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Ed ito ra C RV - ve rs ão fin al do au to r - A di lso n A qu in o S ilv eir a J ún ior - E- m ail : j _r 19 87 @ ho tm ail .co m Pr oib id a a im pr es sã o e a co m er cia liz aç ão Este livro é resultado dos estudos e debates realizados pelo projeto de extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, o projeto envolve ações em três planos: organização e socialização do acervo histórico e de documentos do Serviço Social no estado; incentivo a estudos sobre as dimensões e tendências da profissão; e divulgação de conhecimentos sobre essa história e memória. Em 2019, o MEHSSPE engajou parte de sua equipe na realização de estudos exploratórios sobre as particularidades do Serviço Social em Pernambuco, considerando as características de seu desenvolvi- mento entre as décadas de 1930 e 1960. Neste livro, seguem os artigos produzidos nos estudos, abordando determinações da formação profissio- nal, dos espaços sócio-ocupacionais e das respostas do Serviço Social no curso das referidas décadas. Esta publicação pretende fortalecer o trabalho – já desenvolvido pelo MEHSSPE – de ampliação do acesso público à produção científica, à memória e aos documentos da história do Serviço Social e das políticas sociais em Pernambuco. Adilson Aquino Silveira Júnior Professor Adjunto do Depar- tamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor e Mestre em Serviço Social da Univer- sidade Federal de Pernam- buco. Coordena o projeto de extensão História e Memória do Serviço Social em Pernam- buco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Realiza pesquisas e publicações com os temas Teoria Social, Política Social, Fundamentos Teórico- Metodológicos e Históricos do Serviço Social. SER V IÇ O SO C IA L EM P ER N A M B U C O prim eiras décadas da form ação e atuação profissional AD ILSO N AQ U IN O SILVEIRA JÚ N IO R O rganizador O livro SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras déca- das da formação e atuação profissional é produto de um trabalho coletivo viabilizado pelo projeto de extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Seus artigos nasceram dos debates e dos estudos explora- tórios em torno das particulari- dades do Serviço Social em Pernambuco. As elaborações privilegiam as determinações da formação profissional, dos espa- ços sócio-ocupacionais e das respostas do Serviço Social no estado entre as décadas de 1930 e 1960. SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO primeiras décadas da formação e atuação profissional ADILSON AQUINO SILVEIRA JÚNIOR Organizador SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO primeiras décadas da formação e atuação profissional 9 786586 087079 ISBN 978-65-86087-07-9 Ed ito ra C RV - ve rs ão fin al do au to r - A di lso n A qu in o S ilv eir a J ún ior - E- m ail : j _r 19 87 @ ho tm ail .co m Pr oib id a a im pr es sã o e a co m er cia liz aç ão Editora CRV Curitiba – Brasil 2020 Adilson Aquino Silveira Júnior (Organizador) SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional Ed ito ra C RV - ve rs ão fi n al do au to r - A di lso n A qu in o S ilv eir a J ún ior - E- m ail : j _r 19 87 @ ho tm ail .co m Pr oib id a a im pr es sã o e a co m er cia liz aç ão Copyright © da Editora CRV Ltda. Editor-chefe: Railson Moura Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV Revisão: Analista de Línguas CRV DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) CATALOGAÇÃO NA FONTE Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506 2020 Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br ESTA OBRA TAMBÉM ENCONTRA-SE DISPONÍVEL EM FORMATO DIGITAL. CONHEÇA E BAIXE NOSSO APLICATIVO! Se481 Serviço social em Pernambuco: primeiras décadas da formação e atuação profi ssional / Adilson Aquino Silveira Júnior (organizador) – Curitiba : CRV, 2020. 206 p. Bibliografi a ISBN Digital 978-65-86087-19-2 ISBN Físico 978-65-86087-07-9 DOI 10.24824/978658608707.9 1. Serviço social 2. Serviço social – história e memória 3. Política social 4. Serviço social – Pernambuco I. Silveira Júnior, Adilson Aquino. org. II. Título III. Série. CDU 364 CDD 361.0023 Índice para catálogo sistemático 1. Serviço social 361.0023 Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. Comitê Científico: Alexsandro Eleotério Pereira de Souza (UEL) Luciene Alcinda de Medeiros (PUC-RJ) Maria Regina de Avila Moreira (UFRN) Patrícia Krieger Grossi (PUC-RS) Regina Sueli de Sousa (UFG) Solange Conceição Albuquerque de Cristo (UNIFESSPA) Thaísa Teixeira Closs (PUC-RS) Vinícius Ferreira Baptista (UFRRJ) Conselho Editorial: Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Carmen Tereza Velanga (UNIR) Celso Conti (UFSCar) Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Três de Febrero – Argentina) Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Élsio José Corá (UFFS) Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba) Helmuth Krüger (UCP) Jailson Alves dos Santos (UFRJ) João Adalberto Campato Junior (UNESP) Josania Portela (UFPI) Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Lourdes Helena da Silva (UFV) Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Rodrigo Pratte-Santos (UFES) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Simone Rodrigues Pinto (UNB) Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA) Sydione Santos (UEPG) Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA) Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA) SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 9 Adilson Aquino Silveira Júnior CAPÍTULO 1 “EXISTIRMOS – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?”: a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira ..................... 15 Evelyne Medeiros Pereira CAPÍTULO 2 A PARTICULARIDADE DE PERNAMBUCO NO ESTADO NOVO: transformações econômicas, questão social e lutas de classes .................... 33 Zélia de Oliveira Gominho CAPÍTULO 3 CAPITALISMO, ESTADO E POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL DOS ANOS 1950 .............................................................................. 51 Adilson Aquino Silveira Júnior CAPÍTULO 4 A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO NOS ANOS 1940 ............................................................................................ 65 Adilson Aquino Silveira Júnior CAPÍTULO 5 SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO NOS ANOS 1950: racionalização do ensino e diversificação técnico-profissional .................................................................. 93 Adilson Aquino Silveira Júnior Lenita Maria Maciel de Almeida Mariana Macena da Silva CAPÍTULO 6 BASES DA RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: afirmação da “abordagem comunitária” entre 1940 e 1960 ........................................................................................ 121 Adilson Aquino Silveira Júnior Lenita Maria Maciel de Almeida CAPÍTULO 7 A POLÍTICA “CONTRA O MOCAMBO” E A EMERGÊNCIA DO SERVIÇOSOCIAL EM PERNAMBUCO ...................................................... 147 Bruna Soares Farias Camila Sobral Leite Lyra Montalvão CAPÍTULO 8 O SERVIÇO SOCIAL E A “QUESTÃO DO MENOR” EM PERNAMBUCO (1940-1950): história, memória e perspectivas .................................................................. 167 Andresa Maria da Silva Fernanda Helen de Paula Lira Thalia de Oliveira Barbosa CAPÍTULO 9 AS PRIMEIRAS ASSISTENTES SOCIAIS DE PERNAMBUCO E O INÍCIO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO ESTADO (1940-1950) ............................................................................ 185 Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva Laura Sophie de Andrade Freire Rennan Araújo de Lima SOBRE OS AUTORES ................................................................................ 203 APRESENTAÇÃO Este livro reúne os textos resultantes, em sua maioria, de estudos desen- volvidos em 2019 através do projeto de extensão História e Memória do Ser- viço Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, o projeto propõe ações em três planos: organização e socializa- ção do acervo histórico e de documentos do Serviço Social no estado; incen- tivo a estudos sobre as dimensões e tendências da profissão; e divulgação de conhecimentos sobre essa história e memória. Mais amplamente, a pretensão é contribuir com o acesso público à produção científica e a documentos vin- culados à história do Serviço Social e das políticas sociais em Pernambuco, articulando, ainda, pesquisa e ensino à extensão universitária. Na sua interface com a dimensão da pesquisa, o MEHSSPE engajou parte de sua equipe, composta de estudantes e docentes do Curso de Serviço Social, na realização de estudos exploratórios sobre as particularidades do Serviço Social em Pernambuco, considerando as características de seu desenvolvi- mento, principalmente, entre as décadas de 1930 e 1960. As determinações enfocadas, considerando sua historicidade e condicionantes sociais, ainda que de modo abrangente e aproximativo, corresponderam às esferas da formação profissional, dos espaços sócio-ocupacionais e das respostas (teórico-metodo- lógicas, político-ideológicas e técnico-operativas) do Serviço Social no curso das referidas décadas. Tratou-se de uma iniciativa cuja pretensão primeira consistia, tão somente, em incentivar estudos exploratórios, cujos resultados se materializariam na construção de hipóteses para pesquisas mais consisten- tes e profundas. Em geral, as sistematizações alcançadas nos surpreenderam pela sua capacidade de (além de propor hipóteses de pesquisa) fornecer um contributo para a reconstrução histórica do Serviço Social em Pernambuco, através do levantamento e análise de fontes até então inexploradas do acervo da profissão nessa realidade. No início de 2019, uma parte da equipe do MEHSSPE se dividiu em torno de alguns eixos temáticos para o encaminhamento desses estudos, guiados por súmulas que registravam as estratégias metodológicas e fontes de dados a serem assumidas em cada caso. Foram projetados cinco eixos: 1) As transfor- mações do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950, 2) Serviço Social e Política Habitacional nos anos 1940 – a “questão dos mocambos”; 3) Atuação do Serviço Social nos anos 1940 e 1950 em torno da “questão do menor” em Pernambuco; 4) As demandas para o Serviço Social em Pernambuco nos anos 1940-1950, 5) As pioneiras do Serviço Social de Pernambuco e a marca 10 do gênero na profissão. Ao propor tais estudos, o projeto de extensão previa suscitar, ainda, o protagonismo dos(as) estudantes envolvidos(as) na equipe de execução, incorporando-os(as) em atividades de análise e sistematização da realidade, despertando-os(as) para o desenvolvimento de uma interpretação própria da história, bem como da elaboração e divulgação do conhecimento adquirido com o acervo documental digitalizado e catalogado. Ao findar o ano, o amadurecimento obtido, em termos de apropriação da fundamentação teórica e histórica, e da análise das evidências documentais, foram registrados nos artigos deste livro. Além das sistematizações provenientes dos estudos exploratórios, incluem-se aqui textos de duas docentes-pesquisadoras que generosamente colaboraram com as atividades do MEHSSPE. O artigo de Evelyne Medei- ros Pereira – “Existirmos – a que será que se destina?”: a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira– oferece uma síntese das suas investigações sobre a dialética do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no Brasil; base que preside a coexistência e persistência do “arcaico” e do “moderno” na exploração e acumulação da riqueza entre nós; solo histórico das contradições do Nordeste do país, sua aridez social, suas formas agrestes de dominação política, a crueza da rebeldia que sempre brota em suas paragens. Evelyne também cooperou em algumas orientações dos estudos exploratórios, além de participar de debates promovidos nas ativi- dades de formação do MEHSSPE, em especial no curso Serviço Social em Pernambuco entre 1940-1970. Já a participação de Zélia de Oliveira Gominho neste livro – através do texto A particularidade de Pernambuco no Estado Novo: transformações econômicas, questão social e lutas de classes – foi provocada após sua intervenção no mesmo curso de extensão, no encontro dedicado à reflexão sobre o Estado Novo em Pernambuco. Desde o início da execução do projeto, eram referências os trabalhos acadêmicos dessa histo- riadora – maturados desde os anos 1990 – sobre a realidade de Pernambuco na primeira metade do século XX, em especial sua premiada dissertação de 1997, Veneza Americana X Mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (Décadas de 30 e 40). Os demais textos condensam os esforços de sistematização dos estudos exploratórios pela equipe do projeto de extensão. Alguns deles tiveram suas versões preliminares aproveitadas em encontros do curso, e muitos conteúdos foram divulgados em eventos acadêmicos regionais, nacionais e internacio- nais durante 2019. No seu conjunto, dividem-se em duas abordagens sobre a realidade do Serviço Social no estado, considerando o intervalo histórico entre finais dos anos 1930 e início de 1970: uma parte coloca-se sob um ângulo mais panorâmico e inclusivo do processo de afirmação da profissão, ou de seus condicionantes históricos macroscópicos; outra parte envereda em SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 11 determinados complexos que se mostraram decisivos para conformar algumas particularidades da emergência do Serviço Social no estado. No primeiro grupo, incluem-se os seguintes artigos: Capitalismo, Estado e política social no Brasil dos anos 1950 e A emergência do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1940, ambos de Adilson Aquino Silveira Júnior; Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950: racionalização do ensino e diversificação téc- nico-profissional, de Adilson Aquino Silveira Júnior, Lenita Maria Maciel de Almeida e Mariana Macena da Silva; Bases da renovação do Serviço Social em Pernambuco: afirmação da “abordagem comunitária” entre 1940 e 1960, de Adilson Aquino Silveira Júnior e Lenita Maria Maciel de Almeida. No segundo grupo de artigos estão: A política “contra o mocambo” e a emer- gência do Serviço Social em Pernambuco, de Bruna Soares Farias e Camila Sobral Leite Lyra Montalvão; O Serviço Social e a “questão do menor” em Pernambuco (1940-1950): história, memória e perspectivas, de Andresa Maria da Silva, Fernanda Helen de Paula Lira e Thalia de Oliveira Barbosa; As primeiras assistentes sociais de Pernambuco e a introdução da formação profissional no estado (1940-1950), de Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva, Laura Sophie de Andrade Freire e Rennan Araújo de Lima. Este livro completa o trabalho a que o projeto de extensão se propôs ao arrolar a documentação catalogada, digitalizada e analisada, através da publi-cação Memória do Serviço Social em Pernambuco: inventário do acervo.1 O inventário tratou de apresentar a base de documentos, até então acumula- dos, direta ou indiretamente relacionados à trajetória do Serviço Social no estado entre as décadas de 1940 e 1970. As suas três seções principais foram dedicadas a relacionar os seguintes conjuntos documentais: os Trabalhos de Conclusão de Curso das alunas e alunos da antiga Escola de Serviço Social de Pernambuco (ESSPE) – instituição existente entre 1940 e 1971, depois agregada à UFPE; os documentos da ESSPE, os quais constituem evidências dos processos de funcionamento da instituição; e matérias do Jornal Folha de Manhã – com suas respectivas transcrições – nas quais se encontram notícias e artigos, majoritariamente assinados pelo interventor do Estado Novo em Per- nambuco, Agamenon Magalhães, explicitando as ideologias que informavam a atuação governamental em torno das refrações da “questão social” entre os anos de 1938 e 1944. Agora, os artigos divulgados com este novo livro, ao esboçarem sua contribuição para a sistematização histórica da particularidade da profissão no estado, acabam por proporcionar também uma demonstração de como aquele acervo documental pode ser aproveitado nas pesquisas do Serviço Social. Ao projetarem algumas hipóteses de trabalho sobre esse objeto, se tornam um estímulo para que outros(as) pesquisadores(as) avancem no des- bravamento das fontes empíricas colocadas à disposição através do inventário. 1 Essa publicação pode ser acessada através do site do MEHSSPE: mehsspe.wixsite.com/projeto 12 Ao lançarmos o inventário do acervo, já havíamos atentado para o fato de que, no âmbito da pesquisa e sistematização teórica sobre as dimen- sões e tendências da história do Serviço Social em Pernambuco, depara- mo-nos com um quadro ainda carente de desenvolvimentos. As iniciativas mais substanciais limitavam-se, até pouquíssimo tempo, às investigações de Gomes (1987), Vieira (1992) e Padilha (2008), além das algumas coletâneas (UFPE, 1990, 1985). Malgrado a qualidade e profundidade desses estudos, eles acabaram por privilegiar as dimensões da formação profissional e das suas determinações político-ideológicas, permanecendo à margem reflexões que transladassem para os espaços e demandas ocupacionais, processos de trabalho e respostas interventivas, encarados de modo abrangente e numa perspectiva totalizadora dos ritmos e estágios de desenvolvimento da profissão. Ademais de indicarem que estávamos há mais de uma década sem novos empreendi- mentos de pesquisa em torno da história do Serviço Social no estado. Nosso livro pretende colaborar para a reversão desse quadro, coadunando com tra- balhos recentes como o de Mota (2019) e Silva (2019a, 2019b). Com este livro, o MEHSSPE, concomitantemente, brinda os 40 anos da Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE, comemorados em 2019, e pretende nutrir as celebrações dos 80 anos do Serviço Social em Pernambuco, realizadas em 2020. Através dessa contribuição, nosso projeto de extensão quer se somar às iniciativas de entidades e órgãos corporativos da profissão, de docentes e pesquisadores(as), que têm se engajado no fortalecimento e aper- feiçoamento da memória e história do Serviço Social no país como mediação para alicerçar um projeto profissional vinculado aos movimentos e lutas das classes exploradas e oprimidas. Adilson Aquino Silveira Júnior Coordenador do MEHSSPE Recife, fevereiro de 2020 SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 13 REFERÊNCIAS GOMES, Vilma Dourado de Matos Maia. A Escola de Serviço Social de Pernambuco – 1940/1945 Políticas de ação e ações políticas. Recife, 1987. 114 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1987. MOTA, Ana Elizabete Mota. De histórias e da memória: José Paulo Netto e a renovação do Serviço Social. In: RODRIGUES, Mavi; SOUSA, Adrianyce A. Silva de. O marxismo impenitente de José Paulo Netto. São Paulo: Outras Expressões, 2019. p. 185-209. PADILHA, Helena Maria Barros. História da Escola de Serviço Social de Pernambuco: uma análise do projeto ideopolítico em articulação com a realidade pernambucana e brasileira dos anos 30 a 70 do século XX. 2008. 430 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal de Per- nambuco, Recife, 2008. SILVA, Maria Angélica Pedrosa de Lima. A centralidade da família na for- mação em Serviço Social na década de 1940 em Pernambuco. 2019a, 168 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Per- nambuco, Recife, 2019a. SILVA, Maria Angélica Pedrosa de Lima. As pioneiras do Serviço Social de Pernambuco e a marca do gênero na formação profissional (1940 – 1946). 2019b, 54 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019b. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. A trajetória do ensino em Serviço Social em Pernambuco – em comemoração aos 50 nos de ensino de Serviço Social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), 1990. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Cadernos de Serviço Social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), n. 3, 1985. VIEIRA, Ana Cristina de Souza. Ensino do Serviço Social no Nordeste: entre a Igreja e o Estado. 1992. 249 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1992. CAPÍTULO 1 “EXISTIRMOS – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?”2: a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira Evelyne Medeiros Pereira 1. Introdução Em certa ocasião, um artista popular brasileiro, jovem que desce do Norte pra cidade grande3, ao ser questionado sobre a qualidade de seu trabalho que, naquela altura, já não trazia mais tanta “marca de nordestinidade”, elegantemente responde: O que acontece é que o Sul do país [...] tem uma expectativa muito carac- terizada a respeito do nordestino [e do Nordeste]. [...] Eu sempre pretendi revelar um outro Nordeste no meu trabalho. Claro que você pretender revelar um outro Nordeste quando a expectativa é dar continuidade a tudo aquilo que tem sido feito nesse sentido, causa um choque enorme que pode muito bem ser identificado com outra qualidade. Ou seja, com uma qualidade menor [...]. Em nenhum momento eu acho que a música dos nordestinos tenha perdido a sua qualidade [...]. Adquiriu uma outra qualidade que eu jugo infinitamente melhor, maior do que aquela do começo. Os nordestinos hoje conhecem muito bem os recursos técnicos da feitura do seu trabalho, perderam completamente qualquer sentimento de atenção a expectativa folclorizante a respeito deles. E pessoalmente eu quero dizer, a respeito do meu trabalho, que eu não tenho sequer vontade artística de dar continuidade aquilo que no Sul se chama “a cultura do Nordeste”, porque eu acho um imenso passivo morto [...]. O meu trabalho pretende descobrir qual é a nova cultura do Nordeste, como é que essa cultura nova pode, sinceramente, par- ticipar do novo mundo, com um sentido de descoberta, de ação nova, mas infinitamente superior ao que estava pensado no começo [...].4 2 Trecho retirado da música Cajuína do compositor e cantor baiano Caetano Veloso, do álbum Cinema Trans- cendental, gravado e lançado em 1979 pela gravadora Verve. 3 Trecho retirado da música Fotografia 3x4 do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Alucinação, gravado e lançado em 1976 pela gravadora PolyGram. 4 Entrevista do cantor Belchior concedida ao Programa Vox Populi, TV Cultura, em 1983. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TO9bMJP8-rw. Acesso em: 28 jan. 2020. 16 A verdade é que as mistificações em torno da imagem do nordeste brasi- leiro, que são alvo da resposta do cantador, há muito já fazem parte da nossa formação social e, especialmente nos momentos de maior acirramento das contradições, vez ou outra, esse tema chega à porta daqueles que sentem a necessidade de entender o Brasil para transformá-lo, sinalizando que essa regiãocumpriu (e continua cumprindo) um importante papel na constituição da questão regional no país. Qualquer pessoa desavisada olharia a capa dos livros antigos de Francisco de Oliveira, Celso Furtado e Tânia Bacelar; assistiria aos filmes com a inter- pretação dos lendários personagens de José Dumont e Marcélia Cartaxo; leria os romances de Guimarães Rosa, Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos, tudo isso, como simples artigos de um passado morto e enterrado. Ledo engano! Primeiro, porque, apesar dos cenários de inspiração regionalista, tal como a questão regional é também nacional e mundial, os enredos tratam de temas universais da existência humana, não se limitando aos locais inóspitos de criaturas, ao mundo fabuloso dos “rudes homens do cangaço”, “sertanejos castigados” das “terras tostadas de sol e tintas de sangue”, parafraseando José Lins do Rego. Segundo, porque, ao contrário do que pode se pensar e propa- gandear, a questão regional continua viva e pulsante em nossos dias. Basta observar o papel que o Nordeste e as desigualdades regionais têm cumprido no contexto político, cultural e econômico do último período histórico. Consideramos oportuno lembrar, desde aqui, da iniciativa de um con- junto de estudiosos do antigo Programa Integrado de Mestrado em Economia e Sociologia (PIMES) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife. Referimo-nos a realização do Seminário Nordeste: Estrutura Econô- mica e Social, Desenvolvimento e Processos Políticos, em março de 1982, que deu origem ao livro A Questão Nordeste: estudos sobre formação histórica, desenvolvimento e processos políticos e ideológicos, publicado em 1984. Naquele momento, o organizador, Silvio Maranhão (1984, p. 8-9), nos cha- mava atenção para o seguinte: O Nordeste que se vê nesses textos não é um Nordeste harmonioso, comu- nitário, quase idílico, mistificado e “folclórico”. O Nordeste aqui discutido é um Nordeste fortemente diferenciado, parte integrante e integradora da formação social brasileira, onde as associações e dissociações, alianças e conflitos de classes e grupos sociais marcam, por assim dizer, o ritmo e o compasso dos processos históricos que tem lugar na região. O fato é que a perspectiva priorizada no presente trabalho sobre a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira parte do pressuposto de que a realidade que a nós nos parece local “[...] está sempre governada, altamente SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 17 determinada, pela dinâmica da produção predominante na sociedade, no conjunto do subsistema econômico brasileiro” (IANNI, 1981, p. 127-128). Assim, a garantia de hegemonia capitalista por aqui implica em fazer com que o Nordeste continue sendo visto pelo prisma de uma caricatura temperada de exotismo, ressaltando as belezas nativas que se tornam cenário dos cartões postais pra turista ver, conco- mitante ao reforço da ideia do lugar dos esquecidos e dos condenados pela seca, pobreza e pelo “subdesenvolvimento”. E é exatamente movido pela contestação a essa imagem que fundamenta uma lógica de ser “Nordeste”, aparentemente cristalizada pelas circunstâncias da própria natureza da região, que o artista ao qual nos referimos no início deste texto canta: NINGUÉM É GENTE! Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve! Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos ofendidos! Você sabe bem: CONHEÇO O MEU LUGAR!5 E é com as palavras do cantor popular nordestino, porém não “nordes- tinado”6, que adentramos, a partir de então, panoramicamente, aos aspectos que são de fundamental importância para os estudos e as reflexões acerca da questão regional ontem e hoje. 2. A questão regional na dialética universal-particular: o desenvolvimento desigual inter-regional no Brasil A questão regional depara-se hoje com uma realidade que a torna cada vez mais viva e pulsante, demonstrando que o debate crítico em torno desse tema precisa ser reaberto, particularmente no Serviço Social. Desafio este necessário a ser enfrentado por parte daqueles que já estão caducos de entender que as desigualdades regionais não são obra da simples ausência de uma política de desenvolvimento regional ou da má gestão de quem dirige o Estado e o plane- jamento de suas ações para as regiões, mas compõem a dinâmica própria do padrão de reprodução do capital, de forma especial, nos países dependentes. O desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo que demanda o processo de homogeneização para sua reprodução ampliada, cria e aprofunda, pelos mesmos meios, as desigualdades regionais que permitem uma acumulação cada 5 Trecho retirado da música Conheço meu lugar, do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Era uma vez um homem e seu tempo, gravado e lançado em 1979 pela gravadora WEA. 6 Fazemos alusão ao poema de Patativa do Assaré intitulado Nordestino, sim. Nordestinado, não! (CAR- VALHO, 2007). 18 vez mais privada das riquezas socialmente produzidas. Caso contrário, o padrão de reprodução das relações sociais capitalistas estaria fadado ao colapso. Tais desigualdades e contradições universalizaram-se mediante uma combinação entre diversas configurações regionais. Nesse sentido, a região é “[...] produ- to-produtora das dinâmicas concomitantes de globalização e fragmentação [...] dos processos de diferenciação social” (HAESBAERT, 2010, p. 7). No Brasil, alguns pensadores foram (e ainda são) fundamentais para entender a natureza dessas desigualdades nas nuances de uma formação social constituída através de um processo histórico-social que “vinculou o destino da Nação emergente ao neocolonialismo” (FERNANDES, [1968] 2008, p. 24). Dentre outros intérpretes, priorizamos o diálogo com aqueles que nos ajudaram a entender essa realidade e seus desdobramentos sobre o desenvolvi- mento econômico regional fora do circuito de interpretações dualistas rígidas, consonante com a lei do desenvolvimento desigual e combinado (Trotsky, [1930] 1977). Lei esta que, segundo Florestan Fernandes ([1968] 2008, p. 65): [...] punha em questão a relação do desenvolvimento do capitalismo e do regime de classes com a revolução social, enfatizando que, dadas certas premissas, em um país atrasado uma classe social pode desempenhar as tarefas de outra e promover, assim, um salto qualitativo na história. Essa é a forma dialética de resolver o assunto. Não é preciso que o regime de clas- ses esteja “completamente desenvolvido” para que o proletariado realize suas tarefas revolucionárias (as que não foram alcançadas pela burguesia). Essa característica, universal ao capitalismo, aprofundada e particula- rizada em sociedades dependentes, revela o caráter integrador e ao mesmo tempo desintegrador de regiões nesse sistema, que, para Leon Trotsky ([1930] 1977, p. 25), viabiliza uma “[...] aproximação das diversas etapas, combi- nação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas”. Em outras palavras, “[...] estruturas econômicas em diferentes estágios de desenvolvimento não só podem ser combinadas organicamente e articuladas no sistema econômico global”. Especialmente sob o capitalismo dependente, “[...] a persistência de formas arcaicas não é uma função secun- dária e suplementar” (FERNANDES, [1968] 2008, p. 61). E isso ocorre no desenvolvimento do capitalismo brasileiro. É exatamente nessa dialética do desenvolvimento desigual inter-regional que se constituiu historicamente a formação social brasileira numa combinação entre relações sociais capitalistas e aquelas que, mesmo não sendo tipicamente capitalistas, sobrevivem, se configuram e reforçam tal modo de produção. Afinal, “[...] não reconhecer [...] que existem marcadas diferenças entre as várias formas de produção do valor dentro do capitalismo é não reconhecer SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 19 [...] o processo de constituição dopróprio capital enquanto relação social” (OLIVEIRA, 1993, p. 30). O particular dinamismo do desenvolvimento desigual inter-regional na realidade brasileira é, em outras palavras, uma forma particular de configu- ração do complexo arcaico-moderno. Este tem complexificado a articulação daquilo que, para Florestan Fernandes ([1975] 2006), integra o padrão de dominação burguesa na nossa formação social: a relação entre o “desenvol- vimento desigual interno” e a “dominação imperialista externa”, recompondo as desigualdades regionais que, a despeito de serem componentes da própria natureza capitalista, apresentam uma tônica diferenciada nos países depen- dentes, bem como já sinalizamos. O fato é que, mesmo diante de todas as desconformidades, o “agente organizador” da acumulação capitalista não deixou de ser a burguesia asso- ciada ao grande capital (IANNI, 2004) e destituída de um projeto político de orientação democrática e de soberania nacional, mediante arranjos de cúpula com setores oligárquicos, sem por isso realizar uma ruptura através de uma “revolução democrático-burguesa” ou de “libertação nacional” (IAMA- MOTO, 2007, p. 132). Em outras palavras, a dinâmica do capital por aqui foi realizada por meio de mecanismos ainda não essencialmente capitalistas (GORENDER, 1982), não tendo como “meio ambiente original”, de transição, o definhamento do feudalismo, ao contrário de países da Europa. Frente a tais considerações, o núcleo central da dinâmica capitalista no Brasil é exatamente a perpetuação de um enorme contingente de força de trabalho disponível, do monopólio da terra, das formas extraeconômicas de exploração do trabalho (semi ou pré-capitalistas) e de remuneração (monetária e não-monetária) bem abaixo do valor da reprodução da força de trabalho, refletindo num baixíssimo padrão de vida do produtor direto, mesmo com o aumento da produtividade do trabalho. Tudo isso sob a interferência direta do Estado que subsidia toda a infraestrutura de sustentação dessa engenhosa arquitetura, socializando parte dos custos da reprodução da força de trabalho.7 7 Portanto, “[...] os serviços realizados a base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor, ‘mais-valia’ em síntese. Não é estranha a simbiose entre ‘moderna’ agricultura de frutas, hortaliças e outros produtos de granja com o comércio ambulante? [...] Esses tipos de serviços, longe de serem excrescência e apenas depósito do ‘exército industrial de reserva’, são adequados para o processo da acumulação global e da expansão capitalista e, por seu lado, reforçam a tendência à concentração de renda” (OLIVEIRA, 2013, p. 57-58). O circuito da dependência e o “círculo vicioso do subdesenvolvimento” explicitam que mais vale empregadas domésticas recebendo baixíssimos salários, mulheres e homens realizando constantemente o trabalho não pago necessário a sua reprodução em cidades intrafegáveis que um dispêndio de recursos destinados a estruturas coletivas que não propiciam lucro suficiente com o rebaixamento da força de traba- lho urbana que depende desses mesmos serviços abundantes e degradados, e boa parte dessa força de trabalho não pode ao menos consumir tais serviços demandados. 20 Daí o entendimento de que não há etapas bem definidas de desenvolvi- mento pelas quais cada formação social deva passar, inevitável ou predes- tinadamente. A apreensão dos aspectos que tornaram burguesa a sociedade brasileira sem vivenciar, por exemplo, um processo de ruptura com o latifúndio e seus antigos representantes é, a nosso ver, pressuposto central para o estudo sobre os fundamentos das desigualdades regionais e os descompassos entre as regiões tidas como mais ricas ou “avançadas” e as pobres ou “atrasadas” enquanto fenômeno moderno. Essas desigualdades tomam proporções e características diversas no contexto contemporâneo. O processo de financeirização, e sua incessante busca de valorização do capital tem como necessidade a constante superação de fronteiras de tempo e espaço, o que, por outro lado, acaba por estabelecer outras tantas barreiras territoriais e diferenciações regionais em uma mundiali- zação que também se regionaliza. Fruto desse processo, ocorre o adensamento da questão social na sua dimensão regional, expressa pela intensificação da divisão internacional – e inter-regional – do trabalho8, da exploração por inter- médio da reestruturação produtiva e dos diversos conflitos de base territorial refletidos na violenta onda migratória, (re)compondo a questão regional em termos macrossociais. Em resumo, esse modelo permite a diferenciação produtiva e de produti- vidade através da elevada exploração de trabalhadores com base na “[...] manu- tenção de baixíssimos padrões do custo de reprodução da força de trabalho e, portanto, do nível de vida da massa trabalhadora rural” (OLIVEIRA, 2013, p. 45). Trata-se, assim, de um complexo arcaico-moderno dialeticamente pautado pelo desenvolvimento tardio, pela modernização dependente e acumulação primitiva estrutural. Esse processo pesa distintamente em cada região, espe- cialmente no Nordeste, território que, combinado desigualmente às demais regiões, funciona como uma verdadeira reserva da superpopulação relativa, garantindo o baixo custo da força de trabalho, mesmo com o aumento da produtividade. Já o Sudeste passa a assumir a função de “região-centro”, 8 A menor rotação de capital nos países centrais implica em uma maior rotação nos países dependentes tal como uma menor composição orgânica do capital nos primeiros, demanda uma realização mais rápida da mercadoria nos segundos. Ocorre que tais (des)compassos se reproduzem internamente aos próprios países, integrando os territórios nacionais à divisão internacional (e inter-regional) do trabalho. Assim, “[...] a divisão do trabalho em geral está relacionada diretamente à divisão territorial do trabalho, à especialização de certas regiões na produção de um único artigo, às vezes de uma única variedade de um artigo e até de uma única parte de um artigo. [...] A manufatura não cria apenas regiões completas, mas introduz a especialização no interior mesmo dessas regiões”. Isto, porém, contraditoriamente, nos diz que “[...] a existência de matéria-prima num dado local não é, de modo algum, obrigatória para a manufatura e dificilmente seria comum a ela, já que a manufatura pressupõe relações comerciais já bastante amplas” (LÊNIN, 1982, p. 275-276). SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 21 constituindo sua hegemonia sobre as demais regiões. Peça fundamental na engrenagem da divisão regional do trabalho. Assim, no Brasil, compreendemos a região Nordeste como destaque na questão regional, sofrendo com tônica diferenciada os reflexos da concen- tração de riqueza, renda e poder no país. Os desdobramentos econômicos e políticos desse processo constituíram uma narrativa dominante e elitista de “região-problema”, predominante até hoje, muito embora com aspectos dissonantes em alguns momentos históricos, a exemplo do último ciclo de desenvolvimento no país (2007-2012) que pôs em destaque essa região como promissora e protagonista de uma onda nova de crescimento econômico.9 Numa perspectiva histórica, o Nordeste assume destaque no Brasil, espe- cialmente a partir dos anos de 1950, alvo de inúmeros estudos que nem sempre contribuíram para seu entendimento, de fato. Ao contrário, para Perruci (1984, p. 12), a região foi “[...] vítima de tantas descobertas e teorizações, especial- mente após o verdadeiro trauma técnico-burocratizante que nos foi imposto desde a criação da Sudene e, em especial, com a implantação das políticas pós-1964”. Trauma este que persiste mesmo diante das inflexões nas formas de enfrentamento às desigualdades regionais a partir do Nordeste, implementadas pela frente neodesenvolvimentista10, já tão rapidamentedesestruturadas no 9 Sobre isso, conferir Pereira (2018). 10 “A frente política neodesenvolvimentista começou a se formar no decorrer da década de 1990. Na década anterior, elementos de ordem econômica e política tornavam os principais instrumentos de luta política e social recém-criados pelas classes trabalhadoras – o PT, a CUT e o Movimentos dos Sem Terra (MST) – infensos a qualquer aproximação política com o grande empresariado. [...] No início da década de 1990, contudo, a situação mudou. A parte mais significativa da burguesia unificou-se em torno do programa neoliberal, o desemprego aumentou muito e o movimento sindical e popular, com exceção do MST (COLETTI, 2002), entrou em refluxo (BOITO, 1999). Na segunda metade da década de 1990, começaram a surgir sinais de mudança. Um setor da grande burguesia interna, que também havia apoiado, ainda que de modo seletivo, o programa neoliberal foi acumulando contradições com esse mesmo programa. Foi nesse quadro marcado, de um lado, por dificuldades crescentes para o movimento sindical e popular e, de outro lado, pelo fato de um setor da burguesia começar a rever suas posições frente a algumas das chamadas reformas orienta- das para o mercado que se criaram as condições para a construção de uma frente política que abarcasse setores das classes dominantes e das classes dominadas. Essa frente, organizada, fundamentalmente, pelo PT chegou ao poder governamental em 2003 [...]. Não se tratava, agora, de uma frente que se pudesse denominar populista e, ademais, tampouco o seu programa poderia ser identificado com o programa do velho desenvolvimentismo. [...] Por que recorrer ao termo ‘desenvolvimentista’? De maneira tentativa e inicial, diríamos que é porque esse é um programa de política econômica e social que busca o crescimento econômico do capitalismo brasileiro com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper com os limites dados pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país. Para buscar o crescimento econômico, os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff lançaram mão de alguns elementos importantes de política econômica e social que estavam ausentes nas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Sem a pretensão de sermos exaustivos, enumeraríamos a título inicial alguns elementos que têm sido destacados por parte da bibliografia: a) políticas de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda que aumentaram o poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é, daqueles que apresentam maior propensão ao consumo; b) forte elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) 22 atual período histórico, pondo novamente no limbo a realidade do Nordeste, tal como a brasileira. 3. O Nordeste desigualmente combinado ao nosso tempo histórico Para entender o papel e as condições de inserção da região Nordeste no padrão de (re)produção capitalista, é fundamental relacionar os aspectos de natureza conjuntural (o valor da força de trabalho, os custos de vida, os incen- tivos fiscais, a “geografia econômica”, o índice de empregabilidade, o acesso aos serviços sociais etc.) com as condições estruturais, as leis e tendências gerais do capitalismo (em meio ao complexo sistema de financeirização e fetichismo da mercadoria). Essa dinâmica é impulsionada não apenas pelos condicionantes e determinantes econômicos, mas também pelas circunstân- cias e desdobramentos no âmbito político que põem em outro patamar a luta de classes. Basta recordarmos os acontecimentos da primeira década do século XXI no Brasil. Naquela ocasião, tomava volume um conjunto de iniciativas (socioeconômicas e ideopolíticas), desenvolvidas por parte dos governos, que consagrava, através dos diversos meios de divulgação e institutos de pesquisas, aquele período como o que teria viabilizado o protagonismo de regiões que eram vistas como atrasadas, como é o caso do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Contudo, por outro lado, ocorreu, simultaneamente, uma relativa perda de base industrial no Sul e Sudeste, fazendo com que estas regiões não tivessem um crescimento tão exitoso como observado nas áreas identificadas como regiões subdesenvolvidas e mais pobres. Isto além dos dados que revelam a persistência das desigualdades regionais que continuavam a conduzir o Nordeste ao patamar de região brasileira com maior taxa de analfabetismo, elevados indicadores de mortalidade infantil e pobreza, menores índices de desenvolvimento humano (IBGE, 2014). Portanto, é certo que a expansão capitalista pode (e deve) promover, mesmo que temporariamente, inclusão de uma maior parcela da população, tanto no consumo quanto no mercado de trabalho, elevando os índices de crescimento econômico e o incentivo ao setor produtivo em regiões como para financiamento das grandes empresas nacionais a uma taxa de juro favorecida ou subsidiada; c) política externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e de capitais (DALLA COSTA, 2012); d) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda agregada nos momentos de crise econômica e e) incremento do investimento estatal em infraestrutura. [...] E por que empregar o prefixo ‘neo’? Porque as diferenças com o velho desenvolvimentismo do período 1930-1980 são significativas. O neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal” (BOITO JR., 2012, s/p). SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 23 o Nordeste brasileiro. Contudo, isso ocorre de forma descompassada entre os setores da economia capitalista e entre as próprias regiões, acompanhado pelo avanço do agronegócio no Brasil cuja capacidade de gerar ocupações é incomparável às atividades relativas à agricultura camponesa. Dentre as ocupações geradas, o peso da informalidade e da reestruturação produtiva ganha cada vez mais notoriedade, o que tende a se agravar diante das recen- tes modificações na legislação trabalhista e previdenciária, especialmente nas condições do trabalhador do campo, beneficiando frações burguesas a se apropriarem ainda mais do trabalho necessário via exploração e expropriação da força de trabalho. De repente, os ínfimos ganhos da população se esvaem. Fica evidente, no caso brasileiro, a impossibilidade de fugir à lei do desenvolvimento desigual e combinado nos marcos do capitalismo, cujo peso e funcionalidade do atraso adquirem maior centralidade. É o que revela o atual contexto que combina de forma peculiar o reacionarismo político-cultural às medidas ultraliberais do ponto de vista econômico, atualizando e reforçando o conservantismo próprio da burguesia brasileira e o seu padrão autocrático de dominação em uma “tendência intensa e permanente de fascistização” (FER- NANDES, 2015, p. 21). Junto a isto, reforça-se também a questão regional, o papel histórico do Nordeste na divisão regional do trabalho, bem como aquela velha e renovada imagem dos nordestinados. As atuais medidas de austeridade e completa retração nos direitos sociais e políticos intensificam com maior violência a precarização, via empreende- dorismo e terceirização, e, consequentemente, um diferenciado e aprofundado desenvolvimento desigual, interna e externamente. O movimento de concen- tração e centralização do capital toma renovada amplitude e reforça a condição do Brasil de país agroexportador e dependente, tendo algumas das seguintes expressões: desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora, com base na alavanca da dívida pública; atrofia do mercado interno, da capacidade de consumo das classes subalternas e da formalização do trabalho; peso da pauperização absoluta na combinação com formas de pauperização relativa; menor composição orgânica do capital na indústria; rebaixamento real do salário; formas de elevação de produtividade intermediadas pela recomposição de relações de trabalho não-monetarizadas e pela coerção extraeconômica sobre o trabalhadoretc.; ou seja, um amplo movimento de “reversão” das conquistas históricas da classe trabalhadora cujos efeitos atingem de forma particular regiões como o Nordeste. Referimo-nos ao quadro de queda de 14,3%, em 2016, para 13,7%, em 2017, do total de domicílios que recebem Bolsa Família, somada a um conjunto de medidas que atinge também outras iniciativas, tal como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os direitos sociais, traba- lhistas e previdenciários como um todo. Em 2018, o Nordeste era a região 24 com 29% dos desocupados do país, bem como a maior na proporção de pessoas que procuraram trabalho por mais de 2 anos. Dos 12,8 milhões de brasileiros nesta situação, 3,7 milhões eram nordestinos. O Nordeste representou 41% dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas no país. Dos 6,6 milhões de brasileiros nesta situação, 2,7 milhões eram nordestinos (IBGE, 2018). Diante disso, as migrações tendem a tomar um novo fôlego e, mais uma vez, o capital parece “reconquistar o Nordeste” de forma ampla, tal como nos sinalizou Octavio Ianni (1981) ao retratar a questão regional no período da “ditadura do grande capital” dos anos de chumbo. De lá até cá a questão regional não teve resolubilidade. Assim como Corrêa (1988, p. 60-61), consi- deramos que “[...] o avanço das relações capitalistas provoca transformações nas características da questão regional, em suas exterioridades, mas, em vez de eliminá-la, ele agrava, aprofunda a questão”. A partir desse entendimento, “[...] a questão regional persiste [...] e coexiste com a questão nacional”. Ou, em outros termos, a “questão nordestina é regional e nacional”, hoje mais ainda. Segundo Florestan Fernandes ([1973] 2009), esse quadro tem seus deter- minantes mais bem estruturados desde a consolidação do “período ditatorial”, exigindo mecanismos prioritários por parte do Estado na tentativa de combater os efeitos do aprofundamento da questão regional como particularidade da questão social no Brasil. Mecanismos estes necessários inclusive para viabili- zar tal consolidação via integração nacional diante da decadência da burguesia industrial, do declínio do pacto populista, da penetração de grupos econômi- cos e mercadorias produzidas no Centro-Sul e no Nordeste, da destruição da economia regional promovendo, contraditoriamente, uma superacumulação e adensamento das forças populares na região em questão. É preciso também lembrar que “[...] foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos” (IAMAMOTO, 2001, p. 17). Isto somado ao pauperismo que gerou a ameaça social dos “flagelos da seca”, demandou por parte do Estado o aprimoramento de mecanismos e formas de manutenção da hegemonia burguesa nas regiões. Por isso, o reforço ideológico, entranhado no discurso oficial sobre o território nordestino estava diretamente associada à “região perigosa”, bem como à agudização da repressão aos trabalhadores rurais organi- zados.11 A ideia difundida era que o país estava na iminência de uma verdadeira 11 Vale destacar que existe um vasto enredo da vida real centrado em um conjunto de experiências de protestos e lutas populares que não foram incorporadas nas “narrativas nacionais” com uma nítida intenção por parte dos setores dominantes de isolá-las e pejorativamente associá-las ao fanatismo e banditismo. Isto é demonstrado na importante obra de Rui Facó (1963, p. 15-16) ao fazer alusão e desconstruir a concepção hegemônica dos SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 25 revolução no Nordeste, tendo como referência a revolução cubana. Isto em virtude da experiência de movimentos de trabalhadores rurais como o das Ligas Camponesas. “Foi assim que o imperialismo e a burguesia, no Brasil, decidiram transformar o Nordeste numa questão política, militar e policial prioritária” (IANNI, 1981, p. 112) com a finalidade de acabar com todas as experiências democráticas que emergiam na região. Afinal, até os avanços de natureza democrática e popular por aqui ameaçam a estrutura que sustenta uma engenharia tão moderna quanto arcaica do latifúndio. Voltando às principais estratégias de enfrentamento à questão regional, podemos situar, mesmo que tardia, uma nova política de desenvolvimento para o Nordeste com base na industrialização da região. Para os idealizadores dessa política, certamente o que estaria em questão seria o enfrentamento às relações tidas como atrasadas na agricultura e a produção de uma “[...] larga ‘periferia’ onde predominam padrões não-capitalísticos de relações de produção, como forma e meio de sustentação e alimentação do crescimento dos setores estra- tégicos nitidamente capitalistas [...] ” (OLIVEIRA, 2013, p. 69). Contudo, a superação desse tipo de relações seria como romper com a dependência da dependência, já que “[...] a integração ao mercado interno significa tornar a região que se integra ‘dependente’ da economia do Sudeste, isto é, as vantagens fenômenos do cangaceirismo e do messianismo vividos especialmente no Nordeste no fim do século XIX e na primeira metade do século XX. Outra figura que passa a compor a narrativa nacional sobre o Nordeste foi o “flagelo da seca”, expressão do fenômeno social da seca na região. Diante disso, para Nobre (2010, p. 5-6), foram quatro principais as formas de enfrentamento às consequências das secas por parte do Estado: 1) “Controlar os flagelos”, mantendo-os “isolados na periferia da cidade, em estruturas precárias de cercados [...] e sob severa vigilância. [...] tais locais de contenção dos flagelos da seca passaram a ser chamados de ‘campos de concentração’ [...] depositário de força de trabalho barata que era usada em obras públicas e de particulares.”.2) Estímulos a migrações para o trabalho nos cafezais do Centro-Sul, e na extração de látex nos seringais da Amazônia, recrutamento por parte de empreiteiras envolvidas na construção da transamazônica; 3) Medidas de contenção das migrações do sertão para as cidades com a ‘criação de órgãos públicos voltados para a chamada ‘solução hidráulica’. Esta consistia no direcionamento da força de trabalho dos retirantes da seca para a construção de açudes, através das chamadas ‘frentes de serviço’” (NOBRE, 2010, p. 7). Para Oliveira (1981, p. 55), esses episódios da história do Nordeste expressam formas típicas da acumulação primitiva do capital. Antigas instituições, como a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), de 1909, que passa a se chamar de Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1945, representaram um “esforço racionalizador” por parte do Estado, avançando-se “muito no conhecimento físico do Nordeste semi-árido, de suas potencialidades e limites [...]. Não se avançou nada, porém, em termos do entendimento e desvendamento de sua estrutura socioeconômica [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 51). Em suma, acabaram por beneficiar proprietários rurais e o “controle político na distribuição de alimentos e vagas para o alistamento”, conformando a conhecida “indústria da seca”; 4) Criação de instituições voltadas para a assistência aos “flage- lados” da seca. Estas tinham, no entanto, associação direta com a polícia, referendando a velha e necessária combinação entre repressão e assistência na garantia de hegemonia. Nobre (2010) apresenta como exemplo o Serviço de Socorro e Assistência às Vítimas da Seca (SSAVS) e o Serviço Social do Estado (SSE), além de ações de combate a mendicância, de profissionalização e “higienização” da cidade. 26 da industrialização desequilibram a economia ‘normal’ da região e impõem uma nova divisão do trabalho em função do Sudeste” (OLIVEIRA, 1977, p. 52). Por outro lado, esse desequilíbrio regional, expressando também con- flito de classes, “[...] que aparece sob as roupagensde conflitos regionais [...] chegará a uma exacerbação cujo resultado mais imediato é a intervenção ‘pla- nejada’ do Estado no Nordeste, ou a SUDENE” (OLIVEIRA, 1981, p. 113). Este órgão estatal foi um dos mais memoráveis desse tipo de intervenção no Nordeste e sua história representa exatamente o direcionamento hegemônico que as políticas dessa natureza tiveram no período desenvolvimentista.12 A intervenção planejada do Estado dá-se, portanto, através do desloca- mento de “[...] esquemas de reprodução próprios da economia do Nordeste por outros que têm sua matriz noutro contexto de acumulação”. Desse modo, o “pla- nejamento” age conduzindo a mais-valia captada pelo Estado através de imposto em capital a favor da “grande burguesia do Centro-Sul” (OLIVEIRA, 1981, p. 113). Ou, em outras palavras: “[...] o Estado descapitaliza a economia do Nordeste em favor do centro da acumulação. Mesmo em 1953, quando se cria o Banco do Nordeste do Brasil [...], a intervenção do Estado fica muito aquém de sua própria atuação num caso como o do BNDE [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 94). Daí a importância do Estado na promoção da industrialização do Nordeste que, “[...] em si mesmo, é a síntese dialética dos processos de concentração e centralização do capital, que o promove” (OLIVEIRA, 1977, p. 3-4). Isso significa que o custo da reprodução da força de trabalho continuará baixa mesmo com o aumento da produtividade; as mercadorias produzidas na região continuarão sofrendo a deterioração dos termos de troca, abaste- cendo a nova classe assalariada urbana em ascensão especialmente no Sudeste e garantindo a oferta de recursos naturais à industrialização nacional em uma espécie de acumulação primitiva; que o enorme exército industrial de reserva continuará vivo legitimando relações de trabalho híbridas, monetárias 12 É importante ressaltar que, ao contrário de muitas análises críticas à experiência da SUDENE, ela não pode ser resumida como uma “farsa”. A história dessa instituição foi marcada por ambiguidades e embates entre as forças e aspirações populares e aquelas do grande capital monopolista que procuravam socorrer os interesses das elites locais do “[...] velho Nordeste dos ‘coronéis’ e da burguesia açucareira, convocando as forças da burguesia internacional-associada e do imperialismo para liquidar as classes populares” (OLIVEIRA, 1981, p. 15). Caso estas forças não tivessem ganho, certamente teríamos um outro Nordeste e um outro Brasil. De toda forma, há que considerar a SUDENE como “um empreendimento de uma audácia inédita na história nacional” (OLIVEIRA, 1981, p. 18) que de alguma forma enfrentou resistências, inclusive das “elites nordestinas temerosas da perda de privilégios” que atacavam a figura de Celso Furtado e viam sua defesa à reforma agrária como ameaçadora, abrindo margem para a subversão associada aos movimentos camponeses da época. (FUR- TADO, 2009, p. 12).Mesmo com o teor progressista, com o objetivo de combater as desigualdades regionais e com a diversidade de opiniões e concepções em disputa em torno da SUDENE, ela acaba tornando-se “[...] um mecanismo de destruição acelerada da própria economia ‘regional’ nordestina, promovendo a expansão capitalista no Nordeste via hegemonia da burguesia do Centro-Sul expressa na tendência das empresas ou grupo de empresas que já são principais no Brasil serem principais no Nordeste” (OLIVEIRA, 1981, p. 113). SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 27 e não-monetárias, recompondo a divisão regional do trabalho e o complexo arcaico-moderno com um maior peso no Nordeste. O empobrecimento da população trabalhadora nessa região, portanto, caminhou junto a extração da mais-valia extraordinária na ditadura do grande capital, fazendo com que o crescimento da taxa de expropriação tenha viabili- zado o “milagre brasileiro”. Este quadro pode nos apresentar vários elementos consonantes e dissonantes com a particularidade do ciclo econômico e político do tempo presente. A base e as circunstâncias objetivas das expressões da questão social no Nordeste, atravessadas pelo monopólio da terra, sinalizam a forma de ser capitalista não apenas da região, mas do país, que generalizou o modo de produção por meio da industrialização sem, no entanto, destituir-se do peso agrário-exportador mediante a superexploração da força de trabalho e a associação entre capital nacional e estrangeiro, obstaculizando brutalmente o crescimento das forças produtivas e o desenvolvimento com soberania nacio- nal. Isto, ao contrário do que muitos atestaram (e continuam atestando) sob o invólucro da marcha do desenvolvimento e crescimento econômico, não seria possível nos marcos do pleno desenvolvimento desigual e combinado capitalista em que o Brasil e suas regiões são partícipes. Não se trata, desse modo, de uma suposta ausência, deformação ou atraso desse desenvolvimento, mas de uma forma necessariamente particular de inserção. “Daí, por exemplo, o liberalismo das elites nacionais, numa ordem social acentuadamente patrimonial; ou o racismo, num país de mestiçagem intensa” (IANNI, 1965, p. 65). Em outras palavras, “[...] o Brasil de hoje, apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo […] ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado” (PRADO JR., 1972, p. 18). 4. Considerações finais Procuramos, aqui, dentre as diversas nuances no trato acerca da questão regional, delimitar nosso caminho a partir dos aspectos que constituem o método no qual nos orientamos: Primeiro, a concepção de história atrelada substancialmente à perspec- tiva de totalidade bem como de contradição, o que nos leva a romper com a ideia fragmentada de história, entre a vida comum dos indivíduos e os grandes acontecimentos da sociedade, bem como unilateral, negando o fazer histórico como uma simples sucessão de fatos ou de modos de vida predestinadamente estabelecidos. Neste sentido, o desenvolvimento social da humanidade não se apresenta, nem poderia, como inexorável. Na verdade, trata-se de entender que a ação humana sobre a história permite exatamente a combinação e a abertura de múltiplas possibilidades e determinantes sócio-históricos. Isto nos leva a entender 28 que a questão regional, tal como trabalhamos ao decorrer deste texto, não diz respeito, em si, às diferenças naturalmente e geograficamente existentes entre as regiões. O mesmo desenvolvimento que integra regiões, as tornam desiguais. Segundo, a consideração permanente da dialética entre o universal e o particular, o que faz com que tendências gerais capitalistas se reproduzam no particular como uma “[...] iluminação universal em que atuam todas as cores, e às quais modifica em sua particularidade [...] um éter especial, que determina o peso específico de todas as coisas às quais põe em relevo” (MARX, 2008, p. 264). Em outras palavras, “[...] no lugar da tradicional autossuficiência e do isolamento das nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto na intelectual”. Trata-se da condição de existência e desenvolvimento do modo de produção capitalista: a universalização, a expansão mundial do capital como tendência, o que torna possível a burguesia criar um mundo “à sua imagem e semelhança” (MARX; ENGELS, [1848] 1998, p. 11-12). Isto, porém, sob uma combinação dialética de desigualdades de ritmo e intensidade entre nível das forças produtivas ou formas de reprodução do capital e relações de produção presentes nos diferentes territórios e regiões. Assim: A coexistência das duas regiões numa mesma economia tem consequências práticas de grande importância. Assim, o fluxo de mão-de-obra da região de mais baixa produtividade para a de mais alta, mesmo que não alcance grandes proporções relativas, tenderá a pressionar sobre o nível de salário desta última, impedindo que os mesmos acompanhem a elevação da pro- dutividade. Essa baixa relativa do nível desalários traduz-se em melhora relativa da rentabilidade média dos capitais invertidos. Em consequência, os próprios capitais que se formam na região mais pobre tendem a emigrar para a mais rica (FURTADO, [1959] 2003, p. 248-249). A concentração de riquezas e sua apropriação privada representam a socia- lização do trabalho e a concentração, também territorial, da pobreza em regiões que vivem o fenômeno do pauperismo de forma mais latente, refletindo alte- rações na composição interna da superpopulação relativa – sobretudo com o adensamento de “segmentos inferiores do proletariado, e deste para o lumpem- proletariado” – e nas formas de extração de mais-valia (GUIMARÃES, 2008). Esse modelo permite a diferenciação produtiva e de produtividade através da elevada exploração de trabalhadores com base na “[...] manutenção de bai- xíssimos padrões do custo de reprodução da força de trabalho e, portanto, do nível de vida da massa trabalhadora rural” (OLIVEIRA, 2013, p. 45). Esse complexo arcaico-moderno, dialeticamente pautado pelo desenvol- vimento tardio e dependente, reflete-se, por exemplo, na prosperidade expressa entre os personagens do romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego ([1932] 2012, p. 233), diante da passagem do antigo engenho para a moderna SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 29 usina, onde “seiscentas toneladas de cana entravam nas suas esteiras e oito- centos sacos de açúcar saíam de suas turbinas”, convivia com a realidade dos flagelos da seca. Realidade esta que passava cada vez mais a ter um contorno de fenômeno social tão bem retratado no romance O Quinze de Raquel de Queiroz, em 1930. O imperativo desse complexo incide sobre a divisão regional do trabalho, a configuração do Estado brasileiro e suas formas predominantes de enfrentamento a questão social na sua dimensão regional no contexto do capitalismo monopolista. Assim, ao contrário da aparência, as regiões são e estão em movimento. Há, pois, por aqui, na história regional e nacional, vários “nordestes”. Nas palavras de Manuel Correia de Andrade (1984, p. 53), em meio ao desequilíbrio planejado, o Nordeste “[...] é muito mais um amálgama de regiões do que uma região”. Nessa perspectiva, se, por um lado, o Nordeste é reserva de acumulação primitiva do sistema global, também é, por outro lado, “[...] espaço onde se imbricam dialeti- camente uma forma especial de reprodução do capital, e, por consequência uma forma especial da luta de classes [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 79). Como podemos perceber, a questão regional, que é nacional, assim como a questão social, é insuprimível nos marcos da hegemonia capitalista, pois trata-se de uma economia que “[...] articula estruturas arcaicas e modernas, na qual essas últimas apresentam intenso crescimento ‘desordenado’ e se impõem às primeiras como centros hegemônicos da economia nacional” (FERNANDES, [1968] 2008, p. 79). Não à toa que desde o Golpe de 2016 os vetores e números têm tomado outro contorno, especialmente para o Nordeste. Frente a isso, lembramos da sinalização feita por Coutinho (2011, p. 141-142) sobre como a crise da socie- dade brasileira tem no Nordeste “cores mais vivas e intensas” em relação as demais regiões do país, condenando os que “lutavam por uma nova comunidade à solidão e à incompreensão”. E, ainda, enfatiza: “De certo modo, na medida em que aí as contradições eram mais ‘clássicas’ (no sentido de Marx), o Nordeste era a região mais típica do Brasil; a sua crise expressava, em toda a sua crueza, a crise do conjunto do país”. O que nos resta, diante dos elementos apresentados até então, é seguirmos a nossa saga em recompor os fios que ligam o passado ao presente, consti- tuindo a dialética arcaico-moderno, entre permanências e mudanças. Isso implicará tecermos, ainda, nessa colcha de retalhos, os fios que constituíram (e constituem) as “novidades” do nosso tempo. E é exatamente este tempo, desde o chão onde pisamos, que nos motiva a retomarmos a pergunta que intitula o presente artigo: “Existirmos – a que será que se destina?”. E, assim, o ponto final encontra-se com o da partida dando mais um passo nesse caminho, cuja busca é a medida, tal como cantava Sérgio Ricardo.13 13 Referência à música Ponto de Partida do cantor e compositor brasileiro Sérgio Ricardo, composta em 1974. 30 REFERÊNCIAS ANDRADE, Manuel Correia de. A questão regional: o caso do Nordeste bra- sileiro. In: MARANHÃO, Silvio (org.). A questão Nordeste: estudos sobre formação histórica, desenvolvimento e processos políticos e ideológicos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 41-54. BOITO JR., Armando. As bases políticas do neodesenvolvimentismo. 2012. Disponível em: http://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/file/Painel%203%20 -%20Novo%20Desenv%20 BR%20-%20Boito%20-%20Bases%20Pol%20 Neodesenv%20-%20PAPER.pdf. Acesso em: 20 maio 2013. CARVALHO, Gilmar (org.) Patativa do Assaré, Antologia poética. Forta- leza: Demócrito Rocha, 2007. CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1988. COUTINHO, Carlos Nelson Coutinho. 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CAPÍTULO 2 A PARTICULARIDADE DE PERNAMBUCO NO ESTADO NOVO: transformações econômicas, questão social e lutas de classes Zélia de Oliveira Gominho Segundo Aníbal Fernandes, mocambos são “células de descontentamento”14 Toda época é impregnada de anseios e receios, já dizia Eugen Weber (1989, p. 10); e, na percepção de uma longa duração, a transição do século XIX para o XX não foi diferente, foi de muitas tensões. Desde meados do século XIX o capitalismo industrial vinha proporcionando riqueza, progresso, mudanças socioculturais e políticas; primeiramente na Europa, depois na América do Norte. O imperialismo neocolonial expandiu a exploração do capitalismo para o continente africano, América Latina e o Oriente; fez deles mercado de matérias-primas, de mão de obra barata e de consumidores. Não há avanço sem custo. O liberalismo econômico justificou um pro- cesso de acúmulo de capital, de culto ao progresso e defesa da propriedade privada, de estímulo ao individualismo, à competitividade e à meritocracia em prol de um desenvolvimento econômico que manteve a Grã-Bretanha por muito tempo na supremacia dos mares e das relações de força; entretanto, também fez o eixo do poder político-econômico se deslocar para os Esta- dos Unidos, que se consolidaram como potência mundial. O progresso, no entanto, acontece em detrimento das condições de vida e trabalho das massas de camponeses, artesãos e proletários do mundo, que perdem referenciais de costumes, são desprovidos de seus recursos naturais e tradicionais de sobre- vivência, restando-lhes apenas a força de trabalho para oferecer, e devendo se submeter a novas relações de produção e de convivência social. A Primeira Grande Guerra (1914-1918) aconteceu motivada por questões territoriais, demandas econômicas, disputas imperialistas, que, a pretexto de nacionalismos, massacravam minorias étnicas consideradas entraves diante de poderosos interesses. 14 Duarte (1939, p. 2). 34 O período pós Primeira Guerra foi um reerguer difícil para as nações europeias, territórios das batalhas homem a homem, e dos bombardeios. Além dos efeitos colaterais de um conflito de grandes proporções, ocorreram, no decorrer da guerra, mudanças geopolíticas importantes que iriam afetar as relações internacionais por muitas décadas: A Revolução Russa de 1917 fez surgir, em 1922, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, ou simplesmente União Soviética, um bloco comunista sob a égide ditatorial russa, com sede em Moscou. O pavor de que revoluções proletárias pipocas- sem pelo mundo já era sentido desde que os escravos do Haiti tomaram o poder em 1804, inspirados nas bandeiras revolucionárias francesas. O ideário anarquista e socialista já vinha há tempos formando a consciência de classe dos proletários; e o Manifesto Comunista, panfleto elaborado por Marx e Engels direcionado à luta sindical e política, contribuiu para a formação da classe operária em oposição à burguesia, consequentemente de crítica e combate aos males do capitalismo. O Brasil viveu essa transição de maneira um pouco diversa; embora também enfrentando conflitos político-sociais significativos. Em um pouco mais de seis décadas declarou sua independência (1822) – o único Império escravista das Américas –, aboliu, após 300 anos, o sistema escravista (1888) e, logo em seguida, proclamou-se uma república (1889). Contudo, a “vocação agrícola” ainda dominava a mentalidade da elite político-econômica brasileira; o processo de industrialização levou tempo para se aprumar e acompanhar o desenvolvimento tecnológico europeu e norte-americano. O Brasil esteve limitado, por interesses conservadores locais e estrangeiros, a ser mercado fornecedor de matéria-prima e consumidor de produtos importados. Além da indústria de beneficiamento de café e de algodão, as poucas fábricas exis- tentes eram, em sua maioria, de produtos alimentícios e têxteis, localizadas, geralmente, nos centros dos espaços urbanos. Entretanto, a imigração estrangeira, além de braços, capitais, e inves- timentos, proporcionou também o intercâmbio de culturas, especialmente a cultura político-sindical. Desde o final do século XIX que os operários bra- sileiros já se manifestavam, reivindicavam e faziam greves. O fim do sistema escravista favoreceu a ocupação de periferias, morros e regiões ribeirinhas das cidades; lugares desprezados, ou ainda não valorizados pela elite político-econômica, tornavam-se espaço de moradia para ex-es- cravos, retirantes da seca e expulsos do campo pelo latifúndio monocultor; gente trabalhadora que buscava nas capitais e cidades economicamente ativas possibilidades de ter uma vida melhor. Recife, a capital de Pernambuco, foi um desses centros que aco- lheu migrantes, que vinham de diversos lugares do Nordeste atraídos pela SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO: primeiras décadas da formação e atuação profissional 35 oportunidade de trabalho no porto, no comércio, nas fábricas têxteis loca- lizadas no centro (bairro de São José), nos bairros da Torre e Macaxeira, e nos municípios vizinhos de Paulista e Camaragibe; movimento percebido, especialmente, nos períodos mais intensos de seca no Sertão. O início da década de 1920 foi um dos períodos mais críticos; histórias que foram retra- tadas pela literatura em obras como: O Quinze, de Raquel de Queiroz; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; e os relatos poéticos de João Cabral de Melo Neto retratando o roteiro dos corumbas – os “flagelados da seca”– rumo à capital pernambucana: O Cão Sem Plumas (1949-1950), O Rio ou Relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife (1953) e Morte e Vida Severina: Auto de Natal Pernambucano (1954-55). A elite brasileira era encantada com a Belle Époque francesa, com a arquitetura neoclássica, o urbanismo monumental de amplas avenidas, com o toque de modernidade da arte em ferro, com as novidades tecnológicas das telecomunicações, motores e transportes: o telégrafo, o telefone, o cinema- tógrafo, os automóveis, as linhas férreas etc. Acalentava-se o desejo de se reproduzir
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