profundamente contaminada pelo patriarcalismo, que impunha valores pautados pela convenção religiosa e propagava o machismo; pelo racismo, que possibilitava a construção do “império europeu” através da exploração humana; e, consequentemente, pela profunda desigualdade econômica, em um Estado que se construiu, durante séculos, investindo ativamente no acúmulo do capital – e do poder – nas mãos do mesmo grupo. É assim também que o sistema jurídico-penal brasileiro se construiu como um aparato de repressão violenta, cujo objetivo primeiro foi investir no controle dos corpos negros e indígenas, disciplinando a mão de obra e prevenindo a resistência e a fuga dos escravos. Ou seja, o sistema penal surgiu no Brasil para garantir a manutenção da ordem dominante. A�nal, como bem ensina Foucault (1979, p. 8), a principal atribuição de poder do sistema penal não está na proibição das condutas delitivas, e sim na capacidade de gestão da vida social: Assim foi que o sistema penal brasileiro surgiu e atuou, em um primeiro momento, para controlar a vida dos grupos vulneráveis e para o melhor interesse do empreendimento mercantil português. Esse sistema foi criado para difundir o medo e desarticular as resistências, ocupando um papel central na naturalização da tese de “subalternidade” do negro e do índio (FLAUZINA, 2008). O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que este não pesa só como uma força que diz não, mas que, de fato, permeia, produz coisas, induz ao prazer, gera saber, produz discurso. Se deve considerá-lo como uma rede produtiva que cruza todo o corpo social muito mais que uma instância negativa que tem por função reprimir. O pensamento criminológico aplicado ao âmbito brasileiro, portanto, se confundia com os aportes europeus durante a vigência da colonização portuguesa, que justi�cavam penas corporais cruéis e que só viriam a ser questionados após a independência do Brasil do monopólio de Portugal. VIDEOAULA: O PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO NO BRASIL: PRIMEIROS CONTORNOS Aula em vídeo sobre os primeiros contornos do sistema penal e das tendências criminológicas no Brasil. O SURGIMENTO DA PRISÃO NO BRASIL Ao se tornar independente de Portugal, em 1822, o Brasil apresentou seu primeiro sistema penal genuinamente nacional. Porém, diferindo de diversos países da América Latina, que conquistaram suas independências por meio de movimentos populares, a independência brasileira foi uma revolução de caráter conservador, visando manter o status quo social (BUENO, 2020). Assim é que, mesmo após a declaração da independência do Brasil, o país se manteve organizado sob o regime monárquico, e sua base econômica se pautou pela manutenção do trabalho escravo. A ordem dominante foi, portanto, mantida, justamente porque as elites burguesas – que nesse momento eram, de�nitivamente, brasileiras – estavam todas unidas sob o mesmo objetivo: garantir que seus privilégios permanecessem. Desta forma, as legislações imperiais não inovaram na tendência criminológica racista que já vinha sendo aplicada. Constituição e Código Criminal do Brasil A Constituição (BRASIL, 1824) lançou para fora do espectro de cidadão brasileiro aqueles sujeitos entendidos pelas elites detentorasdo poder do Estado como mercadoria, mantendo como objetivo do Império o mesmo projeto colonial de exploração do trabalho escravo. O Código Criminal (BRASIL, 1830), na mesma direção, determinou que, ainda que em todos os demais âmbitos do Direito o escravo fosse considerado como um objeto, para os �ns do Direito Penal ele seria imputável, devendo responder pelas condutas criminais que realizasse. Ademais, o referido diploma trazia uma divisão profundamente segregadora na aplicação das penas. Aos “cidadãos” brasileiros, representados pelas elites brancas, eram destinadas diversas garantias surgidas por in�uência do movimento liberal-iluminista, tais como a abolição dos castigos corporais e cruéis. No entanto, ao seguimento negro escravizado, tais garantias, resultantes da evolução “humanista” da pena, não se aplicavam. Aos grupos sociais marginalizados, mantinham-se os castigos corporais, as torturas e as penas de morte. Cárcere no Brasil Quando o cárcere passou a vigorar no Brasil, com a criação da Casa de Correção do Rio de Janeiro, em 1850, essa tendência não mudou, e, em um primeiro momento, só tinham direito ao encarceramento os “brasileiros livres”, representados por uma só raça: a branca. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. Assim é que, em vez de se apresentar como uma evolução da pena in�uenciada pelos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” da Revolução Francesa, na experiência brasileira, o cárcere punitivo surgiu como um instrumento de segregação racial. Quando o cárcere punitivo começou a ser direcionado, também, ao seguimento negro, as marcas deixadas pela tradição jurídico-penal racista não foram superadas, e a prisão passou a ser instrumentalizada para o controle da massa negra, composta por escravos libertos. Como expõe criticamente Evandro Duarte (1998, p. 210): Assim é que, na experiência brasileira, o cárcere punitivo e o sistema penal surgiram e se desenvolveram conscientes do papel que desempenhavam na manutenção do status quo que privilegiava os interesses das elites dominantes, bem como da função de controlar e disciplinar os corpos negros e socialmente vulneráveis. Esses impactos ainda podem ser sentidos, não só no sistema penal e penitenciário, mas em todos os âmbitos da vida social no Brasil. Figura 4 | Constituição brasileira. Caro estudante, você compreendeu como o PDCA pode contribuir para as certi�cações ISO? A norma é totalmente construída a partir da metodologia do PDCA, entender esses conceitos irá auxiliar nos processos de certi�cação, ou simplesmente gerir os sistemas de qualidade de forma e�caz. [...] O desmando senhorial vai sendo substituído por uma prática policial que transforma a polícia urbana no novo supervisor, agora, do Estado, que era constituído de senhores proprietários. A rua passa a integrar a periferia da propriedade privada desses senhores, um espaço cotidianamente dominado por suas ordens; novos lugares de “escravidão” são criados. Na mesma medida em que os quilombos urbanos eram confundidos com coletivos criminais, também as prisões se tornavam reuniões de escravos fugidos e capturados. Fonte: Shutterstock. VIDEOAULA: O SURGIMENTO DA PRISÃO NO BRASIL Aula em vídeo sobre o surgimento da prisão no Brasil. ESTUDO DE CASO Analisar a criminalidade desde o “sul global” é, como visto nesta aula, compreender os impactos que a evolução histórica, cultural e política de um Estado pós-colonial ocasiona nas problemáticas sociais e criminais do país. Assim, para melhor compreender as diferenças entre o “norte global” e o “sul global”, considere as informações a seguir: 1. Europa: atualmente, caracteriza-se como uma das regiões mais pací�cas do mundo, porém o continente apresenta uma série de países onde o problema criminal ainda �gura como grave questão social. • O Reino Unido, composto por Inglaterra, Escócia e País de Gales, é uma das regiões mais perigosas da Europa. Entre as cidades de maior risco, estão Londres, Birmingham e Manchester, e os principais delitos cometidos são crimes patrimoniais, tais como roubo e furto, e crimes de terrorismo. Com relação aos homicídios e à violência, a região tem enfrentado um incremento na criminalidade, sustentando, atualmente, índice de 1,2 homicídios intencionais a cada 100.000 habitantes (GBM, 2018). • A Itália é outra das regiões mais perigosas da Europa, �gurando entre as principais cidades com maior índice de criminalidade Roma, Nápoles e Catania. Os crimes mais cometidos são delitos patrimoniais, vandalismo e atos de terrorismo. A Itália ainda apresenta alto índice de violência sexual; porém, em se tratando de homicídios e de violência, o índice de incidência é tão somente de 0,6 a cada 100.000 habitantes (GBM, 2018). 2. América Latina: con�gura-se, atualmente, como a região mais violenta do mundo (LISSARDY, 2019), apresentando alto índice de criminalidade nas mais diversas regiões. • A Venezuela é um dos países mais perigosos da América Latina, sendo o mais violento na América do Sul. Entre os crimes cometidos, estão principalmente os delitos patrimoniais e os crimes relacionados a drogas. Porém, o índice mais dramático é relativo ao número de homicídios e de crimes violentos: 56,8 homicídios intencionais a cada 100.000 habitantes, de acordo com pesquisa de 2017 (GBM, 2018). • O Brasil é o segundo país mais violento da América do Sul, estando entre os delitos mais cometidos os crimes patrimoniais e relacionados a drogas. Com relação aos homicídios e à violência, o Brasil carrega o número de 30,5 mortes a cada 100.000 habitantes, conforme pesquisa de 2017 (GBM, 2018). De acordo com as informações expostas sobre a criminalidade na Europa e na América Latina, re�ita e responda: você consegue identi�car as principais diferenças entre os problemas criminais nos países europeus e aqueles constantes na realidade latino-americana? Aponte as principais justi�cativas para essas diferenças na criminalidade em cada entorno social exposto. RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO Para alcançar conclusões satisfatórias sobre o fenômeno da criminalidade em qualquer sociedade, é fundamental realizar análises que permitam a comparação entre realidades diversas. Não para que um caso sirva de solução ao outro, mas sim para que, na comparação, se encontrem semelhanças, sinergias e Para visualizar o objeto, acesse seu material digital. diferenças. Assim, toda comparação deve ser feita de forma contextualizada e crítica, e quando se faz isso considerando os dados sobre os quatro países apresentados na situação-problema, o antagonismo entre as realidades da criminalidade no “norte global” e no “sul global” �ca ainda mais evidente. Isso porque a Europa já apresentou índices de homicídio intencional e violência bastante similares àqueles hoje encontrados na realidade latino-americana; porém, na era pós-moderna, o continente foi capaz de livrar-se dessa tradição de violência, alcançando o status de uma das regiões mais seguras do mundo (LISSARDY, 2019). Não é apenas por coincidência, no entanto, que a conquista europeia relativa à redução dos índices de criminalidade se desenvolva, justamente, enquanto essa mesma Europa extermina, explora e rouba fora de seu território, nas colônias. Na verdade, é com os recursos obtidos através desse empreendimento colonial, o qual, como visto, foi tão letal para tanta gente, que a Europa consegue enfrentar a miséria, a desigualdade e tantos outros problemas sociais que apresentava no passado. Os problemas pós-coloniais deixados pela intervenção exploratória e desumana da Europa nos demais países do mundo, portanto, não devem ser interpretados levando-se em consideração a realidade europeia – ou de quaisquer outros países do “norte” – como solução dos distúrbios criminais. A�nal, muitos dos problemas das demais regiões do mundo derivam do contexto histórico, social, cultural, econômico e político deixado pela intervenção europeia. Se na Europa, atualmente, são os crimes patrimoniais e o terrorismo,
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