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DESCRIÇÃO
Apresentação do conceito de estruturalismo proposto por Ferdinand de Saussure e de suas principais ideias para o campo da Linguística.
PROPÓSITO
Conhecer as principais ideias defendidas por Ferdinand de Saussure no início da Linguística como ciência, permitindo ao estudante progredir nos estudos da linguagem.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Descrever conceitos gerais do estruturalismo linguístico e suas características
MÓDULO 2
Definir as dicotomias saussureanas
MÓDULO 3
Identificar características do signo linguístico
INTRODUÇÃO
A Linguística é uma ciência relativamente nova em comparação a outras ciências humanas. Os estudos linguísticos passaram a ter status de ciência no início do século XX com Ferdinand de Saussure (1857-1913) e os fundamentos teóricos por ele apresentados em seu Curso de Linguística Geral, ministrado em Genebra.
Com o início da Linguística como ciência e disciplina autônoma, surgiram elaborações teóricas que permitiram caracterizar a língua como uma estrutura. Os estudos de Saussure deram base a uma corrente teórica denominada estruturalismo, embora o linguista suíço usasse o termo sistema em vez de estrutura para definir a língua como um todo em que as partes estão relacionadas para sua organização num sistema coerente, conforme você aprenderá mais adiante.
Saussure apresentava as partes do sistema como um conjunto de unidades em que acontecem correlações e oposições. Um exemplo das relações entres as partes do sistema da língua seriam as combinações de formas mínimas que resultam em unidades linguísticas superiores, como ocorre com as sílabas formando uma palavra ou, ainda, no exemplo da composição da palavra aguardente, em que ardente determina o termo água, resultando em uma palavra composta.
Fonte: Shutterstock
No Brasil, o estruturalismo impactou fortemente os estudos linguísticos, a começar pelo reconhecimento da Linguística como ciência autônoma nos anos 1960. Naquela época, muitos pesquisadores experientes foram atraídos por essa área de conhecimento, entre eles Joaquim Mattoso Câmara Júnior, o primeiro doutor em Linguística do país. Tais estudiosos usavam a Linguística como uma disciplina auxiliar para os estudos literários.
O estruturalismo venceu a resistência de outras escolas de análise, mas foi superado por novas tendências nos estudos linguísticos, ainda que tenha continuado a se desenvolver e seja muito importante para a compreensão da constituição da Linguística.
FERDINAND DE SAUSSURE
Nasceu em Genebra, Suíça. Na Alemanha, estudou química, física, grego, latim, sânscrito, celta e indiano. Com apenas 24 anos, começou a ensinar linguística histórica em uma universidade francesa. Seus cursos ficaram famosos e, em 1891, voltou para Genebra, onde ministrou aulas até o ano de seu falecimento.
MÓDULO 1
Descrever conceitos gerais do estruturalismo linguístico e suas características
CONCEITO DE ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO
Não se pode falar de um estruturalismo apenas, já que o termo é utilizado em diversas áreas das ciências humanas, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e a Linguística. O surgimento do estruturalismo foi um dos acontecimentos de maior destaque para o pensamento científico do século XX. Sem ele é impossível entender inúmeros progressos das ciências humanas a partir de pesquisas ligadas à linguagem.
Fonte: Shutterstock
Fonte: Imagem de ImprovingWiki/Wikimedia Commons adaptada por Thiago Lopes.
Capa original do livro Curso de Linguística Geral, 1916.
O estruturalismo linguístico se consolidou com a publicação do livro Curso de Linguística Geral, considerado uma obra póstuma de Saussure em função de ter sido escrito por alguns de seus alunos da Universidade de Genebra, utilizando anotações de aulas entre os anos de 1907 e 1911.
Segundo essa corrente teórica, a língua apresenta-se como o conjunto de estruturas, possibilidades e oposições funcionais. Assim, tudo o que pode ser dito, enquanto for compreensível pelos usuários, admite múltiplas realizações sem que a inteligibilidade seja atingida, estando em constante mudança para satisfazer as necessidades da comunidade.
Segundo Costa (2011), o estruturalismo entende que a língua é formada por elementos coesos, que estão inter-relacionados e funcionam a partir de um conjunto de regras, constituindo uma organização, um sistema ou uma estrutura. Desse modo, o próprio sistema tem leis internas que estruturam a organização dos seus elementos. Vejamos a definição do linguista Mattoso Câmara Júnior para estruturalismo:
ESTRUTURALISMO [É A] PROPRIEDADE QUE TÊM OS FATOS DE UMA LÍNGUA DE SE CONCATENAREM POR MEIO DE CORRELAÇÕES E OPOSIÇÕES, CONSTITUINDO EM NOSSO ESPÍRITO UMA REDE DE ASSOCIAÇÕES OU ESTRUTURA. É POR ISSO QUE SE DIZ SER A LÍNGUA UM SISTEMA. TRATA-SE, ENTRETANTO, DE UMA ESTRUTURA DINÂMICA, PARA SERVIR ÀS MAIS VARIADAS E INESPERADAS NECESSIDADES DA COMUNICAÇÃO, E QUE NUNCA É CABAL, MAS SEMPRE ESTÁ EM ELABORAÇÃO. O CARÁTER INCOMPLETO DA ESTRUTURA LINGUÍSTICA EXPLICA NÃO SÓ A IRREGULARIDADE E A EXCEÇÃO NO PLANO DA SINCRONIA, MAS TAMBÉM AS MUDANÇAS LINGUÍSTICAS.
(CÂMARA Jr., 1996)
Conforme a definição de Câmara Júnior, a estrutura ou o sistema linguístico são mais amplos do que a norma gramatical, porque contêm tudo o que é possível e vão além do que é realizado. Assim, a estrutura é também um sistema de possibilidades, pois uma língua não é apenas aquilo que já foi feito por meio de determinado procedimento, mas é também o que, mediante tal recurso, pode-se fazer. Ou seja, não é somente passado e presente, uma vez que possui uma dimensão de futuro, sempre criando possibilidades novas.
Veja o exemplo seguinte, extraído do livro de contos Tutameia: terceiras estórias, do escritor brasileiro Guimarães Rosa:
“DESISTINDO DO ELEVADOR,
EMBRIAGATINHAVA ESCADA ACIMA”.
(ROSA, 1969)
Embora o dicionário não traga o verbo embriagatinhar, o leitor é capaz de entender, sem muita dificuldade, que a personagem estava tão embriagada que subia as escadas engatinhando. Essa é a dimensão de futuro do sistema linguístico, que usa elementos da própria língua para criar novas possibilidades. Logo, é tarefa do linguista analisar a organização e o funcionamento dos elementos que constituem a língua.
Fonte: Shutterstock
ATENÇÃO
Ainda no exemplo anterior, podemos notar a aproximação e a organização de determinadas unidades linguísticas para formar uma palavra nova, fenômeno que ocorre constantemente na língua em todos os níveis estruturais por possuírem características semelhantes e obedecerem a princípios de funcionamento.
Para entender o conceito de sistema, Saussure usa várias vezes a analogia de um jogo de xadrez. No jogo, o material de que as peças são constituídas não é relevante, pois importa como elas se relacionam entre si, as regras e a função de cada uma em relação à outra. Vale lembrar que não é o conhecimento das regras normativas encontradas nos livros de gramática que determinará o funcionamento do jogo. Se assim fosse, aqueles que tiveram pouco acesso aos estudos não conseguiriam se comunicar.
PARA O ESTRUTURALISMO, A LÍNGUA DEVE SER ESTUDADA EM SI MESMA E POR SI MESMA. TUDO AQUILO QUE NÃO PERTENCE AO CAMPO LINGUÍSTICO DEVE SER DEIXADO DE FORA DA ANÁLISE, JÁ QUE A PREOCUPAÇÃO É COM A ESTRUTURA A PARTIR DE RELAÇÕES/REGRAS INTERNAS, DEIXANDO DE LADO RELAÇÕES DA LÍNGUA COM A SOCIEDADE, COM A CULTURA OU MESMO COM A GEOGRAFIA OU QUALQUER OUTRO TIPO DE RELAÇÃO QUE NÃO SEJA EXCLUSIVAMENTE LIGADA AO SISTEMA LINGUÍSTICO.
(COSTA, 2011)
PANORAMA DO ESTRUTURALISMO NORTE-AMERICANO
Neste vídeo, o linguista e professor Nataniel Gomes nos apresenta o estruturalismo norte-americano e faz um comparativo entre as duas teorias. Vamos lá!
O estruturalismo norte-americano é apresentado de maneira independente da proposta europeia de Saussure. De acordo com o professor e linguista Marcos Antônio Costa (2011), a corrente estruturalista norte-americana tem as seguintes suposições:
• As línguas apresentam uma estrutura específica;
• A estrutura é dividida em três subsistemas: fonológico, morfológico e sintático;
• Cada subsistemaé formado por unidades: para a fonologia, o fonema; para a morfologia, o morfema; e para a sintaxe, o sintagma;
• A descrição linguística deve começar pelas unidades mais simples;
• As unidades devem ser definidas a partir de sua posição estrutural;
• A semântica é excluída, já que a descrição usa da objetividade absoluta.
Fonte: Shutterstock
ATENÇÃO
O estruturalismo norte-americano, na visão do professor Marcos Antônio Costa (2011), estabelece que, para estudar a língua, são necessárias as seguintes condições:
• A formação de um conjunto variado de sentenças produzidas pelos usuários da língua em determinado momento histórico;
• A criação de um inventário, a partir do conjunto levantado anteriormente, que possa determinar as unidades mínimas em cada nível, tais como fonemas, morfemas e sintagmas, bem como as classes que podem agrupar as unidades;
• A averiguação das regras de combinação dos elementos de classes diferentes;
• A análise apenas de elementos que estão no conjunto de dados levantados.
Para a vertente norte-americana do estruturalismo, as partes da língua se organizam em posições específicas que se relacionam entre si. Trata-se de um método exclusivamente descritivo e indutivo que explica por que as frases não são simples sequências de elementos, mas constituintes formados por unidades inferiores. Portanto, uma frase é o resultado de diversas camadas de constituintes.
DESCRITIVO
Para a linguística estruturalista, o que importa é a descrição da estrutura e do funcionamento da língua tal como ela se apresenta em determinado momento em vez de normatizar ou prescrever como deve ser seu funcionamento. Por isso, o método adotado é o descritivo.
INDUTIVO
O método indutivo, no estruturalismo, é caracterizado pelo estudo formal da língua, partindo das unidades mais simples para as maiores, já que as frases são formadas por combinações de construções.
EXEMPLO
Exemplo da aplicação do método indutivo, a frase “o menino comeu a maçã” é composta pelos sintagmas “o menino” e “comeu a maçã”. Esses sintagmas, por sua vez, são compostos pelas palavras “o”, “menino”, “comeu”, “a”, “maçã”; e ainda pelos morfemas “o”, “menin”, “o”, “com”, “eu”, “a”, “maçã”; e por fim pelos fonemas /o/ /m/e/n/in/u/ /k/u/m/e/u/ /a/ /m/a/s/ã/.
Os sintagmas, as palavras, os morfemas e os fonemas são considerados unidades ou camadas que relacionadas entre si resultam na frase do nosso exemplo: “O menino comeu a maçã”.
O modo de análise do estruturalismo norte-americano é bastante formal e restringe sua abordagem à classificação dos elementos que aparecem nos dados coletados e à identificação das leis que regem tais combinações.
SINTAGMAS
Sintagmas são formas mínimas que se combinam para resultar em uma unidade linguística. As formas combinadas entre si apresentam um elemento que é determinante em relação ao outro, criando uma relação de subordinação.
MORFEMAS
Morfemas são a menor unidade de funcionamento na composição (estrutura) da palavra, sendo, portanto, a unidade linguística mínima que possui significado.
FONEMAS
Fonemas são o segmento mínimo ou a menor unidade no campo fônico (som), destituída de sentido, ou seja, não apresenta isoladamente um significado, um conceito ou uma ideia. O fonema não corresponde necessariamente às letras da grafia usual e são representados por letras entre barras. O fonema pode ser, também, considerado uma subdivisão da sílaba.
MAS VOCÊ PODE SE PERGUNTAR:
QUAL É A UTILIDADE DE TAIS CONCEITOS?
A resposta será dada a partir das principais ideias defendidas por Saussure, no próximo módulo. Mas antes, verifique se você entendeu as noções básicas do estruturalismo linguístico, seja na escola europeia ou na norte-americana, fazendo as atividades seguintes.
Fonte: Shutterstock
VERIFICANDO O APRENDIZADO
ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das seguintes questões.
1. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE DESCREVE CORRETAMENTE O ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO PROPOSTO POR FERDINAND DE SAUSSURE.
O entendimento da língua como um sistema pode recorrer à analogia com o jogo de xadrez, porque o mais importante na língua é como os elementos internamente se relacionam entre si, quais as regras e o modo de funcionamento deles.
A língua é um sistema ou uma estrutura, por isso o mais importante são as regras normativas das gramáticas escolares, que sustentam essa estrutura, e não o funcionamento interno dos elementos da língua, que o desequilibram.
A língua, apesar de ser um sistema, deve ser estudada priorizando as relações sociais de seus falantes ou usuários, além de considerar questões referentes à cultura, à história, à geografia e ao nível educacional, entre outros.
O estudo da língua como um sistema, e que, portanto, dá-se por meio de regras e procedimentos, permite confirmar que os falantes ou usuários com pouco acesso aos estudos não conseguem se comunicar.
O sistema da língua é formado pelas relações internas entre morfemas e fonemas, e deve ser entendido a partir de regras gramaticais normativas, afinal, elas regem tais combinações.
2. A CORRENTE ESTRUTURALISTA NORTE-AMERICANA PODE SER ADEQUADAMENTE DESCRITA POR MEIO DE QUAL CARACTERÍSTICA?
O estruturalismo norte-americano entende que as partes da língua, sejam elas radicais ou afixos, são organizadas em posições indefinidas e aleatórias, possuindo autonomia entre si. Daí a necessidade organizadora da gramática.
O método dedutivo e exclusivamente interpretativo caracteriza o estudo da língua e da estrutura das frases no estruturalismo norte-americano.
Uma frase deve ser entendida como a sobreposição de elementos isolados que se constituem em sequências simples. Ao descrever tais sequência fixas, o estruturalismo norte-americano é descritivo.
As unidades ou camadas da língua são consideradas a partir das relações que estabelecem entre si, como pode ser descrito na análise das diversas combinações entre os sintagmas, as palavras, os morfemas e os fonemas encontrados na frase “O menino comeu a maçã”.
O estruturalismo norte-americano é mais pragmático do que teórico, partindo da sequencialidade de elementos fixos, como morfema, que auxiliaram indígenas a aprenderem o inglês.
GABARITO
1. Assinale a alternativa que descreve corretamente o estruturalismo linguístico proposto por Ferdinand de Saussure.
A alternativa "A " está correta.
O estruturalismo de Ferdinand de Saussure deve ser descrito a partir do entendimento da língua como um sistema ou uma estrutura, na qual os elementos internos se relacionam a partir de regras e formas de funcionamento próprias, como em um jogo de xadrez. As demais opções estão incorretas porque Saussure não valorizava as regras da gramática normativa, não priorizava as relações sociais no estudo da língua, nem defendia a ideia de que os falantes sem escolaridade não conseguem se comunicar.
2. A corrente estruturalista norte-americana pode ser adequadamente descrita por meio de qual característica?
A alternativa "D " está correta.
O estruturalismo norte-americano apresenta como característica o entendimento de que a língua se organiza por meio de combinações de diversos elementos. Assim, unidades menores vão se combinando para formar uma unidade superior, como se verifica na combinação de fonemas e morfemas para formar uma palavra, e na combinação de palavras e sintagmas para formar uma frase. As demais alternativas estão incorretas porque a organização dos elementos da língua não se dá de forma aleatória, nem com sobreposição de elementos isolados. Além disso, o método usado no estruturalismo é indutivo e descritivo.
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E, com isso, você:
 Descreveu conceitos gerais do estruturalismo linguístico e suas características
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MÓDULO 2
Definir as dicotomias saussureanas
AS DICOTOMIAS SAUSSUREANAS
VOCÊ SABE O QUE É
UMA DICOTOMIA?
O termo se refere à divisão de um conceito em duas partes, formando um par opositivo.
Ao estudarmos Saussure, encontramosas chamadas dicotomias. Algumas das principais dualidades propostas por Saussure são: língua e fala, sincronia e diacronia, sintagma e paradigma.
Fonte: Shutterstock
LÍNGUA E FALA
Comecemos com a dicotomia língua e fala, ou langue e parole, se fôssemos utilizar os termos franceses originalmente empregados por Saussure. Para explicar o conceito de língua, é importante relembrar que ela faz parte da linguagem. Para Saussure (1996), a linguagem é um objeto duplo, pois um fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra.
Fonte: Shutterstock
A linguagem é multiforme e heteróclita, enquanto a língua é o aspecto social, coletivo, compartilhada entre os falantes como uma herança recebida de seus antepassados.
EXEMPLO
Saussure (1996) dá o seguinte exemplo: “Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro”. O exemplo mostra que não ocorrem mudanças repentinas ou mesmo individuais na língua, sendo ela, portanto, resistente à mudança. Por outro lado, Saussure afirma que, para haver mudança na língua, as alterações deverão ocorrer nos atos da fala, que se constituem numa manifestação individual da língua.
Para Saussure (1996), a língua constitui um sistema de valores puros que nada determina fora do estado momentâneo de seus termos, ou seja, a pureza tem a ver com os valores que se dão no ato da fala.
A LÍNGUA É NECESSÁRIA PARA QUE A FALA SEJA INTELIGÍVEL E PRODUZA TODOS OS SEUS EFEITOS; MAS ESTA É NECESSÁRIA PARA QUE A LÍNGUA SE ESTABELEÇA.
(SAUSSURE, 1996)
Logo, a língua funciona como um princípio de ordenação, que se configura fala e promove a modernização do sistema linguístico. O falante pega as peças, como no jogo de xadrez, seguindo princípios e organizando o sistema linguístico.
A linguagem tem um lado social (coletivo), que é a língua, e um lado individual, que é a fala. Para Saussure, não é possível conceber um sem o outro. A língua, portanto, é um sistema coletivo utilizado para a comunicação dos indivíduos na sociedade, sendo parte essencial da linguagem.
O autor também afirma que a língua é um tesouro depositado no cérebro dos usuários de uma mesma comunidade linguística e declara que ela decorre de um contrato feito entre os falantes, justificando o seu caráter social. Ninguém, de forma individual, pode criar nem modificar a língua.
Quando Saussure (1996) se refere à fala, afirma que ela constitui o uso individual do sistema linguístico, sendo um ato individual de vontade e de inteligência. O usuário combina as unidades disponíveis no sistema linguístico para expressar seu pensamento, sendo um mecanismo psicofísico que exterioriza tais combinações, ou seja, torna-se uma manifestação prática e concreta da língua por determinado falante.
Por isso, afirma-se que a fala é individual e está submetida às regras da língua, que podem ser modificadas, desde que outro usuário a quem a informação é endereçada aceite a mudança. Nesse sentido, a mudança começa pela fala até chegar à língua.
Há uma comparação da língua com o dicionário que pode ajudar a compreender melhor o conceito de fala. O linguista brasileiro Edward Lopes explica essa analogia da língua com o dicionário:
SAUSSURE COMPARA A LÍNGUA A UM DICIONÁRIO, CUJOS EXEMPLARES TIVESSEM SIDO DISTRIBUÍDOS ENTRE TODOS OS MEMBROS DE UMA SOCIEDADE. DESSE DICIONÁRIO (AO QUAL DEVERÍAMOS ACRESCENTAR, PARA SERMOS MAIS PRECISOS, UMA GRAMÁTICA), QUE É A LANGUE, CADA INDIVÍDUO ESCOLHE AQUILO QUE SERVE AOS SEUS PROPÓSITOS IMEDIATOS DE COMUNICAÇÃO. ESSA PARCELA CONCRETA E INDIVIDUAL DA LANGUE, POSTA EM AÇÃO POR UM FALANTE EM CADA UMA DE SUAS SITUAÇÕES COMUNICATIVAS CONCRETAS, CHAMOU-A SAUSSURE PAROLE (EM PORTUGUÊS “FALA” OU “DISCURSO”).
(LOPES, 2005)
Diante do conceito e da distinção de língua e fala, Saussure estabelece que o objeto de estudo da Linguística é a língua e não a fala, que é vista como secundária.
A língua é comum a todos, sendo essencial na atividade de comunicação e não uma manifestação específica de cada um, como é o caso da fala. Por isso, toda a preocupação extralinguística é abandonada e a estrutura linguística é estudada a partir de relações internas da língua.
ATENÇÃO
Lembre-se de que para Saussure não se pode estudar as relações internas da língua de forma isolada. A língua é essencial para que a fala seja entendida e o usuário possa se comunicar. Além disso, ela se forma a partir de sua manifestação individual, a fala, que é uma forma concreta de uso.
Veja a imagem a seguir:
Imagem 1 – Circuito da comunicação para Saussure (1996)
A imagem 1 mostra como Saussure entendia o processo de comunicação. O termo comunicação vem do verbo latino comunicare, que significa tornar comum, ou seja, são necessários alguns elementos comuns para que haja comunicação. São necessários dois indivíduos que falem a mesma língua e usem signos comuns aos dois.
Refletindo sobre a questão, responda:
EM UMA PALESTRA, É POSSÍVEL
HAVER COMUNICAÇÃO?
SIM NÃO
Os indivíduos envolvidos na comunicação precisam falar a mesma língua, caso contrário, não haverá comunicação entre eles. Por exemplo, os dois devem ser falantes da língua portuguesa e usar elementos comuns aos dois. É relativamente comum encontrar pessoas que falam a mesma língua que nós, mas usam um vocabulário muito específico que impede a comunicação. Elas falam, mas não estabelecem comunicação.
Se todos os requisitos são acompanhados, cada um dos usuários da imagem apresenta uma fala característica, individual, pertencente a determinada língua, o que não prejudica a comunicação entre eles.
DIFERENÇA ENTRE LÍNGUA E FALA
Vamos conhecer um pouco mais sobre a diferença entre língua e fala!
Neste vídeo, o professor Luís Dallier comenta as diferenças entre langue e parole. Vamos assistir!
Antes de conhecer a próxima dicotomia de Saussure, confira uma síntese da distinção entre língua e fala:
	LANGUE
	PAROLE
	Língua
	Fala
	Sistema global de regularidades
	Constituída por expressões reais em si
	Caráter coletivo
	Caráter individual
	Social, exterior ao indivíduo
	Atividade linguística concreta, momen­tânea e individual
	Convencional
	Exprime pensamento pessoal
	Homogênea
	Heterogênea
	Interesse prioritário do linguista; pode ser estudada separadamente
	Considerada acessória e acidental
(DALLIER, 2015)
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
SINCRONIA E DIACRONIA
Para entender a dicotomia sincronia e diacronia, vamos conhecer os fatos a seguir:
No início do século XIX, os pesquisadores notaram muitas semelhanças entre determinadas línguas. Assim, buscou-se reunir as línguas em grupos ou famílias, método que ficou conhecido como histórico-comparativo.
A partir de 1870, os chamados neogramáticos criticaram o método histórico-comparativo, demonstrando que as mudanças linguísticas seguiam certa regularidade, independentemente da vontade dos falantes e, por isso, afastaram-se das especulações pouco científicas e subjetivas para seguirem o rigor científico no entendimento das mudanças ocorridas nas línguas ao longo do tempo.
Saussure se diferencia ao estabelecer que o estudo da língua pode se dar em um eixo diacrônico, relacionado aos fatos que se sucedem com uma língua no decorrer do tempo, ou em um eixo sincrônico, relacionado ao que é simultâneo ou coexistente em uma língua.
Vamos entender melhor cada um desses conceitos, começando pela sincronia.
"A SINCRONIA ERA O TERMO USADO POR SAUSSURE PARA DESIGNAR A CONCATENAÇÃO DOS FATOS DE UMA LÍNGUA NUM MOMENTO DE SUA HISTÓRIA. ELES SE APRESENTAM NUM CONJUNTO DE CORRELAÇÕES E OPOSIÇÕES QUE CONSTITUI UM ESTADO LINGUÍSTICO, ONDE É APREENSÍVEL UMA ESTRUTURA” (CÂMARA JR., 1996).
A sincronia pode ser associada à linguística estática. Usando uma analogia, é uma fotografia que recorta determinado momento da língua. Ainda poderia ser comparada a um texto descritivo que foca em transmitir as impressões da língua em certo período histórico. Por isso, Saussure (1996) afirma que é sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossaciência.
Enquanto a sincronia estuda a língua em um momento histórico para fazer a sua descrição, a diacronia busca fazer uma comparação entre dois momentos da mudança de uma língua.
Agora vamos compreender esse segundo elemento da dicotomia sincronia/diacronia.
"A DIACRONIA É UM TERMO ADOTADO POR SAUSSURE PARA DESIGNAR A TRANSMISSÃO DE UMA LÍNGUA, DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO, ATRAVÉS DO TEMPO, SOFRENDO ELA NESSE TRANSCURSO MUDANÇAS EM TODOS OS NÍVEIS, CUJO CONJUNTO CONSTITUI A EVOLUÇÃO LINGUÍSTICA.” (CÂMARA JR., 1996).
É preciso deixar claro que estudar a língua de forma diacrônica não é sinônimo de estudar o passado de uma língua, mas de compreender as mudanças na língua ao longo de determinado período.
EXEMPLO
Veja no gráfico a seguir um exemplo da diferença entre diacronia e sincronia:
Gráfico 1 – diacronia x sincronia
Nas linhas horizontais, vemos o estudo sincrônico, enquanto na linha vertical, a abordagem diacrônica.
Ao estudar a forma verbal ponere no latim, temos um estudo sincrônico (linhas horizontais), da mesma forma ao estudar o verbo poer no português antigo e pôr e suas variantes atuais no nosso português. Porém, ao estudar as mudanças do latim até o português atual, do português antigo ao atual ou do latim ao português antigo, tem-se o estudo diacrônico (linha vertical), ou seja, são abordadas as mudanças ocorridas durante um espaço de tempo.
 
Se a sincronia pode ser comparada a uma fotografia, a diacronia se assemelha a um filme, que antigamente era realizado a partir da sucessão de imagens passadas rapidamente para dar ilusão de movimento. Se a sincronia é como um texto descritivo, a diacronia é uma narrativa, uma sucessão de eventos.
A METÁFORA DO JOGO DE XADREZ
Usando a ilustração do xadrez, Saussure identifica no tabuleiro do jogo comparações com os enfoques sincrônico e diacrônico. Vamos conhecer melhor essa analogia!
Depois de apontar a diferença entre as duas formas de investigação linguística, Saussure defende que a prioridade está sobre o olhar sincrônico da língua, ou seja, o estruturalismo deve privilegiar o sistema da língua, que se configura a partir de suas relações internas em determinado momento.
Fonte: Shutterstock
SINTAGMA E PARADIGMA
Saussure identifica na língua dois tipos de relação: as sintagmáticas e as paradigmáticas. Essas relações evidenciam como as unidades que constituem o sistema relacionam-se umas com as outras, organizando a estrutura da língua.
Para Saussure, as relações entre os sintagmas estão baseadas na linearidade da língua, ou seja, a noção é que a língua é constituída de elementos que se sucedem um após o outro na cadeia da fala. Essa relação entre os elementos é chamada de sintagma. Assim, um termo terá valor quando contrastado com o anterior, o posterior ou ambos, porque um sintagma não pode aparecer ao mesmo tempo que o outro. Por isso, Saussure afirma:
O SINTAGMA SE COMPÕE SEMPRE DE DUAS OU MAIS UNIDADES CONSECUTIVAS (POR EXEMPLO: RE-LER, CONTRA TODOS; A VIDA HUMANA, DEUS É BOM; SE FIZER BOM TEMPO, SAIREMOS ETC.).
(SAUSSURE, 1996)
AS RELAÇÕES SINTAGMÁTICAS SE ORIGINAM DAS DIVERSAS COMBINAÇÕES ENTRE ESSES ELEMENTOS.
Lembre-se das aulas de análise sintática na escola. Era pedido que os termos das orações fossem classificados como sujeito, predicado, objeto direto, complemento nominal, adjunto adverbial, entre outros. O que o professor estava pedindo era que aquele sintagma fosse classificado de acordo com a gramática normativa. Além disso, em nossa fala, organizamos as frases a partir de sintagmas, e não de palavras soltas. Nós fazemos isso a todo instante, como você pode ver no exemplo a seguir:
EXEMPLO
Daniel comprou um pão na padaria no domingo.
Temos os seguintes sintagmas na frase: “Daniel”, “comprou”, “um pão”, “na padaria” e “no domingo”. Tais sintagmas podem ser colocados em diversas posições da sentença, como em:
(1) Daniel comprou, no domingo, um pão na padaria.
(2) No domingo, Daniel comprou um pão na padaria.
(3) Daniel comprou na padaria, no domingo, um pão.
Mas o sintagma não pode ser quebrado ou invertido, como em:
(1) * Daniel comprou pão um na padaria no domingo.
(2) * na Daniel comprou um pão padaria no domingo.
(3) * Daniel comprou um pão na padaria domingo no.
Lembre-se de que o asterisco (*) indica que a frase é agramatical, ou seja, não é possível na língua.
Agora veja a definição de sintagma dada por Câmara Jr.:
TERMO ESTABELECIDO POR SAUSSURE PARA DESIGNAR A COMBINAÇÃO DAS FORMAS MÍNIMAS NUMA UNIDADE LINGUÍSTICA SUPERIOR. DE ACORDO COM O ESPÍRITO DA DEFINIÇÃO IMPLÍCITA EM SAUSSURE, ENTENDE-SE ATUALMENTE POR SINTAGMA APENAS UM CONJUNTO BINÁRIO (DUAS FORMAS COMBINADAS) EM QUE UM ELEMENTO DETERMINANTE CRIA UM ELO DE SUBORDINAÇÃO COM OUTRO ELEMENTO, QUE É O DETERMINADO. QUANDO A COMBINAÇÃO CRIA UMA MERA COORDENAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS, TEM-SE, AO CONTRÁRIO, UMA SEQUÊNCIA.
(CÂMARA Jr., 1996)
Quando o falante une duas ou mais unidades, como nos exemplos anteriores, ele está combinando sintagmas e são criadas diversas relações que se articulam entre si, com várias possibilidades de associação entre essas unidades.
Nessa dicotomia, encontramos também as relações paradigmáticas. Os paradigmas são manifestados por relações de associação mental entre a unidade linguística que está em determinada posição na frase e todas as outras que estão ausentes, mas que pertencem à mesma classe daquela e que poderiam substituí-la naquele contexto.
Por exemplo, a palavra sapateiro está associada a sapato e à sapataria, com base no radical sapat. Da mesma forma, o sufixo -eiro pode nos levar a outra série de paradigmas, como violeiro, cabelereiro, livreiro e outros. Assim, o funcionamento da língua ocorre porque ela é um sistema formado por associações, combinações e exclusões.
Câmara Júnior define paradigma da seguinte forma:
CONJUNTO DE FORMAS LINGUÍSTICAS QUE SE ASSOCIAM POR UM TRAÇO LINGUÍSTICO PERMANENTE, QUE É O DENOMINADOR COMUM DE TODAS ELAS. NA BASE DESSE TRAÇO, ESTABELECEM-SE CORRELAÇÕES E AS OPOSIÇÕES ENTRE OS MEMBROS DO PARADIGMA.
(CÂMARA Jr., 1996)
Para Joaquim Mattoso Câmara Júnior, o paradigma trabalha com relações inspiradas em combinações, ou seja, é o material que está na mente do falante para que possa ser escolhido, dentro de uma lista de possibilidades.
ATENÇÃO
Vale lembrar que, no paradigma, elementos podem ser associados, mesmo que o sentido seja outro. Trata-se de um repositório ou memória em que estão inúmeras possibilidades retiradas da língua. Por isso, a relação sintagmática se dá pela ausência, já que a escolha de um elemento automaticamente exclui os outros e um elemento se discerne do outro na relação.
Antes de avançar para o último módulo, que trata do signo linguístico, é preciso verificar se você entendeu as noções das dicotomias propostas por Saussure, fazendo as atividades a seguir.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das seguintes questões.
1. AO ESTUDARMOS SAUSSURE, DEPARAMO-NOS COM AS DICOTOMIAS LÍNGUA/FALA E SINCRONIA/DIACRONIA, APRESENTADAS EM SEU CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL. DEFINIR ESSAS DICOTOMIAS IMPLICA AFIRMAR CORRETAMENTE QUE:
A língua (langue) tem caráter individual em oposição ao caráter coletivo da fala (parole). Seu estudo é denominado sincrônico quando o enfoque são as mudanças ocorridas ao longo do tempo.
A língua tem caráter individual, concreto e não sistêmico. Além disso, seu estudo é denominado diacrônico quando o enfoque é simplesmente o passado da língua.
A língua pode ser caracterizada como coletiva e social. Seu estudo é denominado diacrônico quando o enfoque são as mudanças ocorridas ao longo de determinado período de tempo.
A linguagem tem um lado social ou coletivo, que corresponde à fala.
A língua é individual, enquanto a linguagem é coletiva. No estudo histórico da Sociolinguística, entende-se como uma linguagem se torna uma língua.
2. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA UMA DEFINIÇÃO CORRETA DAS RELAÇÕES SINTAGMÁTICA E PARADIGMÁTICA:
O sintagma é baseado na noção de que os elementos da línguase sobrepõem, sem linearidade, enquanto o paradigma é uma relação criada a partir de fatores históricos e em que os elementos são combinados apenas quando o sentido de cada um é o mesmo.
O sintagma é baseado na noção de que a língua é um sistema em que os elementos se sucedem um após o outro na cadeia da fala, tendo valor quando contrastado com outro elemento, enquanto o paradigma é uma relação que se manifesta como um eixo de possibilidades de elementos estabelecidos na memória do usuário da língua.
Quando os elementos linguísticos estão isolados ou são analisados isoladamente na língua, tem-se um paradigma; e quando acontecem combinações ou associações a partir da memória ou repertório linguístico, tem-se o sintagma.
A relação sintagmática é aquela em que um elemento pode aparecer ao mesmo tempo que o outro, ou seja, a escolha de um elemento não exclui automaticamente os outros. A relação paradigmática, por sua vez, é única e original e exclui outros elementos quando um deles está em foco.
O sintagma está para o fonema (que não apresenta isoladamente um significado) assim como o paradigma para o morfema (que possui significado). Assim sendo, as relações paradigmáticas são semânticas, enquanto as sintagmáticas são sintáticas.
GABARITO
1. Ao estudarmos Saussure, deparamo-nos com as dicotomias língua/fala e sincronia/diacronia, apresentadas em seu Curso de Linguística Geral. Definir essas dicotomias implica afirmar corretamente que:
A alternativa "C " está correta.
Na definição da dicotomia língua/fala, a língua deve ser caracterizada como a parte social e coletiva da linguagem, diferentemente da fala, que é a parte individual. Em relação à dicotomia sincronia/diacronia, o estudo da língua a partir das mudanças ocorridas ao longo do tempo é denominado diacrônico, enquanto o estudo da língua em um momento específico é denominado sincrônico.
2. Assinale a alternativa que apresenta uma definição correta das relações sintagmática e paradigmática:
A alternativa "B " está correta.
A relação sintagmática é definida em função da sucessão dos elementos na cadeia da fala, ou seja, cada elemento da língua se relaciona com o outro linearmente por meio de contrastes ou oposições. Já as relações paradigmáticas se definem pelas possibilidades de combinações ou associações a partir de um repertório ou de uma memória linguística dos usuários ou falantes.
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 Definiu as dicotomias saussureanas
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MÓDULO 3
Identificar as características do signo linguístico
O SIGNO LINGUÍSTICO
Ao afirmar que a língua é um sistema de signos, Saussure define o signo linguístico a partir da união psíquica entre um significado e um significante, que são partes absolutamente inseparáveis, o que torna impossível um sem o outro.
O significado seria equivalente a um conceito, ou seja, é uma contraparte inteligível. Já o significante se aproxima da noção de imagem acústica, mas não é o som material, e sim a impressão do som, a parte sensível do signo.
Veja a imagem a seguir:
Imagem 2 – A natureza do signo linguístico (SAUSSURE, 1996)
No exemplo anterior, Saussure demonstra o funcionamento do signo linguístico a partir de um conceito manifestado pelo desenho do cavalo e da árvore. Esse conceito é imediatamente associado à imagem acústica de cavalo e árvore.
ATENÇÃO
Note que Saussure usa as palavras em latim para que ninguém acredite que a relação entre o significado e o significante tem alguma aproximação com a realidade que não seja a imposição. O “signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.” (SAUSSURE, 1996)
Imagem 3 – O signo linguístico (SAUSSURE, 1996)
O signo só existe se tiver o conceito e a imagem acústica reunidos por esse vínculo indissociável. Normalmente, confunde-se palavra escrita ou falada com o signo, mas ela é apenas uma parte visível do signo. O conceito também não deve ser associado a uma coisa, o que seria uma simplificação muito grande, afinal, podemos nos referir a conceitos abstratos, como amor, alegria, entre outros, que não coisas. Por isso, mais adiante, Saussure passa a empregar os termos significado e significante para definir o signo.
Veja a próxima imagem, que ilustra o pensamento de saussureano:
Imagem 4 – O signo linguístico (SAUSSURE, 1996)
Ao ouvir o significante árvore, virá à mente do usuário da língua o conceito do que está sendo denominado árvore, e não o conceito ou sentido de uma caneta ou de um carro.
É interessante notar que um mesmo significante pode ter mais de um significado, como acontece com a polissemia (a palavra adquire um novo sentido). O significante cabra possui significados distintos nas frases a seguir:
A CABRA INVADIU O TERRENO.
ELE ERA UM CABRA DA PESTE.
NÃO ACHEI O PÉ DE CABRA.
Também é possível encontrarmos significantes distintos com um mesmo significado, como ocorre no exemplo a seguir:
ABÓBORA E JERIMUM
(PALAVRAS QUE DESIGNAM O MESMO FRUTO)
SIGNO LINGUÍSTICO
Vamos saber mais sobre o conceito de signo linguístico a seguir. Neste vídeo, o linguista Antônio Suarez Abreu trata do conceito de signo linguístico a partir de Saussure e de outros linguistas que vieram depois dele. Vamos assistir!
Assim como a língua é imposta como uma herança, o signo também é recebido de períodos anteriores e apresenta duas características essenciais: a arbitrariedade e a linearidade.
ARBITRARIEDADE E LINEARIDADE DO SIGNO LINGUÍSTICO
Saussure explica a arbitrariedade do signo linguístico da seguinte forma:
O LAÇO QUE UNE O SIGNIFICANTE AO SIGNIFICADO É ARBITRÁRIO OU ENTÃO, VISTO QUE ENTENDEMOS POR SIGNO O TOTAL RESULTANTE DA ASSOCIAÇÃO DE UM SIGNIFICANTE COM UM SIGNIFICADO, PODEMOS DIZER MAIS SIMPLESMENTE: O SIGNO LINGUÍSTICO É ARBITRÁRIO.
(SAUSSURE, 1996)
A união entre um significado e um significante é imposta, não existe nenhum tipo de vínculo causal entre os dois.
QUAL É A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE
UMA PALAVRA COMO CADEIRA E SEU CONCEITO?
Nenhuma. Apenas a imposição ou algo convencional, não motivado naturalmente. Por isso que em outras línguas o conceito de cadeira será representado por outras formas.
Fonte: Shutterstock
ATENÇÃO
A ideia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra sequência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes: o significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por significante b-o-f de um lado da fronteira franco-germânica, e o-k-s ( Ochs) do outro. (SAUSSURE, 1996)
Desse modo, para Saussure, o significado ou conceito atrelado a um significante não depende da livre escolha de quem fala, já que o usuário da língua não tem ao alcance a possibilidade de “trocar alguma coisa num signo, uma vez que esteja ele estabelecido num grupo linguístico”. A conclusão, portanto, é “que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.” (SAUSSURE, 1996)
Se a relação entre o significado e o significante não pode ser alterada, o usuário, para transmitir suas ideias, precisa utilizar o sistema linguístico conforme os outros falantes pertencentes à mesma comunidade linguística. E se por um lado o signo linguístico é arbitrário, Saussure lembra que pode haver relativa motivação entre o significado e o significante em alguns casos.
O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA ARBITRARIEDADE DO SIGNO NÃO IMPEDE DISTINGUIR, EM CADA LÍNGUA, O QUE É RADICALMENTE ARBITRÁRIO, VALE DIZER, IMOTIVADO, DAQUILO QUE SÓ O É RELATIVAMENTE. APENAS UMA PARTE DOS SIGNOS É ABSOLUTAMENTE ARBITRÁRIA; EM OUTRA, INTERVÉM UM FENÔMENO QUE PERMITE RECONHECER GRAUS NO ARBITRÁRIO SEM SUPRIMI-LO: O SIGNO PODE SER RELATIVAMENTE MOTIVADO.
(SAUSSURE, 1996)
Seguindo ainda a lógica das dicotomias para explicar o sistema da língua, Saussure apresenta dois tipos de arbitrariedade:ABSOLUTA
RELATIVA
A arbitrariedade absoluta pode ser exemplificada pelos números dez e nove, que isolados são totalmente arbitrários, manifestando uma relação imotivada. Ao combinar os dois números para formar dezenove, tem-se uma atenuação da arbitrariedade, pois dezenove originou-se dos signos ou palavras anteriores (dez e nove). Os significados anteriores servem para o entendimento do terceiro signo, portanto, temos a arbitrariedade relativa.
EXEMPLO
Outro exemplo para arbitrariedade absoluta é a palavra livro, enquanto livreiro é exemplo de arbitrariedade relativa, pois se trata de uma derivação.
A arbitrariedade do signo linguístico pode se contrapor à associação com a realidade encontrada no símbolo. O símbolo é motivado, ou seja, de alguma forma tem uma relação de causalidade ou proximidade com o mundo. Para explicar essa diferença, Saussure apresenta o símbolo da justiça, a deusa grega Têmis, com os olhos vendados, segurando a balança em uma mão e a espada na outra. Ao olhar para o símbolo da justiça, entende-se o seu papel de ser imparcial e de pesar os fatos. Por outro lado, o signo ou a palavra justiça tem uma relação arbitrária, imposta convencionalmente, com o conceito de justiça.
Outra característica defendida por Saussure sobre o signo linguístico é sua linearidade. Nas palavras dele:
Fonte: Shutterstock
O SIGNIFICANTE, SENDO DE NATUREZA AUDITIVA, DESENVOLVE-SE NO TEMPO: A) REPRESENTA UMA EXTENSÃO, E B) ESSA EXTENSÃO É MENSURÁVEL NUMA SÓ DIMENSÃO: É UMA LINHA.
(SAUSSURE, 1996)
A parte material do signo, ou seja, o significante, é linear. Isso se concretiza nas formas fônicas, nos significantes acústicos que se manifestam um após outro, gerando uma cadeia. Segundo Saussure (1996), esse caráter aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos.
Se tomarmos a palavra cavalo e a segmentarmos em c-a-v-a-lo ou ca-va-lo, temos uma manifestação da linearidade no fato de identificarmos uma sequencialidade ou ordem que não pode ser rompida ou subvertida sob pena de dissolvermos o significante e o desprovermos de seu significado. (DALLIER, 2015)
O SIGNO NÃO TEM NECESSARIAMENTE ASSOCIAÇÃO COM A ESCRITA, MAS SERVE PARA ILUSTRAR A RELAÇÃO DA LINEARIDADE DO SIGNIFICANTE, UMA LETRA DE CADA VEZ, ASSIM COMO OCORRE NA SEQUÊNCIA FÔNICA.
Se o signo mantém o aspecto da imutabilidade para que a língua seja preservada e compreendida pelos usuários, é na arbitrariedade que surgem as mudanças linguísticas. Para que a mudança ocorra, é preciso que outros membros da coletividade concordem, processo que se dá por meio do tempo, da língua e dos falantes.
A mudança linguística não surge da noite para o dia. É um processo gradativo que começa com a variação. Por exemplo, a forma “Vossa Mercê” não foi simplesmente substituída por “você” em um instante. “Vossa Mercê” era amplamente utilizada, até que algumas pessoas passaram a produzir a forma “vosmecê”, que foi substituindo a forma anterior e alcançou uma nova variação: “você”. Atualmente, encontramos também a forma oral “cê”. Em outras palavras, a mudança linguística começa pela variação e, com o tempo, acontece o abandono da forma mais antiga.
ATENÇÃO
Não se deve confundir mudança linguística com atualização ortográfica. A ortografia é a forma estabelecida como correta para se escrever. Se cada indivíduo escrevesse da forma como se fala, em um espaço curto de tempo haveria tantas possibilidades de escrita que seria difícil ler um texto e, por isso, são estabelecidos certos padrões.
Um exemplo de atualização ortográfica foi a mudança de escrita da palavra “pharmácia” para farmácia ou as alterações ocorridas recentemente em palavras como “idéia” e “vôo”, que perderam o acento gráfico. Nesses casos, não houve alteração de som, de morfologia ou mesmo de sentido, apenas modificou-se a grafia. Essas transformações acontecem para suprir as necessidades da sociedade, mas não podem ser vistas como mudança linguística.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das seguintes questões.
1. DEVEMOS IDENTIFICAR COMO CARACTERÍSTICA DO SIGNO LINGUÍSTICO, DE ACORDO COM SAUSSURE, A RELAÇÃO SIGNIFICANTE/SIGNIFICADO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE IDENTIFICA CORRETAMENTE ASPECTOS DO CONCEITO DE SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO.
Significante e significado referem-se ao referente. O significante é o signo em si, e o significado, a mensagem passada pelo signo.
O significante e o significado são partes do signo linguístico que podem ser separadas, podendo uma existir sem a outra.
O significante é equivalente a um conceito e o significado corresponde a uma imagem acústica, a parte sensível do signo.
O significado é equivalente a um conceito e o significante corresponde a uma imagem acústica, a parte sensível do signo.
O significante é o som material ou a forma da palavra escrita, enquanto o significado é a coisa de que falamos.
2. CONSIDERANDO QUE AIPIM, MANDIOCA E MACAXEIRA SÃO TERMOS DIFERENTES PARA DESIGNAR O MESMO TIPO DE PLANTA E QUE MANGA PODE DESIGNAR TANTO UMA FRUTA QUANTO UMA PARTE DA CAMISA OU DA BLUSA, IDENTIFIQUE A ALTERNATIVA QUE CORRETAMENTE APRESENTA UMA AFIRMATIVA SOBRE A RELAÇÃO SIGNIFICANTE/SIGNIFICADO.
Aipim, mandioca e macaxeira exemplificam significados regionais distintos correspondentes a três significados, enquanto manga é exemplo de um significante diretamente relacionado a um significado.
O significante manga possui um único significado.
Os significantes aipim, mandioca e macaxeira possuem significados diferentes.
Manga é exemplo de que um mesmo significante pode ter mais de um significado, enquanto aipim, mandioca e macaxeira exemplificam significantes distintos com um mesmo significado.
Significantes diferentes nunca podem ter um mesmo significado e um único significante não pode ter significados diferentes.
GABARITO
1. Devemos identificar como característica do signo linguístico, de acordo com Saussure, a relação significante/significado. Assinale a alternativa que identifica corretamente aspectos do conceito de significante e significado.
A alternativa "D " está correta.
O conceito de significante deve ser identificado como a parte sensível ou material do signo linguístico, também chamada de imagem acústica. O significante, no entanto, não se confunde com a palavra escrita. O significado deve ser identificado como o sentido, o conceito, não se confundido com a coisa ou a realidade de que falamos. Significante e significado são inseparáveis.
2. Considerando que aipim, mandioca e macaxeira são termos diferentes para designar o mesmo tipo de planta e que manga pode designar tanto uma fruta quanto uma parte da camisa ou da blusa, identifique a alternativa que corretamente apresenta uma afirmativa sobre a relação significante/significado.
A alternativa "D " está correta.
A existência de palavras diferentes para um mesmo tipo de planta mostra que o mesmo sentido ou conceito pode ser expresso por significantes diferentes. Por sua vez, a mesma palavra com sentidos distintos, como ocorre com o termo manga, ilustra o fato de que um mesmo significante pode ter mais de um significado, ou seja, sentidos ou conceitos diferentes.
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CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de dicotomias como língua/fala e diacronia/sincronia, além dos conceitos de arbitrariedade e linearidade, evidenciam que, para Saussure, a língua é um sistema, ou seja, uma estrutura.
Ao estudar a língua como sistema, sob o enfoque sincrônico, destacando as relações sintagmáticas, você deve ter percebido que a língua é uma rede de elementos interligados com regras próprias que determinam e controlam o uso da própria língua (BORBA, 1998). Sob o enfoque diacrônico, por sua vez, nota-se que ao longo do tempo podem ocorrer mudanças no sistemada língua. A perspectiva estruturalista, no entanto, vê as mudanças linguísticas como um todo orgânico que se move, e não as partes isoladamente (BORBA, 1998).
É bom lembrar, ao final deste tema, que o foco dos estudos estruturalistas não foram as mudanças ocorridas na língua ao longo do tempo, mas o estudo da língua como um sistema ou estrutura em determinado momento. Outras correntes e teorias linguísticas posteriores ao estruturalismo de Saussure acabaram resgatando a dimensão diacrônica e até mesmo os aspectos sociais e culturais no estudo da língua.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BORBA, F. S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
CÂMARA JR., J. M. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1996.
COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 113-126.
DALLIER, L. C. Linguística. Rio de Janeiro: SESES, 2015.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. 19. ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
RIBEIRO, M. P. Gramática aplicada da língua portuguesa. 22. ed. Rio de Janeiro: Metáfora, 2013.
ROSA, J. G. Tutameia. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1996.
EXPLORE+
· Você pode aprofundar seus conhecimentos sobre o estruturalismo proposto por Saussure lendo o artigo Saussure e o estruturalismo: retomando alguns pontos fundamentais da teoria saussuriana, das professoras Alessandra da Silveira Bez e Carla de Aquino.
· Outro texto que ajuda a aprofundar os estudos sobre o estruturalismo, partindo de Saussure e chegando até outros linguistas que vieram depois dele, é o artigo O Estruturalismo, do linguista Mattoso Câmara Jr.
CONTEUDISTA
Nataniel dos Santos Gomes
CURRÍCULO LATTES
DESCRIÇÃO
Consolidação da Semiótica como disciplina acadêmica, com seus principais conceitos e categorias, a partir das contribuições teóricas do pensador americano Charles S. Peirce.
PROPÓSITO
A Semiótica é uma ciência ampla e diversificada, que oferece importantes ferramentas para o estudo dos processos comunicativos. Seus métodos de análise ajudam a observar de forma mais sistemática e crítica a produção de sentidos e a construção dos significados e do conhecimento humano. Trata-se de um arcabouço teórico ainda atual e de extrema relevância para compreender como nos relacionamos por meio das múltiplas formas de linguagem existentes na cultura e na natureza.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer as origens da Semiótica moderna e sua consolidação como disciplina acadêmica, a partir dos fundamentos iniciais propostos por Charles S. Peirce
MÓDULO 2
Identificar os principais conceitos, categorias e métodos da Semiótica americana, bem como suas possíveis aplicações
INTRODUÇÃO
Neste conteúdo, estudaremos a Semiótica, compreendendo as origens da ciência e identificando suas principais características, a partir das contribuições do cientista americano Charles Peirce. Discutiremos o sistema de tricotomias proposto pelo autor, analisando suas categoriais e compreendendo como diversos tipos de signo – palavras, sons e imagens, por exemplo – são acionados e se relacionam na construção de significados.
A temática pode parecer ampla e complexa, mas quando nos aventurarmos nessas discussões, refletiremos sobre nossa própria mente e a realidade que nos cerca, e nos tornaremos aptos a pensar essas interações de maneira mais analítica e aprofundada.
MÓDULO 1
Reconhecer as origens da Semiótica moderna e sua consolidação como disciplina acadêmica, a partir dos fundamentos iniciais propostos por Charles S. Peirce
A JOVEM CIÊNCIA DAS LINGUAGENS
O homem só conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa e só interpreta essa representação numa outra representação.
(Lucia Santaella)
Charles Sanders Peirce (1839 – 1914).
O cientista estadunidense Charles Sanders Peirce (1839-1914) é considerado um dos maiores pensadores americanos de todos os tempos. Filho de um importante matemático e professor da Universidade de Harvard, ele cresceu entre artistas, acadêmicos e cientistas, formando-se um intelectual multifacetado. Graduado em química e formado pela mesma instituição na qual o pai lecionava, também era matemático, físico e astrônomo. Além de tudo, Peirce era um entusiasta da filosofia e se entendia principalmente como um lógico, sendo reconhecido como inventor do pragmatismo, um método baseado em análises empíricas e na percepção da realidade por meio da experimentação.
Mas o que de fato tornou o pesquisador mundialmente conhecido foi a criação de uma teoria ampla e diversificada, a Semiótica – termo que vem do grego semeîon (signo) e sema (sinal).
semeîon (signo) + sema (sinal)
 
Semiótica
Trata-se de uma ciência que estuda os signos e a produção de significados (semiose) na natureza e na cultura (NÖTH, 1995). A Semiótica tem como principal objetivo investigar todas as linguagens existentes, sejam elas:
VERBAIS
MATEMÁTICAS
BIOLÓGICAS
ARTÍSTICAS
COMUNICACIONAIS
A partir da sistematização dessa teoria, Peirce buscou realizar seu desejo de identificar uma linguagem comum às diversas ciências. Até os dias atuais, os métodos por ele propostos são amplamente utilizados em pesquisas de distintos campos científicos.
Peirce iniciou suas investigações sobre as linguagens, as representações e a cognição humana, a partir do estudo da fenomenologia, observando a produção do conhecimento e as diversas interpretações da realidade a partir da consciência. Por meio desses caminhos iniciais, o teórico elaborou e propôs uma nova doutrina, capaz de abarcar diversas linguagens e de analisar os diferentes tipos de signos em suas funcionalidades práticas e em suas potencialidades.
FENOMENOLOGIA
É uma corrente filosófica que pensa a relação entre sujeito (sua consciência) e o objeto, defendendo que o único conhecimento possível passa pela consciência, por como se percebe um fenômeno.
É POSSÍVEL AFIRMAR QUE O MODELO SEMIÓTICO DE COMUNICAÇÃO TEM COMO FOCO A CRIAÇÃO DE MENSAGENS A SEREM TRANSMITIDAS E A PRODUÇÃO DE SEUS SENTIDOS POR MEIO DO PENSAMENTO HUMANO. EM OUTRAS PALAVRAS, ANALISA COMO OS SIGNIFICADOS SÃO CONSTRUÍDOS POR MEIO DO USO DE DIFERENTES CÓDIGOS.
A princípio, esses termos e suas definições conceituais podem parecer muito abstratos e difíceis de compreender. Mas os processos analisados pela Semiótica fazem parte do nosso dia a dia e dos nossos esforços para compreender a realidade que nos cerca. São ainda mais necessários em tempos de intenso compartilhamento de informações e diante do surgimento de novas linguagens e formas de expressão.
EXEMPLO
Sempre que queremos comunicar algo a alguém, utilizamos sinais, códigos ou símbolos que se apresentam para nos expressarmos, garantindo, assim, que o conteúdo transmitido seja de fato compreendido por nosso interlocutor. Palavras, sons, imagens, gestos e até mesmo ações são exemplos de recursos aos quais podemos recorrer para atingir esse objetivo.
Mas, para que a mensagem seja efetivamente entendida pelos demais, é fundamental que os outros percebam e conheçam os sinais que utilizamos e produzam suas próprias representações mentais para processar os sentidos possíveis. É por isso que precisamos falar um mesmo idioma para conversar ou conhecer os mesmos símbolos religiosos para participar de uma liturgia, por exemplo.
Os signos, que são os elementos que utilizamos para formular as mensagens, representam algo a alguém. Quando erguemos nossa mão e a balançamos de um lado para o outro estamos representando uma saudação por meio de um gesto. Isso só acontece porque culturalmente aprendemos que o aceno significa “olá” ou “tchau”.
Dessa maneira, é possível afirmar que as mensagens e os processos de interação entre os signos e as pessoas se condicionam mutuamente.
OS SIGNOS NÃO TÊM UM SIGNIFICADO INTRÍNSECO, EM SI MESMOS, MAS DEPENDEM DO CONTEXTO NO QUAL ESTÃO INSERIDOS E DOS REPERTÓRIOS QUE OS SUJEITOS DA INTERAÇÃO POSSUEM E ACIONAM PARA QUE A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO OCORRA.
Apesar de a Semiótica ser uma ciência ainda jovem,a discussão sobre os signos e os processos de significação é tão antiga quanto o pensamento filosófico. Desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e por pensadores modernos, o estudo das diversas formas de linguagem permeou muitos momentos da história do pensamento ocidental. Entender os múltiplos processos de interação entre os seres humanos, a natureza ou as máquinas têm sido uma curiosidade constante ao longo da história.
PANORAMA HISTÓRICO GERAL
A Semiótica moderna e sua formulação como uma disciplina acadêmica data da segunda metade do século XX. E não por acaso. O período é marcado pelo apogeu dos meios de comunicação de massa – como jornais, cinema, rádio e TV –, que passaram a levar informação e entretenimento para uma audiência de proporções nunca antes vistas.
A multiplicidade de linguagens que despontam nesse período impactou não apenas os comportamentos de consumo de conteúdo, mas toda a cultura do seu tempo. A consolidação dessas mídias trouxe consigo novos hábitos, modismos, visões de mundo. A comunicação deixou de ser prioritariamente verbal e restrita a públicos reduzidos.
Esses impactos não foram sentidos apenas no cotidiano, mas despertaram também a curiosidade de cientistas e intelectuais de diversas áreas, que perceberam a importância do fenômeno em todo mundo. Nesse contexto, surgiram os primeiros esforços intelectuais para propor um estudo sistemático dos signos e seus significados.
 SAIBA MAIS
Um importante marco histórico é a publicação da obra Curso de Linguística Geral, um compilado de anotações de aulas ministradas pelo linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) na Universidade de Genebra. O material, organizado por seus alunos após sua morte, tornou-se ponto de partida para a consolidação de uma ciência geral dos signos, a Semiologia. Os semiologistas se interessavam especificamente por linguagens humanas.
Como já colocado, o campo da Semiótica não contempla apenas as expressões verbais, mas também outras linguagens, de imagens e elementos da natureza a sinais matemáticos, e o primeiro autor a utilizar o termo, também como proposta de consolidação da disciplina foi o cientista estadunidense Charles S. Peirce.
O teórico estipulou um modelo de análise baseado em três categorias universais, que explicam o processo de compreensão da realidade por meio de signos:
PRIMEIRIDADE
Corresponde às impressões puras e imediatas da realidade, sentidas, mas ainda não analisadas racionalmente.
SECUNDIDADE
É referente aos processos de reflexão, comparação e análise das sensações mais instintivas e automáticas.
TERCEIRIDADE
Está associada ao processo de produção de significado a partir do pensamento (semiose), sendo, portanto, a conexão entre as duas categorias anteriores.
Adiante, entenderemos melhor cada uma delas.
SEMIÓTICA SOVIÉTICA E SEMIÓTICA NO BRASIL
A Semiótica soviética surge a partir da relação entre o Partido Comunista e distintas correntes teóricas da época, na primeira década após a Revolução de 1917. É nesse contexto que os estudos da área começam a se desenvolver de forma mais sistemática.
Yuri Lótman com a primeira edição do seu livro
Curso de poética estrutural, de 1964
O período histórico foi marcado por diversos estudos sobre a produção artística, como o cinema e a literatura de vanguarda – vertente que ficou conhecida como Semiótica da Cultura. Mas a produção oriunda da extinta União Soviética só ganhou espaço internacional na década de 1950, sobretudo, a partir das contribuições de teóricos como Yuri Lotman e Boris Uspênski e dos estudos da Universidade de Tartu, na Estônia. Um dos maiores méritos dessa escola da Semiótica foi ampliar as delimitações do campo da pesquisa comunicacional, incluindo a produção cultural como objeto de estudo.
No Brasil, os estudos semióticos se iniciam na década de 1960, sobretudo, a partir da influência do professor e poeta concretista Décio Pignatari, que lecionava na Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro. O docente foi pioneiro na proposição de uma teoria Semiótica peirceana voltada para o Design, a Arquitetura e a Comunicação. Na década seguinte, passou a integrar o programa de pós-graduação da Universidade Católica de São Paulo, que se tornaria um curso de Comunicação e Semiótica. Por fim, é importante destacar a criação do Centro Internacional de Estudos Peirce (CIEP), na Universidade Católica de São Paulo, em 1996. O espaço foi inaugurado por Lucia Santaella, uma das pesquisadoras mais influentes do campo da Semiótica no Brasil até os dias atuais.
Beba Coca-Cola, Décio Pignatari, 1957.
SEMIÓTICA AMERICANA
A Semiótica americana – que, como vimos, tem em Charles Peirce seu maior expoente – busca estudar o aspecto relacional dos signos, adotando uma abordagem mais ampla sobre as múltiplas linguagens. Trata-se, portanto, de uma corrente mais interessada nos significados produzidos, a partir das interações do que no estudo isolado dos signos, por si só.
PEIRCE PROPÔS O CONCEITO DE RELAÇÃO SÍGNICA, QUE ENVOLVE O SIGNO PROPRIAMENTE DITO, O OBJETO QUE ESTÁ SENDO REPRESENTADO POR ELE E SEU INTERPRETANTE (A IMAGEM MENTAL À QUAL O INTERLOCUTOR RECORRE PARA LHE ATRIBUIR SENTIDO). OU SEJA, QUANDO NOS DEPARAMOS COM UM SIGNO E ACIONAMOS ALGUM REPERTÓRIO PARA COMPREENDÊ-LO, PRODUZIMOS OUTROS SIGNOS EM NOSSO PENSAMENTO PARA COMPLETAR O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO. DESSE MODO, O SIGNIFICADO DAQUELE SIGNO INICIAL SE CONCLUI POR MEIO DE OUTRO SIGNO PRODUZIDO EM NOSSO PENSAMENTO.
Outro aspecto original da vertente proposta pelo autor norte-americano é a noção triádica do signo, um modelo dinâmico e contextualizado, cuja proposta é pensar a produção dos sentidos para além de dicotomias simplistas de análise. Além disso, nessa corrente de pensamento, os signos não devem ser pensados a partir de uma perspectiva abstrata ou metafísica, mas observados em seus usos práticos, no cotidiano.
E isso não é por acaso. Como mencionamos anteriormente, o cientista é considerado o pai do pragmatismo, uma escola teórica norte-americana que partia do princípio de que o conhecimento humano e o desenvolvimento das faculdades mentais ocorrem a partir da aprendizagem na experiência concreta, empírica. O termo vem do grego pragma, que significa ação. Os teóricos ligados ao pragmatismo são céticos em relação à metafísica, defendendo, portanto, um método de análise pautado apenas nos sentidos. Em outras palavras, só atestam o que pode ser comprovado por meio da experimentação sensível do mundo real.
Martino (2014) apresenta um exemplo bastante ilustrativo sobre o olhar pragmático acerca dos signos: a arquitetura das igrejas católicas:
Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro
Foto: Paulo Arquiteco / Wikimedia commons / CC-BY-SA-4.0.
Como o autor comenta, esses templos religiosos cristãos apresentam algumas similaridades estéticas, como vitrais, imagens de santos, pias batismais, torres, crucifixos, pinturas que ilustram passagens bíblicas etc. Assim, qualquer pessoa familiarizada com os códigos da cultura ocidental não terá dificuldades em perceber que esse tipo de construção é uma igreja. No entanto, todos esses signos foram escolhidos e convencionados socialmente de forma arbitrária.
Discoteca e casa noturna Paradiso, cujo prédio era originalmente uma igreja construída no século XIX, em Amsterdã, Holanda. Foto: Andreas Praefcke / Wikimedia commons / CC BY 3.0.
O pesquisador ressalta que na Europa há muitos prédios de antigas igrejas que atualmente são utilizados com outras finalidades, sem qualquer relação com o universo místico. São centros culturais ou salões de exposições, por exemplo. Em suma, todos os sinais religiosos permanecem nesses locais, mas não necessariamente serão considerados religiosos para quem os ocupa agora. Essa simples constatação, nos leva à conclusão de que “o signo pode virtualmente ser qualquer coisa no momento que é usado como tal. As três partes dessa relação – signo, significante e significado – não existem de maneira separada” (MARTINO, 2014, p.118).
RAMOS DA SEMIÓTICA
Desde suaorigem como campo científico, a Semiótica é apresentada a partir de diferentes vertentes. O mais correto seria falarmos em semióticas, no plural, para dar conta das diferentes correntes que existem no âmbito dessa ciência.
O ESTUDO DA SEMIÓTICA ABARCA DIVERSOS ASPECTOS RELATIVOS AOS SIGNOS, COMO SUA REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE E AS DIVERSAS FORMAS DE INTERPRETÁ-LOS E APREENDÊ-LOS. ANALISA, PORTANTO, AS CARACTERÍSTICAS DESSES SINAIS, OS POTENCIAIS SENTIDOS QUE PODEM INCITAR E AS MÚLTIPLAS FORMAS DE COMPREENSÃO DE UMA MENSAGEM.
A vertente teórica proposta por Peirce, mais especificamente, propõe três ramos que abarcam o campo da Semiótica: a gramática especulativa, a lógica crítica e a metodêutica ou retórica especulativa.
GRAMÁTICA ESPECULATIVA
LÓGICA CRÍTICA
METODÊUTICA
GRAMÁTICA ESPECULATIVA
É o ramo de estudos que analisa os diversos tipos de signo, suas múltiplas formas de representação e seus potenciais significados. De acordo com Santaella (2008), esse segmento trabalha com conceitos abstratos, que permitem que determinados comportamentos possam ser considerados signos; e analisa os elementos determinantes para a compreensão dos signos e suas propriedades, ou seja, o que um signo deve ter para que possa incorporar qualquer significado.
LÓGICA CRÍTICA
Leva em conta os diferentes tipos de raciocínio. Analisa pensamentos, deduções e imagens que surgem na mente dos receptores de determinada mensagem. Corresponde à “teoria das condições gerais da referência dos Símbolos e outros Signos aos seus Objetos manifestos, ou seja, é a teoria das condições da verdade” (PEIRCE, 2000, p. 29). Os argumentos estudados pela lógica crítica são denominados inferências.
METODÊUTICA
Ramo abordado com menos frequência nos estudos de Semiótica, analisa as condições por meio das quais um signo dá origem a outro e, principalmente, busca compreender como um pensamento gera outro pensamento. Ou seja, debruça-se sobre a relação entre os tipos de raciocínio que são analisados pela lógica crítica (SANTAELLA, 1996, 2008).
RESUMINDO
Nessa perspectiva, a gramática especulativa é o ramo da Semiótica que estuda a forma dos signos, a lógica crítica é aquela que cuida dos sentidos da representação e, por fim, a metodêutica analisa os métodos originados pelos diversos tipos de raciocínio, observando os outros ramos no contexto cultural no qual estão inseridos.
CATEGORIAS UNIVERSAIS DO PENSAMENTO
Analisemos um exemplo, a partir de uma situação cotidiana. Imagine que você está em casa e alguém toca a campainha. O que veríamos se pudéssemos observar o pensamento em câmera lenta?
Em um primeiro momento, ouve-se um som. Na sequência, há um esforço para racionalizar aquele estímulo sonoro, diferenciando-o de outros barulhos, como o áudio da televisão ou o apito do micro-ondas. Por fim, é possível compreender o que aquela impressão inicial significa: há uma pessoa do lado de fora da casa querendo falar com você. Na prática, todas essas etapas ocorreriam em milésimos de segundos e sequer seriam perceptíveis. Não nos damos conta da complexidade do nosso próprio raciocínio diante dos estímulos que recebemos o tempo todo.
Essa situação simples é um exemplo de semiose, ou seja, corresponde a um processo de interpretação da realidade a partir de determinados signos.
PEIRCE COMPREENDE O SIGNO COMO ALGO QUE ESTÁ NO LUGAR DE OUTRA COISA PARA ALGUÉM.
O que está em jogo nessa premissa é uma relação construída a partir de três partes interligadas:
O SIGNO
A REPRESENTAÇÃO MENTAL
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO
Quando algo se apresenta para nós e, ao se projetar em nossa mente, transforma-se em um signo, o resultado desse movimento forma o objeto de estudo da fenomenologia, ciência que cuida da investigação dos elementos que estão em nossa mente ou consciência. A representação mental ou referência é o que permite compreender o signo, é a ponte para a construção do significado.
Na perspectiva da Semiótica americana, mais especificamente, todo o processo envolvendo a produção de sentido – da percepção inicial de um signo à construção de seu significado por meio do pensamento –, pode ser pensado a partir de três categorias propostas por Peirce:
PRIMEIRIDADE
Corresponde ao contato inicial com determinado signo, que pode ser uma palavra, um som, uma imagem, um objeto. Trata-se da impressão imediata. Essa experiência está relacionada à percepção de um estímulo novo, original, espontâneo, que antecede qualquer distinção ou análise mais aprofundada. Ocorre antes da plena tomada de consciência sobre sua própria existência. É o que Santaella (1996) chama de “estado-quase”, uma forma de percepção rudimentar, imprecisa e indeterminada. Corresponde ao mundo dos sentidos, independente da racionalidade. No caso do exemplo que apresentamos anteriormente, a primeiridade corresponde ao momento do toque da campainha, quando se ouve o som.
SECUNDIDADE
Refere-se à etapa de racionalização das sensações iniciais da experiência da primeiridade, na qual o signo é distinguido, diferenciado e racionalmente processado. A primeira parte do processo restringe-se à qualidade do signo, às sensações despertadas, enquanto a segunda etapa materializa o estímulo em um pensamento. Em nossa situação hipotética, a secundidade corresponde ao rápido momento em que processamos o som que vem da porta, diferenciando-o de outros ruídos à nossa volta e decifrando-o.
TERCEIRIDADE
Síntese racional das duas etapas anteriores. Fase da compreensão, da criação do significado por meio do pensamento. É quando o indivíduo conecta o sinal recebido à sua experiência de vida, contextualizando-o a partir dos repertórios que conhece e detém. Em nossa história, a categoria estaria associada ao momento em que se percebe que o barulho que ouvimos (o signo) refere-se à campainha e, portanto, significa que há alguém à porta esperando para ser atendido. Aprendemos desde cedo a fazer a associação entre o som e o ritual que se repete toda vez que alguém vai a nossa casa para falar conosco. Esse ensinamento reflete uma convenção social, um conhecimento compartilhado coletivamente.
Agora vamos ver se você compreendeu o processo de produção de sentido por meio dos signos proposto Peirce.
A PRODUÇÃO DE INTELIGIBILIDADE E O SURGIMENTO DO PENSAMENTO EM SIGNOS FAZEM PARTE DE QUAL CATEGORIA?
· Primeiridade
· Secundidade
· Terceiridade
SENSAÇÕES E IMPRESSÕES ESTÃO EM QUAL CATEGORIA?
· Primeiridade
· Secundidade
· Terceiridade
O ESFORÇO INTELECTUAL DE PERCEPÇÃO INICIAL SE ENQUADRA EM QUAL CATEGORIA?
· Primeiridade
· Secundidade
· Terceiridade
A Semiótica peirceana trabalha com três tricotomias (divisão em três categorias):
1
A primeira tricotomia trata da relação entre os signos.
2
A segunda, corresponde à relação entre os signos e os objetos da realidade concreta por eles representados.
3
A terceira tricotomia se debruça sobre a relação entre os signos e as imagens mentais formadas no pensamento humano para compreender seus significados.
No próximo módulo, detalharemos cada uma dessas categorias e apresentaremos um resumo do método de análise peirceano, que constitui o cerne da Semiótica americana.
No vídeo a seguir, a professora Júlia Silveira fala sobre o signo e as categorias universais do pensamento. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A ORIGEM DA SEMIÓTICA MODERNA COMO DISCIPLINA ACADÊMICA DATA DO SÉCULO XX, A PARTIR DE DIVERSOS ESTUDOS REALIZADOS NOS ESTADOS UNIDOS, NA EUROPA ORIENTAL E NA EXTINTA UNIÃO SOVIÉTICA. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE CORRESPONDE A UMA DAS ESPECIFICIDADES DA SEMIÓTICA AMERICANA EM COMPARAÇÃO COM AS DEMAIS CORRENTES DE ESTUDO DOS SIGNOS, QUE DESPONTARAM NA MESMA ÉPOCA.
Análise restrita às linguagens e formas de expressão verbais.
Método baseado em três categorias de ações mentais, acionadas nos processos de produção de sentido.
Fundação a partir dos estudos da Semiologia, capitaneados por Ferdinand de Saussure.
Estudo exclusivo dos signos e significados que fazem parte da cultura anglófona.
Corrente teórica considerada arcaica e que tende a cair em desuso.
2. AS CATEGORIAS UNIVERSAISDO PENSAMENTO, PROPOSTAS POR CHARLES PEIRCE, SÃO: PRIMEIRIDADE (IMPRESSÕES INICIAIS E ESPONTÂNEAS); SECUNDIDADE (PERCEPÇÃO POR MEIO DE COMPARAÇÕES) E TERCEIRIDADE (SÍNTESE RACIONAL DAS DUAS ETAPAS ANTERIORES). A PARTIR DESSA PERSPECTIVA, ASSINALE A DEFINIÇÃO CORRETA ACERCA DA CATEGORIA TERCEIRIDADE.
Análise restrita às emoções e sensações viscerais.
Conclusão obtida por meio da análise de três argumentos distintos.
Produção de sentido a partir de signos acionados pelo pensamento.
Tradução dos estímulos sensoriais para uma linguagem matemática e, portanto, objetiva.
Ato de descartar a percepção do signo da memória para se dedicar a outros pensamentos.
GABARITO
1. A origem da Semiótica moderna como disciplina acadêmica data do século XX, a partir de diversos estudos realizados nos Estados Unidos, na Europa Oriental e na extinta União Soviética. Assinale a alternativa que corresponde a uma das especificidades da Semiótica americana em comparação com as demais correntes de estudo dos signos, que despontaram na mesma época.
A alternativa "B " está correta.
Ao contrário dos estudos do campo da Semiologia, a Semiótica não trabalha com modelos dicotômicos, partindo sempre de tríades de categorias para analisar os signos e as suas relações com os objetos e os significados.
2. As categorias universais do pensamento, propostas por Charles Peirce, são: primeiridade (impressões iniciais e espontâneas); secundidade (percepção por meio de comparações) e terceiridade (síntese racional das duas etapas anteriores). A partir dessa perspectiva, assinale a definição correta acerca da categoria terceiridade.
A alternativa "C " está correta.
A categoria peirciana da terceiridade corresponde ao processo de produção de sentido que ocorre na mente humana, por meio de signos acionados mentalmente. Essa categoria de pensamento é a síntese das duas outras: primeiridade e secundidade.
MÓDULO 2
Identificar os principais conceitos, categorias e métodos da Semiótica americana, bem como suas possíveis aplicações
A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE
Imagine um soldado em combate, observando seus adversários em uma trincheira à sua frente. Vamos supor que, após o confronto, ele consiga avistar um borrão branco em meio aos seus inimigos. A princípio, tudo o que pode enxergar é uma mancha, não sendo possível chegar a nenhuma conclusão precisa a respeito do que vê. Aproximando-se, o homem consegue identificar que se trata de um pano sendo balançado de um lado para o outro. O soldado estabelece, portanto, uma relação entre o branco e o pano e compreende que se trata de um objeto conhecido. Chegando ainda mais perto, o mistério se revela: alguém está agitando uma bandeira branca. Nesse exato momento, ele tem a total compreensão da situação: um pedido de paz, uma declaração de redenção.
Esse exercício imaginativo ilustra a maneira como interpretamos a realidade e ajuda a compreender os princípios básicos da Semiótica na perspectiva de Peirce:
 
Em um primeiro momento, os objetos da realidade concreta simplesmente aparecem diante de nós e são percebidos pela nossa mente.
 
Posteriormente, procuramos estabelecer uma relação de identificação para entender o que estamos vendo, ouvindo ou sentindo.
 
Por fim, conseguimos interpretar aquela imagem e, por meio do repertório que temos, compreendemos o seu significado naquele contexto.
É importante ressaltar também a importância do conhecimento dos códigos e dos repertórios que cada indivíduo possui para elaborar um significado inteligível por meio do pensamento. No caso do exemplo anterior, o soldado só conseguiu compreender que o signo “bandeira branca em movimento” significava um pedido de trégua porque, em algum momento ao longo da história, essa associação foi criada e o simbolismo coletivamente foi transformado em uma convenção social. Para processar a mensagem do seu adversário, o combatente de nossa história teve que acionar em sua mente uma imagem mental capaz de fornecer o significado daquele signo avistado no meio do confronto. Foi necessário acionar as informações apreendidas e produzir um novo signo em seu pensamento para que o objeto “bandeira branca” fosse assimilado e associado a um pedido de paz.
A Semiótica peirceana, portanto, é baseada em uma tríade:
A percepção dos objetos que existem no mundo concreto, na realidade prática.
As representações desses objetos por meio de signos diversos.
A elaboração mental do significado desses signos, por meio de novos signos que acionamos em nossa mente, com o repertório que possuímos.
O esquema proposto por Peirce envolve basicamente:
O SIGNO
O OBJETO POR ELE REPRESENTADO
O CHAMADO INTERPRETANTE
INTERPRETANTE
A imagem mental à qual o interlocutor recorre para atribuir sentido ao signo – e que também é, ela mesma, um signo.
Confira, no esquema a seguir, um resumo das categorias Peirceanas associadas ao interpretante:
A seguir, discutiremos cada um desses elementos e as relações que estabelecem entre si, a partir da perspectiva da Semiótica.
SIGNO
Comecemos por uma definição de dicionário. De acordo com o dicionário Michaelis, signo é um “sinal indicativo de algo; indício, símbolo, vestígio”.
EM UMA DEFINIÇÃO SIMPLES E RESUMIDA, TRATA-SE, PORTANTO, DE ALGO QUE ESTÁ NO LUGAR DE OUTRA COISA (OBJETO), PARA REPRESENTÁ-LA PARA ALGUÉM. TUDO O QUE REMETE OU FAZ REFERÊNCIA A ALGO ALÉM DE SI MESMO PODE SER CONSIDERADO UM SIGNO.
O signo, também chamado de representamen, é qualquer coisa que faz referência a um objeto concreto ou fenômeno da realidade. Substitui o objeto, representando-o, mas não é o objeto em si. Também não dá conta de fazer referência a todos os aspectos daquilo que substitui, mas sim a um tipo de ideia sobre o elemento ou fenômeno referenciado (PEIRCE, 2000).
Vejamos dois exemplos:
Foto: Shutterstock.com
É o caso de um sinal de trânsito, com suas diferentes cores, que indica regras a serem seguidas. Em tese, não é necessário um texto explicativo ou um guarda de trânsito para que motoristas e pedestres saibam quando podem seguir em frente e quando devem parar e aguardar.
Foto: Shutterstock.com
É também o caso de um crucifixo, objeto que ilustra e aciona a lembrança religiosa do sacrifício de Cristo para os fiéis católicos.
Os signos são, portanto, um meio de interação entre os seres, as linguagens e as representações.
Pensemos em nosso idioma, por exemplo. Cada palavra associada à língua portuguesa é um signo, sendo formada por um conjunto de letras (no caso da linguagem escrita) ou fonemas (na linguagem oral). São caracteres e sons que, ao se unirem, passam a representar alguma coisa e a comunicar determinada mensagem. Mas apenas quem sabe falar português vai entender o que esses signos representam nas distintas situações.
EXEMPLO
Quando escrevemos a palavra árvore (um conjunto de seis letras e um acento), esperamos que o leitor compreenda que estamos fazendo referência ao objeto concreto árvore, com seu tronco, folhas e galhos. Mas esse entendimento só acontecerá se houver conhecimento dos códigos do idioma, historicamente convencionados.
Para quem fala inglês, por exemplo, o objeto árvore em si é simbolizado pela sequência de caracteres tree. Ou seja, um signo só acionará a produção de sentidos na mente se entendermos o sistema de códigos no qual este está inserido. Nem árvore, nem tree são uma árvore propriamente dita ou fazem referência a todas as suas características, mas são signos que representam esse objeto por meio da linguagem.
O signo corresponde à unidade básica de entendimento de determinado código e pode ser desmembrado em dois níveis de compreensão:
SIGNIFICANTE
Corresponde ao elemento seu elemento material, tangível.
SIGNIFICADO
É a sua esfera abstrata e conceitual.
Desse modo, para dar conta de sua função mediadora e representativa, o signo precisa estar materializado em um veículo sensível ou em uma forma expressiva.
A partir da relação do signo consigo mesmo (a chamada primeira tricotomia de Peirce), o representamen pode ser classificado em três categoriais que indicam o tipo de interpretação que ocorre na mentedo interlocutor:
Imagem: Shutterstock
Quali-signo
Corresponde às nossas impressões e sensações imediatas – portanto, ainda vagas, descontextualizadas, viscerais. Por exemplo, quando sentimos que o signo “cor azul” nos desperta sensações de paz e tranquilidade. É como se esses sentimentos fossem um pré-signo, um impulso espontâneo que ainda não foi racionalizado ou analisado em profundidade.
Imagem: Shutterstock
Sin-signo
É o resultado da singularização do quali-signo. Ou seja, no caso da ilustração anterior, poderíamos dizer que, se alguém entende que a cor azul transmite serenidade; e rosa, delicadeza, é porque percebe as cores de maneira pessoal, particular.
Imagem: Shutterstock
Legi-signo
É uma impressão mediada por convenções, pactos sociais, ideias universalizadas, apreendidas e compartilhadas coletivamente. É o caso, por exemplo, da ideia de que a cor azul está associada aos meninos e a cor rosa às meninas, uma relação de significação arbitrária, mas convencionada histórica e culturalmente, atribuindo determinados valores a signos específicos.
No vídeo a seguir, a professora Júlia Silveira fala sobre signo, objeto e interpretante, trazendo exemplos da primeira trocotomia peirceana. Vamos assistir!
OBJETO
A partir do que foi discutido até aqui, é possível perceber que existem duas dimensões a serem analisadas no campo da Semiótica:
A realidade (palpável)
 
O pensamento humano
O mundo concreto é composto por objetos, percebidos e compreendidos por meio de representações e interpretações que produzimos e acionamos em nossa mente. Os objetos são classificados de duas maneiras:
OBJETOS DINÂMICOS
São os objetos pertencentes à vida concreta, ou seja, tudo aquilo que existe na natureza e sobre o qual podemos pensar ou falar.
OBJETOS IMEDIATOS
São os aspectos e as características que um signo seleciona desse objeto concreto para poder representá-lo.
Ao contrário do campo da Linguística, que se atém às linguagens humanas e verbais, a Semiótica abarca diversas expressões, como sons, imagens, gestos e ações, sensações e sentimentos. Assim, na perspectiva peirceana, há diversas maneiras de representação passíveis de análise.
A relação entre signos e objetos, que correspondem à segunda tricotomia desse método, pode ser classificada em três categorias distintas:
ÍCONES
São representações que se constroem a partir de semelhanças e de aproximação com a realidade. É o caso, por exemplo, de fotografias, pinturas, esculturas e placas de trânsito, que fazem referências icônicas a determinados objetos da realidade concreta. Esses signos não são a mesma coisa que os objetos que representam, mas ambos estão diretamente vinculados.
ÍNDICES
Em inglês, index, são referências estabelecidas por meio de relações de causa e efeito. Se vemos uma pegada na areia (que, nessa perspectiva, pode ser considerada um signo), compreendemos que alguém pisou naquela superfície em algum momento, mesmo que não possamos ver quem andava por ali. É o que ocorre também quando avistamos nuvens pretas no céu ou ouvimos o som de trovoadas e deduzimos que vai chover.
Peirce apresenta um exemplo que, para nós, virou até ditado popular: onde há fumaça, há fogo. Ou seja, o signo fumaça é um índice de fogo, incêndio. Não por acaso, falamos em indícios quando tratamos de uma investigação ou pesquisa. A solução de um mistério ou de problema intelectual ocorre a partir da observação e interpretação de signos.
SÍMBOLOS
São signos que representam a realidade, a partir de uma convenção, de determinado significado construído e disseminado historicamente, e compartilhado coletivamente. É o caso das palavras em certo idioma, de imagens religiosas (como a estrela de Davi) e políticas (a suástica nazista ou a foice e o martelo do comunismo, por exemplo).
Trata-se da forma mais distante e abstrata de relação entre um signo e um significado. Quando lemos a palavra carro, logo mentalizamos a imagem de um veículo, mas essas cinco letras não têm nenhuma semelhança com o automóvel em si; são apenas uma combinação de caracteres que, no idioma português, está associada ao objeto carro.
EXEMPLO
Agora, vamos refletir: os signos de gênero, ou a já citada convenção da sugestão da cor rosa para o feminino e do azul para o masculino, são símbolos, ou seja, signos arbitrariamente definidos como próprios a determinados significados.
Mas e o signo de uma pessoa aparentemente vestida com um vestido e outra com calças compridas para indicar que um banheiro é feminino ou masculino? Trata-se de um ícone ou de símbolo? Mais uma vez, se considerarmos que o vestido está, necessariamente, associado ao feminino, e as calças, associadas ao masculino, talvez seja possível argumentar que se trata de um ícone. Caso contrário, incorremos em um erro de lógica.
INTERPRETANTE
Ao nos depararmos com um signo e percebê-lo, acontece uma projeção, em nosso pensamento, do objeto que está sendo representado. As referências que acionamos para distinguir e compreender as coisas que se colocam diante de nós são conhecidas como interpretante (não confunda com intérprete, que é o sujeito desse processo!).
Na história hipotética da visita que chega à sua casa, o interpretante seria a percepção da campainha tocando e a imagem mental de alguém à porta, que rapidamente aparece em nossa mente e remete aos repertórios necessários para compreender o que está acontecendo ao nosso redor. A relação entre o signo e seu interpretante corresponde à terceira tricotomia de Peirce.
RESUMINDO
Vamos recapitular! Um signo representa um objeto da realidade concreta e, por meio dessa relação de referência, nossa mente cria um segundo signo para produzir o significado do primeiro. Ou seja, o segundo signo produzido nesse processo – que pode ser uma imagem mental, uma ação, um gesto ou um sentimento – é o interpretante do primeiro.
É possível afirmar que os interpretantes são variáveis, pois são produzidos e acionados em cada mente, de maneira particular e pessoal – mesmo que convoquem repertórios coletivos. O interpretante depende também da natureza e do potencial significativo do signo.
EXEMPLO
Pensemos no ato de escutar uma música. Se não dominamos os códigos da composição musical, a audição só provocará em nós qualidades de impressão, ou seja, sensações viscerais, que poderemos traduzir em interpretantes emocionais, como alegria, tristeza, tédio. Ou seja, o interpretante desse processo será condicionado e limitado pelo repertório que possui e pelas relações que estabelece com o que ouve (SANTAELLA, 1983).
Vamos imaginar exemplos mais elaborados:
Você escrevendo para um amigo em um aplicativo de mensagens. O conteúdo enviado por meio do texto é um signo do que você, de fato, gostaria de comunicar (objeto). Já o impacto que a mensagem terá no destinatário será o interpretante da mensagem. Nesse caso, o interpretante nada mais é do que um mediador entre o que você gostaria de transmitir ao seu amigo e os efeitos que provocou por meio do envio daquela mensagem específica.
Pense, agora, em um filme baseado em fatos reais. Esse tipo de longa-metragem nada mais é do que um signo da história real que representa, a qual, por sua vez, é o objeto do signo. O interpretante, nesse caso, será o efeito do filme em quem o assistir – e compreende, portanto, inúmeras possibilidades.
A categoria interpretante se subdivide em:
Interpretante imediato
Nível de análise abstrato, corresponde ao potencial significativo de um signo, ou seja, todo tipo de interpretação que um signo pode ocasionar. As possibilidades de criações de referência do interpretante abstrato são inúmeras.
Interpretante dinâmico
É o efeito que um signo realmente produz no interpretante, ou seja, ocorre a partir de uma análise sobre o fenômeno de fato.
Quanto ao interpretante dinâmico, ele pode ser:
INTERPRETANTE EMOCIONAL
INTERPRETANTE ENERGÉTICO
INTERPRETANTE LÓGICO
Como o nome sugere, é um primeiro efeito despertado pelos signos e está associado às sensações e sentimentos. Está, portanto, ligado à categoria da primeiridade. Se retomarmos os últimos exemplosanalisados, o interpretante emocional poderia ser a emoção de quem recebe a mensagem de um amigo, ou a raiva de um espectador, que assiste a um filme baseado na história de um assassino em série.
Aciona uma reação na mente, que pode ser um movimento físico ou mental (como pegar um objeto ou ter uma ideia). Trata-se, portanto, do contexto da secundidade. Ainda no caso dos nossos exemplos, poderia ser a movimentação de quem ouviu o celular tocar e decidiu estender o braço para alcançar o aparelho e ler as mensagens que chegaram.
É “o pensamento ou entendimento geral produzido pelo signo” (SANTAELLA, 1995, p.105). Ou seja, abarca o processo completo de significação, que demanda um esforço mental para realizar inferências e estabelecer relações de causa e consequência. É relativo à terceiridade.
RELAÇÃO ENTRE SIGNOS E SEUS INTERPRETANTES
De acordo com Peirce, nessa relação, é possível identificar três categorias diferentes:
REMA
Corresponde a um enunciado que não pode ser averiguado e classificado como verdadeiro ou falso. É o caso, por exemplo, de palavras soltas (sim, não, talvez) ou dos nomes. Trata-se, portanto, de um signo compreensível isoladamente, mas que se apresenta a nós fora de qualquer contexto mais abrangente. É algo amplo e impreciso, e não pode ser julgado ou avaliado de maneira mais aprofundada.
O rema “casa”, por exemplo, é um signo com diversas possibilidades de significação, visto que pode ser associado a uma série de atributos e características: casa pequena, casa suja, casa acolhedora etc. Mas, ao surgir desse modo, sem complementos ou qualificações, não nos diz muita coisa.
DICENTE
Também chamado de dicissigno, segundo Peirce (2000), é uma proposição que indica o objeto representado denominado de seu sujeito, sem interferir no interpretante. Desse modo, corresponde a hipóteses e suposições, a ideias que podem ser valoradas, qualificadas ou classificadas como verdadeiras ou falsas.
É o caso da frase “minha casa é amarela”, por exemplo. O dicente corresponde, portanto, às particularizações interpretativas.
ARGUMENTO
Está relacionado a constatações mais complexas e conclusões mais profundas no processo de construção de significação. São enunciados organizados de modo a apresentar uma conclusão, como, por exemplo, “minha casa é amarela, pois decidi destacá-la, pintando-a de uma cor diferente das outras residências da minha rua”.
Recorrendo ao seu papel de lógico, Peirce propôs, ainda, três classificações possíveis para os argumentos, que variam de acordo com a estratégia de verificação da verdade e com a proposição de afirmações conclusivas. São elas:
DEDUÇÃO
INDUÇÃO
ABDUÇÃO
Para explicar cada uma dessas vertentes, utilizaremos um exemplo do próprio Peirce (1972), esquematizado no quadro a seguir:
	ARGUMENTO
	Dedução
	Indução
	Abdução
	Parte de um caso específico, particular, para chegar a uma conclusão geral, mais ampla.
	Segue o caminho oposto da dedução, ou seja, conclui algo sobre casos particulares, a partir das regras existentes.
	Inicialmente denominada hipótese, essa categoria corresponde a um esforço criativo, que propõe uma solução, a partir da conexão entre dois fatos.
	Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.
	Caso: estes feijões são deste pacote.
	Regra: todos os feijões deste pacote são brancos
	
	
	
	Caso: estes feijões são deste pacote.
	Resultado: estes feijões são brancos.
	Resultado: estes feijões são brancos.
	
	
	
	Resultado: estes feijões são brancos.
	Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.
	Caso: estes feijões são deste pacote.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Peirce (1972) adaptado por Júlia Silveira e Pedro Tamburro.
Para recapitular tudo que foi discutido até aqui, apresentamos a seguir, um quadro com o resumo das distintas formas de relação entre signos e fenômenos, a partir da perspectiva das três triconomias propostas por Peirce.
TESTE SEU CONHECIMENTO!
ASSOCIE CORRETAMENTE OS EXEMPLOS A CADA UMA DAS CATEGORIAS DA TERCEIRA TRICOTOMIA DE PEIRCE.
REMA
DICENTE OU DICISSIGNO
ARGUMENTO
A RENOVAÇÃO DA SEMIÓTICA
Diante do que foi exposto, é possível perceber que a Semiótica não se restringe a um conjunto de regras aplicáveis de maneira automática ou sem conexão com os usos práticos das linguagens. Pelo contrário, trata-se de uma ciência complexa, de um campo amplo e multifacetado, que é acionado em diversas áreas do saber.
AS CATEGORIAIS PROPOSTAS POR PEIRCE NOS AJUDAM A SISTEMATIZAR A INVESTIGAÇÃO DOS MAIS VARIADOS OBJETOS DE ESTUDO; MAIS DO QUE ISSO, CONSTITUEM IMPORTANTES FERRAMENTAS PARA COMPREENDERMOS AS RELAÇÕES ENTRE OS SIGNOS E A PRODUÇÃO DE SENTIDO NA MENTE HUMANA.
Se, no século passado, a chamada ciência dos signos já se revelava uma temática abrangente e importante, imagine agora, diante das novas tecnologias e linguagens digitais às quais temos acesso? Do sistema binário dos computadores, passando pelo repositório infinito de assuntos na internet, estamos diante de uma diversidade de informações sem precedentes. Isso sem mencionar os novos hábitos de consumo de conteúdo, por meio da lógica do hipertexto, ou seja, os textos que agregam conteúdos e ligam palavras, imagens, sons e tudo o que pode ser referenciado na internet.
Longe de se tornar uma ciência datada, a Semiótica continua sendo um importante conjunto de ferramentas teóricas, úteis para a compreensão dos processos comunicativos. É um instrumento relevante (e ainda atual!) de análise da realidade que nos cerca – e cada vez mais midiatizada e complexa.
No vídeo a seguir, a professora Júlia Silveira comenta sobre importância, utilidades e funções do conhecimento da Semiótica. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutimos as origens do campo da Semiótica como disciplina acadêmica, analisando mais especificamente a escola americana, capitaneada por Charles Peirce, no século XX.
Estudamos as principais categorias associadas à Teoria dos Signos, que se articulam por meio de tricotomias. Também discutimos as definições de alguns conceitos fundamentais na teoria peirceana, como signo, objeto e interpretante, recorrendo a exemplos para auxiliar a compreensão. Além disso, analisamos como os signos se relacionam entre si, com os elementos e fenômenos que representam, e com os significados produzidos por meio do pensamento humano.
Percebemos como os instrumentos analíticos da Semiótica podem ser um conhecimento de extrema importância em um mundo em que o volume de informações e sua complexidade vêm aumentando a cada dia.
PODCAST
Agora com a palavra a professora Júlia Silveira, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir!
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
MARTINO, L.M.S. Teoria da Comunicação: ideais, conceitos e métodos. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
NÖTH, W. A Semiótica no Século XX. São Paulo: Annablume, 1995.
PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.
PEIRCE, C. S. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972.
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 42.
SANTAELLA, L. Teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.
SANTAELLA, L. Produção de linguagem e ideologia. São Paulo: Cortez, 1996.
SANTAELLA, L. Epistemologia Semiótica. In: Cognitio, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 93-110, jan./jun. 2008.
SIGNO. In: Dicionário Michaelis. Consultado na internet em: 31 mar. 2021.
EXPLORE+
· Assista ao vídeo A realidade transformada em símbolos, em que o professor Luiz Mauro Sá aborda o conceito de linguagem e discute diferentes formas de representação; produzido pela Casa do Saber.
· Estude mais sobre os conceitos básicos da Semiótica, a partir da leitura do artigo Semiótica peirceana e a questão da informação e do conhecimento, de Silvana Drumond Monteiro, disponível no portal de periódicos da UFSC.
· Leia o artigo A atualidade estratégica da Semiótica, de Lucia Santaella, na edição de agosto de 2020 da revista Cult.
CONTEUDISTA
Júlia Silveira
CURRÍCULO LATTES
DEFINIÇÃO
Teoria da matriz da linguagem e do pensamento, a partirdas linguagens sonora, visual e verbal, com seus modos de hibridização.
PROPÓSITO
Compreender as matrizes das linguagens e os modos de hibridização de linguagens para ampliar o conhecimento sobre a contribuição da semiótica na comunicação.
PREPARAÇÃO
Tenha à disposição dicionários e enciclopédias on-line gratuitos da área de arte, cultura e estudos linguísticos e literários como a Enciclopédia Itaú Cultural, do Itaú Cultural, o E-Dicionário de termos literários, de Carlos Ceia, o Dicionário de Cultura Básica, de Salvatore D’Onofrio, e o Dicionário de Termos Linguísticos, do Portal da Língua Portuguesa.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar a matriz sonora da linguagem
MÓDULO 2
Identificar a matriz visual da linguagem
MÓDULO 3
Identificar a matriz verbal da linguagem
MÓDULO 4
Reconhecer os modos de hibridização das linguagens
INTRODUÇÃO
Quais são as linguagens de que dispomos em nosso mundo contemporâneo?
Como as linguagens se estruturam?
De que modo elas se inter-relacionam ou se misturam?
Essas são algumas das questões que abordaremos ao tratar das três matrizes da linguagem:
SONORA
VISUAL
VERBAL
Também trataremos da hibridização das linguagens e do modo como as linguagens se misturam.
Nossa abordagem partirá da teoria das matrizes da linguagem e pensamento de Lucia Santaella, fundamentada nas contribuições teóricas da semiótica de C. S. Peirce.
MÓDULO 1
Identificar a matriz sonora da linguagem
AS TRÊS MATRIZES DA LINGUAGEM
Quando assistimos a um filme, a um vídeo ou a um programa de televisão, temos diante de nós várias linguagens agindo ao mesmo tempo. Antes dos meios eletrônicos, o jornal impresso já exibia textos, imagens, diagramas, todos esses recursos de linguagem combinando-se de modo a constituir uma mensagem integrada.
Atualmente, quando entramos nas redes, por meio de uma plataforma ou de um aplicativo, navegamos por arquiteturas de informação compostas por uma multiplicidade de linguagens sonoras (músicas, sons, ruídos), linguagens visuais, em uma ampla variação, especialmente porque a navegação depende do agenciamento do usuário entre imagens para seguir pistas e cascatas de opções. O texto verbal também está presente em uma diversidade de manifestações. Em suma, tudo isso vem junto e misturado, mas sempre capaz de produzir sentido.
Diante dessas misturas indissociáveis, surge a pergunta: será que não há matrizes de linguagem que dão fundamento a essas misturas e que permitem que elas sejam naturalmente compreensíveis ao leitor?
Para responder essa pergunta, Lucia Santaella (2001) desenvolveu a hipótese de que, por baixo de tudo isso, só existem três grandes matrizes da linguagem e pensamento:
SONORA
VISUAL
VERBAL
É a partir dessas matrizes da linguagem que se originam todos os tipos de linguagens e processos sígnicos que os seres humanos, ao longo da história, foram capazes de produzir.
A grande variedade e a multiplicidade crescente de todas as formas de linguagens (literatura, música, teatro, desenho, pintura, gravura, escultura, arquitetura, hipermídia etc.) estão alicerçadas em não mais do que três matrizes.
Apesar da variedade de suportes, meios, canais (foto, cinema, televisão, vídeo, jornal, rádio, computador etc.) em que as linguagens se materializam e são veiculadas, apesar das diferenças específicas que elas adquirem em cada um dos diferentes meios, subjacentes a essa variedade e a essas diferenças, temos apenas três matrizes.
Nessa hipótese, está a convicção de que há raízes lógicas e cognitivas específicas que determinam a constituição do verbal, do visual, do sonoro e de toda a variedade de processos sígnicos que eles produzem.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Os fundamentos teóricos dessa proposta encontram-se na fenomenologia e na semiótica do filósofo e cientista norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914). Por fenomenologia, Peirce (1977) entendeu a descrição do fenômeno, e por fenômeno entendeu tudo aquilo que aparece em nossa mente, em todos os instantes de nossa experiência.
Charles Sanders Peirce (1839 – 1914).
O alvo que tinha em mente com essa descrição era chegar às categorias mais gerais, elementares e universais, que tornam a experiência possível.
Vamos lembrar que desse estudo resultaram três categorias, cuja generalidade ficou expressa na terminologia de:
PRIMEIRIDADE
SECUNDIDADE
TERCEIRIDADE
São categorias muito gerais e universais que, para alcançar a universalidade necessária, foram despojadas de qualquer conteúdo material, de modo a realçar tão só e apenas sua natureza lógica. Entretanto, para facilitar o reconhecimento dessa lógica, é necessário indicar as ideias a que cada uma delas está atada.
PRIMEIRIDADE
SECUNDIDADE
TERCEIRIDADE
PRIMEIRIDADE
Está ligada às ideias de possibilidade, frescor, vida, liberdade, vagos e incertos sentimentos, indefinição, qualidade.
SECUNDIDADE
Está ligada às ideias de tudo que tem existência real, dualidades, relações entre pares, esforço e resistência, ação-reação, ego-não ego, sentido de mudança, fato, aquilo que efetivamente acontece, aqui e agora, determinado, singularidade, descontinuidade, força cega, ruptura, surpresa, conflito, antagonismo, choque, luta, obstrução, dúvida.
TERCEIRIDADE
Pertence ao universo das leis abstratas. É continuidade, generalidade, convenção, hábito, tendência, tempo, inteligência, aprendizagem, devir (SANTAELLA, 1983).
Por ser didática, a apresentação acima atomiza ou fragmenta as categorias, quando, na realidade, elas são universais e onipresentes. Sem que cada uma perca seu caráter próprio, portanto, irredutível, elas são indissociáveis, apesar de que pode haver o predomínio de uma sobre as outras em determinadas situações. Ademais, elas não são psicológicas, mas lógicas. Isso significa que se manifestam em quaisquer territórios da realidade, do físico ao psíquico. Como são muito gerais, não anulam, de modo algum, apenas subjazem às categorias que cada um desses territórios da realidade pode apresentar como categorias que são próprias de cada território.
EXEMPLO
Na Física, essas categorias se manifestam como acaso, lei operativa e tendência do universo a adquirir novos hábitos. Na Psicologia, como sentimento, ação-reação, cognição.
OS SIGNOS E SEUS TIPOS
As categorias são onipresentes, mas uma pode dominar sobre as outras. A forma mais simples de terceiridade corresponde à noção de signo que, em uma definição muito geral, assim se expressa:
Signo é algo que intenta, com certa capacidade e sob certas circunstâncias, representar algo que está fora dele de modo a produzir um efeito interpretativo ao encontrar uma mente interpretadora, efeito este que se constitui em outro signo ao qual Peirce dá o nome de interpretante.
Bastam uns poucos exemplos para nos darmos conta de como o signo funciona.
Exemplo de signo triádico: consideremos uma petição que um advogado faz a um juiz. A petição é um signo que representa a causa de um cliente (objeto do signo) para produzir um interpretante, quer dizer, outro signo que corresponde à interpretação que o juiz dará à petição. Trata-se aí de um signo verbal e, portanto, genuinamente triádico.
Mas existe a possibilidade, e elas são muitas, de signos diádicos (secundidade) e signos monádicos (primeiridade):
Exemplo de signo diádico (secundidade): um grito, no seu aqui e agora, é uma ocorrência que indica ou aponta uma situação de perigo, uma relação dual, portanto.
Exemplo de signo monádico (primeiridade): uma música, sem letra, puro som, apresenta-se nos seus aspectos de qualidade sonora, deixando em aberto possibilidades que se assemelham a uma pluralidade de situações sonoras, que podem ser tomadas como objeto daquela música e, nessa indeterminação, está apta a produzir sentimentos como interpretantes na mente de quem ouve.
A fenomenologia, portanto, está inserida dentro da semiótica. Há signos sob o domínio da primeiridade, da secundidade e da terceiridade. Disso advêm as conhecidas classes de signos da semiótica de C. S. Peirce:
QUALI-SIGNOS ICÔNICOS
(ícones)
SIN-SIGNOS INDICIAIS
(índices)
LEGI-SIGNOS SIMBÓLICOS
(símbolos)
Vamos, então, relembrá-las:ÍCONE
ÍNDICE
SÍMBOLO
ÍCONE
Se o signo se apresentar como mera qualidade, ele só poderá estar em uma relação de semelhança com seu objeto e será, assim, um ícone.
ÍNDICE
Se o signo for um existente, aqui e agora, ele apontará para o seu referente ou objeto no universo em que existe e será, assim, um índice.
SÍMBOLO
Se o signo for uma lei, uma palavra, por exemplo, ou uma convenção cultural, ele necessariamente será um símbolo, representando seu objeto por força da convenção que faz a ligação entre ambos.
AS CATEGORIAS, OS SIGNOS E AS MATRIZES
A partir dessa retomada dos conceitos e das explicações da semiótica, não fica difícil perceber a ligação que as matrizes sonora, visual e verbal estabelecem com as categorias e com as classes de signos.
Assim, a sonoridade está para a primeiridade do ícone; a visualidade, para a secundidade do índice; e o discurso verbal para a terceiridade do símbolo.
SONORIDADE
VISUALIDADE
DISCURSOS VERBAIS
SONORIDADE
Dominam, entre signo-objeto-interpretante, relações de correspondência qualitativa, portanto, sugestivas e hipotéticas.
VISUALIDADE
Dominam relações duais, relações referenciais, factuais.
DISCURSOS VERBAIS
Comparecem relações necessárias, já que conectadas pela mediação da lei, quer dizer, a lei que rege especialmente, no mundo humano, mediações convencionais.
Estabelecidas essas correspondências, era preciso compreender as variações que existem no campo da sonoridade, da visualidade e dos discursos. Desse modo, cada matriz foi desdobrada em modalidades de linguagem: nove modalidades para a linguagem sonora, nove para a linguagem visual e nove para a verbal.
Infelizmente, essas modalidades não foram capazes de dar conta de variações mais finas que ocorrem nas manifestações de cada matriz. Assim, a investigação passou por um refinamento, que levou a 27 modalidades da sonoridade, 27 de visualidade e 27 da discursividade verbal.
Não há necessidade de irmos adiante nas minúcias analíticas que estão implícitas nessas 81 modalidades e em seus possíveis cruzamentos, pois as nove modalidades principais já são capazes de evidenciar o funcionamento das modalidades. A lógica de distribuição dessas modalidades baseia-se na reaplicação da lógica das categorias em níveis que vão do macro ao micro, conforme veremos, a seguir, na explanação da matriz sonora.
A MATRIZ SONORA E SUAS MODALIDADES
Em sua natureza icônica, a sonoridade é a matriz-fonte, ocupando a posição de primeiridade na ordem das linguagens.
O fato de estar sob o domínio da primeiridade não significa que a indexicalidade e a simbolicidade não se façam presentes também na música, mas sempre como submodalidades da iconicidade.
Assim, ao trabalhar as modalidades da matriz sonora, a lógica das três categorias e seus signos correspondentes foi reaplicada em níveis do macro ao micro, à maneira de fractais (SANTAELLA, 2001).
Para ficarmos apenas nas nove modalidades iniciais, obtém-se:
1. MATRIZ SONORA
1.1 As sintaxes do acaso
1.1.1 O puro jogo do acaso
1.1.2 O acaso como busca
1.1.3 As modelizações do acaso
1.2 As sintaxes dos corpos sonoros
1.2.1 A heurística das qualidades sonoras
1.2.2 A dinâmica das gestualidades sonoras
1.2.3 O som sob a tutela das abstrações
1.3 As sintaxes das convenções musicais
1.3.1 O ritmo e a primeiridade
1.3.2 A melodia e a secundidade
1.3.3 A harmonia e a terceiridade
O eixo da sonoridade encontra-se na sintaxe.
A sintaxe é entendida como organização sequencial de elementos no tempo. É isso que faz da música uma arte do tempo, e seus parâmetros comprovam isso: duração, intervalo, compasso, aceleração, repetição, retrogradação etc. Tudo isso sob a tutela das alturas, da intensidade e dos ritmos que, nas suas naturezas de primeiridade, são primordiais na música.
 SAIBA MAIS
A numeração anterior é indicadora da lógica que rege as categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade. Onde houver o número 1, há indicação de primeiridade; o número 2, de secundidade; e o 3, de terceiridade.
As misturas dos números indicam misturas entre as categorias.
Assim, (1.1), o item relativo às sintaxes do acaso, indica que esses tipos de sintaxe estão sob o domínio do primeiro do primeiro, (1.2) indica o segundo do primeiro, e assim por diante.
O que essa redistribuição quer dizer, na realidade, é que a sonoridade pode adquirir características que a aproximam da lógica, essencial à visualidade. Também pode se aproximar da lógica que é prerrogativa do discurso verbal, a lógica das leis, dos cálculos e controles, das codificações e convenções dos sistemas. É preciso considerar que as analogias são lógicas.
O fato de a música se aproximar da lógica da visualidade não quer dizer que ela se torne visual, mas que ela adquire dominâncias de secundidade. A mesma coisa podemos dizer em relação à analogia da música com o verbal.
Desse modo, onde há o número 1, estamos diante do possível, indefinido, vago, indeterminado, das questões do acaso, do sui generis, do qualitativo, da originalidade etc. – um universo em que a sonoridade transita com maior desenvoltura.
Onde há o número 2, estamos dentro de um universo em que surgem, com mais ou menos força, as presenças e os fatos aqui e agora, as singularidades, as gestualidades, o improviso etc. – um universo em que a lógica do visual é capaz de dominar com grande eficácia.
O número 3 indica a soberania da lei em todas as suas manifestações, o mental, o intelectual, o controle, as invariâncias, os sistemas, de que o discurso verbal é exemplar.
As misturas, evidentemente, indicam hibridizações possíveis entre essas lógicas.
SINTAXES DO ACASO
As sintaxes do acaso encontram-se no universo do primeiro, universo de puras possibilidades qualitativas. Sob o ponto de vista da sintaxe, possibilidades qualitativas, altamente indeterminadas, quer dizer, libertas de quaisquer regras ou leis regendo suas ocorrências, só podem ser sintaxes do acaso.
No momento em que a linguagem musical rompe as molduras dos sistemas preestabelecidos de leis e regras que prescrevem o ato de compor, essa linguagem fica mais flagrantemente exposta às irrupções do acaso. Isso se acentua sobremaneira a partir do alargamento desmesurado dos materiais sonoros resultante do advento de tecnologias sonoras, especialmente da síntese numérica que, permitindo a produção de efeitos sonoros de todas as ordens, transformou a composição musical em atos de escolhas em uma miríade de possíveis.
Prenunciando essa revolução que estava por vir, desde o início do século, principalmente depois do poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), e desde o movimento Dada, os artistas fizeram do caos um tema artístico de relevância.
Stéphane Mallarmé como um fauno, na revista literária Les hommes d'aujourd'hui, 1887.
DADA
Dada ou dadaísmo pertence ao contexto das vanguardas europeias, caracterizando-se por ser um movimento de crítica cultural, de rejeição ao sistema racional e às regras. Também se caracteriza pela ironia, inconformismo, polêmica e anarquia.
No campo da música, é exemplar a posição assumida pelo compositor norte-americano John Cage (1912-1992). Para ele, música são sons, sons à nossa volta, estejamos ou não em salas de concerto.
Para conhecer um pouco do trabalho de John Cage, ouça uma interpretação da música Dream, do compositor, com síntese sonora e instrumentos digitais.
No interior das sintaxes do acaso existem distinções que permitem redistribuir a lógica das três categorias no interior dessa modalidade. O resultado leva a um desmembramento em três submodalidades que assim se expressam:
O puro jogo do acaso
O acaso como busca
As modelizações do acaso
São variações baseadas no jogo com os elementos sonoros sem premeditação, ou na busca pelo acaso empreendida pelo compositor, ou, ainda, na utilização de modelos matemáticos de formalização do acaso. Tudo isso soando à escuta.
EXEMPLO
Podemos citar o compositor e arquiteto grego, naturalizado francês, Iánnis Xenákis (1922-2001). Ele foi um compositor considerado pelos fenômenos naturais caóticos, fenômenos sonoros de complexidade densa, tendo buscado encontrarmeios matemáticos de realização composicional para esses fenômenos.
SINTAXE DOS CORPOS SONOROS
O contexto da sintaxe dos corpos sonoros é aquele em que a linguagem vernacular da música, aquela que é baseada em escalas, subordinada à sintaxe das alturas e durações, passou a representar uma pequena área do universo sonoro.
Desenvolvimentos como atonalidade, serialismo total, a expansão dos instrumentos percussivos e o advento da música eletroacústica foram contribuindo para o reconhecimento crescente da musicalidade inerente a todos os sons.
ATONALIDADE
A música atonal se caracteriza pela ausência do princípio da tonalidade. Tonalismo na música caracteriza-se pela organização da composição musical em torno de uma nota tônica, que é a nota principal, seguindo determinadas regras harmônicas. A tonalidade de um determinado trecho da composição musical é definida pela tônica.
SERIALISMO TOTAL
Reinterpretação da música serial, também chamada de dodecafônica, aplicando o princípio da série à altura, à duração, à intensidade e ao timbre dos sons.
Trata-se de som em estado nativo, o som em si mesmo, nas suas vibrações e cores, tal como pode ser percebido independentemente de qualquer sistema musical e de qualquer notação em particular, assim como de qualquer referência ao modo como foi produzido (CHION, 1991).
A partir disso, os compositores passaram a criar suas composições em modalidades que podem ser percebidas dentro do horizonte da primeiridade da música em combinação com a secundidade da descoberta da qualidade do som em si, enquanto soa, ou do gesto que produz o som, e ainda das sintaxes sonoras pensadas no abstrato de suas combinatórias possíveis.
SINTAXE DAS CONVENÇÕES MUSICAIS
No nível do terceiro do primeiro, o exemplo mais próximo é o da música tonal, regida pelos parâmetros do ritmo, melodia e harmonia (MARTINEZ, 1991), que são interdependentes e quase sempre inseparáveis. Assim como o ritmo está presente na melodia e harmonia, estas também colaboram na definição rítmica da música, havendo a possibilidade até mesmo de se falar de um tipo de harmonia própria do ritmo e da melodia.
Embora inseparáveis, esses três componentes da música são inconfundíveis, o que permite o artifício de sua separação para fins de análise. Pode-se definir e explicar o ritmo na sua autonomia e a mesma coisa pode ser feita com relação à melodia e à harmonia.
Vejamos:
RITMO
O ritmo apresenta formas de organização diversificadas que variam historicamente. Segundo Machlis (1963, p. 40-47), a linha evolutiva da música ocidental, de 1600 a 1900, caminhou na direção da organização métrica do ritmo em padrões regulares, que alcançou seu clímax na época clássica-romântica.
Padrões rítmicos regulares criam expectativas cujo preenchimento funciona como uma fonte de prazer para o ouvinte, gerando um estado de bem-estar físico inerente ao movimento regular do corpo. Entretanto, no século XIX, cansados dos metros padronizados, os compositores começaram a experimentar novos ritmos, tais como ritmos cruzados que trocam os acentos dentro da medida, de modo que uma passagem escrita em tempo ternário brevemente assume o caráter de tempo binário ou vice-versa.
Na música popular, os ritmos, mesmo quando originais, não entram em combinatórias muito complexas, como ocorre em composições de música erudita de que a Sagração da Primavera, de Stravinsky, é um exemplo.
MELODIA
A melodia tem uma grande diversidade de caracteres. Em função disso, é necessário tomar como ponto de partida uma definição bem ampla. Segundo Miller (1978, p. 25), a melodia se constitui de sons consecutivos que variam em altura e duração. É muito comum a analogia da melodia com as palavras de uma sentença. A sucessividade das diferentes alturas e durações das vogais constitui-se na primeira forma melódica produzida pelo humano.
HARMONIA
A harmonia é mais complicada, ela é a combinação simultânea das notas em contraposição à consecutividade da melodia. Enquanto a harmonia é vertical, a melodia é horizontal. É a harmonia que dá profundidade à melodia, do mesmo modo que a perspectiva dá profundidade a uma pintura.
O papel da harmonia pode ser o de uma simples acompanhante da melodia, mas ela também pode se transformar em uma cúmplice, sustentando, guiando e até mesmo desafiando a melodia. Historicamente, houve uma evolução gradativa na participação da harmonia junto à melodia. Partindo da função de suporte da melodia, a harmonia, no período clássico-romântico, acabou por dar forma à melodia, conduzindo o desenho de suas curvas (MACHLIS, 1963, p. 637).
Sem entrarmos nos detalhes mais minuciosos dessas explicitações que pertencem à teoria musical, basta dizer que o ritmo está cifrado no nível do primeiro, a melodia no nível do segundo e a harmonia no nível do terceiro. Todos eles sob a égide da terceiridade no universo da primeiridade em que a sonoridade reina.
No vídeo a seguir, o professor Rafael Iorio apresenta o conceito de matrizes da linguagem, com ênfase na matriz sonora da linguagem e suas modalidades, destacando implicações na música. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Identificar a matriz visual da linguagem
A VISUALIDADE
Quando se fala em visualidade, logo se pensa em imagem.
Certamente, a imagem é dominantemente visual, embora existam imagens sonoras, imagens verbais, mentais e oníricas. Cada uma delas apresenta suas características semióticas próprias. Como estamos tratando aqui da matriz visual no campo das linguagens, falaremos sobre a imagem visual.
Entretanto, quando nos referimos à matriz visual, ela engloba outras realidades visuais que nem sempre podem ser chamadas de imagens, como são os diagramas, os gráficos, as tabelas, os sinais de trânsito etc.
A matriz visual é uma dentre as três matrizes da linguagem e pensamento desenvolvidas por Santaella (2001), baseadas nas três categorias e nas correspondentes três classes de signos desenvolvidas na semiótica de C. S. Peirce, como vimos no Módulo 1.
RELEMBRANDO
A categoria da primeiridade e a classe dos quali-signos icônicos se reportam aos seus objetos por similaridade. A categoria da secundidade e a classe dos sin-signos indiciais se reportam aos seus objetos porque apontam direta ou indiretamente para eles. A categoria da terceiridade e a classe dos legi-signos simbólicos representam seus objetos por convenção. A sonoridade situa-se na primeira categoria, a visualidade na segunda e o discurso verbal na terceira.
Costuma-se pensar o visual e seus sucedâneos imagéticos na categoria dos ícones. Certamente, imagens são ícones, mas só o são porque, quando chegamos na segunda categoria (secundidade – índice), ela embute a primeira categoria (primeiridade – ícone).
Diferentemente da norma, com base em princípios semióticos mais precisos, Santaella (2001) argumenta que a referencialidade que é própria da visualidade está sob o domínio da secundidade e da indexicalidade.
Isso é elevado às últimas consequências na fotografia que, embora seja imagem, fica mais proeminentemente sob o domínio do índice. Aquela imagem que aparece na foto indica, de fato, algo da realidade que foi capturado existencialmente na foto.
Mas para que isso se torne mais claro, é preciso retomar alguns conceitos. O primeiro deles, o conceito de signo.
RETOMANDO O CONCEITO DE SIGNO
Qualquer coisa pode ser um signo, desde que esteja no lugar de alguma outra coisa, que passa a funcionar como objeto do signo. Mas ele só funcionará como signo quando encontrar um intérprete, ou seja, quando produzir na mente desse intérprete uma interpretação que é outro signo, chamado de interpretante.
São três as classes principais de signos:
QUALI-SIGNO ICÔNICO REMÁTICO
SIN-SIGNO INDICIAL DICENTE
LEGI-SIGNO SIMBÓLICO ARGUMENTAL
QUALI-SIGNO ICÔNICO REMÁTICO
O quali-signo icônico remático só pode funcionar como signo por meio da semelhança entre as propriedades qualitativas exibidas pelo signo e as propriedades do objeto. Nesse caso, o signo produz interpretantes hipotéticos ou remáticos.
SIN-SIGNO INDICIAL DICENTE
O sin-signo indicial dicentesó funciona como signo porque está existencialmente conectado àquilo que indica e, portanto, produz como interpretante uma constatação: isto está ligado àquilo.
LEGI-SIGNO SIMBÓLICO ARGUMENTAL
O legi-signo simbólico argumental necessariamente funciona como signo do objeto que representa, pois ambos estão ligados por uma lei, comumente uma convenção.
QUALI-SIGNO ICÔNICO REMÁTICO
O termo quali-signo designa a relação do signo consigo mesmo, indicando que ele é uma qualidade. O adjetivo icônico, que remete ao ícone, corresponde à relação de similaridade com aquilo que o signo representa. O adjetivo remático refere-se ao rema, que tem a ver com a relação do signo com o seu interpretante. Ou seja, o signo sendo qualidade, apresenta-se ao seu interpretante como hipótese ou rema.
SIN-SIGNO INDICIAL DICENTE
O termo sin-signo designa o signo que em si mesmo tem existência. O prefixo sin está relacionado à ideia de algo único, singular, ao aqui e agora. Está relacionado à constatação de que os signos podem ser um fato. O adjetivo indicial corresponde ao índice, que tem uma relação direta com seu objeto. O adjetivo dicente corresponde à relação didática na qual o sin-signo se situa.
LEGI-SIGNO SIMBÓLICO ARGUMENTAL
O termo legi-signo designa a relação do signo consigo mesmo, a partir da natureza de leis ou hábitos. O termo simbólico remete a símbolo e designa a conexão do signo com os objetos, a partir de hábitos ou usos. O adjetivo argumental remete a argumento e designa a relação do signo com seu interpretante, ou seja, os signos sendo leis, vão se apresentar ao seu interpretante como argumentos.
Diante disso, por que os signos visuais estão dominantemente na matriz da secundidade, indicial?
Antes de tudo, a prevalência da secundidade sin-sígnica (índice) no visual já nasce sob efeito do próprio sentido da visão.
Não são poucos os teóricos que têm apontado para o coeficiente de facticidade com que o sentido da vista se apresenta. A visão é direcional, visa a um objetivo. O olhar é guiado para o objeto da atenção. O campo visual define um contorno, para além do qual tudo se apaga. O visível tem bordas que só não são rigidamente demarcadas devido aos limites imprecisos da visão periférica, que nos alerta para o perigo daquilo que se move ao nosso redor.
Diferentemente do som, que inevitavelmente passa sem deixar outro rastro a não ser uma suave impressão na memória, o visível tem algo de estável, destaca-se de um fundo amorfo, adquire a compleição de um objeto.
Os objetos visuais não são fontes de luz, mas luz refletida em uma superfície. Quando o objeto é ele mesmo luminoso, fonte de luz, ele perde o contorno, deixando de ser um objeto, para adquirir características alteráveis, matizadas.
Para a visão, algo se apresenta aqui e agora e insiste na sua alteridade, em algo fora de nós, com uma definitude que lhe é própria, algo concreto, físico, palpável, oferecendo-se à identificação e reconhecimento. Se não fosse por essa fisicalidade, por esse senso de externalidade que acompanha a percepção visual, não teríamos meios de distinguir entre o visível e aquilo que é alucinado, devaneado ou sonhado. Por isso mesmo, estes últimos começam a perder os traços de secundidade, que são próprios do visual para adquirir traços de primeiridade.
A MATRIZ VISUAL E SUAS MODALIDADES
A hipótese desenvolvida por Santaella (2001), justamente, é a de que o eixo da visualidade está na forma.
ATENÇÃO
É certo que "imagem" e "forma" podem ser intercambiadas em muitos contextos, tanto que, nos casos em que funcionam como sinônimas, as duas palavras podem ser empregadas indiscriminadamente.
Entretanto, a palavra "forma" pode também significar um atributo ou propriedade da imagem. É nessa noção de atributo que é preciso colocar ênfase, de modo que, quando as propriedades da forma aparecem na música ou no verbal, tem-se aí um empréstimo ou deslizamento da lógica de uma matriz, no caso a visual, para as outras matrizes.
A partir do eixo da forma como estruturador, temos a seguinte redistribuição das categorias e classes de signos sobre esse eixo:
2. MATRIZ VISUAL
2.1 Formas não representativas
2.1.1 A qualidade reduzida a si mesma: a talidade
2.1.2 A qualidade como acontecimento singular: a marca do gesto
2.1.3 A qualidade como lei: a invariância
2.2 Formas figurativas
2.2.1 A figura como qualidade: o sui generis
2.2.2 A figura como registro: a conexão dinâmica
2.2.3 A figura como convenção: a codificação
2.3 Formas representativas
2.3.1 Representação por analogia: a semelhança
2.3.2 Representação por figuração: a cifra
2.3.3 Representação por codificação
FORMAS NÃO REPRESENTATIVAS (2.1)
Formas não representativas dizem respeito à redução da declaração visual a elementos puros: tons, cores, manchas, brilhos, contornos, formas, movimentos, ritmos, concentrações de energia, texturas, massas, proporções, dimensão, volume etc. A combinação de tais elementos não guarda conexão alguma com qualquer informação extraída da experiência visual externa.
São relações visuais intrínsecas que não estão a serviço de qualquer ilustração. São propriedades sensíveis da luz, do pigmento, da forma e do volume que se estruturam em uma unidade qualitativa autônoma e independente. Ou melhor: são formas que carecem material, estrutural e iconograficamente de qualquer referência ao exterior. Não são figurativas, nem simbólicas, não indicam nada, não representam nada. São o que são e não outra coisa.
Vejamos as três modalidades de formas não representativas:
A QUALIDADE REDUZIDA A SI MESMA: A TALIDADE
No seu primeiro nível, as formas não representativas surgem como a qualidade reduzida a si mesma: a talidade. A talidade quer dizer qualidade tal qual é, em si mesma, sem relação com nenhuma outra coisa. Nesse caso, no limite do despojamento, os elementos visuais básicos, matéria-prima da linguagem visual, apresentam-se a si mesmos.
São qualidades sensíveis presentificadas na sua talidade, criando a visão de formas nunca vistas anteriormente. São efeitos de formas, qualidades de linha e superfície, combinações de massas e volumes, tanto quanto possível libertos de esquemas, diagramas ou de composições.
View of handyman drip art wall painting closeup on section, Tomwsulcer, 2010.
Nada se lhes assemelha e, por isso mesmo, tudo pode se lhes assemelhar, pois, lembrando o que nos sugere o escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977) no seu romance Fogo Pálido, pessoas diferentes podem ver semelhanças de modos diferentes e perceber diferenças de modos semelhantes. A arte visual pictórica e mesmo a escultura apresentam uma abundância de exemplos de formas não representativas despojadas de qualquer tipo de referencialidade.
A QUALIDADE COMO ACONTECIMENTO SINGULAR: A MARCA DO GESTO
Caracteriza-se como marca do gesto. Quando as qualidades não têm nenhum poder de referencialidade em relação ao mundo exterior, elas acabam apontando para o gesto que lhes deu origem. Nessa medida, nas qualidades, ficam inevitavelmente imprimidas as marcas do modo como foram produzidas. É por isso que, na própria qualidade, estão os vestígios dos meios e instrumentos utilizados para a sua realização. São justamente esses vestígios que nos permitem detectar a origem das diferenças de qualidade.
Fica claro, a partir disso, por que a expressão "marca do gesto" é utilizada em um sentido muito liberal e extensivo. Não se trata apenas do gesto corporal-humano, mas do gesto produtor em geral, ou seja, de marcas físicas imprimidas na qualidade das formas e dos suportes dessas formas.
Jackson Pollock enquanto pinta.
Exemplo clássico desse tipo de modalidade encontra-se nas obras do pintor norte-americano Jackson Pollock (1912-1956), um dos criadores do expressionismo abstrato e que valorizava o movimento corporal e os gestos na criação artística.
A QUALIDADE COMO LEI: A INVARIÂNCIA
Mesmo as cores, qualidades aparentemente desregradas, configuram-se em um sistema que obedece a leis definidas e precisas. As cores se movem em direções bem determinadas, de acordo com sua posição no círculo cromático, apresentandomaior ou menor grau de claridade, maior ou menor grau de pureza e comportamentos especiais específicos. Pelo jogo das complementares, pelos contrastes simultâneos, pela propriedade de avançar ou recuar no sentido da retina e outros fenômenos derivados, as cores não se amoldam ao mero capricho de quem delas faz uso, mas estruturam-se segundo leis que lhes são intrínsecas. Foi em função dessas leis que o pintor francês Georges Seurat (1859-1891), pioneiro no neoexpressionismo francês e no uso da técnica conhecida como divisionismo, estabeleceu as regras de organização sintática das unidades cromáticas, obtidas mediante a divisão do tom.
Uma tarde de domingo na Ilha de La Grande Jatte, de Georges Seurat, 1884.
FORMAS FIGURATIVAS (2.2)
O que são formas figurativas? São imagens que funcionam como duplos, isto é, transpõem para o plano bidimensional ou criam no espaço tridimensional réplicas de objetos preexistentes e, muitas vezes, visíveis no mundo externo.
São formas referenciais que, de um modo ou de outro, com maior ou menor ambiguidade, apontam para objetos ou situações em maior ou menor medida reconhecíveis fora daquela imagem.
Por isso mesmo, nas formas figurativas, é grande o papel desempenhado pelo reconhecimento e pela identificação, que pressupõem a memória e a antecipação no processo perceptivo. Nessas formas, que buscam reproduzir o aspecto exterior das coisas, os elementos visuais são postos a serviço da vocação mimética, ou seja, produzir a ilusão de que a imagem figurada é igual ou semelhante ao objeto real (DONDIS, 1976). 
A figura como qualidade: o sui generis
É a figura posta em relevo. Não em todos os seus aspectos, mas apenas no seu aspecto qualitativo. Trata-se de atentar para aquilo que a figura tem de primeiro, suas qualidades. Não apenas as qualidades em si (dimensão, volume, cor, textura, traço etc.), mas a qualidade da figura como figura, no sentido que aqui está sendo dado para a figura: referencial, denotativa, figurativa e indicial, pois se trata de uma figura que indica algo que está fora dela. Como indica? Com que tipo de qualidade? 
Os exemplos são inúmeros, especialmente na arte do modernismo, que se constitui em um verdadeiro manancial de figuras como qualidade, visto que os artistas tendem a criar figuras que funcionam como suas marcas registradas. Essa é uma das razões por que as telas do pintor francês Henri Matisse (1869-1954) ou do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890) sejam inconfundíveis. É também pela qualidade inconfundivelmente pessoal de suas figuras que a autoria das telas do pintor grego El Greco (1541-1614) é imediatamente reconhecível.
A dança, Henri Matisse, 1909.
Autorretrato, Vincent van Gogh, 1889.
O espólio, El Greco, 1577-1579.
A figura como registro: a conexão dinâmica 
Não é por acaso que essa figura se apresenta sob a numeração 2.2.2. Ela representa o cerne da visualidade na sua característica de secundidade, figuratividade e indexicalidade.
Nas formas figurativas, o caráter indicial, que sempre espreita as formas visuais, acentua-se, visto que aí a função significativa do ícone fica sempre subjugada à função denotativa do índice. 
A figura como registro: a conexão dinâmica ocupa o ponto central, o coração de toda a classificação, pois comprova que as formas de representação visuais têm sua matriz na indexicalidade.
No caso da fotografia, paradigma desse tipo de imagem, a conexão dinâmica é genuinamente indicial.
Já no caso das pinturas realistas, ela é referencial.
Portanto, todos os casos de referencialidade devem ser tratados como casos de indexicalidade.
A figura como convenção: a codificação
Neste caso, entram em cena os sistemas de convenções gráficas utilizados para reproduzir o visível.
ATENÇÃO
Uma vez que o termo "convenção" é utilizado abusiva e imprecisamente, para evitar mal-entendidos, seu emprego deve ser limitado às relações semióticas colocadas por uma comunidade humana entre um signo e o que ele transmite, sem que o signo e o seu objeto sejam ligados de outra maneira a não ser por essa convenção.
Parece evidente que, nas formas visuais figurativas, não é só a convenção que liga o signo, no caso a figura, àquilo que ele denota, visto que os aspectos icônicos e indexicais não deixam de atuar com relevância.
Entretanto, quando nos referimos às convenções figurativas, torna-se proeminente o fato de que não se pode simplesmente imitar a forma exterior de um objeto sem ter antes aprendido como construir tal forma, isto é, sem a aquisição de um vocabulário convencional de projeção gráfica ou plástica das imagens.
A convenção implica sistemas de codificação que devem ser aprendidos e que se transformam historicamente (ARNHEIM, 1976). Entram nessa categoria todas as imagens que seguem o sistema de codificação visual da perspectiva monocular.
FORMAS REPRESENTATIVAS (2.3)
As formas representativas, também chamadas de simbólicas, são aquelas que, mesmo quando reproduzem a aparência das coisas visíveis, essa aparência é utilizada apenas como meio para representar algo que não está visivelmente acessível e que, geralmente, tem um caráter abstrato e geral.
Sua capacidade de representar depende do fato de que a relação que o símbolo mantém com o objeto representado se dá em virtude de uma lei, normalmente uma associação de ideias, que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele objeto.
Representação por analogia: a semelhança
Na primeira modalidade, as formas representativas se apresentam como representação por analogia: a semelhança. Essas são formas simbólicas no sentido peirciano, quer dizer, convencionais, mas são, ao mesmo tempo, motivadas por manterem vínculos de semelhança com aquilo que representam.
ATENÇÃO
Embora essas formas se estruturem em sistemas e representem seus objetos por meio de leis gerais, estabelecidas por hábito ou convenção, há entre ambos (signo e objeto) uma relação de analogia, que se caracteriza por certo teor de semelhança aparente ou diagramática.
Portanto, convenções culturais são necessárias ao entendimento dessas formas, mas a arbitrariedade de seus símbolos associa-se a elementos de semelhança entre signo e objeto. As gravuras orientais apresentam tais características pois são análogas às formas de representação do mundo. Isso fica visível nas proporções da natureza e do humano dentro dela, ou seja, a natureza abriga o humano sem oprimi-lo.
Uma festa no inverno, Utagawa Toyoharu.
Representação por figuração: a cifra
Na segunda modalidade das formas representativas, encontra-se a representação por figuração: a cifra. Originalmente, o termo "cifra" se refere a um sistema que substitui letras de um texto corrido por letras ou números secretos equivalentes. A chave ou livro do código, que permite estabelecer a equivalência entre o texto corrido e as letras cifradas é chamado de alfabeto cifrado.
Essa modalidade das formas visuais quer se referir às figuras que não guardam mais qualquer analogia com o objeto representado, de modo que essas figuras adquirem uma natureza hermética e críptica.
Trata-se de figuras individuais aparentemente singulares. No entanto, elas não se referem nem às coisas singulares, nem à generalização do singular que as figuras poderiam indicar, mas a ideias gerais enigmáticas.
EXEMPLO
É o caso do sonho, das imagens surrealistas e das alegorias nas quais as figuras parecem ser indicativas, mas na realidade não se referem aos aspectos individuais para os quais elas aparentemente apontam, visto que funcionam como símbolos de ideias gerais e abstratas, que só podem ser entendidas depois de decifradas.
A Persistência da Memória, Salvador Dalí, 1931.
Representação por convenção: o sistema
Na terceira modalidade das formas representativas, encontra-se a representação por convenção: o sistema. As formas visuais preenchem sua função representativa prescindindo das relações de similaridade e das relações figurativas, indicativas do objeto. Mesmo que essas relações possam, porventura, existir, não é isso que dá a essas formas o poder de representar.Elas representam seus objetos em função de convenções sistêmicas estabelecidas, de modo que as formas são partes integrantes de um sistema, só podendo significar em função desse sistema.
Não é difícil constatar que "formas representativas por convenção: o sistema" têm seu protótipo na escrita alfabética, prolongando-se nos sistemas culturalmente convencionais como:
NOTAÇÃO MUSICAL
SÍMBOLOS QUÍMICOS
SÍMBOLOS LÓGICOS
SÍMBOLOS MATEMÁTICOS
Todos eles apresentam analogias com os sistemas convencionais de escrita, pois são precisamente codificados, e neles cada elemento cumpre sua função significativa pela posição que ocupa em relação ao sistema inteiro.
COMENTÁRIO
No estudo desenvolvido por Santaella (2001), essas nove modalidades não esgotam todas as variações das linguagens visuais. Na realidade, nesse estudo, elas se estendem por 27 modalidades, sempre seguindo a mesma lógica fractal de se reintroduzir as três categorias repetidamente dentro de cada modalidade. A passagem das nove para as vinte sete permite caracterizar formas visuais como mapas, sistemas de trânsito etc. Entretanto, a explicitação das nove modalidades aqui desenvolvida já dá uma ideia de que a lógica semiótica é capaz de dar conta com coerência dos modos variados com que a visualidade se expressa.
No vídeo a seguir, o artista e pesquisador Domingos Guimaraens relaciona as categorias e classes de signo à matriz visual da linguagem, destacando aspectos relacionados com as artes visuais. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Identificar a matriz verbal da linguagem
A LINGUAGEM VERBAL
A partir da semiótica peirciana e sua fundamentação fenomenológica, podemos identificar três elementos fundamentais em todos os fenômenos ou em todas as categorias elementares e universais daquilo que torna qualquer experiência possível:
A QUALIDADE E O SENTIMENTO
O FATO ATUAL
A ABSTRAÇÃO DO PENSAMENTO
Dessas três categorias são extraídos três universos representativos básicos, ou melhor, universos semióticos que estão nos fundamentos das linguagens possíveis:
UNIVERSO DAS QUALIDADES
UNIVERSO DOS FATOS
UNIVERSO DAS IDEIAS
UNIVERSO DAS QUALIDADES
No universo fenomênico das qualidades, inclusive das qualidades de sentimento, encontram-se correspondentemente os quali-signos icônicos, quer dizer, signos que operam de acordo com as relações de semelhança que os signos podem apresentar com seus objetos, os quais também podemos chamar de referentes, aquilo a que o signo se refere.
UNIVERSO DOS FATOS
No universo das ocorrências ou dos fatos, daquilo que efetivamente acontece, encontram-se os sin-signos indiciais, que se reportam aos seus objetos referenciados porque são partes deles e os indicam.
UNIVERSO DAS IDEIAS
O universo das leis ou das ideias, de que o universo humano é pródigo, é o universo das convenções, em que, por meio de convenções socioculturais, os signos denotam seus objetos.
Essas três camadas sígnicas, que não são excludentes, mas complementares, aplicam-se ao campo das linguagens que partem de três grandes matrizes (SANTAELLA, 2001):
Sonora
A sonoridade encontra-se sob o domínio do quali-signo icônico.
Visual
A visualidade encontra-se sob o domínio do sin-signo indicial.
Verbal
A verbal encontra-se sob o domínio do legi-signo simbólico.
Vamos, então, tratar agora do signo simbólico e da matriz verbal da linguagem.
TRÊS TIPOS DE DISCURSOS
Os discursos verbais apresentam uma imensa variedade de manifestações. Existem prosas literárias ou não. Existem notícias de jornal, bulas de remédios, menus de restaurantes. Existem textos científicos e textos poéticos, enfim, o número de variações parece tão grande a ponto de impedir qualquer tipo de classificação. Contudo, uma vez que os tipos de signos da semiótica peirciana são muito gerais e universais, podemos esperar algum auxílio vindo deles.
Na base de todas as variações discursivas, existem três tipos de discursos sobre os quais há um certo consenso entre os estudiosos. O exame do modo como esses discursos se organizam, como eles se referem aos seus objetos de referência e os tipos de interpretação que estão aptos a produzir nos permite identificar, conforme Santaella (2001), o seguinte:
Discurso descritivo
Pertence à primeira classe de signos.
Discurso narrativo
Pertence à segunda classe de signos.
Discurso dissertativo
Pertence à terceira classe de signos.
De fato, alicerçados nas categorias universais de Peirce, a descrição, a narração e a dissertação são os três grandes princípios organizadores da sequencialidade discursiva, habilidade de que a linguagem verbal é mestra, dado o seu potencial de indicar, representar algo a que ela se refere, ou seja, seu poder de referência. Quando falamos ou escrevemos, estamos sempre falando de algo, mesmo que seja de modo ambíguo.
Portanto, como sistema de símbolos, a função representativa é fundamental à comunicação verbal. Os três tipos de discursos não são outra coisa senão as três situações representativas básicas que se constituem em princípios de organização sequencial do discurso verbal:
DESCREVER
NARRAR
DISSERTAR
Colocamos ênfase no sequencial porque, quando se fala ou se escreve, os signos verbais são colocados em sequência, uma palavra depois da outra.
A discursividade, como sequencialização de um discurso descritivo, narrativo ou dissertativo, é uma característica própria da matriz verbal, visto que nenhuma outra linguagem consegue realizá-la de maneira tão otimizada quanto a linguagem verbal.
Quando é afirmado que o discurso encontra as leis que governam seus níveis de complexidade organizacional ou seus princípios de sequência na descrição, narração e dissertação, isso quer dizer que o discurso exibe invariantes organizacionais, regularidades de estruturação e significação que se agrupam e se distinguem de acordo com três grandes classes de representação:
DESCRIÇÃO
NARRAÇÃO
DISSERTAÇÃO
O que importa, agora, é perceber quais são as modalidades em que cada um desses tipos de discursos se distribui. Afinal, nem todas as descrições são iguais e a mesma coisa pode-se dizer da narrativa e da dissertação.
A MATRIZ VERBAL: SUAS MODALIDADES
A reaplicação das classes de signos dentro da descrição, da narração e da dissertação revela modalidades bastante coerentes, na medida em que correspondem, de fato, a discursos manifestos, não faltando exemplos para ilustrá-los.
Assim, podemos chegar a três modalidades de descrição, três de narrativa e três de dissertação, que correspondem logicamente aos elementos que apresentam de primeiridade, secundidade e terceiridade, como se verifica na matriz verbal.
O discurso verbal encontra-se na categoria da terceiridade, mas há uma redistribuição do primeiro, segundo e terceiro, que o jogo numérico a seguir pode representar.
3. MATRIZ VERBAL
3. 1 Discurso descritivo
3.1.1 Descrição qualitativa
3.1.2 Descrição indicial
3.1.3 Descrição conceitual
3.2. Discurso narrativo
3.2.1 Narrativa espacial
3.2.2 Narrativa sucessiva
3.2.3 Narrativa causal
3.3. Discurso dissertativo
3.3.1 Dissertação hipotética
3.3.2 Dissertação indutiva
3.3.3 Dissertação argumentativa
A DESCRIÇÃO E SUAS MODALIDADES
Nas teorias do discurso, a descrição costuma ser definida como uma forma não narrativa de discurso.
Toda vez que, no discurso narrativo, o desenvolvimento de uma ação é interrompido para a apresentação do cenário, dos caracteres físicos de uma personagem, entre outros, aí se encontra a descrição.
Segundo Todorov (1980, p. 62), tanto a descrição quanto a narrativa pressupõem a temporalidade. Entretanto, suas temporalidades são diferentes:
Descrição
Tempo contínuo
Narrativa
Unidades de tempo descontínuas
A descrição não é suficiente para criar uma narrativa, mas esta não exclui a primeira.
Na definição semiótica do discurso descritivo, a ênfase deve estar posta exatamente na inescapável ligação da descrição não apenas ao existente, mas também ao sistema perceptivo, sensório do sujeito enunciador e do receptor.
Descrever é traduzir para a linguagem verbal a apreensão que temos das qualidades das coisas, ambientes, pessoas e situações.Essa apreensão se dá por meio dos nossos sentidos, não apenas visão, audição, tato, paladar e olfato, mas também a imaginação, como uma espécie de sentido interior.
Desse modo, a descrição se define como um processo de tradução das apreensões sensórias para a linguagem verbal.
Se aquilo que os sentidos primeiramente apreendem são as qualidades positivas dos objetos, então, a descrição resulta da tentativa de se traduzir, pelo verbal, caracteres qualitativos que os sentidos captam. Consequentemente, a descrição pressupõe a percepção, a atenção e a observação, tanto a observação que se volta para fora quanto a observação abstrativa, voltada para dentro da imaginação
Nem seria preciso evidenciar o quanto a linguagem visual é muito mais hábil para descrever do que a linguagem verbal. E essa habilidade não é evidenciada apenas em imagens, mas também em gráficos, infográficos, audiovisuais etc.
Há três modalidades de descrição:
Descrição qualitativa
Apresenta-se no âmbito do ícone, aquele tipo de signo que, por ser mera qualidade, só pode se referir ao seu objeto por semelhança.
Como isso se dá no texto verbal? Os exemplos mais flagrantes encontram-se no universo da linguagem poética, em textos que, no ato de descrever verbalmente, transformam o caráter linear da sintaxe verbal e, nos seus jogos de linguagem, acabam por recuperar no próprio signo qualidades sensíveis muito similares ao seu referente.
Exemplo: Música Acrilírico, de Caetano Veloso:
As hesitações entre o som e o sentido, as palavras que ecoam palavras vão gastando o significado até o ponto em que o amor se exaure morto no motor da saudade. Não há um afastamento entre o modo como se diz e aquilo que se diz, mistério da poesia. 
Descrição indicial 
É aquela que quebra o objeto descrito em partes e vai recompondo o todo do objeto nas relações entre suas partes. Esse é o tipo de descrição mais comum, pois a linguagem verbal não tem a mesma capacidade da imagem de captar o todo de uma só olhada. Vem daí a dificuldade de se descrever verbalmente. Nossos sentidos vão explorando pouco a pouco o objeto e traduzindo essa gradativa exploração sensória em palavras.
Descrição conceitual 
Descreve o objeto conceituando-o. É o tipo de descrição que encontramos nas enciclopédias. É uma descrição que faz fronteira com a definição. Por exemplo, vamos a uma enciclopédia porque queremos saber o que é a família dos percevejos. Lá encontraremos descrições gerais que não dizem respeito a um percevejo particular, mas a uma classe de insetos.
A NARRATIVA E SUAS MODALIDADES
A narrativa tem sua matriz no discurso verbal. Mesmo quando a narrativa se manifesta em quadrinhos ou no audiovisual, há sempre um script na sua base. Não é por acaso que todos os tutoriais, destinados a ensinar como produzir uma história, apresentam-se como uma espécie de script.
Você saberia dizer quais são os ingredientes de uma narrativa? De que esse tipo de discurso consiste?
A narração corresponde ao universo da ação, do fazer: ação que é narrada. Portanto, a narrativa em discurso verbal caracteriza-se como o registro linguístico de eventos ou situações. Ação gera reação e dessa interação germina o acontecimento, o fato, a experiência. Por isso, aquilo que denominamos personagem só se define como tal porque faz algo.
E os movimentos desse fazer só se processam pelo confronto com ações que lhes são opostas, que lhes opõem resistência. Isso gera a história: factual, situacional, ficcional, ou de qualquer outro tipo. Mas qualquer que seja o tipo terá sempre essa constante: conflito, coação, confronto de forças mais ou menos potentes.
Para Bremond (1971, p. 113), toda narrativa consiste em um discurso que integra uma sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação. Onde não há sucessão, não há narrativa. Onde não há integração na unidade de uma ação, não há narrativa, mas somente cronologia, enunciação de uma sucessão de fatos não coordenados.
Essa mesma posição é defendida por Todorov (1979, p. 124, 247), para quem a simples relação de fatos sucessivos não constitui uma narrativa:
É NECESSÁRIO QUE ESSES FATOS ESTEJAM ORGANIZADOS, QUER DIZER, QUE TENHAM ELEMENTOS COMUNS. MAS SE TODOS OS ELEMENTOS SÃO COMUNS, TAMBÉM NÃO HÁ NARRATIVA, POIS NÃO HÁ O QUE CONTAR.
Para Todorov, o núcleo narrativo está na intriga. A intriga mínima completa consiste na passagem de um equilíbrio a um outro. Uma narrativa ideal começa por uma situação estável que uma força qualquer vem perturbar, do que resulta um estado de desequilíbrio. Uma força dirigida no sentido inverso restabelece o equilíbrio. O segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas ambos nunca são idênticos.
As modalidades do discurso narrativo distribuem-se em:
NARRATIVA ESPACIAL
NARRATIVA SUCESSIVA
NARRATIVA CAUSAL
NARRATIVA ESPACIAL
Organiza a temporalidade de uma história de maneira não linear, portanto, fazendo uso criativo da temporalidade, em movimentos para frente e para trás que dão ao leitor a tarefa lúdica da montagem da história.
Um dos exemplos mais ricos de narrativa que organiza espacialmente a temporalidade da história é Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa. A memória de Riobaldo, o contador da história, vai fazendo balancê nos acontecimentos narrados, antecipando alguns, retardando outros. Se buscarmos o fio da meada, perceberemos que o tempo se organiza em uma estrutura espacial que pode ser representada em um gráfico complexo.
NARRATIVA SUCESSIVA
Ao contrário da narrativa espacial, a narrativa sucessiva conta a história obedecendo com tanta precisão quanto possível o tempo em que ela transcorreu. Notícias de jornal costumam se estruturar desse modo para facilitar ao leitor a compreensão do acontecimento na temporalidade em que se desenrolou.
NARRATIVA CAUSAL
Organiza a temporalidade de uma história com ênfase nas causas e consequências de um acontecimento.
A DISSERTAÇÃO E SUAS MODALIDADES
Os dicionários definem a dissertação como exposição desenvolvida, escrita ou oral, de matéria doutrinária, científica ou artística, ou ainda como exposição, escrita ou oral, que os estudantes fazem de um ponto da matéria estudada.
Nos thesaurus, a dissertação também aparece como exposição, sumário, relatório, caracterização, retrato, delineamento etc. A partir disso, fica claro por que a dissertação tem aparecido como um dos tipos de discurso no contexto da didática ou da pedagogia e não em outros contextos.
Sem excluir esses significados já sedimentados pelo uso da palavra “dissertação”, para compreendê-la na ciência de dados, é preciso ir além do significado meramente didático da dissertação.
Expandido seu sentido, a dissertação refere-se a conceituações, ao estabelecimento de leis gerais, a formulações abstratas. Na dissertação, entramos no habitat do intelecto. São operações mentais, que traduzem em leis e tipos gerais, ou seja, em conceitos, as ocorrências que se repetem e que se tornam hábito. É, portanto, a linguagem das fórmulas genéricas e convencionais.
As modalidades de dissertação distribuem-se em:
DISSERTAÇÃO HIPOTÉTICA
DISSERTAÇÃO RELACIONAL
DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA
DISSERTAÇÃO HIPOTÉTICA
Expõe hipóteses, sugestões e conjecturas, portanto, quase conceitos acerca dos fenômenos e ocorrências da vida. São textos inconclusivos, que ensaiam pensamentos sem dar a eles um ponto de resolução.
DISSERTAÇÃO RELACIONAL
Estrutura-se seguindo os andamentos do raciocínio indutivo, que consiste em partir de dados teóricos, gerais, e ir medindo o grau de aproximação dos fatos concretos à teoria. É um discurso que correlaciona suposições teóricas com fatos reais, de modo que os fatos funcionam como índices, exemplos ou ilustrações das suposições, que são tomadas como ponto de partida.
DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA
É a que costuma ser mais lembrada. Enquanto a dissertação relacional tem na sua base o raciocínio indutivo, a argumentativa sustenta-se no raciocínio dedutivo. Quer dizer, parte de premissas e tece as relações entre elas para alcançar uma conclusão convincente.
Resumindo:
Descrição
Registro verbal dasimpressões de qualidade que as coisas despertam em nossos sentidos.
Narração
Registro de atos concretos, experiências singulares (sejam elas existenciais ou ficcionais).
Dissertação
Uma realidade que tem um modo de expressão puramente intelectiva, racional, e, como tal, de natureza geral, exigindo familiaridade e hábito.
A linguagem verbal é, em si, convencional, baseada em regras e leis que o falante absorve pelo contato social e que incrementa pela formação educacional. Não é por acaso que a Matemática, a Lógica e a Estatística desenvolvem não apenas um vocabulário, mas também linguagens constituídas de símbolos próprios, cuja decodificação é quase inacessível aos leigos.
A narrativa, ao contrário, embora seja também verbal, oral ou escrita, é o tipo de discurso mais acessível, não exigindo formação específica para ser compreendida. Isso não é fruto de qualquer milagre, mas apenas do fato de que a narrativa trata de situações vividas, um tipo de experiência que todos os humanos compartilham e com a qual se identificam porque estão vivos.
Fica claro por que as narrativas sempre produziram, desde os tempos mais ancestrais, e continuam produzindo, a adesão dos sentimentos humanos, por meio:
Sereia
DOS MITOS
Estátua de Teseu lutando contra o Minotauro.
DOS HERÓIS ÉPICOS
Édipo e a Esfinge, Jean-Auguste Dominique Ingres, 1808.
DAS TRAGÉDIAS QUE CORTAM O DESTINO
Cartaz do filme Minha Mãe é Uma Peça.
DAS COMÉDIAS QUE NOS FAZEM RIR
Cena da série Elite, na Netflix.
DOS STREAMINGS QUE POVOAM NOITES MAL DORMIDAS
Livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa.
DA GRANDE LITERATURA CUJA LEITURA ENOBRECE NOSSAS EXISTÊNCIAS
No vídeo a seguir, o professor Luís Dallier comenta sobre as modalidades da matriz verbal da linguagem, destacando aspectos da descrição, narração e dissertação. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
Reconhecer os modos de hibridização das linguagens
LINGUAGEM E HIBRIDIZAÇÃO
Se não estivermos presos a uma visão de que a linguagem se restringe à linguagem verbal, as linguagens são muitas. Desde a revolução industrial e a revolução eletrônica, seguidas pela revolução informática e digital, o poder multiplicador e o efeito proliferativo das linguagens estão se ampliando de modo crescente.
O exemplo da invasão das imagens é, por si só, bastante significativo. Tanto é que, para muitos, estamos na era da imagem. Entretanto, já passou essa era dominante de registro físico de fragmentos do mundo, iniciada com a fotografia e seguida por cinema, TV, vídeo e holografia, pois estamos instalados agora em plena efervescência da era pós-fotográfica, de geração sintética das imagens e principalmente da hipermídia, que é a linguagem própria das redes.
Não há quase nada de natureza real, artificial, simulada ou fictícia que o imaginário numérico não dê conta de colocar nas telas dos computadores e dos smartphones. Isso não é menos verdadeiro no universo sonoro. Com o advento do sintetizador e do controle por meio do computador, não há parâmetro sonoro dotado de uma significação física que não possa ser manipulado eletronicamente, em um grande número de combinações e variações praticamente infinitas (CHION, 1997).
Além de crescerem na medida exata em que cada nova mídia é inventada, as linguagens também crescem com o casamento entre meios.
EXEMPLO
O jornal está hoje transmutado nas plataformas e nos aplicativos das redes interativas de comunicação. A foto e o cinema expandiram-se para além das suas fronteiras tradicionais. A escrita se modificou, não se limitando mais ao espaço gráfico, mas se manifestando no ambiente eletrônico ou digital.
Enfim, o universo midiático nos fornece uma fartura de exemplos de hibridização de meios, códigos e sistemas.
São esses processos de hibridização que atuam como propulsores para o crescimento das linguagens.
Não é à toa que as linguagens já tomaram literalmente conta do mundo. Estejamos ou não atentos a isso, estamos dia e noite, em qualquer rincão do planeta, com maior ou menor intensidade, imersos em signos e linguagens, rodeados de livros, que o Kindle carrega com leveza, de jornais e revistas on-line, de sons variados no Spotify, e de mensagens instantâneas trocadas nas redes sociais.
Além disso, somos bombardeados por imagens, palavras, música, sons e ruídos vindos da televisão, de filmes e séries em streaming na rede das redes, em que podemos navegar pela informação e nos conectar com qualquer parte do mundo em frações de segundos.
Não há nenhum indicador de que as linguagens deverão parar de crescer. Ao contrário, com sua diversificação no planeta, a tendência é que elas busquem novos habitats no espaço celeste.
AS MATRIZES DA LINGUAGEM E PENSAMENTO NA BASE DAS HIBRIDIZAÇÕES
Para nos orientarmos nesse emaranhado híbrido de linguagens, é preciso buscar um tratamento teórico e metodológico que nos permita compreender como os signos se formam e como as linguagens e os meios se combinam e se misturam. É esse alvo que a teoria das matrizes de linguagem e pensamento procurou alcançar ao postular que a multiplicação crescente de todas as formas de linguagem tem suas bases em três e não mais do que três matrizes do pensamento e linguagem: a matriz verbal, a matriz visual e a matriz sonora.
O termo matriz é derivado da Matemática. Deslocado para o contexto das linguagens significa trazer para esse universo a ideia de princípios basilares, abstratos que norteiam as formas de organização que caracterizam a sonoridade, a visualidade e a discursividade verbal. Como matrizes, esses sistemas de signos estão na base de todas as misturas e hibridizações das linguagens, com as quais convivemos cotidianamente.
DE ONDE VÊM AS MISTURAS? COMO AS LINGUAGENS HIBRIDIZAM-SE?
A matriz sonora, a visual e a verbal são as formas menos miscigenadas de linguagens. Mas elas desdobram-se em modalidades, portanto, em variações que, inclusive, se misturam. Esses desdobramentos podem gerar 27 modalidades de desdobramentos da matriz sonora, 27 da visual e 27 da verbal. Além disso, elas podem se misturar entre si, o que vai ocasionando um denso caldeirão de misturas.
ATENÇÃO
Como se não bastasse, é preciso considerar que não há linguagens puras. Todas as linguagens são híbridas. E isso já começa nas matrizes. Apenas a sonoridade alcançaria certo grau de pureza se o ouvido não fosse tátil e se não se ouvisse com o corpo todo. A visualidade, mesmo nas imagens fixas, também é tátil, além de absorver a lógica da sintaxe, que vem do domínio do sonoro. A escrita absorve o eixo da sintaxe do domínio sonoro e o eixo da forma do domínio visual.
Quando se trata de linguagens existentes, manifestas, a constatação imediata é a de que todas as linguagens, uma vez corporificadas, são inevitavelmente híbridas. A lógica das três matrizes e suas 27 modalidades, desdobradas em 81, permite-nos inteligir, como ponto de partida, os processos de hibridização de que as linguagens se constituem.
Na realidade, cada linguagem existente nasce do cruzamento de algumas submodalidades de uma mesma matriz ou do cruzamento entre submodalidades de duas ou três matrizes. Quanto mais cruzamentos se processarem dentro de uma mesma linguagem, mais híbrida ela será.
Desse modo, só para ficarmos em alguns exemplos, a linguagem verbal oral, a fala, apresenta fortes traços de hibridização tanto com a linguagem sonora quanto com a linguagem visual na gestualidade que a acompanha.
A arquitetura, nos seus aspectos rítmicos e harmônicos, também se entrelaça com a sonoridade, além de ser visual e tátil. Dentre todas as linguagens, é a mais visualmente tátil, pois a arquitetura envolve nossos corpos, como uma espécie de terceira pele, depois da vestimenta, que funciona como uma segunda pele.
Todas as formas de linguagem visual em movimento (cinema, TV, vídeo e computação) entrelaçam-se com a sonoridade na sintaxe temporal que as caracteriza, assim como se entrelaçam com diversas submodalidades de discurso verbal, a narrativa, principalmente.
Evidenciada essa lógica de intercâmbios, como ficam as linguagens em relação aosmeios ou mídias?
A profusão de mídias é atualmente de uma tal dimensão, sua participação na vida social é tamanha que, frente às mídias, tudo o mais parece se apagar até o ponto do esquecimento de que dentro das mídias correm linguagens que se misturam, se cruzam e se complementam.
Por explorarem as raízes sígnicas que estão subjacentes às mídias particulares, a teoria das matrizes de linguagem e pensamento, antes de tudo, permite-nos escapar de uma visão instrumental das mídias, na medida em que nos coloca em diálogo com aquilo que efetivamente nos constitui como humanos, o nosso ser de linguagem.
MODOS DE HIBRIDIZAÇÃO DE LINGUAGENS
Para que nos livremos de uma fixação exclusiva nas mídias, que leva ao esquecimento das linguagens que por elas transitam, vejamos uma cartografia básica dos modos como as linguagens se misturam.
LINGUAGENS SONORO-VERBAIS (ORAIS)
No cruzamento do som com o verbo, encontra-se a linguagem da canção. Tem-se aí a fala que se engendra em música ou a música engendrando-se na fala. Inseparável da letra, o som limita-se a acompanhar o potencial sonoro da fala: suas durações, articulações, entonações e ritmos.
Os papéis desempenhados pela letra e pelo som evidenciam que suas inter-relações variam enormemente, desde o nível em que o som simplesmente cumpre o papel de mero acompanhante da letra até o nível em que a letra não passa de subsídio ou trampolim para a exploração timbrística da voz como instrumento.
Evidentemente, a canção só é sonoro-verbal quando transmitida a distância, visto que a interpretação da canção na presença física do intérprete se constitui em um recurso visual que leva a canção para o sonoro-verbo-visual.
No cruzamento sonoro-verbal, encontra-se também a linguagem do rádio, infelizmente muito pouco explorada na sua natureza de linguagem. O rádio aciona uma pluralidade de signos: som, ruído, ruído ambiente, música, música de fundo, voz, fala, texto, narrativa, novela etc. Pode, inclusive, trabalhar com planos superpostos desses signos. Quaisquer que sejam suas variações, entretanto, elas sempre se enquadram no cruzamento do sonoro com o verbal oral.
LINGUAGENS SONORO-VISUAIS
A música contemporânea tem sido pródiga nos cruzamentos do sonoro com o visual. As apresentações públicas das composições eletroacústicas fazem uso da disposição espacial das caixas de som criando uma verdadeira arquitetura sonora, por vezes de grandes dimensões.
As colocações da sonoridade em cena são de tipos variados, recebendo os nomes de música-instalação, performance sonora, teatro instrumental e, mais recentemente, de audiovisual ao vivo.
LINGUAGENS VISUAIS-SONORAS
A primeira linguagem a se inserir nesse cruzamento é, sem dúvida, a arquitetura. Ficou famosa a observação do escritor alemão J. W. Goethe (1749-1832) de que a arquitetura é a música congelada, o que foi rebatido pelo compositor e engenheiro francês Pierre Schaeffer (1910-1995) ao argumentar que a arquitetura, na verdade, é a música que fala.
De fato, a arquitetura replica no plano visual uma característica fundamental da música que está nas suas relações de iconicidade interna: paralelismos, hierarquias icônicas, repetições, contrastes, movimentos ascendentes, descendentes, variações sobre um mesmo tema, inversões, retrogradações etc.
Catedral de Brasília, cujo projeto é de Oscar Niemeyer.
Para se compreender esse empréstimo do sonoro pelo visual, é necessário levar em consideração que a lógica do sonoro não precisa necessariamente estar expressa em sons. Ela também pode tomar corpo em imagens e é, realmente, isso que acontece quando a imagem se põe em movimento, no cinema, no vídeo, na televisão e nas imagens computacionais.
Quando não acompanhado de palavras ou de fala, o vídeo também se realiza no cruzamento do visual e sonoro. Aliás, quanto mais intimamente as imagens do vídeo se tecem na dinâmica que é própria da sonoridade, das durações, intensidades, acelerações e dos retardamentos, maior é a eficácia de suas imagens, pois é nesse cruzamento com os caracteres, muito próprios da música, que o vídeo atinge graus de poeticidade.
Outra linguagem cuja chave semiótica se encontra na interseção do visual com o sonoro é a dança. Isso se dá, evidentemente, quando a dança não é narrativa, pois se o for, como acontece na maioria do balé clássico, além do visual e sonoro, o verbal, no seu aspecto narrativo, também entra na composição da dança como linguagem.
LINGUAGENS VISUAIS-VERBAIS
Vejamos:
A primeira dentre as linguagens visuais-verbais é a escrita, todas as formas de escrita, inclusive as pictográficas, ideográficas até atingir sua forma mais convencional e arbitrária na escrita alfabética.
Luxo Lixo, Augusto de Campos, 1986.
Também visual-verbal é a poesia visual.
Evidentemente, visual-verbal é também a publicidade impressa nos cruzamentos que estabelece entre imagem, palavra, diagramação de ambos na página e dos partidos que tira desses cruzamentos, por meio de jogos semióticos muito engenhosos.
São ainda visuais-verbais a charge e os quadrinhos. Em ambos os casos, os cruzamentos entre esses dois sistemas de linguagem são tão evidentes, isto é, operam-se no nível superficial de suas sintaxes semióticas, que dispensam comentários mais detalhados.
Enquadrada no cruzamento do visual-verbal está também a linguagem do jornal, impresso ou on-line. Embora o jornal seja considerado muito mais verbal do que visual, a visualidade nele desempenha um papel de relevância fundamental.
LINGUAGENS VERBO-SONORAS
A mais proeminente dentre as linguagens verbo-sonoras é a fala. Não é preciso reafirmar aquilo que os compositores do século XX exploraram em todo o seu potencial: a voz humana como instrumento sonoro.
A natureza acústica, articulatória da fala é certamente seu aspecto de maior relevo. Há outro aspecto da fala, mais propriamente visual e até mesmo cinestésico, que lhe é acrescentado pela gestualidade. Na esteira da fala, estão a literatura oral e a poesia sonora, ambas levando a realidade sonora da fala ao limite de suas possibilidades.
LINGUAGENS VERBO-VISUAIS
O gesto como acompanhamento inseparável da fala constitui-se em uma linguagem verbo-visual, linguagem vicária da fala. Nas paisagens do rosto, na postura do corpo, nos movimentos do pescoço, braços e nas mãos, na proximidade ou distância que o falante mantém com o interlocutor, a gestualidade vai desenhando contornos plásticos, visuais para a sonoridade da fala. Embora sem a fala, a mímica também é linguagem verbo-visual porque guarda indelevelmente a memória da fala.
A performance e o happening, mesmo se não acompanhados de fala, são prolongamentos do gesto, mais propriamente gesto teatralizado, gesto posto em cena, encenado. Mesmo na ausência da fala, performances e happenings têm uma raiz narrativa e, consequentemente, verbal. Quando acompanhados do som, o que é bastante comum, tornam-se linguagens verbo-visuais-sonoras.
Marina Abramovic e Ulay na performance AAA-AAA, 1978, em que os dois se posicionaram de frente um para o outro e gritando por cerca de 15 minutos, até que as vozes de ambos já estavam falhando.
LINGUAGENS VERBO-VISUAIS-SONORAS
Não foram poucos os estudiosos da poesia que apontaram para a natureza híbrida entre a sonoridade e a visualidade. Essas misturas comparecem também nos vídeos narrativos que contam histórias. Mas os casos mais típicos das misturas entre o verbal, o visual e o sonoro são o cinema e a televisão. De fato, são áudio, no som em geral, na música, no ruído e na fala dos diálogos. São também visuais, nas imagens.
ATENÇÃO
É necessário repetir que cinema, vídeo e TV têm também caráter discursivo, verbal, na medida em que são necessariamente narrativos ou descritivos.
Também verbo-visuais-sonoros são o teatro, a ópera e o circo, cada um deles misturando essas três matrizes de uma maneira que lhes é própria.
Espetáculo Quidam, do Cirque du Soleil.
Por fim, as misturas mais fortemente engendradas entre várias formas textuais, sonoras e visuais comparecem na hipermídia, essa linguagem com a qual convivemos no universo digitale que se constitui na linguagem mais característica do nosso tempo: a linguagem das mídias digitais.
No vídeo a seguir, o artista e pesquisador Domingos Guimaraens fala sobre a diversidade de linguagens e os modos de hibridização das linguagens. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos as diversas formas de linguagens, a partir das três grandes matrizes da linguagem: a sonora, a visual e a verbal.
Verificamos que cada matriz da linguagem tem suas modalidades, relacionam-se com as categorias e as classes de signos, conforme a semiótica peirciana.
Também estudamos os modos de hibridização das linguagens, considerando as diversas manifestações das linguagens e suas relações híbridas com os códigos, os meios e os sistemas, destacando as novas possibilidades a partir das tecnologias digitais.
PODCAST
Agora com a palavra os professores Luís Dallier, Rafael Iorio e Catharina Epprecht, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir!
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ARNHEIM. Rudolf. Arte y percepción visual. Buenos Aires: Universitária, 1976.
BREMOND, Claude. A lógica dos possíveis narrativos. In: BARTHES, R. et al. Análise Estrutural da Narrativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1971.
CHION, Michel. L’art des sons fixés, ou, La musique concrètement. Lormont: Metamkine, 1991.
DONDIS, D. A. A primer of visual literacy. Cambridge: MIT Press, 1974.
GIMENES, Roseli. Literatura Brasileira: do átomo ao bit. Orientador: Winfried North. 2016. 245 f. Dissertação (Doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2016.
MACHLIS, Joseph. Introduction to contemporary music. New York: Norton & Comp., 1963.
MARTINEZ, José Luiz. Música e semiótica. Um estudo sobre a questão da representação na linguagem musical. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1991.
MILLER, H. M. Introduction to music: a guide to good listening. 2. ed. New York: Harper & Row, 1978.
PEIRCE, C. Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.
SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal. São Paulo: Iluminuras, 2001.
TODOROV, Tzvetan. Poética da Prosa. Lisboa: Edições 70, 1979.
TODOROV, Tzvetan. Os Gêneros do Discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
EXPLORE+
· Conheça uma aplicação da teoria das matrizes da linguagem na análise da televisão como linguagem híbrida, lendo o artigo Matrizes de linguagem e pensamento como análise da identidade televisiva, de Raquel Ponte e Lucy Niemeyer, publicado na Tríades.
· Leia o artigo Por uma metodologia de análise dos aspectos simbólicos e comunicacionais do design das cidades digitais, de Frederico Braida e Vera Nojima, publicado pela UFJF, para conferir uma aplicação das matrizes da linguagem na análise do design de cidades digitais.
· Confira uma análise sobre um gênero das mídias digitais, o blog, a partir das matrizes da linguagem, lendo o artigo A multimodalidades em blogs educacionais para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa, de Geovan Macedo e Naziozênio Lacerda, publicado na Revista Travessias da UFS.
· Conheça um pouco mais sobre a vida e a obra da conteudista deste material lendo o verbete “Lucia Santaella” na Enciclopédia Itaú Cultural.
· Assista ao vídeo Linguagem, Pensamento, Mídias, Hibridismo e Educação por Lucia Santaella, disponibilizado no canal da Fundación Telefónica, no YouTube.
DESCRIÇÃO
A semiótica aplicada às linguagens jornalística e publicitária e a construção e interpretação acerca de produtos midiáticos a partir dos signos e dos processos de significação.
PROPÓSITO
Compreender e identificar as aplicações da semiótica no jornalismo e na publicidade para desenvolver habilidades relacionadas com a análise e o uso da linguagem na Comunicação Social.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar a aplicação da semiótica na análise da produção e da interpretação de notícias
MÓDULO 2
Identificar as contribuições da semiótica na análise de peças e campanhas publicitárias
MÓDULO 3
Reconhecer contribuições da análise semiótica à leitura das linguagens visual e audiovisual
INTRODUÇÃO
Não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas definições e classificações abstratas de signos, os princípios guias para um método de análise a ser aplicado a processos existentes de signos e às mensagens que eles transmitem, tais como aparecem em poemas, músicas, pinturas, fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em qualquer meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto, cine ou videográfico etc.
(SANTAELLA, 2005, p.5)
Vamos estudar como a semiótica — ciência dedicada ao estudo dos signos, sinais, códigos e linguagens presentes na cultura e na natureza — constitui um importante instrumento para a análise dos produtos midiáticos.
Veremos como esse aporte teórico se aplica à Comunicação Social, mais especificamente no jornalismo e na publicidade.
Discutiremos os processos de elaboração e publicização de notícias e de elaboração e exibição de propagandas em diversas mídias, pensando seus potenciais efeitos no público, bem como as possibilidades de produção de sentido.
MÓDULO 1
Identificar a aplicação da semiótica na análise da produção e da interpretação de notícias
PRIMEIRAS PALAVRAS: A SEMIÓTICA
Vivemos na chamada era da informação, marcada pela propagação de linguagens diversas e pela circulação de signos em ampla escala. Diante desse cenário, os estudos semióticos se tornam cada vez mais importantes para que possamos compreender de forma crítica as múltiplas representações da realidade com as quais nos deparamos cotidianamente.
A consolidação da semiótica como campo acadêmico está relacionada ao apogeu da cultura de massa, que data sobretudo da segunda metade do século XX. A multiplicidade de linguagens que surge naquele período histórico torna-se uma temática importante, que aguça a curiosidade dos pesquisadores. Dessa forma, desde sua origem, os estudos semióticos se revelam um instrumento eficaz para compreensão das mensagens midiáticas e da recepção do público diante desses signos.
Nesse debate, o jornalismo, assim como a publicidade, ocupa um espaço central. Hoje, diante da diversidade de (multi)mídias e plataformas disponíveis, há muito o que pensar sobre as representações e os processos de significação das notícias e das propagandas. A semiótica permite analisar as características dos diversos signos utilizados nessas linguagens, os sentidos que podem gerar e as diversas formas de significação acionadas por meio de tal conteúdo.
O JORNALISMO E SEU DISCURSO
O jornalismo é tão antigo quanto o surgimento da prensa de tipos móveis inventada por Gutenberg. Naquele momento do século XVII, com o advento da impressão em massa, estavam dadas as condições para o surgimento deste meio específico de comunicação. Desde então, em diversos formatos e linhas editoriais, o jornalismo em todo mundo tem se dedicado à tarefa de investigar e divulgar fatos sociais que podem ser considerados de interesse público.
Em seus primórdios, esses veículos eram declaradamente partidários e se assemelhavam a panfletos políticos. Eram instrumentos de disputa de narrativas e de convencimento da população. Com o passar do tempo, a imprensa foi se reformulando e os jornais impressos passaram a ser vistos como produtos de mercado. Nesse processo de modernização, a partir do século XIX, passaram a adotar uma linguagem mais objetiva, buscando apresentar uma postura de suposta imparcialidade.
Assim, o objetivo do discurso jornalístico, que antes era evidenciar uma opinião e promover uma disputa declaradamente política, passa a ser, em teoria, uma apresentação dos principais fatos à população, a partir de reportagens isentas.
Atualmente, as narrativas jornalísticas se constroem a partir de plataformas, dispositivos e signos diversos. O advento da internet permitiu que esse tipo de apresentação das notícias se tornasse cada vez mais comum e, ao mesmotempo, mais complexo, favorecendo a junção de diferentes formatos na publicização e circulação de uma só notícia. O que vemos é a proliferação dos textos sincréticos, ou seja, da junção de linguagens diversas — como palavras escritas, sons, vídeos, fotografias e infografia — visando à produção de determinado sentido. Esses elementos também correspondem ao que chamamos de hipertextos, ou seja, constituem um conjunto de recursos associados e conectados a um texto, dando a este uma nova e mais completa dimensão por meio de outras linguagens.
PERSPECTIVA SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO
A partir da perspectiva semiótica, os processos de comunicação abarcam pelo menos três eixos (SANTAELLA, 2005):
SIGNIFICAÇÃO OU REPRESENTAÇÃO
Neste âmbito, podemos analisar as mensagens em si, a partir de três aspectos:
• Qualidades e sensorialidade (linguagem visual, cores, formas, movimento, luz etc.);
• Particularidades e contexto no tempo e no espaço;
• Aspectos convencionais, pactuados coletivamente.
REFERÊNCIA
Busca compreender os objetos aos quais as mensagens se referem e as relações de representação. Essas referencialidades podem se dar por metáforas ou sugestões, a partir do caráter denotativo das mensagens ou por representação de ideias abstratas convencionadas culturalmente.
INTERPRETAÇÃO DAS MENSAGENS
A análise se concentra nos efeitos que as mensagens podem acionar e provocar no receptor. Esses impactos podem ser:
• Emocionais;
• Reativos (aqueles que convocam a alguma reação);
• Mentais (os que provocam algum tipo de reflexão).
Sabemos que as representações sociais estão associadas aos diversos símbolos e sinais que utilizamos para nos expressar e interpretar a realidade à nossa volta. Dessa forma, temos um repertório mental de ideias, valores e conhecimentos, que é acionado para interpretar os acontecimentos. Esses saberes são transmitidos por meio das diversas linguagens disponíveis e condicionam a cultura e a nossa visão de mundo.
Atualmente, os meios de comunicação de massa e as novas mídias têm um papel fundamental nesse processo. A semiótica pode nos auxiliar a compreender e analisar essas dinâmicas.
OS TEMAS
Os fatos sociais se tornam conhecidos pelo público através dos meios de comunicação e das narrativas e dos discursos que circulam na mídia. A produção jornalística é um processo de construção da realidade, representando fatos de interesse público e propondo o que deve ser divulgado e discutido coletivamente, e avaliado pela opinião pública.
Assim, o jornalismo produz uma rede semiótica, que influencia os temas a serem debatidos na sociedade e a forma como os fatos serão interpretados pela população em seu dia a dia, por meio de uma abordagem e de um ponto de vista específicos (HENN, 2008).
Atualmente, o conteúdo jornalístico está presente nas rádios, em jornais, revistas, canais de televisão, sites, portais, redes sociais e blogs. E, apesar das diferentes linguagens e plataformas possíveis para produção e divulgação de informação, a função dos profissionais da área continua sendo reportar os acontecimentos da realidade da forma mais exata possível, selecionando fatos sociais relevantes e construindo narrativas claras e coesas.
ATENÇÃO
Como sabemos, os veículos jornalísticos não podem dar conta de todos os eventos que ocorrem diariamente no mundo. Assim sendo, cabe aos profissionais da imprensa adotar alguns parâmetros para selecionar os temas que serão, de fato, reportados e de que maneira estes serão apresentados ao público.
O jornalista e pesquisador Nelson Traquina (2005b) se dedicou a estudar esse processo de escolhas e recortes, apresentando o conceito de critérios de noticiabilidade, ou seja, aspectos que regem a produção da notícia. Essas diretrizes podem estar relacionadas a condições de trabalho, ao material disponibilizado aos repórteres, à linha editorial dos veículos e até mesmo a interesses políticos e empresariais. Esse conjunto de critérios pode ser pensado também como “valores-notícia”, parâmetros que definem se “um acontecimento, ou assunto, é suscetível de se tornar notícia” (TRAQUINA, 2005b, p. 63). Trata-se de um padrão já consolidado, estável e previsível.
Os critérios de noticiabilidade podem ser:
	SUBSTANTIVOS
	Mortes, fatos que envolvem pessoas com notoriedade, acontecimentos que possuem proximidade geográfica ou cultural com o público, episódios inusitados e inesperados, conflitos, infrações e escândalos.
	CONTEXTUAIS
	Disponibilidade de materiais e recursos, equilíbrio entre os temas abordados no veículo, ações da concorrência, acontecimentos do dia.
	VALORES-NOTÍCIA DE CONSTRUÇÃO
	Simplificação (redução ou resumo da complexidade dos fatos), amplificação (lançar luz sobre um aspecto da notícia), relevância (atribuir importância a determinado fato), personalização (identificar pessoas envolvidas no acontecimento reportado) e consonância (inserir uma novidade em um contexto ou temática já conhecido pelo público).
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Quadro: Critérios de noticiabilidade.
Adaptado de: Traquina (2005b).
AS NOTÍCIAS
Notícias e reportagens são narrativas construídas pelos jornalistas e estão sujeitas a falhas e imprecisões. Não são um retrato fiel e clínico da realidade, mas sempre um recorte, condicionado por determinada interpretação dos fatos. Antigas teorias do jornalismo, que consideravam a atividade um espelho do mundo, já estão em desuso, de maneira que é preciso abandonar a ideia de que os profissionais da imprensa reproduzem a “realidade” de modo objetivo, preciso, verificável e com veracidade e neutralidade (PINHEIRO, 2009).
Por mais que os jornalistas busquem retratar os acontecimentos como de fato ocorreram, sempre haverá um processo de seleção de informações, deixando de lado alguns aspectos da história contada. Desse modo, a linguagem jornalística não é um fragmento da realidade, podendo apenas ocupar o lugar da realidade para representá-la ao público. Nesse sentido, revela-se um processo semiótico.
ATENÇÃO
O fato de um acontecimento poder ser reportado de modos diferentes não significa que o produto do jornalismo seja uma mentira ou uma ficção. Ao recorrer aos signos para representar os fatos da realidade, a imprensa produz não um relato clínico e preciso, mas a construção de enunciados (HALL apud TRAQUINA, 2005a).
O trabalho da imprensa é justamente mediar a relação entre o que ocorre de relevante no dia a dia e o público — e o faz através de linguagens e linhas editoriais específicas (e distintas).
Como vimos anteriormente, a semiótica é a ciência que estuda os signos. E os signos, por sua vez, são qualquer elemento que está no lugar de algo para alguém, ou seja, que substitui alguma coisa que está ausente, representando-a. Todo produto jornalístico tem como matéria-prima um acontecimento de interesse público, mas, como sabemos, não dá conta de traduzir a realidade tal como é. A partir dessa definição, é possível compreender a afirmação de que a linguagem jornalística tem também uma função semiótica.
As notícias — construídas a partir de textos escritos, vídeos, áudios, fotografias e infográficos — são signos que se referem aos fatos sociais representados pela imprensa.
Essa não é uma constatação abstrata ou meramente teórica. Utilizar as ferramentas da semiótica para analisar as diversas linguagens jornalísticas nos permite compreender os desafios de reportar os acontecimentos de interesse público.
Charles S. Peirce (1839-1914), pai da semiótica norte-americana, estabeleceu a premissa de que os signos só conseguem referenciar algo a partir de algumas de suas características, sendo, portanto, elementos limitados. Dessa forma, o mito da imparcialidade da imprensa cai por terra diante da constatação de que todo signo é uma referência parcial do objeto que representa. Signo e objeto podem ser semelhantes, similares, mas serão, sempre, duas coisas distintas.
Diante da incompletude dos signos, um significado acionado a partir deles depende do processo de semiose, ou seja, da representação mental que acionamospara produzir sentido. O produto desse processo, chamado de interpretante, é também um signo — e, portanto, limitado em relação ao objeto.
Nesse sentido, na perspectiva de Peirce, um signo pode ser analisado (SANTAELLA, 2005):
Clique nas setas para ver o conteúdo. Objeto com interação.
Em si mesmo, a partir de suas características internas.
Na referência que faz a algum objeto da realidade concreta.
Nos tipos de interpretação que podem acionar e provocar nos intérpretes.
Assim, a análise semiótica aplicada ao jornalismo pode se debruçar sobre as diversas mídias e seus suportes (TV, rádio, internet, papel). Encontra, portanto, um grande espectro para estudo, que pode abarcar texto, áudio, vídeo, fotografias e uma infinidade de elementos gráficos. É, portanto, uma modalidade de pesquisa teórica e prática.
Entre um acontecimento — um fato social — e uma notícia existe um processo produtivo repleto de interpretações:
Pauta
As pautas são elaboradas e discutidas entre os editores.
Apuração
Os repórteres partem para a apuração das informações e escolhem e entrevistam suas fontes.
Edição
Ocorre o processo de edição.
EM TODO ESSE PERCURSO, OS SIGNOS-NOTÍCIA VÃO SENDO ALTERADOS, MODIFICADOS E ATUALIZADOS (HENN, 2008).
O jornalismo é, portanto, um exercício de codificação, a partir de critérios e padrões convencionados. Do ponto de vista da semiótica, envolve um grande processo de produção de sentido (semiose), que passa por uma teia de mediações, com suas diferentes linguagens. Esse processo de construção de narrativas (de representação e reportagem) está condicionado a diversos fatores (TRAQUINA, 2005a, p. 168):
Aspectos relacionados com a organização do trabalho jornalístico.
Limitações relacionadas com o orçamento.
Resposta da rede noticiosa à imprevisibilidade dos eventos.
Vamos analisar um exemplo bastante conhecido no telejornalismo brasileiro. Quem nunca se assustou ao ver e ouvir a vinheta do “Plantão da Globo”? O VT é exibido sempre que uma notícia precisa ser divulgada com urgência pela Rede Globo de Televisão, canal aberto e um dos principais líderes de audiência nacional. (Com entrada mais recente na Imprensa brasileira, a rede americana CNN usa, com o mesmo propósito, uma vinheta com os dizeres, em inglês, “Breaking News”, o que significa notícia importante e urgente.) Emerim (2017) propõe uma análise semiótica desse produto da Rede Globo que é bastante ilustrativo para a discussão do tema.
Como mostram os frames destacados, a vinheta exibe diversos microfones e câmeras, girando em volta de uma esfera prateada — que, como é possível perceber na sequência, se trata da própria logomarca da emissora. Ao fim do VT, o público passa a ver a palavra “Plantão” em destaque. Outro elemento característico é a música-tema, uma canção instrumental acelerada, com uma melodia instrumental bem “energética”. De tão conhecido pelo público e presente no imaginário coletivo, esse tema foi copiado e apropriado até mesmo em uma versão funk e em uma vinheta paródica em quadro humorístico do canal Porta dos Fundos no YouTube.
 Frames do Plantão da Globo.
Como os telespectadores da Rede Globo já aprenderam, esse VT é um signo que se refere a um objeto específico: uma notícia urgente que, devido à sua grande importância, se sobrepõe a qualquer programação que esteja sendo exibida no momento. Essa representação se constrói a partir de diversos elementos que reforçam um sinal de alerta: a música rápida e vibrante e a imagem dos equipamentos que representam a reportagem surgindo em grande quantidade e de forma acelerada. Tudo isso visa acionar na percepção do público a ideia de uma ruptura brusca e a consequente identificação de que se trata de algum fato social muito relevante, cuja divulgação é importante e inadiável.
IMAGENS E FOTOJORNALISMO
Diversos estudos no campo da Comunicação se debruçam sobre o fotojornalismo e a relação entre imagens e textos escritos em veículos diversos.
Do ponto de vista da semiótica, as fotografias podem ser compreendidas como ícones, ou seja, signos que representam determinado objeto a partir de relações de semelhança e proximidade.
As imagens que circulam na imprensa podem também assumir a função de índices, ou seja, exercer o papel de sinalizar e lembrar da existência de uma personalidade importante, notória ou popular. Nesse caso, haveria uma lacuna irreversível entre o indivíduo real, por trás das câmeras (que corresponde ao objeto dinâmico), e os registros feitos a partir de uma imagem (o objeto imediato). E essa relação platônica entre indício e indivíduo seria um dos motivos pelos quais tais figuras despertariam tanta curiosidade, interesse e fascínio por parte do público (SANTAELLA, 2005).
Ao serem veiculadas na mídia, as imagens passam a atuar como um recorte de determinados aspectos da realidade, permitindo que o público produza significados sobre o fato noticiado.
No caso do jornalismo impresso, embora os signos, o texto e a fotografia atuem de forma complementar em relação ao seu objeto (o fato noticiado), cada um deles contribui de maneira específica no processo de significação. A representação e a consequente produção de sentido nesse contexto se dão a partir de processos visuais e mentais, ou seja, dependem:
Das qualidades do signo
De sua análise contextualizada
Da experiência e das referências de cada intérprete
INFOGRÁFICOS
Outro recurso importante no jornalismo contemporâneo são os infográficos, que, com suas imagens e diagramas, misturam linguagens verbal e não verbal na construção de um signo (notícia ou reportagem). Nesses casos, diversos elementos se complementam para acionar um processo de significação.
Embora façam sentido separadamente, somam-se como diferentes linguagens referentes a um mesmo objeto, no caso, o fato reportado. Em outras palavras, a associação entre as linguagens verbais e gráficas assume uma espécie de sinergia, há uma ação conjunta visando a um resultado comunicativo que é melhor do que se fosse isoladamente.
A interpretação dos leitores ao se depararem com infográficos nas páginas de um jornal ou de um site pode ocorrer em diferentes níveis. Se utilizarmos a perspectiva da semiótica peirciana, podemos analisar este processo de significação por meio das categorias universais do pensamento:
PRIMEIRIDADE
SECUNDIDADE
TERCEIRIDADE
PRIMEIRIDADE
Percepções mais imediatas e sensoriais, como a das cores, formas e fontes tipográficas, estão associadas à primeiridade, ou seja, à interpretação dos signos a partir de suas qualidades. É o que podemos perceber em um primeiro olhar, quando só constatamos a existência do signo.
SECUNDIDADE
Em um momento posterior, quando há um movimento de interpretação do infográfico, analisando-o a partir das memórias e referências que o receptor dispõe, o processo de significação situa-se no âmbito da secundidade.
TERCEIRIDADE
Podemos abordar a categoria da terceridade para compreender o processo de aprofundamento da interpretação das informações e dos elementos gráficos que compõem o signo. Trata-se, portanto, da conclusão do processo de significação que pode ocorrer de formas distintas a partir das diferentes percepções do público.
EXEMPLO
Em matéria publicada no site do Nexo Jornal, temos uma reportagem apresentando os resultados do estudo WHO Report on the Global Tobacco Epidemic, de 2017, que analisa os hábitos de consumo de cigarro entre jovens em todo o mundo. O objeto aqui representado é o fato social do uso dessa droga por uma faixa etária específica e pode ser referenciado de diversas formas. A matéria do jornal Nexo é uma dessas possíveis representações e recorre tanto à linguagem verbal quanto a elementos gráficos para abordar o tema.
Infográfico: Grupo com maior prevalência de consumo de cigarros, entre meninos e meninas de 13 a 15 anos.
Adaptado de: WHO, 2017.
Imaginemos o processo de interpretação de tal signo a partir das categorias propostas por Peirce.
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Em um primeiro momento, ao nos depararmos com o infográfico na tela do computador, poderíamos perceber um desenho com formas características, bem comoa combinação de cores vibrantes contrastando com tons de cinza e alguns retângulos coloridos com textos aparentes. Tal processo se referiria à primeiridade.
2
Posteriormente, procuraríamos interpretar aquele signo, fazendo comparações entre o que vemos e nossos próprios repertórios de conhecimento, o que corresponderia à secundidade.
3
Por fim, concluiríamos esse processo de significação, produzindo determinado sentido a partir do signo apresentado. Perceberíamos que a cor cinza, escolhida para sinalizar os países onde não houve extração de dados, aparece em contraste com os tons vibrantes que ilustram as outras variáveis do estudo. Identificaríamos ainda que o fundo, em tom claro, dá destaque aos elementos que mais importam na constituição desse signo (texto e imagem). A representação icônica dos continentes, a partir do mapa mundi desenhado, e as diferentes cores associadas a cada um dos gêneros dos indivíduos também seriam analisadas como elementos informativos.
RESUMINDO
A partir do que foi discutido até agora, podemos afirmar que a infografia é uma linguagem comumente utilizada nos textos jornalísticos para sintetizar, ilustrar, apresentar e complementar informações, por meio da junção de diferentes linguagens. Como signos que são, os infográficos que circulam por meio da imprensa fazem referência a determinados aspectos da realidade concreta, representando-os de maneira mais sucinta e didática. Essa relação permite que o público acesse de forma mais ágil e rápida um conjunto de dados que, caso fosse exibido a partir da linguagem verbal, exigiria mais tempo e atenção para a produção de significados contundentes.
AS CAPAS
As capas dos jornais impressos são uma espécie de vitrine do conteúdo da edição do dia. A primeira página organiza as notícias em determinada hierarquia, dando espaço privilegiado aos temas considerados mais relevantes, a partir dos critérios de noticiabilidade.
Ao analisar a estrutura e o processo de construção das capas dos jornais, Santaella (2005) ressalta que esses signos podem apresentar diferentes enfoques e estratégias comunicacionais para abordar um mesmo tema. Nesse caso, do ponto de vista da semiótica, o acontecimento do momento, o fato social que está em destaque no dia, seria o objeto dinâmico. Já o objeto imediato seriam as escolhas e os recortes utilizados para delimitar a reportagem.
Esse tipo de análise é bastante útil para compreender como as imagens e as manchetes exercem um papel de protagonismo na construção desse signo. A página inicial do veículo impresso pode, inclusive, ser decisiva para convencer o leitor a comprar aquele jornal em detrimento dos produtos da concorrência.
Observemos as capas de três veículos diferentes, publicadas em uma mesma data (18 de abril de 2021). Segue a primeira página das edições da Folha de S. Paulo, do jornal O Globo e do Expresso.
A Folha de S. Paulo é um jornal lido prioritariamente por jovens adultos da classe B (IBOPE, 2018). Trata-se de um veículo que sempre buscou se consolidar a partir de uma ideia de credibilidade, seriedade e sobriedade. Não por acaso, a temática que ganha maior destaque em sua capa é a queda da renda das famílias de classe média durante a pandemia. A foto de um estabelecimento elegante, completamente vazio, aciona a realidade reportada na edição.
Dentre os veículos aqui mencionados, a Folha é a que mais aposta na linguagem textual em sua capa, em detrimento de outros recursos possíveis. Podemos observar ainda que a logo do jornal é formada por elementos básicos: apenas o nome do veículo, em preto, com uma tipografia com serifas e, portanto, com uma estética mais formal.
Jornal Folha de S. Paulo, Ano 101, nº 33.618.
Jornal O Globo, Ano XCVI, nº 32.031.
O jornal O Globo também é mais consumido pela classe B, porém lidera entre os idosos de 60 anos ou mais. Seu maior destaque na data analisada se refere ao aniversário do cantor e compositor Roberto Carlos. O fato é evidenciado por meio de uma chamada composta por textos e foto, e apresentada em uma posição de evidência. A capa da edição conta com mais imagens do que a primeira página do concorrente analisado anteriormente. Apresenta, inclusive, uma charge, apostando em textos sincréticos e se apresentando como um signo menos formal. A logomarca do jornal também aciona uma ideia de sobriedade, porém recorre a uma tipografia mais moderna e mescla as cores branca e azul.
O jornal Expresso se diferencia dos outros produtos analisados por possuir um público majoritariamente de classe C, com faixas etárias bastante variadas. Não por acaso, há aqui uma distinção muito evidente na constituição do signo “capa”. Diferenças estéticas e de estruturação do design da primeira página são bastante evidentes em comparação com a Folha de S. Paulo e com o jornal O Globo. A começar pelo uso de cores vibrantes, como o amarelo e o vermelho. O destaque do Expresso nessa edição se constrói a partir de uma foto e de uma chamada sensacionalista, escrita contra um fundo preto, e que se refere à temática da morte e do crime organizado. O veículo adota uma linguagem mais coloquial que a de seus concorrentes, apelando para as percepções mais passionais e viscerais dos leitores. Expressões como “saco pra defunto”, “kit execução” e “tira onda” apontam para uma narrativa mais informal, popular e próxima da oralidade.
Jornal Expresso da Informação, Ano XVI, nº 5.294.
Ao analisar esses três signos distintos (as capas da Folha de S. Paulo, O Globo e Expresso), que se referem a acontecimentos da realidade concreta, percebemos como as ferramentas da semiótica são eficazes para pensar de maneira mais aprofundada a produção e o consumo das notícias.
No vídeo a seguir, o jornalista Felipe Pena comenta as possibilidades de análise e produção de textos jornalísticos a partir dos referenciais teóricos e recursos da semiótica. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Identificar as contribuições da semiótica na análise de peças e campanhas publicitárias
SEMIÓTICA E LINGUAGEM PUBLICITÁRIA
A semiótica também pode apresentar ferramentas eficazes para a produção e análise de peças, produtos e imagens publicitárias. Pode se tornar ainda uma estratégia importante para a compreensão e delimitação do público-alvo de uma campanha, bem como para a formulação de ações de marketing visando atrair consumidores em potencial. Signos específicos — como cores, elementos gráficos, jingles e a imagem de personalidades da mídia — são alguns dos elementos que podem ser escolhidos e acionados para alcançar esses objetivos.
Para compreender o potencial comunicativo das campanhas publicitárias, os estudos da semiótica propõem três pontos de vista importantes e complementares (SANTAELLA, 2005):
PERSPECTIVA QUALITATIVA-ICÔNICA
Debruça-se sobre as qualidades de um produto, como, por exemplo, sua dimensão, textura, forma, design etc. Refere-se à primeira impressão do consumidor e às suas interpretações mais automáticas e instintivas. É o caso, por exemplo, da fragrância de um perfume sendo associada à ideia de sofisticação, de uma marca de roupas considerada um símbolo de elegância ou de um comercial de amaciante de roupas que remete à sensação de pureza, leveza e delicadeza. Nesses casos, as mensagens publicitárias podem ser observadas a partir de seus aspectos sensoriais e através de seus quali-signos.
PERSPECTIVA SINGULAR-INDICATIVA
Constitui uma análise das propagandas inseridas em um contexto, ou seja, também observa suas qualidades, mas se atém sobretudo às funções e finalidades do produto ou serviço em questão. Leva em conta as indicações de uso e manipulação, e o público-alvo adequado. Nesses casos, as mensagens são interpretadas em suas singularidades, situadas em relação ao tempo e ao espaço. São, portanto, observadas a partir de seus sin-signos.
PERSPECTIVA CONVENCIONAL-SIMBÓLICA
Analisa o produto anunciado como um tipo, parte de um todo. Busca compreender, portanto, padrões de design e gosto, representatividade, aspectos culturais aos quais o produto se associa e valores que a marca busca construirou reforçar. Mais do que conhecer as propriedades ou vantagens de determinado serviço ou bem, o consumidor em potencial também se interessa pela visão de mundo associada ao que está sendo divulgado. Essas mensagens são analisadas, em seu caráter geral, como conteúdo que pertence a uma classe de coisas, ou seja, são pensadas através de seus legi-signos.
QUALI-SIGNO
Termo que designa um conceito peirciano, que corresponde à natureza material do signo e à relação do signo consigo mesmo por meio de uma qualidade. Tem a ver com uma sensação sem existência concreta, como a percepção das cores.
SIN-SIGNO
Corresponde à natureza material do signo e à relação do signo consigo mesmo por meio de uma singularidade. Tem a ver com algo ou alguma coisa que existe atualmente, como determinado acontecimento percebido.
LEGI-SIGNO
Corresponde à natureza material do signo e à relação do signo consigo mesmo por meio de uma lei geral. Tem a ver com concordância ou convenção sobre um signo, de ordem generalizante, sobre aquilo que ele representa e o modo de representar.
OS TEXTOS SINCRÉTICOS
Atualmente, há múltiplas possibilidades de construção de um enunciado publicitário. As campanhas não se restringem mais aos meios de comunicação tradicionais (rádio, TV e jornal impresso), mas também recorrem às novas mídias, aos aplicativos, às redes sociais e a espaços de anúncios em sites, blogs e mecanismos de buscas.
Narrativas transmidiáticas são cada vez mais recorrentes na indústria do entretenimento, acionando diversos canais e dispositivos na construção de um universo narrativo único e coerente. Cada uma das mídias utilizadas nesse tipo de estratégia terá maior inserção entre determinado público consumidor, ampliando, portanto, o alcance geral do bem ou serviço a ser divulgado.
Nesse cenário, os discursos publicitários se manifestam a partir de textos, que podem ser analisados em relação ao seu conteúdo ou às formas semióticas pelas quais se materializam. Esses textos podem ser (FIORIN, 2012):
Sincréticos
Articulam diferentes linguagens, como é o caso de um filme, uma peça de teatro, uma peça publicitária, uma história em quadrinhos ou uma vinheta.
OU
Não sincréticos
São aqueles que se apresentam a partir de uma única linguagem, como um texto escrito, uma fotografia ou uma gravura.
ATENÇÃO
O texto sincrético não é uma simples soma de componentes diversos, mas uma superposição de linguagens que se articulam na construção de uma significação coerente. Nesses casos, as mensagens se constituem a partir de signos diversos para acionar a produção de um sentido. Nessa perspectiva, a análise semiótica pode se debruçar sobre diversos signos presentes nas linguagens midiáticas.
Sobre o uso de textos sincréticos na publicidade, podemos mencionar as campanhas da rede varejista Magazine Luiza, a Magalu, empresa que vem ampliando seu alcance em diversos nichos de mercado, como o da moda, da tecnologia e até mesmo da chamada cultura nerd.
A organização adotou a estratégia de adquirir diversas startups, visando acelerar seu processo de digitalização e produção de conteúdo autoral. Nesse sentido, as estratégias de comunicação da empresa têm recorrido cada vez mais a textos sincréticos, articulando diversas linguagens diferentes. Textos escritos, imagens, vídeos e trilhas sonoras se mesclam, sempre associadas à Lu, a assistente virtual que se tornou a imagem da marca.
A personagem Lu foi criada em 2003 para humanizar os negócios e para conferir uma sensação de proximidade e confiança junto aos consumidores que ainda estavam reticentes a fazer compras on-line. De lá para cá, Lu se tornou a primeira influenciadora digital virtual do Brasil, obtendo milhões de seguidores nas redes sociais. Por meio de postagens, vídeos, fotos e comerciais na TV, a garota-propaganda articula em seu entorno postagens, vídeos e fotos. Os textos acionados pela Lu ganham diversos desdobramentos, à medida que ela atua na composição de mensagens no site, nas peças para a TV, nas redes sociais e nas vitrines das lojas espalhadas pelo país.
OS EFEITOS
A linguagem publicitária promove a ligação entre as empresas e marcas, e o público consumidor. Nesse sentido, tem como objetivo persuadir, convencer, emocionar, seduzir ou fidelizar clientes.
Do ponto de vista da semiótica, deve-se pensar as campanhas publicitárias em todo o seu escopo: da escolha dos signos e dos processos de enunciação do conteúdo até os impactos causados no receptor, quando o processo de significação se conclui.
Os textos publicitários comumente adotam uma função conativa ou apelativa da linguagem, ou seja, trata-se de mensagens centradas no receptor (o consumidor em potencial ou cliente a ser fidelizado) para provocar emoções, sensações e sentimentos. Não por acaso, são recorrentes os verbos no imperativo ou no presente do indicativo.
EXEMPLO
Alguns slogans clássicos são exemplares nesse sentido, como “abuse e use C&A”, “beba Coca-Cola”, “compre Baton” e “vem pra Caixa você também”. Os consumidores que guardam ou memorizam esses exemplos podem associá-los a outros signos, como cores, imagens, logomarcas e outros aspectos dessas empresas.
Os signos cromáticos também são importantes elementos na análise de como as mensagens publicitárias são percebidas e dos desdobramentos desse processo de significação na mente humana. Ao analisar a logo da campanha O câncer de mama no alvo da Moda, Feldmann e Sant’Anna (2007) descrevem os efeitos provocados no público a partir das qualidades dos signos acionados nas estratégias publicitárias.
As autoras citam estudos que apontam que o azul é a cor preferida no Ocidente (FELDMANN; SANT`ANNA, 2007), de maneira que as tonalidades utilizadas nessa campanha tenderiam a ampliar seu alcance ou evitar/reduzir a rejeição do público-alvo. As pesquisas também analisam a forma e o design da logomarca, círculos concêntricos que remetem tanto a um alvo quanto à imagem de um seio. Por fim, imagens recorrentes de atores, apresentadores, modelos e outras personalidades conhecidas pelo grande público são constantemente acionadas para imprimir credibilidade e identificação em relação à causa/produto.
AS CAMPANHAS
Ao adotar estratégias da semiótica na criação de uma campanha publicitária, é possível identificar, escolher e criar signos que acionem no público-alvo os desejos e as percepções esperados. Os publicitários devem levar em consideração também os objetivos daquela estratégia de marketing, os valores da marca e a identidade visual dos produtos ou serviços.
A título de exemplo, vamos analisar algumas peças publicitárias de corretoras de investimento. Em geral, o público-alvo das empresas desse ramo são jovens e adultos, de classe média e alta, que desejam investir seu dinheiro com o auxílio de uma assessoria especializada. Não por acaso, diversos cases presentes no mercado brasileiro buscam construir ou reforçar uma ideia de credibilidade, segurança e expertise, e associar-se à estética das grandes empresas e dos círculos da alta sociedade.
Observe, a seguir, alguns exemplos de peças publicitárias voltadas para a divulgação do serviço de corretoras financeiras.
Frame do comercial da Rico Investimentos.
Reprodução do comercial da XP Investimentos.
No primeiro caso, temos um frame do comercial da corretora Rico Investimentos. Na sequência, vemos a peça gráfica de uma campanha da XP Investimentos. Uma análise desses dois exemplos a partir de uma perspectiva semiótica permite identificar alguns signos recorrentes, que fazem referência a um padrão já associado a esse tipo de negócio.
As duas empresas optaram por estampar em suas propagandas a imagem (estática ou em movimento) de personalidades midiáticas conhecidas pelo grande público no Brasil: o jornalista Evaristo Costa e o apresentador Luciano Huck. Tais referências buscam construir junto à audiência uma imagem de confiabilidade, já que duas figuras públicas associadas à produção de informação e ao mundo empresarial optaram por se associar a essas marcas.
Os elementos gráficos acionados se unem à foto e ao vídeo para complementaras mensagens propostas pelas campanhas. Caracterizam-se por uma estética monocromática, com cores sóbrias e escuras. A tipografia na peça da Rico é simples, sem serifa, e se apresenta em textos curtos e objetivos, transmitindo uma ideia de praticidade. Já os elementos que ilustram a propaganda da XP também se caracterizam por uma estética de estilo clean, mais básica, que associam o signo às noções de eficiência e de objetividade.
Vejamos outro exemplo de campanha sobre serviços de gerenciamento de investimentos, mas que apresenta uma estratégia diferente, visando a um reposicionamento.
Ao divulgar seus serviços, o Banco do Brasil apresenta, em seu comercial, o recurso da metalinguagem, ou seja, em uma propaganda sobre investimentos, aborda as próprias campanhas publicitárias sobre o tema, de forma irônica e evidenciando alguns signos que já se tornaram clichês na linguagem publicitária.
O vídeo começa apresentando uma moça jovem, vestida casualmente, tomando café em sua casa. Segundos depois, ela se transforma na atriz Giovana Antonelli, também familiar ao grande público. O texto que segue é uma verdadeira análise semiótica sobre as propagandas desse ramo:
“Comercial de investimentos tem sempre uma pessoa famosa. Roupa executiva, um escritório com parede de vidro e vista panorâmica da cidade. Ah, e não se esqueça da trilha de jazz, animações de gráficos que ninguém entende e algum figurante entregando uma pasta vazia como se fosse importante.”
A estratégia do Banco do Brasil é justamente se diferenciar dos demais serviços e dos sinais e das linguagens associados às campanhas publicitárias do ramo. Assim, outros signos são convocados para acionar no público a ideia de que investir é simples, fácil e pode ser uma prática do cotidiano, por ação do próprio cliente e de forma autônoma.
Inicia-se, a partir daí, uma trilha sonora mais leve e descontraída, e passamos a ver novamente na tela a imagem da primeira moça, vestida de short e camiseta, sentada no sofá de sua residência. Temos, portanto, a construção de um posicionamento de distinção, de diferenciação, que ocorre por meio de uma estratégia semiótica de oposição entre determinados conjuntos de signos.
No vídeo a seguir, o jornalista Felipe Pena comenta as possibilidades de análise e produção de peças e textos publicitários a partir dos referenciais teóricos e recursos da semiótica. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Reconhecer contribuições da análise semiótica à leitura das linguagens visual e audiovisual
LINGUAGEM VISUAL
A linguagem visual é uma das mais antigas formas de expressão humana. Mesmo antes da invenção da escrita, as imagens e os símbolos eram utilizados para registrar, armazenar e difundir informações. Basta pensarmos, por exemplo, na chamada arte rupestre, que corresponde ao conjunto de desenhos, pinturas e inscrições feitas nas paredes das cavernas e em rochas no período pré-histórico. Esses signos comumente representavam cenas do cotidiano e rituais religiosos e funerários.
Animais pintados na Gruta de Lascaux, um dos sítios de arte rupestre mais famosos do mundo.
Tudo aquilo que vemos, ouvimos e sentimos estimula os nossos sentidos e aciona a nossa cognição, nos permitindo apreender e compreender a realidade que nos cerca. É a partir dessas percepções e interpretações que interagimos com os seres e objetos à nossa volta. Nosso campo de visão permite que observemos os sinais em nosso entorno a partir de uma percepção específica, que parte do nosso próprio ponto de vista e, portanto, gera uma percepção subjetiva do mundo visível.
Como vimos até aqui, a semiótica dedica-se a estudar todos os tipos de linguagens existentes, analisando a produção de significados a partir de signos. No caso da linguagem visual, mais especificamente, os elementos que percebemos através da observação podem acionar distintas significações a partir das três dimensões espaciais:
ALTURA
PROFUNDIDADE
LARGURA
O estudo da semiótica oferece métodos para descrever, interpretar e apreciar esses diferentes sinais, não apenas reconhecendo suas qualidades, mas estabelecendo conexões com aquilo que representam.
A comunicação visual abarca todas as imagens e objetos que representam algo no contexto sociocultural no qual estão inseridos. Desde representações gráficas simples, com significados convencionados (como as placas de trânsito, por exemplo), passando por imagens figurativas, tais como pinturas, esculturas, fotografias, cartazes, peças publicitárias etc.
O estudo semiótico aplicado a esse repertório diverso permite analisar os objetos a partir de seus suportes e formatos, mas também levando em consideração o conteúdo que propagam e as relações que estabelecem com outros signos, com os objetos que representam e com os intérpretes que os observam.
Atualmente, o intenso volume de sinais que nos cerca cotidianamente torna a linguagem visual um mecanismo ainda mais importante de comunicação e interação social. Artes gráficas, fotografias, gifs, memes e tantos outros formatos também já são referências constantes em nosso dia a dia, e são compartilhados para difundir informações ou para provocar o riso, ou a reflexão.
Assim, os textos escritos deixam de ser os únicos protagonistas no universo midiático e, por meio de novos dispositivos, passam a incorporar outras modalidades de expressão, gerando hipertextos cada vez mais complexos. Quanto mais ricas e diversas são as linguagens disponíveis, mais possibilidades de imaginar e decodificar os signos nós teremos (LÉVY, 1993).
Segundo Horn (1998), a linguagem visual envolve os seguintes componentes:
Elementos visuais primitivos
Pontos, linhas, formas geométricas ou abstratas, imagens, ilustrações etc.
&
Propriedades
Valor, textura, cor, orientação, tamanho, movimento, localização, espessura, iluminação etc.
Para Mijksenaar (1997), outro estudioso das linguagens visuais, um modelo de análise de peças gráficas deve levar em consideração três variáveis:
VARIÁVEIS DIFERENCIADORAS
Categoria ou natureza do elemento (cor, ilustração, coluna, tipografia).
VARIÁVEIS HIERÁRQUICAS
Importância (posição sequencial, posição na página, tamanho e peso tipográfico, entrelinhamento etc.).
VARIÁVEIS DE SUPORTE
Elemento visual (área de cor e sombreamento, linhas e boxes, símbolos, atributos textuais – como negrito, itálico etc.).
Assim sendo, os signos visuais podem fornecer milhares de informações simultâneas a serem registradas e interpretadas a partir da observação e da decodificação.
Vejamos um exemplo da aplicação das ferramentas semióticas ao design (GRILO, 2015), a partir da análise de um mockup, ou seja, de uma representação gráfica que simula tamanho, perspectiva, cor e outras variáveis:
Na imagem mostrada, vemos a representação de uma interface digital. O primeiro elemento exposto é uma barra de tempo do tocador de áudio (1), que apresenta um ícone de pausa à esquerda. Essa barra está preenchida da esquerda para a direita, indicando tanto a totalidade do tempo da faixa quanto o estágio desse percurso no qual o ouvinte se encontra naquele momento. Já a barra de volume (2) revela a altura do som, também representando essa variação a partir do preenchimento horizontal. Por fim, vemos alguns botões (3) que indicam os comandos para retornar ou avançar as faixas de áudio. A opção “avançar” aparece em um botão com menor opacidade, com uma espécie de transparência, o que indica ao intérprete que essa opção de ação não está disponível naquele momento.
Esse exemplo simples e comum, já naturalizado por quem tem o hábito de consumir música em dispositivos digitais, é, na realidade, resultado de um processo de semiose no qual determinadas formas, tonalidades e símbolos acionam em nossa mente significados específicos, que orientam nossas ações.
DICA
Como os signos são comunicativos por essência, cabe aos designers se apropriarem desse potencial de significação para criar seus projetos a partir de uma linguagem visual que produza os sentidos desejados.
Um exemplo mais complexo, que utiliza imagens figurativas, são os cartazespublicitários, que mesclam distintos elementos para transmitir uma mensagem persuasiva acerca do produto que anunciam. Cartazes de longas-metragens geralmente são os signos que estabelecem um primeiro contato entre o público e a temática do filme que divulgam. Nesse sentido, têm a função de despertar a curiosidade e oferecer um breve recorte do que se pode esperar sobre o universo a ser retratado nas telas.
Observemos o caso do pôster do filme Coringa (Joker), do diretor Todd Phillips. Essa peça gráfica, que fez parte da divulgação do filme Coringa no Brasil, teve grande participação no engajamento do público e na construção da estratégia publicitária do lançamento do produto. Recorrendo à mistura de linguagens fotográfica, gráfica e textual, o cartaz provoca um estranhamento ao associar a frase “coloque um sorriso nessa cara” à imagem do ator Joaquim Phoenix em um contexto sombrio, escuro, com cores de tons mais frios. Esse tensionamento entre o humor e o drama, entre a maquiagem do palhaço e uma estética de terror, é construído a partir da junção de diferentes elementos, que ajudam a criar uma certa expectativa em relação ao longa-metragem.
Nessa relação entre cartazes publicitários e seus objetos (produtos anunciados) é possível analisar diversos aspectos estéticos e textuais que atuam conjuntamente para apresentar um bem ou serviço, mas também para provocar sensações e acionar interpretações.
Vejamos:
Em um primeiro momento, essas peças devem ser capazes de chamar a atenção de um intérprete desavisado.
Na sequência, precisam garantir que o receptor compreenda a função daquela imagem (divulgar um produto) e perceba algumas características e informações importantes sobre aquilo que é anunciado.
LINGUAGEM AUDIOVISUAL
A linguagem audiovisual se constitui a partir de outras três linguagens, unidas para compor uma mensagem específica, a partir da junção de seus elementos e códigos:
LINGUAGEM VERBAL
LINGUAGEM SONORA
LINGUAGEM VISUAL
É o caso do conjunto de imagens, movimentos, cores e sons produzidos e veiculados no cinema, na televisão ou na internet, com seus recursos multimídia.
Peças audiovisuais são capazes de oferecer não só o registro de um objeto ou de uma cena, mas também podem trazer informações a respeito de determinado local ou contexto social e cultural no qual o registro do vídeo foi realizado.
Como a comunicação visual é capaz de abarcar uma multiplicidade de elementos, pode-se representar a realidade de forma muito verossímil, ou seja, um signo pode estabelecer uma relação de proximidade com o objeto concreto que representa, por vezes confundindo-se com a própria realidade.
Basta pensarmos no formato dos reality shows, que tensionam as fronteiras entre ficção, representação e fato. Esses produtos são construídos de forma que seu público creia ou sinta estar acessando determinada realidade. Seja através do consumo de programas de TV, seriados, teasers nas redes sociais ou monitoramento via pay per view, pode haver a impressão de que esses produtos audiovisuais, de fato, captam um recorte da vida real. Tal premissa se legitima a partir da estética e das dinâmicas características desse gênero televisivo.
A disposição das câmeras e seus enquadramentos, atores que não parecem seguir roteiros nem encaram a câmera ao serem filmados, a exposição de cenas banais e cotidianas, as desavenças e intrigas da convivência... Todos esses elementos ajudam a tornar os reality shows uma representação bastante convincente de seu próprio objeto.
Vejamos outro exemplo, desta vez no campo da ficção.
Vamos analisar uma cena do filme Bastardos Inglórios, do diretor Quentin Tarantino. O longa-metragem conta a história de espiões que se infiltram entre os nazistas para obter informações secretas.
Um dos pontos altos do filme acontece quando ingleses disfarçados de alemães acabam encontrando com seus adversários em um bar. Durante longos minutos, a tensão se constrói através do diálogo entre os grupos, à medida que os impostores tentam manter uma performance convincente para não serem descobertos.
Em dado momento, um dos espiões pede ao garçom que traga três copos para que todos que estão à mesa possam beber. Ele, então, estende os três dedos do meio, sinalizando a quantidade de taças desejadas.
É nesse momento da narrativa que o disfarce do personagem se revela. Conforme descobrimos ao longo do filme, os alemães fazem o sinal do número três utilizando o dedo polegar. Ou seja, o gesto feito por ingleses e alemães para representar este numeral é diferente. Na história, esse deslize acaba revelando o disfarce do espião, gerando um confronto repleto de tiros e uma longa e sangrenta sequência de ação. Nesse caso, a semiótica foi uma questão de vida ou morte!
Há diversos elementos nesse fragmento do filme que ajudam a construir uma narrativa inteligível. O figurino dos personagens, os sotaques, a locação onde o filme foi rodado e os símbolos nazistas nas fardas e bandeiras são alguns dos exemplos de signos que familiarizam o espectador ao universo e ao contexto histórico no qual se passa a história fictícia de Bastardos Inglórios. No caso que analisamos, até mesmo um simples código para indicar o número três torna-se um importante elemento para a compreensão do enredo, visto que se trata de um sinal revelador da nacionalidade de um dos espiões. Dessa forma, imagens, sons, movimentos, discursos verbais e gestos unem-se como linguagens distintas em um mesmo produto, compondo um produto coerente e interpretável.
Outro gênero audiovisual que pode ser analisado a partir das contribuições da semiótica são os telejornais. Esses programas televisivos costumam apresentar formatos e estéticas muito semelhantes em todo o mundo, tornando-se familiares aos telespectadores. Por meio desses códigos comuns, constroem uma relação de proximidade com o público, apresentando-se como um produto não ficcional e digno de credibilidade e confiança.
Com figurinos, posturas e tons de voz sóbrios e formais, os âncoras dos telejornais buscam estabelecer uma sensação de familiaridade junto à audiência, recorrendo a saudações (“bom dia”, “boa noite”) e anunciando as principais notícias de cada edição de maneira direta (com expressões como “você vai ver” ou “saiba mais”). Ao olharem diretamente para a câmera, os apresentadores também criam um efeito de “olhos nos olhos” junto ao telespectador, enfatizando ainda mais a sensação de uma conversa direta.
Os diferentes enquadramentos apresentados nos telejornais também são importantes recursos para produzir determinados sentidos, podendo transmitir uma ideia de proximidade (close-up) ou de visão global (plano geral) ― ainda que estejamos sempre vendo um recorte da realidade, de forma mediada. Os movimentos de câmera dos cinegrafistas também constroem diferentes histórias junto ao público, podendo apresentar uma equilibrada transição de um lado a outro no eixo da própria câmera ou ainda mover-se junto ao operador que filma, conferindo uma sensação de maior imersão no local (ou, por vezes, de urgência, fuga e perigo).
ATENÇÃO
Os sons também são elementos importantes para a construção dos telejornais. As vinhetas enérgicas que trazem a sensação de urgência, a entonação característica dos âncoras e dos repórteres e o som ambiente (ou mesmo o silêncio) são signos fundamentais para a compreensão das mensagens transmitidas.
Em suma, como bem resume Araújo (2008), os telejornais articulam diversos recursos e linguagens para representar a realidade e produzir sentidos, que podem ser divididos em:
Sistema visual
1. Linguagem verbal escrita;
2. Linguagem cinética (imagem em movimento);
3. Linguagem gestual (incluindo a expressão facial dos apresentadores e repórteres);
4. Linguagem cenográfica (cenários do telejornal e figurinos dos apresentadores e repórteres);
5. Proxêmica (distribuição e movimentação de atores no espaço);
6. Recursos técnicos de gravação;
7. Recursos técnicos de edição;
8. Recursos visuais (o gerador de caracteres, por exemplo);
9. Gráficos;
10. Recursos de câmera (planos de gravação,zoom in e out etc.).
 
Sistema de áudio
1. Linguagem verbal oralizada (incluindo a entonação dos apresentadores e repórteres);
2. Recursos de sonoplastia, como o áudio ambiente, música ou background.
RESUMINDO
Elementos de áudio e vídeo se mesclam na construção de um mesmo produto, que tem como objetivo apresentar narrativas sobre fatos de interesse público. Esses recursos são acionados para que os telespectadores acreditem nos relatos que veem e escutam, e compreendam as notícias veiculadas, interpretando-as e contextualizando-as a partir do repertório que possuem e de suas próprias crenças. Cada elemento que compõe esse signo permite construir uma representação da realidade cuja gramática já é familiar ao público.
Como vimos até aqui, ler e interpretar produtos audiovisuais de forma crítica é uma tarefa complexa. Os registros de sons, imagens, movimentos e cores captados em vídeo podem representar de forma verossímil fragmentos da realidade, impactando a nossa interpretação dos fatos e até mesmo nossa visão de mundo. Nesse sentido, a semiótica pode fornecer importantes ferramentas para analisar essas peças midiáticas de maneira mais aprofundada, compreendendo como sua produção e seu consumo ocorrem em determinado contexto.
No vídeo a seguir, o jornalista Felipe Pena analisa peças gráficas/visuais e audiovisuais. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutimos como a semiótica pode contribuir para a análise crítica das linguagens midiáticas e da produção de sentido a partir dos signos acionados pela produção jornalística e publicitária.
Como vimos, as notícias são signos que se referem a acontecimentos e fatos da realidade concreta. São, portanto, referências a determinados objetos e se estruturam a partir de critérios de noticiabilidade e valores-notícia. Textos escritos, fotografias e tipografias são algumas das linguagens utilizadas nesse processo.
Também analisamos como as campanhas publicitárias provocam efeitos em seu público-alvo, a partir dos signos que utilizam na construção de seus enunciados. Finalmente, vimos que os textos sincréticos, que mesclam diferentes linguagens em torno da produção de determinado sentido, são recorrentemente utilizados na promoção de bens e serviços.
PODCAST
Agora com a palavra Felipe Pena, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir!
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, J. J. de. O telejornal como ato de presença. In: Cadernos de Semiótica Aplicada. Araraquara (SP): Unesp, 2008.
EMERIM, C. Semiótica discursiva aplicada ao jornalismo: estudo de vinhetas televisivas. In: Anais do X Seminário Leitura de Imagens para a Educação: Múltiplas Mídias. Florianópolis, 29 de novembro de 2017.
EXPRESSO DA INFORMAÇÃO. Ano XVI, nº 5.294. Consultado na internet em: 18 abr. 2021.
FELDMANN, A. F.; SANT’ANNA, M. C. P. B. Semiótica e percepção na campanha publicitária “O câncer de mama no alvo da moda”. In: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos, 29 de agosto a 2 de setembro de 2007.
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EXPLORE+
· Avance nos estudos da semiótica na Comunicação Social lendo o artigo: Semiótica discursiva: aplicações na pesquisa em jornalismo, da pesquisadora Cárlida Emerim, publicado pela UDESC e acessado pelo Google Acadêmico.
· Saiba mais sobre o processo semiótico de persuasão lendo o artigo: Semiótica e publicidade: uma leitura dos discursos publicitários bancários, das pesquisadoras Jane Silva e Rosália Prados, publicado na Revista Signos do Consumo.
CONTEUDISTA
Júlia Silveira
CURRÍCULO LATTES

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