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Fronteiras da Crença - Ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970

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Prévia do material em texto

Vitale Joanoni Neto 
FRONTEIRAS DA CRENÇA-
ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970 
Ed@ 
~04 ~" Corlini.Conioto ., .... , ... 
~IINlSn:,uo J1A El)\ ICAC,:Ao 
l lN l \'Ell~il)Al)I •: H ,1)1'..l!t\L ])E MATO <:nosso 
UFMT 
ltl'ilm 
l'a11!11 Spclk·r 
Vin.•-lk11< ir 
Elia~ Alves de Andrade 
Pró-lkitora Admini~lraliva 
Adri:1na Rigon Wcska 
Pró-Reitora de Plancj~1mento 
Tercza Cristina Cardoso de Souza Higa 
Pró-ReitorJ de Ensino de Graduação 
Matilde Araki Crudo 
Prô-R<:itora de Eru,ino de Pós-Graduac:ào 
Marinêz Isaac Marques 
Pró-Reitor de Pesquisa 
Paulo Teixeira de Sousa J únjor 
Pró-Reitora de Vivência Ac.J.démica e So<."ial 
Marilda Esteves Calháo Matsubara 
CONSELHO EDITORIAL DA EdUFMT (2007-2009) 
Ed
UFMT 
® 
Pro'- D~ E)ÍZi.,~th Madureira Siqueira IPresidenteJ 
'-~'- Ar,:., ,'I.?.-,,_ P. F \~•:m:::ra da ü:);~a ICc:nur!dadeJ 
!)r- ; J,C':; G Bo~-:.arv de 0 11:;e.ra 
D• A,..,, on•o Car1cs \\axirro 
;);-' Ll55'd '/,,(,·?. C0<:'.~.o -:l-:.'. So:;za 
Dr' Cf: ,; M J>-J'T,;, g,;,;s da Roc:-a P.-::;s 
~-' s G;,b,.:e\ t~-:s--.c.•S<.o a~ :,1atto~ 
D• Ger<11do Lúc.10 D,-,1z 
V"' \;,.çc;~i:.;-e Fer·,dnd(-s d-2 e r-:ra Scüz., 
~-•.<, b•qJ 'l' EcJdr<loci<:. MO•JB N;các·o 
º"' [..('!" y ÚS!.!l:1 Ar,7.i:JI 
tir- ,.~;,•"' d.;, >.r, Jr•t ação P!r.':,~110 P..arros : :eta 
Dr' ~.\aria Inês Pagl!arini Cox 
Dr' Manza Inês da Silva Pinheiro 
Ms N1:eide Souza Dourado !Técnical 
Dr' Or,é:,a Carmem Rosseto 
Dr Pa1J!-:, A:Jgusto Máno Isaac 
Dr' S;;ir.dra Cn5tma Moura Bonjour 'd-dei 
Dr' S•J:se !-,\-:,r.teiro Léon Bordest cComun, ª 
D;-" T(;lma Cenira Couto da s ::va 
Tcrl:-c.;o Frar.Gsco de Oli,e1ra rTécnicol 
Lauro V:rg'.nio de Souza Portela !Académic.o) 
Gemêtr.a dos Santos 1.A.cadém1cal 
Vitale Joanoni Neto 
t I' . . , -, " 
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~ S.i 
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FRONTEIRAS DA CRENÇA 
J Ocupaçao do Norte de Mato Grosso .1pós 1970 
~, 
Corlini.Conioto 
•4•••r• el 
li eanrr:mm:uw::""1:f'itsneerersrcerm 
t Vitale Joanonl Neto, 2007. 
Todo:- o..< direito~ <le~ta elliç:10 re~erv:idos ao autor. 
l'roal'ltil J r<proc.lu{lO 1c1<:il ou pllt11I dôtd obra ~m au1onzação ~prt:!>l>a do autor. 
lJII . \>ti úo CcxlJb,o Penal t ld 9.610. tle l 9 de fe-, erelro de 1998). 
Ficha Catalográfica 
f62f JoanonI Neto. Vitale 
Fronteiras da Crença: Ocupação do Norte de Mato 
Grosso após 19701 Vi tale Joanoni Neto Cu1abá · 
Carhni & Caniato Editorial ; EdUFMT - Editora da 
Universidade Federal de Mato Grosso, 2007. 
256 p - 15,8 x 22.8 cm. 
ISBN (Carlini&Caniato) 978-85-99146-4 7-7 
ISBN (EdUFMTl 978-85-327-0260-9 
! .História - Mato Grosso. 2.Colonização. 3.Norte de 
Mato Grosso. 4 Igreja Católica. !.Título. 
Editores 
Elaine Caniato 
Ramon Carlini 
Elizabeth Madureira Siqueira 
Editoração Eletrônica 
Doriane M1loch 
Capa 
Rosalina Taques 
Foto da Capa 
CDU 94(817.2) 
Abertura de estrada em Porto dos Gaúchos. Acervo do autor. 
Caderno de Imagens 
Téo Miranda 
Revisão 
El1zabeth Madureira S1que1ra 
Ed@ 
Editora da Universidade Fed 
Av Fernando Corrêa da C eral de Mato Grosso - EdUFMT 
78 060--900 C bá osta, s/n - Coxipó da Ponte 
eduhnt@uf;t ~;ª -MT - 1651 3615-8322 / 3615-8325 (fax) 
• Coriinl.Conioto •4u.,.,.1 
Carltnl & Canlato Ed 
Rua Nossa Senh ltorial (Nome Fantasia d 
78 020-610-cu:t ~ntana, 139 -sl 03-Go:~~:!ora TantaTlnta Ltda.) 
WWW.tantatinta.com b ~ 165) 3023-5714 
. r/carhniecaniato 
SUMÁRIO 
PREFÁCIO - Espaços de práticas e crenças - cidades, 
colonização e Igreja Católica. .................................................... ···· ········ · ··· ························ 7 
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... l l 
CAPÍl1.JLO PRIMEIRO - Colonos, migrantes e projetos de colonização no Estado de Mato Grosso após 1970 ............................................................................ l9 A Vila de Fontanillas ................................................................................................................ 40 O projeto particular de colonização Juruena ....................................................................... .46 o projeto de colonização particular Cotriguaçu ................................................................... 49 Efeitos colaterais do fluxo migratório .................................................................................... 54 Os projetos de colonização e a relação entre o público e o privado ................................ 57 O garimpo e a colonização ..................................................................................................... 59 Posseiros, pistoleiros e projetos de colonização ................................................................... 66 Trabalho análogo ao escravo: recorrência histórica ............................................................. 73 Prostituição ............................................................................................................................... 75 A propaganda ........................................................................................................................... 77 O relacionamento dos colonos com os povos da floresta .................................................. 81 Colonização e meio ambiente ................................................................................................ 86 
CAPÍl1.JLO SEGUNDO - A Igreja Cato'lica na Amazônia Meridional. ........................... 95 A Igreja Católica na Amazônia ............................................................................................... 95 A Amazônia Meridional Mato-grossense ............................................................................... 99 
CAPÍl1.JLO TERCEIRO - Colonização, Igreja Católica e 
reconstrução da vida cotidiana ..................................................................................... 125 Juina: de Projeto de Colonização a Pólo Regional. ............................................................ 125 
CAPfruLo QUARTO - Uma Igreja em três tempos ..................................................... 153 
CAPfruLo QUINTO - A caminho das considerações finais ....................................... 199 Da cotidianização do rito à ritualização do cotidiano ........................................................ 199 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 215 
REFERÊNCIAS .....•.•...•.••.•......................•.....................•............•.........•......•...•.........•......... 2 29 
CA.DER.N"O DE ~G'ENS •.....••....••..•.•..•.•.•....••...•••..••......•.•..........•.......••••...•...•.............•... 241 
r 
PREFÁCIO 
ESPAÇOS DE PRÁTICAS E CP.ENÇAS -
CIDADES, COLONIZAÇÃO E IGREJA CATÓLICA 
fl.eg1na Oeornz Guimorões Nero· 
Em seu ofício prazeroso de produzir o livro de história, Vitale Joanoni Neto 
oferece algo mais que uma narrativa acerca da colonização e do papel da Igreja Ca-
tólica - na parte Noroeste de Mato Grosso-, considerando as três últimas décadas do 
século XX. Ele proporciona a seus leitores compartilhar a sua experiência de pesquisa, 
permitindo-nos perceber, em cada detalhe assinalado, o movimento equilibrado das 
mãos do artesão na fabricação/ invenção do seu objeto. 
Esse é um dos aspectos mais importantes a ressaltar em seu trabalho: o objeto 
de estudo aparece sendo elaborado, não se encontrando pronto ou acabado, com o 
pesquisador examinando caminhos e efetuando aproximações possíveis entre aná-
lises realizadas e fontes investigadas, a fim de melhor conduzir a temática proposta. 
Historiadores que utilizam as metodologias da micro-história nos ensinam a refletir 
muito bem sobre a prática historiográfica que reconhece o valor da experimentação, 
sobretudo em relação aos procedimentos adotados pela pesquisa documental e pelas 
escolhas narrativas. Neste livro, com uma trama de difícil abordagem, o autor focaliza 
a ocupaçãorecente dos espaços amazônicos, envolvendo grandes deslocamentos 
de pequenos agricultores do Sul - mas também do Nordeste e de outras regiões do 
Brasil - em uma temporalidade na qual ele próprio se encontra situado. No entanto, 
tal enredo e tempo não o fazem perder de vista as regras metodológicas que a elabo-
ração do texto de história exige e as referências bibliográficas, atualizadas no âmbito 
da historiografia, proporcionam. 
Porém, é fundamental inserir sua experiência no conjunto de ações decisivas 
para o trabalho realizado - no âmbito do qual sua tese adquire sentido e valor 
intelectual -, produzido nas trilhas instigantes e desconhecidas das pesquisas. 
• Professora do Depanamento de História da Unive11>iclade Federal de Mato Grosso e professora rnlaboradora 
do Programa de Pós-graduação ela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do CNPq. 
7 
. , sultado de seu doutoramento, qua d 
ublicado em livro, e re n o já 
0 (ex.to. agora P . ··d d f ederal de Mato Grosso. Nesta conct· _ f ssor da Umversi a e içao 
amava como pro e A .. ar de um projeto de pesquisa (Movirn ' 
<l doutorado pode paruc1p entos 
ainda antes O ' Amazônia), que contou com o apoio finan . 
. • · ciades e culturas na ce1r0 
populaoonais, ci , fi para estudar a problemática da ocu _ 
d qual tambem 12 parte, paçao 
do CNPq. 0 A . essaltando as cidades que surgiram dos pr . 
te no território amazomco, r OJe-
recen / . ção particulannente em Mato Grosso. Centram 
ros denominados de co oniza , . . os 
. _ .d d de Juina com o ob1euvo de abordar, sob dive 
nossas invesugaçoes na ci a e ' . . rsos 
. Anda social - individual e coletiva - que marcou a constituição 
ângulos, a expene . . . ~ . 
, b M s não nos resmngtmos a um estudo ele caso, buscamo 
desse nucleo ur ano. 1 a , . . . s 
d 
. f1 .- das políticas governamentais que <llfecionaram a emergên 
05 pontos e m exao . . _ , . . -
eia das áreas de colonização, resultando na consohdaçao de vanas cidades, entre 
1970 e 2000, na parte Norte de Mato Grosso. 
Levantamos vários tipos de registros escritos e orais e privilegiamos os relatos 
_ práticas discursivas - dos diversos moradores da cidade e trabalhadores tem-
porários que circulavam pelos seus espaços, rural e urbano (fronteiras de difícil 
delimitação). Essas investigações mostraram o quanto era importante refletir sobre 
0 papel ativo das diversas narratins na construção da memória da cidade ou da 
colonização, instituindo recortes temporais e espaciais que refiguram o passado e 
produzem efeitos de verdade e realidade. Foram analisadas, sobretudo, as fontes 
documentais que assinalavam as práticas sociais constitutivas dos novos espaços, 
imbricadas a várias temporalidades, indissociáveis dos deslocamentos de diver-
sos grupos provenientes de todas as regiões do Brasil em direção à Amazónia, 
particulannente Mato Grosso. 
A pesquisa se revelou extremamente rica, apresentando resultados valio-
sos, entre eles, a formação de um acervo que reúne hoje documentos inéditos, 
entrevistas orais gravadas, fotografias e registros escritos diversos. Mergulhado 
nessa experiência da prática intelectual, de aprendizagens contínuas e relevantes 
contribuições à produção cienullca, Vitale amplia o campo dessas investigações. 
Passa doravante a estudar l · - , · s ' , a co oruzaçao em Juina interessando-se pelas pratica 
da Igreja Católica no B a ·1 M • r s1 , em ato Grosso e, especialmente, naquele espaço 
em que viviam - como foram nomeados - colonos e colonizadores. Denominações 
estas que denotam uma int b ' . ·1· . ensa mo 1hzação de recursos imagéticos, muito uu iza-
dos pelo regime militar val · d " , · 
' onzan ° a saga dos colonos" e a "missão civilizatona 
do Estado" e dos "colonizadores". 
Instituído um novo tem d 
autor deste 1· po e trabalho, tendo em vista o seu doutorado, 0 
ivro - Fronteiras da c • o 
a Igreja Catól' rença - destaca com muita competência, conl 
ica, com base nas infl A . . . a 
Teologia da Libena _ uencias dos movimentos leigos, tais como 
çao, as Comunid d e · s ª es Eclesiais de base e a Renovação art -
8 
mática, entre 1970 e 1990, teve um papel essencial na organização da cidade. 
Mais que isso, Vitale provoca inversões decisivas. Desenvolve argumento!, que 
se encontram marcados pelo ponto de vista das pessoas e grupos sociais que vi-
venciaram as práticas católicas na experiência da ocupação do espaço do projeto 
de colonização Juina. 
O autor analisa, desse modo, na dimensão do universo dos católicos (ma!) 
que não se restringe a eles), os mecanismos de recepção, apropriação e ressigni-
ficação das experiências, não apenas para se estabelecerem no projeto Juina, mas 
também à produção das condições de permanência no espaço recém-ocupado. 
Observa e procura acompanhar, portanto, o movimento das práticas sociais dos 
colonos, como estes viam e se apropriavam das representações da nova terra 
e, sobretudo, como homens e mulheres compartilhavam experiências conjuntas, 
aprendendo e inventando regras de convivência social. São enfatizadas as "maneiras 
de fazer" , operações multiformes, caracterizadas pelas mais variadas formas de 
reapropriação social dos espaços, como escreveu Michel de Certeau. E é assim, 
também, que as pessoas são vistas deixando suas marcas, com estratégias e táticas 
diferenciadas, tecendo memórias e dividindo entre si a dura e árdua experiência 
do deslocamento migratório para as áreas de floresta na Amazônia. Ali a crença 
em Deus desdobrava-se em crença nos homens. 
Com essas referências, assinala-se a importância deste livro. Nele, o autor 
revolve o chão trilhado pelos pequenos agricultores do Sul e de outras regiões 
para Mato Grosso e assinala as práticas religiosas, no espaço das novas cidades, 
como cimento e fonte de pem1anência - orientadas pela Igreja Católica que apoiava 
as lutas sociais. O trabalho realizado nessa linha de abordagem, adotando outros 
critérios de análise, em muito contribui para o estudo das cidades que surgiram 
no âmbito das políticas governamentais de ocupação dirigida na Amazônia. São 
critérios que nos indicam que esses núcleos urbanos devem ser investigados 
levando em conta a pluralidade das ações individuais e coletivas, as táticas e 
estratégias empregadas para constituírem um espaço possível de vivência social; 
valorizando, ainda, uma rede de relações de solidariedade, de alianças e mesmo 
de concorrências em um universo complexo de interações sociais. Desse modo, 
com sua pesquisa nos auxilia desmontar ou desnaturalizar a construção de um 
discurso desenvolvimentista que apregoa e enaltece as iniciativas das políticas de 
ocupação, centrado na posição daqueles que foram denominados colonizadores, 
transformados em missionários de uma nova era civilizatória. Da mesma forma, o 
autor coloca-se longe da imagem de progresso, sustentada pela idéia de que os 
"espaços vazios" da Amazônia - desconsiderando os povos indígenas e diversos 
grupos sociais - alcançariam o crescimento econômico e seriam enfim ligados aos 
grandes centros do Sudeste. 
9 
Vit:1le Joanoni Neto no~ convida a re
fom1Ular essa visão e a adotar 
. 
. 0Utras 
r.is de cscre,-er a histôlia. Uma hist
ória compromeuda com uma m
emória q lllanei~ 
- . 
ue el 
ouu-as pt>rsonagens. outros enred
os, outras açoes; uma escnta q
ue procura ege 
intdigibil idade experimentando, (a)
provando outras fontes documen
tais. 5 _PfOciuzk 
culhas sempre difíceis do historiado
r. que coloca em primeiro plano 
a ª
0 
ases. voz, a ~ 
vida e o trabalho de homens e m
ulheres pobres nas rodas do te
mpo e açao, a 
1 
, . ' nes
te 
nas e uras condições dos deslocamen
tos migratonos. A memória des
sa caso s expe . , 
em busca de outras terras, como u
m palimpsesto, habita a vida pr
es nências ente das . ' 
da Amazônia. Pode-se dizer, ainda
 que este passado que se faz pre
s cidades ente dev . 
sobre o lugar do historiador, marc
ado pelo ponto de vista ético c
o . e Incidir 
. , 
, mo assinai 
J\lane Gagnebma respeito de Ben
jamin: 
aJeanne 
Tal rememoração implica uma ce
rta ascese da atividade histo . 
d na ora que 
repetir aquilo de que se lembrà, a
bre-se aos brancos aos b 
, ern vez de 
' ' uracos, ao es u . 
recalcado, para dizer. com hesita
ções solavancos i·nc I 
q ec1do e ao 
- . . 
, • omp etude a u
il 
nao teve direito nem à lembrança
 nem às pala a A • 
q o que ainda 
- . 
vr s. rememoração -
. 
uma atençao precisa ao presente, em
 partícula 
tambem significa 
r a estas estranhas 
passado no presente, pois não se
 trata som d -
ressurgências do 
, , 
ente e nao se es ue 
tambem de agir sobre o presente
i. q 
cer do passado, mas 
Recife - PE, julho de 2007. 
lembrar escl'l'Ver _ 
~ São Paulo: Ed 34 . ' 2006, p. 55. 
10 
• 
INTRODUÇÃO 
Em abril de 1997, 0 Oepaitamento de História da UF.NIT (Universidade Federal 
de Mato Grosso) deu início ao primeiro curso de Graduação no interior do Estado e 
eu, recém-chegado à Instituição, fui convidado para ministrar sua primeira disciplina. 
Começava assim, minha ligação com Juina e o interior de Mato Grosso. O primeiro 
projeto nasceu em 1998, depois vieram os artigos e este trabalho que agora se con-
clui é mais uma etapa desta profíc.--ua re lação. Enquanto ouvia os relatos dos alunos 
e moradores locais que ligavam o fantástico ao prosaico, o nútico ao cotidiano, Juina 
foi emergindo de seu passado e se tomando, para mim, presente. 
Para o desenvolvimento da pesquisa nos apropriamos de fontes eclesiais, como 'i 
o Livro Tombo da Diocese de Juina, Livros Atas, como o da Associação dos Mora-
dores Rurais de Juina, Planos de Pastoral das Dioceses local e de Ji-Paraná (a qual 
Juina esteve inicialmente vinculada). Também aproveitamos os Jornais de ambas as 
dioceses e da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, boletins produzidos por pasto-
rais e grupos organizados, como a Comissão Pastoral da Terra, e cartilhas especúicas 
produzidas para os grupos de reflexão ou para orientar os fié is na preparação para as 
grandes festas da Igreja, como aquelas em preparação ao Natal ou à Semana Santa, 
com novenas e encontros para orientar os Gnipos de Reflexão. 
Há também os documentos oficiais produzidos pelos bispos, como aqueles 
que prepararam a divisão da Diocese ou outro que a apresentou aos fiéis. Um ou-
tro conjunto diz respeito aos documentos produzidos por órgãos públicos, como 
a Prefeitura Municipal de Juina e o Governo do Estado de Mato Grosso, como as 
peças de propaganda divulgadas por este último nos jornais do Sul do país; os do-
cumentos das colonizadoras, dentre os quais, projetos de colonização, os relatórios 
com balanços sobre o desenvolvimento dos negócios; os jornais locais/como O 
Poder Noticioso, infelizmente poucos e de curta duração, mas importantíssimos no 
registro de fatos políticos locais, assuntos cotidianos (esportes, lazer, cultura, rotina 
policial), análises do desenvolvimento regional elaboradas por jornalistas e outras 
pessoas da cidade e região. 
Estes documentos encontravam-se em parte na Cúria Diocesana em Juina, nas , 
paróquias locais e na de Castanheira, Juruena e Cotriguaçu, na Biblioteca Municipal ,-.. 
de Juina, nos escritórios locais das empresas de colonização e em acervos pessoais. 
11 
od 
infonnal, sem sistematização, à qual tive 
, - guardada de m O
 . • . lllos 
t ·,na (kx:umt>nt.lÇa<> _ . _ contatos o
cas1ona1s, amizades constru _ 
. 5 
grac,.-as a md1caçoes, 
telas 
accs:,o mu1tas ,·eze fi . fundamental 
para que pudéssemos 1 
d balho
 Esse acervo o1 
er a \' 
no dt>correr o tra · _ de ah
runs de seus moradores. E co 
. 1 
do a interpreraçao O 
, rno 0 
história regiona , segun . . d· 0 espec
tro de abordagens torno u-se arn 1 
dAncia muito vana a, 
p o 
material tem proce e d pontos d
e vista de vereadores, membro da, 
· rara amostragem os 
s 
uma sugesU\ ª e ' C nidades Eclesiais de Base e 
de movime 
. local ·lero membros das omu 
ntos 
ehte ' ' ( ' . Conselllo Indigeni
sta e Missionário (CIMl), a Comissã 
es ecilkos, dentre os qua1s o 
. _ o 
P ( rYr\ vezes católicos das 
comunidades que nao ocupara= 
Pastoral da Terra Cr 1 1, por 
.. 1 
taram papéis de lideranças, poetas populare
s, que tiveram a 
cargos nem represen 
' . d d ·pressar e ver suas opiniões, se
us versos, repe rcutindo pela 
oporruruda e e se ex . 
. . 
. 1 •
ai no 1·omal laico 
ou em outro boleum. Um caleidoscópio , , 
cidade, no ioma paroqw , ' 
1 
d 
. oes- e analises que muitas vezes não íam a lém 
do horizonte local por 1 
marca o por vis 
' ,· 
vezes manifestavam wn ufanismo explícito, mas qu
e conttibufram para a construção : 
da identidade do cidadão juinense e nos propicia
ram o entendimento desse processo : 
nas áreas de fronteira do Mato Grosso. 
Recorremos também da mídia estadual e nacion
al, como o jornal O Estado de , 
Mato Gmsso, já extinto, e outros atualmente em circula
ção, inclusive revistas, almana- t 
ques e uma farta quantidade de material coletado 
da Rede Mundial de Computadores. '.! 
Em sua maior quantidade, esse material trouxe in
formações sobre a Igreja Católica no X 
mundo ou no Brasil. Também revelou questões 
como o uso do trabalho ana1ogo ao \' 
escravo, informações relativas ao comércio internac
ional de diamantes, as empresas que ( 
atuam no setor de prospecção, inclusive em Juin
a, e uma eno rme gama de aspectos ) 
que nos possibilitaram analisar os cenários region
ais, o amazônico e o nacional. 
O uso das fontes orais supriu lacunas importante
s deixadas pela documentação X 
escrita. Conferiu uma surpreendente riqueza de d
etalhes cotidianos que nos permitiu 
ir além das versões dos órgãos governamentais, es
taduais e federais, das empresas 
colonizadoras e reescrever a história da ocupaçã
o da região, levando em conta os 
efeitos das pobticas públicas e das ações instituciona
is sobre personagens que nor-
malmente não são vistas co • 
. . 
mo protagorustas nos documentos ofic1a1s. 
Buscamos cidades que existem no entrecruzamen
to de relatos que nos pemútem \ 
vê-las como um mosa · d · . 
· A ) 
ico e mu1tos recortes de unagens muitas vez
es paradoxais. 
fronteira é lugar d d -
' X 
. . e para oxos. Ela e o espaço da div
ersidade para onde convergem ' 
muitas narrativas. Muitos d.is - . 
'A 
-t:-A_, . _. cursos esta0
 Justapostos sobre fatos, tempos e espaços.,, 
u.uia.uuca histonca da cidade p od . 
. nne. 
novas . r uz contínuamente
 o novo transforma o espaço, 1Jlly~-
necess1dades. Sob O co 
' 
ritos e cre . nstantemente novo e m
oderno, subsistem antigos cosrumes, 
nças, teunosamente cravad - . 
Há urna memó . 1 
. os nas memonas, aparentemente inertes. 
J 
na co ettva constru{da . 1 
s .Ela -' 
é base para a rec _ ' a Partir das narra
tivas daqueles co ono · 
onstruçao das identidad J • h 
• • esse 
es oca1s. Apoia-se sobre os fatos v1V1dos n 
12 
período de convivência local constantemente reconstruído pelas sucessivas narrativas. 
Nem todos os depoentes são identificados como "pioneiros" ou "fundadores" da cidade. 
Geralmente os que chamam para si este traço identitário pertencem à elite poliüca local 
que, apropriando-se da memória coletiva reconstruíram sua identidade a partir dela. 
Reproduziram os pontos de vista, atualizaram a narrativa, lembraram-se daquilo que 
não viveram, mas que lhes foi passado com emoção, sentindo uma teia de imagens 
redivivas diante da qual as memórias anteriores (individuais), empalideceram. 
Essa memória coletiva é a base sobre a qual os migrantes apoiaram suas me-
mórias individuais trazidas de outros locais e que ali de pouco lhes serviam. Uma vez 
que a reconhecem como sua, eles se inteiran1 dela e se incumbem de perpetuá-la, 
recriando-a a cada narrativa. Pouco importa não ter vivido o fato, como também seria 
insuficiente estar no ambiente para o recordar. O que faz essa memória viva e plena 
de significados é para além da narrativa, a imaginação. São as sensações (alegria, 
tristeza, medo), vinculadas à lembrança, transmitidas nessa oralidade.; A vivência dessa memória partilhada prescinde da institucionalização ( vejan10s, 
prescinde da escola e não do conhecimento, da igreja e não do religioso, do partido e 
não da política). No aspecto religioso, a rede formada pelas Comunidades Eclesiais de 
Base não substitui a Igreja Católica. Elas são o sistema religioso com suas regras e c6digos 
que quer atingir toda a sociedade locaJ, em todos os aspectos da sua vida cotidiana. 
Este trabalho foi dividido basicamente em duas partes. A primeira trata da co- 'l 
Ionização do estado de Mato Grosso. As pessoas saíam de suas regiões de origem 
(predominantemente Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina), deslocando-se 
para Mato Grosso, no qual o processo de colonização mal começara. A estrutura '. 
comunitária exerceu aí um in1portante papel catalisador, agrupando pessoas recém-
chegadas em tomo dos possíveis elementos comuns que as pudessem unir, gerando 
laços de socialização e convivência, aglutinando forças para superar as carências, as 
distâncias e o isolamento. 
Após o período crítico de afirmação do processo colonizador, e superadas as 
crises impostas pelo estranhamento, notamos que aqueles incipientes núcleos urbanos 
passaram a se reconfigurar. A estrutura comunitária foi mantida, mas as comunidades 1 
perderam sua força e in1portância originais. 
Nesses projetos de colonização, os colonos, migrantes recém-chegados utili- '( 
zaram-se da religião, inclusive para reconstruir suas vidas, dando significado ao novo ,-
meio no qual se encontravam. Tradicional, racionalizada, comunitária, institucional, \. 
pouco in1porta a face sob a qual a religião se apresentou, o que importa é ter se cons- ~~ 
tituído em elemento de coesão. O desenvolvin1ento urbano nesses locais viabilizou ., 
o surgimento de outras alternativas, tanto religiosas quanto profanas, de socialização. 
Aprofundou-se a tendência a relacionar-se mais individualmente com a religião, ou 
seja, as pessoas passaram a trazer para si os elementos significativamente sagrados, 
13 
. , . de .Lf a eles na igreja ou comunidades e os trouxeram apenas na medida en-. 
ao inves ' ••1 
que lhes foi conveniente. _ . 
. . . 1 da chegada a terra estranha, em que as comt ·c1a Passado o momento 1mc1a . _ 101 _ '. 
d . cólicas foram importantes referências de ident1dade e nucleos de resistência 
es ca _ .... ma e ameaçadora vemos a necessidade de ind ividualização 
a uma pressao exle · 1 e 
particularização da vida. . . 
Quanto à colonização do estado de Mato Grosso, a abo1 d~gem te m por objetivo 
d. to -1,a política de colonizaçã
o, empreendida a partir da décad 
lastrear o enten Jffien 1..u a 
de 1970_ A história da ocupação do
 tenitório mato-grossense pe lo não-mdio remonta 
0 
séc. XVIII e está ligada a expansão territorial do Brasil nesta fase áurea do colo-
nialismo português e ao e>.1rativismo mineral. Deste período até a República Velha 
(1930), 0 atual estado de Mato Grosso chamou a atenção pe la e.xuberâ
ncia de sua 
natureza (é O único do país com três ecossistemas diferentes: Pan tan al no Sudoeste,
 
Floresta Amazônica ao Norte e Cerrado), por suas riquezas naturais (madeira, ouro, 
diamantes etc.) e por seu isolamento provocado pela d ificuldade de acesso mesmo 
às suas maiores cidades, incluindo a capital, Cuiabá. O cantinho m onçoeiro iniciava-
se no Rio Tietê, dali para o Rio Paraná, Rio Pardo, Rio Miranda, Rio Sanguessuga, 
travessia por terra do Varadouro de Camapuã, Rio Cox.in1, Rio Taquari, Rio Paraguai, 
Rio São Lourenço e Rio Cuiabá. A outra opção surgida no XIX foi aque la saindo do 
Rio de Janeiro, entrando pelo Rio da Prata e subindo o Rio Paraguai, dep ois o Rio 
Cuiabá. Tal acesso interligava vários pontos da provmcia: Corumbá, Cáceres, Porto 
Murtinho, Ponta Porã e Bela Vista. 
Desde a aprovação da lei n. 336 de 1949, modificada pela lei 461 de 1951, que 
instituiu o Código de Terras no E.st:ado, procurou-se estimular e regularizar as iniciativas 
de ocupação d~1e tenitório por agricultores nacionais ou estrangeiros. A lei previa ta-
manho máximo para as propriedades (50 hectares) e tempo rnlÍ1imo de permanência na 
terra, como pré-requisito para a titulação definitiva. No qüinqüênio 1951/ 55, mais de 20 
empresas particulares foram contratadas pelo governo estadual para que se insta.lassem ' 
nas terras devolutas do E.st:ado e implantassem projetos de colonização. 
Explorava-se a imagem da Amazônia como um verdadeiro paraíso de riquezas 
1 
~~turais através de propagandas divulgadas não só dentro do país como no exterior. l 
E mteressante notar que apesar da intensa propaganda, do caráter mítico da Amazónia '/ 
como terra d f: d -
1 
e artura, e O apoio governamental com a criação de órgãos e destinaçao ~-
de recursos para concretl - a se ~ zar a ocupaçao das terras os resultados não chegaram 
tomar signifi · ' icativos para o efeito da ocupação das áreas devolutas. Há que se obser-
var, no entanto que a po I çã d d sde 
a ,1""_ ' pu ª 0 0 Estado tem aumentado vertiginosamente e 
UC\:étda de 1940, concentrando- . , CctadO 
d M se nesta época mais ao Sul no que hoJe e O r:,.;, 
o ' ato Grosso do Sul A . ' e 
com , . · região Norte do atual Estado de Mato Grosso manctnha-s 
IXlUqu1SStmas áreas de ocu -
paçao até o final dos anos sessentas. 
14 
Durante a década de setenta, novamente governos estac..lual e Feder.i.l voltam 
à carga, projetando novas investidas sobre o que se consideravam áreas vazias. Seja 
por questões de segurança nacional, para atender a interesses espec1lkos c..le gnipos 
econômicos estaduais ou nacionais, para aliviar as pressões exercidas pelos campo-
. · - d il (SE s NE) forma agrária os projetos de neses das diversas regioes o Bras , , por re · , 
colonização voltaram à ordem do dia. 
o estado de Mato Grosso, sobretudo a sua região Norte, constituiu-se em espaço 
privilegiado para a "nova colonização" verificada a partir de meados da década de 
setenta e que atraiu colonos dos estados do Sul e do Sudeste para uma colonização 
seletiva, que excluiu inclusive os lavradores do Sul sem terra própria. Um processo 
bastante lucrativo para as empresas paniculares do setor. Na segunda metade dos 
anos oitentas, em decorrência das pressões crescentes dos pequenos produtores sem 
terra e das organizações criadas por esse grupo, como o MST (Movimento dos Traba-
lhadores Rurais Sem Terra), a mais conhecida delas, algumas áreas foram destinadas 
a assentamentos rurais. 
A migração para o None de Mato Grosso ocorreu, nestes últimos trinta anos, 
estimulada por ações governamentais que, ou motivadas por interesses econômicos, 
ou a pretexto da segurança nacional, levaram a população da região a decuplicar. Os 
efeitos de tais ações estão sendo estudados com muito interesse por todas as áreas do 
conhecimento, o que só reforça a importância da floresta amazônica para o mundo 
atual. Muito do que se tem sobre a Amazônia e o Norte de Mato Grosso no senso 
comum, (senão, fertilidade da terra, selvagem, inóspito, fartura), é produto de uma 
elaboração cultural. As terras de Mato Grosso foram imaginadas como desabitadas 
pelos colonos sulistas da década de 1970, mas já na Marcha para o Oeste, na década 
de 1930, em áreas dadas como desabitadas, foram encontradas comunidades com 
cerca de 30 mil garimpeiros, já com sinais de concentração fundiária. 
O sentido predominante desse fluxo migratório foi SISE para o CO. Esses 
migrantes, pequenos proprietários, lavradores em sua região de origem, levavam 
consigo a esperança de melhorar na nova região, o que significaria, mais terra para 
atender às necessidades de toda a farrulia, terra própria para não ter mais que trabalhar 
para outros, entre outras oportunidades. 
Problemas como a deficiência na infra-estrutura prometida, a inoperância, tanto r 
dos órgãos governamentais quanto das empresas privadas de colonização, o isolamento ; · 
dos colonos em seus lotes, as dificuldades de comercialização de sua produção, entre , 
alguns outros fatoresigualmente graves, levaram muitos colonos a de~-viarem-se de 
seus objetivos iniciais para a atividade garimpeira, onde ela existiu, ou nos casos dos 
assentamentos, ao abandono do lote. 
A O garimpeiro faz parte da própria formação do e~tado de Mato Grosso. Junta-
mente com os outros grupos extrativistas, é presença que perpassa os séculos dessa 
15 
,. ,, RWLMrll~etH• ·~JMWDE 
d 
·fofocas", não mais que uma 
vã 
. d ao sabor as 
espera 
história regional, nugran o .
 
nça 
nsome a vida. 
. 
de riqueza que lhes co - -
tomaram conheclffiento da exi
stên . 
d lonizaçao nao 
eia de 
Os projetos e co _0 
A força os fez abandonar tais 
esp SSes > 
. de impJantaça . 
aços. N· 
gn1pos em seu espaço . t
agônicos de exploração daquel
e solo rna . ª0 i 
. ·ufrem proieros an 
' s Prtnei 
apenas por poss ...1..,, , 
nas regras de subserviência, cont
role e e · 
· l t por não se enquaUJ OJem 
. . . . orne
rcia. , 
p,t men e dime
nros comerrnus ah mstalados. 
Jização previstas pelos empreen 
-
' , CTuina Alta F
loresta, Guaranta do None Ju
ruen ) 
Em várias dessas are as ' 
.. ,. ' a , eles 
busca da riqueza do subsolo. Co
m frequencia arra ta 
teimosamente entraram em 
. . . 
s rarn 
'dos pela ânsia do ennquec1mento re
pentino. Em alguns 
consigo os colonos, movi 
. casos, 
1 ( 0 
em Alta Floresta) em outros, inco
rporados ao cotidiano d 
foram expu sos com 
' 
os 
colonos (como em Juina), em outro
s ainda, tolerados (como em Ju1
11ena). 
Explorando O subsolo ao sabor da
 sorte, confiando mais em sin
ais míticos e 
crenças repassadas pelos gntpos, a e
xtração em detemtinada área re
stringia-se a se-
manas ou meses, após o que, resta
va tentar a "bamburra"
1 em outro local. Quanto 
ao colono, feito garimpeiro por um
 momento, retomava para seu
 lote, se ainda 0 
tinha, ou juntava-se ao contingente 
de lavradores sem terras, prole
tarizados, como 
um subproduto do processo de ocu
pação seletiva. 
O Estado brasileiro produziu um disc
urso miiico sobre a Amazônia, id
entificando-À 
a a terra prometida e os colonos a pio
neiros e conquistadores. Nos últ
imos trinta anos 
do século XX, a região passou por 
grandes transformações, intensi
ficação do fluxo 
migratório, assustador aumento na ve
locidade do desmatamento, prec
ária presença do 
estado e Mato Grosso viveu com par
ticular intensidade esse moment
o histórico. Sem 
que se leve em conta esses elemento
s, inclusive em seu lastro simbó
lico, as ana1ises 
sobre esse penado ficariam incomple
tas. 
Poucas são as obras acadêmicas que
 analisam as cidades da região N
orte mato- Y 
grossense as migrações Ih d 
. · 
-o sua )' 
. . . ' que es eram o
ngem e os processos de coloru
zaça , 
base IIllaal discutindo t -
. 
. que se l 
. ' ques oes qu
e digam respeito às práticas cu
lturais, 
interessem pelo imaoinári d ,.1,, 
•- suas ' 
O"' 
0 os UJ1erentes sujeitos que acorrera
m àquela regiao, 
crenças, suas percepçõe d 
ses e J. 
. . s e mundo, di
ante de um território crivado de
 interes 
objetivos diversos. Tais trabalh 
. . di
 serW· 
- d os, em s
ua ma1ona, são teses de doutora
do e 5 
çoes e mestrado, algumas a· da -
. . -
. ara os 
estud . m nao
 publicadas mas referência obng
atoria P 
os que hoie se iniciam sob . -
' 
- re a regiao
 
E possível chamar de cal . -
. 
d hecta· 
res de terra à ini . . . on11.aça
o a essa prática que repassou mil
hares e ..1 .. 
aattva pnvada? Qu , . _ 
ação uP 
terra por pane d · e p
rauca e essa que desconsiderou 
a ocuP 
e grupos nativos 
osseifoS, 
' ou comunidades extrativistas ou
 mesmo P 
' 
Enri quccl'J', ~ncomrar mu· -l!oouroou um &rande diamante. 
16 
alguns presentes há décadas naquelas regiões? Os vários projetos de colonização, públicos e privados, desenvolvidos na região foram equiparados por seus executores a uma reforma agrária. Como explicar então a exclusão de camponeses sem terras desse grande projeto de ocupação? Se a intenção era colonizar, por que o processo se deu através de propaganda dirigida a grupos de pequenos produtores capitalizados 
da região Sul e Sudeste? 
Para 
O 
nosso caso especffico, não será posswel entendermos as atuais cransfom1a-ções no comportamento dos moradores destes novos núcleos urbanos sem le\'annos em conta a própria constituição destes últimos e os deslocamentos populacionais que possibilitaram sua consolidação. Considerando que as estratégias sociais são cons-tantemente reproduzidas em cores próprias, a fim de fixar e territorializar espaços, as práticas comunitárias podem ser entendidas como mecanismos fundamentais de / socialização, legitimando projetos ou justificando escolhas individuais e coletivas. Com relação ao migrante que colonizou o Norte de Mato Grosso, o que o mo- · tivou foi mais que a influência da propaganda oficial, ou a necessidade econômica, ' também produzida. As familias que migraram para o Mato Grosso enfrentaram situações Y e>..tremamente difíceis e adversas. Viagens de muitos dias, estradas que se confundem com picadões em meio à mata fechada, condições de moradia precárias, muitas vezes sem água potável e sem os alimentos de consumo costumeiro (como o leite de vaca). No entanto, são poucos os que se recordam desse período com ressentimento, mágoa / ou revolta. O que possibilitou a estas fanu1.ias suportarem tal pressão e sublimarem / tamanho sofrimento em seus relatos, apresentando-os mesmo com saudade? Uma /. primeira hipótese seria a de que somos capazes de enfrentar qualquer coi.<,a, qualquer ; situação que nossa imaginação possa resistir. O mundo imaginado funde-se ao mundo 1 vivido, sob a mediação de um conjunto de formas simbólicas que se projetam além : das realidades cotidianas, numa perspectiva religiosa. 
Encontramos em seus relatos sinais de que esta rrúgração ganhou contornos de peregrinação. A fé em Deus e a crença na melhora estiveram presentes e fortes desde sua saída em busca da "terra prometida" até sua fixação na região. O resultado , desse entrecruzamento de fatores foi o nascimento de um modo de organização, que , para a eJ(tensa faixa do Norte de Mato Grosso não pode ser generalizado, cabendo 1 as necessárias ressalvas para cada micro-região do Estado. 
Sobre a Amazônia existe uma profunda abstração pessoal de espúito e conceito que a transforma numa experiência emocional e espiritual transcendente. O migrante i camponês olha para o Norte de Mato Grosso e vê a esperança de conseguir uma , terra boa para trabalhar, produzir e sustentar sua familia. Subjacente a isso está a .,: promessa da redenção, da terra prometida, trazida para o Brasil no período colonial \ na bagagem dos primeiros cristãos que aqui chegaram. Mais ao fundo, o mito nativo , ancestral da terra sem males. 
17 
$ u •ena c&CJU• ;:s ,, 1-.Ma; 
CAPÍTULO PRIMEIRO 
COLONOS, MIGRANTES E PROJETOS DE COLONIZAÇÃO 
NO EsTADO DE MATo GRosso APÓS 1970 
A colonização da região Norte do estado de Mato Grosso é um fato ainda pou-
co estudado. Em parte, isso se deve ao pouco tempo que nos separa da expansão 
daquela região. A evolução político-adrrúnistrativa deste Estado tem pouca seme-
lhança com a de outros Estados da Federação. Durante dois séculos, as iniciativas 
oficiais para promover uma ocupação que viabilizasse a integração da região aos 
padrões sociais, econômicos e políticos do Estado Brasileiro resultaram em efeitos 
nulos. Houve mesmo períodos de queda de densidade demográfica em razão do 
declfuio econômico da região. Dados dos Censos Demográficos do IBGE (Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística) nos mostram que Cuiabá, sua capital, tinha uma 
população de 35.987 habitantes, em 1872, e em, 1890, esse número havia caído 
para 17.815. Somente após a década de 1920 é que a voltou a apresentar números 
semelhantes aos inicialmente citados1 • 
A região carrega consigo o estigma de ser muito rica, mas de ter, em contrapar-
tida, um povo pouco obreiro, representação constrnída ao longo do tempo nas letras 
e imagens impressas pelos muitos viajantes que porela passaram. 
Em Galetti2 encontramos interessante estudo sobre essa visão, regi.!)trada pelos 
visitantes estrangeiros que passaram pela região, no séc. XIX. Dentre os inúmeros 
fragmentos citados no texto, escolhemos uma frase de Karl Von Den Steinen, por 
entendermos que ela sintetiza bem o imaginário construído sobre a região no peóodo: 
"[ .. .] Não se habita impunemente o centro de semelhante continente"3 • Frase curta, 
mas rica em significados e que poderia epigrafar o presente estudo. 
1 IBGE. Anuário Estatístko do Brasil, 1999. 
2 GALETil, Lylia S. G. O poder das imagens: o lugar de Mato Grosso no mapa da~ civlhz.:ições. ln: SILVA, 
Luiz Sérgio Duane da (Org.). Relações campo-cidade: fronteiras. Goiânia: Ed.UFG, 2000, p. 33. 
3 STEINEN, Karl Von Den. O Brasil Central. Expedição em 1884 para a exploração do rio Xingu. sao Paulo: 
Cla. Ed. Nacional, 1942, p . 61/ 62. Apud GALETil , Lylla S. Guedes. O poder das tma,?e11S: o lugar de 
Mato Grosso no mapa da civillzação. ln: SILVA, Luiz Sérgio Duane da (Org.). Relações ctdade Campo-. 
Fronteiras. Goiânia: Ed UFG, 2000. 
19 
uivam essas pessoas estava no fat 
seasson o de 
. . cômodo de que ~rvieriam os mato-grossenses mant 91.Je 
o en<lente U1 •5 como pv-- . er-se e 
·quezas natllra1 ' anha pobreza. Joaquun Ferreira M fl'l 
diante de tan!.t'lS n ietidos de ram , . OUtinho 
d . lamento e acon d p
aiz não der um remedia ao desa . 
tal grau e 150 º"e.mo O • nuno d 
l869: -se 1 .. .1 ° g breYe rah·ez, ella seia reduzida a urn ° 
escre,·eu em clitaJilOS que. estact 
. d' ssa pronnáa. acre d ao govemo do Imperial: 
0 
Po'º e ·c1a recomen ou 
lastiJTu'Ível". E em segui , 
. governo brasileiro para salvá-la, é abrir lllào das 
póde se!'•lf·Se o su~ 
o único meio de que . principalmente às inglezas [. . .) Se os estrang . 
anhias escrangeu-as, e1ms [ I · comp "· riquezas as d esses rhesouros quase fabulosos, ficarão para s rrancar do aban ono ernpre 
não vieremª . [ 1 e a provmcia de Mano-Grosso representa
rá sempr 
d . esqueamenro .. . e urn 
sepulta os no . 1 que foi fadada pela beneficênc
ia da natureza•. 
papel bem di.fference d aque e a 
d tais m
anifestações é sua persistência no tempo. Quase um 
O surpreen ente em 
, bl' -0 do te:Kto acima encontraremos, no final dos anos seremas século apos a pu 1caça ' . . , 
·d ,. no pronunciamento de um Ministro de Estado: semelhantes 1 e1as 
[. . .) a necessidade de e,~rarmos uma ocupação predatória, com um conseqüente processo 
de desmatamento, e de promovermos a manutenção do equilibrio ecológico, nos leva a 
convidar as grandes empresas a assumirem a tarefa de desenvolver esta região5• 
Estas imagens recorrentes nos vários momentos de nossa história funcionaram, 
segundo Galetti, como uma referência fundamental no modo de representar essa parte do 
pais, profundamente marcadas pela construção do Estado e da identidade nacionais. Mato 
Grosso, visto como "confins da civilização", tomou-se fronteira, ou área que necessitava 
ser colonizada, modernizada, para garantir a integridade territorial e política do país. 
Após 1937, com a "Marcha para o Oeste" as tentativas de ocupar e atrair in-
vestimentos para sua ár N ( ifi ram . ea orte o atual Estado de Mato Grosso), se intens ica ' 
mas os efettos concretos só vieram nos anos 1970 com a transformação da região 
em "Fronteira Agrícola"6 e f; . • ' . bil. d~ 
, _ artas mcentivos do governo aos empresários, via iza 
por orgaos como a SUDAM (S . · ) e a 
upenntendência de Desenvolvimento da Amazónia 
4 
5 
6 
20 
MOlífTh'liO J . -
111a d , oaqu1m Ferreira. Notícia reiro de 
J gem a sua capital à São Pauto sa sobre a província de Matto Grosso seguida d'um ro35;36. 
R~oZOPauto dos Reis Veloso M' . o Paulo: Typographia de Henrique Schroeder, 1869, P· aAR· 
,João Ca 1 ., ' lllistro do Pia · p reir.!: 
e a 1-.._ ,._ r as, COVEZz1 M•..;~ neiamento em 1973 Citado por· CASTRO, SueU e • 11alll ""Ili"' SOcledad , , ~u,ete e PRETI O . . Grosso-. r-
LUXF.MB e. Cuiab.f: EdUFMT ' reste. A colonização oficial em Mato 
t5 · URG, R0sa, A ac , 1994. p. n. 
P'-dahntnrc os ca ftu umulação do capt 1 1985, ver 
!Obreª &estão de 1!n11~ 27, 28 e 29; BECKER,fal. Os economistas. São Paulo: Nova Culturll ' Questoe5 
ório. Brasdia/Rio de Jan~A e MACHADO. Fronteira amazônica. 
iro: Ed. UNB/ Ed. UFRJ, 1990. 
SUDECO (Superintendência para o Desenvolvimento do Centro-Oeste), e programas 
governamentais como o PIN (Programa de Integração Nacional) e o POLONOROESll~ 
(Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil), que canalizaram para a mesma, 
incentivos fiscais, linhas de financiamentos, juros subsidiados e prazos generosos. 
A criação do Banco de Crédito da Amazônia (futuro BASA Banco da Amazônia), 
e da SUDAM, ambas em 1966, tinha por objetivo estimular os projetos de ocupação 
da região Amazônica. Em 1970 foi lançado o Programa de Integração Nacional (PIN), 
marco de uma ação mais ostensiva do Governo Federal sobre toda a região, criado 
através do decreto lei d-' 1.106, de 16/ 06/70. 
Seu objetivo era expandir a fronteira econômica, em especial a agrícola, confo1me 
previsto pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND). Suprir-se-ia a carência 
de mão-de-obra na região com programas de colonização dirigidos específicamente 
para o excedente populacional nordestino, de acordo com as estratégias ela Operação 
Amazónica, ocupando as margens das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém 
(cuja construção estava prevista no decreto-lei acima citado) . .A5 margens das rodovias, 
uma faixa de dez quilômetros, foi reservada para essa ocupação coordenada pelo 
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), recém criado'. 
Na imprensa do estado de Mato Grosso podemos encontrar uma efusiva defesa 
dessas medidas tidas como ex1:remamente benéficas. Mesmo a construção da Transa-
mazônica, que não atingiu diretamente o território mato-grossense, mereceu atenção 
e notas em sua defesa8 • 
Desde sua criação, o BASA e a SUDAM reverteram grande percentual de seus 
recursos para o Mato Grosso. Em 1970 o jornal O Estado de Mato Grosso noticiou 
que, dos mais de um bilhão de cruzeiros destinados a investimentos na Amazónia, 
desde 1966, Mato Grosso recebeu 446,1 milhões de cruzeiros9• 
Seguindo as metas contidas no li PND, o Governo Federal criou o POLOAMA-
ZÔNIA (Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia) e o PRO-
DEPAN (Programa de Desenvolvin1ento do Pantanal), ainda em 1974; o POLOCEN-
TRO (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados), em 1975; e o POLONOROESTE 
(Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil), em 1981. Fácil perceber que 
todos esses programas atingiram privilegiadamente o estado de Mato Grosso. Outro 
7 CASTRO, Maria 1. e GALETil, Lylia da S.G. Um histórico do uso da biodiverslclaue em M:ito Gros.50, p. 134. 
& Delfin Neto: transamazônica é integração. O Estado de Mato Grosso, 02 jul 1970, p.l ·o minlstro Ddfin Neto 
declarou que recursos minerais e vegetais e.peram a mobilização de força de trab-.tlho parJ se tomarem riqueza 
efetiva". Vamos lutar pela trarummazônlca. O Estado de Mato Grosso, 10 Jul, 1970, p.4. O Jornal O Estado de 
Mato Grosso faz urna connmdente defesa da construção da rodovia tran.samazônica, defendendo a ideia do 
espaço alternativo para trab:llhadores nordestinos e do potencial econômico e político à clli,posição de J',ff. 
9 Investimentos na Amazônia: Mato Groi.so beneficiado. O Estado de Mato Grosso, 06 jan. 1970. p. 1. 
21 
. ' los de desenvolvimento estabelecid 
, . co dos qwnze po A os Pelo 
1.. 1 . ,portante e que cm , 0 te e destes, tres em Mato Grosso senct Cléil o ill' L . centro- e& ' ' o da· 
Ô vamno · - IS POLOAi'vlAZ NlA, esta e outro em Anpuana, o que tornou p _ 
. . d um em Ju111ena . . . . . ~ oss1ve1 
110 Noroeste do Esta 
0
, . AR-l que foi a pnnc1pal v ia de acesso aquela 
, . - 0 da Rodovia , . _ Pane não so a con:,trUça d s Projetos de Colomzaçao . 
. bT ou o ingresso o , . 
do E~ta<lo, e via i lZ F deral atraves da SUDECOprevm a constr _ 
, 0 Governo e ' "t.lça0 
Para essa area, . ( 
0 
a BR-364 ligando Cuiabá a Po1to Velho 
1
. 
. - de rodovias com ' . a e111 
e pavtmenraçao . a1 O Estado de Mato Grosso noticiou a constrnção de u 
agosto de 1970, o iom ã/ ill / rna 
d d 
nicípio de Aripuan MT a V 1ena RO, numa exten _ 
estrada ligando a se e o mu · . sao 
trllção de núcleos urbanos. O Banco Mundial destinou cer de 410Km1º) , e a cons _ . , ca 
milh- ara garantir a sobrevivência das naçoes md1genas 
11
• 
c.Ie uss 25 oes P 
Mediante a criação dos citados programas, órgãos federais e a disponibilização 
de recursos públicos, muitos empresários se interessaram em e mpreender projetos 
agropecuários, agroindustriais e de colonização na região (só o POLONOROESTE 
disponibilizou, para investimentos em projetos regionais, recursos da ord em de USS 
1,5 bilhão)12• Essa área, alvo do POLONOROESTE, (Noroeste d e Mato Grosso e Ron-
dônia), segundo levantamento do Projeto RADAMBRASIL, possu ía uma riqueza em 
mogno estimada em US S5 bilhões13 (posteriormente descobriu-se o ouro, o diamante, 
a cassiterita, além de ter sido constatada alta incidência de outros tipos de madeiras 
nobres naquela porção de floresta , adicionado ao seu potencial hídrico, pesqueiro, 
turístico, sua riquíssima biodiversidade etc.). 
Entre 1966 e 1972 foram aprovados 44 projetos agropecuários e agroindustriais 
por ano, em média, financiados pela SUDA.M, a maioria em Mato Grosso. Entre 198l e 
1984• 55 projetos, em média, por ano. O próprio órgão reconheceu que alguns projetos 
eram fictícios muitos ~ b d I ns ' oram a an onados - após a liberação dos recursos - , a gu 
cancelados e entre os 200A . 1 . te 
• ' 0 lflSta ados, a produção atingia um quinto da inic1almen 
prevISta. Dados divulgados 1988 ção 
da em acusam o órgão de promover a concentra 
terra na Amazônia Legal atra • d . . bilizando 
projetos . ves os mcentivos fiscais concedidos, via 
para grupos CUJO únic · . 6 ,ietoS 
novos fina • d O mteresse sena o da posse de terras. Dos 8 pro, 
nc1a os pela SUDAM l ·zados 
junto ao INCRA ' entre l985 e 1988 48 não estavam regu an 
e encontrava d , s 94 
m-se entro do Parque Nacional do Xingú. Dentre 0 
1 O Aripuanã será liga-1- . -
11 U4 ao sistema 
CASTRO Ma rodoviário na • . 7. 
12 LESSA Ri·. na I. e GAI.ttn, lylía da S G U c'.onal. O Estado de Mato Grosso, 06 ago. 1970, P· 139· 
• cardo A · · rn históri do iosso P· 
Machado nr,;, mazônaa raízes da deses co uso da biodiversidade em Mato G ' da e 
Ed. l :PRJ.' 1990,':r~ amf: a.zôntca. Questõe truobturação. São Paulo: Atual 1991 p.48. BECI<ER, Mdlra~/ 
13 A . , ala ern 1 b 1 s s re a g .,. • • •ro· E • npuana. Grand i hão. es .... o de território. Brasília/Rio de Janet . 
e re5erva de Mo 
&no. O Estado de 
22 Mato Grosso, 14ago. 1974, p .1. 
projetos agropecuários e agroindustriais implantados, somente três tinham apresentado 
alguma rentabilidade14 • 
Apenas um desses empresários foi acusado de arrebatar dos cofres da SU-
DAM mais de RS 100 milhões. Dono de pelo menos seis empresas beneficiadas 
com aprovação de verbas, impressiona uma verificação mesmo que superficial de 
seus contatos e influência. Entre seus sócios encontra-se um ex-homem-forte do 
governo militar que, apesar de se apresentar como funcionário público (agente da 
Polícia Federal), era proprietário de 26 mil hectares de terras em Goiás e em Mato 
Grosso, com mais de 1 O mil cabeças de gado; um conhecido político paraense, 
ex-governador e ex-senador da República, muito influente na SUDAM, tido como 
o responsável por boa parte das liberações de recursos às empresas do acusado, 
numa das quais a esposa do ex-senador era sócia15• 
Tais resultados - pillos - colocam em xeque a secular idéia citada aqui na voz 
de diferentes personalidades e em tempos diferentes, de que o empresário, o colo-
nizador particular, viabilizaria o progresso amazônico. 
Em 1940, Mato Grosso tinha 18 municípios. A região correspondente a dois 
desses municípios foi separada e juntamente com terras do estado do Amazonas deu 
origem ao território do Guaporé, mais tarde, estado de Rondônia-:fAté meados da 
década de 70, quando teve início o processo de divisão do antigo Estado, composto 
• pelas áreas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, apenas a região do primeiro, con-
tinha cerca de 38 municípios. Em pouco mais de 25 anos, esse número saltou para 
142, sendo que 83 deles não chegavam a dez miJ habitantes e 41 continha população 
entre dez e vinte miJ e apenas 18 estavam acima de 20 mil habitantes16• Tais cidades 
estruturam-se de modo a excluir as populações pobres do acesso à terra, mantendo-as 
em condições muito precárias de moradia, chegando mesmo à condição de trabalho 
análoga à escravidão: 
Desse modo, as novas àdades que aglutinam esse tipo de população em seu perímetro 
urbano [ ... ) já nascem velhas, reproduzindo modelos urbanos carcomidos, revelando 
desde já os problemas da sociedade capitalista globalizada, agudizadas em regiões em 
que o direito à vida e à propriedade tem poucas garantias17• 
14 CIMI. Amazônia e a investida do capital. América Latma ,oo anos de conquista. São Paulo: fcone 
Editora, n•2, 1988, p. 55. 
15 SOUZA,Josias. PF mira na SUDAM e acena o próprio pé. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 jan. 2001. B~il, 
p.l;Jader trocou 333 ligações com fraudador. Folha de Siio Paulo. São Paulo, 1 i.et. 2001. Brasil, p. 1. 
16 MIRANDA e AMORIM . .Mato Grosso: atlas geográfico. Cuiabá: Entrdinhas, 2000, p .9. 
17 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Cidades de fronteira. ln: SILVA, Luiz Sérgio Duarte da. Relações 
cidade-campo: fronteiras. Goiânia: EdUFG, 2000. p.183. 
23 
Observando os dados 
referentes a eSsa 
ocupação, chama nossa 
atençãO a tote presença da iniciativa privada, a inépcia do Governo Estadual para fiscalizar 
as transações 
de compra e 
venda de terras e 
a anuência do Governo Federal frente 
a tal quadro. 
O 
Departamento de Terras e 
Colonização (DCT), responsável pela emissão de títulos, fiscalizacão e demarcaç�o de lotes agrários, foi fechado pelo 
Governo do estado de Mato Grosso devido ao volume de fraudes, que chegava 
gumas áreas apresentavam quatro escrituras sobrepostas. O INTERMAT (Instituto à falsificação de 
documentos e até mesmo 
com assinatura do governadorls A-
de Terras de Mato 
Grosso), órgão que 
substituiu o DTC, foi criado em 1975. mas 
começou a operar em 
1979. Entre os dois 
atos, temos alguns anos nos quais os 
cartórios tornaram-se as únicas instâncias capazes de assegurar a legalidade de 
documentos imprescindíveis para que os 
proprietarios de uma área pudessem 
corer às linhas de crédito do BASA, da SUDAM, Ou da 
SUDECO. Segundo Ferreirs. 
"Na década de setenta, a simples verificação das 
anotaçÖes do Registro Geral d 
Imórel em Cuiabá permitiu identificar a existência de 87 transações 
fraudulentas 
de grandes imóveis [..19 
No mesmo sentido merecem destaque duas notas divulgadas pelo Jomal A 
Gazeta, de Cuiabá. A primeira trazia a manchete: "Delegacia prende agrimensor que 
vendia terras do Governo. A nota destacava em seu texto: 
No mesmo mês de agosto, outra nota trouxe a manchete bastante reveladora: 
"Descobertas 1.069 fazendas que podem ter sido griladas". A nota diz que dos 140) 
imóveis urais, com mais de 10 mil hectares. notificados em todo o Centro-Oeste, 1.202 
estão em Mato GroSso e, destes. 1.069 tiveram seus títulos cancelados**. 
a proprredade da tea em Mato Grosso estão longe de terem sido resolvi�oS. 
18 
Pela primeira vez, agentes da Delegacia de Estelionato, Fraudes e Falsificações, conse 
guiram fazer um flagrante de venda ilegal de terras públicas". 
galidades continuam a existir, como pesada herança do passado da região quue, hoje, 
onera predominantemente os pequenos proprietários e os camponeses Sem terras. 
19 
20 
21 
O intuito ao citar tais artigoséo de enfatizar que os problemas com a posse e 
24 
FERREIRA, E.C. Posse e propriedade teritoral a luta pela terra em MatoGrosso. Campinas: Ed. da 
UNICAMP, 1986. p. 73. 
FERREIRA E.C. Posse e propriedade territorial: a luta pela terra em Mato Grosso. Campinas: Ed. da 
UNICAMP, 1986. 
PINHO, Anderson. Delegacia prende agrimensor que vendia terras do governo. A Gazeta, Cuiabá, 1 ago. 2001. Polícia, 5c 
.p. 76 
PASSOS, Najla. Descobertas 1.069 fazendas que podem ter sido griladas. A Gazeta. Cuiabá, 29 ago. 2001. Cadermo C,p. l 
O Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos (NERU) do ICHS/UFMT (Instituto de Ciências 
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso), em uma pesquisa sobre OS 
Projetos de Assentamento Conjunto desenvolvidos pelo INCRA, em parceria comn várias 
Cooperativas Agnícolas de diferentes pontos do país (Erechim/RS, Cotia/SP, Juscimeira/MT), 
posicionados no eixo Centro-Norte do estado de Mato Grosso, foram evidenciados sériOs 
problemas de acompanhamento por parte dos seus Organizadores. Faltou assistêrncia técnica, 
infra-estrutura, alémn dos problemas provOcados pelo abandono dos lavradores em algumas 
regiões, pelo afluxo de garimpeiros, em outras, o que atraiu para essa atividade muitos dos 
assentados, já desesperados pela falta de expectativas e pelo isolamento. Houve ainda a 
Ocupaç«o de áreas dos projetos por posseiros que tentavam receber um lote do INCRA. 
"Temos dados empíicos do projeto Tera Nova, onde foram assentadas 1.200 famlias de 
colonos enquanto na reserva florestal do projeto há 2.000 famlias de posseiros"2, 
O relatório divulgado pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável 
de Mato Grosso trouxe à luz números impressionantes. O Estado contava, em abril 
de 2002, com 348 assentamentos e 32 acampamentos em 106 municípios, totalizando 
65.802 famlias com demandas não menos impressionantes: 120 mil hectares de terras 
a serem demarcadas, 15.538 hectares de teras esperando desapropriação. 5.977 Km de 
vias a serem abertas e outros 4.877 Kmn a serem recuperadas, além de três mil Km de 
rede elétrica, oito mil casas, 285 poços artesianos, escolas, postos de saúde, etc3 So 
mente 12,7% dos assentados possuíam títulos definitivos sobre suas propriedades²4. 
Somam-se a essa fantástica demanda inúmeras denúncias de irregularidades 
no INCRA. O citado relatório traz váias delas: em São José do Povo foram liberados 
RS 165.000,00 para a construç�ão de 15 Km de estradas e dois poços artesianos. 
Nada foi feito. Há uma placa indicando a construção de um único poço no valor 
de RS 320.000,00, que não foi construído. 
Em Planalto da Serra a verba para a construção do posto de saúde foi autori 
zada, mas a obra nunca foi construída. Em Paranaíta foram alocados recursos para 
a construção de casas. Após 60% do dinheiro terem sido liberados e repassados ao 
empreiteiro, nenhum tijolo foi assentado. Em Alta Floresta, o INCRA pagou por um 
rebanho bovino que deveria ter sido entregue aos parceleiros. Os animais efetivamente 
entregues tinham qualidade inferior. Em São Felix do Araguaia, um colono declarou 
sobre problema semelhante: "O gado não tinha nem dente para comer capim"25. 
22 
23 
24 
25 
CASTROe outrOs. A colonização oficial em Mato GrosSo a nata e a borra da sociedade. Cuiabá: EdUFMT, 1994, p. 37. 
PIMENTEL, C. Estrutura em assentamentos é precária. D1áno de Cuiabá, Cuiabá, 14 abr. 2002. Cidades, Pp. B2 e B3. 
VIEIRA, Luiz F. Só 12,7% tem titulo de posse. A Gazeta, Cuiabá, 24 jan. 2002. Caderno B. p.2. 
PIMENTEL, C. Estrutura em assentamentos é precána. Diário de Cuiabá Cuiabá, 14 abr. 2002. Cidade Pp. B2 e B3. 
25 
O INCRA reconheceu em 
Mato GrosSO, em abril de 2002, a 
existência de 
y0 inqueritos contra seus 
funcionários. Há problemas como os 
lerificados em 
Campo Verde, onde, dos 222 lotes 
entregues pelo órgão, 152 o foram 
mediante 
pagamento de ágio. 
Existem também problemas de outra 
ordem, como Os verificados em Peixoto 
de Azevedo, onde "gente poderosa", 
segundo os parceleiros, estaria invadindo as 
propnedades para extrair ilegalmente a madeira 
e a organização de milícias amadas 
por fazendeiros temerosos COm a 
possivel ocupação de suas terras em 
Pontes e Lacer 
da, "Tem gente amada entrando nos 
lotes. Duas tummas armadas já foram 
no meu 
barraco. Devem ser grileiros com a 
intenção de roubar madeira 
O resultado prático dessa incapacidade do 
poder público para gerir recursos 
destinados a essa população eXtremamente 
carente e coibir os abusos das forcas 
locais contrárias a tais iniciativas gera 
problemas de há muito conhecidos. Fam1ias 
isoladas por anos a fio em áreas de 
dificilimo acesso, a espera de demarcação e de 
infra-estrutura mínima. Terras abandonadas, 
grilagem e violência. 
XMato Grosso foi alvo de dezenas de iniciativas 
governamentais no séc. XX 
que se intensificaram a partir do 
governo Vargas, atingindo seu auge nos 
anos 
setentas. Essas ações, da Marcha para o Oeste aos 
PINs e PACs (Projeto de As 
sentamento Conjunto), visaram sempre ocupar o 
território garantindo sua posse 
e abrindo tais áreas ao excedente populacional do 
país. Em lguns momentos, 
quando a tensão no campo cresceu (no 
Nordeste ou no extremo Sul), e a exi 
gência de uma reforma agrária se fez sentir de 
modo mais agudo, tais políticas 
apareceram com força, visando atenuar as tensões, driblando 
as pressões para 
que se promovessem aterações na 
estutura fundiária no país8 
As pressões dos camponeses, em todo o país, 
motivadas por necessidades ime 
diatas (como a seca no Nordeste), ou politicamente 
organizadas (como as ações dos 
26 
27 
27 
28 
26 
PINHEIRO, Janà. Milicia amada é montada. A Gazeta. Cuiabá, 12 jun. 2002. Caderno 
B, p.5. 
Depoimento de assentado de Tabaporå aos membros do Conselho 
Estadual de Desenvolvimento Rural 
Sustentável. Apud PIMENTEL, C. Estrutura em assentamentos é precária. Diário de Cuiabá, 
Cuiabá, 14 
abr. 2002 Cidades, pp. B2 e B3. 
Sobre esse assunto ver SCHAEFER, J.R. As migracões rurais e inplicacões pastorais. São 
Paulo: Loyola, 
1985. p 30 e ss.; GUIMARAES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro terde. A 
colonização em alta 
Floresta Mato GrOsso Campnas, 1986. 177p. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Filosofia 
e 
Ciências Humanas da INICAMP, p. 8e ss.; OLIVEIRA, João Mariano. A esperança tem na frente. sao 
Paulo, 1983 144p. Disseração (Mestrado em Geografia) - Departamento de Geografia da Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, p 63e ss.. FERREIRA,EC. Posse e propriedade territorta 
a luta pela terra em Mato Gosso Campinas, Ed. da UNICAMP. 1986, p.55ess.: ZART L. Desencanto na 
0ta terra Assentamento no muniapIo de Lucas do Rio VerdeMT na década de 80. Florianópolis, 
1998. 189p. Disertação (Mestrado em Sociolog1a Políica) - Programa de Pós-Graduação em Sociologi 
Poltica da lFSC. p 57 e s. CASTRO e ouros. A cofontzação ofic1al em Mato Grosso: a nata e a borra 
da soctedade Cuabíá Edt'FMT, 1994. p 32ess CASTRO e GALETII. Um estudo do uSo da Biodivers 
Icdade em Mato Grosso In CASTRO, Carlos F A Diegnóstico do setor florestal em Mato GrOso. Brastla 
IBAMA ITTO FUNATURA. 199i. p. 95 e ss. Entre outros 
camponeses sem terra), forçaram os poderes estabelecidos a agir mediando soluçÖes 
para evitar crises sociais de elevado alcance. A maior ou menor intensidade das on 
das migratórias para Mato Grosso, tem relação com os peniodos e locais onde estes 
conflitos se agudizaram, como o Nordeste, no início do séc. XX, eo Sul/Sudeste nas 
décadas de 70 e 80. 
O Nordeste foi historicamente a região de origem dessa mão-de-obra que cir 
cula pelo país. Em 1808/1809, a ocorrencia de uma seca na região levou grupos de 
migrantes para a Amazônia. Entre 1870 e 1910, período da borracha, a populaç�o da 
Amazônia cresceu quatro vezes ea nordestina decresceu em razão do deslocamento 
entre s regioes. 
A procura por melhores áreas para viver provocou a migração nordestina para 
a faixa Leste do antigo estado de Mato Grosso (MT/MS/RO), no início do séc. XIX, 
fato muito estimulado posteriommente pela atividade garimpeira na região dosatuais 
municípios de Poxoréu e Guiratinga". Esse fluxo não tem a influência governamental 
e desse ponto de vista considerá-lo-emos alternativo. Existem, no entanto, relatos de 
migração organizada de cearenses para a mesma faixa Leste, ocorrida em 1916 na área 
conhecida hoje como Ponte Alta, entre os municípios de Nova Brasilândia e Chapada 
dos Guimar�es. As razões do deslocamento seriam a seca e as dificuldades por ela 
trazidas aos moradores dessa região de origem. O grupo foi assentado e ocupou a 
área por longos anos. Hoje seus descendentes encontram-se espalhados pelo Estado 
e, organizados na Irmandade de São Francisco de Assis, reúnem-se anualmente em 
outubro na festa de São Francisco, uma forma de preservarem a memória de seus 
antepassados e da sua identidade cearense. A Festa ocorre na capela erguida pelos 
primeiros migrantes em homnenagem ao Santo. 
Também a "Marcha para o Oeste", instituída pelo goveno de Genúlio Vargas, 
em 1938, no intuito de ocupar o Norte mato-grossense, adicionada ao segundo ciclo 
da borracha, ocoido durante a Segunda Guerra Mundial, estimulou os deslocamentos 
humanos para a região, mas que definhou logo após o fim do conflito. 
Entre as décadas de 40 e 60, a migraç�o nordestina para o estado do Paraná foi 
estimulada, pois havia a necessidade de mão-de-obra para a lavoura de café, mesmo 
a população de outros Estados do Sul e Sudeste foi atraída para as novas oportuni 
dades de trabalho que se abriam no período Os números do crescimento do Estado 
são significativos. Nas décadas de 70 e 80, com a introdução do cultivo da soja para 
exportaç�o, com a mecanizaç�o das lavouras e a necessidade de propriedades maiores, 
29 BAXTER, Michael. Garimpeiros de Poxoréo. Brasilia: S/Ed., 1988 e GUIMAR NETO, Regina Beatnz. 
Grupiaras e Monchões. Garinpos e cidades na bistórna do povoanento do leste de Mato Grosso 
- primeira metade do séc. XX. Campinas, 1996, 281p. Tese (Doutoramento em História) - Instituto 
de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. GUIMAR NETO, Regina B Cidades da mineração. 
Memória e práticas culturais. Cuiabá: Carlini Caniato e EdUFMT, 2006. 
27 
o Pararná tonoU-se exportador de 
mão-de-obra, o que atraiu a 
atenção das empresas 
de colonizaç�o que atuavam no 
estado de Mato 
GrosSO. 
Uma pesquisa feita por 
amostragem no Norte 
de Mato Grosso, entre colonos 
migrantes, demonstrou que os mesmos 
nasceram, 
predominantemente, nos estados do 
Sul e Sudeste: migraram 
principalmente do Paraná para tentar nOva vida 
no Centro 
Oeste. Para a maioria absoluta, 
não foi a primeira migração". E 
comum encontramos 
netos de imigrantes, alem�es, 
italianOS, poloneses, cujoS pais 
nasceram no Rio Grande 
do Sul e eles próprios no 
Paraná. Seus filhos estão 
nascendo em Mato Grosso e so 
netos serão acreanos, roraimenses, 
quem sabe? "A årvore genealogica 
deles é a pró 
pria rota da busca pela terra"3 [..J 
nasci em 1937 [... no Rio Grande do 
Sul, casacdo 
Com uma catarinense, os filhos todos 
paranaenses .... no Paraná nasceu os 
filhoeno 
Mato Grosso nasceu Os netos2 
Muitos desses migrantes vieram do Paraná, mas 
haviam passado por duas. 
três ou mais mudanças de região. Outros, errantes, 
traziam em suas trajetórias as 
marcas de uma busca incessante por dignidade e 
trabalho, submetendo-se para 
isso a provações dificilmente compreensíveis para 
quem olha para este mundo 
de fora. Encontramos em Juina um exemplo marcante. 
Uma familia de cearenses 
que, impelida a sair de sua terra, viu-se envolvida pelo grande 
fluxo migratório 
existente em nosso país e, como retirante do séc. XXI foi 
trazida para o Noroeste 
de Mato Grosso. Seu relato estava permeado de passagens fantásticas, 
produto 
dos múltiplos olhares que compõemn esse submundo. Das dezenas de páginas 
transcritas, separamos os fragmentos que tratam da trajetória desde Barbalha, no 
Ceará, até Juina, Mato Grosso, num retrato vivo desse grande organismo dentro 
do qual se dá o deslocamento populacional. "[...] às vezes achava um cacau na 
estrada e depois achava assim uma coisa verde, comia e bebia a água, aquela 
água quente do meio da estrada ...] achava caça morta no meio da estrada, a 
gente sÓ pelava e comia ...]"33, 
Impossível identificar o percurso descrito por esse senhore sua famia. Ele tem 
nexo próprio. Os caminhos que acostumamos a ver nos mapas, o sentido e a orienta 
ção que seguimos em nossos deslocamentos não cabem em seu relato, que expõe de 
modo cru um mundo de trabalho familiar árduo, de renda de centavos, de nenhuma 
posse e mesmo o sentido de pertencimento a um lugar Ihe foi tirado; de alimentar-se 
quando e daquilo que for possivel, mesmo que a identificação do alimento pareça 
incerta, "a coisa verde" ou a "caça morta"', expõe a necessidade levada ao extremo. 
30 
31 
32 
33 
28 
SCHAFFER, J. R. As migrações ruraise implicações pastora1s. Sâo Paulo: Loyola, 1985, p.99 e ss. LESSA. R. Amazônia. Raízes da destruição. São Paulo, Atual, 1991, p. 49. 
Depoimento. Juina. 22 set. 2000. 
Depomento juina, 23 out. 2000 
A comunidade católica de Juina se organizou para acolher essa familia ceden 
do-Ihe casa, móveis, roupas e trabalho. Poucos meses depois eles largaram tudo e 
se puseram novamente no caminho, provocando certa perplexidade naqueles que 
os havia ajudado. Estamos diante da absolutização da desterritorialização. A ampla 
miséria vivida na origem e as claras pistas da condição de deserdados os igualam a 
outros tantos milhões pelo país. Essas pessoas são desprovidas de memória, visto 
que seu passado foi reduzido à inutilidade, no constante caminhar. Suas ações 
são comandadas pelo futuro.O passado é um lugar distante e não contamina sua 
rotina de diários encontros como estranhamento, com o sempre novo e sempre 
difíicil. Pela expectativa do que virá. Não existe ponto de partida ou de chegada, 
sÓ o trajeto. As cidades, os empregos e os contatos, não são mais que meios para 
Continuarem sua eterna rota. 
Em 1971, o Govemo Federal criou o PROTERRA (Programa de Redistribuição 
de Terras e de Estímulos à Agroindústria do Note e do Nordeste). Tal medida, entre 
outras, permitiu a aquisição de grandes faixas de terras públicas por empresários 
que ali desenvolveram projetos privados de colonização. No estado de Mato Grosso, 
dezenas de empresas de colonização se espalharam por sua extensa faixa Norte, 
predominantemente trabalhando com migrantes vindos do Sul e Sudeste do país. Se 
gundo Guimar�es Neto*, dados do INCRA (1981) comprovam que das 101 empresas 
de colonização, autorizadas inicialmente a funcionar no país (inclusive aquelas cujos 
registros foram cancelados), entre 1970 e 1981, 42 delas estavam localizadas em Mato 
Grosso. De um total de 82 empresas em funcionamento efetivo, 52% tinham projetos 
no citado Estado. Dos 125 projetos autorizados a funcionar, 75 projetos estavam em 
Mato Grosso. Os maiores projetos privados de colonização foram implantados muito 
próximo das Rodovias Federais, sendo 49% deles ao longo do eixo da Cuiabá-Santarém. 
Esta rodovia, mais a BR-158 e o complexo 364/174, criados durante o governo militar, 
tinham a intenção de abrir um território pouco conhecido à exploração econômica. 
KNo estado de Mato Grosso, OS principais corredores ou eixOS rodoviários são as 
Rodovias Federais (em boa parte, pavimentadas, mas em longos trechos sem nenhuma 
conservação). A BR-364 corta o Estado no sentido Sudeste-Oeste, entre Alto Araguaia 
e Comodoro, seguindo em direção a Vilhena e dali a Porto Velho e ao Acre. A BR 
070 corta o Sul do Estado entre Barra do Garcas e a divisa com a Bolívia. A BR-174 
corta a parte Sudoeste do Estado, entre Cáceres e a divisa com Rondônia. A BR-158 
corta a faixa Leste de Mato Grosso, sentido Norte-Sul, paralelamente ao Rio Araguaia, 
34 GUIMAR NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde A colonização em alta Floresta/Mato Grosso. 
Campinas, 1986. 177p. Dissertaçåo (Mestrado em Históia) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da 
UNICAMP, p. 142.29 
Cntie Barra do Garcas 
e Vila Rica: a 
BR242 liga o pequeno 
trecho entre Sao Félix 
do Aragua e a BR 
155, na altura do Posto 
da Mata, Nordeste do 
Estado. A BR-163 
Dnipal cixo roko iario do 
Mato GrossO, vem do 
Mato Grosso do Sul, 
formadO Dor 
Cono podemos per eber. a 
alertura das rodovias 
exereu umn papel funda 
mental na atraç�o e 
ingrsSO de colonos no 
interior do estado de Mato 
GrosSO, Tal 
ComO o Oeste dos EUA 
do sec. XIX, onde o 
colono seguiu as tCIrOvias, 
no Brasil 
da segunda metade do 
séc, XX cle foi atrás das 
rOdovias e, em ambos os 
casos, as 
melhores terras ficaram nas 
máos de grandes empresas. 
Essas rodovias cortaram a 
floresta prometendo levar o 
desenvolvimento e o progresso a regiöes 
distantes, mas 
perderan sua aura quando 
observadas de perto. Em quarenta anos, 
a população da 
Amazônia decuplicou, passando de 
dois para vinte milhoes de 
habitantes. O asfalta 
mento de rodovias como a 
BR-364 (Cuiabá-Porto Velho), 
facilitou o fluxo migratório 
e, em seis anos, 15% da 
cobertura vegetal de Rondônia 
desapareceu. Supondo que 
outras rodovias, COmo a 
Transamazônica, a Cuiabá-Santarémne a 
Manaus-Porto Ve 
Iho, fos5em inteiramente 
asfaltadas, como preconizou o 
projeto "Avança Brasil, as 
perspetivas mais otimistas previam o 
desmatamento de 28% da floresta em 
menos 
de 10 anos. Para efeito de 
comparação, a Floresta Amazônica 
mantem hoje 80% de 
sua cobetura vegetal primária35. 
Essas estradas romperam com a 
economia natural das Comunidades 
rurais re 
cem-fommadas, transformando-as em consumidoras 
de produtos dos grandes centros, 
restando-lhes vender sua produção a baixo 
preço. Essa circulação mercantil foi mais 
um pass0 na inserção dessas pessoas 
no âmbito das relações capitalistas 
que, em 
última instância, as transfomou em 
mão-de-obra assalariada. 
Desde neados da década de setenta, 
empresas como a SINOP (SOciedade Imo 
biliária Noroeste do Paraná) -que já haviam 
desenvolvido projetos de colonizaç�o 
naquele Estado, durante as décadas de 50 e 60, 
receberam áreas estaduais ou federais, 
algumas com até 600 mil hectares em Mato Grosso, nas quais 
iniciaram novos projetos 
e passaram a trabalhar para atrair migrantes 
interessados. 
Essas empresas desenvolveram forte campanha publicitária no 
Sul e Sudeste do 
país e seu público alvo foram os mini-fundiários, pequenos produtores 
capitalizados 
daquela região que, vendendo seus dez, por vezes cinco alqueires no Paraná, 
podiam 
Comprar até 200 alqueires em Mato GrossO. Os corretores trabalhavam comn 
imagens 
fantástias que estampavam terras muito vastas, produtivase locais já estruturados. 
O 
35 
30 
sÉVILHA Jean Jacques Proeto ´Avança Brasil aneaça a floreta. Le Monde. Disponível em www.uo: 
com br lernonde Acessado en 01/02/ 2001 
Rondonopois e Cuiabá e seguindo 
em direçao ao Norte. 
Margeia as pequenas 
cidaes 
do interior (Soriso, 
Sinop), seguindo em direçao 
ao Pard. 
Contato Com a natureza também atraia os compradores (a fartura de caça e pesca. por 
exemplo). Nos relatos que se seguem vemos um pouco dessa expectativa e a força 
la esperança no novo lugar. As circunstâncias que motivaram o interesse variavam. 
mas o objetivo era praticamente um só, encontrar um lugar melhor: 
36 
37 
Eu vim com a minha família, foi mais ou menos no ano de 1985 [...J lá a gente era agri 
cultor lá a terra muito pequena [.J aí meu pai tinha um sonho de ter um pouco mais de 
terra aí meio a contra gosto da famlia [..] viemos todo mundo pra cá [...] naquela região 
tinha muito latifúndio, o noso trecho lá era assim terra lá era pequenininha era dois 
alqueires, um alqueire e meio só de cafe 
38 
Essa é a história de uma garotinha como outra qualquer, vivia no interior, rodeada de 
ideais, numa ânsia louca de vencer na vida... Era década de 80, estava cursando a 5 série 
do ginásio no Rio Grande do Sul. Sua familia vivia numa crise financeira sem tamanho, 
dívidas no banco, aos agiotas, comerciantes... a safra mal dava para cobrir as despesas, 
o que fazer? Vender e sair daquele lugar e correr atrás da sorte, afirnal, o país era imenso 
[.] em algum lugar haveria de existir um lugar 
A propaganda levada a efeito pelas empresas tomava várias fomas. Cartazes afixados nas AssOciaçõese Sindicatos Rurais, palestras, reuniões, nas quais os corre 
tores expunham as vantagens da região, programas de rádioe jornais infomativos. Havia também a propaganda indireta. Os próprios migrantes ou membros da familia divulgavam o projeto em suas cidades de origem. MuitOs destes se deslocaram acom 
panhando a família: 
Nosso projeto era pelo fundiário, terras financiadas para serem pagas em 15 anos, Com 
4 de carência, compramos terras no projeto Santana, com o objetivo de plantar café e 
seringa, era essa a propaganda divulgada lá. Depois que chegamos vimos que não era 
viável esse plantio. ..] chegamos e fomos morar num barraco de lona [...] aqui ficamos 2 
meses e depois fomos pra roça. Ouvimos falar disso através de corretores, aí meu imão 
veio olhar isso aqui, eu mesmo não vim, ele veio de avião. Tivemos que dar entrada 
na época de Cr$1.200. Aqui não era Vila Rica era SERVAP ..] tinha umas 8 a 10 casas, 
uma farmacinha, um restaurante, nem hotel tinha ...] A primeira verdura que comemoS 
foi aquela que nós plantamos a semente e colhemos, não tÉnha pra comprar, aqui não 
tinha comércio nenhum 
Depoimento. Juina, 31 maio 2001. 
melhor", 
Depoimento. Vila Rica, 25 mar. 2000. 
Depoimento. Vila RIca, 05 mar. 2000 
31 
10 
Ficamos sabeno de Juina assim: 
no Mato 
Grosso tem uma 
cidade que está começando 
Agora, vamos para la, 
porque o Paraná já está 
prOnto, ja esta feito, 
quem não tem, não 
tem, quem tem, tem. ne. Al 
juntou várias pessoas 
numa kombi, ali 
dentro tinha um pi-
careta lcometor). Na cidade 
tinha umas pessoas que 
acompanhava a cada 10 pessoas ele 
acompanhava ate ir para o 
destino. Então veio 
aquela kombi e o picareta, pra chegar 
Ou fizeram pensando no futuro da mesnma: 
"Que interesSe cOMO eu e a veia ja 
Eu só vim pra cá pra trazer os filhos e 
coloca-los"1 
ter por una colÔnia de tera 
A propaganda garantia terras ferteis, falava das 
possibilidades de desenvolvimen 
o. progresso e lucros, O que a propaganda não revelava 
era que a regiao estava, em 
alquns asOs. mal cortada pot "picadoes", trillhas nas quais sÓ Se passava a 
pe, não 
ofereendo qualquer estrutura de apoi0 aOS Colonos, cOmO postos de 
saúde, escolas 
para as ianças Ou estradas para 0 esoamento da produçao. 
4 
aqui e cOnprar. E foi onde 
que meu pai comprou. 
Inialmente, o acesso aos lotes dependia da habilidade dos "picadeiros que, 
adentravam a mata fechada, levando os interessados para conhecer as terras. Lma 
lez la. às familias ficav ann isoladas, SÓ saindo en Ocasiðes muito raras (compras dO 
extreMamente nessirio na cidale e urgências medicas). Os contatos freqüentes 
w cLavam entre os nu leos familiares próximos, geralmente nos finais de semana. 
para re7Arm ou para atvidades de lazer das famlias, o futebol. a caca, a culinária. O 
OnvIv10 entre as TaNças. Jå que pelo isolamento e auséncia de escolas, seu contato 
festrng!a-seSSe grupo mais proximo: 
32 
Eu nasci em Marechal Malet. 
De Marechal Malet a gente toi 
para Irati, Paraná, de Irat 
Bente tOi para Sapopema no 
none do Paraná, de lá a gente 
retomnou a Iratí de noNe 
cdepos vem Laranjeiras do Sul aqui peto 
de Cascavel, ai depois Matelândia, ai 
depois 
Matelindia para cá. De Juina fiquei sabendo 
através de uma tolha que foi encontrada 
no 
neio de um jormal. entào nessa folha 
tinha propaganda de Juina. Meu imão 
compro o 
jomal. achou a propaganda e daí resolveu 
vir aqui. Daí veio ele com meu imão, 
vieram 
olhar, e mais o meu ex-(unhado. Daí depois 
daquilo eles voltaram lá, ele gostou, daí ele 
tormou a voltar para cá de novO, sÓ que ai 
ele tormou vim. Daí eu vim junto com 
ele40 
Marnete e PRFl Dresie 4 odt nt Xd(ir ofic ial en

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