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INTRODUÇÃO AO SERVIÇO SOCIAL O surgimento do Serviço Social como profissão tem um ponto em comum na Europa e no Brasil. Os dois nascem com as marcas do capitalismo incipiente, decorrente dos acentuados traços de empobrecimento e das vulnerabilidades sociais a que os trabalhadores estavam submetidos. No Brasil, o movimento ocorre um pouco mais tarde, sendo chamado de capitalismo tardio. A profissão também está entrelaçada com as primeiras escolas de Serviço Social e seus pioneiros, que deram embasamento teórico aos trabalhos sociais realizados pelas damas de caridade e pelas pessoas comuns que sentiam o dever cristão de ajudar o próximo. Bons estudos! AULA 02 – O SURGIMENTO DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO Nesta unidade de aprendizagem, você vai conhecer a gênese da profissão de assistente social. Você vai conhecer suas relações mais profundas com a Europa (em meio à efervescência da Revolução Industrial), passando pelo seu surgimento no Brasil e culminando com uma aproximação com os pioneiros do serviço social como profissão. Para poder alcançar esses conhecimentos, são objetivos desta aula: • Reconhecer a origem do serviço social na Europa; • Identificar a origem do serviço social no Brasil; • Apontar os precursores do serviço social. 2 O SERVIÇO SOCIAL NA EUROPA: SUAS ORIGENS Para começar esta jornada, devemos nos concentrar em três coisas: revolução industrial, migração rural e aumento da exploração (Figura 1). Figura 1 – Tríplice de eventos relacionados ao surgimento do serviço social Fonte: Adaptado de Martinelli, (2000). A Europa foi o berço de muitas inovações em inúmeros campos, seja na arte, na industrialização ou mesmo no pensamento do capital, o que significa conexões que abrangem a vida material até os dias atuais. É um tanto lógico referir-se ao capitalismo como uma grande mudança que vem do velho mundo e continua até hoje. Assim, pode-se argumentar que o primeiro evento que contribuiu para o desenvolvimento do serviço social como profissão foi a Revolução Industrial (seguida por suas consequências mais visíveis, como a migração rural e o aumento da exploração) (MARTINELLI, 2000). A primeira etapa da Revolução Industrial ocorreu entre 1760 e 1850. Nesses anos, todo o processo de industrialização foi liderado pela Inglaterra, que foi a primeira a aderir a esse novo modelo de produção. As peculiaridades expressas em seu desenvolvimento técnico-científico foram significativas, pois ali nasceram as primeiras máquinas de ferro que utilizavam o vapor como força. A segunda fase começou já na década de 1850 e caracterizou-se, entre outras coisas, pela aceleração da industrialização, pelo uso de novas tecnologias e matérias- primas e pela descoberta de novas fontes de energia. A terceira fase da Revolução Industrial ocorreu logo após a segunda guerra mundial, quando começaram a ocorrer profundas mudanças na economia internacional. Essa nova etapa introduz os processos tecnológicos resultantes da integração física entre ciência e produção, também chamada de revolução tecnocientífica. O filósofo e sociólogo alemão Karl Marx (1818-1883) em sua obra “O Capital” (1867) descreve brilhantemente o desenvolvimento do método de produção chamado capitalismo, enfatizando suas contradições desde a derrota do sistema feudal até sua consolidação no mundo industrial. Uma revolução em que os trabalhadores foram envolvidos em um processo de exploração que continua até hoje (MARX, 2006). Tal exploração é resultado da busca constante do capital por maiores lucros, acarretando em uma riqueza produzida socialmente e que não foi compartilhada como tal. A negação dessa riqueza à classe trabalhadora criou um grande número de miseráveis que se espalharam pela Europa (MARX, 2006). O crescimento da desigualdade social devido à exploração do sistema capitalista fez com que a classe trabalhadora nas cidades se comportasse desamparada pela classe burguesa. Esse comportamento vivenciava violência, miséria, fome e doenças, o que causava desconforto aos olhos da classe média (MARX, 2006). A adaptação social e a luta contra doenças e a pobreza extrema eram vistas como uma crise pela burguesia ligada à igreja, que, juntamente com as autoridades locais, buscava soluções para o sistema previdenciário inglês. Esse grupo de benfeitores sociais se autodenominava reformadores sociais (MARTINELLI, 2000). Os reformadores sociais trabalharam para preservar a ordem existente e desenvolveram estratégias para resolver os problemas que afetavam os trabalhadores, pois tais problemas refletiriam diretamente na sociedade. A esperança da burguesia era que a ação dos reformistas viesse a constituir um significativo instrumento auxiliar do processo de consolidação do modo de produção capitalista. Assim como havia cooptado o Estado Burguês para promover, ao longo do tempo, medidas políticas de proteção ao capital, a burguesia tratou de fortalecer sua aliança com os filantropos, transformando- os em importantes agentes ideológicos, responsáveis pela socialização do modo capitalista de pensar (MARTINELLI, 2000, p. 64). A burguesia tentou transformá-los em ferramentas do capitalismo e da coerção trabalhista, usando o fácil acesso dos reformadores sociais às famílias trabalhadoras. A sociedade burguesa tentou desmobilizar as reivindicações coletivas dos trabalhadores e assim forçá-los a cumprir suas próprias reivindicações. Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores euro-ocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “serviço social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços (MARTINELLI, 2000, p. 66). A partir disso, podemos concluir que o Serviço Social como profissão tem a marca do capitalismo em sua origem, pois nasceu articulado com o projeto de hegemonia burguesa. É por isso que o serviço social acompanhou até hoje as contradições do sistema capitalista, e à profissão foi estrategicamente atribuída a tarefa de controle social das massas, garantindo o controle histórico da burguesia na sociedade. Assim, o serviço social aparece "[...] no cenário histórico com uma identidade que expressa a síntese das práticas sociais pré-capitalistas - opressivas e dominantes [...]" (MARTINELLI, 2000, p. 67). Além disso, surge um serviço social da igreja, cuja missão é garantir a expansão do sistema capitalista e o controle da classe trabalhadora. 2.1 A origem do serviço social no Brasil O serviço social surgiu sob forte influência norte-americana do modelo de caso, grupo e comunidade, influenciado pelo pensamento de Mary Elly Richmond. No Brasil, foi introduzido em um processo histórico que se iniciou nas décadas de 1920 e 1930. As primeiras manifestações da institucionalização do trabalho social da Igreja surgiram quando, em 1932, sob o incentivo e supervisão da Igreja Católica, foi criado o Centro Paulista de Pesquisa e Ação Social (CEAS). Além do CEAS, destacam-se as instituições importantes para o surgimento do serviço social como: a Legião Brasileira de Assistência (1942), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (1942) e o Serviço Social da Indústria (1946). A profissionalização do serviço social foi mobilizada pela Igreja Católica por meio da intervençãodo Estado. As tendências filosóficas também começaram a influenciar o serviço social: tomismo, neotomismo, positivismo, conservadorismo, marxismo, funcionamento americano, significava o desenvolvimento de protótipos profissionais (IAMAMOTO, 2003). O Serviço Social surgiu como resultado da divisão social e técnica do trabalho e se consolidou na sociedade como uma profissão com dimensão teórico- metodológica e técnico-funcional indissociável de arranjos éticos e políticos. Nasceu como profissão no contexto do desenvolvimento capitalista e do aprofundamento das questões sociais. Localizá-lo, no entanto, requer compreender tanto o contexto histórico de sua institucionalização quanto as implicações teóricas que permearam seu surgimento. No Brasil, a economia, caracterizada por um modelo agroexportador desde a segunda metade do século XIX até a década de 1930, passou a adotar um modelo industrial, de substituição de importações e urbano-industrial durante a era Vargas. A transformação de um sistema agrícola comercial para um sistema industrial provocou profundas mudanças sociais, principalmente na passagem dos modos de vida rural para a vida urbano-industrial, o que levou a uma crescente urbanização, fenômeno que só agravou problemas e conflitos sociais. Nesse período de crescimento da classe trabalhadora, bem como de sua posição junto à classe explorada e de sua mobilização e organização, foi quando se intensificou a luta por melhores condições de vida e trabalho (IAMAMOTO, 2003). No entanto, a classe dominante via tais lutas como uma ameaça aos seus interesses e à decadência social e moral. A profissionalização do serviço social, embora inicialmente intimamente relacionada com questões voltadas a caridade, não esteve relacionada com o desenvolvimento da ajuda, a racionalização da caridade ou a organização da caridade. A sua associação suporta a dinâmica de uma ordem monopolista, embora os seus primeiros atos fossem voltados a questão religiosa, caritativo e solidário. Tinha o caráter de missão, de apostolado social, justificando sua ideologia pela doutrina social da Igreja. Deste ponto de vista, um traço importante da doutrina social da Igreja foi a substituição da análise da realidade e da prática social pelo contraste das expressões da questão social com a compreensão moral dos valores, exigências e fenômenos sociais (IAMAMOTO, 2003). A questão social torna-se objeto de intervenção estatal somente com o apoio da instituição da política social, mas com atuação fragmentada e parcial. Assim, a questão social é atacada em suas manifestações, separada do contexto social, que é o elemento de onde surgem suas manifestações [...] na relação com a Igreja Católica, que o Serviço social brasileiro vai fundamentar a formulação de seus primeiros objetivos político-sociais, orientando-se por posicionamentos de cunho humanista conservador contrário aos ideários liberal e marxista na busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja em face da “questão social” (YAZBEK, 2009, p. 168). Em 1932, foi fundado o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), unidade que viria a ser a fundadora e administradora da primeira escola de serviço social do país [...]” (YAZBEK, 2009, p. 149). Ainda na década de 1930, mais precisamente em 1936, foi fundada em São Paulo a primeira escola de serviço social do país, vinculada à Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Em 1937, foi fundado no Rio de Janeiro o Curso de Serviço Social da PUCRJ e, em 1945, a Escola de Serviço Social de Porto Alegre, hoje Faculdade de Serviço Social da PUCRS. “Em 2010, foram instituídos o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC [...]" (BULLA, 2003, p. 6). Mas é na Legião Brasileira de Assistência – LBA, que o ensino do serviço social começa a se fortalecer com a implantação de novos cursos em outras capitais (ESTEVÃO, 2006). Em 1946, foram criados dois órgãos para atender os trabalhadores brasileiros: o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Nesse período também foi criada a Fundação Leão XIII, que tratava da educação pública da população moradora das favelas do Rio de Janeiro. Em 1951 foi fundado a Fundação da Casa Popular, serviço que buscava contribuir para a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora (BULLA, 2003). Com várias mudanças, o serviço social passou a ser tratado de forma mais humanística. Por sempre ter visto um contexto crítico, sofreu muita oposição durante os dias sombrios da ditadura no país. Por causa desse espírito de enfrentamento da questão social, os assistentes sociais começaram a lutar nos movimentos de classe e logo depois nos partidos políticos que reivindicavam o fim da ditadura Com o início da democracia no Brasil e a criação de uma nova constituição brasileira (a Constituição Federal de 1988), a qual garante direitos iguais para todos, o serviço social, que passou por uma transformação espiritual durante a ditadura militar, passa a adotar uma dialética marxista. Trabalhar com a realidade social crua. Assim, ele deixa de lado o ponto de vista do assistente e passa a buscar no Brasil garantias para os direitos que já decorrem da lei (BULLA, 2003). 2.2 Os precursores do serviço social Ao elaborar uma análise sobre o desenvolvimento da profissão de assistente social, deve-se sempre fazer referência aos atores mais importantes que possibilitaram essa construção, mas tendo o cuidado de mediar o trabalho social europeu e norte-americano. (Figura 2). Figura 2 – Precursores do serviço social na Europa Fonte: Adaptado de Matinelli, (2000). A professora de inglês Octavia Hill (1838-1912) fez trabalhos de caridade na Europa (especialmente em Londres) com pessoas marginalizadas para fornecer moradia estruturada. Em 1865, Octavia Hill iniciou seu trabalho em educação familiar e social, e hoje é conhecida como fundadora de várias organizações de caridade e conservação na Grã-Bretanha, como o National Trust (ou National Trust for Places of Historic Interest or Natural Beauty) (MARTINELLI, 2000). Samuel Barnett (1844 -1913), um contemporâneo de Octavia Hill, foi um pastor protestante e trabalhou com grupos em sua congregação. Seu objetivo era buscar a elevação cultural e moral dos pobres para que pudessem melhorar de vida. Charles Stewart Loch (1849-1923) foi o fundador da primeira organização de caridade (COS) baseada nas ideias de Octavia Hill. Carlos tornou-se filantropo e seu lema era "Sociedade sem Dependentes", sugerindo que todos deveriam trabalhar para seus próprios recursos (MARTINELLI, 2000). Com a chegada do capitalismo na América Latina, que trouxe consigo os mesmos problemas sociais que já afetavam a Europa, a profissão se mostrou necessária para solucionar tais problemas. Paralelamente, ocorreram dois acontecimentos importantes para o início da profissão: em 1899, foi fundada em Amsterdã (Holanda) a primeira escola de serviço social, onde a lógica religiosa deu lugar à lógica científica e, ao mesmo tempo, em Estados Unidos, Mary Richmond confirmou sua forma de trabalhar no campo do serviço social. (Figura 3). Figura 3 – Precursores do serviço social nos Estados Unidos Fonte: Adaptado de Martinelli (2000). Mary Richmond (1861-1928) foi uma assistente social americana que começou a escrever sobre o trabalho e a fazê-lo por meio de suas experiências, direcionando e levando a sério a prática do assistente social perante a sociedade (resolução de casos) (ESTEVAO, 2006). Uma das obras mais conhecidas de Mary Richmond é o “Diagnosis Social”, de 1917. Em 1935, Gisella Konopka (1910-2003) escreveu o livro “Social Group Service”, um clássico da literatura de serviço social grupal, baseado nos trabalhos do psicólogo alemão Kurt Levin, exilado nos Estados Unidos, que desenvolveu a chamada teoriade grupo e produziu resultados práticos no tratamento psicológico. Com todos esses acontecimentos, nasceu mais uma técnica de assistente social (ESTEVÃO, 2006, p. 17). Mary Parker Follet (1868-1933) é conhecida como a "profeta da governança" e não por acaso, pois combinou o serviço com uma concepção de gestão que visava administrar os pobres ensinando-os a administrar suas casas e recursos (VIEIRA, 1984, p. 62). René Sand (1877-1953), médico belga (mas radicado nos Estados Unidos, verdadeiro cidadão do mundo), entendia o serviço social como uma profissão necessária para lidar com os problemas sociais que afetavam o estado de saúde da população mais pobre (VIEIRA, 1984, p. 62). A primeira escola de serviço social no Brasil surge em 1936, em São Paulo, coordenada por Albertina Ferreira Ramos, e Maria Kiehl. Ambas pertenciam ao centro de pesquisa sobre atividades sociais relacionadas à Igreja Católica. Este centro organizava cursos de qualificação para leigos católicos que se adaptavam política e ideologicamente à classe trabalhadora. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. BULLA, L. C. Relações sociais e questão social na trajetória histórica do serviço social brasileiro. Revista Virtual Textos & Contextos, ano 2, n. 2, p. 6 – 13, 2003. ESTEVÃO, A. M. R. O que é serviço social. São Paulo: Brasiliense, p. 11 - 17. 2006. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico‑metodológica. 15. ed. – São Paulo: Cortez/CELATS, p. 19 – 33. 2003. MANTEGA, G. A economia política brasileira. Petrópolis: Vozes, 1984. MARTINELLI, M. L. Serviço social: identidade e alienação. 6 ed. São Paulo: Cortez, p. 16 - 72. 2000. MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, p. 32 - 47. 2006. PELLIZER, O. P. História do Serviço Social. Canoas: ed. ULBRA, p. 17. 2008. VIEIRA, B. O. Serviço social: precursores e pioneiros. Rio de Janeiro: Agir, p. 17 – 62. 1984. YAZBEK, M. C. O significado sócio histórico da profissão. 2017. YAZBEK, M. C. O significado sócio-histórico da profissão. In: Serviço Social: Direitos Sociais e competências Profissionais. Brasília CFESS/ ABESPSS, p. 168. 2009. YAZBEK, M. C. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social. In: Serviço Social: Direitos Sociais e competências Profissionais. Brasília CFESS/ ABESPSS, 2009.
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