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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 
Faculdade de Educação 
 
 
 
Carlos Roberto Horta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MUTIRÃO, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA: 
Forjando novas relações entre o saber e o poder 
 
 
 
 
 
 
 
 
V. 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2016 
 
 
 
 
Carlos Roberto Horta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MUTIRÃO, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA: 
Forjando novas relações entre o saber e o poder 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em 
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 
como requisito parcial para obtenção do título de 
Doutor em Educação 
 
Orientadora: Professora Dra. Daisy Moreira Cunha 
 
Co-orientadora: Professora Dra. Cândida da Costa 
 
 
 
 
V. 1 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2016 
 
 
 
 
Carlos Roberto Horta 
 
 
MUTIRÃO, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA: 
Forjando novas relações entre o saber e o poder 
 
 
Tese apresentada a Faculdade de Educação da 
Universidade Federal de Minas Gerais, como 
requisito parcial para obtenção do título de Doutor 
em Educação. 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Daisy Moreira Cunha – UFMG (Orientador) 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Cândida da Costa – UFMA 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Dr. Geraldo Márcio Alves dos Santos – UFV 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Dr. Rogério Cunha de Campos – UFMG 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Magda Maria Bello de Almeida Neves – PUC MINAS 
 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Leila Maria da Silva Blass – PUC SÃO PAULO 
 
 
 
 
Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2016
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À memória de 
 
Idalísio Soares Aranha Filho, colega no Colégio Estadual Central em Belo Horizonte, 
estudante da UFMG, guerrilheiro do Araguaia, herói do povo brasileiro.
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Ao pensar em agradecimentos, a primeira certeza é de que será impossível eu me 
lembrar de todos os que, em diferentes momentos e para diversas etapas e diversos detalhes 
deste trabalho me concederam um pouco de seu tempo, seja para me trazer sugestões, para 
fornecer informações ou para dizer uma palavra de confiança e incentivo. O fato é que este 
trabalho não teria sido realizado sem o apoio e a participação de diversas pessoas e vou 
mencionar apenas algumas delas, mas sou grato a todas. 
Meu primeiro reconhecimento é dirigido aos trabalhadores educadores, militantes de 
uma luta que honra uma geração, companheiros que me acolheram e com os quais foi possível 
aprender tanto, que posso dizer que esse aprendizado influenciou decisivamente a minha 
trajetória, ao longo de mais de vinte anos. Com eles aprendi o quanto é importante associar a 
formação profissional com a formação política e isto marcou a maioria dos projetos que 
coordenei, nas atividades do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano da UFMG. Eles 
estão citados no trabalho, e também estão citados os moradores do Jardim Teresópolis, 
homens e mulheres que gentilmente nos concederam as entrevistas, pelas quais agradeço. 
Agradeço ainda aos ex-alunos do Centro de Aperfeiçoamento do Trabalhador, que me 
concederam entrevistas sobre a experiência que viveram na condição de participantes de uma 
experiência educacional que marcou tanto as suas vidas. 
Sei que não tenho como encontrar palavras para agradecer à minha orientadora, 
Professora Daisy Moreira Cunha, por aceitar o convite de assumir a minha orientação. Além 
disso, pela paciência, pela habilidade e lucidez com que me levou a abrir mão de instrumentos 
conceituais ou de autores que ficavam impregnados na minha leitura militante, desde os 
tempos da ditadura. A competência, a clareza, a criatividade no diálogo, que fazem parte da 
comunicação e do jeito de ser da Professora Daisy confirmaram para mim, desde cedo, o 
acerto de minha escolha ao pedir que ela me orientasse nesse doutorado tardio. 
Não é fácil também, encontrar palavras suficientes para expressar o quanto sou grato à 
Professora Cândida da Costa, da Universidade Federal do Maranhão. Companheira de 
trabalho em diversos projetos e seminários, Cândida, que conheci quando éramos da 
Coordenação Nacional da Rede Unitrabalho, mostrou-se, sempre, uma competentíssima 
parceira na execução de projetos, dinâmica, militante e produtiva. A ela devo agradecer pelas 
palavras de estímulo para que eu retomasse o doutorado, que eu levasse a termo o trabalho. 
Porém, mais do que isso, agradeço pela dedicação confiante de uma co-orientadora cuidadosa, 
 
 
preocupada em que eu cumprisse os prazos, rigorosa na leitura dos textos e nas 
recomendações. 
Quero agradecer a Professora Magda Neves e ao Prof. Michel Le ven, companheiros 
de décadas de trabalho e companheiros na construção do NESTH, que fizeram parte da minha 
formação. A eles agradeço pelas conversas e sugestões, e por tudo o que aprendi com eles 
sobre o mundo do trabalho. Muito do que trabalhávamos juntos, desde o final dos anos 
setenta, época da criação do NESTH, está na origem deste trabalho e da maioria dos outros, 
de pesquisa e de extensão, que desenvolvi na minha vida profissional. 
Entre as pessoas que fizeram parte de minha formação, devo mencionar, com 
destaque, aquela que me trouxe a sugestão do tema deste trabalho, por me conhecer bem e por 
saber o quanto eu me identificava com a questão. Valéria, companheira na vida, desde aquele 
ano mágico de 1968, hoje avó de meus netos. Acompanhou grande parte deste trabalho, leu os 
textos, deu sugestões e apoio emocional desde sempre. 
Quero também expressar meu agradecimento ao Professor Rogério Cunha Campos, de 
quem tive o prazer de ser aluno. Agradeço a ele por ter sido parecerista do meu projeto e por 
aceitar o convite de participar da banca. Agradeço à professora Leila Blass pela gentileza em 
vir participar da banca e ao Professor Wellington de Oliveira, amigo de tantos anos, que 
sempre me incentivou a concluir este trabalho. Agradeço também a Professora Antônia 
Vitória Soares Aranha, por aceitar o convite de participar da banca. Quero também expressar 
meu agradecimento ao Prof. Geraldo Márcio dos Santos, de quem tenho o orgulho de ter sido 
professor num curso de especialização há muitos anos e que tenho a certeza de que mais me 
ensinou do que eu a ele. 
Quero registrar aqui meu agradecimento ao Departamento de Ciência Política, da 
FAFICH/UFMG, onde sou professor desde 1978, que me liberou das aulas para que eu 
concluísse este curso de doutorado. Sou grato a todos os colegas que me deram palavras de 
incentivo. Quero mencionar minha gratidão profunda à Professora Vera Alice Cardoso Silva, 
companheira de dez anos de trabalho no NESTH, sempre com palavras de estímulo e 
esclarecimento. Referência de dedicação à vida acadêmica unanimemente reconhecida, Vera 
Alice nunca nos deixava errar. Serei sempre grato a ela, pela leitura cuidadosa e paciente dos 
meus textos e projetos. Ainda no Departamento de Ciência Política, registro meu permanente 
agradecimento a Marlene Maciel, amiga que sempre me estimulou a concluir essa tese e, 
inclusive, transcreveu a maioria das entrevistas, ainda na década de noventa. 
Devo um agradecimento também à CAPES/PICD, com relação ao apoio que recebi 
durante o doutorado em História Social do Trabalho, que cursei na UNICAMP entre 1986 e 
7 
 
1989. Naqueles anos, iniciei a pesquisa e completei os créditos, em disciplinas ministradas 
por professores que ficaram inesquecíveis pela competência e pelo interesse com que leram 
meu projeto e meus primeiros textos sobre o tema, base desta tese que consegui concluir 
agora. Guardei seus comentários anotados e ainda me lembro das sugestões de Marilena 
Chauí, MarcoAurélio Garcia, Maria Stella Bresciani e Michael Hall (que foi meu orientador 
na época). Agradeço tardiamente a todos eles. Ainda naquele doutorado da Unicamp, cursei 
disciplinas com o Professor David Montgomery, de Yale, que lá estava na condição de 
professor visitante e que veio a Belo Horizonte, pelo interesse que teve em visitar comigo 
uma das escolas-operárias que eu pesquisava. A experiência no doutorado da Unicamp me 
trouxe também ótimas conversas com colegas, entre os quais me lembro de Miriam Bahia, da 
Universidade Federal de Ouro Preto, e Carlos Augusto Addor, da Universidade Federal 
Fluminense, companheiro das viagens de ônibus no trajeto São Paulo-Campinas. A eles 
também dirijo meu agradecimento. 
Meu cotidiano de trabalho no NESTH conta, há mais de dez anos, com a participação 
de Flávia Assis Alves. A ela, devo meu agradecimento por ter, praticamente, assumido o 
trabalho de fazer andarem os projetos do núcleo nestes últimos tempos. Agradeço também por 
ela ter ajudado a organizar e montar o volume de anexos da tese, lido grande parte do texto e, 
ao longo de vários anos trocado ideias comigo sobre o tema, que é pertinente com as 
atividades dos projetos que executamos. 
Agradeço ainda ao amigo Teodorico Coelho, o Téo, e ao Sérgio Diniz, que 
percorreram comigo os bairros, na época das entrevistas. Finalmente, agradeço à Helenice, a 
mais recente colaboradora, pela simpatia e pela paciência com que fez a normalização do 
trabalho. Muito obrigado. 
Tenho a absoluta certeza de que me esqueci de agradecer a um monte de gente. Mas a 
vida é assim mesmo. E esquecimento é anistia. 
 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho focaliza práticas de formação profissional e de formação política organizadas e 
dirigidas por trabalhadores e militantes que se juntavam a eles, em uma trajetória de 
solidariedade e resistência no chão de fábrica e com uma história conhecida no meio operário. 
O tema é a construção histórica de sujeitos políticos, através do trabalho e da educação que se 
faz na relação com o trabalho. A classe trabalhadora acontece no cotidiano e se constroi no 
processo de resistência ao poder da fábrica, viabilizando as lutas a partir do conhecimento. A 
resistência acompanha o aperfeiçoamento das formas de exploração do trabalhador com o 
surgimento de novas formas de luta no interior da fábrica. O período é o da retomada dos 
movimentos sociais, do desgaste da ditadura militar, com as mobilizações e as greves 
operárias, em que se fortaleceu a oposição sindical. O grupo Mutirão passou a organizar o 
acolhimento aos que haviam sido demitidos nas greves, manifestando seu projeto de construir 
a oficina-escola a fim de dar a eles emprego e avançar para o fortalecimento da oposição 
sindical. A experiências operária avança com a tentativa de transformar pela educação a 
cultura e o grupo se articula com os movimentos comunitários e com a igreja católica 
progressista, no objetivo de fazer avançar a luta popular. Parte da experiência é desenvolvida 
na preparação e no desencadeamento das greves de 1978 e 1979, que propiciaram aos 
trabalhadores a sua visibilidade na imprensa, na política e funcionaram como educação para 
os moradores dos bairros operários da região, fazendo avançar o seu papel na consolidação da 
cidadania. A experiência adquirida nas lutas no interior das fábricas é extremamente 
importante, para esta perspectiva, por ter significado um processo permanente de educação do 
educador e de vivência nas práticas da solidariedade. O processo de construção de uma escola 
de educação operária, suas relações com os moradores do bairro, a relação com o sindicalismo 
italiano também fazem parte do escopo deste trabalho. O que chama a atenção em todas essas 
narrativas é que a educação perpassa a fábrica, o bairro, o sindicato, bem como as greves, 
atividades culturais, religiosas e políticas e, neste caso, culmina na institucionalização de uma 
escola do trabalho para trabalhadores, processo prenhe de tensões político-pedagógicas. Nesse 
processo os setores da classe trabalhadora se formam, entre as situações de trabalho e as 
demais relações que eles vivem no seu cotidiano de vida comunitária. Todas essas narrativas 
desvelam o constante vir a ser da consciência e da identidade de classe. 
 
 
ABSTRACT 
 
This work focuses on practices of professional and political training organized and 
directed by workers and militants that joined them, in a path of solidarity and resistance on the 
shop floor and with a known history in the worker's environment. The theme is the historical 
construction of political subjects, through work and education, which takes place in the 
relationship with work. The working class happens in the daily life and builds itself in the 
process of resistance to the power of the factory, allowing for the struggles from knowledge. 
The resistance follows the perfecting of the means for exploiting the workers with the 
surfacing of new forms of struggle within the factory. 
This is the period of the reignition of social movements, of the wearing out of the 
military dictatorship, with the worker's strikes and mobilizations in which the union 
opposition grew stronger. The Mutirão (Task Force) group began to organize the safe havens 
to those that had been dismissed at the strikes, stating its project of building school-
workshops so as to provide employment to them and go on to strengthening the union 
opposition. The workers' experience advances with the attempt to transform through 
education the culture and the group articulates itself with the community movements and with 
the Progressive Catholic Church, with the intent of advancing the popular struggle. 
Part of the experiment is developed in the preparation and triggering of the strikes of 
1978 and 1979, which allowed the workers to have their visibility in the media and in politics 
and worked as an education for the inhabitants of neighborhoods, workers of the region, 
advancing their role in consolidating citizenship. The experience acquired in the struggles 
within the factories is extremely important, for this perspective, as it meant a permanent 
process of educating the educators and experiencing solidarity practices. 
The process for building a school with workers' education, its relations with the 
neighborhood inhabitants, the relationship with Italian unionism are also part of the scope of 
this work. 
What is surprising about all of these narratives is that the education goes through the 
factory, the neighborhood and the union as well as strikes, cultural, religious and political 
activities and, in this case, it culminates in the institutionalizing of a labor school for workers, 
a process filled with political-pedagogical tensions. In this process, the sectors of the working 
class form, among the working situations and the other relations they experience in their 
community day-to-day life. All of these narratives show the constant becoming of class 
consciousness and identity. 
 
 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 
 
ABO Associação Beneficente Operária 
ACO Ação Católica Operária 
ALN Ação Libertadora Nacional 
AMORJ Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro 
ANAMPOS Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindical 
AP Ação Popular 
APJ Aprender Produzir Juntos 
APML Ação Popular Marxista-Leninista 
APERJ Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro 
APPMG Associação das Professoras Primárias de Minas Gerais 
AST Ação Social Técnica Escola de Produção Tio Beijo 
BDIC Bibliothèque de Documentation Internationale Contemporaine 
CADTS Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento Técnico-Social 
CAT 
CATT 
Centro de Aperfeiçoamento do Trabalhador 
Centro de Atividades Técnicas do Trabalhador 
CDI Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais 
CEBs Comunidades Eclesiais de Base 
CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais 
CET Centro deEstudos do Trabalho 
CGG Comissão Geral de Greve 
CIDE Comissão Interna de Empresa 
CIMEC Construções Industriais e Mecânicas 
CIS Comissão Intersindical 
CLT Consolidação das Leis do Trabalho 
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 
CNM Confederação Nacional dos Metalúrgicos 
COLINA Comando de Libertação Nacional 
COPRE Centro Operário Profissionalizante Recreativo 
CPT Comissão Pastoral da Terra 
CTC Centro de Trabalho e Cultura 
CUT Central Única dos Trabalhadores 
DOI- CODI Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de 
Defesa Interna 
DVS Delegacia de Vigilância Social (antigo DOPS) 
FAE Faculdade de Educação 
FAFICH Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas 
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço 
GEFASI Grupo de Estudo, Formação e Assessoria Sindical 
GETEC Grupo de Estudos e Trabalho em Educação Comunitária 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IRT Instituto de Relações de Trabalho 
JAC Juventude Agrária Católica 
JEC Juventude Estudantil Católica 
JIC Juventude Independente Católica 
JOC Juventude Operária Católica 
JUC Juventude Universitária Católica 
LOC Liga Operária Católica 
MDB Movimento Democrático Brasileiro 
 
 
MIA Movimento Intersindical Anti-Arrocho 
MR-8 Movimento Revolucionário 8 de outubro 
ORM-POLOP Organização Revolucionária Marxista Política Operária 
PC Partido Comunista 
PC do B Partido Comunista do Brasil 
PCB Partido Comunista Brasileiro 
PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionário 
PO Pastoral Operária 
POC Partido Operário Comunista 
POLOP Política Operária 
PT Partido dos Trabalhadores 
PTB Partido Trabalhista Brasileiro 
PUC MINAS Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
REGAP Refinaria Gabriel Passos 
SBE Sociedade Brasileira de Eletrificação 
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial 
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial 
SESI Serviço Nacional da Indústria 
SNI Serviço Nacional de Informações 
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais 
VAR-PALMARES Vanguarda Armada Revolucionária Palmares 
VPR Vanguarda Popular Rrevolucionária 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO - TRABALHADORES E EDUCADORES ........................................... 13 
1.1 Trabalho, Saber e Poder .................................................................................................. 13 
1.2 Sobre A Metodologia Utilizada ....................................................................................... 19 
1.3 Transição para a Discussão Propriamente dos Métodos ............................................. 25 
1.4 A pesquisa .......................................................................................................................... 27 
 
2 CLASSE TRABALHADORA, SABER E PODER .......................................................... 36 
2.1 Classe e Formação ............................................................................................................ 36 
2.2 As Lutas e o saber na produção da política ................................................................... 42 
2.3 Sujeito político, Trabalho e Luta .................................................................................... 49 
2.4 A Construção do Saber das Classes Trabalhadoras ..................................................... 53 
 
3 A CLASSE TRABALHADORA E AS LUTAS CONTRA O AUTORITARISMO ...... 57 
3.1 Antecedentes: a região de Betim, a industrialização e a formação da classe 
trabalhadora local ............................................................................................................ 57 
3.2 O Desgaste do Autoritarismo e a Contextualização da Retomada das Greves ........... 61 
3.3 Os Espaços de Mobilização e os Movimentos com a Igreja .......................................... 65 
3.4 A Esquerda Dispersa e a Matriz Discursiva Marxista-Gramsciana ............................ 72 
3.5 O Boi não Sabe a Força que Ele Tem ............................................................................. 92 
3.6 Osasco: Construindo Militantes na Luta ..................................................................... 101 
3.7 Contagem, Outubro de 1968: a Greve e o Avanço do Autoritarismo ........................ 104 
3.8 A Greve de outubro de 1968: Considerações sobre a Aliança Operários/Estudantes e 
o papel das Organizações de Esquerda ........................................................................ 106 
3.9 Das Fábricas Para as Ruas, Para Todo Mundo Ver ................................................... 120 
3.10 As Greves de 1978/1979 e os Trabalhadores da Região Metropolitana de Belo 
Horizonte ........................................................................................................................ 127 
 
4 A MILITÂNCIA COMO EXPERIÊNCIA DE VIDA e o TRABALHADOR 
EDUCADOR ..................................................................................................................... 135 
4.1 Antecedentes da formação do Centro de Aperfeiçoamento do Trabalhador ........... 135 
4.2 O Grupo Mutirão ........................................................................................................... 136 
4.3 O Mutirão: organizar para fazer política .................................................................... 141 
4.4 Classe Trabalhadora e Associativismo ......................................................................... 145 
4.5 A Formação do Grupo na Solidariedade, na Cultura e na Política ........................... 160 
4.6 O Mutirão e a Pastoral Operária na Luta para Reconquistar o Sindicato ............... 181 
 
5 AS GREVES, A SOLIDARIEDADE, A EDUCAÇÃO: A PRÁTICA DOS 
MILITANTES DA FORMAÇÃO OPERÁRIA ............................................................. 198 
 
6 O CAT E SUA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO OPERÁRIA .................................. 232 
6.1 Um Lugar Para Viver Numa Área Industrial ............................................................. 233 
6.2 O Bairro na Fala dos Moradores .................................................................................. 235 
6.3 Organização e Mobilização ............................................................................................ 240 
6.4 O Projeto Oficina-Escola ............................................................................................... 242 
6.5 Criação do CAT .............................................................................................................. 259 
6.6 Escola Profissional ou Formação Sindical.................................................................... 266 
6.7 Identidade do CAT ......................................................................................................... 271 
6.8 O Estatuto da Oficina ..................................................................................................... 278 
 
 
6.9 As Falas dos Instrutores e o Princípio Educativo do Trabalho .................................. 279 
6.10 A Visão dos educandos ................................................................................................. 287 
6.11 A Questão das Relações com o Bairro ........................................................................ 289 
6.12 Formas de Institucionalização ..................................................................................... 290 
6.13 O Conhecimento dos Moradores do Bairro Sobre o CAT ........................................ 290 
6.14 Avaliação ....................................................................................................................... 293 
 
7 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 295 
 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 303 
 
APÊNDICE ...........................................................................................................................318 
 
ANEXOS – v. 2 ............................................................................ Erro! Indicador não definido. 
 
13 
 
 
1 INTRODUÇÃO - TRABALHADORES E EDUCADORES 
 
1.1 Trabalho, Saber e Poder 
 
Em uma interessante narrativa sobre mitologia grega, Calasso trabalha o rapto da 
princesa Europa, na costa de Sidon, Fenícia, por Zeus transmutado em touro: 
 
Na praia de Sidon, um touro tentava imitar gorjeios amorosos. Era Zeus. Foi 
sacudido por um arrepio, igual a quando os moscardos o picavam. Mas, desta vez 
era um arrepio suave. Eros fazia Europa, donzela, montar em sua garupa. Depois, o 
branco animal lançou-se n‘água, e seu corpo imponente emergia o suficiente para 
que a jovem não se molhasse. Foram vistos por muitos. Tritão, com seu búzio 
sonoro, respondeu ao canto nupcial. (CALASSO, 1991, p. 7). 
 
O estudioso volta ao evento por diversas vezes, cada uma delas precedida da 
interrogação: ―e como é que tudo começara?‖ Em cada resposta, as diferentes visões vão se 
sucedendo, por vezes acompanhadas de explicações. Em todas elas, o rapto de Europa 
acontece. As visões vão passando pela narrativa que descreve: 
 
[...] um grupo de moças brincava ao longo de um rio, colhendo flores [...] De 
repente, viram-se cercadas por um bando de touros. Entre eles, um de brancura 
ofuscante, com pequenos chifres, que pareciam gemas luminosas. Sua expressão 
ignora qualquer ameaça. Tanto que Europa, tímida a princípio, encosta suas flores 
naquele cândido focinho. [...] A princesa se arrisca a montar em sua garupa, à 
maneira das amazonas. [...] Com falsa indecisão, o touro se aproxima da água. 
Agora é tarde: o branco animal cavalga as ondas, Europa na garupa. Ela olha para 
trás: com a mão direita, agarra um chifre, com a outra se apóia na fera. (CALASSO, 
1991, p. 8). 
 
Outra resposta a como é que tudo começara vai dizer: 
 
Na foz do rio, por entre as roseiras e o quebrar das ondas, Europa passeava com seu 
cesto de ouro. No prado, apareceu um touro de clara pelagem, com um círculo 
branco na testa. Dele emanava um perfume que cobria o das flores. [...] O touro 
ajoelhou-se à sua frente, oferecendo-lhe a garupa. E, mal ela se firmou, arrancou 
rumo ao mar. Europa, aterrorizada, olhava para a praia, chamava as amigas [...] 
Depois, já em meio às ondas, com uma das mãos se agarrava ao grande chifre e com 
a outra mantinha a borda da túnica apertada contra o peito. (CALASSO, 1991, p. 8-
9). 
 
Finalmente, em outra resposta a ―como é que tudo começara‖, Calasso lembra que 
 
[...] se alguém quiser história, é uma história de discórdia. E a discórdia nasce do 
rapto de uma donzela ou do sacrifício de uma donzela. [...] Tendo chegado na 
Argólida, os comerciantes fenícios passaram cinco ou seis dias vendendo suas 
mercadorias, que haviam trazido do Mar Vermelho, do Egito e da Assíria. [...] Os 
últimos produtos ainda estavam por vender, quando chegou um grupo de mulheres, 
entre elas, Io, a filha do rei. Continuavam a discutir e a comprar. De repente, os 
marinheiros comerciantes lançaram-se sobre elas. Algumas conseguiram fugir. Io e 
outras foram raptadas. A esse rapto, responderam depois os cretenses ao raptar na 
Fenícia a filha do rei, Europa. (CALASSO, 1991, p. 10). 
14 
 
 
As muitas narrativas, certamente, podem contribuir para a montagem mais completa 
da explicação dos fenômenos observados, isto é, vistos de diversos pontos de observação. 
Polifonia da memória, visões e interpretações que constroem e reconstroem a história 
sempre a se fazer, sem marcações rígidas de inícios e fins. 
Ao lado da variedade de olhares, cabe aqui o lugar da memória política. Esta seria a 
janela de onde se vê a discórdia. Na visão de BOSI, a memória política é aquela em que os 
juízos de valor intervêm com mais insistência: ―o sujeito não se contenta em narrar como 
testemunha histórica ‗neutra‘. Ele quer também julgar, marcando bem o lado em que estava 
naquela altura da História, e reafirmando sua posição ou matizando-a.‖ (BOSI, 1987, p. 371). 
Este trabalho resulta de uma pesquisa histórica de práticas educativas desenvolvidas 
por grupos de trabalhadores e militantes da luta operária. Uma pesquisa que procurou 
registrar um processo dentro de um determinado segmento de tempo e que acompanhou uma 
parte dele, enquanto o mesmo ainda acontecia. Foram ouvidas diretamente pessoas que 
desempenharam etapas decisivas do processo, interessadas em serem ouvidas e interessadas 
em que a sua experiência fosse registrada. 
Trata-se da observação e do registro da memória de práticas educativas e de 
organização de trabalhadores no espaço da fábrica, a maior parte do período em um momento 
em que Brasil ainda vivia sob o Regime Militar de 1964, estendendo-se até os primeiros anos 
da retomada da democracia. Essas práticas educativas não se limitaram ao interior das 
fábricas, mas estenderam-se ao espaço dos bairros, numa fase da história em que a sociedade 
brasileira vivia sob regime ditatorial e, nesse contexto, tiveram desdobramentos que 
ocasionaram a construção de um centro de profissionalização e formação política, além de 
terem estimulado relações com o sindicalismo internacional. 
Optamos por ouvir diferentes entrevistados sobre o mesmo assunto, buscando 
exatamente enriquecer ou consolidar informações. No caso específico da condução de 
experiências de práticas educativas e da organização do grupo que as desenvolveu, as falas de 
diferentes protagonistas trouxeram, além da confirmação do que já fora informado, outros 
olhares e outras interpretações dos fatos em processo de construção. A narrativa transporta 
olhares que se completam uns aos outros. As ações eram de um coletivo e, naturalmente, 
alguns viam aspectos ou detalhes do processo que poderiam ser significativos conforme o 
lugar de onde se vê. Esse lugar de onde se vê e a construção de memória que dele decorre é 
que possibilitam a variedade de olhares, que elaboram e trazem as formas de tornar mais 
completa a visão e a narrativa no processo de consolidação de significados. Qual o tipo de 
memória mais adequado a uma visão que possa descrever, da maneira mais completa possível, 
15 
 
 
a trajetória e o significado do grupo de sujeitos que organizaram a experiência de que 
tratamos aqui ? Optamos por uma articulação de diferentes visões e também por uma 
retomada da história, para situar o processo descrito por diferentes sujeitos que dele 
participaram, de forma a construir uma narrativa ou descrição mais completa. Talvez seja esta 
uma forma de se buscar uma visão mais abrangente sobre processos que envolvem o fazer e 
fazer-se consciente da sua realidade, processos que se aproximam de uma práxis, no sentido a 
que se refere Kosik (1985, p. 219), de que ―os homens, tão logo ‗se acham‘ dentro da 
situação, a transformam.‖ E a práxis se constrói e se identifica, quanto mais a visão que a 
torna possível seja de totalidade, de integração das contradições em processos de 
transformação, enfim, propiciadora de uma visão dialética. 
Com este trabalho, pretendemos compreender e analisar processos de resistência, 
emancipação e formação de identidade política no movimento operário acontecidos nas 
décadas de 1970 e 1980 na região industrial de Belo Horizonte, Betim e Contagem, em Minas 
Gerais. Procuramos identificar e analisar as relações entre esse movimento e os moradores 
dos bairros da região industrial, o envolvimento das comunidades e a sua participação nas 
mobilizações daquele período. 
Mais especificamente, procuramos analisar a experiência de educação/formação 
desenvolvida por trabalhadores e militantes de movimentos sociais, numa época em que a 
sociedade brasileira viveu sob a ditadura militar e, depois, tratava de avançar na 
redemocratização do país. Objetivamos, ainda, discutir a relação entre formação profissional e 
formação política nas experiências educacionais dos trabalhadores e identificar o contextoem 
que as relações entre o movimento dos trabalhadores e a comunidade do bairro se constroem, 
se desenvolvem e consolidam práticas que se caracterizam como ação de um coletivo que 
mostra alguma continuidade no aprendizado ou na assimilação do fazer política. 
Focalizamos um período histórico em que determinados sujeitos da classe trabalhadora 
desenvolveram experiências no âmbito das relações entre o saber e o poder, realizando a 
dinamicidade de um princípio educativo do trabalho, em diferentes cenários e em diferentes 
momentos, ao longo de duas décadas e meia de um período importante das transformações 
políticas do Brasil. 
O que unifica essas experiências é um processo de construção de práticas educativas, 
práticas de formação, presentes na trajetória desses sujeitos de uma ação auto-declaradamente 
voltada para o fortalecimento dos trabalhadores enquanto classe, enquanto sujeito político. 
 Trata-se de uma trajetória que vai, desde o interior das fábricas da região, no final dos 
anos sessenta, logo após as greves de 1968, passando pela organização de um grupo de 
16 
 
 
formação e solidariedade, chamado Mutirão, trabalhando o envolvimento dos bairros de 
trabalhadores e avançando para a construção de uma escola profissionalizante e de formação 
política, em Betim, nos anos 1980. 
O acompanhamento e a participação que tivemos nessa última parte da experiência 
tornaram possível observar como se dava, naquele período, o processo de construção de 
sujeitos políticos através da aprendizagem para o trabalho. Ao longo de seis anos, do início de 
1986 a 1992, registramos entrevistas, recolhemos e pesquisamos documentação (jornais, 
cartas, contratos, declarações, atas de reuniões e assembleias, registros em cartórios, 
anotações de viagens e fotografias) e participamos de ações de capacitação promovidas por 
esses trabalhadores e militantes, enquanto a experiência acontecia. Mais de setenta horas de 
gravação foram realizadas no período. As práticas educativas e os processos de aprendizagem 
envolvidos na experiência foram devidamente registrados e discutidos com os seus principais 
responsáveis, que nos trouxeram aprendizagem com suas histórias de vida. Estivemos, ainda, 
em reuniões de autoavaliação e entrevistamos ex-alunos e moradores do bairro em que essa 
experiência se desenvolveu, uma vez que ela teve envolvimento com a comunidade em que se 
situava. Essa relação vinha de ações anteriores às experiências dos protagonistas com a escola 
de formação profissional, pois eles tiveram participação em movimentos de bairro e nas 
greves do período de 1978 a 1981. Essas greves tinham notável interação com a Igreja 
Católica na região, com a Pastoral Operária e com uma imprensa local, como o Jornal dos 
Bairros e o Boletim da Pastoral, que davam capilaridade aos acontecimentos e visibilidade aos 
movimentos sociais. Tivemos acesso aos números desses jornais publicados na época 
daquelas greves e movimentos das comunidades, além de termos realizado levantamento em 
jornais da chamada grande imprensa, no contexto dos acontecimentos relativos ao movimento 
sindical e à classe trabalhadora1. Os organizadores do Grupo Mutirão e do CAT (Centro de 
Aperfeiçoamento do Trabalhador), de Betim, foram, na sua maioria, trabalhadores que 
participaram daquelas greves. 
É muito importante observar que experiências educativas, desenvolvidas por 
trabalhadores e preocupadas com a formação de ―sujeitos políticos‖, não foram fatos isolados 
ou limitados à região industrial de Belo Horizonte. Quando realizamos pesquisa para a 
Organização Internacional do Trabalho (HORTA; CARVALHO, 1992, p. 11), em 1991, 
registramos a existência de experiências dessa natureza em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro 
além de outras três em Minas Gerais (Belo Horizonte, Contagem e Teófilo Otoni), bem como 
a fundação do Conselho de Escolas Operárias, no encontro realizado em 1989, no Rio de 
 
1
 O conceito de classe será aprofundado no item I do próximo capítulo. 
17 
 
 
Janeiro. O Conselho passou a organizar os seminários subseqüentes e a buscar um maior 
interrelacionamento entre as experiências, além de buscar uma política de sustentação 
financeira global para as escolas. 
Em 1997, ao coordenarmos pesquisa para o Projeto Integrar Nacional, da 
Confederação Nacional dos Metalúrgicos/Central Única dos Trabalhadores (CNM/CUT), 
através da Rede Unitrabalho, sobre a Formação Profissional empresarial, pública e sindical 
para o setor metalúrgico, foi possível identificar um documento básico deste conselho, que 
então passava a se chamar Conselho de Escolas de Trabalhadores, a Plataforma de Educação 
para Cidadãos Trabalhadores, aprovada em 1995, pelo seu quinto seminário (MORAES et 
al., 1999, p. 375). Esse documento consolida uma proposta concreta do conselho, que é a de 
Centros Públicos para a Educação de Cidadãos Trabalhadores, com base na experiência 
acumulada em diversas das escolas de trabalhadores. O documento prioriza na educação a 
discussão do papel da tecnologia nas escolas, definindo parâmetros para a formação política, 
precisando áreas de conhecimento necessárias para uma educação cidadã, discutindo a 
questão pedagógica e as condições de sustentação das escolas de trabalhadores. Nas reuniões 
de que participamos, nesses seminários, pudemos constatar a presença de representantes das 
seguintes escolas: 
 
a) CADTS - Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento Técnico-Social - localizado 
em São João de Meriti, Estado do Rio de Janeiro; 
b) CAT - Centro de Aperfeiçoamento do Trabalhador - localizado em Betim, Minas 
Gerais; 
c) AST - Ação Social Técnica Escola de Produção Tio Beijo - localizada em Belo 
Horizonte, Minas Gerais; 
d) COPRE - Centro Operário Profissionalizante Recreativo - localizado em Contagem, 
Minas Gerais; 
e) APJ - Aprender Produzir Juntos - localizado em Teófilo Otoni, Minas Gerais; 
f) CTC - Centro de Trabalho e Cultura - localizado em Recife, Pernambuco; 
g) ESCOLA NOVA PIRATININGA - localizada em São Paulo, SP. 
 
Um registro que organizamos, na época, a partir de nossa observação de 
pesquisador/participante, lembra que os principais pontos comuns que orientam o trabalho 
dessas escolas dizem respeito à formação de um trabalhador integral, sujeito de seu agir no 
trabalho e na vida. Elas consideram que as escolas das classes patronais, bem como as do 
18 
 
 
governo, trabalham dentro de uma visão unificada, que é a de produzir mão-de-obra, e não 
sujeitos que poderão se realizar no trabalho. Naturalmente, esta visão será determinante e 
diferenciadora, tanto nos conteúdos ensinados, quanto nas metodologias de ensino que serão 
seguidas por essas escolas. (HORTA, 1999, p. 132). 
 Nesse mesmo trabalho, fizemos uma descrição de algumas dessas escolas, com ênfase 
nas suas concepções sobre educação e cidadania, nos seus vínculos com a comunidade, nas 
suas dificuldades estruturais de uma opção educacional para os trabalhadores gestada por eles 
próprios (HORTA, 1999, p. 132-140). Voltaremos a falar dessas escolas que integravam o 
Conselho, no capítulo 6. 
Consideramos essas experiências mais significativas do que as práticas e ações 
sindicais de formação profissional desenvolvidas à época, pois a sua atividade revela uma 
proposta pedagógica mais avançada do que a das organizações patronais, como o Serviço 
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem 
Comercial (SENAC), e mais crítica do que os cursos ministrados através dos sindicatos, que 
não mostravam uma preocupação que combinasse o desenvolvimento da capacidade criativa e 
da aprendizagem dos seus alunos com uma formação política voltada para a cidadania dos 
trabalhadores. O que chama a nossa atenção nessas experiências passa pela sua proposta de 
desenvolver uma ―educação operária‖ construindo um saber (e um poder) que se infiltra no 
processo de trabalho definidoe articulado a partir do poder do patronato sobre os 
trabalhadores. Trata-se de um saber vivenciado pelos trabalhadores no seu cotidiano, como 
bem mostram Lima e Varella: 
 
No entanto, o trabalho não é uma simples sucessão de procedimentos, as regras não 
dão conta da produção. As variabilidades de um sistema acontecem o tempo todo, 
em maior ou menor intensidade. É necessário então gerir as variabilidades, 
extrapolar as regras. Nesse sentido, o trabalhador lança mão de seu saber, de sua 
experiência e de sua competência. (LIMA; VARELLA, 2007, p. 191). 
 
Essa constatação é reforçada por Silva: ―São muitos os problemas encontrados no dia 
a dia sanados pela inteligência operária, inteligência que até agora nenhuma máquina ou 
programa computacional conseguiu suprir.‖ (SILVA, 2010, p. 21). 
A dimensão político/ideológica presente nas relações de saber/poder que se constroem 
no cotidiano, no interior do processo produtivo, através da organização do processo de 
trabalho e da organização do espaço da produção, constitui um tema recorrente nas análises e 
discussões do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano da UFMG, desde o início de suas 
atividades. A pesquisa que realizamos na FIAT/MG, em 1982/84 (LE VEN; HORTA; 
19 
 
 
NEVES, 1984) desenvolveu uma abordagem dirigida ao cotidiano dos trabalhadores. Em 
entrevistas com operários daquela indústria foi observada a importância do saber do 
trabalhador no processo de trabalho da produção do automóvel e o quanto essa questão exigia 
um novo olhar de quem pretende estudar as relações de poder no mundo do trabalho. Naquela 
pesquisa, chamou nossa atenção o fato de que muitos trabalhadores têm, no seu cotidiano, a 
percepção das relações entre o saber e o poder e as formas ideológicas das quais essas 
relações se revestem. Dois anos mais tarde, ao iniciarmos as entrevistas para a realização 
deste estudo, as informações levantadas reforçaram essa constatação, como veremos adiante. 
Havia entrevistados que tinham criado novos mecanismos para acelerar a produção, bem 
como outros que, em momentos de luta pelos interesses dos operários, tinham sabido 
desacelerar a produção, utilizando para isto conhecimentos adquiridos no próprio trabalho, 
como forma de pressão política em defesa de suas posições. O que se consolidava como 
prática nessa política localizada era um diálogo mais completo, com sujeitos constituídos, 
onde a classe se afirmava como interlocutor e passava a questionar um processo de trabalho e 
um sistema de produção que lhe haviam sido impostos. 
 
 
1.2 Sobre A Metodologia Utilizada 
 
 Antes de tratarmos das modalidades de construção e aplicação de metodologias que se 
desenham no marco das formas de investigação-ação-participativa, que procuramos utilizar 
nesta pesquisa, um ponto extremamente significativo a considerar diz respeito à discussão 
sobre uma referência mais abrangente, nos estudos e na produção de saber sobre a realidade 
de povos de países como o nosso. A discussão sobre a ―colonialidade‖ do saber e das 
metodologias tem que se colocar como referência obrigatória, quando se trata de produzir um 
olhar sobre nossas realidades. Levar em conta que as universidades e demais centros de 
produção e transmissão de conhecimento desenvolvem uma trajetória de origem e 
pertencimento de classe que as remete também a relações tradicionais de dependência, a 
escolhas e inspirações modelares relativas a métodos e a lugares institucionais de organização 
do trabalho é fundamental. Sobretudo, quando se observa que a valorização de proposições 
teórico-metodológicas elaboradas nas tradições européias e norte-americanas acompanhou 
sempre a formação dos pesquisadores latino-americanos. Mais do que isso, a questão abrange 
toda uma perspectiva, uma cosmovisão que fornece, como mostra Edgardo Lander, os 
―pressupostos fundacionais de todo o edifício dos conhecimentos sociais modernos‖. Segundo 
ele, essa cosmovisão tem como eixo articulador a idéia de modernidade, que vai estruturar 
20 
 
 
[...] quatro dimensões básicas: 1) a visão universal da história associada à idéia de 
progresso (a partir da qual se constrói a classificação e hierarquização de todos os 
povos, continentes e experiências históricas); 2) a ‗naturalização‘, tanto das relações 
sociais como da ‗natureza humana‘ da sociedade liberal-capitalista; 3) a 
naturalização ou ontologização das múltiplas separações próprias dessa sociedade; e 
4) a necessária superioridade dos conhecimentos que essa sociedade produz 
(‗ciência‘) em relação a todos os outros conhecimentos. (LANDER, 2005, p. 13). 
 
O autor ressalta que, pelo caráter universal da experiência histórica da sociedade 
industrial liberal européia, 
 
[...] as formas do conhecimento desenvolvidas para a compreensão dessa sociedade 
se converteram nas únicas formas válidas, objetivas e universais de conhecimento. 
As categorias, conceitos e perspectivas (economia, Estado, sociedade civil, mercado, 
classes, etc.) se convertem, assim, não apenas em categorias universais para a 
análise de qualquer realidade, mas também em proposições normativas que definem 
o dever ser para todos os povos do planeta. (LANDER, 2005, p 13). 
 
Ainda, de acordo com Lander, essa construção eurocêntrica ―pensa e organiza a 
totalidade do tempo e do espaço para toda a humanidade do ponto de vista de sua própria 
experiência, colocando sua especificidade histórico-cultural como padrão de referência 
superior e universal.‖ (LANDER, 2005, p. 13). Na expressão dele, ―estabelece-se um 
dispositivo de conhecimento colonial e imperial, em que se articula essa totalidade de povos, 
tempo e espaço como parte da organização colonial/imperial do mundo.‖ (LANDER, 2005, p. 
13). E acrescenta: 
 
[...] uma forma de organização e de ser da sociedade transforma-se mediante este 
dispositivo colonizador do conhecimento na forma ‗normal‘ do ser humano e da 
sociedade, As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as 
outras formas de conhecimento são transformadas não só em diferentes, mas em 
carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré–modernas. (LANDER, 2005, p. 13). 
 
Esse processo corresponde a uma construção de hegemonia, que passa pela 
desestruturação de saberes e identidades pré-existentes e, mais propriamente, na construção de 
uma contra-hegemonia que, no caso da formação do colonialismo, foi antecedida da derrota 
militar, por vezes com a eliminação física de grande parte das comunidades. 
Na visão de Mignolo, essa modernidade eurocêntrica tem uma relação 
intercomplementar com a colonialidade, sendo que elas se constroem mutuamente. Segundo 
ele, a história do saber foi construída pela visão eurocêntrica e o saber do mundo colonizado 
foi invisibilizado: 
 
 
21 
 
 
[...] a colonialidade permaneceu invisível sob a idéia de que o colonialismo seria um 
passo necessário em direção à modernidade e à civilização; e continua a ser invisível 
hoje, sob a idéia de que o colonialismo acabou e de que a modernidade é tudo o que 
existe. Uma das razões para só se ver a metade da história é que esta foi sempre 
contada do ponto de vista da modernidade. A colonialidade era o espaço sem voz 
(sem ciência, sem pensamento, sem filosofia) que a modernidade tinha, e ainda tem, 
de conquistar, de superar, de dominar. (MIGNOLO, 2004, p. 668). 
 
De natureza semelhante é a discussão de Boaventura de Souza Santos, quando propõe 
as ―epistemologias do Sul‖ como alternativas do mundo colonizado que possam colocar a 
construção de suas resistências, para traduzir e comunicar as suas experiências, equilibrando 
uma globalização mais plena e coerente com a realidade do mundo. Explicitar essa 
colonialidade, não significa ignorar ou dispensar a cosmovisão moderna, que inevitavelmente 
está presente na construção do discurso, da lógica, de saberes e de valores (por exemplo, a 
democracia, a liberdade, igualdade) queterminam por participar da construção da identidade 
colonizada, trazendo em seu bojo contradições que fazem avançar suas transformações e as 
suas possibilidades de autonomia, de emancipação. Um processo que funciona mais ou menos 
como uma luta contra-hegemônica, no que concerne ao modo de fazer ciência: as 
contradições, ainda que sob um olhar colonizado, apontam demandas que não se enquadram 
numa normatividade epistemológica do colonizador. (SANTOS, 2002). 
Trata-se, portanto, da des-universalização e da contextualização de categorias 
explicativas (e também normativas em teorias e métodos) vistas antes como absolutas. Trata-
se de viabilizar a maleabilidade ou substituição dessas categorias e reconhecer a sua possível 
re-significação por outros atores, de outros territórios, de outra história. Ao lado disso, a 
crítica pós-colonial identifica as contradições da cosmovisão moderna hegemônica: 
 
Percebe nesta as operações de exclusão e desumanização mediante a produção da 
diferença colonial. Sabe que o discurso da emancipação colou-se a práticas 
seculares de violenta dominação sobre os povos colonizados de maneira que a 
colonialidade – algo mais que a colonização política – não é ainda uma história 
passadista. (RIBEIRO, 2014, p. 68). 
 
É fundamental, para esta análise e para esta crítica, observarmos que a formação dos 
trabalhadores do conhecimento no ―mundo colonizado‖, lembra, principalmente, a clara 
ligação das instâncias mais elevadas de produção e transmissão de saber com as matrizes 
eurocêntricas e traz em si uma nítida hegemonia dessas formas de trabalhar o conhecimento. 
Esta dimensão hegemônica se coloca de forma quase inquestionável e chega a ser passível, 
para muitos dos ―ambientes institucionais de conhecimento‖, de ser comparável à relação 
entre o peixe e a água. 
22 
 
 
A autora citada acima prossegue: 
 
Se dissermos que a prática sociológica nada tem a ver com a história da 
colonialidade seremos facilmente desmentidos. Sob uma capa de pretensa 
neutralidade, as ciências sociais se constituíram como discursos legitimadores de 
opções político-econômico-ideológicas que fizeram de uma experiência particular de 
modernidade o padrão universal inconteste. (RIBEIRO, 2014, p. 69). 
 
Quijano, ao explicar a colonialidade como um dos elementos constitutivos e 
específicos do padrão mundial de poder capitalista, lembra que ela se baseia na imposição de 
uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular desse mesmo 
padrão de poder, e opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões, materiais e subjetivas, 
da existência cotidiana e em escala social. 
Segundo ele, desde o século XVII, nos principais centros hegemônicos desse padrão 
mundial de poder (e menciona países como Holanda, Inglaterra, e autores, como Descartes, 
Spinoza, Locke e Newton), 
 
[...] foi elaborado e formalizado um modo de produzir conhecimento que atendia as 
necessidades cognitivas do capitalismo, como a medição, a quantificação, a 
externalização (objetivação) do cognoscível em relação ao cognoscente, para o 
controle das relações das pessoas com a natureza, e entre elas, em relação a esta, em 
especial com a propriedade dos recursos de produção. (QUIJANO, 2007, p. 94). 
 
Nessa perspectiva, naturalizaram-se formalmente as experiências, as identidades e as 
relações históricas da colonialidade e da distribuição geo-cultural do poder capitalista 
mundial. É bastante compreensível que este processo, se observado à luz das elaborações 
conceituais sobre hegemonia e produção de conhecimento, tenha levado o modo de 
conhecimento eurocêntrico, denominado racional, a se impor e a ser acolhido e trabalhado no 
mundo capitalista como a única racionalidade válida e como mais um símbolo da 
modernidade. Quijano afirma que as linhas básicas desse modo de conhecimento 
permaneceram ao longo da história do poder capitalista mundial e moderno, incluindo e 
organizando de forma hegemônica, mudanças de seus conteúdos específicos. Ainda, segundo 
ele, é esta a modernidade/racionalidade que está agora, finalmente, em crise. (QUIJANO, 
2007, p. 93). Vale notar que essa ―crise‖ está diretamente associada às necessidades de 
transformação da vida nos países periféricos e à necessidade de se produzir conhecimento 
efetivamente comprometido com as mudanças no sentido de uma autonomia local, regional, 
uma autonomia que possa dar lugar para a visibilidade das características e dos modos de ver 
e de desejar, e também dos modos de se projetar políticas, de populações relegadas a uma 
23 
 
 
espécie de segunda classe nos processos de construção de saberes sobre a sua própria 
realidade. 
A maior intensidade dessa busca de autonomia vai acontecer depois da segunda guerra 
mundial, em áreas dominadas ou dependentes do mundo capitalista, em um contexto de 
descolonização ou de governos nacionalistas em alguns países a fortalecer a educação e as 
elites intelectuais locais. No entanto, na busca de se colocar em discussão uma diversidade 
epistêmica para mais além do capitalismo global, os sinais de uma revolta intelectual contra 
esse modo eurocêntrico de se produzir conhecimento, desde cedo estiveram presentes na 
América Latina. Quijano identifica uma crítica explícita ―ao evolucionismo unilinear e 
unidirecional do eurocentrismo, por exemplo, no livro de Haya de La Torre, ―El 
Antimperialismo y El APRA‖, escrito em 1924 e publicado em 1932. 
Efetivamente, ao se referir às lutas por ocasião da Reforma Universitária, Mariátegui 
mostra que: 
 
O surgimento das universidades populares, concebidas com um critério bem diverso 
do que inspirava, em outros tempos, tímidas tentativas de extensão universitária, 
efetuou-se em toda a América Latina numa visível concomitância com o movimento 
estudantil. Da Universidade saíram, em todos os países latino-americanos, grupos de 
estudiosos de economia e sociologia que puseram seus conhecimentos a serviço do 
proletariado, dotando este, em alguns países, de uma direção intelectual da qual 
antes ele havia geralmente carecido. Finalmente, os propagandistas e promotores 
mais entusiastas da unidade política da América Latina são, em grande parte, os 
antigos líderes da Reforma Universitária que conservam assim sua vinculação 
continental, outro dos sinais da realidade da ‗nova geração‘. (MARIÁTEGUI, 1928, 
p. 105). 
 
Colocar em questão a colonialidade epistêmica aponta para a constante renovação das 
formas de persistência desses processos de dependência e preservação de sua hegemonia, bem 
como para a criação de formas de organização e produção de conhecimento que possam 
adequar-se às especificidades do colonizado. Na esteira dessa permanência do 
neocolonialismo na divisão internacional do trabalho, dos processos pelos quais a 
globalização liberal mantém a racialização das relações de poder, afirma-se a hegemonia que 
internaliza a dependência teórico-metodológica nas estruturas subjetivas do colonizado. Ao 
longo do tempo, as variadas formas de construção de alternativas, as discussões do modo 
eurocêntrico de organização do processo de trabalho na produção de conhecimento dão 
consistência à caminhada para a decolonização e explicitam o caráter político e ético dessa 
atividade. Vale dizer que a relação entre saber e poder se destaca nessa questão e impõe para 
o pesquisador a consciência e ação num processo que é ao mesmo tempo teórico, 
metodológico, ético e político. 
24 
 
 
Esse processo, que realiza um trajeto histórico, político, cultural, epistemológico, 
marcado pela necessidade de se produzir um conhecimento integrado organicamente com a 
realidade local, realiza também a aproximação e a coerência entre a realidade objetiva do 
território e o processo de trabalho na construção do conhecimento. 
Nesse sentido, a movimentação decolonial traz mudanças no acontecer da hegemonia, 
não apenas no sentido da relação colonizador/colonizado,mas também nas relações internas 
ao território, na medida em que o conhecimento produzido num contexto de superação da 
contradição entre a teoria e a prática. Dito de outro modo, uma superação da contradição entre 
a presença dominante de técnicas, métodos e teorias colonizadoras para uma realidade 
territorial e identitária diversa, em processo de construção. Na perspectiva de Gramsci, é uma 
nova construção de hegemonia, pela via de uma nova unificação de teoria e prática: 
 
[...] por isso, deve-se sublinhar como o desenvolvimento politico do conceito de 
hegemonia representa um grande progresso filosófico e não só político-prático, 
porque implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética a ela 
adequada, uma concepção do real que superou o senso comum e se transformou – 
embora dentro de limites ainda restritos – em concepção crítica. (GRAMSCI, 1975, 
1385). 
 
É necessário lembrar que falamos aqui de um processo de globalização hegemônica, 
que inclui modos de pensar, de organizar o processo de construção e produção de 
conhecimento, de construção de atitudes no olhar para o mundo. Todavia, é preciso ver 
também que, se considerarmos que todo processo de construção de hegemonias terá vários e 
diferentes momentos de sua consolidação histórica, fica mais viável pensarmos que podem 
existir diferentes globalizações, conforme a própria história sempre mostrou. 
Por esta lógica, é importante reforçar as palavras de Boaventura de Souza Santos: 
 
Muitos autores concebem apenas uma forma de globalização e rejeitam a distinção 
entre globalização hegemônica e globalização contra-hegemônica.Uma vez que se 
conceba a globalização como sendo apenas de um só tipo, a resistência contra ela, 
por parte de suas vítimas – pressupondo que seja possível resistir-lhe – só pode 
assumir a forma da localização. (SANTOS, 2010, p. 194). 
 
As possibilidades que se abrem com a resistência localizada, no sentido de se poder 
questionar na prática o discurso legitimador das opções que transformaram em hegemônica 
uma determinada perspectiva da modernidade, nos permitem avançar num processo de 
revisão do discurso que deu forma e direção ao pensamento colonizador. Se este é um 
pensamento organizador da produção de saber, que desqualifica, que desvaloriza, que 
transforma em silêncio o pensamento do colonizado, devemos reconhecer que estamos 
25 
 
 
falando também de ética e de responsabilidade enquanto cidadãos e seres humanos no nosso 
trabalho de registrar e discutir as experiências populares com a produção do conhecimento e 
com a aprendizagem do trabalho. 
 
1.3 Transição para a Discussão Propriamente dos Métodos 
 
As atividades que resultaram neste trabalho tiveram início ainda nos anos oitenta, em 
um contexto de resistência, mas também de ofensiva dos movimentos da sociedade brasileira 
contra a ditadura militar. Na ocasião, notava-se uma significativa presença de propostas 
alternativas nas discussões metodológicas, marcadas pela preocupação de se produzir um 
conhecimento comprometido com a transformação, com a mudança de vida e com a solução 
de problemas que afetavam comunidades nos ―países periféricos‖. No caso brasileiro, era 
inevitável lembrar a questão da educação popular, a presença do pensamento de Paulo Freire, 
que mostrava sua vigorosa intervenção em alguns países que vinham de seus processos, ainda 
recentes, de conquista da independência política. Do encontro de objetivos, marcados pela 
proposta emancipatória, que incluía outros autores, a exemplo de Fals Borda (1984) e 
Thiollent (1984), ganhou força a idéia da interdisciplinaridade, sua inserção política em um 
ambiente acadêmico marcado pela discussão teórica e ideológica daqueles anos. O mundo 
vivia a última década da chamada ―guerra fria‖ e este panorama lançava suas influências 
sobre as atividades no trabalho das universidades, em particular, nas áreas de humanidades, 
educação, economia, ciências sociais. Vários encontros nacionais, congressos, conferências, 
que aconteciam na época, traziam à discussão propostas que vinham da experiência com 
comunidades populares, indígenas, povoados distantes marcados pela violência no campo, 
pela discriminação contra populações tradicionais, propostas que traziam, na sua bagagem de 
experiências, a pesquisa participante, a pesquisa-ação, enfim, metodologias que partiam do 
compromisso declaradamente político de que o conhecimento construído junto com as 
comunidades seria destinado a beneficiar a vida delas. A experiência que vínhamos 
desenvolvendo em pesquisas junto ao movimento sindical, no início daquela década (e desde 
1979, com o Laboratório de Movimentos Sociais Urbanos da UFMG), estimulava a busca da 
discussão de temas participativos. Na atividade docente, as disciplinas que ministramos na 
época, no curso de História, na UFMG (a exemplo de uma que se chamava ―Elementos de 
Pesquisa e Análise Política‖), e no curso de Sociologia (com a disciplina ―Teorias Sobre 
Movimentos Sociais‖), traziam seu programa basicamente orientado para as metodologias 
26 
 
 
participativas e para a preocupação de que o espaço das instituições e dos discursos que nelas 
circulam constitui um território de embate de concepções e de propostas de ação. 
Assim, é interessante lembrar que as discussões e as ações de pesquisa mencionadas 
acima já traziam para o foco o questionamento em nível da prática, do processo de trabalho na 
produção e utilização do conhecimento. Pode-se dizer, então, que a crítica a um conhecimento 
que é produzido com a chancela (que passa despercebida, por ser hegemônica) da proposta 
colonialista/patronal fazia parte de outra proposta que seria construída também pela prática, 
junto aos trabalhadores e militantes que associaram política e saber, levando para a sua prática 
e significando, com isto, um convite, um estímulo, ou um desaguadouro natural para os 
pesquisadores que buscavam esse encontro entre o conhecimento e a ação comprometida com 
a mudança, com a construção do poder dos trabalhadores. 
 Poderíamos dizer que uma prática inspirada nas diferentes produções de uma educação 
popular e nas propostas de valorização de um saber local e identitário estariam como que na 
arqueologia das metodologias que hoje se constroem e se praticam no âmbito da investigação-
ação-participativa. A visão freiriana e as práticas desenvolvidas no marco da pesquisa-ação e 
das diferentes opções e formas de pesquisa participante vieram consolidando práticas que 
desenvolveram trajetórias valorizadoras do saber popular e das identidades locais. 
Experiências que incluem a valorização dos saberes locais puderam chegar até aos processos 
que avançam hoje com a produção de tecnologias sociais, partindo de ações de mobilização 
que acompanharam as metodologias participativas em trabalhos destinados a fortalecer o 
conhecimento das comunidades acerca delas próprias. 
 Conforme foi dito antes, retomamos um trabalho iniciado há duas décadas e meia. As 
informações obtidas na época foram organizadas e trabalhadas, com o objetivo de relatar o 
início da experiência, de descrever as suas características em termos de métodos de educação 
profissionalizante e formação política, bem como a discussão levantada a partir das questões 
que se colocavam sobre a concomitância das duas vertentes de formação. Observar a inserção 
política daquela experiência educativa em um contexto de intensificação dos movimentos 
sociais no Brasil, um contexto animado pelas greves do final dos anos setenta, foi um fator a 
mais para ajudar a compreender a concepção de luta que identificamos na experiência que 
aprendemos com aqueles trabalhadores. Concepção associada a uma trajetória que revela a 
compreensão do trabalho como princípio educativo, presente nas práticas deles, desde as 
formas de organização e comunicação no interior da fábrica e tendo continuidade na 
organização de um grupo de açãosolidária e formação política. As ações do grupo 
desenvolveram, além disso, a construção de uma oficina-escola, que significou uma etapa 
27 
 
 
decisiva de suas experiências, na direção de consolidar ou discutir com mais conhecimento (e 
mais profundamente) a concepção de educação profissional e formação política que 
trouxeram ao longo de suas experiências. 
O registro dessa experiência, por outro lado, atende a uma das propostas de seus 
protagonistas, na medida em que sua experiência não é a única do gênero no Brasil (e na 
medida em que eles procuraram associar-se e discutir suas orientações junto a outras práticas 
que tinham objetivos parecidos, mediante a formação de um Conselho). Eles próprios sempre 
nos colocaram a importância política do registro e da divulgação de sua experiência. 
 
 
1.4 A pesquisa 
 
Para a construção desta pesquisa, utilizamos a observação das experiências 
desenvolvidas pelos trabalhadores e militantes na escola que eles organizaram. O recorte 
temporal, quanto à escola, contempla a década de 1980, com referências a experiências 
educativas anteriores dos entrevistados, que, em geral se referem às décadas de 60 e 70. 
Utilizamos como referência fundamental os dados que organizamos e arquivamos a partir de 
nossa observação e de nossa participação em algumas das atividades desenvolvidas na 
experiência educativa da escola. Além de participar de atividades na formação política, 
realizamos a pesquisa, também como parte integrante da experiência desenvolvida naquele 
período. 
A pesquisa começou em 1986, quando iniciamos o curso de doutorado em História 
Social do Trabalho, na Universidade Estadual de Campinas. Procuramos conhecer melhor o 
trabalho que era desenvolvido na ―oficina-escola‖ e passamos a participar de experiências do 
grupo de formadores, conversando regularmente com eles e com os alunos nas atividades em 
história, política e formação cidadã. No desenvolver desse processo, a equipe do Centro de 
Aperfeiçoamento do Trabalhador (CAT) solicitou que realizássemos o acompanhamento e 
registro das experiências, inclusive participando de reuniões ordinárias e de encontros 
específicos para a avaliação das ações e do próprio projeto. A partir daí, buscamos aprofundar 
a pesquisa histórica sobre as origens da experiência de educação e formação política na 
escola, a história de vida dos protagonistas e como chegaram a trabalhar essas práticas, 
desenvolvemos a pesquisa documental e passamos a procurar identificar a relação com o 
bairro e com os movimentos sociais da região. Em 1992, com os dados coletados, 
organizados, e a sua análise já em andamento, passamos a outras atividades de pesquisa e 
militância, e a redação ficou interrompida. 
28 
 
 
Todavia, continuávamos a desenvolver projetos institucionais na área da educação 
profissionalizante e da formação política, inclusive de avaliação de políticas públicas de 
formação profissional e, a partir de 2005, projetos de extensão em comunidades garimpeiras e 
quilombolas, onde reuníamos a formação para o associativismo, a formação profissional e a 
formação política. Julgamos interessante a retomada da análise, para relatar aquela 
experiência e os processos de autoconstrução do grupo que a conduziu, enquanto registro 
histórico da prática articulada e organizada de um princípio educativo do trabalho, e 
procuramos o Programa de Doutorado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de 
Minas Gerais (FAE/UFMG). 
A fonte principal das informações sobre as experiências dos sujeitos envolvidos se 
constituiu das entrevistas semi-estruturadas, obtidas através de história oral em que os 
organizadores dessas ações educativas nos descreveram e discutiram as atividades. Além dos 
11 dirigentes e formadores, entrevistamos educandos, ex-educandos e moradores do bairro 
onde se situa a escola. Foram entrevistados 36 moradores do Bairro Jardim Teresópolis, em 
Betim (roteiros de entrevistas no APÊNDICE C). 
No primeiro grupo, dos dirigentes e formadores, foram entrevistados: Adriano (julho 
de 1988 e novembro de 1992), Aristo (junho de 1986), Delma (janeiro de 1989), Jonas (junho 
de 1988), Juruna (julho de 1988), Lírio (outubro de 1988), Maria José (abril de 1991), Mário 
Bigode (março de 1988 e abril de 1991), Roberto Lélis (junho de 1986), Toninho (julho de 
1988), Ubiratan (agosto de 1988). Além desses, mais dois colaboradores, que participaram do 
Grupo Mutirão, Paulo (abril de 1991) e Antônio Espigão (abril de 1991). 
Dentre as entrevistas com alunos dessa experiência, focalizamos Aílton e Maria Lúcia. 
Foram entrevistados, respectivamente, em julho e setembro de 1988. Mas houve participação 
de alunos e ex-alunos da escola do CAT em entrevistas realizadas com moradores. 
Os moradores do bairro onde se instalou a experiência da oficina-escola foram 
entrevistados entre 23 de março e 25 de abril de 1991. São eles: 
 
29 
 
 
Quadro 1 - Moradores Entrevistados no Bairro Jardim Teresópolis, Betim 
Nome Idade Profissão Tempo há que 
morava no 
Bairro 
Observação 
Alcedino César de Oliveira 47 anos Vigia e comerciante 14 anos 
Antônio Alves dos Santos 35 anos Operário Manesmann 11 anos 
Antônio José de Andrade 34 anos Amostrador 
(siderúrgica) 
7 anos 
Argemiro Vitorino dos Santos 52 anos Comerciante 12 anos 
Balbina Gomes da Silva 72 anos Comerciante 8 anos Entrevista conjunta com a 
neta Patrícia Silva Santos 
Bárbara do Prado Ornelas Jornalista, assessora de 
imprensa da Prefeitura 
Municipal de Betim 
 
Darci Rodrigues 34 anos Comerciante 19 anos 
Divino Gomes Ferreira 32 anos Trabalha na Fiat há 
mais de 10 anos 
5 anos 
Efigênia Resende Melo 60 anos Dona de casa 10 anos Presidente da associação de 
idosos 
Elisabete Aparecida Oliveira 
Costa 
20 anos Professora de creche, 
dona de casa 
12 anos 
Elpídio Justino 62 anos Pedreiro 23 anos 
Élson Clever Ramos 39 anos Administrador Regional 
do Jardim Teresópolis 
 Diretor do jornal do bairro 
(circulação mensal) 
Jairo 19 anos Trabalha em serviços 
gerais FMB 
8 anos 
Jandira Soares Gonçalves 50 anos Dona de casa 11 anos 
João Antônio dos Santos 23 anos Operador de torno 15 anos 
João Pereira da Costa 63 anos 18 anos 
José Adriano 22 anos Metalúrgico (parado) 2 anos 
Lúcia Lacerda Mesquita 47 anos Comerciante 6 anos 
Manoel Mariano Pereira 48 anos Vigia 14 anos 
Marcos Gregório Garcia 22 anos 10 anos Entrevista conjunta com 
Maurício de Souza Assis 
Maria Alaíde Moreira Maciel 40 anos Dona de casa 15 anos 
Maria Angélica Silva Martins Diretora da creche 
(Fundação Maternal) 
44 anos 
Maria Aparecida da Silva 34 anos Dona de casa 8 anos 
Maria Auxiliadora de Miranda 29 anos Assistente social da 
prefeitura de Betim 
 Trabalha no Pró-favela 
Maria da Glória 45 anos Cozinheira em 
restaurante, dona de 
casa 
12 anos 
Maria Marta de Oliveira 53 anos Dona de casa 14 anos 
Maurício de Souza Assis 22 anos Cegonheiro 15 anos Entrevista conjunta com 
Marcos Gregório Garcia 
Mércia Francisca Rosa 23anos Comerciante, dona de 
casa 
11 anos 
Mozart Mesquita da Costa 44 anos Comerciante 12 anos 
Orlinda Martins 38 anos Serviçal na escola 13 anos 
Patrícia Silva Santos 17 anos Estudante Entrevista conjunto com a 
avó Balbina Gomes da 
Silva 
Roberto da Silveira Lopes 35 anos Desempregado, 
operador de som 
10 anos 
Valdete Bispo 48 anos Comerciante 19 anos 
Vicente de Paula 41 anos 12 anos 
Wandir 33 anos Vice presidente do 
Clube das Mães 
8 anos 
Washington Costa de Faria 25 anos Servente 
(desempregado) 
7 anos 
 
 
30 
 
 
A análise documental constituiu fonte igualmente importante, para as informações 
sobre a fase das experiências que correspondia à criação e ao funcionamento da oficina-
escola. Os condutores da experiência nos permitiram o acesso a vários tipos de documentação, 
incluindo cartas, projetos para solicitação de apoio, plantas das instalações, declarações,atas 
de reuniões, relatórios e planos de ação. Acompanhamos e gravamos reuniões de avaliação 
das atividades de formação. Levantamos no – Grupo de Estudos e Trabalho em Educação 
Comunitária (GETEC) -, fotocópias de diversos números do Jornal dos Bairros e do Boletim 
da Pastoral Operária, da época de referência, e também no arquivo de jornais da grande 
imprensa vários recortes a respeito das questões do movimento sindical e do mundo do 
trabalho, no período. 
Com relação às técnicas utilizadas na pesquisa, é preciso notar que a especificidade 
das experiências que analisamos por si só aponta a ‗história oral‘ como uma prática de 
importância central nesta pesquisa. É a busca de um passado vivo e recente, com 
desdobramentos em um presente que continua em construção. Assim, as histórias de vida, os 
testemunhos orais, as formas de organização vividas pelos seus construtores, tudo isso 
constituiu material de que não poderíamos prescindir na construção da narrativa da 
experiência de educação que vieram desenvolvendo. Demos especial importância à fidelidade 
da narrativa à vivência do trabalhador, trazida na sua fala, de um lado, em nome de uma 
aproximação maior com a visão do sujeito envolvido nos acontecimentos, de outro lado, 
porque, ―entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias 
orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos‖ (BENJAMIN, 1986, p. 198). 
O objetivo fundamental da técnica de entrevista deve ser o de captar, através do 
discurso do entrevistado, as suas percepções e a sua praxis política. É necessária, ao mesmo 
tempo, uma exploração cuidadosa da memória autobiográfica, notadamente as referências aos 
períodos de formação dos grupos e das experiências (NIETHAMMER, 1982, p. 23-37). 
 A utilização de métodos qualitativos apresenta possibilidades e oportunidades de 
comparação e, conseqüentemente, torna possível a reconstituição do ‗campo político‘ da 
época de referência. Isto, porque ―um conjunto de trajetórias individuais assim decifradas 
revela uma infinidade de relações significativas e complexas‖, de forma que ―a lógica do ator 
se revela pela lógica dos demais atores‖ (CAMARGO, 1981, p. 22). 
 Nas condições específicas em que estivemos pesquisando, com uma freqüência quase 
cotidiana ao local dos trabalhos e participação nas reuniões dos sujeitos envolvidos na 
experiência, é importante ressaltar que se estabelece uma base nova para o relacionamento 
entre o pesquisador e os protagonistas. Principalmente, porque o pesquisador 
31 
 
 
[...] pode, neste sentido, tornar-se um participante e protagonista na luta da classe 
trabalhadora também: mas ao mesmo tempo, ele está protegido, pelo seu contato 
direto, de romantizar, de construir um mito sobre o trabalhador ideal e assumir uma 
total identificação com os protagonistas – um tipo de ‗proletarização‘ do intelectual 
– em nome da causa comum; e, por outro lado, é capaz de ver mais claramente um 
papel particular para o historiador, tanto na política quanto no mundo acadêmico. 
(LANZARDO, 1982). 
 
Naturalmente, a proposta metodológica e as técnicas de pesquisa que pretendemos 
utilizar não se esgotam no que foi dito acima. É preciso observar que estamos procurando 
descrever experiências de construção de poder, de instituições (ou de contra-instituições) e, 
conscientes da importância do trabalho que realizam, esses trabalhadores procuraram guardar 
toda uma documentação que nos foi disponibilizada para consulta. O seu trabalho possuía, 
também, repercussão no bairro em que eles localizaram a experiência, relações com outras 
entidades e organizações que também foram visitadas e estudadas por outros pesquisadores. 
 Já havíamos colocado algumas de nossas indagações no que toca à questão da 
metodologia, em texto (HORTA, 1986) escrito poucos anos após a primeira pesquisa 
realizada com os metalúrgicos de Betim, e vamos recolocá-las aqui, agora fortalecidas pela 
prática da pesquisa que pudemos realizar junto às experiências operárias de que trataremos 
aqui. Por essa razão, estas considerações de ordem metodológica contam agora com 
observações realizadas sobre os procedimentos utilizados durante o longo período da 
pesquisa. A opção metodológica deste estudo está associada à questão político-ideológica do 
processo de trabalho (tal como esta se organizava) que vigorava nas fábricas no período que 
estudamos. No taylorismo/fordismo, na medida em que o planejamento patronal/gerencial do 
processo de trabalho envolve um padrão de apropriação/desestruturação do saber do 
trabalhador, ele desempenha uma função primordial na construção e na reprodução dialética 
das relações de trabalho, que se traduz em uma função pedagógica comprometida com o 
projeto da hegemonia patronal. Assim, se a dominação é pedagogicamente repetitiva no 
cotidiano da produção, é necessário que a política da classe trabalhadora realize o mesmo 
avanço qualitativo diante da realidade do conflito de hegemonias. Ela poderá responder com a 
micro-política, a luta impregnada nas relações do cotidiano, o inesperado (que foge ao 
controle do burocrata), questionando no detalhe, decompondo e substituindo práticas na 
produção e suas formas de organização por formas autônomas de produção e de organização 
política. 
 Uma proposta dessa natureza inclui a necessidade de se conquistar o espaço para que o 
operário produza o seu próprio saber e que ele manifeste esse saber através do fazer. Esta 
simples busca de conhecimento por parte dos trabalhadores já se posiciona como um ato 
32 
 
 
político (OLIVEIRA, 1982, p. 15-37). A intenção da equipe do Centro de Aperfeiçoamento 
do Trabalhador, de produzir um registro de sua própria experiência, encaminhou-se, 
naturalmente, para essa perspectiva. Foi o que pudemos observar, quando a equipe solicitou 
nossa ajuda na organização da pesquisa que o registro demandaria. Também o GEFASI, ao 
produzir os textos de História ou de Economia, para os cursos de formação sindical, caminhou 
numa perspectiva de produção de saber pela classe, enquanto projeto político. Para a pesquisa 
que realizamos, procuramos utilizar um conjunto de procedimentos metodológicos que nos 
possibilitasse obter um registro que fosse o mais fiel possível à perspectiva, à visão que os 
trabalhadores têm de sua própria experiência. 
 A investigação-ação-participativa surge, em algumas áreas, com propostas 
metodológicas que proporcionam resultados concretos em termos de solucionar problemas ou 
produzir avanços no que concerne a questões identificadas pelas populações interessadas 
quando do início das propostas de trabalho. Nossa proposta trabalhou elementos de ambas as 
opções, com ênfase no caráter transdisciplinar que está presente nelas. Para Hernández, a 
compreensão das manifestações sociais da situação humana requer, 
 
[...] nesses momentos de reajuste essencial de paradigmas e de confrontos sociais, 
enfoques holísticos multilaterais e transdisciplinares, da integração de diferentes 
vertentes do saber, que podem trazer elementos chave de compreensão da trama de 
relações e expressões manifestas, tácitas e inconscientes no campo do imaginário 
social, em sua articulação dialética e contraditória com as elaborações sistematizadas 
da cultura e da ideologia. (HERNÁNDEZ, 2005, p. 51). 
 
 Não se trata de uma proposta empenhada na identificação entre pesquisadores da 
academia e trabalhadores da indústria. A própria separação entre trabalho intelectual e 
trabalho manual pode, em certa medida, ser percebida pelos operários como ‗mais uma 
barreira entre as classes‘, como algo que marca limites entre o conhecimento legitimado e o 
saber invalidado. Por outro lado, é necessário lembrar que as propostas de pesquisa 
participante ou de pesquisa-ação não ‗resolvem‘ a tensão contínua entre planejamento e 
execução, mas se põem como uma cunha que vai contribuir para uma ruptura definitiva em 
um sistema

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