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DIREITO PENAL – parte especial DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL ALESSANDRA ALMEIDA BARROS FORTALEZA-CE 2022 CONSTRANGIMENTO ILEGAL Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. AUMENTO DE PENA § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio. 2 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Constranger significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer. A violência e a grave ameaça são os meios primários de se cometer o delito de constrangimento ilegal. A violência há de ser física contra a pessoa, enquanto a grave ameaça representa uma intimidação, contendo a promessa de promover contra a pessoa um mal futuro e sério. Ao se valer do termo violência, referir-se à física, embora a grave ameaça não deixe de representar uma violência moral. A violência e a grave ameaça são exemplos de meios pelos quais a capacidade de resistir ao constrangimento é diminuída ou até anulada. Outras atitudes que sejam análogas podem favorecer a configuração do tipo penal. Exemplo: o sujeito fornece algum tipo de entorpecente para a vítima, a fim de impedi-la de agir no sentido que pretendia. 3 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Para a existência do delito, é necessário que o agente force a vítima a fazer ou não fazer algo mediante o emprego de violência física, grave ameaça ou qualquer outro meio que lhe reduza a capacidade de resistência. Na primeira, a vítima é forçada a fazer algo: a dançar com alguém, a levar o agente a algum lugar, a fazer uma viagem que não queria, a escrever uma carta, a dizer onde se encontra uma pessoa, a indicar onde se encontram certos documentos, a imitar um animal, a mergulhar em uma piscina gelada, a cortar a grama da casa do agente, a tomar um copo de bebida alcoólica, a usar cinto de castidade no período de ausência do marido etc. Na segunda, a vítima é coagida a não fazer algo: a não fazer uma viagem, a não ir às aulas, a não ir a uma festa ou baile, a não ir ao banheiro, a não dançar com alguém, a não apostar na loteria etc. 4 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Violência é a agressão ou o emprego de força física contra alguém. Exemplo: desferir socos ou pontapés, amarrar a vítima etc. Comete o crime quem segura a vítima para que ela não faça algo ou que emprega força física para obrigar a vítima a comer um pedaço de papel etc. Também existe o crime se alguém pega nos braços um portador de deficiência locomotiva levando-o para algum lugar contra a sua vontade, na medida em que há emprego de força física nesse caso. Quando a violência empregada provocar lesões corporais na vítima, ainda que sejam de natureza leve, o agente responderá pelas duas infrações penais, sendo somadas as penas. É o que prevê expressamente o art. 146, § 2º, do Código Penal, assim redigido: “além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência”. Grave ameaça é a promessa de mal grave a ser causado no próprio agente ou em terceiro. Comete o delito, por exemplo, a pessoa de proporções físicas avantajadas que, mediante ameaça de agressão, manda a vítima mudar de assento em um cinema. 5 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO Sujeito Ativo: Trata-se de crime comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa. Se o agente for funcionário público, cometerá crime de abuso de autoridade. Sujeito Passivo: Pode ser qualquer pessoa que tenha capacidade de determinação. As crianças de pouca idade e os doentes mentais graves não têm referida capacidade e, por isso, não podem ser sujeito passivo do presente crime. Pessoas jurídicas não podem ser sujeito passivo de constrangimento ilegal, e sim o representante da empresa que sofre a violência ou grave ameaça e, em nome daquela, realiza ou deixa de realizar algum ato contra a sua vontade. os surdos, cegos e portadores de deficiência locomotiva podem ser sujeito passivo de constrangimento ilegal. 6 ELEMENTO SUBJETIVO Exige-se dolo. Não existe a forma culposa. Há doutrinadores que defendem não existir elemento subjetivo específico (dolo específico), entretanto há outros que defendem ser necessário um fim especial de agir, que se consubstancia na vontade de obter a ação ou omissão indevida, ou seja, que a vítima faça o que a lei não determina ou não faça o que ela manda. Ausente essa finalidade especial, o crime poderá ser outro, conforme for empregada ameaça ou violência física (crimes de ameaça, vias de fato, lesões corporais). 7 OBJETOS MATERIAL E JURÍDICO O objeto material é a pessoa que sofre a conduta criminosa; O objeto jurídico é a liberdade física ou psíquica do ser humano. 8 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA O crime de constrangimento ilegal é material e consuma-se quando a vítima, coagida, faz o que o agente mandou que ela fizesse, ou deixa de fazer o que ele ordenou que não fizesse. Em suma, o delito se consuma no momento da ação ou omissão da vítima. É possível a tentativa quando o agente emprega a violência, grave ameaça ou a violência imprópria e não obtém, por circunstâncias alheias à sua vontade, a ação ou omissão da vítima. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente ameaça a vítima para que ela tome um copo de cachaça, mas a vítima deixa o local sem fazer o que o agente mandou. 9 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA 1 - Número mínimo de quatro pessoas: a majorante em estudo refere-se à prática do delito de constrangimento ilegal mediante o concurso de agentes. Exige-se o número mínimo de quatro pessoas. A lei fala em reunião de mais de três pessoas para a execução do crime, portanto, incluem-se nesse cômputo tanto os coautores como os partícipes. 2 - Emprego de armas: a majorante também incidirá se houver o emprego de armas. A arma pode ser: própria – todo instrumento especificamente criado para servir ao ataque ou defesa; incluem-se nesse rol as armas de fogo, como, por exemplo, o revólver, e as armas brancas, como, por exemplo, punhais etc.; imprópria – todos os instrumentos ou objetos que, embora não tenham sido especificamente criados para servir ao ataque ou defesa, possam ser empregados para tal fim, por exemplo, facões, navalha, pedra, tesoura, garrafa, faca de cozinha 10 CONCURSO DE CRIMES (ART. 146, § 2º) Prevê o § 2º do art. 146: “Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência”. Haverá concurso material de crimes se do emprego de violência para a prática do crime de constrangimento ilegal advier lesão corporal (leve, grave ou gravíssima) ou lesão corporal seguida de morte. Observe-se que a lei não se refere à ameaça, pois esta geralmente é meio empregado para o cometimento do crime de constrangimento ilegal. 11 CARÁTER SUBSIDIÁRIO O crime de constrangimento ilegal é um crime subsidiário, ou seja, somente se aplica se o fato não constitui delito mais grave. Ocorre que, em muitas situações, existe uma subsidiariedade implícita, na medida em que o delito de constrangimento ilegal figura como elemento ou circunstância de outro crime, tais como nos seguintes delitos: Código Penal: roubo (art. 157); extorsão (art. 158); sequestro relâmpago (art. 158, § 3º); extorsão mediante sequestro (art. 159); extorsão indireta (art. 160); atentados contra direitos dos trabalhadores (arts. 197-199); estupro (art. 213); Legislação Especial: art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 107 do Estatuto do Idoso; art. 301 do Código Eleitoral; e art. 28 da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83). 12 EXCLUDENTESDE ILICITUDE De acordo com art. 146, § 3º, do Código Penal, “não se compreendem na disposição deste artigo.: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; Na primeira hipótese, o agente não comete constrangimento ilegal quando emprega força física para realizar uma intervenção médica (transfusão de sangue, por exemplo) ou cirúrgica apesar da expressa discordância do paciente, desde que justificada a conduta por iminente risco de morte. O legislador entendeu pertinente deixar expressa tal regra a fim de evitar titubeios dos médicos, isto é, para que não temam responder por crime de constrangimento ilegal. Quando o paciente está desacordado e o médico realiza uma intervenção para salvar sua vida, a hipótese é de estado de necessidade de terceiro. 13 EXCLUDENTES DE ILICITUDE II – a coação exercida para impedir suicídio. A redação do dispositivo denota que, nesses casos, o fato é considerado atípico. Na segunda hipótese o emprego de violência ou grave ameaça para evitar suicídio já estaria acobertada pela excludente do estado de necessidade. Todavia, considerando que o suicídio ou sua tentativa não constituem crime, poderiam argumentar que as pessoas têm o direito de se matar, e, caso alguém as impeça com violência ou grave ameaça, estaria incursa no constrangimento ilegal. Por isso, entendeu o legislador ser conveniente deixar expressa a não configuração do delito em tais casos. Por isso, não constitui crime amarrar alguém para que ele não pule do prédio. 14 AÇÃO PENAL É pública incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal mesmo nas figuras qualificadas, já que a pena máxima não supera o limite máximo de dois anos. 15 16 AMEAÇA Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. 17 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Ameaçar significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo já fornece uma clara noção do que vem a ser o crime, embora haja o complemento, que se torna particularmente importante, visto não ser qualquer tipo de ameaça relevante para o direito penal, mas apenas a que lida com um “mal injusto e grave”. Considera-se grave o mal prometido quando se refere a bem jurídico relevante para a vítima, como a vida, a integridade física, o patrimônio, a honra etc. Exemplos: ameaçar a vítima de morte, dizer que irá jogar ácido em seu rosto, falar que vai atear fogo em sua casa etc. É ainda necessário que o mal prometido seja injusto, vale dizer, contrário ao direito. Se a concretização do mal prometido for permitida pela legislação, o fato será considerado atípico. Assim, não há crime em afirmar que vai despejar o inquilino que não paga os aluguéis, falar que vai protestar o cheque não honrado, anunciar que irá demitir empregado relapso etc. 18 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Embora não conste expressamente do tipo penal, é também necessário para a configuração do delito que a ameaça seja verossímil, isto é, que se refira a mal que possa ser concretizado. Por isso, não há crime quando o agente diz que fará cair um meteoro na casa da vítima ou que fará chover tanto a ponto de provocar inundação no bairro. Não há crime quando o agente roga uma praga à vítima dizendo, por exemplo, “tomara que você morra logo” ou “se Deus quiser você terá um infarto”. É que, nesses casos, o agente não prometeu um mal cuja concretização dependa dele de algum modo. Para alguns doutrinadores, só existe ameaça se o mal prometido é atual. Para outros, só existe se a promessa for de mal futuro 19 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR A ameaça é possível em ambos os casos. Tanto existe crime em apontar uma arma para alguém que está presente (promessa de mal atual), como lhe mandar um bilhete dizendo “quando eu te encontrar, vou te matar” (promessa de mal futuro). Nos dois casos, a vítima se sente amedrontada. Só não há crime quando o mal é prometido para um futuro longínquo, como, por exemplo, dizer para alguém de 18 anos de idade que, quando ele completar 80 anos, será morto. De acordo com o texto legal, a ameaça pode ser efetuada por palavras (na presença da vítima, por gravação de fita enviada a ela, por telefone), por escrito (carta, bilhete, e-mail, mensagem de texto), por gesto (apontar uma arma, fazer sinal com a mão como se tivesse apertando o gatilho de uma arma em direção à vítima, passar o dedo no pescoço simulando um degolamento etc.) ou por meio simbólico (enviar um pequeno caixão para a vítima, afixar à porta da casa de alguém o emblema ou sinal usado por uma associação de criminosos 20 CARÁTER SUBSIDIÁRIO O crime de ameaça é subsidiário, ficando absorvido quando a intenção do agente ao prometer o mal injusto e grave for a prática de crime mais grave. Se a intenção é subjugar a vítima para dela obter alguma vantagem econômica, poderão estar caracterizados crimes de roubo (art. 157) ou extorsão (art. 158). Se a finalidade é forçar a vítima a fazer ou não fazer algo, o crime é o de constrangimento ilegal (art. 146). Se a intenção é a de evitar a execução de ato legal por parte de funcionário público, o crime é o de resistência (art. 329). Se a ameaça é proferida para viabilizar abuso sexual contra a vítima, o delito é o de estupro. 21 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO Sujeito Ativo: Trata-se de crime comum; qualquer pessoa pode praticá-lo. Em caso de conduta de funcionário público no exercício de suas funções, pode a ameaça integrar o crime de abuso de autoridade. Sujeito Passivo: Pessoa física determinada que tenha capacidade de entender e, portanto, esteja sujeita à intimidação. Não pode ser sujeito passivo a pessoa jurídica. Não podem ser sujeitos passivos as crianças, os loucos de todo o gênero, os enfermos mentais, pois não são passíveis de intimidação, uma vez que a ausência total da capacidade de entendimento os impede de avaliar a gravidade do mal prometido e, portanto, de se sentirem violados em sua liberdade psíquica. Nos casos em que a incapacidade de entendimento for total, haverá crime impossível pela absoluta impropriedade do objeto (CP, art. 17). Se a incapacidade for relativa, haverá o crime em exame. 22 ELEMENTO SUBJETIVO Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. 23 OBJETOS MATERIAL E JURÍDICO O objeto material é a pessoa que sofre a conduta criminosa; O objeto jurídico é a paz de espírito, a segurança e a liberdade da pessoa humana. 24 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consuma-se no momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ameaça, independentemente de sofrer efetiva intimidação. Trata-se de crime formal, bastando que o agente queira intimidar e que a ameaça proferida tenha potencial para tanto. A tentativa é possível quando a ameaça é feita por carta ou pela remessa de fita com gravação ameaçadora pelo correio que não chegam ao destinatário, ou pelo envio de mensagem de texto que não chega à pessoa pretendida por erro no endereçamento do número telefônico. 25 AÇÃO PENAL É crime de ação pública condicionada à representação do ofendido. A ação é de iniciativa pública, ou seja, incumbe ao Ministério Público propô-la; contudo, para tanto, depende de autorização do ofendido ou de seu representante legal, o qual deverá exercer esse direito no prazo decadencial de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime (CPP, art. 38). Por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, incidem os institutos da Lei n. 9.099/95, inclusive a suspensão condicional do processo (art. 89 da lei). 26 27 STALKING - PERSEGUIÇÃO Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e porqualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I - contra criança, adolescente ou idoso; II - contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código; III - mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. § 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. § 3º Somente se procede mediante representação. 28 ESTUDO ETIMOLÓGICO DO TERMO STALKING O termo stalking tem origem na língua inglesa, nos transmite a concepção de perseguir, espreitar, andar com cautela, ato de aproximar-se silenciosamente, sorrateiramente, com intenção obsessiva, como o tigre persegue silenciosamente sua presa. Expressão comumente utilizada no âmbito da caça, tendo como principal referência o predador que persegue a presa de forma contínua e obsessiva, assim como, o stalker, que também persegue, do mesmo modo, insistentemente, sua vítima. O uso do termo “stalkear” ou “stalking começou ainda na década de 1980, para se referir às perseguições que as celebridades sofriam. Stalkear é uma palavra derivada do inglês stalker, que significa “perseguidor”. Neste caso, o neologismo português significa “ato de perseguir”. O verbo “stalkear” foi criado e disseminado através da internet, utilizado no sentido de “perseguir” ou “espionar” as atividades e comportamentos de outros usuários em redes sociais, principalmente. Como a palavra “stalkear” foi criada no âmbito da internet, a sua prática, até certo limite, não era considerada um crime, até este ano (2021). 29 DEFINIÇÃO Stalking também é conhecida como perseguição insidiosa, obsessiva, insistente, persistente ou assédio por intrusão. Esta se configura quando o agente, por meio de vários artifícios, invade a rotina e a esfera de privacidade de outra pessoa repetitivamente, na maioria dos casos, sem violência física, resultando em considerável sofrimento mental, psicossomático e social não só à vítima, mas também as pessoas mais próximas a esta. Na prática, o evento poderá se manifestar de variadas formas, como por exemplo: perseguição no trabalho, na rua, em casa, em redes sociais, inúmeras mensagens, cartas ou presentes enviados ao mesmo destinatário, inúmeras ligações, repetidas injúrias, espera de passagem nos lugares que frequenta, ofensas, difamações ou declarações em locais públicos para uma pessoa, dentre muitas outras. números são os motivos inspiradores para perseguidores darem início a uma perseguição, os mais comuns são: violência doméstica, inveja, vingança, rejeição, ódio, brincadeira ou/e erotomania. Não é possível estabelecer um perfil exato de um perseguidor em potencial, os agentes comumente flagrados realizando estas condutas são: companheiros, ex-companheiros, amigos, ex-amigos, namorados, ex- namorados, admiradores e inimigos. 30 STALKEAR É NORMAL? Considerando o funcionamento das redes sociais, que têm entre suas principais funções seguir outros usuários, começar uma amizade e curtir as atividades do outro, acompanhar as postagens está dentro das atividades previstas. Além disso, apenas visualizar a página a título de curiosidade ou para buscar alguma informação que será útil tanto para você quanto para a pessoa stalkeada e que não vai interferir no seu comportamento, provocando sofrimentos e frustrações, pode, sim, ser saudável. 31 QUANDO NÃO É MAIS NORMAL Os desdobramentos do ato de stalkear podem causar sérias consequências. Visualizar e acompanhar as postagens se torna um problema quando sai do virtual e alcança o real. Como, por exemplo, se aproveitar das informações visualizadas para satisfazer interesses seus que tragam prejuízos ao outro. Ainda, isso se caracteriza como uma importunação da privacidade alheia e pode ter efeitos mais graves quando utilizadas como um instrumento para intimidar ou assediar uma pessoa, sendo essa atitude cabível de processos criminais. Atente-se que mesmo que algumas redes sociais sejam públicas, elas ainda têm um limite de privacidade. Além disso, esse hábito é prejudicial, também, à pessoa que o pratica. É preciso sempre ter em mente que as redes sociais são apenas uma parte da vida da pessoa, e não representam tudo que ela é. As postagens podem ser apenas momentos passageiros ou até mesmo mentirosas. 32 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS RELEVANTES O Professor Damásio de Jesus define o stalking como uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo, incessantemente, a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, contratação de detetives particulares, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. (JESUS, 2009). Damásio discrimina seis peculiaridades da perseguição obsessiva: 1 - invasão de privacidade da vítima, 2 - repetição de atos, 3 - dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo, 4 - lesão à sua reputação, 5 - alteração do seu modo de vida, 6 - restrição à sua liberdade de locomoção. 33 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS RELEVANTES São livres e inúmeras as formas de se perseguir alguém, como por exemplo, chantagens, calúnias, difamações, espalhar boatos, tudo em pró da criminalização do cotidiano da vítima, para assim, conquistar aos poucos, o controle sobre a vida desta. Por muitas vezes, a vítima, se acostuma com a rotina perturbada do stalker ou, cansada das incessantes perseguições por parte de seu ex-companheiro, muda seu estilo de vida, horários, afazeres, hobbies, esportes, faculdade, carro, local da residência e até local de trabalho. 34 CYBERSTALKING A utilização da internet como ferramenta para obtenção de dados pessoais de terceiros em redes sociais é um exemplo marcante da modalidade. A Internet pode potencializar ainda mais os impactos dos stalkers na vida de suas vítimas, uma vez que permite o acesso a muitas informações. Para essa prática, é dado o nome de cyberstalking. As redes sociais, por exemplo, costumam ser uma ferramenta útil para quem deseja saber detalhes sobre a vida, rotina e comportamento de alguém. Embora as configurações de privacidade diminuam os impactos causados pela exposição na web, ainda assim é possível que certas informações permaneçam visíveis para todos na lista de amigos. Os recursos de geolocalização presentes em algumas redes, como o Instagram e o Twitter, também podem ser muito perigosos, pois mostram exatamente onde uma pessoa está, publicamente. Assim, é necessário sempre utilizá-los com cautela, filtrando quem pode ter acesso a certas informações. 35 https://canaltech.com.br/empresa/instagram/ https://canaltech.com.br/empresa/twitter/ LEGISLAÇÃO ANTIGA No Brasil, o stalker cometia uma contravenção penal, artigo 65, Perturbação da Tranquilidade, que é passível de pena de 15 dias na prisão ou multa. No entanto, entende-se que, quando o stalking é acompanhado por algum outro tipo de lesão física ou psicológica à vítima, como coação, agressão ou até tentativa de homicídio, a prática torna-se passível de uma punição mais severa. O cyberstalking poderia configurar como crime ou como contravenção penal. Como crime, poderá ser enquadrado dentro da prática de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, que diz: Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Art. 42 – Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios. Art. 65 – Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade,por acinte ou por motivo reprovável. 36 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10621647/artigo-147-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 ATUAL LEGISLAÇÃO A recentíssima Lei nº 14.132/21 acrescentou ao Código Penal o art. 147-A, tipificando o crime de perseguição. Trata-se do delito localizado entre os crimes contra a liberdade pessoal e, não poderia ser diferente, já que a perseguição, além do mal a integridade física e psicológica da vítima, acaba por tolher a sua liberdade de locomoção e privacidade. O núcleo do tipo perseguir, que é o sinônimo de seguir, ir ao encalço, importunar, conhecido na legislação americana como stalking. Porém, a simples perseguição não é suficiente ao tipo. É necessário que ela se dê de forma reiterada, o que revela tratar-se de um criem habitual. 37 SUJEITOS DO CRIME Trata-se de um crime bi-comum, ou seja, qualquer pessoa pode ser autor e vitima do delito. O tipo não exige nenhuma qualidade especial de qualquer deles. Porém, a pena será majorada da metade se a vítima for criança, adolescente, idoso ou mulher perseguida por razões da condição do sexo feminino (§ 1º). 38 ANÁLISE DO TIPO MEIOS DE EXECUÇÃO O caput expressamente revela que a perseguição pode ser realizada por qualquer meio (físico ou virtual), daí falar-se com razão em cyberstalking. Trata-se de um crime de ação livre. Além disso, o próprio legislador, através de interpretação analógica, apresentou fórmula casuística para a realização dessa perseguição reiterada, a saber: a) Ameaçando a integridade física e psicológica da vítima; b) Restringindo-lhe a capacidade de locomoção; c) Invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. 39 ANÁLISE DO TIPO A lei penal não estabeleceu uma quantidade mínima de atos, bastando que não seja único. Nesse sentido, mais do que o número mínimo de ações persecutórias (se 2 ou 3), o importante é sua intensidade. Ilustrativamente, pratica o delito com 2 atos aquele que, depois de perseguir a vítima por 8 horas com olhares ameaçadores, volta a cercá- la, criando odioso e intolerável cenário de ansiedade e medo; e não comete o crime aquele que envia 3 mensagens repetindo texto dúbio como “vai ser melhor para você se aceitar me encontrar”. Para a configuração do crime de stalking é preciso, portanto, a presença do binômio (a) quantidade e (b) intensidade. Contudo, como se trata de crime de dano, é indispensável a demonstração desses atos concretos de ameaça por parte do stalkeador, aptos a violarem a liberdade individual da vítima, o que não se presume pela mera presença do agente, tampouco por frequentarem um mesmo local. 40 OBJETO MATERIAL E OBJETO JURÍDICO Objeto jurídico O crime está inserido no capítulo que protege a liberdade individual da vítima (liberdade da pessoa humana), bem jurídico de estatura constitucional (art. 5º) e convencional (art. 7º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos). Objeto material A conduta criminosa recai sobre a pessoa que sofre a perseguição. 41 ELEMENTO SUBJETIVO O crime é punido apenas a título de dolo (direto ou eventual). O legislador não exigiu nenhuma finalidade específica animando a conduta do agente, não havendo também menção da conduta culposa. 42 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Tratando-se de crime habitual, a consumação se verifica justamente pela reiteração dos atos de perseguição, de modo que a tentativa não é admitida, em virtude da natureza do delito (habitual). 43 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA A pena aumenta-se da metade quando a infração for praticada (§ 1º): a) contra criança, adolescente ou idoso: nestes casos, sequer há necessidade de o crime estar inserido em contexto de violência doméstica ou familiar ou de violência de gênero. Poderia o legislador ter avançado mais e previsto tal majorante na proteção de pessoa com deficiência, se a intenção é proteger aqueles em situação de maior vulnerabilidade (o que foi feito nas majorantes e qualificadoras dos arts. 121, 122, 129, 140, 141, 149-A, 171, 203, 207, 217-A, 218-B e 234-A). b) contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: só há incidência do aumento quando exista violência doméstica e familiar, ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher, na esteira da fórmula do feminicídio. 44 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA c) mediante concurso de 2 ou mais pessoas ou com o emprego de arma: no caso do concurso de 2 ou mais pessoas, importante destacar que o crime só se aperfeiçoará se os agentes praticarem atos de perseguição de forma ameaçadora, sendo que a ameaça não decorre simplesmente da superioridade numérica. Em outras palavras, ausente qualquer evidência concreta de ameaça, o mero número de agentes envolvidos no evento sequer tem o condão de representar ameaça à integridade física ou psicológica da vítima. Esse mesmo raciocínio impede que o furto praticado em concurso de agentes se transforme em roubo, sob o falso argumento de que a quantidade de agentes induz maior temor à vítima. Por fim, quanto ao emprego de arma, note-se que o legislador não fez qualquer restrição (diferentemente do art. 157, §2º-A, I do CP), abrangendo tanto a arma branca quanto a arma de fogo (seja de uso permitido, restrito ou proibido). 45 CONCURSO DE CRIMES E CONFLITO DE LEIS PENAIS Falsa identidade No caso de utilização de perfis falsos para a prática delituosa, o agente responderá pelo crime do art. 147-A em concurso com o art. 307 do CP, pois não é necessário que todo stalkeador encubra sua identidade, ou seja, a falsa identidade não deve ser considerada ante factum impunível do referido delito, já que não é meio de execução ordinário do crime de perseguição. Invasão de dispositivo informático Se houver cyberstalking com o perseguidor agindo pela internet, e não se limitar a mandar mensagens, mas hackear o celular ou computador da vítima, violando indevidamente mecanismo de segurança para obter, adulterar ou destruir dados sem autorização, ou instalando vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, incide nas penas do art. 154-A em concurso formal ou material, a depender do caso concreto, com o art. 147-A do CP. 46 CONCURSO DE CRIMES E CONFLITO DE LEIS PENAIS Arma de fogo Se o crime de perseguição for praticado com o emprego de arma de fogo, algumas situações podem ser vislumbradas: a) se o agente possuir porte de arma, responderá apenas pelo crime de perseguição, incidindo a causa de aumento de pena (art. 147-A, § 1º, III do CP); b) se o agente não possuir porte de arma de fogo, mas a utilizar única e exclusivamente para perseguir a vítima, responderá apenas pelo crime de perseguição majorado (art. 147-A, § 1º, III do CP). O crime de porte ilegal de arma de fogo fica absorvido (princípio da consunção), sendo considerado meio para a prática do crime fim. c) se o agente portar ilegalmente a arma de fogo em contexto fático distinto, seja antes de iniciar as investidas em desfavor da vítima ou depois da perseguição, responderá pelo crime do art. 147-A, caput, em concurso material com o crime do Estatuto do Desarmamento (art. 14 ou 16, conforme o caso). Não se cogita da majorante do crime de perseguição nessa hipótese para evitar o bis in idem. 47 AÇÃO PENAL O crime é de ação penal pública condicionada à representação (§ 3º), ainda que seja praticado no contexto de violência doméstica contra a mulher, pois o legislador não fez qualquer ressalva. Nessa hipótese, contudo, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, por força do art. 41 da Lei 11.340/06. Suplantado o prazo decadencial de 6 meses sem manifestação da vítima ou de seu representante legal, opera-se a extinção da punibilidade do agente (art. 107, IV do CP). Por óbvio, a utilização de perfil falso por parte do sujeito ativo impede o transcurso do prazo decadencial, que só começa a correr quando descoberta a identidade do stalkeador (art. 38 do CPP). 48 CASO ANA HICKMANN 49 CASO ANA HICKMANN Os famosos costumam ser vítimas frequentes de stalkers. Um caso bastante conhecidono Brasil é o da apresentadora Ana Hickmann, que sofreu um ataque de um perseguidor que se dizia seu fã em 2016. Rodrigo Augusto de Pádua, de 30 anos, invadiu o quarto de hotel da apresentadora armado dizendo ser apaixonado por ela e disparou contra a sua assessora, mas acabou sendo morto a tiros pelo cunhado de Hickmann. O júri considerou que ele agiu em legítima defesa. Rodrigo Pádua perseguia Ana nas redes sociais e postava declarações de amor, somente em um dos seus perfis havia 64 mensagens direcionadas a apresentadora. Além das declarações apaixonadas, também havia diversos xingamentos. A perseguição a ela começou nas redes sociais onde, segundo as investigações apuraram, Pádua mantinha diversos perfis de onde disparava mensagens para a apresentadora com conteúdo que variava do amor ao ódio. É fato que, por mais que seja uma prática antiga, a internet e sua popularidade facilitaram a vida dos agressores, que encontraram novas maneiras de atormentar a pessoa escolhida com muito mais anonimato e acesso. 50 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave." 51 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER LEI Nº 14.188, DE 28 DE JULHO DE 2021 Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. 52 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm CONDUTA O crime consiste em causar dano emocional (resultado naturalístico) à mulher por meio: Mediante ameaça (promessa de mal injusto e grave), constrangimento (insistência importuna), humilhação (rebaixamento moral), manipulação (manobra para influenciar a vontade), isolamento (impedimento da convivência com outras pessoas), chantagem (pressão sob ameaça de utilização de fatos criminosos ou imorais, verdadeiros ou falsos), ridicularização (escarnecimento, zombaria, que não passa de uma forma de humilhação), limitação do direito de ir e vir (restrição da livre movimentação) ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação. Por esta última fórmula analógica estende-se o tipo a quaisquer outras condutas que possam interferir na saúde psicológica e no exercício de se decidir. Portanto, o rol de comportamentos é meramente exemplificativo. 53 STANDARD PROBATÓRIO A prova do resultado pode ser feita pelo depoimento da ofendida, por depoimentos de testemunhas, relatórios de atendimento médico, relatórios psicológicos ou outros elementos que demonstrem o impacto do crime para o pleno desenvolvimento da mulher, o controle de suas ações, o abalo de sua saúde psicológica ou algum impedimento à sua autodeterminação. Considerando que o resultado do crime não é a lesão à saúde psíquica, mas o dano emocional (dor, sofrimento ou angústia significativos), laudos técnicos não são necessários. 54 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA Crime comum; doloso; material; de forma livre; de dano; em regra, comissivo; instantâneo; unissubjetivo; e, em regra, plurissubsistente. 55 SUJEITOS DO CRIME Sujeito ativo: crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa, de qualquer gênero. Sujeito passivo: crime próprio, tem de ser, necessariamente, mulher (criança, adulta, idosa, desde que, do sexo feminino). A mulher transgênero pode ser vítima desse crime. 56 ELEMENTO SUBJETIVO Crime doloso, não é admitida a modalidade culposa. Quanto à produção do resultado – o efetivo dano emocional -, é prescindível a demonstração de intenção do agente em produzi-lo, afinal, decorre naturalmente das condutas. É inafastável do dolo de humilhar ou de ridicularizar, bem como das demais condutas, a vontade ou, no mínimo, a previsibilidade de consequente dano de ordem psicológica à vítima. Vale lembrar que, na violência doméstica contra a mulher, entendeu o STJ pelo dano in re ipsa, (dano presumido, não precisa de prova) devendo o sujeito reparar os danos de ordem moral provocados à ofendida, ainda que não tenham sido efetivamente demonstrados. 57 TIPO MISTO ALTERNATIVO Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, o legislador descreveu várias condutas (verbos), porém, se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. 58 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Crime material, consuma-se com a provocação do dano emocional à vítima, que não consiste, necessariamente, em efetiva lesão à saúde. Por isso, a comprovação da materialidade do crime do artigo 147-A prescinde de exame pericial. Por se tratar de crime plurissubsistente, a tentativa é, em tese, possível. 59 AÇÃO PENAL Crime de ação penal pública incondicionada. A pena é de reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave (subsidiariedade expressa). Quando praticado o delito no contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher, a incidência da Lei nº 9.099/95 deverá ser afastada, não sendo admitidas, portanto, a composição civil dos danos, a transação penal ou a suspensão condicional do processo. 60 SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002) Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos. 61 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Privar significa tolher, impedir, tirar o gozo, desapossar. Portanto, o núcleo do tipo refere-se à conduta de alguém que restringe a liberdade de outrem, entendida esta como o direito de ir e vir portanto físico, e não intelectual. A diferença entre sequestro e cárcere privado é que no primeiro a vítima é deixada em lugar razoavelmente aberto com possibilidade considerável de movimentação, porém, sem poder deixar aquele local. Exemplo: em um sítio, ou seja, significa tolher a liberdade de alguém ou reter uma pessoa indevidamente em algum lugar, prejudicando-lhe a liberdade de ir e vir. No segundo, a vítima é privada da liberdade em local fechado (trancada em um porão ou no porta-malas de um carro), ou seja, o mesmo que encerrar a pessoa em uma prisão ou cela recinto fechado, sem amplitude de locomoção, portanto de significado mais restrito que o primeiro. No primeiro caso, há enclausuramento e, no último, confinamento. 62 SUJEITOSATIVO E PASSIVO Sujeito Ativo: Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum. Se o delito, contudo, for cometido por funcionário público, no exercício das funções, constituirá crime de abuso de autoridade. Sujeito Passivo: Qualquer pessoa, inclusive as impossibilitadas de se locomover e os doentes graves, bem como as crianças e os enfermos mentais. O fato de a vítima ser portadora de deficiência que a impeça de caminhar não significa que podem levá-la arbitrariamente a outros locais contra sua vontade. 63 ELEMENTO SUBJETIVO É o dolo. Não há a forma culposa, tampouco se exige qualquer vontade específica. Entretanto, quando a vítima for detida por alguns instantes, é preciso checar a real intenção do agente: se um mero constrangimento ilegal ou se o sequestro. 64 OBJETOS MATERIAL E JURÍDICO O objeto material é quem sofre a conduta, com o cerceamento da liberdade; O objeto jurídico é a liberdade de ir e vir, abrangendo, também, a paz interior. 65 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consuma-se quando ocorrer privação da liberdade por tempo juridicamente relevante. Manter alguém em seu poder por um ou dois minutos não constitui crime, exceto se o agente tinha intenção de permanecer mais tempo com ele, mas foi impedido, ou se a vítima fugiu, hipóteses em que haverá tentativa de sequestro. O sequestro é crime permanente cuja consumação se prolonga no tempo, pois a liberdade da vítima é continuamente afetada enquanto ela não for solta. Por isso, enquanto a vítima permanecer em poder do agente será possível a prisão em flagrante (art. 303 do Código de Processo Penal). De acordo com o art. 111, III, do Código Penal, a prescrição só começa a correr a partir da data em que cessa a permanência. 66 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Se, durante o período em que a vítima estiver sequestrada, surgir nova lei que torne o crime mais grave (aumento de pena ou figura qualificada), ela incidirá sobre o delito. É o que diz a Súmula 711 do STF: “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. A tentativa é possível, quando o agente inicia o ato de execução, mas não consegue manter a vítima privada de sua liberdade por tempo juridicamente relevante. Exemplo: uma pessoa tranca a vítima no porão de sua casa, mas esta imediatamente consegue quebrar uma janela e fugir. 67 FORMA QUALIFICADA (ART. 148, § 1º) 1 - Vítima ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 anos (inciso I): Quanto à primeira parte do inciso I, o rol de qualificadoras é taxativo, não admitindo analogia ou interpretação extensiva, de modo que não há aumento se a vítima for padrasto ou madrasta, genro, irmão, tio ou sobrinho etc. O crime só será qualificado, de acordo com o dispositivo, se o crime for cometido contra cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente. Caso se trate de violência doméstica contra mulher, poderão ser aplicadas as medidas de proteção da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Em relação à pessoa maior de 60 anos (parte final do inciso I), inserida no Código Penal pelo Estatuto do Idoso, é importante lembrar que, se a vítima foi capturada quando possuía menos de 60 anos, mas permaneceu privada de sua liberdade até superar tal idade, a qualificadora se aplica porque o sequestro é crime permanente. 68 FORMA QUALIFICADA (ART. 148, § 1º) 2 - Crime praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital (inciso II): há aqui o emprego de fraude, de artifício, o qual demonstra a maior periculosidade do agente, daí a previsão de sanção mais grave. Haverá erro de tipo se o agente supõe que a vítima efetivamente necessite ser internada. No que tange ao inciso II – crime praticado mediante internação em casa de saúde ou hospital, a infração pode ser cometida por meio de fraude para enganar os profissionais da área médica, por exemplo, pela apresentação de exames falsos, ou mediante a anuência destes, hipótese em que serão coautores do crime. 3 - Privação da liberdade superior a quinze dias (inciso III): o prazo deve ser contado de acordo com a regra do art. 10 do Código Penal, isto é, inclui-se o dia do começo (o dia da captura). A qualificadora baseia-se no maior tempo de duração da privação da liberdade da vítima, o qual faz intensificar o sofrimento da vítima. Na hipótese do inciso III, é preciso que a vítima fique sem liberdade por pelo menos 16 dias (mais de 15 dias). 69 FORMA QUALIFICADA (ART. 148, § 1º) 4 - Crime praticado contra menor de 18 (dezoito) anos (inciso IV): tal qualificadora foi acrescentada ao § 1º do art. 148 do Código Penal, pela Lei n. 11.106, de 28 março de 2005, atendendo ao disposto na Constituição Federal. A pessoa completa 18 anos no primeiro minuto do dia do seu aniversário, sendo considerada menor até a meia-noite do dia anterior. Dessa forma, se o delito for cometido no dia em que o menor completou 18 anos, afastada estará a incidência dessa qualificadora. De acordo com o art. 4º do Código Penal, a idade da vítima deverá ser considerada no momento da conduta. Caso a vítima venha a completar 18 anos no cativeiro, continuará incidindo a majorante, uma vez que, em algum momento do iter criminis, a qualificadora ficou caracterizada. 70 FORMA QUALIFICADA (ART. 148, § 1º) 5 - Crime praticado com fim libidinoso (inciso V): mencionada qualificadora também foi acrescida ao § 1º do art. 148, pela Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005. A qualificadora ocorre quando a privação da liberdade é para fim libidinoso. Trata-se de crime formal quanto a este aspecto, pois se consuma no momento da captura da vítima, ainda que o agente não consiga realizar com ela nenhum dos atos libidinosos que pretendia. Caso, todavia, consiga realizar tais atos com emprego de violência ou grave ameaça, responderá por crime de estupro, em concurso material com o de sequestro. Quanto ao possível concurso de crimes com eventual estupro, a aplicação do princípio da consunção dependerá da similitude de contextos fáticos. Assim, na hipótese de o agente conduzir a vítima até local ermo, submetê-la à conjunção carnal e, logo em seguida, abandonar o local, não se poderá falar em concurso de crimes, pois a privação da liberdade perdurou o tempo estritamente necessário para conjunção carnal, integrando, por isso, o iter criminis do delito sexual mais grave. 71 FORMA QUALIFICADA (ART. 148, § 1º) Aplica-se o princípio da consunção, evitando-se que o agente seja responsabilizado duas vezes pelo mesmo comportamento (bis in idem). Fica, assim, o sequestro absorvido pelo estupro, por ser mera fase normal de sua execução, desde que restrito ao tempo necessário à conjunção carnal. O concurso de crimes subsistirá apenas quando o sequestro e o crime subsequente forem praticados em contextos diversos e em momentos bem destacados temporalmente, fora da linha de desdobramento causal anterior. Por exemplo: o sujeito mantém a vítima em cativeiro, mesmo após satisfazer-se. Nesse caso, haverá concurso material de crimes, dado que as ações foram bem destacadas. Por essa razão, o agente deverá responder pelo sequestro em sua forma qualificada em concurso material com o estupro. Se as ações são autônomas e independentes uma da outra, não se pode conceber que uma acabe sendo absorvida, ainda que em parte. Em suma, se os contextos fáticos forem distintos e as ações destacadas no tempo e espaço, o agente deverá responder pelo sequestro qualificado pelo fim libidinoso em concurso com o estupro. 72 QUALIFICADA PELO RESULTADO (ART. 148, § 2º) Maus-tratos: é o emprego de meios que acarretam grave sofrimento à vítima, seja a ofensa a sua saúde física (p. ex., privá-la de refeições, impedir que a vítima durma, sujeitá-la às intempéries chuva, sol, frio); seja a ofensa a sua saúde mental (p. ex., expô-la constantemente a situações vexatórias, humilhantes). Se, em decorrência dos maus-tratos, o agente provocar dolosamente lesões corporais ou a morte da vítima, haverá concurso material entre tais crimescontra a vida (CP, arts. 121 ou 129) e o sequestro qualificado. Natureza da detenção: nesta hipótese, o grave sofrimento físico ou moral deve advir do modo e condições objetivas da detenção em si mesma. Por exemplo: manter a vítima em local insalubre, infestado de ratos; mantê-la algemada ao pé da cama; deixá-la amarrada a uma árvore. Exige-se que o modo e as condições objetivas da detenção proporcionem intenso sofrimento ao agente, fora do que normalmente acontece no sequestro ou cárcere privado na forma simples, pois neste basta a simples detenção do agente para que se configure o crime. 73 AÇÃO PENAL Pública incondicionada. Se o crime envolver violência doméstica contra a mulher, a competência será da respectiva vara especializada. 74 75 REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) § 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) 76 REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) 77 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Reduzir, no prisma deste tipo penal, significa subjugar, transformar à força, impelir a uma situação penosa. Antes da modificação introduzida pela Lei 10.803/2003, a previsão do art. 149 era apenas a seguinte: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, o que exigia a utilização, nem sempre recomendável, da analogia – embora nesse caso fosse opção do próprio legislador. A alteração legislativa teve nitidamente por finalidade atacar o grave problema brasileiro do trabalho escravo. Na atual redação do tipo penal do art. 149 não mais se exige, em todas as suas formas, a união de tipos penais como sequestro ou cárcere privado com maus-tratos, bastando que se siga a orientação descritiva do preceito primário. Destarte, para reduzir uma pessoa a condição análoga à de escravo, pode bastar submetê-la a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho. 78 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Atualmente, o crime é de ação vinculada, permitindo o texto legal a sua tipificação nas seguintes hipóteses: a) submissão da vítima a trabalhos forçados ou jornada exaustiva; b) sujeição a condições degradantes de trabalho; c) restrição, por qualquer meio, da liberdade de locomoção em razão de dívida contraída para com o empregador ou preposto deste; d) cerceamento do uso de meios de transporte, com intuito de reter a vítima no local de trabalho; e e) manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo. 79 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR A enumeração legal é taxativa, não admitindo o uso de analogia para extensão a outras hipóteses. O conceito de escravo deve ser analisado em sentido amplo, pois o crime pode configurar-se tanto na submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, como também no tocante à restrição da liberdade de locomoção. Considerando que o tipo penal é misto alternativo a realização de uma dessas condutas já é suficiente para caracterizar o delito; porém, a realização de mais de uma delas, em relação à mesma vítima, constitui crime único, devendo tal aspecto ser levado em conta pelo juiz na fixação da pena-base (art. 59 do CP). 80 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO Sujeito Ativo: Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum; Sujeito Passivo: Também pode ser qualquer pessoa. Eventual anuência da vítima é irrelevante, já que não se admite que alguém concorde em viver em regime similar ao de escravidão. Atualmente, no entanto, embora tenha mantido a palavra “alguém” no tipo, em todas as descrições das condutas incriminadas faz referência a “empregador” ou “trabalhador”, bem como a “trabalhos forçados” ou “jornadas exaustivas”. Poder-se-ia até mesmo sustentar que o crime de redução a condição análoga à de escravo ficaria mais bem situado no contexto dos crimes contra a organização do trabalho, 81 ELEMENTO SUBJETIVO É o dolo. Não existe a forma culposa. Não se exige elemento subjetivo específico, nas modalidades previstas no caput, mas, sim, nas formas do § 1.º: “com o fim de retê-lo no local de trabalho”. 82 OBJETOS MATERIAL E JURÍDICO O objeto material é a pessoa aprisionada como se escravo fosse; O objeto jurídico é a liberdade do indivíduo de ir, vir e querer. 83 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consumação: Trata-se de crime material. Consuma-se quando o sujeito logra reduzir a vítima à condição análoga à de escravo. Trata-se, também, de crime permanente, sendo possível o flagrante enquanto perdurar a submissão. As figuras equiparadas também constituem condutas permanentes, as quais se aperfeiçoam no momento em que se verifica o cerceamento ou o apoderamento dos documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com a finalidade especial de mantê-lo no local de trabalho. Tentativa: É admissível se o agente não consegue o resultado de submissão à sua vontade, apesar da prática de atos de execução (violência, ameaça etc.). Na hipótese das figuras equiparadas, a tentativa será possível quando o agente tentar, mas não conseguir, cercear a locomoção ou se apoderar de documentos ou objetos capazes de impedir a saída, ou quando não conseguir manter a vigilância no local. 84 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA De acordo com o art. 149, § 2º, I, do Código Penal, se a vítima for criança ou adolescente, aplica-se um aumento de metade da pena. Além disso, de acordo com o que dispõe o § 2º, II, a pena será também aumentada em metade, se o crime tiver sido cometido por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Assim, se ficar provado que o sujeito cometeu o crime porque a vítima é negra, indígena, oriental, boliviana, nordestina, católica, judia, árabe, hindu etc., sua pena será maior. 85 CONCURSO Se a vítima sofrer qualquer espécie de lesão, ainda que leve, em razão dos trabalhos forçados ou da jornada exaustiva, ou em decorrência de alguma forma de violência utilizada para tanto ou para evitar que ela deixe o local, as penas serão cumuladas, já que isso se encontra expresso no preceito secundário da norma penal, que estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 86 AÇÃO PENAL É pública incondicionada. Com relação à competência para processamento e julgamento do delito em estudo, se da Justiça Federal ou Estadual, temos que: desde 2006, o STF passou a considerar que o delito em tela se enquadra na hipótese do art. 109, VI, da Constituição Federal, ou seja, trata-se de crime contra a organização do trabalho, sendo, portanto, de competência da justiça federal (Informativo n. 524 do STF). 87 TRÁFICO DE PESSOAS Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partesdo corpo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) IV - adoção ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) V - exploração sexual. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) 88 TRÁFICO DE PESSOAS § 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) § 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) 89 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR As condutas identificadas, no tipo, são alternativas (a prática de uma ou mais de uma gera somente um delito, quando no mesmo contexto fático): agenciar (tratar de algo como representante de outrem); aliciar (seduzir ou atrair alguém para alguma coisa); recrutar (atrair pessoas, formando um grupo, para determinada finalidade); transportar (levar alguém ou alguma coisa de um lugar para outro, valendo-se de um veículo qualquer); transferir (levar algo ou alguém de um lugar para outro); comprar (adquirir algo pagando um certo preço); alojar (dar abrigo a alguém); acolher (proporcionar hospedagem). A meta do agente pode ser variada: uma das opções descritas nos incisos I a V (remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; submissão a trabalho em condições similares à de escravo; submissão a qualquer espécie de servidão; adoção ilegal e exploração sexual). 90 ESTRUTURA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR Assim, o tipo penal do crime de tráfico de pessoas descreve oito condutas típicas (agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher), o objeto material sobre o qual recai uma dessas condutas (pessoa), cinco meios executórios (grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso) e, por fim, cinco elementos subjetivos (finalidade de remover órgãos, tecidos ou partes do corpo da vítima; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo ou a qualquer tipo de servidão; submetê-la à adoção ilegal ou à exploração sexual). A realização de qualquer das condutas típicas só configurará infração penal se realizada mediante violência física, grave ameaça, coação, fraude ou abuso. Caso não tenha havido qualquer dos meios de execução, o consentimento da vítima exclui a infração penal, desde que o consentimento seja válido, ou seja, desde que a vítima seja capaz e que o consentimento não tenha sido obtido mediante paga 91 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,; O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Crime bi-comum. 92 ELEMENTO SUBJETIVO É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. Não há modalidade culposa. O tipo penal ainda exige o dolo específico, ou seja, elemento subjetivo do injusto com a finalidade de: 1 - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; 2 - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; 3 - submetê-la a qualquer tipo de servidão; 4 - adoção ilegal; ou (v) – exploração sexual. 93 OBJETOS MATERIAL E JURÍDICO O objeto material é a pessoa humana, submetida ao agente para as finalidades descritas nos incisos I a V deste artigo. O objeto jurídico é a liberdade individual mas, acima de tudo, cuida-se de um tipo de múltipla proteção, envolvendo a dignidade sexual, o estado de filiação, a integridade física, enfim, a própria vida. Pode-se, então, afirmar cuidar-se de uma tutela penal à dignidade da pessoa humana. 94 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consumação: Ocorre a consumação com a prática dos verbos nucleares do tipo associados à grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. A efetiva remoção dos órgãos, tecidos ou partes do corpo, a submissão efetiva a condição análoga à de escravo, a servidão, a adoção ilegal ou a exploração sexual não são necessárias para fins de consumação, e poderão caracterizar tipos penais autônomos. Tentativa: É possível, quando o agente emprega a violência, a grave ameaça, a fraude (etc.), mas não consegue concretizar a conduta típica, ou seja, não consegue, por exemplo, aliciar, transportar, transferir, comprar a vítima. 95 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA I – se o crime for cometido por funcionário público no exercício da função ou a pretexto de exercê-la. O conceito de funcionário público encontra-se no art. 327. Além disso, o § 1º do mesmo art. 327 equipara a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. A majorante incide quando o agente comete o crime no desempenho efetivo das funções ou quando ele diz que está em seu exercício, mas não está. II – se o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência. Criança é a pessoa que tem menos de 12 anos de idade. Adolescente é quem tem 12 anos ou mais e é menor de 18. Idosa é a pessoa que tem 60 anos ou mais. Portadora de deficiência é aquela que possui qualquer defeito físico ou mental. 96 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA III – se o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Relação de coabitação indica que autor e vítima moram sob o mesmo teto, de forma não transitória, enquanto relação de hospitalidade ocorre quando a vítima recebe alguém em sua casa para visita ou para permanência por certo período e este se aproveita da situação para cometer o crime. Os termos autoridade e superioridade hierárquica abrangem tanto aquela exercitada na esfera pública quanto na privada. Por isso, haverá a majorante se o crime for cometido pelo coronel em relação ao soldado ou pelo dono de uma empresa em relação a algum funcionário. Na primeira hipótese, entretanto, por ser o autor do delito funcionário público, estará caracterizada também a majorante do inciso I. A expressão dependência econômica refere-se às hipóteses em que a vítima depende financeiramente do agente para sobreviver. 97 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA IV – se a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. O envio de criança ou adolescente ao exterior em desacordo com as formalidades legais mediante emprego de violência, grave ameaça ou fraude poderá configurar crime especial descrito no art. 239, parágrafo único, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), desde que a finalidade não seja uma daquelas previstas no art. 149-A do Código Penal. 98 CRIME PRIVILEGIADO Nos termos do art. 149-A, § 2º, a pena será reduzida de um a dois terços (causa de diminuição de pena), desde que coexistam dois requisitos: a) que o réu seja primário; b) que ele não integre organização criminosa. Se o juiz não declarar o réu reincidente ao proferir a sentença, automaticamente deverá ser ele considerado primário. A Lei n. 12.850/2013, por sua vez, define organização criminosa em seu art. 1º, § 1º: “Considera-se organizaçãocriminosa a associação de (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Como o texto legal não estabelece qualquer regra para o magistrado escolher o índice de redução, em regra, a diminuição ocorrerá no patamar máximo. 99 AÇÃO PENAL Cuida-se de crime de ação penal pública incondicionada. No tocante ao procedimento, seguirá o rito ordinário (vide CPP, art. 394). Tratando-se de crime internacional, a competência é da Justiça Federal (CF/88, art. 109, V). De acordo com a doutrina, com base no art. 5º do Código Penal (teoria da ubiquidade), ainda que a pessoa não tenha como destino o Brasil, se ela passar pelo território nacional para atingir outro Estado, será competente a Justiça Federal brasileira, pois, de certa forma, ela saiu do nosso território com as finalidades específicas do tipo. Tratando-se de crime nacional, a competência será da Justiça Estadual. Se, no entanto, perante a Justiça Federal estiver tramitando processo por crime de tráfico internacional de pessoas, dada a conexão entre esse delito e o crime de tráfico interno de pessoas, recomenda-se, por conveniência da apuração da verdade real, a reunião dos processos, uma vez que a prova de uma infração poderá influir na outra (é a chamada conexão instrumental ou probatória). 100