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criminalidade sociedade violencia e controle social

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- -1
CRIMINALIDADE, SOCIEDADE, 
VIOLÊNCIA E CONTROLE SOCIAL
CAPÍTULO 1 – MODERNIDADE E SUAS 
CONSEQUÊNCIAS: COMO TRATAR E 
ESTUDAR O FENÔMENO DA 
CRIMINALIDADE?
Ronaldo Félix Moreira Júnior
- -2
Introdução
Muito se debate, seja no âmbito acadêmico ou mesmo no cotidiano, a respeito da modernidade e de seus efeitos.
Atualmente, indaga-se: o que leva ao crescimento da criminalidade? Qual a relação entre a globalização e as
políticas públicas de segurança de um Estado? Para responder a essas perguntas, é preciso compreender temas
relevantes, como modernidade, segurança e violência.
É impossível que algumas mudanças nas últimas décadas (no que diz respeito aos hábitos e até mesmo à cultura
da sociedade ocidental) tenham passado despercebidas. Em boa parte, essas alterações foram trazidas pelos
incontáveis avanços tecnológicos surgidos nos últimos anos. Nesse sentido, este capítulo tem como um de seus
objetivos responder à seguinte indagação: em que consiste a modernidade? Além disso, ele também procurará
associar os conceitos de , , entre outros, aos diferentes modernidade sociedade de consumo conflitos sociais
existentes.
A fim de atender a esses objetivos, em um primeiro momento faz-se necessário compreender os termos 
 e e entender como essas ideias estão indissociáveis dos conflitos sociais.modernidade contemporaneidade
Em seguida, a sociedade será analisada a partir de seus conflitos, com base na relação entre criminalidade e
violência nos dias de hoje. Finalmente, uma vez que não se pode separar o estudo da contemporaneidade e
violência das noções trazidas pela criminologia, a terceira parte desse capítulo se encarrega de explicar essa
disciplina e mostrar sua relevância dentro do contexto do estudo da política criminal e da segurança pública
como um todo. Após isso, o capítulo encerra com uma discussão a respeito da seletividade penal e do papel do
Poder Executivo e Judiciário dentro desse processo.
1.1 Temporalidade: modernidade e contemporaneidade
No que diz respeito à , seja na Filosofia ou na Sociologia, compreende-se que, ao observar atemporalidade
realidade, é possível perceber constantes mudanças, algumas das quais são irreversíveis. O autor Anthony
Giddens (1987) é responsável, entre outros, por sustentar que os últimos séculos (XIX e XX) são tão diferentes de
toda história anterior do ser humano de forma que sua interpretação deve se concentrar na natureza dessas
diferenças. As mudanças que aconteceram nesse curto período são, conforme ele, tão amplas quanto aquelas
ocorridas nos vários milhares de anos anteriores.
O estilo ou a chamada organização social surgida na Europa ao final do século XVII e que teve sua influência
disseminada em praticamente todo Ocidente (inclusive nos periféricos) é, para o autor, o que pode ser
considerado como , mas é necessário afirmar que a modernidade que se vive é completamentemodernidade
diferente daquela surgida naquele período.
1.1.1 Modernidade e seus termos
Devido às constantes transições, não apenas nos últimos séculos, mas nos últimos anos, inúmeros autores
trouxeram termos para explicar o surgimento de uma nova forma da sistemática social: sociedade da
 ou são alguns dos exemplos mais comuns. Clique na interação a seguir parainformação sociedade de consumo
entender melhor estes conceitos.
Masuda (1982), por exemplo, vislumbra uma , na qual os computadores possuem umasociedade da informação
função de substituição do trabalho mental dos homens, permitindo a produção em massa de conteúdos
cognitivos e informações sistematizadas.
Nesse sentido, segundo Giddens (2007), o que realmente está acontecendo não é o fim da modernidade (por isso,
ele é um dos principais críticos ao termo ), mas a aproximação de um momento ainda ligado após-modernidade
ela, um momento no qual suas consequências se tornaram mais radicalizadas e universalizadas. Desse modo,
trata-se não de um fim, mas de uma , conceito que se relaciona com a noção de modernidade tardia
- -3
trata-se não de um fim, mas de uma , conceito que se relaciona com a noção de modernidade tardia
, de Zygmunt Bauman (2007).modernidade líquida
O que se entende, por exemplo, como , é, portanto, um importante aspecto dasociedade do consumo
modernidade líquida. Essa sociedade de consumo tem como premissa maior a satisfação dos desejos humanos
de uma maneira nunca antes realizada ou mesmo conjecturada pelas formações sociais anteriores. Conforme
Bauman (2007), essa promessa de satisfação permanecerá sedutora apenas enquanto esse desejo permanecer
irrealizado.
Ainda no que diz respeito ao consumo, Baudrillard (2008) menciona que a lógica do consumo ultrapassa os
próprios objetos. Não há, nessa lógica, saturação ou mesmo satisfação. Entende o autor que conceitos como
necessidade e utilidade não passam de aspectos ideológicos criados pela burguesia. Não se compra apenas um
objeto, mas um estilo de vida que evoca todo um sistema de significados.
É importante dizer que a vida no atual ponto da modernidade está sendo cada vez mais influenciada por eventos
ocorridos em locais sempre mais distantes. Isso quer dizer que eventos que ocorrem do outro lado do globo
podem muito bem influenciar acontecimentos no lado oposto. Os autores mencionados compreendem a
globalização como algo vinculado a esse fenômeno e dão como um exemplo desse fator de influência a atual
possibilidade de transmissão instantânea de informação. Para se ter uma ideia, o número de indivíduos com
acesso à internet foi incrivelmente maior do que o número de indivíduos com acesso ao rádio ou ao computador
pessoal no mesmo espaço de tempo quando essas tecnologias surgiram, como mostrado na figura a seguir:
Figura 1 - Quantidade de 50 milhões de usuários de cada tecnologia a partir do momento em que essas mesmas 
tecnologias foram lançadas ao público.
Fonte: GIDDENS, 2007, p. 22.
É de vital importância salientar que o fenômeno da globalização não foi responsável apenas por aumentar o
número de usuários de determinado aparato tecnológico ou mesmo por disseminar esse uso pelos mais diversos
países. Eventos danosos também acompanharam esse fenômeno, tais como o crescimento exagerado da
desigualdade, além de crises econômicas internacionais. Clique na interação a seguir para ler alguns exemplos.
 
Como exemplo, entre os anos 1989 e 1998, Giddens (2007) aponta que a participação da quinta parte mais pobre
da população do mundo na renda global teve um declínio de 2,3% para 1,4%. Enquanto isso, a proporção
relativa à quinta parte mais rica da população subiu. 
 
Não somente isso, a influência de empresas transnacionais tem se mostrado cada vez maior em países em
desenvolvimento, tanto que a regulamentação da segurança ou preservação ambiental têm se tornado menos
efetivas nesses lugares. 
 
É importante dizer que esse aspecto negativo da globalização nas economias capitalistas possui relevância no
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É importante dizer que esse aspecto negativo da globalização nas economias capitalistas possui relevância no
surgimento dos conflitos contemporâneos.
 
Pode-se mencionar, por exemplo, a situação da China que, apesar de ter tido um crescimento econômico
grandioso nos últimos anos, apresenta inúmeros problemas em relação à sua população, como o crescente
desemprego, que é agravado pela afluência de camponeses que escapam do campo para viver nas grandes
cidades. Sukup (2002) menciona que a tendência global de racionalizações e fusões de empresas gera milhões de
empregos perdidos, havendo um processo de agricultura sem camponeses ou mesmo indústria sem operários.
É necessário, portanto, compreender que essas complexidades do fenômeno global são responsáveis por abalar
as estruturas dos Estados nacionais, fazendo com que haja uma tentativa de controle (exercida por eles) e um
maior uso do poder punitivo. Nesse sentido, quando as fronteiras globais se tornam mais intangíveis e discursos
como o medo e a insegurança se espalham tão rapidamente como qualquer outra informação na atualidade, não
é inesperado o surgimento de políticas violadorasde direitos e garantias fundamentais.
Esse tema guarda uma estreita relação com o que é chamado de , sendo que é um dosprodução de riscos riscos
principais termos utilizados pelo autor Ulrich Beck (1986). Segundo esse autor, a sociedade humana na
modernidade deve ser estudada conforme a produção e distribuição dos riscos, que podem ser sociais, políticos,
econômicos, naturais e que tendem a escapar de instituições. O autor cita como exemplos a possibilidade de um
desastre nuclear, uma calamidade ecológica, os problemas derivados de um aumento populacional incontrolável,
terrorismo e outros eventos globais potenciais que oferecem um horizonte inseguro a todas as pessoas. Esses
problemas geram novos conflitos que são, por sua natureza, completamente diferentes dos conflitos típicos do
início da modernidade.
Figura 2 - Para Ulrich Beck (1986), as consequências da produção de riscos são mais desastrosas em países não 
desenvolvidos.
Fonte: De Visu, Shutterstock, 2018.
- -5
É de extrema importância salientar que, muito embora muitos autores da Criminologia coloquem o cerne dos
conflitos contemporâneos na desigualdade de classes e no problema da distribuição de riquezas, Beck vai além,
afirmando que a produção do risco também configura um cenário de desigualdades no âmbito internacional.
Como exemplo, grandes laboratórios químicos costumam se instalar com maior frequência em países periféricos.
Ressalta-se também que a importância dada aos riscos e sua produção não altera somente o comportamento dos
indivíduos, determinando também a aplicação de certas políticas pelos Estados nacionais, que acabam por gerar
mais conflitos do que por impedir que os riscos sejam efetivamente produzidos. Exemplificando, se um grupo de
pessoas representa teoricamente um risco, todas as características comuns desse grupo passam a não serem
levadas em consideração, restando apenas o rótulo de risco e perigo. Isso acaba fazendo com que tal grupo seja
sistematicamente marginalizado e tratado com processos de exclusão (BECK, 1986).
1.1.2 Contemporaneidade e seus conflitos
É de extrema relevância ressaltar, contudo, que tais medidas de exclusão e violadoras de direitos (comumente
utilizadas pelo poder punitivo estatal) nunca foram tratadas por Beck como uma resposta aceitável à produção
global de riscos. O autor, por outro lado, compreende que no atual estágio da modernidade deve haver uma
maior noção de hospitalidade e observância a direitos.
No Brasil, como se pode imaginar, os conflitos contemporâneos possuem suas próprias especificidades, mas
VOCÊ O CONHECE?
Ulrich Beck (1944-2015) é um dos principais autores da Sociologia contemporânea. Suas obras
têm como objetivo explorar a complexidade da modernidade reflexiva. Sua principal obra,
“Sociedade do Risco”, foi influenciada pelo desastre de Chernobyl ocorrido também em 1986
(BECK, 1986).
CASO
A diferença entre os conflitos contemporâneos e os conflitos no início da modernidade pode
ser muito bem vista dentro dos estudos sobre prisões de Michel Foucault (2012). Se a pena
aplicada a um determinado indivíduo antes ocorria na forma de torturas, essa pena passou a
ser aplicada na forma de prisão durante a modernidade. Isso não ocorreu devido a uma
iluminação do pensamento com uma tentativa de humanizar as sanções. Foucault afirma que
as prisões vieram com novas exigências econômicas, e com o medo político dos movimentos
populares, que se tornaram uma constante na França pós-revolução. Assim, por exemplo, se o
soberano, durante o período absolutista, necessitava demonstrar seu poder sobre os corpos
dos indivíduos e a submissão desses, na modernidade, esse soberano precisava docilizar esses
corpos, tendo eles sob seu controle para utilização, inclusive, como mão-de-obra.
- -6
No Brasil, como se pode imaginar, os conflitos contemporâneos possuem suas próprias especificidades, mas
normalmente associados a dois aspectos da pobreza – aspecto relativo e absoluto –, e principalmente em relação
à pobreza absoluta. Essas características são explicadas por Coutinho (2015). Clique nos a seguir paracards
conhecer as diferenças entre estes dois conceitos.
Pobreza absoluta
A é derivada do processo de exclusão, de rejeição do circuito de emprego e renda e do circuitopobreza absoluta
de consumo da sociedade.
Pobreza relativa
A pobreza relativa diz respeito ao indivíduo incluso, aquele que ganha pouco e possui um patrimônio, ainda
que pequeno.
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Figura 3 - Segundo Foucault (2012), o poder disciplinar seria exercido não somente nas prisões, mas também em 
outras instituições.
Fonte: Chris Howey, Shutterstock, 2018.
Segundo Coutinho (2015), o capitalismo é o sistema mais dinâmico para criar a desigualdade, exigindo mais
políticas públicas do Estado. Entretanto, o que se percebe em muitos países periféricos (como o Brasil) é um
distanciamento de políticas garantistas – com o objetivo de reduzir ambos os aspectos da pobreza – e uma
aproximação de políticas não garantidoras de direitos, fazendo com que a pobreza absoluta se alastre. Esses
processos podem ser analisados em diferentes realidades do Brasil, seja na área rural ou na metropolitana.
- -8
1.2 Contemporaneidade e complexidade
O termo está ligado a muitos fatores e pode ser utilizado para explicar diversos fenômenos nacomplexidade
modernidade. Para o autor britânico John Urry (2004), o que muitos analistas do século XXI (como Bauman e
Giddens) fazem é aplicar o que ele chama de na ciência social contemporânea, aindafísicas da complexidade
que não façam uso expresso do termo.
O estudo da complexidade, para Urry, trata da pesquisa sobre sistemas emergentes, dinâmicos e auto-
organizáveis, que se interagem de forma a influenciar as probabilidades dos eventos futuros (URRY, 2004).
Com efeito, é imperativo compreender, como já mencionado, que atualmente essas complexidades do global
geram uma maior tentativa de controle e um maior exercício do poder punitivo.
1.2.1 A relação entre criminalidade e violência na contemporaneidade
A violência é, no Brasil, um fenômeno estrutural que na modernidade se mostra incontrolável. Assim, o modo de
se combater essa violência também depende de mudanças de estruturas. Questiona-se, portanto, o fato de que se
a população considerada pobre no país representa uma percentagem tão baixa de perpetradores de condutas
positivadas como crimes – apenas 1% dos trabalhadores urbanos pauperizados está envolvido direta ou
indiretamente com a criminalidade (ADORNO, 2015) –, por que motivos a punição do poder estatal recai
preferencialmente sobre os mais pobres?
Não se pode descartar o fato de que há uma associação entre indicadores socioeconômicos com a evolução da
criminalidade. Não obstante, Adorno (2015) tem apontado para algumas mudanças contemporâneas nos
aspectos da criminalidade. Uma mudança central diz respeito ao fato de que o crime tem seguido a rota da
riqueza, e não da pobreza. Segue-se a circulação do dinheiro e riqueza mobiliária e imobiliária (por fronteiras
estaduais e nacionais), o que provoca mudanças abruptas no perfil urbano de cidades que antes eram
consideradas núcleos constituídos em torno de atividades rurais ou mesmo do comércio local.
VOCÊ QUER LER?
“O olhar do turista”, escrito por John Urry (1996), é uma grande contribuição para as ciências
sociais. Apesar de tratar de uma sociologia do turismo, Urry afirma a necessidade de um novo
modo de se fazer sociologia (voltado para a contemporaneidade) e aborda temas de grande
relevância, como o fato de que o próprio turismo é um elemento central de diversas mudanças
culturais que têm ocorrido na sociedade atual.
- -9
Figura 4 - Conforme Adorno (2015), a criminalidade tem seguido a rota de circulação de capitais, o que tem 
mudado o perfil urbano de determinadas cidades.
Fonte: Fred Cardoso, Shutterstock, 2018.
É certo que como resultados claros desse processo ocorrem alterações nos estilos de vida e nos padrões
cotidianos de consumo (como o aumento do consumo de álcool e drogas). Essa mudança pode ser verificadapor
meio de um aumento na demanda por certos serviços não necessariamente especializados, como auxílio
doméstico, vigilância e até mesmo higiene pessoal. Com efeito, tem-se uma mão-de-obra empobrecida que se
destaca do campo e das pequenas cidades em que há uma diminuta oferta de empregos.
Em cenários com essas características, é comum que haja o surgimento (ou aumento) de fenômenos como o
tráfico de drogas, que necessita de um mercado consumidor e também de pessoas que possam ser utilizadas
como peças descartáveis – como vigias para a chegada de drogas ou vendedores em pontos estratégicos
(ADORNO, 2015).
O crescimento das condutas violentas e criminosas, além da corrupção de autoridades, cria um círculo perverso
responsável por aumentar a própria demanda pela lei e pela ordem. Exige-se mais polícia, não importando que,
por vezes, ela seja arbitrária e até mesmo empregue o abuso da força, fechando o mencionado círculo sem
VOCÊ SABIA?
Cuiabá é hoje uma das capitais com a maior concentração de taxas de homicídio, ao mesmo
tempo em que tem atraído um número grande de trabalhadores das regiões circunvizinhas do
extremo oeste do estado de São Paulo, demonstrando a atração do fenômeno da criminalidade
para localidades de circulação de dinheiro e riqueza (ADORNO, 2015).
- -10
por vezes, ela seja arbitrária e até mesmo empregue o abuso da força, fechando o mencionado círculo sem
aparentes saídas. Clique na interação a seguir para continuar lendo sobre este assunto.
Dessa forma, no atual ponto da modernidade, costuma-se afirmar que houve uma promoção – por uma ideologia
neoliberal e um discurso fortalecido da lei e da ordem – de um neoconservadorismo no tocante à sua expressão
política. Para Thiago Fabres de Carvalho (2014), isso não apenas obliterou as bases assistenciais do Estado,
como também acentuou o déficit social nas democracias tanto dos países periféricos (como o Brasil) quanto nos
modelos “democráticos” das demais nações.
Para melhor exemplificar o que foi dito, pode-se entender o neoliberalismo como uma verdadeira doutrina
econômica que pretende ser uma opção diante do liberalismo clássico, de modo a evitar crises como a que
ocorreu em 1929 e que vem sendo exportada para países periféricos como o Brasil (MASSIMO, 2013). Da mesma
forma, entende-se como neoconservadorismo o conjunto de políticas públicas criminais voltadas ao punitivismo,
como as políticas criminais atuariais.
O que foi mencionado a respeito da sociedade do consumo possui sua relevância na temática atual por estar
ligada ao próprio conceito de dignidade humana, que, juntamente ao termo reconhecimento, são aspectos da
dependência de uma possibilidade de participação em uma sociedade de consumidores (CARVALHO, 2014).
Em outras palavras, o reconhecido é apenas aquele que for capaz de se mostrar pertencente a esse grupo por
meio do consumo, pois um discurso que foi incluído na contemporaneidade pelo modelo capitalista prega
justamente o único modo de vida digno aquele em que o indivíduo só é capaz de se realizar caso seja detentor de
determinados bens.
O outro lado do discurso do consumo também tem efeitos devastadores, pois prega que aqueles não habilitados
fiquem do lado de fora da sociedade, servindo de exemplo para os incluídos (CARVALHO, 2014). O controle penal
é totalmente voltado para os marginalizados, um controle do crime que despende de consideráveis quantias
estatais para seu setor repressivo. Desse modo, enquanto que, por um lado, esse controle é responsável pela
proteção das pessoas do grupo de incluídos e principalmente de seus bens, ao mesmo tempo, por outro lado, ele
é incumbido de depositar os economicamente incapazes em qualquer lugar longe da sociedade privilegiada
(como os presídios).
Com a prevalência da ideia de segurança sobre a ideia da solidariedade, parte da própria criminologia tem se
tornado administrativa e atuarial, sendo também chamada de “criminologia de guerra”. A segurança que é,
supostamente, exaltada (CARVALHO, 2014), encontra-se sob o gerenciamento de um verdadeiro Estado de
exceção que prega as ideias de uma sociedade do risco.
Assim, é possível afirmar que há evidências e características de um Estado de exceção dentro de uma sociedade
que se diz democrática, havendo clara e sistemática violação a direitos de certos grupos.
1.3 Criminologia, política criminal e segurança pública
Após a necessária explanação sobre modernidade e suas consequências – dentre as quais estão a extrema
mudança de hábitos e costumes humanos, além da necessidade constante do consumo – e dos eventos ligados à
violência e criminalidade na sociedade contemporânea, faz-se necessário também apontar o estudo específico do
fenômeno criminoso.
A Criminologia, como um conjunto de saberes derivados de outras ciências (como a Sociologia, a Filosofia e até
mesmo a Psicanálise), presta-se a esse papel de análise, mas antes que a criminalidade, na sociedade brasileira,
seja colocada em foco, é preciso compreender o nascimento dessa disciplina, assim como suas mais importantes
alterações com o passar dos anos.
1.3.1 Criminologia e escolas do pensamento criminológico
A origem etimológica do termo criminologia, conforme Penteado Filho (2016), é grega ( – crime; e crimino logos
– estudo). A disciplina tem como seu objeto o estudo de processos de criminalização, mas passou por grandes
mudanças desde que o termo foi utilizado em âmbito internacional no livro “Criminologia” (escrito por Rafael
- -11
mudanças desde que o termo foi utilizado em âmbito internacional no livro “Criminologia” (escrito por Rafael
Garófalo, em 1885). De modo geral, pode-se afirmar que a Criminologia tem sido responsável, de maneira
interdisciplinar, por analisar o que é considerado crime, o autor do delito e sua personalidade, a vítima e o
controle social das condutas positivadas criminalmente.
A origem da Criminologia é, contudo, incerta. Apesar de boa parte dos autores compreender que a Criminologia
como disciplina científica tenha surgido com os estudos de Garófalo e Lombroso (com o livro “O homem
delinquente”, em 1876), há quem acredite haver a existência de resquícios de uma Criminologia ainda na Idade
Média, sendo o livro “Malleus Maleficarum”, de 1487, considerado por alguns como um manual criminológico
rudimentar, uma vez que era utilizado durante o período inquisitorial e continha informações sobre o
processamento e julgamento de indivíduos considerados hereges e bruxas (KRAMER; SPRENGER, 2015).
Não obstante, a Criminologia também não pode ser vista como uma disciplina indivisível, de modo que não se
pode falar em Criminologia, mas em Criminologias. A principal divisão pode ser assim caracterizada:
Quadro 1 - Divisões da Criminologia e suas vertentes.
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em PENTEADO FILHO, 2016.
Este capítulo apresenta o estudo de diversas vertentes da Criminologia, sendo que o tópico atual possui uma
maior influência da Criminologia Crítica, por estar diretamente ligada a aspectos sociais da violência e da própria
atuação estatal. Ainda sobre a gênese da disciplina criminológica, é preciso mencionar as diferentes escolas de
pensamento a respeito das legislações criminais.
A primeira linha de pensamento veio com a , muito embora ela nunca tenha existidoEscola Clássica
propriamente (mas assim era denominada pelos positivistas). Conforme Penteado Filho (2016), era embasada
pelas ideias iluministas que fizeram com que Cesare Beccaria redigisse a obra “Dos delitos e das penas” (1764).
As ideias principais do pensamento de Beccaria estavam ligadas ao processo de humanização das ciências
penais. Outros pensadores, como Francesco Carrara e Giovanni Carmignani, compartilhavam de seu pensamento.
Penteado Filho (2016) ainda menciona que as bases teóricas para os clássicos se encontravam com o
jusnaturalismo (a ideia do direito natural, eterno e imutável) e com o contratualismo (as noções trazidas por
filósofos como Rousseau do contrato social). Apesar dessas teorias terem fundamentos contrários entre elas,
- -12
filósofoscomo Rousseau do contrato social). Apesar dessas teorias terem fundamentos contrários entre elas,
ambas surgiram como uma tentativa da burguesia em afastar o poder opressor do absolutismo, abordando a
existência de sistemas normativos que fossem anteriores e até superiores à noção do Estado.
São princípios fundamentais da Escola Clássica (PENTEADO FILHO, 2016) os listados a seguir. Clique para ver.
• 
A ideia de que o crime é um ente jurídico, uma infração e não uma mera ação.
• 
A punibilidade só pode ser baseada no livre-arbítrio.
• 
A pena deve ter um necessário caráter retributivo pela culpa moral do infrator, prevenindo delitos
posteriores e restaurando a ordem externa social.
• 
O método e o raciocínio lógico-dedutivo.
Pode-se concluir com a afirmação de que a Escola Clássica parte da noção de que o indivíduo é livre e racional,
possível de tomar decisões por si mesmo e agir conforme sua consciência, acreditando na possibilidade de ter
algum benefício com a ação delitiva. Por outro lado, a punição não pode ter um caráter meramente brutal. Deve
ser proporcional ao delito praticado e com o intuito e a capacidade de prevenir futuras condutas delitivas.
A , por sua vez, encontra suas raízes no século XIX, possuindo três fases distintas marcadasEscola Positivista
cada uma por um expoente: a fase antropológica, marcada por Lombroso; a fase sociológica, por Ferri; e a
jurídica, por Garófalo.
Cesare Lombroso (1835-1909) foi responsável por publicar, no ano de 1976, o livro “O homem delinquente”,
dando início ao período científico dos estudos criminológicos ao sistematizar os conhecimentos até então
esparsos sobre delinquência e criminalidade. Considerado o precursor da Antropologia Criminal, muitas das
ideias lombrosianas provinham de estudos da medicina, incluindo a ideia de muitos fisionomistas em traçar um
perfil físico do indivíduo criminoso.
A maioria das pesquisas realizadas por Lombroso ocorreram em manicômios e prisões e chegou a uma
conclusão sobre o caráter atávico do chamado criminoso nato: ele seria um indivíduo que regredia a um estado
primitivo. Nesse caso, a pessoa já nascia um criminoso, cuja degeneração era causada pela epilepsia. Assim, o
crime não seria uma entidade jurídica, mas um fenômeno biológico, motivo pelo qual não havia outro método de
análise senão o indutivo experimental (prevalecia o determinismo biológico).
Muitas críticas foram dirigidas a Lombroso, uma delas derivava do fato de que muitos indivíduos vítimas de
epilepsia não cometiam crimes. Havia também a crítica de uma total ausência de fatores sociais para a prática
delituosa. O pensamento de (discípulo de Lombroso, 1856-1929) surgiu para responder, em partes,Enrico Ferri
a essas questões. O crime agora não estava mais ligado somente a um determinismo biológico, mas a aspectos
físicos, antropológicos e também culturais – surgiu então a disciplina que ficou conhecida como Sociologia
Criminal.
Ainda é preciso apontar, como um dos expoentes da Escola Positivista, (1851-1934),Rafael Garófalo
responsável por afirmar que o crime se encontrava no próprio homem, revelando-se como uma forma de
degeneração (PENTEADO FILHO, 2016). Foi esse pesquisador que cunhou o termo , responsávelpericulosidade
por “medir” a porção que se deveria temer em um delinquente, concebendo a ideia de intervenção penal por
meio da medida de segurança. Ele também dividiu a delinquência em nata (infratores instintivos); fortuita
(ocasional); e por defeito moral (caso de assassinos violentos).
Ao contrário da Escola Clássica, é possível citar como corolários da Escola Positiva os listados na interação a
seguir. Clique para ver.
 
Direito penal como uma obra humana, não derivada de uma fonte natural.
•
•
•
•
- -13
 
A responsabilidade social decorrente de um determinismo social.
 
Delito como fenômeno natural e também social.
 
Pena como instrumento de defesa social.
 
Utilização primordial de um método indutivo experimental.
 
Crime, criminoso, pena e processo como objetos principais do estudo da ciência penal.
Além disso, não pode ser deixada de lado a denominada (ou Escola Sociológica Alemã Escola de Política
), tendo como um de seus principais expoentes, responsável por ampliar os conceitosCriminal Franz von Lizst
de criminologia (explicando as causas do delito) e penologia (as causas e efeitos da pena).
Penteado Filho (2016) apresenta como principais postulados da Escola de Política Criminal os itens listados a
seguir. Clique para ver.
Método indutivo experimental para a criminologia – a metodologia de análise de casos particulares comumente
utilizada nas ciências naturais.
A distinção entre imputáveis e inimputáveis com penas para os criminosos “normais” e medida de segurança
para os perigosos – havendo assim uma clara distinção entre o indivíduo “louco” e o criminoso consciente.
A apresentação do crime como fenômeno humano-social e também como fato jurídico – a aceitação de que o
crime é um fato comum ao convívio social e que deve ser tratado pelo Direito.
A função finalística da pena (prevenção especial) – direcionada principalmente ao agente que comete a infração.
A eliminação (ou substituição) das penas privativas de liberdade de curta duração – havendo uma maior
justificativa para a aplicação de penas mais graves.
Por mais que as principais escolas do pensamento criminal tenham abarcado ideias e conceitos que hoje são
impensáveis dentro de um Estado de direito, é inegável a importância de seu estudo para que se possa
compreender as mudanças na atualidade, pautadas no , uma corrente de pensamento queGarantismo Penal
preza por um sistema de garantias imprescindível para a existência do próprio Estado democrático de direito.
Para essa linha de pensamento (representada principalmente por ), os direitos fundamentaisLuigi Ferrajoli
exercem um importante papel na limitação da atuação do poder estatal.
O garantismo penal surge devido a necessidades específicas ligadas à crise do direito penal, sendo elas
mostradas na interação a seguir (PENTEADO FILHO, 2016):
 
A deslegitimação do sistema penal como um todo – sendo que ele se encontrava em crise devido à incapacidade
geral de coibir as atividades criminosas.
 
A existência clara de uma ligação entre o sistema penal e o sistema econômico – havendo, portanto, a aceitação
de razões econômicas para a prática criminosa, bem como um sistema seletivo de punição.
 
A contradição existente entre um sistema jurídico de caráter liberal e o processo contemporâneo de
encarceramento – não sendo mais aceitável que um sistema garantidor de direitos tivesse como uma de suas
consequências o hiperencarceramento (com todas as suas mazelas).
Há uma dupla função do garantismo: uma prevenção geral negativa, capaz de coibir a prática de delitos pelos
indivíduos, e uma prevenção de penas arbitrárias que sejam exercidas por particulares (e também de penas
injustas realizadas pelo poder público).
A análise garantista, no que pese sua complexidade teórica e finalidades pautadas na observância de direitos e
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A análise garantista, no que pese sua complexidade teórica e finalidades pautadas na observância de direitos e
garantias fundamentais, não está livre de críticas, de forma que, em relação à ideia de prevenção geral, não se
possui comprovação estatística de que a mera ameaça de punição seria eficaz, por si só, para reduzir o número
de cometimento de delitos. Não obstante, a tentativa de impedir as punições arbitrárias encontra grande
dificuldade, sendo, portanto, uma função inconsistente, tendo em vista as chamadas cifras ocultas – que são os
crimes não solucionados ou não punidos, números não considerados oficialmente. O sistema penal é, em si, uma
máquina deficiente, de modo que inúmeras situações descritas e positivadas como delitos ficam à sua própria
margem, sem qualquer interferência estatal. Recorda-se ainda que muitas vezes as chamadas reações arbitrárias
são causadas pelo próprio processo de criminalização de uma conduta (BARRETO, 2016).
Além das escolas apresentadas, outrasescolas de pensamento têm ganhado força nos últimos anos. O 
, encabeçado por , tem como objetivo justificar os institutos do Direito PenalFuncionalismo Penal Claus Roxin
por meio de suas funções político-criminais, com o intuito de reduzir as fronteiras existentes entre a política
criminal e a própria dogmática jurídico-penal para que se possa efetivamente chegar aos fins do direito. A pena
tem, portanto, a tarefa de tornar estáveis as expectativas existentes no meio social (BARRETO, 2016).
Já o , que surgiu na segunda metade do século XX no norte da Europa e tem se disseminadoAbolicionismo Penal
no restante do Ocidente, tem como base o paradigma criminológico do , ou teoria dolabeling approach
etiquetamento (proveniente da ideia de reação social), responsável pela virada criminológica (criminological
) ao compreender não ser um fator determinante o estudo do criminoso em si, nem mesmos de suasturn
motivações. Para essa teoria é preciso, primeiramente, realizar um estudo a respeito da própria natureza e
definição do que seria um delito.
Barreto (2016) aponta duas correntes derivadas do próprio abolicionismo. O Abolicionismo Fenomenológico,
de , prega a abolição do sistema penal devido a: 1) ocasionamento de sofrimentos desnecessáriosLouk Hulsman
repartidos injustamente na sociedade; 2) ausência de efeito positivo sobre os indivíduos envolvidos nos
conflitos; 3) dificuldade na manutenção do controle sobre tais indivíduos. Propõe o autor uma espécie de
substituição do sistema penal por instâncias intermediárias de solução de conflitos, com o fulcro de atender às
necessidades reais das partes envolvidas.
Já o abolicionismo de , de derivação marxista, compreende o sistema penal como umThomas Mathiesen
produto de uma estrutura produtiva capitalista. Mathiesen não defende apenas a abolição do sistema penal, mas
de todas as estruturas repressivas existentes na sociedade (BARRETO, 2016).
VOCÊ QUER VER?
O filme , com direção de Juan José Campanella, trata de umO segredo dos seus olhos
importante aspecto do Direito Penal: a vingança. Um dos personagens, Benjamin, relata o
momento em que foi designado para investigar o estupro e assassinato de uma jovem,
momento em que conhece Ricardo, marido da garota falecida e a quem promete encontrar o
responsável pelos atos. O filme é considerado por muitos criminólogos como um verdadeiro
tratado sobre a punição, trazendo à tela diferentes versões e perspectivas do que seria o ato
violento, sendo que “crime” é apenas uma dessas perspectivas apontadas. Além disso, o filme
traz a discussão da necessidade de existência de um direito penal e da suposta importância do
Estado como o único regulador das atitudes de uma sociedade.
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Apesar do pensamento garantista atual, bem como das demais correntes voltadas para a redução da
criminalidade e à observância de garantias fundamentais, nota-se, não somente no Brasil, uma quantidade
considerável de políticas públicas direcionadas aos processos de criminalização. Como mencionado, as políticas
de lei e ordem têm ganhado força, ainda que tenham caminhado em um sentido contrário ao dos representantes
da criminologia atual, pautando-se em uma lógica do risco.
1.3.2 Teorias criminológicas e segurança pública
O distanciamento entre a ação estatal nas políticas públicas e ideias criminológicas críticas atuais é bem
evidente. Isso pode muito bem ser representado pela lógica da gestão penal nas últimas décadas, que não apenas
fomentou a discriminação e segregação de determinados segmentos sociais, como também foi responsável por
criar, na concepção social, a ideia do condenado pelas instâncias penais como um inimigo, um . Dieteroutsider
(2013) relembra que, como foi apontado pela crítica criminológica, cada modo de produção possui formas
específicas de punição e encarceramento adequadas à sua reprodução e a seu desenvolvimento.
Dessa maneira, se na gênese do Estado capitalista era necessário que os encarcerados sofressem um constante
processo de “docilização” para que formassem a principal mão-de-obra para o desenvolvimento desse modo de
produção (conforme apontado por Foucault (2012)), atualmente, com o excesso dessa mão-de-obra, dentro da
sociedade contemporânea nasceu um crescente grupo de indivíduos não só incapazes de reproduzir essa
execução de trabalho, como também inaptos até mesmo para o consumo.
Menciona-se, como exemplo dessas “novas” políticas de segurança pública, as análises de risco de reincidência
nos Estados Unidos (política criminal atuarial) realizadas já no início do século XX. Em cada preso era realizada
uma análise para pontuar sua possível reincidência, mas os quesitos utilizados apenas serviam para estabelecer
uma rotulação segregadora, tendo em vista que entre os quesitos analisados estavam: tabagismo; falta de
ocupação lícita; prática de religião não-cristã; uso de drogas; e pais com antecedentes criminais (DIETER, 2013).
A crítica a esse tipo de política é uma crítica direta ao pensamento pautado no neoconservadorismo americano e
a ideias como a teoria das janelas quebradas, elaborada por expoentes da Escola de Chicago, como James Q.
Wilson.
VOCÊ QUER LER?
O livro “Antimanual de criminologia”, de Salo de Carvalho, é uma obra útil para docentes e
alunos que pretendem se aprofundar nos estudos criminológicos. Salo de Carvalho aponta,
com suas pesquisas, para a contradição inerente ao sistema penal, que atualmente é
responsável por realizar o oposto de seu escopo oficial: a segurança da sociedade e a proteção
de bens jurídicos.
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Diante das atuais circunstâncias relacionadas à criminalidade na sociedade, muitos autores, principalmente
aqueles vinculados aos estudos da criminologia crítica, vêm trazendo opções (ou soluções) não necessariamente
criminais, no intuito de efetivamente reduzirem a prática de crimes, bem como de impedir o aumento da
violência.
Tem-se como exemplos dessas opções as políticas de descriminalização de certas condutas, como o consumo e
venda em menor quantidade de entorpecentes (sendo a punição substituída por uma política de redução de
danos) e a aplicação de penas alternativas para delitos considerados menos graves, impedindo, assim, que um
condenado considerado de baixa periculosidade acabe sendo “contratado” pelas grandes organizações
criminosas que atuam dentro de presídios. Desse modo, também seria reduzida a população carcerária e
facilitados o controle da instituição prisional e a aplicação das diretrizes trazidas pela Lei de Execução Penal, Lei
n. 7.210 (BRASIL, 1984).
Figura 5 - Apontamentos das diferenças entre as políticas punitivas e políticas de redução de danos no que diz 
respeito ao uso de entorpecentes.
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em GUADANHIN; GOMES, 2017.
Ganha força também o debate relacionado à justiça restaurativa, tida como uma técnica de solução de conflitos
que tem como objetivo a sensibilidade durante a escuta não somente das vítimas como também dos ofensores.
Trata-se de uma técnica incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça pelo Protocolo de Cooperação para a
Difusão da Justiça Restaurativa (CNJ, 2014).
VOCÊ SABIA?
A , fundada pela Escola de Chicago (DIETER, 2013), postula queteoria das janelas quebradas
se a janela de um carro ou edifício for quebrada e for rapidamente reparada, há a tendência de
que o edifício ou carro sofrerão novos estragos. Assim, qualquer ato mínimo de vandalismo
deveria ser punido, para que não piore o “nível de criminalidade” em um determinado local.
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1.4 Seletividade penal: Poder Executivo e Poder Judiciário
Alessandro Baratta (2011), influenciado pela perspectiva da Sociologia do conflito de Austin T. Turk, definiu, em
“Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal”, a criminalidade como um social atribuído a um indivíduostatus 
por aquele que detêm o poder de definição (Estado). Esse indivíduo acaba então por se tornar revestido de uma
condição: a de violador de uma norma.
A visão mencionada do sistema criminal como o criador de seus próprios alvos ganhou força dentro do campo de
estudocriminológico. O sistema penal não é mais analisado como um conjunto inerte de normas sociais, pelo
contrário, é mais um sistema dinâmico de funções com três importantes características: 1) seu mecanismo de
produção de normas, responsável pela criminalização primária (legal); 2) seu mecanismo de aplicação das
normas, o processo penal em si (do inquérito policial ao julgamento pelo magistrado); 3) o mecanismo de
execução penal ou de medidas de segurança (BARATTA, 2011).
É preciso deixar claro que o direito penal não defende todos e também não defende somente os bens ditos
essenciais, não obstante, quando pune as ofensas aos bens que diz proteger o faz com desigual intensidade e de
forma fragmentária. Não somente isso, a lei penal não é igual para todos os indivíduos: ocorre uma distribuição
desigual do de criminoso na sociedade.status 
De igual forma ao que foi exposto por Alessandro Baratta, Juarez Cirino dos Santos (2006) entende que a
definição legal do crime está intimamente ligada à ideologia de uma suposta neutralidade do Direito como mera
ferramenta de justiça social, quando em verdade atua realizando o controle das vítimas da exploração e opressão
social, ou seja, dos marginalizados socialmente.
1.4.1 O papel decisivo do Poder Judiciário
É possível comprovar não somente a atuação seletiva por meio da atuação das polícias, mas também do Poder
Judiciário. Isso se torna possível ao se analisar o contingente carcerário no Brasil. Percebe-se uma atuação
racista do Poder Judiciário ao analisar determinados casos relacionados à aplicação de determinadas legislações.
Adotando a categoria negro (o que inclui pretos e pardos), é possível concluir que dois terços da população
encarcerada brasileira é negra. Segundo relatório do Ministério da Justiça, em todas as regiões da Federação
existe uma sobrerrepresentação do negro na população prisional. Ou seja, a proporção de pessoas negras
encarceradas é sempre maior do que a proporção de pessoas negras na população da região (CARVALHO, 2015).
Salo de Carvalho (2015) traz uma série de exemplos, entre eles, a aplicação da Lei n. 8.072, a Lei de Crimes
Hediondos (BRASIL, 1990). O autor aponta a demora de mais de 15 anos para que o Supremo Tribunal Federal
decretasse inconstitucional o dispositivo da legislação que determinava o cumprimento da pena em regime
integralmente fechado, algo cabalmente inconstitucional desde sua essência, contribuindo, assim, para o
aumento do encarceramento nacional.
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Figura 6 - Para Salo de Carvalho (2015), o Poder Judiciário exerce uma importante contribuição para o 
encarceramento da juventude negra e pobre da sociedade brasileira.
Fonte: oneword, Shutterstock, 2018.
No que diz respeito à Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas
sobre Drogas, é importante mencionar que caberia ao Judiciário a definição de diretrizes básicas de imputação, a
criação de certos guias de interpretação para restringir a vagueza e ambuiguidade da legislação, responsáveis
por provocar o encarceramento massivo da juventude negra das periferias.
Carvalho (2015) menciona ainda os crimes patrimoniais sem violência, que somam mais de cem mil pessoas,
conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional. Interessante mencionar que há inúmeros dispositivos
de tutela das elites que permitem que o condenado pelo crime contra o erário se isente de pena em caso de
devolução dos valores devidos. Os crimes contra o patrimônio público, nesse sentido, sequer constam nas
estatísticas carcerárias nacionais. Também deve-se ressaltar que não há quaisquer óbices à extinção da
punibilidade na legislação pelo pagamento do tributo nos casos de reincidência (tratando-se, claramente, dos
crimes comumente associados às elites econômicas brancas). Ainda assim, conforme mencionado por Carvalho
(2015), soou um escândalo nos meios jurídicos quando determinadas cortes cogitaram a possibilidade de uma
aplicação analógica de causa de extinção de punibilidade nos casos em que o autor do crime patrimonial não
violento indenizava ou restituía a coisa à vítima. Foi admitido, para esses casos, no máximo uma aplicação de
uma causa especial de diminuição de pena – vinculada ao arrependimento posterior no artigo 16, do Código
Penal (BRASIL, 1940) – ou da utilização da atenuante do artigo 65, III, b, do mesmo código.
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Síntese
O capítulo chega ao seu fim, tendo sido abordados os principais temas relacionados a assuntos como
modernidade e contemporaneidade; violência e processos de criminalização. O capítulo teve como objetivo
apontar como as mudanças atuais da modernidade e o discurso da insegurança e do risco têm sido responsáveis
por intensificar um já violento processo de criminalização que, ao contrário de corroborar com a redução da
criminalidade, presta-se somente a um processo cada vez maior de exclusão das camadas periféricas da
sociedade.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
• entender os diferentes conceitos de modernidade e como esse assunto é abordado por renomados 
autores da Sociologia britânica;
• distinguir os conflitos contemporâneos e conflitos típicos da modernidade;
• compreender a complexidade da relação entre criminalidade e violência na contemporaneidade;
• reconhecer os processos de seletividade penal;
• enumerar casos em que a atuação do Poder Judiciário tem corroborado para os atuais processos de 
exclusão;
• formular críticas às práticas contemporâneas de segurança pública vinculadas à seletividade penal.
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http://www.lancaster.ac.uk/fass/resources/sociology-onlinepapers/papers/urry-complexities-global.pdf
	Introdução
	1.1 Temporalidade: modernidade e contemporaneidade
	1.1.1 Modernidade e seus termos
	1.1.2 Contemporaneidade e seus conflitos
	1.2 Contemporaneidade e complexidade
	1.2.1 A relação entre criminalidade e violência na contemporaneidade
	1.3 Criminologia, política criminal e segurança pública
	1.3.1 Criminologia e escolas do pensamento criminológico
	1.3.2 Teorias criminológicas e segurança pública
	1.4 Seletividade penal: Poder Executivo e Poder Judiciário
	1.4.1 O papel decisivo do Poder Judiciário
	Síntese
	Bibliografia

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