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SU PR EM A – R EV IS TA D E ES TU D O S C O N ST IT U C IO N A IS | v. 2 | n . 1 | j an ei ro / j un ho 2 02 2 v . 2 | n . 1 | j aneiro / junho 2022 ISSN 2763-8839ISSN 2763-7867 SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-512, jan./jun. 2022. v. 2 | n . 1 | j aneiro / junho 2022 ISSN 2763-7867 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal) Os trabalhos estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional. É autorizada a reprodução total ou parcial desde que inserida a fonte e indicada a autoria do texto, no formato indicado na página inicial de cada artigo. Endereço: Coordenadoria de Pesquisas Judiciárias – COPJ, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação – SAE, Supremo Tribunal Federal – STF, Praça dos Três Poderes, Ed. Anexo II, Cobertura, sala 613, Brasília, DF, CEP 70175-900. Telefone: (61) 3217.3595/ (61) 3217.3500. E-mail: revistasuprema@stf.jus.br. Site: suprema.stf.jus.br/ Os conceitos e as opiniões expressos nos trabalhos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Secretaria-Geral da Presidência Pedro Felipe de Oliveira Santos Gabinete da Presidência Patrícia A. Neves Pertence Diretoria-Geral Edmundo Veras dos Santos Filho Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação Alexandre Reis Siqueira Freire Coordenadoria de Pesquisas Judiciárias Lívia Gil Guimarães Bruna de Bem Esteves Guilherme Enéas Vaz Silva Márcio Pereira de Souza José Carvalho Filho Maria José Fleury Coordenadoria de Biblioteca Luiza Gallo Pestano Luciana Araújo Reis Andréia Cardoso Nascimento Gabriela Ayres Miranda Cunha Coordenadoria de Difusão da Informação Thiago Gontijo Vieira Camila Penha Soares David Duarte Amaral Gabriela Alves Coimbra Jorge Luís Villar Peres Juliana Silva Pereira de Souza Márcia Gutierrez A. Bemerguy Rosa Cecilia Freire da Rocha Coordenadoria de Gestão da Informação, Memória Institucional e Museu Ana Paula Alencar Oliveira Assessoria de Assuntos Internacionais Ricardo Neiva Tavares André Nogueira R. V. Wollman Assessoria de Cerimonial Marco Aurélio M. Gonçalves Flavia Siqueira de Carvalho Secretaria de Tecnologia da Informação Venício Glebson D. da Silva Júlio César G. de Almeida Klayton Rodrigues de Castro Luiz Augusto da Silva Alves Flávio Abreu Amorim Secretaria de Comunicação Social Mariana Araujo de Oliveira Ana Gabriela Guerreiro Viola da Silveira Leite Erica Cristine Hofmann Renata Santiago M. Martinelli Bito Teles Gabriela Arnt Domingos Lessa Delorgel Valdir Kaiser Suprema [recurso eletrônico] : revista de estudos constitucionais / Supremo Tribunal Federal. – v. 1, n. 1 (jan./jun. 2021)- . – Brasília : STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2021- . 1 recurso online (v.) Semestral. Modo de acesso: https://suprema.stf.jus.br/ ISSN 2763-7867 1. Direito constitucional, periódico, Brasil. 2. Tribunal supremo, periódico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). CDDir-341.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ministro LUIZ FUX Presidente [3.3.2011] Ministra ROSA MARIA PIRES WEBER Vice-presidente [19.12.2011] Ministro GILMAR FERREIRA MENDES Decano [20.6.2002] Ministro ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI [16.3.2006] Ministra CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA [21.6.2006] Ministro JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI [23.10.2009] Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO [26.6.2013] Ministro LUIZ EDSON FACHIN [16.6.2015] Ministro ALEXANDRE DE MORAES [22.3.2017] Ministro KASSIO NUNES MARQUES [5.11.2020] Ministro ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA [16.12.2021] PRESIDENTE DA REVISTA Ministro Luiz Fux EDITORES-CHEFES Pedro Felipe de Oliveira Santos Alexandre Reis Siqueira Freire Lívia Gil Guimarães EDITORA-ADJUNTA Bruna de Bem Esteves ASSESSOR EDITORIAL José Carvalho Filho CAPA E PROJETO GRÁFICO Flávia Carvalho Coelho DIAGRAMAÇÃO Camila Penha Soares Gabriela Alves Coimbra REVISÃO DE NORMALIZAÇÃO (BIBLIOTECÁRIAS) Luciana Araújo Reis Andréia Cardoso Nascimento Gabriela Ayres Miranda Cunha Maria Tereza Machado Teles Walter REVISÃO DE IDIOMAS DA POLÍTICA EDITORIAL Ricardo Neiva Tavares Juliana Rolim Nobre Maia REVISÃO DE PROVAS EDITORIAIS Juliana Silva Pereira de Souza Márcia Gutierrez Aben-Athar Bemerguy Rosa Cecilia Freire da Rocha ESTAGIÁRIOS Raquel Beutel Semenzato Proazzi Alessa Sumie Nunes Noguchi Sumizono Carolina Silva Nogueira FOTO DA CAPA Vismar Ravagnani EQUIPE TÉCNICA CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL – Andrea Pozas-Loyo Universidad Nacional Autónoma de Mexico – Ciudad de México, México, Andreza Aruska de Souza Santos University of Oxford – Oxford, Inglaterra, Anne Levade Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne – Paris, França, Bruce Ackerman Yale University – New Haven, Estados Unidos, Christoph A. Kern Universität Heidelberg – Heidelberg, Alemanha, Eduardo Oteiza Universidad Nacional de La Plata – La Plata, Argentina, Ezequiel González Ocantos University of Oxford – Oxford, Inglaterra, Jaclyn Neo National University of Singapore – Queenstown, Singapura, Kendall Thomas Columbia University – New York, Estados Unidos, Lee Epstein Washington University – St. Louis, Estados Unidos, Murillo de Aragão – Columbia University – New York, Estados Unidos, Octávio Luiz Motta Ferraz King’s College London – London, Inglaterra, Paul Yowell University of Oxford – Oxford, Inglaterra, Paula Costa e Silva Universidade de Lisboa – Lisboa, Portugal, Remo Caponi Universitá degli Studi di Firenze – Firenze, Itália, Rosalind Dixon University of New South Wales – Sydney, Austrália, Ruth Rubío Marin Universidad de Sevilla – Sevilla, Espanha, Shylashri Shankar Centre for Policy Research – New Delhi, Índia, Siri Gloppen University of Bergen – Bergen, Noruega, Yaniv Roznai Interdisciplinary Center – Herzliya, Israel. CONSELHO EDITORIAL NACIONAL – Ana de Oliveira Frazão Universidade de Brasília – Brasília/DF, Ana Luiza Pinheiro Flauzina Universidade Federal da Bahia – Salvador/BA, Ana Paula de Barcellos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Antônio Gomes Moreira Maués Universidade Federal do Pará – Belém/PA, Beclaute Oliveira Silva Universidade Federal de Alagoas – Maceió/AL, Daniel Francisco Mitidiero Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS, Daniel Wunder Hachem Universidade Federal do Paraná – Curitiba/PR, Gustavo José Mendes Tepedino Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Heloisa Helena Gomes Barboza Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Hugo de Brito Machado Universidade Federal do Ceará – Fortaleza/CE, Joaquim Shiraishi Neto Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Manaus/AM, Judith Martins-Costa Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/ RS, Lauane Braz Andrekowisk Volpe Camargo Universidade Católica Dom Bosco – Campo Grande/MS, Luciano Benetti Timm Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – São Paulo/SP, Misabel Abreu Machado Derzi Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte/MG, Nelson Juliano Cardoso Matos Universidade Federal do Piauí – Teresina/PI, Nelson Nery Jr. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – São Paulo/SP, Oscar Vilhena Vieira Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – São Paulo/SP, Otavio Luiz Rodrigues Jr. Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Teresa Arruda Alvim Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – São Paulo/SP, Vera Karam de Chueiri Universidade Federal do Paraná – Curitiba/PR, Vicente de Paulo Barretto – Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro/RJ e Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Porto Alegre/RS, Virgílio Afonso da Silva Universidade de São Paulo – São Paulo/SP. CONSELHO CIENTÍFICO – Adilson José Moreira Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo/SP, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ,Ana Elisa Liberatore Silva Bechara Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Ana Teresa Silva de Freitas Universidade Federal do Maranhão – São Luís/MA, André Gustavo Corrêa de Andrade – Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro/RJ, André Ramos Tavares Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Caitlin Sampaio Mulholland Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Camilo Zufelato Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto/SP, Carina Barbosa Gouvêa – Universidade Federal de Pernambuco – Recife/PE, Catarina Helena Cortada Barbieri Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – São Paulo/ SP, Claudia Lima Marques Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS, Clemèrson Merlin Clève Universidade Federal do Paraná – Curitiba/ PR, Daniel Antônio de Moraes Sarmento Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Diogo Rosenthal Coutinho Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Fayga Silveira Bedê Centro Universitário Christus – Fortaleza/CE, Gisele Fernandes Góes Universidade Federal do Pará – Belém/ PA, Gislene Aparecida dos Santos Universidade de São Paulo – São Paulo/ SP, Gustavo Binenbojm Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Heleno Taveira Torres Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Henderson Fürst de Oliveira Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas/SP, Heron José de Santana Gordilho Universidade Federal da Bahia – Salvador/BA, Humberto Dalla Bernardina de Pinho Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Ingo Wolfgang Sarlet Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS, Ives Gandra da Silva Martins Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo/SP, José Levi Mello do Amaral Jr. Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Juliana Cordeiro de Faria Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte/ MG, Katya Kozicki Universidade Federal do Paraná – Curitiba/PR, Leonardo Greco Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Lia Carolina Batista Cintra Universidade Federal de São Paulo – Osasco/SP, Loiane da Ponte Souza Prado Verbicaro Universidade Federal do Pará – Belém/PA, Luciana Yeung Luk Tai Instituto de Ensino e Pesquisa – São Paulo/SP, Luciano Vianna Araújo Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/ RJ, Luiz Alberto Gurgel de Faria – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN, Luiz Henrique Volpe Camargo Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS, Luiz Rodrigues Wambier Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – Brasília/DF, Marcelo Leonardo Tavares Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/ RJ, Marcus Lívio Gomes Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Marcus Vinícius Furtado Coelho Pesquisador independente – Brasília/DF, Margarida Lacombe Camargo Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Maria Celina Bodin de Moraes Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Néviton de Oliveira Batista Guedes Centro Universitário de Brasília – Brasília/DF, Nina Beatriz Stocco Ranieri Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Pedro Miranda de Oliveira Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis/SC, Pierpaolo Cruz Bottini Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Reynaldo Soares da Fonseca Universidade de Brasília – Brasília/ DF, Richard Paulro Pae Kim – Universidade de Santo Amaro – São Paulo/ SP, Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – Brasília/DF, Sheila Neder Cerezetti Universidade de São Paulo – São Paulo/SP, Silvio Luiz de Almeida Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo/SP, Suyene Monteiro da Rocha Universidade Federal do Tocantins – Palmas/TO, Thula Rafaela de Oliveira Pires Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Trícia Navarro Xavier Cabral Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória/ES, Valério de Oliveira Mazzuoli Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá/MT, Valter Shuenquener de Araújo Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ, Vinicius Gomes de Vasconcellos Universidade Estadual de Goiás – Goiânia/GO. APRESENTAÇÃO A Suprema – Revista de Estudos Constitucionais, periódico científico do Supremo Tribunal Federal, tem o propósito de valorizar a ciência e fomentar a produção de estudos e pesquisas qualificados. Em seu primeiro ano, a Suprema lançou dois números, nos quais publicou vinte artigos de fluxo editorial contínuo; quatro artigos em dossiê temático sobre a atuação das instituições no enfrentamento da pandemia da Covid-19; uma resenha sobre o livro The Cycles of Constitutional Time, do professor Jack M. Balkin, da Universidade de Yale; e uma entrevista concedida pelo ilustre professor José Afonso da Silva. Esses trabalhos foram disponibilizados, com acesso livre e gratuito, na página do periódico (www.suprema.stf.jus.br). Desde o lançamento da Revista em junho de 2021, foram mais de 9.000 acessos aos resumos e documentos publicados e mais de 9.000 downloads realizados. O número de acessos, visualizações e downloads demonstra o relevante alcance da Suprema, que não só se consolida como ambiente de difusão de textos qualificados nas mais diversas áreas do Direito e disciplinas afins, como também se materializa como ferramenta de diálogo no meio acadêmico, estimulando reflexões sobre temas interessantes e atuais. Nesta primeira edição de 2022, a Revista conta com uma entrevista com o professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.; uma resenha sobre o livro Constitutional Erosion in Brazil, escrito pelo professor Emilio Peluso Neder Meyer, da Universidade Federal de Minas Gerais; e doze artigos. A publicação deste número compõe-se de trabalhos submetidos por vinte autores e autoras, que abordam temas correlatos à atuação institucional do Supremo Tribunal Federal, como aspectos contemporâneos do contencioso constitucional e desafios do constitucionalismo na era digital. Os artigos da Suprema passam por um processo editorial qualificado, com o uso do mecanismo de avaliação double-blind peer review (avaliação às cegas por http://www.suprema.stf.jus.br pares), internacionalmente reconhecido. Por esse método, a identidade de autores e pareceristas é mantida em sigilo, a fim de garantir que a análise recaia exclu- sivamente sobre o conteúdo do trabalho. Destarte, assegura-se a publicação de artigos com qualidade atestada por pesquisadoras, pesquisadores e especialistas nas áreas de conhecimento abordadas nos respectivos textos avaliados. Além de publicar os artigos aprovados pelo mecanismo do double-blind peer review, a Suprema visa à publicação de tradução de textos de impacto no âmbito internacional, de resenhas de livros atuais e relevantes para a comuni- dade científica global, e de entrevistas com eminentes personalidades do mundo jurídico e áreas afins. Com essa estrutura, a Suprema espera contribuir, cada vez mais, com as discussões sobre o sistema de justiça e todas as atividades e saberes que dele fazem parte ou extravasam. Faz parte da concepção desta Revista ser ferramenta capaz de valorizar a memória daquelas pessoas que deixaram suas marcas para a compreensão e a prática do mundo jurídico contemporâneo, ao mesmo tempo em que promove, em seus artigos, debates da vivência presente e dos desafios que se projetam no futuro. A construção desse espaço de diálogo somente é possível pela confiança que inúmeras autoras, autores, resenhistas e pessoas entrevistadas depositam no trabalho desempenhado pela Suprema. Nesse contexto, ressalto, ademais, que todos os textos da Revista são regidos pela licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), que possibilita o livre uso e o compartilhamento dos textos, condicionados apenas à devida indicação da autoriae fonte. Esse tipo de compartilhamento do conhecimento garante que os múltiplos saberes veiculados na Suprema cheguem mais longe e sem grandes barreiras. Nessa esteira, registro que os textos publicados na Revista têm DOI (Digital Object Identifier), uma sequência alfanumérica de padrão internacional que iden- tifica cada arquivo publicado. Como cada elemento identificador é exclusivo, garantem-se a singularidade e reforça-se a persistência na web do arquivo ao qual se relaciona. Esse mecanismo, extremamente valorizado na editoração da Suprema desde o seu nascimento, busca transmitir justamente a importância da facilitação dos procedimentos de citação dos trabalhos e de referenciação de artigos. Por ser a ciência feita de acúmulo de conhecimentos e práticas, garantir o DOI nos textos publicados é também uma forma de elevar o fazer científico. A adoção dessa e de outras boas práticas reconhecidas nacional e inter- nacionalmente é fruto de um compromisso destinado a honrar a excelência da publicação no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Diante desse contexto, é possível afirmar que a criação da Suprema recrudes- ceu o valor que esta Instituição dá aos saberes pautados na ciência e à liberdade de expressão acadêmica. Desde o seu lançamento, mantém-se o escopo de destacar a ideia de que as instituições públicas, inclusive este Tribunal, precisam estar sempre dispostas a um diálogo atento com os membros da comunidade científica. Agora em seu segundo ano, a Revista continua a se consolidar como um espaço qualificado para publicação de estudos de temas insurgentes no âmbito do Direito e áreas afins, com a valorização de pesquisas originais e inéditas, baseadas em abordagens teóricas e empíricas. Com isso, objetiva-se que a Suprema seja capaz de gerar bons debates no campo do saber, de modo a proporcionar a oxigenação nos campos epistêmico e metodológico de forma perene e longeva. A Suprema é uma revista que está, a todo momento, com as portas abertas para submissões de artigos acadêmicos. Com um fluxo de recebimento contínuo, quem se interessar em submeter sua produção acadêmica ao periódico poderá fazê-lo a qualquer instante. Dessa forma, além de garantir a participação de todas aquelas pessoas que pretendam enviar seus trabalhos para avaliação, a Suprema se mantém próxima às discussões emergentes que permeiam a sociedade. Vale destacar que, para baixar gratuitamente a publicação, basta aces- sar o site da Revista. Com isso, reafirma-se o compromisso da Suprema com a difusão de saberes dentro e fora da comunidade acadêmica. Quando se garante a livre circulação de ideias, propagam-se a educação e o conhecimento, de forma a endossar valores importantes de uma sociedade que preza pelo Estado Democrático de Direito. Ademais, cumpre ainda ressaltar os estreitos laços desta Revista com as ideias contidas nos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU. Essa relação ocorre tanto no estímulo às publicações sobre as mais diversas temáticas engendradas na citada Agenda, como também no próprio modo de se produzir a Revista. Essa sintonia é mais uma faceta de destaque da Suprema, que tem também a Agenda 2030 como uma bússola. Finalmente, é deveras importante agradecer aos colaboradores da Suprema, que desde a sua gênese conta com a participação ativa dos seus conselheiros e conselheiras. Este é um valor a ser cultivado por toda a sua existência: envolver e absorver as mais célebres e distintas contribuições e apresentar-se como um periódico desenvolvido em um espaço plural de ideias. Essa variedade de pers- pectivas, que se repete na composição de nosso corpo de pareceristas, ocorre também em atendimento aos estritos critérios de exogenia da Capes, que preza pela atuação de professores, professoras, pesquisadores e pesquisadoras de todas as regiões do País e, também, claro, de filiação internacional. Também cabe agradecer aos servidores e servidoras deste Tribunal envol- vidos neste projeto, em especial à Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação (SAE). São profissionais comprometidos com a excelência deste periódico, que, com dedicação, realizam a leitura e a análise criteriosa dos textos; produzem conteúdo para a publicação; avaliam a implementação e atualização de recomendadas práticas editoriais; promovem a comunicação com conselheiros, pareceristas e autores; apresentam sugestões de normalização dos textos; exe- cutam a diagramação, a revisão de provas editoriais e a impressão do periódico; e realizam a divulgação e promoção da Revista. Desejo que a Suprema continue a fomentar a produção científica, a pro- mover a troca de ideias e, consequentemente, a instigar o aperfeiçoamento do campo jurídico e de suas instituições. Tenham uma boa e prazerosa leitura! Ministro Luiz Fux Presidente do Supremo Tribunal Federal e da Suprema – Revista de Estudos Constitucionais SUMÁRIO EDITORIAL ...................................................................................................................................................... 17 https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a163 SUPREMA ENTREVISTA https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a161 Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. ...........................................................................................................29 ARTIGOS Técnica decisória e diálogo institucional: decidir menos para deliberar melhor Decisional technique and institutional dialogue: deciding less to deliberate better Técnica decisoria y diálogo institucional: decidir menos para deliberar mejor https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a147 Luiz Guilherme Marinoni .............................................................................................................................49 O combate à Covid-19 e o papel do Supremo Tribunal Federal: entre direito à saúde e conflitos federativos Combating Covid-19 and the role of the Brazilian Federal Supreme Court: between right to health and federal conflicts La lucha contra el Covid-19 y el papel del Tribunal Supremo de Brasil: entre derecho a la salud y conflictos federales https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a148 Ingo Wolfgang Sarlet e Jeferson Ferreira Barbosa..................................................................................87 O direito à participação dos povos originários e o STF The right to participation of indigenous peoples and the STF El derecho a la participación de los pueblos indígenas y el STF https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a149 Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia e Diogo Bacha e Silva ...................................119 ADI 4.296 e liminar em mandado de segurança: uma proposta de compreensão de seu alcance ADI 4.296 and temporary injunction in writ of mandamus: a proposal for understanding its scope ADI 4.296 y tutela provisional en acción de amparo: una proposta para entender su alcance https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a150 Cassio Scarpinella Bueno .............................................................................................................................157 Litigantes repetitivos e modulação no controle de constitucionalidade Repeat players and modulation of effects in the control of constitutionality Litigantes reincidentes y modulación de efectos en el manejo de constitucionalidad https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a151 Susana Henriques da Costa e Marcos Rolim da Silva .........................................................................185 Consumismo, maquiagem publicitária e o dever de informação dos fornecedores Consumption, misleading advertising and supplier information duty Consumismo, publicidad engañosa y deber de información de los proveedores https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a153 Dennis Verbicaro e Luiza Tuma da Ponte Silva ................................................................................... 225 Formalismo jurídico: ascensão, declínio e renascimentoLegal formalism: rise, decline and rebirth Formalismo jurídico: ascenso, declive y renacimiento https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a154 Lucas Fucci Amato .........................................................................................................................................255 Enduring issues of digital exclusion, emerging pressures of internet regulation in Brazil Problemas duradouros da exclusão digital, pressões emergentes da regulação da internet no Brasil Problemas perdurables de la exclusión digital, presiones emergentes de la regulación de Internet en Brasil https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a156 Lílian M. Cintra de Melo ............................................................................................................................. 287 Exposição não consentida de conteúdos íntimos na perspectiva do Poder Judiciário brasileiro Non-consented exposure of intimate content from the perspective of the Brazilian judiciary Exposición no consentida de contenidos íntimos en la perspectiva de la justicia brasileña https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a157 Jhon Kennedy Teixeira Lisbino e Sónia Maria Martins Caridade ..................................................327 Controle da relevância e urgência em medidas provisórias pelo STF Judicial review of provisional measures’ importance and urgency by Brazilian Federal Supreme Court Control de relevancia y urgencia en las medidas provisionales por parte del STF https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a158 Lucas Custódio Santos, Guilherme Balbi e Guilherme Forma Klafke ......................................... 369 Redes sociais e limites da jurisdição estatal: análise sob as perspectivas da territorialidade e da efetividade Social media and the scope of state jurisdiction: analysis from the perspectives of territoriality and effectiveness Redes sociales y límites de la jurisdicción estatal: análisis desde las perspectivas de territorialidad y efectividad https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a159 Francisco de Mesquita Laux e Solano de Camargo ............................................................................ 407 A arguição de descumprimento de preceito fundamental como instrumento de controle de convencionalidade The claim of non-compliance with a fundamental precept as an instrument of conventionality control La alegación de incumplimiento de precepto fundamental como un instrumento de control de convencionalidad https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a160 Manuellita Hermes ........................................................................................................................................ 445 RESENHA Capturing the complexity of constitutional erosion and resilience in Brazil MEYER, Emilio Peluso Neder. Constitutional erosion in Brazil. Oxford: Hart Publishing, 2021. https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a162 Tom Gerald Daly .............................................................................................................................................479 POLÍTICA EDITORIAL ............................................................................................................. 495 Instruções Editoriais para Autores .......................................................................................................... 496 EDITORIAL POLICY ................................................................................................................. 503 Guidelines for Authors ................................................................................................................................. 504 EDITORIAL Submissão de artigos científicos por mulheres: para além de vigiar, é preciso agir sobre as estruturas sociais desiguais1 Com muito entusiasmo, dando continuidade à promoção de um espaço qualificado para o diálogo com a comunidade científica e com a sociedade civil, publicamos o primeiro número do segundo volume da Suprema – Revista de Estudos Constitucionais, a primeira edição do ano de 2022. Neste volume, a Revista renova seu compromisso com valores como a democratização da informação e a diversidade, além de consolidar o seu enga- jamento com a Agenda 2030 da ONU2, por meio da adesão aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dos quais destacamos o ODS 4, que preza pela educação de qualidade; o ODS 5, que defende a igualdade de gênero; e o ODS 6, que busca a redução de desigualdades. Com esse intuito, a Suprema ratifica critérios de gênero, raça e pluralidade regional para a seleção e a publicação dos artigos a ela submetidos. Justamente nesse contexto, haja vista os propósitos que norteiam a condu- ção dos trabalhos editoriais deste periódico desde o seu nascimento, relatamos a nossa percepção sobre o impacto negativo na produção acadêmica, sobretudo de mulheres, causado pela pandemia da Covid-19. Ainda que seja uma constatação partilhada em outras publicações – algumas delas mencionadas a seguir –, é importante fazer coro à preocupação com a sobrecarga de atribuições que recai sobre as mulheres e as impede de, na carreira acadêmica, evoluir em igualdade de condições com os homens, especialmente quando se trata de submissão e publicação de artigo – métrica usualmente relevante para avaliar a progressão na carreira acadêmica3. 1 Agradecemos à estagiária Raquel Beutel Semenzato Proazzi, que auxiliou com o levantamento e a consolidação das informações apresentadas neste editorial. 2 NAÇÕES UNIDAS, 2015. 3 Para esta e demais métricas, consulte: UNESCO, 2022. [ SUMÁRIO ] ISSN 2763-7867 https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a163 https://suprema.stf.jus.br/index.php/suprema/article Uma pesquisa realizada pelo Parent in Science4 demonstrou a desigual con- sequência da crise sanitária na produtividade acadêmica de homens e mulheres com as mesmas titulações. Em relação aos docentes consultados, o estudo apon- tou que apenas 49,8% das mulheres conseguiram submeter artigos acadêmicos conforme haviam planejado, ao passo que 68,7% dos homens tiveram êxito em fazê-lo. Também foi constatada uma diferença significativa entre pesquisadores de pós-doutorado que submeteram artigos conforme o planejado: 41,5% das mulheres e 65% dos homens. É interessante notar, em ambos os casos, que menos da metade das mulhe- res submeteram artigos científicos conforme haviam planejado, enquanto mais de 60% dos homens seguiram seus planejamentos acadêmicos. Em uma leitura interseccional dos dados, quando segregados por raça, percebemos que apenas 47,3% das mulheres negras submeteram artigos científicos como haviam pro- gramado, ao passo que 50,1% das mulheres brancas o fizeram, contra 63,2% dos homens negros e 70,4% dos homens brancos5. Por serem as mulheres ainda majoritariamente (quando não exclusiva- mente) responsáveis pelos deveres de cuidado em seus núcleos familiares – em relação a crianças ou mesmo a pessoas idosas –, não é difícil imaginar ou criar hipóteses sobre por que o número de artigos submetidos por autoras foi mais baixo que o apresentado por autores. O relatório da ONU Gender Equality: How Global Universities are Performing, divulgado em março deste ano, reforça essa constatação sobre as autoras acadê- micas e o baixo número de submissões. Segundo os dados apresentados, de fato o número de mulheres autoras é bastante reduzido (29%), e o período pandêmico também é apontado como um fator relevante e preocupante para a análise6. A atividade da escrita para a submissão de artigos exige tempo qualificado, com foco, silêncio e sem interrupções. Esse cenário foi bastante raro para quem passou por longos períodos de trabalho remoto durante a pandemia, parti- cular mente para aquelas em quem recaíram os deveres do cuidado da casa, dos filhos/as e de idosos. Mais uma vez, os dados do relatório da pesquisa do Parent 4 PRODUTIVIDADE..., 2020. Recomenda-se, também, STANISCUASKI et al., 2021. 5 PRODUTIVIDADE..., 2020. 6 Ver: UNESCO, 2022.18SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] 19SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. in Science segregados por parentalidade – um dos tipos de cuidado existentes no núcleo familiar – indicaram que somente 47,4% das mulheres com filhos/as (contra 56,4% das mulheres sem filhos/as) conseguiram submeter artigos cien- tíficos como planejado, em comparação com os 65,5% dos homens com filhos/ as (contra 76% dos homens sem filhos/as) que tiveram o mesmo êxito7. Confirmando essas estatísticas, a título de exemplo, os levantamentos apresentados pela DADOS: Revista de Ciências Sociais8, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, revelaram uma queda acentuada na quantidade de textos submetidos e assinados por mulheres como autoras ou coautoras. Constatou-se que, no início do ano de 2020, 40% dos artigos submetidos eram de autoria ou coautoria de mulheres, mas, no segundo trimestre do mesmo ano, esse quanti- tativo caiu para 28%. Ainda mais intensa foi a redução no percentual de artigos em que as mulheres eram as primeiras autoras: enquanto, no primeiro trimestre de 2020, representavam 38% dos artigos submetidos; no segundo trimestre, esse percentual diminuiu para 13%. Outra análise apresentada pela DADOS9 reforça a percepção do impacto da crise sanitária na produção acadêmica de mulheres. Ao longo dos anos, constatou-se uma crescente participação de autoras nos artigos publicados pela revista de ciências sociais, culminando em 42% entre os anos de 2010 e 2019. No entanto, em 2020, ano do início da pandemia da Covid-19, o percentual de artigos com participação de mulheres caiu para 38%, aumentando, portanto, para 62% aqueles escritos apenas por homens. Assim é que a pandemia da Covid-19, responsável por impactos nas mais diversas áreas da vida social, também foi causa de considerável abalo na produção acadêmica das mulheres, como não poderia deixar de ser, já que a desigualdade de gênero é um fenômeno instalado e persistente nas estruturas das relações em sociedade. Dessa forma, a despeito de a Suprema ter sido gestada e lançada durante uma crise sanitária, situação que prejudica qualquer análise comparativa dentro da realidade da própria Revista para os contextos pré e pós-pandemia 7 PRODUTIVIDADE..., 2020. 8 CANDIDO; CAMPOS, 2020. 9 CANDIDO, 2022. [ SUMÁRIO ] especificamente, arriscamo-nos a afirmar que esse cenário negativo sobre o reduzido número de submissões de artigos escritos por mulheres tenha também recaído sobre este periódico. O efeito colateral do cenário pandêmico foi percebido nesta edição da Suprema, em que há menos autoras e coautoras. Enquanto, no primeiro volume (que compreende a somatória dos dois números), houve uma participação paritária de homens e mulheres, neste primeiro número do segundo volume, verifica- mos que a quantidade de autores e coautores se sobrepõe consideravelmente à quantidade de autoras e coautoras. Vale destacar que essa discrepância não decorreu da qualidade dos textos submetidos. A quase totalidade dos artigos com participação de mulheres submetidos ao processo de avaliação double blind peer review recebeu recomendação de publicação. A diferença no quantitativo teve origem na baixíssima submissão de textos por autoras ou coautoras. Dito em outras palavras: o déficit esteve desde já no pool de artigos submetidos. O cenário sugere que os impactos negativos da pandemia na produção acadêmica de mulheres podem perdurar no tempo, com o risco de uma signi- ficativa regressão de suas participações no meio científico. Essa diminuição da expressão de pessoas do gênero feminino nos ambientes de criação e discussão acadêmicos, além de prejudicar diretamente as mulheres, traz danos à própria evolução da ciência, que perde ao deixar de contar com a perspectiva de quem representa aproximadamente 50% da população mundial10. Cabe a nós, como cidadãos e cidadãs, contribuir para a diminuição da sobrecarga das mulheres, estimulando sua atuação e seu crescimento nas mais diversas searas profissionais a todo o momento. O Supremo Tribunal Federal, na recente publicação Produção de Mulheres em Direito Constitucional11, destacou a situação de invisibilização pela qual as mulheres passam na produção do conhecimento no âmbito jurídico. A obra faz parte de uma teia de diagnósticos importantes, à qual se soma este editorial. É preciso vigiar para que a invisi- bilização que usualmente ocorre com o conhecimento já publicado não passe 10 Segundo dados da ONU sobre a população mundial, de 2019 a 2022, as mulheres representam 49,58% da população. Em termos de população brasileira, conforme dados do IBGE do primeiro trimestre de 2020, as mulheres equivalem a 51,74%. Para consultar, vide respectivamente: IBGE, 2022; NAÇÕES UNIDAS, [2019]. 11 BRASIL, 2022. 20SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] 21SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. também despercebida em etapa anterior12, qual seja, a de submissão de artigos científicos para avaliação e, posterior, publicação. É preciso, portanto, agir sobre as estruturas sociais de gênero que criam barreiras impeditivas à submissão dos textos autorais de pesquisadoras. Municiados desse diagnóstico, é preciso que também voltemos sempre nossos olhos para esse cenário que a pandemia ratificou e piorou. A tomada de consciência pela sociedade como um todo e pelas mais diversas instituições que lidam diretamente com essa realidade é um passo importante, para que, em fase posterior, se possam criar diagnósticos e planos de ação que lidem com mais essa faceta da desigualdade de gênero13. Não podemos permitir a regressão da consolidação da participação das mulheres em ambientes que anteriormente eram exclusivos do universo mas culino. Muito pelo contrário. É necessário estimular, cada vez mais, a diversidade, fazendo do ambiente acadêmico-científico um lugar receptivo para todas as pessoas que com ele desejem contribuir. Ainda sobre o tema da diversidade, mas sob outro aspecto, reiteramos que a Suprema preza pela diversidade, e isso também se manifesta na variedade de temas e abordagens de seus artigos. Neste número são explorados múltiplos assuntos que dialogam com o direito constitucional: direitos humanos, democra- cia, participação social, processo legislativo, dever de informação, violência de gênero e tecnologia. Além dos artigos publicados nesta edição, há também a entrevista com o professor Tercio Sampaio Ferraz Júnior, notável jurista brasileiro e autor da reno- mada obra Introdução ao Estudo do Direito14, essencial a milhares de acadêmicos do 12 Para aprofundamento do conhecimento sobre as desigualdades de gênero no ensino jurídico, ver os estudos empíricos: e CEREZETTI , 2019; CAMPOS, 2021. 13 O reconhecimento de que o exercício da maternidade nos primeiros meses de vida da criança pode impactar a produção científica e, consequentemente, a carreira acadêmica de mulheres pode também ser verificado pela recente permissão do CNPq de que pesquisadoras registrem, em seus currículos, o período de licença maternidade: “[...] a chegada dos filhos pode causar impacto significativo na produção dos pesquisadores, especialmente das mulheres, com desaceleração na elaboração de artigos, afetar o currículo e gerar desvantagem em relação a colegas.[...] Com a possibilidade de sinalizar o período da licença nessa nova versão do Currículo Lattes, recrutadores, universidades e agências de fomento à pesquisa poderão compreender o por quê da queda em sua produção”. Segundo a reportagem, 50% do total de pesquisadores cadastrados são mulheres (BOEHM, 2021). Esse é um exemplo de medida possível de ser realizada após a tomada de consciência e de diagnóstico sobre a realidade. 14 FERRAZ JÚNIOR, 2019. [ SUMÁRIO ] Direito no Brasil.O professor conta sua rica trajetória profissional e acadêmica e suas relações com a filosofia, o ensino, as artes e sua família. Além disso, expõe suas reflexões sobre o atual cenário brasileiro e suas perspectivas para o futuro. Neste primeiro número do segundo volume da Suprema, os doze artigos publicados são inéditos e passaram pelo sistema de avaliação às cegas por pares, isto é, foram submetidos ao double-blind peer review. A possibilidade de Cortes Supremas e Constitucionais decidirem a (in)consti- tucionalidade de questões ainda em debate popular e parlamentar é o tema em discussão no artigo “Técnica decisória e diálogo institucional: decidir menos para deliberar melhor”, do professor Luiz Guilherme Marinoni. O autor apresenta e discute o second look, uma técnica do Direito estadunidense destinada a proferir decisões sem o completo aprofundamento teórico. O autor entende que o uso da técnica é um meio adotado pelas Cortes para permitir a continuidade da deliberação social, ou então efetivamente promovê-la, em respeito aos diálogos públicos que buscam interpretar a Constituição. Voltado ao cenário pandêmico, no artigo “O combate à Covid-19 e o papel do STF: entre direito à saúde e conflitos federativos”, o professor Ingo Wolfgang Sarlet e Jeferson Ferreira Barbosa discorrem sobre os principais temas tratados pelo Supremo Tribunal Federal referentes ao direito à saúde e ao combate à pandemia. Na pesquisa, foi identificada uma quantidade expressiva de decisões e processos relacionados à pandemia e ao contexto federativo. Ante os dados, os autores entendem a intensa judicialização no contexto pandêmico como fruto das disfunções no sistema de saúde, da crise econômica e da má-governança, evidenciadas e intensificadas pela crise sanitária. O artigo “O direito à participação dos povos originários e o STF”, do professor Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia e de Diego Bacha e Silva, dedica-se a compreender a aplicação da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Os autores identificaram situações contraditórias em relação à obrigatoriedade de vinculação do consentimento dos povos tradicionais durante as consultas realizadas por ocorrências que lhes causam impacto direto. Em diálogo com o direito processual civil, no artigo “ADI 4.296 e liminar em mandado de segurança: uma proposta de compreensão de seu alcance”, o professor Cassio Scarpinella Bueno discute a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, 22SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] 23SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. § 2º, da Lei 12.016/2009 e seus efeitos. O autor questiona a constitucionalidade da vedação de liminar em mandado de segurança e destaca a importância de o Supremo Tribunal Federal apresentar respostas estáveis, íntegras e coerentes, por meio de fundamentação unívoca. Em seguida, o artigo “Litigantes repetitivos e modulação no controle de constitucionalidade”, da professora Susana Henriques da Costa e de Marcos Rolim da Silva, investiga a hipótese de que litigantes repetitivos apresentam vantagens no pleito de modulação de efeitos, no controle de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, os autores realizam um estudo empí- rico, com análise qualitativa dos casos julgados pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, comparando a argumentação dos litigantes repetitivos e seus respectivos resultados. A partir disso, concluem pela confirmação da hipótese, ainda que de forma cautelosa. Após, no artigo “Consumismo, maquiagem publicitária e o dever de infor- mação dos fornecedores”, o professor Dennis Verbicaro e Luiza Tuma da Ponte Silva exploram a temática do assédio de consumo, bastante presente na socie- dade contemporânea. O estudo é desenvolvido a partir da análise do marketing de corporações sob as diretrizes da responsabilidade social corporativa. Os autores defendem a importância de o consumidor ter acesso a informações transparentes e de qualidade de seus fornecedores, conforme as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Com uma abordagem mais teórica, o artigo “Formalismo jurídico: ascensão, declínio e renascimento”, do professor Lucas Fucci Amato, apresenta os modelos hermenêuticos presentes na estruturação do Direito e os relaciona aos contextos histórico, social e político a que estão vinculados. Nesse sentido, o autor analisa o formalismo jurídico clássico, o antiformalismo, a idealização interpretativa do direito e o formalismo jurídico contemporâneo. Além disso, destaca a retomada da tradição teórica do formalismo jurídico nas mais diversas correntes da teoria do direito contemporâneo. O artigo em língua inglesa “Enduring issues of digital exclusion, emerging pressures of internet regulation in Brazil”, da professora Lílian Cintra de Melo, aborda a exclusão digital a partir de uma visão estrutural da internet, promove uma revisão histórica acerca da regularização das telecomunicações no Brasil e constata fragilidades na promoção da inclusão digital no País. A autora defende a importância da compreensão da exclusão digital de forma mais aprofundada, [ SUMÁRIO ] com consideração aos fatores sociais e econômicos que a permeiam, especial- mente no contexto brasileiro. Adiante, o artigo “Exposição não consentida de conteúdos íntimos na perspectiva do poder jurídico brasileiro”, do professor Jhon Kennedy Teixeira Lisbino e da professora Sônia Maria Martins Caridade, apresenta o posiciona- mento do Judiciário sobre a exposição não consentida de conteúdos íntimos no ambiente virtual. Os autores desenvolvem uma análise empírica sobre o perfil das vítimas e dos acusados, a motivação dos crimes e o tratamento dos casos na jurisprudência, e destacam os impactos das mudanças sociais na condução dos litígios e na interpretação do Direito. O artigo “Controle de relevância e urgência em medidas provisórias pelo STF”, de Guilherme Balbi, do professor Guilherme Forma Klafke e de Lucas Custódio Santos, traz um robusto estudo empírico acerca das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) julgadas pelo Supremo Tribunal Federal entre 1988 e 2018. A pesquisa analisa como a Corte controlou a discricionariedade do Executivo em relação aos pressupostos de relevância e urgência, necessários à edição de medidas provisórias, e identifica três principais teses presentes nos votos dos ministros. A seguir, o artigo “Redes sociais e limites da jurisdição estatal: análise sob as perspectivas da territorialidade e da efetividade”, de Francisco de Mesquita Laux e Solano Camargo, discute os alcances e limites da eficácia das decisões judiciais estatais relacionadas à remoção de conteúdos na internet. Para tanto, são examinadas a amplitude e efetividade da jurisdição. A partir da análise, os autores sugerem a limitação territorial do alcance de decisões que bloqueiam postagens na internet a fim de mitigar posteriores discussões. Em relação às Cortes Constitucionais e ao diálogo com o direito inter- nacional, o artigo “A arguição de descumprimento de preceito fundamental como instrumento de controle de convencionalidade”, de Manuellita Hermes, tem enfoque no comportamento decisório do STF no tocante ao controle de convencionalidade. A autora analisa o uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) como meio de promoção do uso da técnica pelo Supremo Tribunal Federal e destaca a importância da ampliação dessa classe processual à condição de instrumento integrativo. 24SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] 25SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. Esta edição conta com um total de vinte autores/as e coautores/as, dos quais quatorze são doutores/as. Esses autores/as e coautores/asestão vincula- dos/as a quatorze instituições de ensino superior, de quatro diferentes países: Brasil, Alemanha, Itália e Portugal. Os autores/as e coautores/as filiados/as às instituições brasileiras provêm de oito diferentes unidades da Federação, com representação de todas as cinco regiões do Brasil: Centro-Oeste (Distrito Federal), Nordeste (Piauí), Norte (Pará), Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e Sul (Paraná e Rio Grande do Sul). Um resumo das estatísticas do primeiro número do segundo volume da Suprema é apresentado no gráfico a seguir. Gráfico 1 – Estatísticas do primeiro número do segundo volume da Suprema 91,7 % 91,7 % 25,0 % 70,0 % 100,0 % Exogenia dos autores/as e coautores/as Ar�gos com ao menos um/a coautor/a doutor/a Ar�gos com ao menos um/a coautor/a afiliado/a a ins�tuição estrangeira Autores/as e coautores/as doutores/as Ar�gos subme�dos ao double-blind peer review A Revista conta ainda com a publicação da resenha de autoria do professor Tom Gerald Daly, sobre o livro Constitutional Erosion in Brazil15, escrito pelo professor Emilio Peluso Neder Meyer. A resenha destaca a falta de produções acadêmicas em língua inglesa que tratem da democracia no Brasil. Em contra- ponto, identifica vasta produção acerca de países como Estados Unidos, Hungria, Polônia, Venezuela e até mesmo Israel e Índia. Além de apresentar reflexões sobre o termo constitutional erosion, o texto enfatiza a existência de ensinamentos importantes que a experiência brasileira pode oferecer a outros países. 15 MEYER, 2021. [ SUMÁRIO ] A realização deste número não seria possível sem a confiança e o compro- misso das autoras e dos autores, do entrevistado, do resenhista, das conselheiras e dos conselheiros, das pareceristas e dos pareceristas, das servidoras e dos servidores do Tribunal. Entendemos que a realização da Revista é um traba- lho conjunto e, por isso, agradecemos a todas e todos que contribuíram para a publicação de mais um número da Suprema – Revista de Estudos Constitucionais. Acreditamos que os doze artigos inéditos deste primeiro número do segundo volume da Suprema – Revista de Estudos Constitucionais, somados à inspiradora entrevista do professor Tercio Sampaio Ferraz Júnior e à instigante resenha de Tom Gerald Daly sobre o livro Constitutional Erosion in Brazil, escrito pelo professor Emilio Peluso Neder Meyer, oferecerão contribuições ao diálogo acadêmico e científico, no âmbito nacional e internacional. Desejamos a todas e todos uma ótima leitura e, como sempre, excelentes reflexões e discussões! Equipe Editorial Pedro Felipe de Oliveira Santos Editor-Chefe Secretário-Geral da Presidência do STF Alexandre Reis Siqueira Freire Editor-Chefe Secretário de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF Lívia Gil Guimarães Editora-Chefe Coordenadora de Pesquisas Judiciárias do STF Bruna de Bem Esteves Editora-Adjunta Gerente de Altos Estudos do STF 26SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] 27SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 17-28, jan./jun. 2022. Referências BOEHM, Camila. Currículo Lattes terá nova seção para registrar licença- maternidade: inclusão da licença é uma demanda de cientistas brasileiras. Agência Brasil, 12 abr. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/ geral/noticia/2021-04/curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca- maternidade. Acesso em: 24 jun. 2022. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Produção de mulheres em direito constitucional: bibliografia, legislação e jurisprudência temática. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022. 103 p. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/ bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Producao_mulheres_ direito_constitucional.pdf. Acesso em: 24 jun. 2022. CAMPOS, Isabelle Oglouyan de. Mulheres na academia: desigualdades de gênero no corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Cátedra UNESCO de Direto à Educação-USP, 2021. 64 p. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376046. Acesso em: 22 jun. 2022. CANDIDO, Marcia Rangel. Breve história da autoria de mulheres em DADOS. DADOS Revista de Ciências Sociais: blog, 8 mar. 2022 . Disponível em: http:// dados.iesp.uerj.br/historia-de-mulheres-em-dados/. Acesso em: 24 jun. 2022. CANDIDO, Marcia Rangel; CAMPOS, Luiz Augusto. Pandemia reduz submissões de artigos acadêmicos assinados por mulheres. DADOS Revista de Ciências Sociais: blog, 14 maio 2020. Disponível em: http://dados.iesp.uerj.br/pandemia- reduz-submissoes-de-mulheres/. Acesso em: 24 jun. 2022. CEREZETTI, Sheila Christina Neder et al. (coord.). Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto? São Paulo: Cátedra UNESCO de Direto à Educação-USP, 2019. 127 p. Disponível em: https://direito.usp.br/pca/arquivos/591479a9df46_367420por.pdf. Acesso em: 24 jun. 2022. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2019. XXVIII, 339 p. IBGE. PNAD Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022. Disponível em: https:// painel.ibge.gov.br/pnadc/. Acesso em: 24 jun. 2022. [ SUMÁRIO ] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca-maternidade https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca-maternidade https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca-maternidade http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Producao_mulheres_direito_constitucional.pdf http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Producao_mulheres_direito_constitucional.pdf http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Producao_mulheres_direito_constitucional.pdf https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376046 http://dados.iesp.uerj.br/historia-de-mulheres-em-dados/ http://dados.iesp.uerj.br/historia-de-mulheres-em-dados/ http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-submissoes-de-mulheres/ http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-submissoes-de-mulheres/ https://direito.usp.br/pca/arquivos/591479a9df46_367420por.pdf https://painel.ibge.gov.br/pnadc/ https://painel.ibge.gov.br/pnadc/ MEYER, Emilio Peluso Neder. Constitutional erosion in Brazil. Oxford: Hart Publishing, 2021. NAÇÕES UNIDAS. Department of Economics and Social Affairs. Population dynamics: World Population Prospects 2019. United Nations, [2019]. Disponível em: https://population.un.org/wpp/dataquery/. Acesso em: 24 jun. 2022. NAÇÕES UNIDAS. United Nations Development Programme. The Sustainable Development Goals (SDGs). UNDP, 2015. Disponível em: https://www.undp.org/ sustainable-development-goals. Acesso em: 24 jun. 2022. PRODUTIVIDADE acadêmica durante a pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade: levantamento realizado pelo Movimento Parent Science durante o isolamento social relativo à Covid-19. Porto Alegre: Parent in Science, 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ciencia/wp-content/uploads/2020/07/ LevantamentoParentinSciencePandemia.pdf. Acesso em: 24 jun. 2022. STANISCUASKI, Fernanda et al. Gender, race and parenthood impact academic productivity during the COVID-19 pandemic: from survey to action. 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[ SUMÁRIO ] https://population.un.org/wpp/dataquery/ https://www.ufrgs.br/ciencia/wp-content/uploads/2020/07/LevantamentoParentinSciencePandemia.pdf https://www.ufrgs.br/ciencia/wp-content/uploads/2020/07/LevantamentoParentinSciencePandemia.pdf https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2021.663252/full https://www.timeshighereducation.com/sites/default/files/the_gender_equality_report_part_1.pdf https://www.timeshighereducation.com/sites/default/files/the_gender_equality_report_part_1.pdf SUPREMA ENTREVISTA Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.1 Processo de escrita, artes e afetos Suprema. Professor, o senhor é um dos mais notáveis juristas brasileiros. Entre suas principais obras, temos a renomada Introdução ao Estudo do Direito, fundamental para a formação de diversos acadêmicos do Direito em todo o Brasil. Quanto à construção da obra, como se desenvolveu seu processo de escrita? Quais foram suas principais motivações e referências? Em sua visão, qual é a maior contribuição desse trabalho? TSF. A elaboração foi feita a partir de um convite da editora Atlas. Tomei por base as aulas que ministrava na Faculdade de Direito da USP. Mas o livro foi escrito em Lisboa, em cuja Universidade era professor convidado de filosofia do direito. Diante do grande número de obras conhecidas, tomei como um desafio escolher um enfoque diferente e original. Tinha em mente a Teoria Pura do Direito e a virada de foco que nela Kelsen trazia. Com Theodor Viehweg aprendera a importância da retórica para o direito. Mas aí também estava contido o linguistic turn da filosofia contemporânea, o que desenvolvi na perspectiva pragmática e comunicacional de meus estudos linguísticos. Talvez uma contribuição significativa tenha sido tornar visível como o estudo do direito pode e deve aliar o conhecimento dogmático com o zetético em cada um dos seus tópicos tradicionais. 1 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Suprema entrevista: Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. Fonte: arquivo pessoal do entrevistado. [ SUMÁRIO ] ISSN 2763-7867 https://doi.org/10.53798/suprema.2022.v2.n1.a161 https://suprema.stf.jus.br/index.php/suprema/article Suprema. Em uma de suas entrevistas,2 o senhor menciona a sua admiração pelos poetas do Largo São Francisco e seu encanto pela velha e sempre nova Academia, como carinhosamente é denominada a Faculdade de Direito da USP. Quais são suas lembranças afetivas da faculdade? Há um poeta/uma poetisa e um poema presente em sua memória até os dias de hoje? TSF. Quando terminava meu curso colegial, encantava-me a ligação de nossos poetas com a Faculdade do Largo São Francisco. Tinha também a presença da Revolução Constitucionalista de 1932, que meu pai, tendo nela lutado, nela me fazia pensar. Era a mostra do agasalho feito de amizade e mocidade, capaz de cobrir, sob um único teto, gente de tanta parte, do norte ao sul do País, de dentro e de fora, numa irmandade que Paulo Bomfim expressou com vibrante emoção: Onde estais com vossos ponchos, os fuzis sem munição, os capacetes de aço, os trilhos do trem blindado o lema de vossas vidas, a saga dos vossos passos, ó jovens de 32! Suprema. O senhor, que é membro da Academia Paulista de Letras, começou a escrever poesias desde a adolescência e, inclusive, tem um livro de poesias publicado, chamado Para sempre e sempre. Como foi o processo de escrita desse livro, que é também uma coletânea de cartas à sua esposa? O senhor ainda costuma escrever poesias? O que inspira o senhor durante a escrita literária? Pretende publicar outros livros dessa natureza? TSF. Escrevo poesia desde meus doze anos, mas nunca publicara um livro. Até que, nos meus setenta anos, recebi como presente de minha mulher, Sonia, um envelope. Apalpei-o e perguntei: um livro? Sim, era tudo que para ela compusera durante quarenta anos. O título veio de uma dedicatória que lhe fizera em um livro publicado por volta de 1988. Continua a escrever. Sempre para Sonia, Dela depende uma eventual publicação. Sempre e sempre... 2 A entrevista, realizada pelo Professor Henderson Fiirst, Conselheiro Científico da Suprema, encontra-se disponível em http://genjuridico.com.br/2019/05/28/resenha-introducao-estudo-do-direito/. 30SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. http://genjuridico.com.br/2019/05/28/resenha-introducao-estudo-do-direito/ 31SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. Suprema entrevista Suprema. Durante o período em que cursava a graduação, o senhor chegou a atuar na novela A Cabeçuda, da TV Cultura (emissora dos Diários Associados),3 no papel de um padre. Por que decidiu não continuar a carreira de ator? O que a atuação trouxe de ensinamentos ao senhor? TSF. A TV foi um episódio que vinha ao cabo de experiências de meus tempos de estudante no Colégio São Luís. Nelas aprendi a empostar a voz, mostrar a emoção, dominar a gesticulação. Mas minha maior vocação era a docência. Nela podia me descobrir também como ator. O ensino me fez perceber o palco da vida, o que fui sentindo desde meus tempos de estudante na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, quando era chamado a apresentar seminários. E, da Faculdade de Direito, tinha os exemplos marcantes de Goffredo Telles Jr. e Miguel Reale, artistas da palavra. Suprema. Além da literatura, da atuação, sabemos também que o senhor é um apreciador da música clássica. Como as artes se fazem presente no seu cotidiano? O senhor acredita que o seu fascínio pelas artes de uma forma geral agrega algo de diferente na sua forma de enxergar sua vida no Direito? E fora dele? Como ambas as esferas coexistem? TSF. Sempre estudei ouvindo música, desde criança. Acabei percebendo que a função significativa não é um privilégio da língua e da fala fonética. Há de se reconhecer, de todo modo, que o ouvir uma música transcende a audição no sentido fisiológico. Certamente é possível traçar um paralelo entre a capacidade orgânica do ouvido (altura do som, intensidade, velocidade etc.) e uma sequência musical, mas não seria isso que explicaria os efeitos na sensibilidade humana. A música, como o direito, é um mistério, o mistério do princípio e do fim da sociabilidade humana. Por essa via algumas curiosas aproximações entre música e direito merecem atenção. De que maneira o silêncio pode ser compreendido como um campo de possibilidades musicais ou uma pura manifestação comunicativa? Som e silêncio são elementos complexos da música e do direito. “Quem cala consente?” Eis uma indagação tipicamente jurídica. As pausas, as ausências, os vazios são prenhes de relevância. Num interrogatório, alguém pode recorrer ao direito de ficar em silêncio. E na música? Antes da música e para que haja música, deve haver silêncio. Nessa esteira, haveria na música, como no direito, gêneros e classes de silêncio. 3 A primeira telenovela da TV Cultura foi A Cabeçuda, lançada no dia 2 de outubro de 1960. Produzida por Lúcia Lambertini, a novela ia ao ar todas as segundas e sextas-feiras, às 20:30. Diário de S. Paulo, São Paulo, 5 out. 1960. 1° Seção, p. 9. (Citado por Eduardo Amando de Barros Filho). Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/ handle/11449/93375/barrosfilho_ea_me_assis.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 23 maio 2022. [ SUMÁRIO ] https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93375/barrosfilho_ea_me_assis.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93375/barrosfilho_ea_me_assis.pdf?sequence=1&isAllowed=yPrudentes, maliciosos, complacentes, inesperados, planejados, denunciantes, românticos, de desprezo, de admiração, de ódio, de amor? Suprema. Sua esposa, Sonia, seus filhos e seus netos sempre estiveram muito presentes em sua vida. Qual o papel e a importância desempenhada por seus afetos (familiares, amigos) para o seu desenvolvimento profissional? TSF. Com meus pais aprendi a ser como sou. De minha mãe, aprendi que o trato modesto das coisas da vida deveria ser o bom caminho para o convívio humano. De meu pai, que o apreço à cultura tanto mais dignificaria a existência quanto mais fosse recebida com humildade. Minha vida foi sempre como uma grande família. Philein, amar, tem muitas facetas. Meu encontro com os grandes filósofos gregos me ensinou que a palavra philos (amigo) expressa muitas relações. Philein, o verbo, ora se traduz por “sentir afeição”, ora “comportar-se de modo amigável”, mas também “ser hospitaleiro”, “dar o devido tratamento a um hóspede”, sentir que o outro é um outro, estranho que seja, mas a quem se deve acolhimento respeitoso. É nessa polissemia de significados que somos philos: na família, nas relações sociais, na comunidade. Trajetória, estudos e docência Suprema. Em seus tempos como aluno universitário, o senhor traçou uma trajetória interessante ao cursar Filosofia e Direito ao mesmo tempo. O que lhe motivou a estudar os dois cursos? Como, em sua experiência, a Filosofia contribuiu em seus estudos jurídicos e como o Direito contribuiu em seus estudos filosóficos? TSF. Foi no primeiro ano da Faculdade que o encantamento das aulas de Goffredo Silva Telles me levou a prestar o vestibular para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Não resisti ao apelo do mestre e decidi que os caminhos convergiam. Cursar duas Faculdades da USP, simultaneamente, podia ser um problema, me diziam. Mas em tempos de uma burocracia escriturária, própria ainda da era de Gutenberg, sem sistema informático, não resisti à vontade de enfrentá-lo. E a confluência dos caminhos, direito e filosofia, rendeu resultados. O apelo filosófico que invoca um olhar para a ciência como paradigma do conhecimento, de certo modo, também remove o encontro entre o ser humano e o mundo. A ciência descobre e esconde. A ciência do direito parece toda norma, mas é preciso o olhar para a filosofia do direito, que funciona, assim, como um antagonista da doutrina, destruindo seu possível nimbus de auto-evidência e 32SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. 33SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. Suprema entrevista constantemente se esforçando para melhorar sua qualidade através da análise e da crítica. O direito, por sua vez, traz para a filosofia a experiência da vida. Foi nessa confluência que se abriu para mim a percepção de que a fonte imediata do direito era a capacidade humana de julgar. E que o julgar é, no fundo, um ato dramático: quem sou eu para dizer como deve ser o outro? Suprema. Após concluir suas graduações no Brasil, o senhor embarcou em um novo desafio: o doutorado em Mainz, na Alemanha. Como foi para o senhor a vivência acadêmica em outro país tão distinto do Brasil? Quais dificuldades enfrentou? Alguém ou algo o incentivou a encarar esse desafio? TSF. Sair do Brasil, estudar fora, era um desafio e uma aspiração legítima. Afinal, como dissera Álvares de Azevedo em um discurso pronunciado no dia 11 de agosto de 1849, em sessão comemorativa da criação dos cursos jurídicos, o desenvolvimento escolastico nas Universidades de além-mar, applica-se inteiramente a nós, pois ainda após do dia 11 de Agosto de 1827, éra das Academias Jurídicas Brasileiras, temos sido reflexos das praticas e usanças européas. Litteratura, sciencias, artes, tudo isso aprendemos lá. Nessa esteira, fui para a Alemanha, aprender, com Theodor Viehweg, a importância da retórica para o direito e, por essa via, o linguistic turn da filosofia contemporânea. Mas a língua, a princípio, pareceu-me um obstáculo intransponível. Levei pelo menos um ano para ultrapassá-lo. Mas valeu: quando cheguei, mal conseguia pedir um copo d’água. Ao final, após três anos, na entrevista tradicional de todo doutorando com o diretor da Faculdade, conversando sobre minha tese, ele me perguntou se eu pretendia seguir em Mainz uma carreira; respondi que me sentia no dever de voltar a meu país; ao que, surpreso, ele, pegando meu dossiê, me disse: ah desculpe-me, pensei que o senhor fosse alemão. O obstáculo virara um trampolim. Suprema. Segundo manifestado em outras ocasiões, o senhor ingressou na faculdade de Direito motivado muito mais pelo que a Faculdade de Direito do Largo São Francisco representava do que pelo interesse em si no universo jurídico. O encantamento pelo Direito teria surgido somente após dez ou quinze anos de formado. A que o senhor atribui esse encantamento, ainda que tardio? TSF. Sempre tive uma vocação filosófica. O direito era antes um objeto de contemplação e docência. A virada para o cotidiano jurídico foi fruto das dificuldades de sobreviver, no Brasil, como simples professor. E no exercício [ SUMÁRIO ] profissional, o que era necessidade acabou se tornando encantamento, ao revelar-me no dia a dia o desafio concreto da justiça. Foi aí que aprendi que a justiça é um problema, mas um problema que ganha articulação a partir das decisões. O conteúdo está aberto, depende da decisão que vai ser tomada. Mas não aparecem separados, estão mutualmente em convergência, um provocando o outro. Justiça é problema e, como problema, ganha consistência conceitual a partir de tomadas de decisão que vão identificar o que é justo e o que é injusto, porém, de novo, de forma problemática! É problema cuja resposta paradigmática é, de novo, um problema a resolver. Suprema. Além de professor, em sua trajetória profissional, destacam-se o desempenho de funções como Procurador-Geral da Fazenda Nacional, secretário executivo do Ministério da Justiça, chefe de departamento jurídico da Fiesp, diretor jurídico de empresa multinacional, árbitro de arbitragens nacionais e internacionais, parecerista e advogado. Como a Filosofia se manifestou e se manifesta nessas experiências tão diversas? O que a Filosofia do Direito tem a agregar nesses espaços? TSF. Com Goffredo Silva Telles aprendi que quem sabe só o direito, referindo-se às suas técnicas, é uma triste coisa. Com isso me iniciei desde cedo nessa percepção afetiva do direito, como um braço que acolhe, que estreita fortemente, para ao final lançar-nos ao mundo em liberdade, liberdade de preservar as leis como são, para transformá-las em justas como devem ser. E isso exigia de mim um saber aberto, sem permanência especializada, mas sempre aurindo da especialidade tudo que precisava. Suprema. O início do exercício da advocacia lhe foi desafiador? Como o senhor enxerga a realidade da advocacia brasileira na atualidade? Considera que há muita diferença em relação ao período em que iniciou na profissão? TSF. Quando me formei, advogado era um profissional, não um funcionário. O escritório era o lugar do seu exercício. Hoje tornou-se uma peça num grande empreendimento empresarial. Antes, sentado em sua banca, o desafio era ser procurado. Hoje, o mundo advocatício é um mercado a ser explorado. 34SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. 35SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. Suprema entrevista Suprema. Entre suas preferências e ocupações, são nítidos o seu apreço e a sua paixão pelo ensino. Como se desenvolveu seu interesse pela docência? Poderia compartilhar conosco qual (e como) foi sua primeira experiência lecionando? Qual a importância que o ato de lecionar tem na sua trajetória profissionale pessoal? TSF. Quando estudava na Alemanha e me preparava para o doutorado em filosofia, meu pai me escreveu: um amigo seu, sabendo que eu estava por lá, recomendava que eu me dedicasse a um ramo jurídico que começava a ascender no Brasil: direito tributário. Esse amigo era Modesto Carvalhosa. Confesso que não segui o conselho. Doutorei-me em filosofia mesmo. Vencera a paixão pela docência. Filosofia e ensino jurídico Suprema. Em oportunidades anteriores, o senhor já mencionou que o que lhe encantou inicialmente no Direito foi a zetética. Essa, portanto, viria a ser justamente parte da premissa principal da sua obra Introdução ao Estudo do Direito, na qual o senhor se vale da dicotomia “dogmática x zetética” – pensada, inicialmente, pelo seu mestre na Universidade de Mainz, o Professor Theodor Viehweg –, para apresentar o Direito como uma experiência social concreta. O que lhe despertou tanto o interesse nessa dicotomia? TSF. A distinção remonta ao ceticismo grego e pode ser encontrada, pronunciadamente, em Quintiliano. Quintiliano, ao falar dos objetivos da ars oratoria, distingue entre questões legais e racionais (quaestio legalis ac rationalis), define as primeiras como finitae (finitas) e as segundas como infinitae (infinitas). Essa distinção, na diferenciação entre pensamento dogmático e pensamento zetético, vem à tona mais tarde com Viehweg, quando se preocupa com a orientação funcional das formas de pensar. O pensamento zetético, próprio de pesquisa científica, diz ele, é de caráter sempre provisório. Elabora suas premissas em forma experimental, as modifica e, se necessário, as abandona. Tem uma função principalmente cognitiva, através da qual ele é estruturado e determinado. No pensamento dogmático, as respostas, uma vez obtidas, são isentadas de questionabilidade e definidas absolutamente, pelo menos por um determinado período de tempo (pense-se na noção de doutrina dominante e de jurisprudência pacífica), tendo por função orientar a ação. Entre dogmática e zetética há uma constante correlação. Quando certas respostas dogmáticas são isentadas de uma discussão, suas respectivas formulações, em um dado momento, indicam apenas um estágio de argumentação para lidar com um problema determinado. Um sistema dogmático com efeito diretivo para a ação emerge de um sistema zetético que o critica e força sua superação em uma [ SUMÁRIO ] nova perspectiva dogmática. Percebe-se, então, que o conceito de pensamento zetético é mais amplo em comparação com o dogmático, no conjunto do pensar jurídico (no seu sentido mais amplo), pois um pensamento zetético também é possível no campo das questões em que uma sistematização dedutiva e fechada vigora, sem perda, porém, da referência ao problema, como ocorre, por exemplo, no campo das ciências sociais. O maior interese veio dessa possibilidade de se compreender melhor a disciplina jurídica como um todo, mais precisamente, em termos de dogmática jurídica (direito privado, direito público, direito civil, direito penal etc.), mas também de pesquisa científica (como sociologia do direito, antropologia jurídica, história do direito) e filosofia do direito (teoria jurídica como pesquisa dos fundamentos). Suprema. Com a Filosofia do Direito, o senhor conseguiu unir dois dos seus grandes interesses: a Filosofia e o Direito. O senhor acredita que o Direito carece de maior intersecção com outras áreas das Ciências Humanas, como a sociologia, a economia, a política, etc.? Como as universidades podem promover uma formação mais interdisciplinar para o estudante de Direito? TSF. Uma dogmática jurídica abrange os dogmas gerais de uma dogmata legal específica e que garantem sua uniformidade. É ela que confere sentido a noções fundamentais materiais como liberdade, igualdade, vida, segurança, propriedade, meio ambiente, consumo, concorrência, mas também formais, como validade, eficácia, hierarquia normativa, nulidade, revogação, direito adquirido, coisa julgada, ato perfeito etc. Dentro dos sistemas jurídicos atuais, a doutrina costuma estar ancorada constitucionalmente. Possibilita, desse modo, a manutenção do sistema dogmático como tal na alternância de situações, atuando como teoria geral de toda a criação jurídica (incluindo a criação jurídica judicial) e como teoria da interpretação para todas as interpretações. Como arcabouço extremo da dogmática jurídica, serve como regra de interpretação para todas as sentenças e termos nelas contidos. Uma dogmática jurídica obviamente não pode desenvolver e cultivar qualquer opinião jurídica. Em vez disso, só pode cumprir sua função social de regular o comportamento se sua doutrina básica, a teoria nela contida, puder ser suficientemente apoiada por fundadas razões. Deve, portanto, ser legitimada de forma especial. Tal legitimação pode ser alcançada por meio de diferentes bases, sujeitas ao escrutíneo zetético. No entanto, se, diante de um fundamento, dificuldades necessariamente surgem, provocadas pela pesquisa zetética em face da insuficiência das respostas dogmáticas, é preciso deixar claro que a zetética não substitui a dogmática. Quanto mais exigente e crítico o pensamento zetético se torna, menos ele serve para orientar a ação: ele só pode oferecer conhecimento 36SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. [ SUMÁRIO ] Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. 37SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2022. Suprema entrevista fragmentário, que está longe de ser suficiente para cumprir a função de um sistema dogmático. Seguindo essa consideração, pode-se definir as tarefas e limites das disciplinas jurídicas zetéticas (ciências sociais em sentido amplo), enquanto oferecem à dogmática jurídica uma doutrina básica. Teorias jurídicas devem ser consideradas a partir de uma atitude zetética, meros esboços para quaestiones infinitae, que são claramente distinguíveis em sua função e status de orientação para a ação. Referem-se, assim, a um importante papel: manter continuamente a pesquisa, fazendo da doutrina dogmatizada seu objeto de constante indagação crítica. Suprema. Em sua opinião, o ensino da Filosofia do Direito sofreu alterações significativas desde a época em que o senhor se graduou? Se sim, quais? Como podemos incentivar os estudantes a se engajarem mais na disciplina? Em que aspectos o ensino da Filosofia do Direito e do Direito em geral, no Brasil, ainda precisa avançar? TSF. Filosofia do Direito era uma disciplina de apoio, exigindo muito dos docentes para que fosse valorizada. Noto hoje uma significativa transformação particularmente no Brasil (lembro de um fato: no Congresso Internacional de Filosofia do Direito de 2011, em Frankfurt, de cuja abertura tive o prazer de participar, o maior contingente de inscritos, obviamente depois dos alemães, era de brasileiros). Não só a percebo como matéria de concursos públicos na área jurídica, como um interesse crescente enquanto instrumento crítico ou de inovação. Isso acontece em suas várias manifestações, por exemplo, na lógica (ver o crescente interesse pela inteligência artificial), na ética (o tema dos direitos humanos está presente na discussão dos sentidos de dignidade), na política (a delimitação e alcance da democracia no Estado Democrático de Direito), na metodologia (para além dos métodos dogmáticos, o papel da zetética na interpretação do direito) etc. O incentivo ao estudante exige um professor engajado, isto é, que saiba mostrar na própria experiência jurídica os aspectos filosóficos relevantes sem ficar em monótonas reproduções de sistemas filosóficos. [ SUMÁRIO ] Suprema. Como um dos alunos mais próximos aos professores Goffredo Telles Júnior e Miguel Reale, o senhor considera que eles tiveram alguma influência em sua decisão de exercer a docência? Há algum ensinamento ou lembrança da relação com esses professores que o senhor destacaria? TSF. O encantamento
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