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Inaplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha

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Brazilian Journal of Development 
ISSN: 2525-8761 
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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 57620-57635 jun. 2021 
 
Inaplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes cometidos 
no âmbito da Lei Maria da Penha 
 
Inapplicability of the principle of insignificance to crimes committed 
under the Maria da Penha Law 
 
 
DOI:10.34117/bjdv7n6-254 
 
Recebimento dos originais: 07/05/2021 
Aceitação para publicação: 13/06/2021 
 
Artenira da Silva e Silva 
Pós-doutora em Psicologia e Educação pela Universidade do Porto. Doutora em Saúde 
Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Saúde e Ambiente pela 
Universidade Federal do Maranhão. Graduada em Psicologia pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. Docente e pesquisadora do Departamento de Saúde 
Pública e do Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade 
Federal do Maranhão. Coordenadora de linha de pesquisa do Observatório Ibero 
Americano de Saúde e Cidadania e coordenadora do Observatorium de Segurança 
Pública (PPGDIR/UFMA/CECGP). Psicóloga Clínica e Forense 
E-mail: artenirassilva@hotmail.com 
 
Maicy Milhomem Moscoso Maia 
Advogada licenciada, servidora pública estadual e Mestre em Direito e Instituições do 
Sistema de Justiça, da Universidade Federal do Maranhão – UFMA 
 E-mail: maicymaia@gmail.com 
 
 
 
RESUMO 
Este artigo tem como objeto o estudo do princípio da insignificância, também conhecido 
como princípio da bagatela penal e a sua inaplicabilidade nos crimes praticados contra 
mulheres, em âmbito doméstico. Para tanto, parte-se do pressuposto de que as condutas 
coibidas pela Lei nº. 11.340/2006 visam proteger direitos de ordem muito elevada ao 
ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, em face dos compromissos 
internacionais assumidos pelo Brasil e avanços sociais arduamente conseguidos. Os 
procedimentos metodológicos adotados para a elaboração do presente estudo foram 
revisão bibliográfica, análise documental e análise de conteúdo dos documentos 
avaliados. 
 
Palavras-chave: Princípio da insignificância/bagatela, Violência Doméstica. Súmula Nº. 
589, STJ. 
 
ABSTRACT 
The purpose of this article is to study the principle of insignificance, also known as the 
principle of criminal trifling and its inapplicability in crimes committed against women 
in domestic enviroments. Therefore, it is assumed that the conducts prohibited by the 
Law nº. 11,340/2006 aim to protect very important and significants rights to the Brazilian 
legal system, mainly considering the international commitments undertaken by Brazil and 
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the hard-won social advances in terms of protecting Brazilian women domestic violated. 
The methodological procedures adopted for the preparation of the present study were 
bibliographic review, documentary analysis and content analysis of the documents 
evaluated. 
 
Keywords: Principle of insignificance/trifle, Domestic violence, Precedent nº. 589, STJ. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
A Constituição Federal de 1988 inaugurou o processo de redemocratização do 
estado brasileiro, contemplando uma série de valores e metas para a República Federativa 
do Brasil, sobrelevando à categoria de princípio balizador do nosso ordenamento jurídico 
o princípio da dignidade da pessoa humana, para onde devem convergir todos os demais 
princípios e normas do sistema jurídico brasileiro. 
O princípio da insignificância ou bagatela penal não escapa a esta regra. Como 
instrumento de realização das decisões valorativas do sistema político-criminal, o fim 
último deste princípio deve ser garantir a dignidade humana, seja pela interpretação ampla 
da licitude das condutas, seja pela promoção da mínima intervenção estatal. 
Entretanto, em determinados campos, a incidência do princípio da bagatela penal 
pode ter efeito contrário ao que pretende o legislador e provocar retrocesso social, 
comprometendo direitos sociais adquiridos por longas lutas, como é o caso da mulher 
doméstica ou familiarmente violada. Seria o caso de crimes conhecidos como de 
“colarinho branco” ou crimes de natureza tributária serem entendidos como atípicos por 
força do princípio em estudo. Da mesma forma – e é esta a hipótese em teste – a aplicação 
do princípio da insignificância na seara da violência doméstica implicaria em recuo social 
diante das conquistas em sede de direitos fundamentais, especialmente das mulheres, no 
Brasil. 
Canotilho (1993), explica que a ideia de “proibição de retrocesso social”, 
também designada como “proibição de contrarrevolução social” ou“evolução 
reacionária”, instrui que o legislador se abstenha de diminuir direitos adquiridos, já que 
estes últimos, uma vez alcançados, passam a figurar como “garantia institucional” e 
“direito subjetivo” dos indivíduos (CANOTILHO, 1993, p. 493-494). Ampliando o 
entendimento do mestre lusitano, Teódulo e Baracho (2014) defendem que a proibição de 
retrocesso social vai além do legislador e alcança o intérprete das normas, cuja atividade 
hermenêutica possui o condão de restringir direitos fundamentais e, consequentemente, 
potencial para ocasionar recuo na área social. 
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Partindo-se da revisão bibliográfica, análise documental e análise de conteúdo dos 
documentos examinados – dentre eles, alguns julgados de tribunais nacionais –, filiando-
se à ideia de que o princípio do retrocesso social recai não só sobre o legislador, mas 
também sob os intérpretes da norma, que as conquistas na esfera dos direitos humanos 
não admitem passos para trás e que devem ser preservados os patamares mínimos 
civilizatórios, se passará a examinar a hipótese deste trabalho, considerando a 
possibilidade do uso do princípio da insignificância penal ser prejudicial às conquistas na 
tessitura dos direitos humanos voltados para as mulheres no Brasil. 
 
2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE OS PRINCÍPIOS PENAIS E O PRINCÍPIO 
DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA PENAL 
Inicialmente, deve-se compreender que o Direito, quando consubstanciado em 
normas jurídicas, nasce, é revogado e aperfeiçoado, a partir de fontes de produção1 e de 
fontes de cognição. No ordenamento jurídico brasileiro, o Estado, por força do art. 22, 
inc. I, da Constituição Federal2, é a única fonte de produção legítima do Direito Penal. 
Por outro lado, as fontes de conhecimento ou de cognição do Direito “[...] 
correspondem aos processos de exteriorização do Direito Penal ou de se revelarem as suas 
regras.” (JESUS, 2011, p. 55) e são classificadas como imediatas e mediatas. A lei é fonte 
imediata do Direito, enquanto, os costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios 
gerais do direito alinham-se como fontes mediatas. 
Os princípios gerais do direito são “[...] normas fundamentais ou generalíssimas 
do sistema, as normas mais gerais [...]” (BOBBIO, 1995, p. 158) e “[...] se fundam em 
premissas éticas extraídas do material legislativo.” (CAPEZ, 2012, p. 47), ou seja, 
segundo explica Jesus (2011), tais princípios, além da sua função de integração da norma 
nos casos de omissão, possuem a função de ampliar a licitude penal3. 
Isso significa que os princípios gerais do direito podem justificar a não aplicação 
da sanção penal, em nome da consciência ética e das práticas sociais voltadas para o bem 
comum, mesmo quando se estiver diante de uma conduta perfeitamente típica. É neste 
 
1 Damásio de Jesus (2011) chama as fontes de produção de “fontes substanciais”, enquanto que Bitencourt 
(2012) as nomeia de “fontes materiais”. 
2 Segundo o art. 22, inc. I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre (...) 
direito penal. 
3 Damásiode Jesus (2011) prossegue, citando o exemplo da mãe que fura a orelha de uma criança para 
colocar brincos. Neste exemplo, a conduta da genitora amolda-se perfeitamente ao tipo penal de lesão 
corporal, entretanto, por força dos princípios gerais do direito, um édito condenatório nesta situação não se 
sustenta, em uma sociedade que possui tal prática como corriqueira. 
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contexto que o princípio da insignificância, também conhecido como princípio da 
bagatela penal surge. 
A origem do princípio da insignificância é controversa, havendo duas correntes 
distintas sobre o seu nascedouro. Zacharyas (2012) expõe que uma parte da doutrina 
defende que o princípio em estudo já era utilizado na Roma antiga, quando o pretor – 
fundado na máxima minima non curat praetor – deixava de aplicar a lei aos delitos 
irrelevantes. Outra parcela dos estudiosos, no entanto, refuta a origem romana do 
princípio da bagatela, sob o argumento de que o brocardo minima non curat praetor 
incidia apenas sobre direitos civis, além de não haver registro do princípio em estudo nos 
compêndios legais da época. 
Apesar das divergências sobre o seu nascedouro, autores como Bitencourt (2012), 
concordam que a inserção do princípio da insignificância na seara penal, na qualidade de 
excludente da tipicidade, se deu com Claus Roxin (2000), penalista germânico, na obra 
Política Criminal e Sistema de Direito Penal. Zacharyas (2012) explica que Roxin 
(2000), valendo-se da máxima minima non curat praetor, sustentou que “[...] a mera 
previsão da adequação social a ser observada pelo legislador, não bastaria, por si só, para 
afastar o injusto, sendo [...] tal princípio, imprescindível para afastar os danos de pequena 
monta.” (ZACHARYAS, 2012, p. 247). 
Para Roxin (2000, tradução nossa), os problemas de natureza político-criminal 
não se resolvem adequadamente apenas com o “automatismo dos conceitos jurídicos”, 
devendo o princípio nullum crimen fornecer diretrizes de conduta e cumprir a sua função 
de proteção, transformando-se em um instrumento de configuração social altamente 
significativo. Sob este aspecto, fundamental que o Direito Penal internalize as decisões 
valorativas político-criminais, para que ambos convirjam para os mesmos rumos, da 
mesma forma que o Estado de Direito e o estado social formam uma unidade dialética 
(ROXIN, 2000, tradução nossa). 
Roxin (2000), esclareceu que, embora a conjugação entre definição e exata 
subsunção seja tida como o único método de averiguação do direito a ser aplicado na 
seara penal, esse procedimento não satisfaz a questão de como identificar o conteúdo do 
tipo penal, isto é, como determinar em cada caso concreto os valores sociais e o bem 
juridicamente tutelado pelo Direito Penal. Sob a égide do princípio do nullum crimen, a 
interpretação penal deve ser restritiva e capaz de atualizar as diretrizes constitucionais 
que incidem sobre a norma penal e a sua natureza fragmentária, atendo-se apenas àquilo 
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que seja realmente indispensável para a proteção dos bens jurídicos mais caros ao 
ordenamento e à sociedade (ROXIN, 2000, tradução nossa). 
A ideia de intervenção estatal mínima, consolidada pela Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão (1789), como assevera Zacharyas (2012), impõe que a aplicação 
do Direito Penal seja a ultima ratio, sempre que houver outra maneira menos gravosa de 
se atingir a eficácia e o objetivo da norma, erigindo-se sob os corolários da 
fragmentariedade e da subsidiariedade. O primeiro, segundo Greco (2016), determina que 
o Direito Penal se ocupe apenas dos bens jurídicos mais importantes e necessários ao 
convívio social, enquanto que, o segundo, nas lições de Capez (2012), prescreve que o 
Direito Penal só deve ser utilizado quando os demais ramos do Direito e barreiras sociais 
tiverem fracassado na proteção dos bens jurídicos mais essenciais para a sociedade. 
Roxin (2000, tradução nossa) formulou que o princípio da insignificância permite 
excluir dos tipos penais as condutas de pouca relevância, devendo-se entender por “força” 
e “ameaça” incutidas na conduta do agente, apenas os comportamentos com o mínimo de 
importância e aptos a ingressarem na esfera da criminalidade. 
O reconhecimento do princípio da bagatela como excludente da tipicidade penal, 
exige que o intérprete ou aplicador da lei realize o equacionamento entre a gravidade da 
conduta do agente e a severidade da intervenção estatal, para que assim consiga 
estabelecer as violações verdadeiramente expressivas ao bem jurídico tutelado, daquelas 
que sequer chegaram a atingi-los. Bitencourt (2012) explica que a insignificância da 
conduta do agente é avaliada de acordo com a relevância do bem jurídico tutelado e pela 
extensão da lesão produzida, não havendo fórmula pronta para a aplicação do princípio 
da bagatela, devendo-se analisar e argumentar a incidência ou não do princípio em estudo 
casuisticamente. O entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento 
conjunto de três Habeas Corpus4 – dos quais foi tomado como parâmetro de julgamento 
 
4 Habeas Corpus nº. 123108, 123533 e 123734, todos de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. O 
primeiro serviu de parâmetro para os outros dois julgamentos. No HC nº. 123108, o impetrante foi 
condenado a 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial de cumprimento de pena aberto e pagamento de 
10 (dez) dias-multa, pelo furto de uma sandália que custava R$ 16,00 (dezesseis reais). Neste caso, deixou-
se de aplicar o princípio da insignificância por se tratar de réu reincidente. No HC nº. 123734, o impetrante 
foi condenado a 01 (um) ano de reclusão em regime inicial de cumprimento de pena aberto e pagamento de 
05 (cinco) dias-multa, pela tentativa de furto de 15 (quinze) bombons, que totalizavam R$ 30,00 (trinta 
reais). Na oportunidade, o princípio da bagatela não foi utilizado por se tratar de crime qualificado, com 
escalada e rompimento de obstáculo. Por último, no HC nº. 123533, a ré foi condenada a 02 (dois) anos de 
reclusão pelo furto de 02 (dois) sabonetes líquidos íntimos, que totalizavam o valor de R$ 48,00 (quarenta 
e oito reais), tendo sido negada a incidência do princípio da insignificância pelo crime ter sido cometido 
em concurso de agentes, já que o marido fez barreira para impedir que a sua esposa, a ré, fosse vista furtando 
os itens mencionados. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF: A aplicação do princípio da 
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o HC nº. 123108 – o relator do caso, Ministro Luis Roberto Barroso, discutiu se “[...] os 
fatos concretamente apurados, embora formalmente enquadráveis em um tipo penal, são 
graves a ponto de justificar uma sanção penal ao agente.” (STF, 2014, p. 7). 
Cumpre agora tecer alguns comentários sobre o tipo penal. A tipicidade penal é 
premissa fundamental do princípio da reserva legal, ou seja, “[...] não há crime sem lei 
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal [...]”5. Greco (2016, p. 257) 
ensina que “[...] tipo penal” é “[...] a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente 
ao modelo abstrato previsto na lei penal, [...], um tipo penal incriminador [...]”. Segundo 
as lições de Bitencourt (2012), o tipo penal é composto por elementos objetivos-
descritivos, elementos normativos e elementos subjetivos. 
A exatidão na descrição da conduta reflete a função garantidora das liberdades 
individuais que guarda a tipicidade penal, afastando o arbítrio estatal na aplicação de uma 
norma penal, na exata medida em que o estabelecimentode uma lei penal extremamente 
vaga na descrição da conduta do agente, conduziria ao excesso penal, definidor de 
qualquer lesão ou ameaça de lesão a bens jurídicos tutelados como crime. 
O conceito de tipicidade conglobante elaborado por Eugenio Raúl Zaffaroni, 
como explicita Gomes (2010), foi fundamental, pois, até então, a doutrina penal clássica 
só trabalhava com o conceito de fato típico formal (subsunção do fato à norma), sem 
considerar a ofensa ao bem jurídico, também conhecida como “lesividade”, de maneira 
que “[...] o exercício do Direito penal torna-se racional [...] quando a tipicidade não for 
mera descrição do fato incriminado [...] senão fiel retrato de um conflito penal.” 
(GOMES, 2010, p. 178). 
Em seu voto, no julgamento do HC nº. 123108, o relator, Ministro Luis Roberto 
Barroso, reportou-se ao julgamento do HC nº. 844126, de relatoria do Ministro Celso de 
Mello, em 19/10/2004, que constituiu verdadeiro marco na jurisprudência do Supremo 
Tribunal Federal, pois reconheceu que o caráter subsidiário do Direito Penal exige – por 
força dos próprios objetivos por ele pretendidos – a mínima intervenção do Estado. Neste 
passo, o julgamento do HC nº. 84412 estabeleceu os vetores de incidência do princípio 
da insignificância no caso concreto, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do 
 
insignificância deve ser analisada caso a caso. Brasília, DF: STF, 2015. Disponível em: 
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=296835>. Acesso em: 29 jun. 2018.) 
 
5 Constituição Federal/1988, art. 5º, inc. XXXIX. 
6 No julgamento em comento, o réu foi processado pelo furto de uma fita de vídeo game, cujo valor 
girava em torno de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) na época. 
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agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade 
do comportamento, e; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 
Neste contexto, Capez (2012) propõe a adoção da Teoria Constitucionalista do 
Delito, já que, em um Estado Democrático de Direito, as metas fundamentais são o 
combate à toda forma de preconceito, eliminação da miséria e promoção da dignidade 
humana, cidadania e pluralismo. As preocupações situam-se para além da mera igualdade 
formal, devendo o Estado atuar também no âmbito social. Isso reverbera no Direito Penal 
e atinge a definição de crime em seus aspectos mais elementares, ultrapassando as noções 
formais-positivistas e fixando-se no alinhamento entre a vontade imperiosa do Estado e 
o sentimento social de justiça, tendo como princípio norteador a dignidade humana, 
parâmetro de constitucionalidade tanto para o legislador, quando da elaboração da norma 
penal em abstrato, quanto para o operador do direito, vedando-o de aplicar abusivamente 
a lei penal ou de fazê-la incidir desnecessariamente. 
Pode-se concluir então que o princípio da insignificância é verdadeiro instrumento 
de realização da justiça, afastando do âmbito do Direito Penal fatos formalmente típicos, 
mas materialmente irrelevantes àquele – por força do preceito da mínima intervenção 
estatal, apoiada nas premissas da fragmentariedade e subsidiariedade – posto que não 
violam qualquer dos bens jurídicos tutelados pela norma penal, reflexo dos anseios da 
sociedade. Inobstante a ausência de conteúdo expresso do princípio em estudo, restou 
pacífico que a verificação da sua incidência é um exercício de argumentação racional 
jurídica, voltada para a realização dos valores e objetivos constitucionais do Estado 
Democrático de Direito. 
Superada estas linhas gerais sobre a aplicação do princípio da insignificância, 
passa-se a analisar a sua incidência específica no âmbito dos crimes abarcados pela Lei 
nº. 11.340/2006. 
 
3 A LEI MARIA DA PENHA: BREVE ESCORÇO HISTÓRICO E 
APONTAMENTOS GERAIS SOBRE A NORMA 
A igualdade entre os indivíduos é reconhecida no ordenamento jurídico 
brasileiro como direito fundamental, inclusive, positivado na Constituição Federal de 
1988, em seu art. 5º, estabelecendo que “[...] todos são iguais perante a lei, sem distinção 
de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 1988, n.p.). 
Mello (1999), defende que o conteúdo político-ideológico do princípio da 
isonomia exige que a legislação respeite esse preceito, não podendo a lei ser fonte de 
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privilégios ou perseguições, mas sim instrumento regulador da vida social, garantidora 
do tratamento equitativo entre os membros da sociedade. 
Ocorre que, no Brasil, devido às suas raízes históricas e costumes profundamente 
arraigados, a “[...] a relação de desigualdade entre o homem e a mulher [...] é terreno fértil 
à afronta ao direito à liberdade [...]” (DIAS, 2015, p. 44), da mesma forma que também 
se constitui como uma afronta ao direito à igualdade entre as pessoas, de maneira que este 
contexto, vai além dos direitos fundamentais à igualdade e liberdade, atingindo, como 
nota Dias (2015, p. 44), o direito à solidariedade, pois, “[...] quando se fala em questões 
de gênero, ainda marcadas pela verticalização, é flagrante a afronta à terceira geração dos 
direitos humanos que tem por tônica, a solidariedade[...]”. 
O ciclo da violência doméstica que atinge a mulher, é fruto não só da conduta 
delituosa do agressor, mas, antes disso, é resultado de práticas sociais, decorrentes da 
desigualdade no desempenho do poder, que resulta na inevitável relação entre dominante 
e dominado. Dias (2015) esclarece que a naturalização desta espécie de violência se dá a 
partir de um processo de dissimulação, cujo objetivo é a invisibilização e negação da 
violência conjugal. Assim, o senso comum incorporou que, na divisão de espaços e 
condutas que se determinam na sociedade, é o gênero quem define que, ao homem, cabe 
o espaço público, fora da casa, externo, a função de provedor, enquanto à mulher, restou 
o ambiente privado do lar, encastelada, interna e submissa. Dias (2015) explicita que a 
rigidez destes papéis propicia a violência, justificada como compensação das falhas no 
desempenho das funções do gênero, socialmente idealizadas. 
O ciclo da violência doméstica contra a mulher se caracteriza como uma série de 
etapas repetitivas e que tendem ao agravamento, com o cometimento de agressões de toda 
sorte, desde insultos, ofensas, passando por empurrões, petelecos, ameaças de deixar a 
vítima passando por necessidades de ordem financeira, indiferença, humilhações, lesões 
corporais dos mais variados tipos e, por fim, quando este ciclo não é interrompido, ele 
pode alcançar o seu ápice, com a morte da vítima, como consequência irreversível. Dias 
(2015, p. 27-28) descreve o ciclo da violência doméstica contra a mulher: 
 
[...] Primeiro vem o silêncio seguido da indiferença. Depois surgem 
reclamações, reprimendas, reprovações. Em seguida começam os castigos e as 
punições. A violência psicológica transforma-se em violência física. Os gritos 
transformam-se em empurrões tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. 
As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói seus objetos 
de estimação, a humilha diante dos filhos. Sabe que estes são os seus pontos 
fracos e os usa como “massa de manobra”, ameaçando maltratá-los. [...] 
Depois de um episódio de violência, vem o arrependimento, pedidos de perdão, 
choro, flores, promessas etc. Cenas de ciúmes são justificadas como prova de 
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amor, e a vítima fica lisonjeada. O clima familiar melhora e o casal vive uma 
nova lua de mel. Ela sente-se protegida, amada, querida, e acredita que ele vai 
mudar.Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa [...]. Forma-
se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite. 
 
Retomando as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (1999) sobre o 
tratamento isonômico e os critérios para a realização da distinção entre pessoas e situações 
em grupos apartados, para fins de tratamentos jurídicos diversos – como ocorreu no caso 
da violência doméstica contra as mulheres e a publicação da Lei nº. 11.340/2006 – devem 
concorrer quatro elementos: a) a desequiparação não pode atingir de modo atual e 
absoluto só um indivíduo; b) as situações ou pessoas desequiparadas pela norma devem 
ser efetivamente distintas entre si; c) deve existir, em abstrato, uma correlação lógica 
entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, 
estabelecida pela norma jurídica; d) em concreto, o vínculo de correlação lógica entre os 
fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles devem ser 
coerentes com os interesses constitucionalmente protegidos, ou seja, deve resultar em 
uma diferenciação de tratamento jurídico realmente valiosa para o interesse público, à luz 
do texto constitucional. 
Tais critérios foram, um a um, obedecidos na elaboração da Lei Maria da Penha. 
Embora, a sua publicação tenha sido o fruto de recomendação de um organismo 
internacional de proteção dos direitos humanos pela violação destes últimos, reconhece-
se que a Lei nº. 11.340/2006 é uma legislação avançada e essencial no desenvolvimento 
do senso comum esclarecido7 da sociedade brasileira. 
 
4 INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES 
COMETIDOS NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA E O ADVENTO DA 
SÚMULA Nº. 589, STJ 
Ainda persiste a ideia de que os crimes praticados contra mulheres, em 
ambiente doméstico, são de pequena monta. Esta concepção pode decorrer da herança da 
época em que tais delitos eram processados e julgados pelos JECRIMs, ou, mesmo, pode 
 
7 Quando se fala em “senso comum esclarecido”, toma-se por base as lições de Boaventura de 
Sousa Santos (1988), em “Um Discurso sobre as Ciências na Transição para uma Ciência Pós-Moderna”, 
em que o autor sustenta que a última barreira que o paradigma epistemológico emergente deve ultrapassar 
para firmar-se como modelo de conhecimento é a superação do senso comum, com a consequente 
constituição do senso comum esclarecido. Nas palavras de Boaventura Santos (1988, p. 70): “[...] Na 
ciência moderna a ruptura epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum 
para o conhecimento científico; na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado do 
conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. O conhecimento científico pós-moderno 
só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum.” 
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ainda ser reflexo da ideia de que o gênero feminino deve suportar tais condutas, por serem 
inerentes ao seu papel social. 
Como mencionado alhures, os crimes cometidos sob os auspícios da violência 
doméstica, em sua maioria, ocorrem em um “ciclo em espiral ascendente” (DIAS, 2015, 
p. 27-28), desenvolvendo-se gradativamente, dia-a-dia, insistentemente, atingindo a 
integridade física da vítima em todas as suas nuances: corporal e psíquica, manifestando-
se em insultos, humilhações, ameaças, privações, lesões físicas, podendo levar até à morte 
da vítima. Estas ofensas afetam diretamente os direitos da mulher à dignidade humana, 
saúde, igualdade e liberdade, os quais são, indiscutivelmente, valores muito caros ao 
ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual não há que se falar em ausência de 
ofensividade e periculosidade social de tais condutas, portanto, sem incidência do 
princípio da bagatela nestas situações. 
Uma conduta que, formalmente, se enquadra como crime, mas, materialmente, 
não é apta a atingir o bem jurídico tutelado pelo ordenamento, padece de tipicidade, por 
força do princípio em estudo, como sustentado no tópicos anteriores. Apesar de ser, 
normalmente, invocado em demandas relacionadas a crimes de natureza patrimonial, tem-
se verificado, não raras vezes, a súplica à incidência do princípio da bagatela penal nos 
Juizados Especiais de Violência Doméstica8, sob o argumento de se fazer justiça no caso 
 
8 Consta no Relatório deste julgamento breve síntese da demanda, qual seja,“[...] Pretendendo a aplicação 
do princípio da insignificância, alega a defesa que o réu é primário, confessou os fatos e reatou o 
relacionamento com a vítima, que demonstrou desinteresse na condenação. Acrescenta que o laudo 
demonstrou baixíssima gravidade da lesão [...]”. O Superior Tribunal de Justiça decidiu pela não 
incidência da bagatela criminal, conforme trecho da seguinte ementa: “AGRAVO REGIMENTAL NO 
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÕES CORPORAIS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA 
INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO. JUÍZO NEGATIVO DE 
ADMISSIBILIDADE CONFIRMADO POR ESTA CORTE. 1. A jurisprudência do STJ orienta que o 
princípio da insignificância não se aplica a delitos praticados em ambiente doméstico devido ao relevante 
desvalor da conduta, mesmo diante da preservação ou do restabelecimento da relação familiar e de o 
agressor ser dotado de condições pessoais favoráveis. [...]” (STJ, Agrg no Agravo Em Recurso Especial 
Nº 845.105 – SP) 
*** 
No Relatório do julgamento do habeas corpus nº. 333.195 – MS consta que “[...] o paciente foi condenado 
à pena de 2 (dois) meses de detenção e 15 (quinze) dias de prisão simples, a serem inicialmente cumpridas 
em regime aberto, por infração aos arts. 147 do Código Penal (por duas vezes), e 21 da Lei de 
Contravenções Penais (e-STJ, fls. 145-148) [...]”, tendo a Defensoria Pública do Estado – DPE impetrado 
o habeas corpus sob análise, fundado nos argumentos de que “[...] o que está em questão quando da 
discussão da incidência da infração bagatelar imprópria é a desnecessidade da pena, embora o fato seja 
formal e substancialmente típico; b) o direito penal não se presta a resolver pequenos suplantados 
desentendimentos. O Poder Judiciário não pode ser usado para punir/prejudicar cidadãos em razão de 
brigas superadas de casais; c) se deve respeitar o princípio da intervenção mínima; d) inegavelmente, a 
aplicação da reprimenda ao Paciente caracteriza constrangimento ilegal sendo passível de ser sanado 
através do presente procedimento, uma vez que a vítima reatou com o ora Paciente após o incidente e tem 
convivido com o mesmo em harmonia (e-STJ, fls. 1-8) [...].” Mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça 
decidiu pela não incidência do princípio da insignificância, nos seguintes termos: “CONSTITUCIONAL E 
PENAL. LEI MARIA DA PENHA. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. INAPLICABILIDADE. 
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concreto, principalmente quando já houver ocorrido a reconciliação dos envolvidos. 
Reiteradas vezes esta questão chegou no Superior Tribunal de Justiça e a referida Corte 
inúmeras vezes reiterou o seu entendimento acerca da impossibilidade de incidência do 
referido princípio na seara da violência doméstica contra a mulher, já que tais delitos estão 
longe de carecer de ofensividade e periculosidade social e a sua prática consiste em 
violação frontal aos direitos humanos das mulheres. 
O reconhecimento do princípio da insignificância, como excludente da tipicidade 
penal, exige que o operador do Direito equacione precisamente a gravidade da conduta 
do agente e a severidade da interferência estatal. É desta maneira que se consegue 
estabelecer as violações que realmente atingem o bem jurídico tutelado, não existindo 
fórmula pronta paraa aplicação do princípio da bagatela, devendo-se examinar, avaliar e 
argumentar a incidência ou não deste princípio em cada caso concreto. 
Na contramão dos pilares da fragmentariedade e subsidiariedade – alicerces do 
princípio da intervenção mínima do Estado – devido à magnitude dos direitos violados 
pelas condutas que a Lei Maria da Penha procura coibir, atrelado à incapacidade dos 
demais ramos do Direito e barreiras sociais de lidar com tais violações, mostrou-se 
imprescindível a tutela do Direito Penal, para que as mulheres vítimas de violência 
doméstica pudessem usufruir dos seus direitos mais fundamentais. 
Assim, embora seja pacífico que, ao acusado, cabe invocar todas as teses de defesa 
que entender pertinentes e sustentá-las através de todas as formas admitidas pelo 
ordenamento legal, é revelador que um tribunal superior, como o Superior Tribunal de 
Justiça, tenha sumulado a vedação da aplicação do princípio da bagatela aos crimes 
cometidos em âmbito doméstico. Desta constatação, pode-se deduzir que, a necessidade 
de uniformização deste entendimento pelo STJ, com a publicação da Súmula nº. 5899, em 
13 de setembro de 2017, decorre da pretensão dos réus de ver o princípio da bagatela 
aplicado em seu favor, nos crimes praticados em âmbito doméstico. 
A função das súmulas não vinculantes10 – como é a Súmula nº. 589, do STJ – é 
auxiliar o magistrado no processo hermenêutico pela busca do correto fundamento 
 
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ORDEM NÃO CONHECIDA. [...] 2. A jurisprudência desta Corte Superior 
está consolidada no sentido de não admitir a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela 
imprópria aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito 
das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal 
atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena. Precedentes. [...].” (STJ, 2016, n.p.). 
9 STJ, Súmula nº. 589: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções 
penais praticados contra a mulher, no âmbito das relações domésticas.” 
10 Constituição Federal de 1988, art. 103-A: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por 
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria 
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normativo aplicável ao caso concreto, contendo caráter persuasivo para decisões 
semelhantes futuras, já que é o resultado da opinião formada por um determinado tribunal. 
O Ministro Celso de Mello, ao julgar a Reclamação nº. 10.707 (STF, 2014), explicou que 
a súmula não vinculante configura a exteriorização interpretativa da tendência 
jurisprudencial de um tribunal e tem como função assegurar a estabilidade do sistema, 
promover a segurança jurídica, fornecer orientação jurisprudencial, simplificar e tornar 
previsível a atividade decisória. Além disso, o Novo Código de Processo Civil, em seus 
artigos 926 e 927, manda que os tribunais uniformizem a sua jurisprudência, mantendo-a 
estável, íntegra e coerente, por meio da edição de enunciados de súmula correspondente 
à sua jurisprudência dominante, arrimando-se às circunstâncias fáticas dos precedentes 
que ensejaram a sua criação. Tanto os juízes quanto os tribunais, devem observar os 
enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria 
infraconstitucional (BRASIL, 2015). 
Partindo de uma Teoria Constitucionalista do Delito, em que não se perde de vista 
as metas e valores fundamentais contempladas pelo nosso ordenamento jurídico, 
inclusive aquelas assumidas em tratados internacionais, cuja mais fundamental e 
irradiante é a dignidade da pessoa humana, a uniformização do entendimento do STJ, de 
que não há possibilidade de incidência do princípio da insignificância ou bagatela nos 
crimes praticados sob os auspícios da violência doméstica, por meio da Súmula nº. 589, 
representa um avanço na jurisprudência do STJ na seara de aplicação da Lei Maria da 
Penha, já que o mencionado tribunal tem por competência a uniformização da 
interpretação das leis federais no Brasil, competindo a ele a solução definitiva de 
demandas civis e criminais que não envolvam matéria constitucional, nem afeta à justiça 
especializada, na qualidade de Corte Federal11. 
 
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante 
em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas 
federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida 
em lei. 
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das 
quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete 
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. 
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula 
poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. 
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a 
aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato 
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem 
a aplicação da súmula, conforme o caso. 
11 STJ. Atribuições. Brasília, DF: STJ, 2018a. 2 p. Disponível em: 
<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Institucional/Atribuições>. Acesso em: 02 jul. 2018. 
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Diante de todo o exposto, constata-se que o princípio da insignificância ou 
bagatela penal, na qualidade de excludente da tipicidade penal, é de fundamental 
importância no desenvolvimento de uma política criminal conectada com a realidade 
social que a circunda, tendo como função a constante vigília dos valores sociais e dos 
bens juridicamente tutelados pela legislação Penal. A interpretação da norma penal deve 
ser restritiva e apta a atualizar as diretrizes constitucionais que incidem sobre a lei penal, 
a qual, em decorrência da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, deve 
fixar-se apenas ao que é realmente imprescindível à proteção dos bens jurídicos mais 
caros ao nosso ordenamento jurídico e à sociedade. 
Para a correta verificação da incidência do princípio da insignificância, é essencial 
que o intérprete ou aplicador da lei estabeleça a correlação entre a gravidade da conduta 
do agente e a rigorosa intervenção estatal. O Supremo Tribunal Federal definiu como 
critérios orientadores deste equacionamento: a) a mínima ofensividade da conduta do 
agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade 
do comportamento, e; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 
Uma vez realizado esta correlação com as condutas criminosas perpetradas na 
seara da violência doméstica contra as mulheres, restou claro que a origem de tais 
agressões se dá em práticas sociais irrefletidamente reiteradas, resultantes das relações de 
poder entre dominante e dominado, que são fruto das concepções de gênero entronizadas 
pela sociedade. Neste sentido, o modus operandi do agressor na violência doméstica se 
dá de forma naturalizada e invisível, materializada em um ciclo, que se retroalimenta e se 
amplia gradativamente, ascendendo de agressões tidas como “mais leves” e culminando 
em danos à integridade física, psíquica e até à vida da vítima. 
Com todo este aporte, não há que se falar em incidência do princípioda bagatela 
penal aos delitos cometidos na seara de atuação da Lei Maria da Penha, já que se trata de 
violações verdadeiramente expressivas ao bens jurídicos tutelados pela legislação em 
comento, qual seja, a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. O próprio 
Superior Tribunal de Justiça uniformizou este entendimento, com a edição da Súmula nº. 
589, devendo o referido enunciado ser seguido, inobstante a ausência de força vinculante, 
por se tratar de promoção da segurança jurídica, fornecimento de orientação 
jurisprudencial, simplificação e previsibilidade da atividade decisória. 
Por fim, tem-se que o que impede a incidência do princípio em estudo aos crimes 
praticados em situação de violência doméstica é a sua incompatibilidade com a violação 
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dos bens juridicamente tutelados pela Lei nº. 11.340/2006, os quais são, reitera-se: 
igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Entender tal questão de forma 
contrária, configuraria retrocesso jurídico e social, além ignorar completamente as metas 
e valores contemplados pela nossa Constituição Federal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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