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Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Lllia. Proibida a reprodução total ou pan:ia! em qualquer mldia sem a autorização escrita da Editora. Os infratores estão sujeitos às penas da lei. A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicaçãn. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Orlandi, Eni Puccinelli. / Eu, Tu, Ele - Discurso e real da história / Eni Puccinelli Orlandi Campinas, SP: Pontes Editores, 2' Edição· 2017 Bibliografia ISBN 978-85-7113-832-2 1. Lingulstica 2. Analise de discurso 1. Titulo Índices para catálogo sistemático: 1. Lingulstica - 41 O 2. Análise de discurso • 4 IO E REAL DA HISTÓRIA Eni Pm::dnem Orlau1:di Eu, Tu, ELE - DlscURSO E REAL DA HISTÓRIA A ORDEM DA LÍNGUA E A DÊIXIS DISCURSIVA (UMA CRÍTICA AO LINGUISTI.CAMENTE CORRETO) ···················~·············· • • • • • "E <:~da instante é diferente, e cada homem é diferente, e somos todos .iguais". (Carlos Drurnmond de -Andrade) · Q. uando se fala em.tempo, nos estudos linguísticos tradicionais, são diversas .as possíveis ·formulaçõe~ de sua organização, mas, .invariavelmente, a cronologia está pr§.ente. Nesta linha de reflexões, também invariavelmente, E. Benveniste (1966 ) é o autor de que se lança mão para falar que se pode tratar desta questão de outra maneira, através da tomada em consideração da enunciação. Aqui não vàmos fazer uso deste autor, nem das teorias da .. ellllilciação, mas da teoria do discurso .. Vamos colocar em questão ·, _ ~.que ~o,~ dispp;~v~;ula~t~,n;pas -,.. . e sentidos, Qll_a!}<lo se trata de olhar a língua eriq~to ~ -ma- t-erial de funcionamento dos processos discursivos, da produção de sentidos. ·:;:.. , ~7. Pesse,modo, podemos afirmar q~. discursiv.µnente, ao entrar ~ cena.a materialidade, não podemos desconsiderar o que tenho ~ad(), :aolo-ngo de meustrabalhos, quando ligo interpretação e ,ideologia (E. Orlandi, _1996): o sentido não é exato. A relação , disarrso e texto não se pauta pela linearidade (E. Orlandh 2001), ou, como tenho Sl!Steotado, quando se pensam os processos de 203 ' ! - 1 - Eu, Tu, ELE - DtsOJRSO E REAL DA HISTÓRIA Eu, Tu, ELE - DISOJRSO E REAL DA HlSTÔRIA significação (E. Orlandi, 2012): sujeito e sentido constituem-s_e ao mesmo tempo, mas não coincidem, n·o processo de significaçà-0, · em que a memória discursiva (o interdiscurso, o Outro), tomada '.:,. em conta a ideologia, fata por conta própria. ., pretérito perfeito), em que aque/a indica, também, outro espaço e tempo simbólicos, os de umjá vivido, em outro espaço concreto, marcado na historicidade. Condições de propução: espaço/tempo, situação, sujeitos. O verbo continua no presente em sua forma empírica, mas, materialmente, em termos de seu funcionamento discursivo, esta forma se carrega de passado e de outro espaço, em sua his1;oricidade: esta "coisa" cuja construção discursiva refe- rencial resulta em "paisagem", está, por exemplo, no passado e em outro espaço vivido. Há aí um "lá", em outro lugar e tempo. Dêixis discursiva, que eu chamaria de equívoca, em que o afeto é, pois, conjugado no passado, vivido em outro espaço simbólico. Posso dizer, então, que o nome (paisagem) aí é conjugado no passado e em outro lugar1• E aí entra, na relação discurso/texto (E. Orlandi, 2001, 2015), :· uma reflexão que venho desenvolvendo: na formulação, textuali- ·,, zação do discurso, há espaços de interpretação e de construção . de sentidos que são descontínúos, impalpáveis; e que resultam quase invisíveis nii'formulação . Mas funcionam produzindo efeitos de sentidos. · Isto, se pensarmos nossa língua, por exemplo, e, para dar maior explicitação ao que estou considerando, tomo as línguas indíg--;;;as, em paralelo, como o fiz no capítulo sobre a Mantiqueira. Prop~s a distinção (1985) entre língua fluida e língua imaginária, tomando, como exemplo, o sufixcr"rana" (vindo da língua geral); presente' na nossa língua, a língua brasileira. Segundo o que afirmo, então, este sufixo modaliza o nome: um exemplocé.a palavra "netarana"(lfngua geral) que significa como se fosse ne_ta, Ql!P9i:!~é! ser.oeta. Podemos~- assim, vislumbrar o funcionamento de formas das línguas indígenas que atestam não só o funcionamento do modo nos nomes, mas tam- bém o tempo: a denominação "roça", em tapirapé;.quando referida ao passado, tem forma e estrutura diferente da denominação "roça" no presente. Os nomes se conjugam em sua temporalidade. Na língua brasileira, também há muitos funcionamentos, como o de "rana", que não se esgotam em categorias, geralmente, reconhecidas, em formas e estruturas visíveis, para nossa lírigua. OUSANDO MAIS Do ponto de vista do funcionamento discursivo, podemos ir além, e pensar também em marcas de espaço estruturando dizeres junto à temporalidade: ao dizer, "Eu amo aquela paisagem" (acen- tuando a pronúncia de aquela), posso estar indicando, simultanea- mente uma forma (pronominal) marcada por um tempo (no caso, 204 Da mesma forma, o "fá" em uma textualização como ''Aí eu .chego lá e encontro quem? Justamente quem eu estava evitando . .. , encontrar .... ". Pode ser um "lá" conjugado no passado, embora os verbos estejam com marcas de presente. .;,;-; .$ A 2._artir de reflexões como estas, podemos chegar ao fato de :·~ ;$- que, pensando a ordem da língua, materialmente ligad~ ao funcio- ;r, ;f namento discursivo, entra necessariamente em questão a memória · }i discursiva; como dissemos acim·a. A memória, como temos afirmado (E. Orla11di, 2014), não é cronológica, é histórica. E aqui o histórico 'J se vincula, na análise de discurso, à exterioridade (constitutiva), à : . :-t deriva, como parte da constituição material do sujeito e dos sen- , l tidos. O que me permite dizer que é o funcionamento da memória .' ;~ na língua que determina a relação espaço/tempo discursivos. ,,.~ } j. Um exemplo: falando de sua formação, um professor afirma: ""·.Z "E 1968 ' . . 1 .1 , m , e meu pnme,rc ar :; ç"mo a uno da universidade x". -' X Ora, pensando-se na correçà~ gramatical, deveríamos ter:foi meu primeiro ano na universidade x. É assim que podemos compreen- r Não_ pos_so deixar de observar aqui que estou indo na contramão das explicações e teonzaç_oes que P.e~sa~ o ~hamado "não lugar" (lá). Ao contrário, considerando o que cham~ de.~e1x1s d1scurs1va no.trabalho do equívoco, hâ uma concentração, pela natu_reza s1mbohca do eu/tu/ele _e do espaço indistinto, em que há concentração de sentidos, levar:,do ao mal entendido. O hoje lâ. O "o que·. Pretérito. 205 Eu, Tu, Elf - D!sCURSO E REAL DA tlJ5TÓRIA der o real da língua, no funcionamento da memória como parte da constituição, como disse, do sujeito e dos s~ntidos. A distinção, a exatidão, o ·segmentável, fazem parte de uma reflexão que deixa de lado à discursividade, a relação não unívoca. Nós trabalhamos com o que se mistura, o que se presta a equívoco, o que nem sempre se pode separar em unidades distintas, tudo junto e misturado. E há uma declaração de um ator que me ficou na me- mória, na tragédia em que naufragou Domingos Montagner:. •~gora eu sou eu e eu sou tu. Agora eu sou eu e tu. Eu vou com você para sempre! Esse, de mim, nunca vai sair! Te amo". Renato Góes, 2016. LINGUISTICAMENTE CORRETO? Linguisticamente aqui pode tanto dizer respeito à gramática (normatividade) como, e é o que nos interessa tra~ar, relação Iinguagem/pensamento/mui:ipo: . Discursivamente, sabemos que esta não é uma relação nem imediata, nem linear, nem simples. Não há relação termo a termo entre linguagem, pensamento e mundo. Como, também discursi- vamente, fazemo~ entrar, nesta relação, a ideologia, pensada do ponto de vista materialista, ou.seja, considerando a ideologia como relação imaginária que liga os sujeitos a suas rnndi_ções materiais de existência. História e sociedade aí se apresentam. Em meus trabalhos (E. Orlandi, 1996), tenho apontado para a ligação entre ideologia e interpr~tação._Etrago, para. esta minha reflexão, esta ligação, que considero constitutiva de qualquer dis- cursividade, na produção de sentidos. Com isto, estou .afirmando que há uma mediação na relação Iinguagem/pensamento/m~ndo que ·se materializa pela interpreta- ção, e que, nos termos nos quais trabalho , se liga, teoricamente, a"o funáonamento da ideologia. A ideologia .se manifesta para o analista na consideração da interpretação. Assim, é observando a interpretaçãó que podemos compreender o funcionamento dis- cursivo da ideologia. 206 .~~; ;-- < ' .)<:~· ·.• Eu, Tu, Elf - DiscuRSo E REAL DA HISTÓRIA Isto nos leva a afirmar, como Pêcheux (1990), que há formula- ções (ele diz enunciados) estabilizadas e outras sujeitas a ~quívoco. E há cruzamento entre elas. Ou seja, não há como desvmcular o estabilizado do sujeito a equívoco. A relação palavra e coisa não é nem direta, nem transparente. E, como tenho afirmado (1987, 1996), ler é saber que to.do sentido pode ser outro. Instabilidade, equívoco, movimento, pluralidade. ENTRADA DA NARRATIVIDADE NA REFLEXÃO Ainda discursivamente, e pensando o funcionamento da me- mória, entra a questão da narratividade, como a tenho definido: o modo como a memória se diz. Deslocamos assim a concepção da narratividade de uma concepção retórica (como gênero). Ao mesmo tempo, também a noção de memória desloca-se, não só de_uma concep.ção_p.sicológica, como cognitiva Ora, no caso da memória, há um se_u funcionamento que de- termina as relações com as formações discursivas.para os sujeitos, em situações espeáficas. Os sujeitos, individuados, inscrevem-se em algumas, e não outras formações discursivas, identificando- se assim com certos sentidos, determinados pela relação com a ideologia, que resultam em determinadas posições-sujeito. A memória, como temos tratado, em nossas pesquisas, se diz, de um modo que é acessível, para o analista, através do que tenho chamado de narratividade. É analisando o modo como a memória se diz:""" nartatividade-,quê.podemos compreender como ela fun- ciona na produção de sentidos para e pelos sujeitosrem condições determinadas. O que nos leva a dizer que nem há este exato, em t~mo.s de sentidos e de constituição dos sujeitos, como não há, na p olissemia, como temos afirmado,.coincidência entre sentidos, e4tre, st/jeitos e sentidos,_entre.sujeitos e suj_eitos. A polissemia se apresenta, no que tenho proposto (E. Orlandi, 2012), como 9ife.r~ntes movimentos. de sentidos no mesmo objeto simbólico · ·/ -e que se orientam em múltiplas direções. Sempre aberto a novos ·,. 207 Eu, Tu, ELE • D~cuRSo E REAL o• HISlÓRIA movimentos. A exploração do funcionamento da memória, no sujeito, pode nos dar apoio para uma melhor compreensão da produção de sentidos. A EQUÍVOCA BUSCA DO EXATO Vamos tomar, para análise, a questão do assim chamado gê- nero, neste caso, o gênero como sinônimo de sexo: masculino ou feminino, l>inário na sociedàde capitalista. ·· Há, desde que se aguç~ram o~ ~ovimentos cÍe "minorias" (E. Orlandi, 2013), uma vontade da verdade que se configura na proposição do linguisticamente correto: não é negro, não é preto, é afro-brasileiro; não é homem (sexo masculino), não é mulher (sexo feminino), é homossexual, ou, mais correto linguisticamente, ho- moafetivo; não é nem uma coisa nem outra, é "trans". Eu, Tu, ELE • DrscuRSo E REAL DA HISTÓRIA com o órgão sexual masculino, se expressa socialmente confonne dita o papel de gênero masculino e se reco- nhece como um homem (identidade de gênero), logo este pode ser considerado um homem cisgênero. Para compreender melho• a definição de cisgênero, deve-se analisar a origem etimológica deste termo: eis significa "do mesmo lado" ou ·ao lado de", em latim. Ou seja, este prefixo faz referência a concordância da identidade de gênero do indivíduo com a sua configuração hormo- nal e genital de nascençat Há, ainda, outras especificidades: o conceito da identidade de gênero não está relacionado com os fatores biológicos, mas sim com a identificação do indivíduo com determinado gênero (mascu- lino, feminino ou ambos). Além disso, seria incorreto relacionar a identidade de gênero com a orientação sexual, porque um indivíduo trans pode ser homo ou heterossexual. E, nesta região de sentidos, que busca a exatidão do que se Há várias observações que podem ser feitas, se pensarmos esta nomeia, na precisão .do que se pensa que se é - ilusão de _uma __ definição discursivamente. Como sabemos, não tratamos, quando _ _ _ __ possíy_elidentidade entre nome e coisa-, atualmente, se formula __ _ J' .. .::,."'"~- -""-'Pellsa o disoJrso, da. wmdo.empírico, mas si!)1bolicamente. E, o que é "eis". , { neste caso, falamos da construção disrursiva do referente e não do Na busca do que é "eis", encontramos uma sua definição geral e, a meu ver, provisória, pois o mundo se movimenta, e ainda mais rapidamente, quando se trata de denominações que mexem com sujeitos, sentidos e políticas públicas. Vejamos: : 208 "Cisgênero é o termo utilizado para se referir ab •in- divíduo que se identifica, em· todos os ospectos, com o seu "gênero de nascença•~. No âmbito dos estudos relacionados ao gênero humano, o cisgênero é a opo- sição do transgênero, pois este último se identifica com um gênero diferente daquele que 'lhe foi atribuído quando nasceu. Por exemplo, uma pessoa· que nasce Eu não saberia dizer se me identifico ·em todos os aspectos· com meu gênero de nascença. Exigência forte de definição. Nunca pensei em como devia me sentir porque sou mulher, ou como se sente um homem, etc. Mas compreendo o que me disse um amigo: O homem (leia-se: ser humano)é o único animal que luta a vida toda para ser o que é. Co~strução discursilla do referente e processo de identificação cruzando-se. i . . . . referente em si.A que juntamos a afirmação, acima, de que não há uma relação termo a termo entre linguagem, pensamento e mundo. E, no processo de identificação, não entra apenas a "vontade de verdade". Mesmo porque o sujeito não tem acesso direto ao que o constitui como tal, já que neste processo intervém ideologia e inconsciente. Ou seja, ele não é transparente nem para-.si mesmo. Tratamos, em discurso, da língua funcionando no mundo por e para sujeitos. Acontecimento do significante no ser, nos sujeitos (E. Orlandi, 2001). Nc p~:.K,-;so de significação não tra- tamos do sentido em si, mas dos efeitos de sentidos produzidos entre sujeitos no mundo. ls\o significa que levamos em conta, na constituição de sujeitos e de sentidos, a relação imaginária destes sujeitos com suas condições de existência. Isto a que, na análise de discurso, chamamos de condições de produção: sujeito, situação 209 Eu, Tu, ELE - DJScuRSo , REAL DA HISTÓRIA (imaginariamente constituída: projeção imaginária da situação para a posição no discurso), conjuntura da fonnulação e memória disrursiva. Além disso, interessa, como tenho proposto, que se considerem os modos de individuação do sujeito pelo Estado, em sua articulação simbólico-política, pelas instituições3 e discursos, pois é este sujeito individuado que vai se identificar com uma ou outra formação discursiva e constituir-se em sua posição-sujeito na produção de efeitos de sentidos, na fonnação social em que vive e significa(-se). Como vemos.já nos distanciamos de uma posição que pensa o sentido como exato, e que pensa a relação dos sujeitos e sentidos com o mundo de forma direta, não mediada e sujeita a equívocos, como a consideramos. Eu, Tu, ELE • DISCURSO E REAL DA HISTÓRIA e mulheres. Por ser considerado um "papel" social, dizem alguns autores que afinnam esta noção, o gênero pode _ser construído e desconstruído, ou seja, pode ser entendido como algo mutável e não limitado, como definem as ciências biológicas. Ora, não é bem assim, na perspectiva disrursiva. Pois, se não é a ciência biológica, ou o binarismo social (homem-mulher), que nos determina, no funcionamento da ideologia, nãoé nossa vontade pessoal tam- pouco que inscreve/define nossos processos de identificação, nem apenas o modo como somos individuados. Há rupturas, há falhas. Mais complexo ainda é esse processo, se pensarmos em como se dão nossos processeis de- identificação, nossa interpelação em sujeitos, pela ideologia, afetados pelo inconsciente. Tudo f~e ao nosso controle e vontade. Entra, nessa questão, nossa vivência; nossa interpelação pela ideologia, as condições em que se produ- No caso que estamos colocando em análise, Q do "gênero", , zem efeitos de sentidos e se constituem os próprios sujeitos, em temos, eÍltão; na·definiçãcrde"cis", a cm1c0rdanda de ldenfidaâ',........;.;a.;.;.,, -seus modos de individuação. Entra a alteridade; a·exterior-idad.----------- - do "gênero" (não é ·sexo) cdm ·o indivíduo (honnonal e genital) constitutiva. E as "imagens" que resultam do imaginário social. Em em sua nascen·ça. Misturam-se aí, sem nenhuma cerimônia, o nossa perspectiva, não ignoramos a força efetiva que a imagem, que é da instância do simbólico, com o empírico e com o que é no funcionamento da ideologia, tem na constituição do dizer. O da ordem genética e cognitiva. E tem de haver "concordância de imaginário - as imagens que nos ligam às nossas condições reais identidade". Ora, em discurso, como sabemos, a identidade resulta de existência e que falam socialmente por elas - faz necessaria- de um processo de identificação. E é o sujeito• individuado pelo mente parte do funcionamento da linguagem. Ele é eficaz. Ele não Estado (em suas instituições e disrursos} que se identifica. Não se "brota" do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se identifica com um gênero, mas com sentidos, com uma fonnação inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a disrursiva, ou seja, com aquilo que em uma conjuntura dada, em nossa, por relações de poder. A imagem que temos deum homem, uma situação dada, o sujeito.pode!e deve dizer, significar. Na re- oude.J.lIIla.mulhei; .por exemplo, não cai do céu. Ela se constitui lação com a ideologia, no-funcionamento da memória··disrursiva -. nesse e::onfronto do-,simbólico com o político, em processos que (interdisrurso). Interpretação, em nossos tennos. · ligam discursos e instituições. É nece~ário, com nossas práticas, Segundo. o qu~ se lê, a partir do ponto de vista das ciências a1:ravessar esse imaginário que condiciona os sujeitos em suas sociais e da psicologia, principalmente, o gênero é entendido como .. ~ siv(~ades e, explicitando O mo10 como sentidos estão sen- aquilo que diferencia socialmerite as-pessoas;-ievando em· consi- dpwrodµzidos, compreender melhor o que está sendo dito, para deração os padrões histórico-culturais atribuídos para os homens rontesta-lo, efetivamente, nas práticas sociais. Os sentidos não nas palavras elas.mesmas. Estão aquém e além delas. Por A i~içã_o ."~~ é instituição se náo houver alguém que dê voz a ela. Ai se instala a ·; . pos,ção-,uJe,to instaurada pela articulação simbólico-pol~ica do Estado. issó,'atingi-los é tão difícil. . que. n~o está em _s~a próp~a origem, mas resulta da inte,;pelação do indivíduo (psico- b1olog1co) em su1e1to pela tdeologia, afetado pela linguagem. 210 211 r: r -! Eu, Tu, ELE - 0tsOJRSO E REAL 011. HISTÓRTA Concordamos em que não é corno se considera o sexo (binaria- mente) que nos levará a uma melhor compreensão dos efeitós de sentidos produzidos em relação ao que aí se tem significado. Mas não é tampouco mudando de nome - de sexo para gênero - e ten- tando redefinir este sítio de significação, de forma linguísticamente ·"' correta, que se pode interpretar esta equação. O linguisticamente correto é, sernpr.e, politicamente falho . .E desrespeita a ordem -da língua. Esta também, com seu impossível. Há que se aceitar a incompletude·, o-sujeito a falhas, o sujeito (a interpretáção} a equívoco. O incompreensível. Eu, Tu, ELE - DlsruRSO E REAL DA HISTÓRIA eh), por autoras como Julia Sera no, além de militantes - especialmente as transfeministas - e acadêmicos anglófonos. Para as pessoas transgênero bem infor- madas, sempre soou estranho. por exemplo, chamar pessoas não-trans de "heterossexuais", óbvia analogia a "homossexuais" (reafirmando a confusão comum entre orientação sexual e gênero). Nem toda pessoa trans é homossexual, e nem- toda pessoa que não é trans é heterossexual.'. Como ·~-e pode .observar, o subtítulo é "A verdade cisgênero'', onde poderia ser, por paráfrase, "a definição de cisgênero" . Mesmo Palavras e coisas não são coincidentes. E iludem-se os que se, na sequência, se faz apelo a argumentos do discurso da ciência pretendem encontrar a palavra exata para cad_a coisa. Tanto a lin- (sexologia, autor legitimado etc), do discurso político (militante). guagem con:io o mundo não são transparentes e, como dissemos, Podemos, em um recorte que mostraremos em seguida, analisar não se ligam termo a termo. Tampouco se encontram palavras neu- este jogo de formações discursivas diversas - a militante, a que tras em suas,interpretações.-A interpretação é sujeita ao múltiplo, se quer linguísticamente correta- em que se pretende dãrnomes ao incompleto, ao equívoco, ao incerto, ao político. Trabalho da justos para que os sujeitos se definam como querem, em um.mundo interpretação e da ideologia. Em que a falha é o lugar do possível. justo e-capaz de ligar palavra e coisa sem valoração, sem falha, sem __ - ----- - ·\ ;· equívoco. Ou seja, sem interpretação. Sem po\ítica,_se_m p_o_d_er_,"_se_m_-___ _ _ ALGUMAS CONSíDERAÇÕES-Ai'íAIÍTICfiS"SOBRfU-C/S----} r ·-- ideologia.Palavra e coisa se colariam na medida certa. Ainda que se Não podemos ignorar o discurso que se faz sobre o cisgênero. -. saiba das dissirnetrias e posições-sujeito politicamente significadas Em que salta aos olhos a busca da "verdade", do "preciso", da da nossa formação social c_apitalista, se levamos em· conta a sua relação justa entre palavras e seres ou coisas. Em que se apaga historicidade (materialidade). da reflexão tanto o político como ai deologia, a possibilidade de equívoco. A incompletude, Vejamos um exemplo como segue: 212 · "A verdade cisgênero Postado em: 28/01/2015 por: Autoras Convidadas Texto de Jaqueline Gomes de Jesus. Tentarei escrever da maneira mais didática possível. Foi uma sacada excelente a de quem, lá pelos anos 2000, resolveu utilizar a palavra "cisgênero" para se referir a pessoas não-trans. L~go foi adotada, às vezes como "cissexual" (dizem que o primeiro a cunhá-la foi o sexólogo, físico e sociólogo alemão Volkmar Sigus- Vamos a outro recorte: ·contudo, para além destas denúncias que precisamos fazer para viver, também oferecemos nosso olhar sobre vocês e nossa vivência do corpo nesta sociedade tão restritiva_ Quando eu chamo uma pessoa de cisgênera, estou dizendo que não a-genitalizo: Se vejo uma mulher, não vejo necessariamente uma vagina, se vejo um homem, não vejo necessariamente um pênis. Não vejo também as pessoas necessariamente com uma função e um papel sexual a exercer. E nesta não-necessidade cabem função-nenhuma e papel- nenhum. Quando digo que uma pessoa é cisgênera, estou dizendo que ela tem liberdade para autodeterminar-se_ Eu reconheço esta autodeterminação como um direito humano, um que está tolhido. 213 Eu, Tu, ELE - DJSOJRSO E REAL DA HISTÓRIA A liberação e emancipação trans não começa e termina nas pessoas trans. Ela busca uma sociedade que promova a vida em todas as suas manifestações. E a quem queira refletir mais um pouco, que pense nas alternativas: pense no mundo sem cisgênero e no terrível normalidade compulsória por trás da ausência de um nome. Há muito mais que 'opressão por trás dos termos eis. Eles são a chave para a partilha e a expansão de nossas vivências na alteridade.[grifo nosso]. Os links desta página foram verificados em 15/DEZ/2014 Liberdade, normalidade compulsória na falta de um nome etc. Discurso militante, idealizando pontos devista, e vontades.Ilusões do linguisticamente correto. Como se o sujeito pudesse autode- terminar-se sem que a linguagem, em sua ordem, funcionasse, apesar de nossas vontades. Vontade de saber, vontade de poder aí se juntam. Sem esquecer que a linguagem, não sendo transparente, -----a=q'l'u=i~lg~q"l'Y=e est.á.dito-acima,-a favor deste linguisticamente correto; - escapasse a alguma ·d~erminação, à falha, ao equívoco. A crença no nome esquece que tudo é sujeito à interpretação e .à ideolo- gia. E isto é pre<ciso levar ein conta para fazer "as denúncias que precisamos fazer para viver". De acordo que é preciso denunciar: Não posso deixar de acentuar, também, a invocação da palavra "alteridade" como solução de tudo. Ora, há sempre contradição, e na ilusão da unívocidade, esquece-se que esta alteridade, que nos é constitutiva, também inscreve neste outro, o Outro, ou seja, a memória discursiva, a ideologia que já vem com seus já-ditos, já significados:''0 infemo'São ·os outros", diz Sartre (2007). Há, ainda, a observar, ·que, nesta situação disãirsiVã,"à alteridaêle vale pelo sujeito que poderia viver "outros" eu. 9 que não caracteriza a alteridade. E, como sabemos, não se pode falar do"lugar do outro. 214 Podemos ler, ainda, em outra defesa do uso dá palavra cisgênero: "Mais que uma palavra, cisgênero é um posicionamen- to. E ressalte-se, quando falamos em "cisgeneridade" estamos nos referindo a uma identidade social, e não apenas a uma expressão de gênero. No Brasil, ele vem Eu, Tu, ELE - DJSaiRSO E REAL DA HISTÓRIA sendo progressivamente utilizado, não apena~ por transfeministas, e com uma surpreendente velocidade de apropriação. Nesse ritmo, notam-se algumas re_ações contrárias à sua adoção, que por vezes são emotivas e chegam ao rechaço. [grifo nosso l- Reconhece-se, ao menos, que, uma vez introduzido, o que se -poderia chamar um "neologismo", ele se expande, cria um movim~to no percurso soçial: de aceitação e de re:11aço. Mas, diswrsivamente como sa~mos, se não ressoar, se nao ecoar na ·história, como-di~ M. Pêcheux, não pega, não cola, não permanece. P-0rrani:o, não depende só da-vontade do sujeito, nem muito menos da@laboração "científica" dos que pensam no-linguisticamentemr- r~to como sendo capaz de "consertar" a realidade. A palavra vale pelo que significa. Depende da ideologia (j.ogos da.interpretação na formação social, na história). Além disso, a palavra c:isgênero aparece, neste recorte, como um "posicionamento", uma tomada ___ de posição política, face a identidade social, ou seja, uma palavra militante. Se é militante, certamente, é sujeita, politicamente, a contestação e a disputa .de seus sentidos. E os sentidos, como aprendemos com Canguilhem, são sempre relação a. Neste caso, vale pelo que pode significar enquanto militãncia que dá visibili- dade a uma questão5• Isto, sem dúvida, importa. E aí voltamos à qu~ão das minorias (cf. E. Orlandi, 2013). Penso,.egfim, que o equívoco é trabalhar-se com categorias sli~cas-{p.ipcl.sooal, por~emplo}.quando, o qoofun-cion.ana . . .. e.-"> "í/i.;~agem é o ~~bólico: a ideologia, o-inconsciente: o que funciona ·- parir os sujeitos e os sentidos, não são;os papéis sociais, mas sua pró)eção imaginária, nos mod·os de ~viduação do sújéito face às Jii:w31¾~ discursivas, em oµtras Palav,ras, as _posições (disrursivas) S --: Remeto aqui a um trabalho que fiz (MQsaico_dé Falas, 1988), a partir de uma discussão '_ ...... -ptoiJlbvida •pela revista -Cláudia; sobre mulheres -e o feminismo. Em certo momento, ' lemt,ro que o "nós, mulheres", ao afirmar a particularidade do agrupamento, pode exduir (pastoralmente) a singularidade do sujeito. Além disso, ainda-que sej_a uma , forma de resistência, na ideologia das minorias, a forma·como o Estado gerenc1a suas rêiâções com os grupos toma as mulheres mais visíveis, logo mais passiveis de controle. Mais ainda, na visibilidade está também o objeto do ódio. Não podemos, pois, deixar de pensar a contradição. Ao preço de nos deixarmos imobilizar. 215 Eu, Tu, ELE - DlscuRSO E REAL DA HISTÓRIA sujeito. E estas não são controláveis e nem significam pela nossa vontade de verdade. E aqui poderia introduzir a noção de "vontade do sistema" de Nietzsche (1887). A isto voltaremos mais à frente. Nesse passo, basta referirmos ao fato de que, discursivam~~te, o que está funcionando, mesmo em relação ao eis, é a interpeJação do indivíduo em sujeito-pela ideologia, afetado pela língua, assim como os modos de individuação do sujeito pelo Estado, seu pro- cesso de identificação e sua posição-suJéito na forma.çãÕ social. · ·-Esta,_ c'or)Stitufda ·por relações dissiffietricas e àfetatla: peros·vafores produzidos pelas relações de poder. O político, o social, o histórico e o ideológico se artiéulam na produção da vida e de como colo- camos nomes nas coisas. A língua, por seu lado, se impõe em sua ordem, em seu-real. O que significa que não temos controle sobre os sentidos ou sobre os sujeitos, mudando palavras, pensando com isto mudarmos a realidade-(sobretudo a social com seu imaginário, sua dissimétria e seus valores ideologicamente constituídos). ~• Observei este funcionamento _n_g_análise d;;s palavras de um _ _ _ ____S)Jj.eiJ:o trans falando sobre sua posição em ~elação_a_estªs ques- _ tões. Vejamos mais um recorte discursivo. Trata-se dejoão Nery (Estúdio i/Globonews, 29/06/2016), que escreveu um livro cujo tí!:9l0 já diz muíto em sua escolha: Viagem solitária. Distancia-se da sociedade binária e propõe, justamente, o reconhecimento de todas as formas de sexualidade. Mostra também, de forma importante, como, em termos deformação dos ~ujeitos, de nossa sociedade, esta questão só é pensada; qua~êio pensada, no fim da formação, e não no início, como deveria ser. ·;;, Esta solidão está também aí, na forma como a própria form·ação se dá. Isto é tão forte que, muitas ve'zes, o sujeito, individuado por esta articulação simbólico-política, que desconhece as inúmeras possibilidades do sujeito relacionar-se com sua sexualidade - J. Nery diz gênero (distinção sexo/gênero ortodoxa) - não_ consegue se identificar - pois tem de relacionar-se com os valores binários da sociedade, masculino/feminino - e resta um indivíduo solitário 216 Eu, Tu, ELE - DtscuRSO E REAL DA HISTÓRIA e sem lugar, frente ao papel social que desempenha. João Nery, que é trans heterossexual (ele tem sua mulher) diz que nunca "se séntiu" mulher.- E, contrariamente ao que se poderia espera~ nesta relação com o outro, ele nos mostra que el_e era homem para os desconhecidos (o que o deixava mais à vontade), mas era mulher para os conhecidos (ou seja, aqueles que conheciam sua carteira de identidade, seu nome etc). Há um largo questionamento das regras sociais para a emissão de carteiras de identidade_que, para nós, remete, fundamentalmente, aos modos de denominação do sujeito em nossa sociedade, taxonomia com seus valores, papeis e posições de poder que podem estigmatizar ou promover os sujeitos assim individuados, pela denominação oficial, em sua carteira de identidade. O administrativo gerindo um nome e uma forma de vida. Burocraticamente. Aí, a questão da denominação, -1I_çança uma, digamos, rea- lidade, na medida em que não é só uma de.nominação, mas uma designação oficial, que fixa a taxonomia, a classificação oficial, binária: ou é homem, ou é mulher. E é em relação a esta taxonomia - -oficial -que;-sem-dúvida, faz-mais-sentido-o-discurso militante do cisgênero. Nery faz, também, em sua entrevista, uma crítica a uma afir- mação de Freud, a de que a anatomia é um destino. Ele discorda, afirmando que o corpo a gente cria. Afirmação que não está longe do que diz Simone de Beauvoir sobre o "tomar-se mulher", no caso do "segundo" sexo. Ou do que afirma Sartre (idem) de que é a'existência que preside a consciência. Mais forte é sua crítica ao discurso médico , que cria as doen- ças, segundo suas palavras, no final do século XIX, considerando o trans comodoença mental (CID 10, DSMS, 64,0). Ou seja, há até um indexador para os que aí são identificados. Em seu discurso, como em outros que observei, há um forte investimento também em distinguir a identidade trans e a orientação sexual; um trans pode ser homo ou heterossexual, ou mesmo transexual. 217 Eu, Tu, Eu - DlscuRSO E REAL DA HISTÓRIA . Enfim, e~tas observações, que faço, vão em direção à crítica muito bem f~1ta'. ~o binarismo social• e a suas consequências par; os ?1odos de md1V1duação dos sujeitos. Para nºós, este é um sintoma da impossível _relação termo a termo entre linguagem/pensamento/ mundo. E da irrecusável presença da ideologia atestada na inter- pretação. O que não invalida, em termos políticos, uma tomada de posição na práxis social. Ao contrário, reforça. , '.f '.~:· _· , Nossa crítica é em relação ao linguisticamente correto, pois, se ,J.:· ,- tJvessemos que obedecer a todas esta~ condições-do real das coisas ;j · ·) fac~ ao real da Hngua, toparíamos com o impossível. Se pensarmos '~· assim, todas as palavras teriam que ter o seu ds, as eis palavras, t pois não há esta correspondência unívoca entre palavra e coisa, J . em termos de categorias gramaticais, na medida em _que se fala em Ji eis, pensando-se gênero (designação) e não a identidade7• Porque, 'j _ p_an1 a identidade,-não é necessária, nem exis..te,_es:ta.p_i:..eci.são,_e_s.ta_ -4 • fixide_i;. j>or isso ._ reafirmo a importância de se falar em sexo, de ,~ forma direta, e não mudar um termo, chamar de gênero, pois não $: [ri. resolve a questão, ao contrário, ilude-se.' E arrefece a importância de {;. reivindicar-se a indefinição, a mobilidade, a mudança, as nuances. -[ ~- A vida não é um argumento. Afirmação forte. Só um autor pode sustentar isto de manei- ra tão definitiva: Nietzsche (1887). Mas se nos impressionamos 6 "Lemos nesta página do bJog, que menciona Hailey Kass: ·Quero deixar aqui uma mensagem mais positiva a respeito da cisgeneridade. Esta é uma gentileza de co- ração: RÍ!coríhecer a cisgeneridade significa. sim; o reconhecimento das assimetrias, dos lugares de fala desiguais, das diferenças. E significa também ouvir as pessoas trans. Saber que estamos passando por dificuldades que_ as pessoas císgêneras não passam. Que sofremos tje exclusão, ignorância, ódio e violência. (_.)_ E a quem queira refletir mais um pouco, que pense nas alternativas: pense no mundo sem cisgênero e ~.terrível normalidade compulsória por trás da ausência de um nome. Há muito mais que opressão por trás dos termos eis. Os links desta página foram verificados em 15/ DEZ/2014". Sem dúvida, nestas palavras lemos a importância crucial das palavras, da denominação, na vida dos sujeitos. E não podemos ficar indiferentes. . .. 7 Devemos referir ao que se apresenta como discurso acadêmico. Disrursos que já são criticados por eles: ·E estãmos escrevendo para demandar que nossos Corpos sodopo- líticos deixem de ser apêndices dos corpos cisgêneros nos disrursos médicos,jurídicos, sociais e antropológicos·. E çontinuam: ·A palavra 'cisgênero' estática, dos rebuscados textos académicos, parece a mim uma versão gourmet, assinada por um chef de um prato que nós, pessoas trans, preparamos em nossa quebrada- nosso gueto intelectual. Parece o que fazemos, mas é uma releitura mais cara e menos autêntica.•. 218 {i·.· ·i . ,. Eu, Tu, Eu - OJSCuRSo E REAL DA HISTÓRIA com a força desta afirmação, não nos é menqs importante, e isto para nossos fins, outra de suas asserções:_ "Não é o mundo que é absurdo, mas a vontade de lhe dar sentido". Também de Nietzs- che. E ainda outra, aparentada a esta: "Não existem fatos, apenas interpretações". Afirmação que sustenta, a meu ver, a que tenho trabalhado em meus projetos: "Não há senão versões". Pois, se é absurda a vontade de dar (eu diria "um") sentido ao mundo, não é menos certo que o sentido é. Já se pressente que a pal_avra "vontade" que estamos colocando em nosso texto, não é a vontade psicológica. Trata-se de algo mais furte e menos acessível. Na Íinha de reflexões que fazemos, e na esteira de Nietzsche, é, agora, a vontade de sistema que aí se alinha, na sua proposta crítica. Nesta direção, se pensarmos a questão da alteridade, não é o semelhante que Nietzsche visa, no encontro, mas o outro, através das diferenças, o estrangeiro. Solitário. Ele ·busca a distância. Mesmo porque, para ele, nao há suJe1to, mas urria pluralidade de "moi" possíveis. Porque o sujeito é múltiplo. O corpo, neste caso, é o edificio de um múltiplo. De acordo com esta perspectiva, o que fala em mim são os outros. Porque já me identifiquei como diferente deles. Tome-se o que você é, adverte Nietzsche. E isto significa, segundo o autor, que crem;lo que já é (simples e não múltiplo) você não vai ser o que é. As coerções são parte desta formação de unidade, de uniformidade e ~e espírito gregário. A moral, diz Nietzsche (idem), existe para . -~ -ª ~luraHdade em mim e fazer emer.gir o. su]éito forjado na ·ia,entidãde éoletiva cjo ''.tfoupeau" (m!J!1é!da). -". Entra, então, a questão da liberdade (em Sartre, somos obri- g%fos a ser livres). Para Nietzsche, o caminho na existência se faz ~eeentramentos sucessivos, em fac~ de si mesmo, daquilo que ~~:deteçmina para o idêntico. Quand_à_ajo, ç!g__Q AUtor, introduzo a,~ erença entre eu e eu mesmo, liberando-me do que fui (sujeito g~.~i!Ilte). Assim, podemos dizer que, nesta maneira de pensar o sujeito e o outro, a identidade é feita de distância, de errância. 219 Eu, Tu, ELE - DlsOJRSo E REAL oA HISTÓRIA Distanciar-se da situação na própria situação. A identidade é feita , de movimento, digo eu (E. Orlandi, 1990), e a distância, dõ' que ': nos determina, é parte das falhas que nos constituem. Tornar-se o que se é. Nesta mesma direção podemos pensar a interpreta_ção, a compreensibilidade, de que fala Nietzsche. V0NTADÉ DE SISTEMA E COMPREENSIBILIDADE: ESTACIONANDO NO INEQUÍVOCO Esta discussão da vontade (da verdade), da busca do um, do exato, do unívoco, do linguísticamente correto, que, neste estudo, está representada pela nossa proposta de discussão do chamado "gênero", nos leva a uma questão fulcral que é a da interpretação. -Que, em Nietzsche, segundo nossa observação, é posta na discus- são da compreensibilidade· e na vontade do sistema .. Filosofia da interpretação, diz ele, que afirma o indivíduo e não o universal. Vamos passar rapidamente por esta reflexão ~ra-chegar, em nosso trabalho, à questão dos sentidos (polissemia, silêncio e fuga) e dos sujeitos (decentrados), pensados discursivamente frente à ordem da língua. Podemos partir, na reflexão sobre a compreensibilidade, do que Nietzsche parte, ou seja, de que "não se quer apenas ser compreendido, mas também não ser compre~ndido". Com isto Nietzsche questiona se um homem pode compreender o outro (Nachlass/FP Outono 1887). Pela vontade de sistema, caracterizada pela compreensão universal, supra-individual , visa-se esta meta- compreensibilidade, diz ele. O que Nietzsche considera coino um preconceito moral, uma patologia, que levana a uma filosofia de que "se todos se compreendem bem, então é verdade". Esta é a "' exigência de uma doutrina supra-individual, de uma desinvidi- ; vualização da argumentação, segundo palavras de Nietzsche. O processo de desindividualização de argumentos cria um ·sistema 220 Eu, Tu, ELE • DlsOJRSO E REAL DA HISTÓRIA de conceitos cujo fundamento é considerar o semelhante como um igual. O algo comum que haveria com os outros e com as coisas. • o chamado "gemein" (comum) que também pode ser considerado ,. inferior e vulgar. Ora, ao contrário disso, Nietzsche propõe o distanciamento , a alma superior não vulgar (nobre), que não quer nada em comum. Temos, assim, sua filosofia da interpretaçào e do signo. Distancia- mento dénitaação na própria situação. Fluidez: Nuance. Esta filosofia da interpretação (1880},"que~el~ propõe, é uma filosofia da individualidade · (não universalidade),busca de superação da compreensibilidade. Com isto se nega o estabelecimento de um conceito com validade universal, que pudesse ser compreendido univocamente por todos, pressupondo algo comum (gemein) entre os homens. Somos irremediavelmente dimmtes, e não temos algo em comum. A nuance, o equívoco, a fluidez de sentido é o revés da vontade do sistema, da doutrina, do unívoco. E, no meu entender, isto é o discurso, isto está no modo de individ-úâção dos suJeitos. Que me leva ao não coincidente na polissemia, à fugã" de sentidôs,'à flui:- dez da língua. Que, agora, lido nesta perspectiva, para que aponta Nietzsche, me faz referir ao·que diz M. Pêcheux (1975): a linguagem serve para comunicar e para não comunicar. E o modo de individu- ação do sujeito não é feito do comum, nem do compreensível. Só é assim quando pensamos na coerção produzida· pela articulação simbólico-política do Estado por suas instituições e discursos. A diferença é constitutiva. A falha, a ruptura. O equívoco. Quero, além disso, insistir sobre este aspecto da interpretação e da individuação, tal como tenho proposto em r,1inhas pesquisas. Relacionando-as agora à questão da alteridade. Se, em meus trabalhos, tenho afirmado a não coincidência en- ~re sujeitos, d.o sujeito consigo mesmo e do sujeito com o sentido, importa aqui ressaltar a _não coincidência do sujeito com o outro. 221 Eu, Tu, ELE - D&uRso , REAL DA HISTÓRIA Eu, Tu, Eus - OlsOJRSO , REAL DA HISTÓRIA Orlandi, 2014). Aqui acrescentaria que somos nuance, diferença em relação ao conceito. INDISTINÇÃO E DÊIXIS DISCURSIVA No pensamento de Nietzsche entra aí, apensa à questão de compreensibilidade, a da fluidez, da distância, e a de "amigos". Aliadas à noção de Spielraum (traduzida como margem de mano- bra). E como há sempre um espaço de mal entendido na com- preensão, só entre amigos este pode configurar a nuance. Neste caso, segundo o autor, a não-concordância não é ofensiva, mas . t, Vou retomar, de meu projeto de produtividade do CNPq, ª revela uma sutileza de interpretação, um espaço para O equívoco, ~- : proposta que fiz para trãbalhar com a questão da indistinção e as margem de manobra. Nuance. Nesta direção, não posso deixar 'f fronteiras, ou melhor, nas fronteiras da linguagem, de-trazer o ·aforismo 371 de A Gaia Ciência, cujo título é "Nós, t .· Na perspectiva em que tomo a sociedade na história, discur- os incompreensíveis". E o faço, se não fosse pela minha própria , ,. ' sivamente, ou seja, signjficàda e significando, distingo movimento experiência com a incompreensão, sempre tão presente em minha 1·, ':' social' e movimento da/na formàção social, ou movimento_dda/na socieda- vida (não só) acadêmica, mas pensando M. Pêcheux, marcado, em J/" .. de. Na perspectiva discursiva em que refletimos, cons1 eramos que suas intervenções, pelo mal e~tar que sentia em relação aos seus são movimentos sociais as organizações de grupos, com reivindicações ouvintes, voltando para casa com a formulação fatal: ''.Je déran- t:; ,,. que os identificam (as dos sem terra, as dos sem teW, as da Lgbt ge". Signo do mal entendido, do equívoco, da in-compreensão. etc), que se praticam na instância do imaginário social, enquanto ,-----"istância."Marge,m de' intérpretãção.· · -------- - -'-,..il=- ~o~m=o=v""1m=e=n=o~n=a"""onimção social/sociedade é da instãncia da ordem, no Para esta discussão, trago uma noção, que venho trabalhando .,. , que tenho tratado como distinção entre ordem (real} e organização em minhas pesquisas', que é a de indistinção, noção que, por sua ~,, (imaginário} (E. Orlandi, 1996, entre outros}. vez, nesta perspectiva que estamos apontando, nos leva à de suti· - .:b Desta perspectiva que assumo, a sociedade está em contínuo . N leza de mterpretação, de nuance. Que Nietzsche usa na definição - · movimento. Esta concepção de movimento do social (ou da socieda- de si mesmo: "apesar de mim, eu sou uma nuance" (Nietzsche, de) é parte do que produz o que tenho concebido discursivamente O caso Wagner). A nuance, se~ndo o autor, é distanciamento do como resistência, ou como violência, quando este movimento é conceito, é a diferença em relação ao conceito. Daí minha pergunta: contido, reprimido, interditado. Se, como digo (E. Orlandi, 1992), por que esta vontade do inequívoco, do unívoco, do uso comum onde há censura (interdição de circulação de sentidos •pelas dife- (gemein)7 Não estariam aí a falta de sutile~a da interpretação, a r~ ÍQJJllilÇÕes dis,rursivas possíveis) há N$~ii, taJ;n!;>éJD vontade dã·ç~mpreên;iÍJilidade, de qes-inyLdualização?_ A vontade quanto ao movimento da/na sociedade, onde há interdiçã.o d~ss~ do linguísticamente correto não é também a vontade de siste~a? Do universal abstrato? Quando, se pensarmos a diferença como diferençàienf sua ordem, saímos da validade do universal abstrato e vamos em direção à superação da compreensibilidade. O que afirmo em um de meus trabalhos: Ser diferente é ser diférênte (E:- 222 A questão da indistinção apareceu-me.já há alguns anos, no trabalho com os rneni- po~ d? tráfico, com. o~ pi~adores etc. Impunha-se, na anâlise, a relação, muitas vezes mdrstmta, entre res1stenc1a e marginalidade. Ou no que é denominado terrorismo, a fronteira com o que é resistência. · 9. Volto a referi~ aqui E. l.adau {1991} que oitic.a a transparência da noç.ão de classes, par~ os ma~stas, o que leva a deslocament~s como o .da sociedade politica para a .~ocied~d,e ~li eda luta de dasses para os movunentos sociais. P.rocesso de •descoberta ,~·,, ·_da·sõaedade cotno lugar da política", diz l eH~s (1987). Laclau (~ mestra como ' ! .;a qu_e~ do SUJert~ é tratada de maneira diferenciada na teoria '50cio16gica com o ;·- . su~1rnento de m_ov1mentos c-entrad?s em questões identitárias c•novos movimentos , s?':iais"'). A a_proxr~a~o de A Tourame (2003), com suas distinções (mOVimentos so- crars, culturais~ h1stóncos), toman~o a contest~'!ão como pennanente, com Castells, r~s~lta na Teona dos Novos M?~1mentos ?oc1a1s. Também Melucci (1999) trabalha d1sbnções_em que os atores {SUJei:tos) colet1vos têm o papel de revelar 05 problemas para a soaedade, e ele fala em redes de grupos. Deixa de centrar--se · · ·t fala em at~res conectados. em um SUJe1 o e 223 1 1 --!-- Eu, Tu, ELE - DrscuRSO e REAL oA I-ISTÓRIA movimento, há condições para rupturas, sejam elas chamadas r: . sistência e/ou violência. Explosão do real social contido. Vi~lênci' ou resistência? São muitos os materiais de análise que lidt~i pa·· esta pesquisa, ao longo de meus trabalhos. A partir da análise dos movimentos da/na socieda(\e - e pesquisa com mulheres de um bairro de periferia de Campinas : cheguei a alguns pontos de referência para meus trabalhos. uni: deles, em refaçãÕ à questão dos movimentos d~ social, é que no ·, , funêionarrfento da sociedade aé cfasses, do ·Estado capit~lista, '• formam-se "nichos de vida", como denomino. Restos de relações : sociais que "derivam" do movimento do social, para a não dete- • rioração radical do corpo social, com a segregação desses corpos : viventes. Formulações que analisei nos discursos dessas mulheres, .; como "Sempre me ajudaram", "O policial me dava a passagem ou me dava um dinheiro pra: eu ir pra outra:·cidade", "Pi!; vezes, uma lata de lavagem ... que eu comia pra poder amamentar meus fio com mais leite", "Eles raspavam do prato direto na lata", levaram-me a compreender a condição humana ein detritos, que se encontra, nos ãtravessamentos1º, que resultam no que ·chamo "nichos de vida". A da família que dá a lata de comida, a do caminhoneiro que dá "carona" e divide o "lanche", a da "colega"11 que vai junto procurar emprego, etc Podemos chamar estas relações de "relações sociais", tal como estão formalmente definidas no ca~o da sociologia? Certamente, só se fosse com uin sentido muito particular. Não se caracterizam como tal, mas são laços que se ptoduzem, produzindo nichos de subsistência. (R)existênciã, apesar de tudo. Buscaper- manente de laços com a sociedade que os segrega. Corpos em sua J presença, apesar da segregação, sem as condições necessárias de sobrevivência, teimam em (r)existir, no corpo social. Segregados, agregados. Restos do social. Do modo de indiviQJJação desses sujei- tos resultam sentidos, tanto para o que são, como para as relações 10 Observe-se que não uso aqui a palavra ·encontro·. 11 Observamos que nunca é uma amiga ou uma pessoa da família que ajuda. São relações com outros sujeitos, desconhecidos, que caracterizam •taças sociais• embora não constituam •relações sociais• em seu sentido mais próprio, formal. ' 224 j Eu, Tu, ELE - Dt5aJRso E REAL DA HISTÓRIA ~- ue estabelecem e que dão impulso para se passar do ainda não ::qignificado para o sentido possível. Criam-se assim situações em que se constituem sujeitos, por- que se constituem outras posições que vão materializar novos ( ou outros) lugares na formação social (E. Orlandi, 2005); ou para que "territórios de existência possam ganhar corpo" (S. Rolnik, 1997). Situação que se distancia da situação, diria Nietzsche? E, com eles, outros sentidos, outras posições-sujeitos com suas formas de significar. "A sociedade se-movimenta em processos de significação de resistência e/ou violência. ·- - Na relação da indistinção, como esta que acabamos de referir, funcionam, a meu ver, na dependência da relação com a "alteri- dade" que estabelecemos, as margens de manobra, as sutilezas na fluidez dos sentidos: as nuances. Questão de superação da compreensibilidade, liberação· dos espaços de manobra. Fluidez não só dos sentidos, mas também desse "outro". Fluidez do "tu"(o outro). Fluidez do "ele" (o Outro). Assim, pensando o exemplo que demos, do "gênero", do "cis'•:refletindo sobre a questãó.da fluidez, podemos dizer que esta vontade desistema que busca exatidão nas formas de denominação para encontrar a justeza dos sentidos, a justiça social, esbarra na ilusão da compreensibilidade (univer- sal), no jogo da interpretação, na construção dos mal entendidos sodais. Não é no nome_, m·as na constituição desta alteridade que reside a possibilidade de sentidos, com suas nuances, sua fluidez, seus equívocos e deslizamentos. Na sutileza da interpretação. Mal entendidos. NãQ no sistema, mas na individualização da compre- ensibilidade. Penso aqui na noção que c1.ü1hei para trabalhar estas :nargens · do dizer, estes sentidos distantes, que é a noção de falas desorga- nizadas (E. Orlandi, 2003). E proporia que se pensasse, pois, não em organizar a linguagem, definir palavras, fazê-las unívocas, mas desorganizar a linguagem, levá-la a suas fronteiras. Abrir fronteiras para a vida. Nas palavras. 225 ' r Eu, Tu, ELE - DISCURSO E REAL DA HISTÔRlA NARRATIVIDADE E DENOMINAÇÃO Trabalhando com.a interpretação, e considerando a articulação entre estrutura e acontecimento, relação do estabilizado e o sujeito a equívoco, nossa reflexão· e análise se apoiam em noções como paráfrase e polissemia, deriva (efeito metafórico), incompletude, silêncio, visando o processo discursivo. Pensamos o processo dis- cursivo como "o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinõnimos, etc que funcionam entre elementos significantes, em uma formação discursiva dada" (M. Pêcheux, 1975). Observe-se que não é em relação ao texto, mas à formação discursiva, ou seja, é. na relação do ·texto com a situação discursiva (condições de produção) e a ideologia, que está nossa observação. A busca do processo discursivo nos faz alcançar, ao mesmo tempo, o modo de produção dos sentidos e de identificação dos sujeitos. Analíticamente, considero dois funcionamentos discursivos interligados que são aqui fundamentais: a narratividade (E. Orlandi, 2001, 2012) e a denominação (2011, 2012, 2013ª). ,_ Sobre a narratividade, em E.- Orlandi (1990), já anunciamos nosso interesse em deslocar esta forma de linguagem da trilogia refém de uma dassificação retórica datada: a do eixo tradicional entre narração, descrição e dissertação. Em projeto sobre Disrurso, memória, processo de individuação e constituição da identidade (201 O), redefinimos a narratividade como a maneira pela qual uma memória se diz em processos identitários, apoiados em modos de individuação do sujeito, afirmandoMnculando-seu pertencimento/ sua posse de mundo a espaços de interpretação determinados, con· soantes a espeçíficas práticas discursivas. Essa definição discursiva qué pro·curamôs imprimir em nossa reflexão pressupõe um deslo- camel1_!:Q _ql!_e n~ faz sair, tanto do campo da retórica e cja questão dos gêneros 0iterários), quanto do campo da pragmática, para nos inscrevermos no campo da discursividade, tomando a narratividade no funcionamento do interdiscurso, memória constitutiva. 226 Eu, Tu, ELE - DlsruRSO E REAL DA HISTÓRIA . Para ilustrar O que estamos referindo como narratividade, re- tiramos um exemplo da mídia: a jornalista, da 1V Globo,_diz_ a_:•~~ vândalos se infiltraram e depredaram os carros em concess1onanas , enquanto outra forma de intervenção da narratividade possível seria b. ''.jovens que estavam na manifestação depredara~ ~arros em-concessionárias". Diferentes funcionamentos da memona dis- cursiva, em (a.) pelo estabilizado na imprensa, funciona o efeit_o de pré-construído, que divide (vândalos e manifestantes~, produ~mdo sentidos ·contra manifestantes que fazem gestos ditos noavos à propriedade privada; estes são os que chamam "vândalos" e nã~ manifestantes, em uma tâla que produz uma divisão. Em (b.) a di- ferença entre os manifestantes aparece, mas sem ap_elo a sentidos já estabilizados na memória discursiva da própria mídia, por isso o jovem é dito/significado como estando na manifestação e não como "alguém infiltrado". Eles são parte. Duas formações discursivas em confronto,enqoant-0-difereAt-es-regiões-do-interdisEUrso~Um manifestante - o significado/narrado como vândalo - ataca/depreda objetos de consumo, Bancos, propriedade privada. O outro mani- festante também atenta contra o poder constituído, desta feita via reivindicação: gritando por transporte coletivo, política pública (preço mais baixo). Na realidade, ambos são contra as mesmas coisas, mas na medida em que.hã diferentes modos de funciona- mento da narratividade, uns são denominados vândalos, perdem o d/reito à palavra, e o que fazem é chamado de violência. Na fala da} ornalista há, por esta forma de denominação, silenciamento d9wlfiico, t4ossa questão é~ os manifestantes que reivimüG\111, seriilfl] m que resistem? Resistência aí significa diferentemente de violência? Os vândalos são os produtores de violência? Não são os W;:1'"~ (esist.e~? Questão jurídica. Questã~ de intei:pretação, questão ~f política. Ao denominar o mani~te de "vândalo", todo ~ pr?,c~so dis~rsiv~ é desencadeado :pe~a narrativ_idade. E~se ·Qutro. que fünaona a1, neste espaço de interpretação produzido i :_ ~ _mídia e outros protagonistas, põe em funcionamento . um . processo de significação rião voltado para o "amigo", e não deixa 227 -i 1 1 1 Eu, Tu, ELE - DISC\JRSO e REAL o• HISTÓRIA muita margem de manobra para os gestos de interpretação. Não há sutileza, não há nuance, não há fluidez. Já os denominados "manifestantes" podem ser nuançados, transitam pelo espaço ele manobra, na sutileza de diferentes gestos de interpretação (e de inscrição ideológica). . 1- Da mesma maneira, ao falarmos em "cisgênero", um processo Eu, Tu, ELE - ll!scuRSO e REAL o• HISTÓRIA '· considerando, aparece como segregado ou parte do corpo social? Do mesmo modo, difuso, indistinto, movente. Consideramos não só o corpo, na relação com o corpo social, mas o sujeito individuado e os sentidos que o identificam e com que ele se identifica, enquanto presença, procurando analisar o funcionamento da narratividade e da denominação. Incompletude, inexatidão, imprecisão, equívoco, limites vagos ~mbaçam a leitura em seus gestos de interpretação. Sentidos· soltos 12, se presi:ama equívocos. Margem de manobra. Ou mal.entendidos. "' · .ri Temos refletido sobre a n:oção de relações sociais, de indivíduo de si?Jificação se põe· em marcha. Diríamos que a denominação escande o funcionamento narrativo e produz os efeitos de sentidos que Séparam, dividem (sexo maseillino/feminino; àsgênero/tr~ru). A narratividade é que, por seu lado, dá sustentação ao processo de escansão dos sentidos, nesse caso, produzido pela denominação, através da maneira.como a memória se conta. ~. enquanto sujeito individuado, no seu modo de constituição e dos ,? :~ sentidos com que se identifica, em que entram, além da linguagem, ! .. '·!! que é fundamental, noções como a de Estado, de historicidade, de Pensando este processo, a partir do que diz M. Pêcheux (1975) -""' , ·.., interdiscurso, de ideologia, de formação social, de formação discur- sobre a construção discursiva do referente, pensamos a denomi- .;, ''1Í .--\• siv.ae.do político, p.ensados.na contemporaneidade, fazendo intervir, nação (E. Orlandi, 2011), em seu procésso de produção do que · "' i quando necessário, a conjuntura da mundialização. Observamos a funciona, discursivamente, como nome, e con_sideramos que o gesto · ,'!. eh d ·1: ama a "crise das representações", que toma a forma abundante de de nomear (E. Orlandi, 2011) dá existência simbólica ao "referente" , ·~: sentidos de "segregação", de "violência", de "resistência" na relação (construído/ no processo de__signjftcação . Na determinação_ biStÓrica_ ·• ,~- dos-strjeitos-com-a-vidãsoclat-E-assim-buscamos compreender os dos processos de significação, a denominação traz para si a relação " "' d • .,-,, ·'li proce~sos e constituição do~ sujeitos e dos sentidos que entram linguagem e memória discursiva, materializada na narratividade. ,t: nesses processos de significação,. no mundo contemporâneo, nas Entendendo ã denominação como a marca da entrada da constru- .,. suas diferentes formas dê· existência. Que distinções aí se traçam, ção discursiva do referente no processo discursivo de significação, como nestes limites difusos, abertos, indecisos. Temos nos dedicado a ex- o fazemos (2012, idem, 2013•.), podemos retomar aqui M. Pêcheux piorar "a introdução do nada" (A. Wahrol, apud_ Baudrillard, 2003), as (1990), quando fala do título: "a prefigurar o acontecimento, a formas do silêncio, o esquecimento, a incompletude, o vago, o não dar-lhe forma e figura, na esperançà de apressar a sua vincla ... ou · exato, o impreciso, o dissimétrico, pensando os sentidos e os sujeitos de impedi-la( ... ) Mas esta novidade não tira a opacidade ·do aé:on- e sua constituição pela ideologia, na formação social contemporânea, tecimento, inscrita no jogo oblíquo de suas denominações"; O que J; e em suas condições de produção. A estas se juntam a de fluidez, retemos aqui, desta afirmação, é a opacidade do acontecimento ,· , , de nuance, de sutileza de interpretação, tal coma fizerr:os intervir inscrita no jogo oblíquo de suas denominações. Ou seja, a relação " _f_· em nossa reflexão. E há mais, na medida em que, nesta questão de acontecimento/denominação, em que introduzimos a equivoddade. , gênero "eis", que estamos observando, entra uma questão de cultura (as chamadas minorias). Isto nos dá a dimensão significativa do que mais acima chamei de "presença"(09/2013).Aparição. Sentido que eclode, a-presenta- se no processo de identificação. No caso do "gênero", que estamos 228 ·, . . ·y ' 12 Não posso deixar de fazer uma consideração: não seria melhor tennos sentidos soltos que fixos? Por que esta vontade do exato? Esta ilusão de pertendmento social trazido por um nome que dá •unidade·? 229 Eu, Tu, Eu - D!scuRSo E REAL DA Hl5lÓRIA Eu, Tu, ELE - DlscuRSo E REAL DA HI5!ÓRIA Luce Giard (1993): em "Abrir Possíveis", apresentação da obra e reconhecer o conteúdo e o efeito de sua ação interventiva nas La culture au plurie/ de M. de Certeau, nos mostra que, nesta obra, formas sociais"(1844). Ou seja, a cultura para de Certeau pede a 0 autor estuda os momentos em que as tradições se fraturam e não alienação como propõe Marx, a não negação do sujeito naquilo rivalizam, e a lucidez cambaleia, interrogando caminhos obscuros * que faz, e sua compreensão dos efeitos de sua ação na socieda- não para julgar ou para designar o campo da verdade mas "para de em que desenvolve suas práticas, compreensão da sociedade aprender do passado, como um grupo social atravessa a derrota de em que vive. O que, para de Certeau, significa que "toda cultura ~uas crença~ e consegue tirar proveito das condições impostas, para chama uma atividade, um modo de apropriação, uma tomada em inventar sua ftberdade, se arrumar um espaço de movimento" !grifo meuj. conta e uma transformação pessoais, e uma troca instaurada em eh um grupo social": A noção de.cultura toma um sentido particular, . . amo ª. tenção pa.ra o que está em itálico. Porque nesta · em de Certeau; como "proliferação de invenções em espaço .de interrogação está um de meus objetivos nesta reflexão com a d.ti ' coerções, vista como trabalho a fazer ao longo da vida social". 1 erença que não buscarei no passado mas em tempos recentes. w · · fa Invenção. Combate. Trabalho, ideologia, ruptura, transformação. ª~ exoraza~ei, como O z de Certeàü, segundo Giard (idem), os Como estes distintos sentidos se cotejam em sua vizinhançà, seu pengos do presente, transportando, por necessidade, minhas ques- - estranhamento, sua incerteza, sua indistinção? toes para o passado. Porque, na análise de dfscurso que pratico, a memória _é_ estruturada.pelo esquecimento, e a historicidad,-'e,.,.!é,__!a'!___4 ue._ Para compreender essa relação sujeito/indivíduo/sociedade, dobra.na qual trabalhamos o.fora.dentro,.na materialidade mesma ·-iiiiãfisamos·su1e1tos que se propõem outra denommaçao, eu dma, da textualidade; formulação que dá corpo ao sentido (E. Orlandi, os cisgêneros, os trahs, o~ politicamente correto propiciando uma 2001). A historicidade não sendo cronologia, mas estrutura e espécie de neutralização do ilegítimo na convivência social. acontecimento, 0 funcionamento do interdiscurso é memória não Trazemos para nossas considerações o discurso da diversidade representável, sem passado, presente ou futuro. Acontecimento. e do preconceito, como pano de fundo em que sobressai, nanar- Também interessa como, em uma formação social, como diz ratividade, a chamada estigmatização/criminalização da diferença, Giard (idem), atravessam-se as condições impostas, as barreiras ide- em geral, e a formação de grupos de contestação, de outro lado. ológicas, para se encontrar um espaço de movimento (movimento Resistência. · da/na sociedade), inventar:se sua liberdade13 • Tenho lançado mão ,- 1 Nos mat.erfais que analisamos, há algumas constantes, como a de procedimentos .analíticos que entrecruzam conhecimentos de t'érofrênóa'aóõisa:üisb'dosifrreitoshun'!anos; 0 ditêiro·à'diferença uma-12onstelação de processos disrursivos, para. trabalhar a multi- Também é constqn.te o que se diz do proresso-<le-segregação. plicidade de saberes, as contradições em que se constituem nossos objetos de análise. Pensando a cultura no plural, como a concebe .,: .. De forma i~po~an~e, h~ u~ discurso sobre a Sllbjetividade. de Certeau, segundo o qual "Para que haja verdadeiramente cultura ff:_considerações sobre_e5t~ sujeito contemporâneo, temos refe- não basta ser autor de práticas sociais; é preciso que e~as prá!l:-_ ', ·,i~,) nuii::1_5.vezes, 0 que diz O psicana\Ísta Melman (2005) sobre a cas sociais tenham significação para aquele que as efetuaº (cap. '.:~ ec~nomia psíquica" que não existia antes. As·que existiam, VI, 1974). Ou, como diz Marx, a propósito do que é alienação "A • '!i!}le, eram de oposição (revolta, marginalidade etc). Hoje não alien;ição desenvolve-se quando o indivíduo não consegue discémir ~,,ijm movimento de oposição é um movimento que se faz sobre seµ próprio impulso. Uma crise de referências. Ele se int~rroga, 13 Que é o que está claramentepresente na fala de João Nery. 230 231 • 1 Eu, Tu, El, - OISOJRSO E REAL DA HIS!ÓRIA Eu, Tu, El.E - OISOJRSO E REAL DA HSTôRIA então,- sobre esses homens novos - esses homens sem gravidade, aval para nossa existência em nossa especificidade? E isto é exato? quase mutantes - que nós temos que tompreender. Completo? Imóvel? Não sujeito a equívoco? Tomando a inclinação da análise de discurso, n~o é a ''nova · Da perspectiva discursiva, podemos afirmar que, para a com- economia psíquica" q9e retém nossa atenção, ll)as as "nritas preensão desses processos de significação, é fundamental levar formas de assujeitamento, desenvoÍvidas pelo capitalismq" .(M. em conta o político e o funcionamento da ideologia (o Outro) no Pêcheux, 2010), e seus modos de individuação dos sujeitos,' em discurso, tendo em conta a necessidade histórica e o acaso. Não suas divisões, assim como os processos de identificação dos su- deixamos de considerar, nas análises, as ilusões dos sujeitos em jeitos, ·uma vez que nos interessam a ideologia e o político, na " seus modos de individuação na sociedade, pelo Estado, e o imagi- constituição de discursos, de identificação de sujeitos em- seus nário que constitui a realidade desses sujeitos, tendo assim seus modos de individuação e de produção das significações, em efeitos sobre suas práticas. Nessa conju~tura político-ideológica suma, de suas práticas significativas, repartidas entre estigmati- ' pensamos compreender os tênues limites e relações instáveis que zação e resistência. Em cujos processos entram os processos de marcam, nas fronteiras da linguagem, e da vida, na relação indiví- denominação. duo/sociedade, os sentidos de sua existência. Nossa questão, que já tivemos a ocasião de fazer, tratando Finalmente, buscamos compreender processos de significação - da ·marginalidade, a segregação sóêiàl (E. Orlandi; 2002r. então, e de constituição de sujeitos em uma conjuntura como a que vive- é: como pensar aqueles sujeitos que, por necessidade histórica, mos em que, muitas vezes, e por processos de denominação que _ seriam "mutantes", mas que, pelas c9,ndiçõe$ _da domi_n<!ção, da escandem o funcionamento narrativo, oscilamos entre os sentidos ideologia capitalista, não podem sê-lo~7_O~s"-'"m=u"'ta"'-n"'te"'s'-"-L-"'se""m.,,_,,a,,,_s__,,:;.a... _ _ d_ifi_c_ilm_ e_nt_e_d_i_sc_e_mí~ejs ~ -~as bordas. ~em m~rg~m de manobra:_~~ __ condições favoráveis do capitalismo, são o "resto", e/ou também Há o retorno, na questão da indistinção, do estatuto da alte- - os "inomináveis"? Nos exemplos que·demos, qual o sentido de ridade. Da incompreensibilidade. Distância entre O eu e O outro, "vândalos" em manifestações? Os "Falcões", meninos que vivem O Outro. do/no tráfico, s.eriam "homens sem gravidade"? As mulheres do Núcleo Eldorado dos Carajás não têm "gravidade" ou buscam. No que concerne a indistinção, o que vem à tona é a necessida- algum sentido que lhes dê sentido, em seus "laços" construídos , de da nuance, da sutileza da interpretação. No i'ndistinto, trabalha em qualquer resto de situação? E como compreender os que-não O mal-entendido. E, no movimento da interpretação -variança, ver- são "eis"? Que sentidos vão-se constituindo na determinação são, equívoco - no que é dito como sua "sutileza", são as nuances histórica dos processos de significação (estigmatização/violência/ que irrompem na distância entre sujeitos e entre sujeito e sentidos. resistência), a vida sendo cada dia mais inviáve!? Por que precisamos Colocar nomes, etiquetar todas as nuances seria tentar fixar 0 distinguir homo e heterossexual, cisgênero e transgênero? Por que i! impossível de não ser assim, em outras palavras, o real. Não temos a necessidade de definir tudo exatamente para podermos existir este controle, estando postos entre o real da língua e O da história, socialmente com nossos direitos e deveres, com nossa presença? o mundo. Deste impossível resultam outras denominações, desta Se falarmos de modo linguísticamente correto, podemos ter um vez etiquetando as posições-sujeito: o autêntico (relação com a· 14 Cabe, aqui, a referência ao "homem impedido\ da peça de Tchekov, "Plátonov~, ou ·A peça sem nome". 232 verdade); o engajado (na ordem do político); o correto (determina- ção moral). Outros processos de denominação que não estancam, 233 . Eu, Tu, Eu - DISCURSO , REAL o• HISTÓRIA ' , ·r tampouco, o preconceito, as divisões, repartições do poder e do trabalho ~a ideologia. Que não impedem que se possa significar que o estigma da alteridade é o outro, o Outro, o estranho, que neste processo significa o "mau", talvez o "Mal". No processo em que se busca, com razão, mas equivocadamen- te, formas de d~n~n:iinação outras, linguísticamenrte corretas, para se pr~".:1rar ?_Juridicamente justo, se está no discurso militante. l-' A pos1çao m1htante. pode trazer a discussão para o espaço social, + ' pode alertar, mostrar gestos de resistência. Mas não é suficiente. E, s~ olha~os para isto discursivamente, podemos dizer que 0 eqmvoco e pensar-se que se está lutando pela língua, ou pela ~alavra: quando se está lutando pela vida, pelo possível e pelo 1mposs1vel. Nossa posição é d·e que não é na instância da busca pelo linguístican_iente correto, como procuramos mostrar, que se ---- -encontrao-poss1veLdeslocamento para outras condiç-ôe-&-<le-Vi41. -Porque o deslocamento, como o concebemos disrursivamente, tem que se dar na instância da interpretação, produzindo abalos nas fronteiras dos sentidos. Fizemos intervir, em nossa análise, algumas noções e reflexões de Nietzsche, sobre o "Spielraum". Noção esta que aparece já, no século XVIII, no círculo de Viena, com a noção de movimento e de condições de movimento. E, sobretudo, nas reflexões de Wit- tegenstein (1979), em que esta noção é fundamental, enquanto "margem de manobra delimitada da ação de possibilidades". O ·" que define casos limites, tautologia, paradoxos-e-a contradição· -·•nisto que chãm:nnos· as fronteiras da linguagem. Por isto, minha reflexão vai em direção a não apagarmos, ao contrário, fazermos valer estes mal- entendidos, este mal estar, estas flutuações, como práticas da significação. Sutilezas de interpretação. - -Pensando no que é a conjuntura atual, irrompe, sem dúvida, na questão da subjetividade, as novas formas de assujeitainento, e na dos· sentidos, os gestos de interpretação em sua materiali· d_ade, que é histórica e que se movimenta tanto no tempo como 234 Eu, Tu, Eu - DtsCURSo , REAL DA HJSlÔRIA no espaço. Tenho afirmado que a identidade é um movimento na história (E. Orlandi, 1990); a de cada um de nós, e também a que se faz em sua constituição histórica mais geral, em termos da forma-sujeito histórica, em sua relação com a alteridade. Quando muda algo na forma de assujeitamento, também se altera a relação com a alteridade. E, certamente, isto afeta a maneira como estas denominações, estas distinções, significam as diferenças. Podemos dizer que, considerando que a materialidade do sujeito implica o corpo e o sentido, levando-se em co"nta as novas formas de assujeitamento, apresenta-se também outra organização na materialidade da língua, e: no'mundo, novas formas de articula· ção entre eu-tu-ele. Novas corporalidades. Gestos de interpretação afetam esta materialidade. O que nos leva a colocar que, em se tratando das questões da organização simbólica do que está posto no "gênero", não podemos nos deterno que tem sua representação nas "minorias", e no linguisticamente correto, mas observar estas formas de denominação como busca de rupturas no real da história e na ordeni da língua . 235