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CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Curso: Geografia Disciplina: Mundo Contemporâneo I Conteudistas: Gabriel Siqueira Corrêa e Mariana Martins de Meireles Aula 13 – Eurocentrismo e colonialidade nos livros didáticos de Geografia: reflexões a partir de narrativas relacionadas à África e a América. META: Apreender aspectos relacionados a colonialidade expressa nos livros didáticos de Geografia buscando (des)construir visões sobre África e América. OBJETIVOS: 1 - Entender a importância dos livros didáticos e a influência dos mesmos na construção de narrativas relacionadas à África e América.; 2 - Compreender o processo de avaliação dos livros didáticos a partir dos princípios estabelecidos pelo PNLD 3 - Reconhecer marcas da colonialidade expressa nos livros didáticos Geografia, especialmente nos conteúdos referentes à América e África. PRÉ-REQUISITOS: Para esta aula é fundamental que o estudante tenha o domínio do conjunto de aulas anteriores, apropriando-se dos conceitos de colonialidade, eurocentrismo, bem como das discussões sobre colonização e descolonização africana e latino americana. Introdução Quando falamos em livro de didático de Geografia o que vem a sua mente? Que conteúdos você recorda? O que você aprendeu sobre África e América Latina nestes manuais didáticos? Você já parou para observar quais são as visões de mundo (re)produzidas por esses materiais? Então que tal buscar um livro didático de Geografia para responder estas e outras questões? Pois bem, com o livro em mãos, observe o sumário e veja quais conteúdos este manual apresenta sobre África e América. Que visões de mundo você pode construir a partir da narrativa apresentada sobre estes continentes? Por esta narrativa você consegue desconstruir aspectos eurocêntricos da Geografia? Você acha que é possível propor um ensino não estigmatizado através deste livro didático? Para responder estas indagações sugerimos que você observe os titulos e subtitulos, bem como os mapas referentes à África, além de observar se constam informações coerentes e plurais sobre a América Latina. Aprofundando sua pesquisa, preste atenção nas dinâmicas econômicas sul americanas e nas perspectivas de África. Depois disso faça a seguinte análise: Que geografias são apresentadas neste livro didático? Qual é a abordagem sobre as populações que ocupam estes continentes? Como estes povos são retratados? Há valorização de seus saberes, culturas e protagonismos? A esta altura você deve está se perguntando qual a razão deste trabalho com livro didático. Acreditamos que este breve exercício de análise, somado aos nossos estudos anteriores sobre as narrativas difundidas a respeito da África e da América, te ajudará a reunir elementos pertinentes para compreender aspectos relacionados ao eurocentrismo e a colonialidade presente nos manuais didáticos. Cabe dizer ainda que, estas visões são reproduzidas mesmo depois de um processo criterioso de avaliação, nos quais são submetidos estes manuais didáticos antes de chegarem às escolas. Assim sendo, considerando a relevância deste debate, convidamos à você a navegar conosco neste universo e, a partir de discussões críticas e reflexivas continuar (des)construindo visões sobre a África e América. Início do verbete Eurocentrismo “Eurocentrismo é, aqui, o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes da metade do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América” (QUIJANO, 2005, p. 115). Colonialidade A colonialidade é um conceito que foi introduzido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano, no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990. Para este autor, a colonialidade nomeia a lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma dimensão constituinte [...] A “colonialidade” envolveu a “natureza” e os “recursos naturais” em um sistema complexo de cosmologia ocidental, estruturado teologicamente e secularmente. Também fabricou um sistema epistemológico que legitimava os seus usos da “natureza” para gerar quantidades maciças de “produtos” agrícolas, primeiro, e quantidades maciças de “recursos naturais” após a Revolução Industrial (MIGNOLO, 2017, p. 2-9). FIm do verbete Nesta aula, portanto, abordaremos questões relativas ao processo de avaliação de livro didáticos, centralizando neste debate a abordagem dos conteúdos sobre África e América. Para este percurso te convidamos a pensar sobre as seguintes questões: i) Você já parou para pensar sobre a importância dos livros didáticos de Geografia? ii) O que você sabe sobre o Programa Nacional de Livros Didáticos - PNLD? iii) Por que mesmo depois de passar por avaliações os livros didáticos ainda reproduzem a perspectiva eurocêntrica? iv) Será que nesse processo de avaliação se abordam questões relativas à estigmatização da África e América? v) Como identificar se estes continentes aparecem de forma estereotipadas nos manuais didáticos? vi) Que racionalidades e conteúdos sobre África e América os livros didáticos reproduzem? Nos próximos tópicos, tentaremos discutir sobre estas e outras questões pertinentes ao tema desta aula. 1 – O PNLD e a importância de analisar livros didáticos Os livros didáticos fazem parte da trajetória escolar da maioria dos estudantes brasileiros. Por isso, acreditamos que ele também fez parte da sua história. Por falar nisso: Que lembranças você traz dos livros didáticos de Geografia? Que lugar ele ocupava nos processos de ensino e aprendizagem? Qual a importância atribuída ao livro pelos seus professores? Possivelmente teremos por aqui uma diversidade de respostas, mas talvez uma das questões colaborem para chegarmos a uma conclusão: o livro didático é um dos instrumentos mais presente no cotidiano da sala de aula, se estabelecendo como o material didático mais utilizados pelos professores. Você já parou para pensar como os livros chegam até a escola? Por que você estudou com tal livro de Geografia e não com outro? Quem escolhe e como escolhem os livros didáticos? Quais são critérios de avaliação adotados e como os livros são comprados pelo Estado? Você sabia que este mercado editorial movimentou nos últimos anos mais de R$ 10 bilhões de reais? Para respondermos a essas perguntas vamos recorrer ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A propósito você já ouviu falar sobre o PNLD? Recentemente, os investimentos realizados neste programa o consolidou como um dos maiores programas de livro didático do mundo, dada sua abrangência em escala nacional, sua importância pedagógica e seu caráter econômico. Nos últimos cinco anos, o governo brasileiro investiu pouco mais de 5 bilhões de reais na compra e distribuição de livros didáticos para escolas públicas no Brasil. nos últimos 10 anos foram 11 bilhões. Em 2017, por exemplo, foram distribuídos 175 milhões de exemplares de ensino fundamental por todo território nacional. Essa expressividade numérica indica a importância dada pelo Estado a esse material didático, e o seu poder de difusão nas instituições de ensino e, por consequência, na utilização pelos professores de Geografia. O livro didático constitui- se ainda hoje, mesmo com a inserção de outros recursos didáticos, como a principal referência teórico-metodológica utilizada em sala de aula. Para perceber esta evidência, sugerimos que recordede suas aulas de estágio. Provavelmente o material didático em comum que todos os estudantes possuíam era o livro didático. Dessa forma, este material pode ser compreendido como um elemento comum aos estudantes brasileiros, gerando uma determinada uniformização curricular. Mas você sabe o caminho que esse livro percorre até chegar às escolas? Pois bem, as obras didáticas que são enviadas para escolas passam basicamente por duas etapas principais: Inicialmente são aprovadas pelo PNLD e posteriormente escolhidas pelos professores em suas unidades ou redes de ensino. Esta última se dá através das normativas e orientações do Guia de Livros Didáticos, cujo material contém as resenhas das coleções aprovadas. Início do boxe multimídia O Guia Digital dos Livros Didáticos Fonte: http://www.fnde.gov.br/pnld-2018/ Nos últimos anos o Guia Nacional dos Livros Didáticos é publicado também em formato digital. Como o próprio nome já chama atenção, ele funciona como um guia que contém todas as coleções aprovadas no PNLD, com os seguintes elementos: visão geral, descrição da obra, análise da obra e, em sala de aula. Através desses elementos é possível conhecer um pouco mais as obras, entender sua estruturação, pontos positivos e negativos, sendo uma ferramenta interessante para a escolha do professor de Geografia, que ao conhecer as obras, pode selecionar a que mais se aproxima da sua leitura didático pedagógica. Também é possível conhecer a ficha avaliativa utilizada na avaliação desses materiais didáticos, e assim, entender alguns dos critérios mobilizados para aprovação ou reprovação das obras. Caso te interesse, o Guia de 2018, com as obras aprovadas do Ensino Médio pode ser acessado nesse endereço eletrônico: http://www.fnde.gov.br/pnld-2018/ Fim do Boxe multimídia O Guia Nacional do Livro Didático, colabora para que os professores selecionam os livros aprovados após o processo de avaliação das coleções didáticas. Se você navegar em um guia verá que ele apresenta sucintamente cada obra a partir das resenhas. As resenhas possuem a seguinte organização: i) Visão geral, esta seção enfatiza a identidade da coleção, isto é, aquilo que ela prioriza, de forma mais http://www.fnde.gov.br/pnld-2018/ http://www.fnde.gov.br/pnld-2018/ marcante. ii) Descrição, apresenta a estrutura da coleção a partir de uma visão panorâmica do sumário de cada volume. iii) Análise da obra, aborda a proposta pedagógica da Coleção e o diálogo estabelecido com os conteúdos, as atividades e a concepção de Geografia. Além disso, aborda as questões relativas à Formação Cidadã e ao projeto gráfico-editorial. iv) Em sala de aula, constam indicações para o professor potencializar em sua sala de aula alguns elementos da coleção que merecem mais sua atenção (BRASIL, 2017). O Guia é, portanto, o resultado final do processo de avaliação das coleções didáticas submetidas ao PNLD. Em razão de sua amplitude e riqueza, O PNLD configura-se, por um lado como um importante instrumento de avaliação das coleções didáticas e, por outro, como um campo fértil para tencionar tanto o processo, quanto o próprio conteúdo dos livros didáticos. Esta compreensão nos permite tecer críticas sobre o referido processo, concentrando nossas análises nos instrumentos normativos e nos temas/conteúdos pertinentes à atual agenda de ensino de Geografia. Notem que nesta aula, continuamos nossos estudos sobre eurocentrismo e colonialidade, mas desta vez, partindo de narrativas e racionalidades reproduzidas pelos livros didáticos de Geografia. Você já parou para pensar como ocorre o processo de avaliação dos livros didáticos? Quem são os avaliadores? Quais são os procedimentos metodológicos? Quais os critérios adotados? Quais os documentos normativos? Inicialmente, cabe dizer que o processo avaliativo é complexo e tem uma duração média de seis meses. De modo geral, ele tem como finalidade analisar o conteúdo dos livros, verificando as ocorrências de erros conceituais e/ou informações incorretas; o respeito a um conjunto de legislações; a coerência teórico-metodológica, além de observar veiculação de estereótipos ou preconceitos. Esta avaliação criteriosa prima pela qualidade das obras didáticas que serão acessadas por estudantes e professores da Educação Básica. Quanto aos critérios, estes são estabelecidos via edital, documento publicado anualmente pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC). No âmbito do PNLD o edital consiste no principal marco normativo da avaliação de obras didáticas. Suas prescrições orientam desde a composição das coleções (conteúdos, forma, projeto gráfico, abordagens, etc.) até a elaboração da ficha e o processo de avaliação por parte dos avaliadores. Dessa forma, o edital configura-se como um artefato jurídico orientador e regulador da presença/ausência de conteúdos/temas nos livros didáticos. Em conformidade com o edital vigente para cada etapa do PNLD, elabora-se uma ficha avaliativa que normatiza o processo de avaliação, ou seja, o trabalho dos avaliadores. Início do boxe explicativo Quem são os avaliadores? A seleção dos avaliadores é feita de forma pública, a partir de inscrições na plataforma do SIMEC. O critério mínimo é que sejam formados na disciplina que irão avaliar; tenham no mínimo mestrado concluído; atuem a mais de três anos no ensino; e estejam vinculados a escolas públicas ou em universidades. Quanto a atuação, observa-se o crescimento de professores da rede pública participando do processo. Após a seleção, dois avaliadores ficam responsáveis por preencher a ficha avaliativa, configurando o que chamamos de “duplos cegos”, ou seja, avaliadores que desconhecem seus pares, o que resulta em um olhar plural (do ponto de vista pedagógico, epistêmico e regional) sobre a coleção analisada, visando garantir a qualidade e consistência do processo avaliativo. Fim do boxe explicativo Voce deve está se perguntando sobre a estrutura desta ficha avaliativa. O que sabemos é que em cada versão do PNLD, tem-se uma ficha específica, considerando a etapa de ensino a que se destinam as coleções. Nesse sentido, a ficha configura- se como um dos principais instrumentos orientadores do processo de avaliação, uma vez que, tal processo é centrado nas questões e nas seções que lhes são constitutivas. No caso do Edital 04/2015 – CGPLI – PNLD 2018, que utilizamos como referência analítica para essa aula, nota-se a disposição dos critérios de avaliação a partir de duas vertentes, a saber: 1) os critérios comuns a todas as áreas, em que estão presentes questões éticas referente à promoção do exercício da cidadania e do convívio social, com base em princípios educativos presentes nas legislações brasileiras; 2) critérios eliminatórios específicos que são destinados a cada área do conhecimento. A partir da referida ficha é possível construir parâmetros comuns que, embora induzam a uma certa padronização, direcionando o olhar sobre as coleções, não eliminam a subjetividade do processo avaliativo, em virtude das particularidades analisadas por cada avaliador. De modo sintético, a ficha é composta pela seguinte estrutura, conforme consta no Guia de Livros Didáticos (2017): I) DESCRIÇÃO GLOBAL DA OBRA (Apresentação sumária dos livros que constituem a obra didática). II) FORMAÇÃO CIDADà (Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino fundamental e Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano). III) PROPOSTA PEDAGÓGICA, CONTEÚDOS, ATIVIDADES E ILUSTRAÇÕES (Coerência e adequação da abordagem teórico- metodológica assumida pela obra, no que diz respeito à proposta didático- pedagógica explicitada e aos objetivos visados; e Correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos). IV) MANUAL DO PROFESSOR (Observância das característicase finalidades específicas do Manual do Professor e adequação da obra à linha pedagógica nela apresentada); V) ASPECTOS DO PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL DA OBRA (Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático- pedagógicos da obra). (BRASIL, 2017, p. 102-121). Na ficha avaliativa, esses tópicos, com exceção da descrição global da obra, são constituídos por perguntas utilizadas como parâmetros para: i) aprovação/reprovação da coleção; ii) indicações de erros, incoerências, atendimento a proposta teórico-metodológica, potencialidades e qualidades; iii) construção das resenhas para a composição do Guia do Livro Didático, instrumento de formação e principalmente de escolha das coleções didáticas, por parte dos professores. De modo, particular para essa aula, elegemos como ancoragem argumentativa as questões a serem analisadas nas obras didáticas a partir dos critérios comuns a todas as áreas. Isso se deu em função da concentração do debate relacionado à formação cidadã, onde estão alocadas, de certo modo, as discussões sobre eurocentrismo e colonialismo. Nessa direção, há duas questões importantes que envolve 1) a dinâmica regional e estereótipos - onde podemos associar o debate sobre América e África e 2) a dimensão étnico-racial, onde aspectos vinculados a lei 11.645 podem ser relacionados à América Latina. 1. A obra está isenta de veicular estereótipos e preconceitos de: condição socioeconômica, regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade, de linguagem, religioso, condição de deficiência, assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos humanos?” (BRASIL, 2017, p. 103). 2 -Promove positivamente a cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros dando visibilidade aos seus valores, tradições, organizações e saberes sociais e científicos, além de considerar seus direitos e sua participação em diferentes processos históricos que marcam a formação e a construção do espaço geográfico brasileiro? (BRASIL, 2017, p. 103). Observe que a primeira pergunta, embora ampla, promove uma reflexão sobre a produção de estereótipos e preconceitos variados, incluindo o regional. Ela tem a função de orientar o avaliador para perceber se existem estereótipos nos livros didáticos, indicando tais estereótipos como problema da coleção. A título de recomendação, todo avaliador deve justificar e exemplificar a sua resposta. Dessa forma, para dizer que não existe estereótipo, ele deve sinalizar como a obra promove uma leitura plural dos espaços, e para indicar que há estereótipos na obra deve comprovar as estigmatização da coleção. Quanto à segunda pergunta, ela têm relação direta com a lei 10.639 e 11.645, já apresentadas em aulas anteriores. Esta questão tem como finalidade regular a presença e discussão de povos negros e indígenas na formação do território brasileiro, além de, indiretamente, reclamar a presença desses temas nos conteúdos sobre América e África. Na terceira parte desta aula, faremos um exercício para ampliarmos esta compreensão metodológica do processo, especificamente a partir de exemplos associados à América e África. De certo modo, procuramos ao apresentar estas questões, destacar que mesmo de forma indireta, os avaliadores são instigados a observar esses debates nas coleções didáticas, indicando formas de inserções. Ainda assim, nos perguntamos: Será que os avaliadores assim o fazem? Quais são suas leituras sobre a América e a África? Que racionalidades possuem a respeito destes continentes? Não temos como responder estas indagações, certo? Elas são subjetivas e particulares, mas podemos dizer que, a função dos avaliadores têm papel relevante para naturalizar a narrativa eurocêntrica ou para escancarar as marcas da colonialidade expressas nestes manuais didáticos contemporâneos. Início do Boxe explicativo Lei 11.645/08 A lei 11.645/08, altera lei 10.639/03, e acresce a obrigatoriedade do ensino sobre comunidades indígenas: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm#art26a. brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (BRASIL, 2008) Fim do boxe explicativo Atividade 1 - Atende ao objetivo 1 e 2 Explique a finalidade e relevância do PNLD. Em seguida apresente argumentos sobre a importância do livro didático nos processos de ensinar e aprender Geografia. Resposta comentada O PNLD é um dos principais programas de distribuição de materiais didáticos do Brasil, e é considerado o maior do mundo desse tipo. Ele envolve todo processo de avaliação e distribuição dos livros didáticos pelo território. As etapas da avaliação iniciam-se com os editais, que regulam a estrutura e o conteúdo das obras. Com a avaliação feito por profissionais das respectivas disciplinas, buscam-se evitar erros teóricos e conceituais, além de estigmatizações e preconceitos presentes na obra. Após a aprovação, o programa lança o Guia Nacional do Livro Didático, e se encarrega da logística de distribuição dos livros comprados pelo Estado, para todo o Brasil. Dessa forma, é através do programa que erros conceituais são evitados e que as obras são distribuídas para as escolas. 2 - Eurocentrismo e colonialidade: perspectivas no âmbito do PNLD Imagem 01: Colonialismo Fonte:http://geografiasuperior.blogspot.com Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido o português (“Erro de português”, Oswald de Andrade, 1991, p. 95). Antes mesmo de discutirmos aspectos relacionados ao eurocentrismo e a colonialidade nos livros didáticos de Geografia, bem como suas formas de inserções no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático, gostaríamos de propor uma reflexão sobre o colonialismo. Afinal de contas, tal como aprendemos ao longo do curso, este padrão de poder precede o debate sobre a colonialidade. Portanto, partindo desta concepção inicial, te convidamos a prestar atenção na imagem e no poema de Oswald de Andrade e através destes dispositivos metafóricos construir representações sobre as diversas imposições que marcam a colonização no Brasil. Como discutimos em aulas anteriores, em razão da exploração das Américas, pelos espanhóis e portugueses, a partir do século XVI, a Europa se tornou o centro do mundo. Através deste evento, um novo modelo econômico e uma nova hegemonia cultural se instalou no chamado “novo mundo”. Desse modo, a emergência de valores coloniais colocou ideologicamente a Europa nesta possível hierárquica. Tal supremacia transformou o não-europeu em sinônimo de atraso a ser superado, enquanto a Europa se projetava como ideal de progresso, consolidando assim, o Eurocentrismo. A concepção eurocêntrica de mundo, historicamente reproduzida em materiais didáticos, é uma lógica advinda do colonialismo. Neste projeto de dominação uma http://geografiasuperior.blogspot.com/ cultura ou um paísera considerado atrasado ou evoluído pela distância dos ideais europeus: brancos, patriarcais, capitalistas e colonizadores. Esta hegemonia racial que estruturou o colonialismo, pretendeu apagar as identidades culturais e modos de ser, conhecer e produzir dos povos tradicionais, aqui nos reportamos especificamente aos índios e aos negros. Box explicativo Vamos relembrar a relação entre Colonialismo e Colonialidade? Colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo reside no poder de outro povo ou nação e que constitui tal nação num império. Diferente desta ideia a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, porém, ao invés de estar limitado a uma relação formal de poder entre os povos ou nações, refere-se à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Assim, ainda que o colonialismo tenha precedido à colonialidade esta sobrevive após o fim do colonialismo. A colonialidade se mantém viva nos manuais de aprendizagem, nos critérios para os trabalhos acadêmicos, na cultura, no senso comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos, e em tantos outros aspectos de nossa experiência moderna. Enfim, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente (MALDONADO-TORRES, 2007 p. 131) (grifos nossos). Box explicativo Após essa breve retomada, podemos recorrer ao exercício proposto a partir das perguntas apresentadas no tópico anterior. Para isso fizemos um breve levantamento nas resenhas das obras aprovadas no Guia do PNLD 2018, explorando tanto a dimensão étnico-racial, presente nas discussões das aulas sobre África e América, como a questão dos estigmas. No que diz respeito à questão étnico-racial, observamos que este é um conteúdo que aparece de forma frequente como inserção pontual nos livros didáticos de Geografia do Ensino Médio, com presença específica no livro do 2º ano, em que o tema sobre população brasileira é abordado. Pode-se inferir que esta abordagem fragmentada e isolada não possibilita que os estudantes e professores construam referências sobre o debate étnico-racial, tão pouco percebam as formas de racismo em diferentes espaços e processos da sociedade. Algumas coleções didáticas, quando se dedicam a abordar o racismo não aprofundam suas origens, formas de manutenção e mecanismos de combate. Raras são as que discutem sobre democracia racial, branqueamento ou questão quilombola, sem reduzi-las a definições simplistas. Nota-se, ainda, um silêncio ensurdecedor sobre a multiplicidade de práticas de resistência e suas formas passadas e modernas, induzindo o apagamento, por exemplo, das lutas/ações do movimento negro e de outros coletivos sociais em favor desta causa. No que tange às narrativas espaciais, campo de epistêmico da Geografia, notamos que, na maioria das coleções didáticas analisadas, o debate sobre Oriente Médio, África e América do Sul e Central aparecem de modo tangencial, imperando uma abordagem eurocêntrica. Desse modo, nas abordagens sobre África, mesmo quando se propõem a uma desmistificação, concentram-se em problemas e estigmas do continente, transmitindo tanto uma imagem única de miséria, fome e guerras civis, realçando os aspectos físicos e riquezas naturais. O debate sobre descolonização e pan-africanismo fundamentais para compreensão dos dilemas e disputas atuais não são contemplados. Sobre o Oriente Médio, imperativamente este é visto ora sob a ótica da guerra, ora pelo viés dos estigmas religiosos, onde a referência ao Islã é frequentemente acompanhada à menção a grupos terroristas. No que se refere à abordagem espacial da América Central, nota-se um conteúdo reduzido, confuso que pouco contribui para construção de conhecimentos. Nesta mesma situação aparece a América do Sul que, mesmo sendo a realidade geográfica vivenciada pelos estudantes brasileiros, é apresentada de forma incipiente, por vezes, inviabilizando seus modos de ser e de saber. Observa-se um distanciamento/apagamento das discussões sobre descolonização, migrações, formas de controle e poder, geopolítica mundial e suas estruturas dominantes, frente às problemáticas evidenciadas nos países europeus e estadunidenses. Chegamos a conclusão, portanto, que um horizonte eurocêntrico desponta-se nas coleções didáticas indicando que ainda que a temática da diversidade étnico- racial seja inserida através de textos escritos e imagéticos, ela aparece, muitas vezes, para atender ao edital, deixando escapar a predominância de uma abordagem eurocêntrica. O trecho abaixo, retirado de uma das resenhas publicadas no guia confirmam esta percepção : Na abordagem da Geografia Regional, os conteúdos partem de uma narrativa eurocêntrica e estadunidense, dando pouca atenção aos espaços localizados no Hemisfério Sul. Os estudos sobre a América do Sul aparecem apenas ao final da coleção e de modo sintético. No que diz respeito ao Continente Africano, o debate se organiza, em sua maioria, a partir de características negativas desse recorte espacial. [...]. No que diz respeito às questões pertinentes à diversidade étnica, elas estão presentes de forma pontual, com menções sobre as populações brasileiras indígenas e negras concentradas em um dos livros. Suas contribuições no âmbito social, econômico e político e seu papel na formação do território são pouco abordados (BRASIL, 2017, p. 64). Este fragmento analítico, em certa medida, reitera o argumento defendido nessa aula, de que mesmo com consideráveis mudanças no tratamento da questão étnico-racial e regional nos livros didáticos de Geografia, a abordagem dessa temática ainda é marcada por uma narrativa eurocêntrica, inviabilizando a África e o sul geográfico no tratamento dos conteúdos escolares. Esta hegemonia epistêmica que se mantém nos discursos geográficos e que se materializa na expansão da imagem distorcida de um “espelho eurocêntrico” (QUIJANO, 2005), aponta que ainda há um longo caminho a percorrer para a desconstrução tardia da colonialidade e dos diversos padrões de poder engendrados historicamente nessas narrativas de mundo. Início de Box multimídia Colonialidade/Descolonialidade Os endereços eletrônicos referem-se a uma palestra proferida pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano. Em sua narrativa o autor aborda de maneira profunda noções discutidas nesta aula, especificamente as noções de colonialidade e descolonialidade. https://www.youtube.com/watch?v=slD-iPiGgmY https://www.youtube.com/watch?v=4NB2B-igk-w https://www.youtube.com/watch?v=7sQGnmxWPuA https://www.youtube.com/watch?v=JFCrXpF8K8o https://www.youtube.com/watch?v=eCqtMRXk8W8 Fim de Box multimídia https://www.youtube.com/watch?v=slD-iPiGgmY https://www.youtube.com/watch?v=4NB2B-igk-w https://www.youtube.com/watch?v=7sQGnmxWPuA https://www.youtube.com/watch?v=JFCrXpF8K8o https://www.youtube.com/watch?v=eCqtMRXk8W8 3 - Narrativa eurocêntrica nos livros didáticos de Geografia: alguns exemplos Até aqui, apresentamos aspectos relevantes sobre o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), observando como a questão étnico-racial e as representações sobre América e África são vistas - ou não - através da ótica das avaliações promovidas. A partir de agora te convidamos a caminhar conosco noutra direção. Assim sendo, buscamos evidenciar debates coletivos sobre as formas de avaliação e observação desses conteúdos nos livros didáticos. Para isso, vamos nos deter nas representações e temas relacionados à América e a África. Inicialmente apresentamos alguns trabalhos desenvolvidos na área de Geografia que discutem esse tema e, posteriormente, sugerimos uma atividade coletiva. Dessa forma, após apresentarmos dados referentes aos trabalhos de pesquisa, cujas análises revelam narrativassobre África e América, propomos um estudo de caso, que tem como finalidade discutir sobre as representações da África em livros didáticos de Geografia. 3.1 África e América nos livros didáticos de Geografia Para compor este tópico, realizamos uma pesquisa breve para identificar trabalhos cuja temática abordasse as representações espaciais em livros didáticos. Em levantamento inicial, localizamos diversos trabalhos sobre a África. Um deles chama atenção pela profundidade e temporalidade, por isso, o citamos nesta aula. Trata-se do trabalho de Ferracini (2012) intitulado: “A África e suas representações no(s) livro(s) escolar(es) de Geografia no Brasil - 1890-2003”. Nesta pesquisa, o autor trata sobre representações sobre a África nos livros didáticos de Geografia a partir de um determinado recorte temporal. A temporalidade escolhida por ele é interessante, porque trata-se de um período que antecede a lei 10.639/03. Assim sendo, apresenta uma leitura de África até aquele momento, e ao mesmo tempo ela atravessa todo século XX, permitindo observar as mudanças e permanências, bem como o modo como o eurocentrismo influenciou/influencia os conteúdos abordados. Neste trabalho notamos que autor explora o contexto temporal e epistêmico, revelando que conforme mudava o cenário geopolítico sobre África os conteúdos também eram reconstruídos. Tal movimento indicou que havia relação entre o contexto africano e o que era discutido nesses materiais didáticos. Ferracini (2012), selecionou cinco períodos diferentes para categorizar essas mudanças. Sua leitura é, particularmente interessante pois demonstra que a narrativa sobre a África foi influenciada pela Geografia francesa, que historicamente vislumbrou este espaço enquanto um objeto colonial. Ele chama atenção para um elemento que já havíamos discutidos em aulas anteriores, que saber qual? Pois bem, neste trabalho o autor revela que a África nunca esteve ausente dos conteúdos escolares da Geografia, mesmo antes da lei 10.639/02. Mas que tipo de inserção era esta? Sim, haviam conteúdos sobre a África, mas esta discussão era hegemonicamente permeada por visões eurocêntricas. Tal narrativa apresentava a África como atrasada, homogênea, constituída unicamente por fome, pobreza, conflitos e guerras. É bom lembramos que a existência da legislação não garante que mudanças ocorram no âmbito dos conteúdos. Para tanto, Torna-se necessário inserir novos temas, revisando, também, o que já estava posto nos manuais didáticos. Outra análise interessante feito pelo autor, corresponde ao período de 1964 a 1985. Neste período, mesmo com as mudanças ocorridas em meados dos anos 1980, a África carregava as mazelas do fardo colonialista europeu, de modo que, descolonização e independência eram noções vistas isoladamente. A manutenção desta narrativa vinculava à África a uma ideia de pobreza, cultural e política. No último período estudado por Ferracini (2012), o trabalho revela que mesmo em obras publicadas nos anos 1990 e início dos anos 2000, nota-se permanência de estigmas, já que não há diversidade analítica sobre África, a medida que a maior parte dos conteúdos continuaram associados ao debate ora colonialista ora de guerras e conflitos. Em sua conclusão, o autor aponta que é preciso historicizar e espacializar os acontecimentos, fomentando debates sobre mudanças nas políticas e populações que não estejam unicamente associadas a critérios de “natureza exuberante” ou “conflitos e guerras”, mas que representam a polissemia e diversidade presente no continente Africano. Já em relação a América, indicamos o trabalho de DIAS (2009), cujo título é “A ideia de América Latina nos livros didáticos de Geografia.” Neste trabalho, o autor fez uma avaliação de três coleções diferentes, priorizando os volumes do 8º ano, que normalmente discutem o espaço latino-americano. O autor detém-se às coleções mais vendidas e aprovadas no PNLD 2011. Para isso, traça um longo debate sobre América Latina, discutindo as diferentes leituras possíveis sobre o continente. Quando analisamos as três coleções notamos diversos questionamentos, estigmas e problemas nos conteúdos que são ensinados sobre a América Latina. Vamos resumir alguns deles nos pontos a seguir: ● Relativa homogeneização sobre a temática, com o objetivo de justificar a regionalização e utilização do termo América Latina; ● Ausência de debates sobre o nome América Latina, naturalizando-o aos países de origem Latina. Dessa forma, tem-se a simples aceitação do nome pela divisão entre línguas, sem um debate mais complexo sobre os aspectos geopolíticos relacionados a sua definição; ● Falta de critérios para justificar a regionalização Norte e Sul entre os países, que normalmente são adotadas para falar em América do Sul e América do Norte; ● Ausência na explicação da diversidade que constitui o continente, em termos físico- geográficos, políticos, econômicos, culturais e de identidades, agrupando-os de maneira equivocada e uniformizante; ● Análise simplificada e pontual sobre características de alguns países, de modo que a dinâmica sul-americana aparece de maneira invisibilizada ou deixada de lado. ● Pouca atenção a países como: Peru, Bolívia e Colômbia, no que diz respeito a “América do Sul”, e aos países da “América Central”. ● Uniformização dos problemas dos países, reduzindo os diferentes problemas e promovendo uma abordagem homogênea do continente no livro didático; ● Foco na dimensão das mazelas sociais e do atraso tecnológico, apresentando graus de evolução: países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos; ● Ausência de uma visão crítica das relações econômicas e influências estabelecidas entre grupos como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial; ● Simplificação da divisão internacional do trabalho, com ênfase na relação entre exportação de matéria prima e importação de produto industrial como origem do atraso (e não como resultado); ● Ausência de um debate da América antes da colonização européia e ainda, pouca abordagem sobre as consequências dessa colonização em termos territoriais; ● Descontinuidade dos debates, ausência de articulações entre os conteúdos quando há capítulos para abordar os temas; ● Classificação do EUA como único país desenvolvido, junto ao Canadá, justificando de forma incoerente uma divisão entre América Anglo-saxônica e América Latina; ● Excesso descritivo dos componentes físicos do continente; ● Ausência de relações estabelecidas entre Brasil e o restante da América; ● Estigmatização e/ou invisibilização dos povos indígenas; Observe que o autor apresenta pertinentes questões, algumas delas discutidas por nós em aulas anteriores. Em sua opinião, os aspectos sinalizados se aproximam ou se distanciam da sua leitura sobre América? Quais os problemas você percebe nos livros didáticos? Houve alguma evolução quanto a este debate nos manuais de ensino? Se você analisar as questões sinalizadas pelo autor, é possível relacioná-las a permanência de uma visão eurocêntrica sobre o continente. Ele aponta a urgência em reformular o conteúdo sobre América Latina ao identificar uma abordagem descontextualizada e simplória em diferentes coleções. Por isso, apresenta a importância dos livros discutirem temas que questionem a realidade latino-americana, e que não fiquem restritos a mera descrição de elementos físicos e populacionais, ou insistam em uma discussão centrada unicamente no atraso, nas mazelas e problemas sociais. Embora o autor não indique qualquer debate sobre eurocentrismo, fica evidente a influência do mesmo nas coleções. Assim sendo, a medida que as coleções analisadas reforçam um debate desenvolvimentista, também associam a América a uma visão semelhante a do colonizador: pobre, homogênea, dependente e que não conseguiu romper com os laços coloniais. Após essas duas leituras sobre África e América,caminhamos para nosso exercício coletivo. 3.2 África e livros didáticos: uma proposta de atividade coletiva O trabalho de Azevedo (2019), intitulado: “África nos livros didáticos de Geografia do 3º ano: uma análise a partir da Lei 10.639/03” orienta as discussões deste tópico. A escolha por este trabalho justifica-se por duas razões: i) por ser atual e abordar obras aprovadas no PNLD/2018; ii) por ter sido produzido por uma estudante do curso de Geografia do Cederj. Nesta pesquisa, discute-se a representação do continente africano a partir de duas obras publicadas respectivamente em 2015 e 2014. Neste momento te convidamos a conhecer este trabalho e simultaneamente realizar um exercício coletivo, buscando entender se existem ou não características eurocêntricas em manuais didáticos. Para esta tarefa você vai precisar ter em mãos um livro didático do Ensino Fundamental ou Médio que aborde conteúdos relativos à África ou América. Quem sabe não possamos caminhar juntos na avaliação, e observar se encontraremos o mesmo resultado da pesquisa indicada? Em seu exercício de pesquisa Azevedo (2019), buscou identificar estigmas sobre a África, adotando os seguintes procedimentos: i) Observar se há menção a temática africana nas resenhas publicadas no guia nacional dos livros didáticos; ii) Identificar se o continente está sendo abordado de forma singular ou de forma indireta, mapeando as páginas são dedicadas a cada continente. iii) Anotar e classificar os títulos dos capítulos, subcapítulos sobre a África para identificar quais os temas a coleção pretende abordar; iv) Identificar quais países africanos são citados; v) Observar os temas e títulos dos gráficos, mapas e tabelas, classificando- os por tema; vi) Identificar quais são os espaços representados nas imagens sobre o continente africano, levando em consideração a situação dos sujeitos que estão presentes nas imagens (AZEVEDO, 2019). Munidos dessas orientações metodológicas, vamos apresentar os resultados de um dos volumes analisados pela autora. Pedimos que você compare tais resultados com os encontrados na análise de seu livro. Entre as duas coleções analisadas por Azedo (2019), optamos por apresentar dados da coleção “Geografia ação e transformação” por esta coleção dedicar um capítulo específico à África. A autora identifica, a partir da resenha expressa no Guia dos Livros didáticos, que existe na coleção uma pluralidade social e cultural nas diversas nações, embora poucos grupos étnicos sejam representados quando se aborda o Brasil. Isso pode ser exemplificado a partir do seguinte trecho: “Elas contemplam a pluralidade social e cultural do país e de outras nações, porém são poucas as que mostram os grupos étnicos que formam a sociedade brasileira (BRASIL 2017; p. 58)”. Segundo a autora obra destina 30 páginas para o debate sobre o continente africano. O referido continente é trabalhado de forma isolado, indicando pouca relação com os outros ao longo da coleção. Observe no seu livro quantas páginas ele dedica para discutir sobre a África? Na obra analisada por Azevedo (2019), os conteúdos referente a África, são apresentados de modo homogêneo, com poucas especificidades. Quando há exceções, estas são constituídas por debates referentes a conflitos, como por exemplos: o “Nigéria e a ação do Boko Haram” (p.194), “Sudão e os conflitos” (p.195) e por fim: “O conflito da República Democrática do Congo” (p. 199). Nas três situações a ênfase recai sobre os conflitos e a instabilidade política que atravessam alguns países africanos. No livro que você está analisando é possível perceber se os conflitos também aparecem no centro das discussões sobre África? Outro exercício interessante é observar o sumário da coleção, seus capítulos e subcapítulos sobre a África. Em sua análise observe se ela reproduz ou não uma visão eurocêntrica. Coleção: Geografia Ação e Transformação Capítulo 7 – A África no contexto da geopolítica mundial 1- África 2- As grandes divisões do continente africano 2.1 – A população africana: aspectos gerais Saiba mais – Com África, população mundial vai superar 10 bi neste século 3- Da Conferência de Berlim aos dias atuais 3.1- A situação política da África no período da Guerra Fria 4- África: anos 2000 5- Novos/velhos conflitos no continente 5.1 – A Nigéria e a ação do Boko Haram Saiba mais – União Africana 6- O Sudão e os conflitos no continente 6.1 – Sudão do Sul: da independência à guerra civil 7- O conflito na República Democrática do Congo 7.1 – Os problemas no Chifre da África Saiba mais – Os porquês da fome na África 7.2- A crise no Mali 8- África entre o interesse e o esquecimento Fonte: Azevedo (2019, p . 58). Quanto aos textos que destacam uma conotação negativa, Azevedo (2019) discute os processos de estigmatização que propriamente iniciam o capítulo 7 que aborda a África. Neste há um enfoque para o debate sobre riqueza e pobreza, em contraposição a um mapa temático que demonstra as riquezas aos recursos minerais presentes. Em seguida, a autora destaca textos complementares, sobre fome e subdesenvolvimento, comuns as abordagens sobre o continente. Na coleção há discussões sobre fronteiras e a divisão das fronteiras, a partir da conferência de Berlim, dando ênfase a dimensão colonial e neocolonial da África. Ao priorizar uma leitura histórica, o debate sobre Guerra Fria e o papel da África, se limita a indicar a influência dos EUA e da URSS, tema já discutida em nossa aula 6, que silencia o debate pan-africanista e os processos de independência (presentes apenas nas atividades). Por fim, consta uma abordagem sobre “Novos/velhos conflitos no continente.”, a discussão gira em torno das guerras e conflitos internos, que caracterizam boa parte do que se entende por África atualmente. Esses textos revelam a narrativa que se apresenta sobre a África, indicando uma relação entre uma abordagem colonial, influência externa, e processos de guerra e conflito. Como vocês podem perceber, há uma repetição das representações aludidas por nós em outras aulas, e pouca mudança, se comparada ao trabalho de Ferracini (2012). Agora, observe em seu livro quais são os temas dos mapas, gráficos e tabelas encontrados? Abaixo reproduzimos os dados de Azevedo (2019), apresentando aspectos de ambas as coleções pesquisadas. , Fonte: Azevedo (2019, p 60) Como podemos observar a partir dos gráficos , o debate sobre divisões coloniais permanece. Há dados relacionados à violência, pobreza e em algumas situações dados econômicos, que visam explicitar a pouca riqueza do continente. Entre os títulos de mapas e gráficos encontram-se: “pobreza na África”; “regiões com potencial elevado de epidemia”; “África: pessoas vivendo com menos de 2 dólares por dia”; “HIV e Aids em %”;”África mortes infantis por malária”; “Nigéria: concentração da violência”; “Chifre da África: crise humanitária”, para ficarmos com alguns exemplos. Agora, pense: por esses nomes qual narrativa sobre África esses mapas e gráficos estão apresentando ? Qual o enfoque está sendo dado a eles? Por fim, cabe destacar que esse é um capítulo com poucas imagens, há apenas duas, e estão relacionadas a atividades ou a textos complementares. Uma tem relação com a indicação do Filme “Diamante de Sangue”, que tem como pano de fundo uma guerra civil e o tráfico ilegal de diamante. A outra é uma foto da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, que é acompanhada da sugestão da palestra chamada “O perigo de uma história única”. Início de Boxe explicativo Chimamanda Adichie Chimamanda Ngozi Adichie nascida em 1877 é uma feminista e escritora nigeriana. Ela é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas de sucesso, atraindo uma nova geração de leitores de literaturaafricana. Chimamanda nasceu na Nigéria, no estado de Anambra, mas cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste da Nigéria, onde se situa a Universidade da Nigéria. Seu pai, James Nwoye Adichie, era professor de Estatística na universidade. E sua mãe, Grace Ifeoma, foi a primeira mulher a trabalhar como administradora no mesmo local. Chimamanda estudou medicina e farmácia por um ano e meio na Universidade da Nigéria. Durante este período, ela atuou como editora na revista, The Compass, dirigida pelos alunos de medicina da universidade católica. Ao completar dezenove anos, deixou a Nigéria e se mudou para os Estados Unidos da América para estudar comunicação e ciências políticas, na Universidade Drexel, na Filadélfia. Porém, Chimamanda logo se transferiu para a Universidade de Connecticut para ficar perto de sua irmã. Em 2003, completou seu mestrado em escrita criativa na Universidade Johns Hopkins de Baltimore, e em 2008, recebeu o certificado como mestre de artes em estudos africanos pela Universidade Yale. Seu primeiro romance, Purple Hibiscus (Hibisco roxo), foi publicado em 2003. O segundo, Half of a Yellow Sun (Meio sol amarelo), assim chamado em homenagem à bandeira da Biafra, retrata o que antecede e o que ocorre durante a guerra de Biafra. Foi publicado pela editora Knopf/Anchor em 2006, e ganhou o Orange Prize na categoria de ficção em 2007. Fonte:texto extraído de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Chimamanda_Ngozi_Adichie https://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo https://pt.wikipedia.org/wiki/Escritor https://pt.wikipedia.org/wiki/Nigerianos https://pt.wikipedia.org/wiki/Estat%C3%ADstica https://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos_da_Am%C3%A9rica https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Drexel https://pt.wikipedia.org/wiki/Filad%C3%A9lfia https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_Connecticut https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Johns_Hopkins https://pt.wikipedia.org/wiki/Baltimore https://pt.wikipedia.org/wiki/Romance https://pt.wikipedia.org/wiki/2003 https://pt.wikipedia.org/wiki/Biafra https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Biafra https://pt.wikipedia.org/wiki/2006 https://pt.wikipedia.org/wiki/2007 https://pt.wikipedia.org/wiki/Chimamanda_Ngozi_Adichie Fim do boxe explicativo Com base na análise, a autora constata que o volume permanece abordando a África a partir de assuntos específicos que envolvem riquezas minerais, problemas econômicos e sociais, além da centralidade nos conflitos. Alguns temas que poderiam apresentar uma outra África como pan-africanismo, organização da unidade africana e o debate sobre uma narrativa única, estão presentes apenas nas atividades, o que atenua, mas não muda a narrativa eurocêntrica sobre a África. Dessa forma, a autora conclui que a África ainda é apresentada nos manuais didáticos de forma estigmatizada, centrando-se em seus conflitos e problemas. Ou seja, África é reproduzida por uma visão ocidental de mundo. Com base na análise de sua obra, qual sua conclusão? Ela se difere ou se aproxima da conclusão encontrada por Azevedo (2019)? Recomendamos que você participe do fórum para compararmos os resultados da turma. 4 - Conclusão Ao longo desta aula discutimos aspectos relacionados às representações eurocêntricas nos livros didáticos de Geografia, especificamente no tange às narrativas da América e da África. Você deve ter notado que, nossas discussões anteriores foram importantes para refletir sobre os conteúdos presentes nos livros didáticos, utilizados cotidianamente nas escolas. Por fim, identificamos a partir do nosso estudo de caso que esses continentes são apresentados em uma posição subalterna, ainda ligados a dinâmicas coloniais, além de conterem informações genéricas. Nesse sentido, podemos destacar duas considerações: mesmo com uma política densa de avaliação dos livros didáticos, uma abordagem eurocêntrica ainda impera nesses materiais; e, cada vez mais tornam-se necessários estudos que pesquisem as representações desses continentes em livros didáticos de Geografia. Atividade Final - Atende ao objetivo 3 Reproduza o exercício feito no último tópico dessa aula, e identifique quais aspectos são destacados na leitura de África e América no livro separado por vocês. Leve em consideração os seguintes elementos: i) título dos capítulos e subcapitulos que abordam o tema; ii) título dos gráficos e mapas; iii) ilustrações; iv) conteúdos. Diagramação deixar 10 linhas. Resposta comentada. A resposta irá variar conforme o livro selecionado pelo estudante. Mas é importante que ele identifique que visões de mundo são difundidas pelos livros didáticos, para que, ao estar na posição de professor, evite ou problematize esses temas, em uma direção de desconstrução desses conteúdos. Resumo Nesta aula, tivemos como objetivo entender as narrativas sobre África e América, visibilizando aspectos eurocêntricos constituintes das representações difundidas historicamente pelos livros didáticos de Geografia. Para este empreendimento, percorremos três direções em busca de reunir ferramentas de análise desses materiais didáticos. Na primeira parte da aula centramos o debate na importância do livro didático e a política do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), identificando elementos que balizam o processo de avaliação, e explicando as diferentes etapas desse processo. No segundo tópico exploramos informações relevantes sobre como o PNLD atende as questões que indiretamente debatem a colonialidade. Observamos como no Guia Nacional do livro Didático de 2018 foram feitas menções a coleções que reproduzem aspectos eurocêntricos nesses livros. Por fim, apresentamos três trabalhos que discutem representações de África e América em livros didáticos de Geografia e solicitamos que estudantes tirem suas próprias conclusões. Bibliografia Azevedo, Roberta Pereira Fernandes de. África nos livros didáticos de geografia do 3º ano: uma análise a partir da Lei 10.639/03. Monografia defendida no curso de Geografia do Cederj, 2019. BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2018: geografia – guia de livros didáticos – Ensino Médio/ Ministério da Educação – Secretária de Educação Básica – SEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica, 2017. 123 p. BRASIL. Lei nº 11.654 de 15 de abril de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11654.htm ANDRADE, Oswald de. O santeiro do mangue e outros poemas. São Paulo: Globo: Secretaria de Estado da Cultura, 1991. Dias, Wagner da Silva. A ideia de América Latina nos livros didáticos de Geografia. DIssertação defendidas no programa de pós graduação de geografia da Universidade de São Paulo, 2009.Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-11122009-154104/pt-br.php FERACCINI. Rosemberg Aparecido Lopes Ferracini. A África e suas representações no(s) livros(s) escolar(es) de Geografia no Brasil - 1890-2003. 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