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Vanguardas Artísticas Europeias

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DEFINIÇÃO
A formação das vanguardas artísticas europeias e as revoluções na prática artística do século XX.
PROPÓSITO
Compreender as mudanças do pensamento artístico nas primeiras décadas do século XX a partir do estudo dos movimentos
artísticos e suas principais características formais e conceituais.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer os usos do termo expressionista na produção artística alemã
MÓDULO 2
Diferenciar as principais ideias de cada movimento artístico: Fauvista, Cubista e Dadaísta
MÓDULO 3
Identificar as influências do Programa Pedagógico e Artístico da Bauhaus no Brasil
MÓDULO 4
Resumir os principais aspectos sobre o movimento surrealista
INTRODUÇÃO
HOJE, NUMA ÉPOCA EM QUE A DEMOCRACIA DEVE REGER TODAS AS
COISAS, SERIA ILÓGICO A ARTE, QUE CONDUZ O MUNDO, FICAR PARA
TRÁS NA REVOLUÇÃO QUE ESTÁ OCORRENDO AGORA NA FRANÇA. PARA
ALCANÇAR ESSE OBJETIVO, DISCUTIREMOS EM UMA ASSEMBLEIA DE
ARTISTAS OS PLANOS, PROJETOS E AS IDEIAS QUE NOS SERÃO
SUBMETIDOS, NO INTUITO DE REALIZAR UMA NOVA REORGANIZAÇÃO DA
ARTE E DE SEUS INTERESSES MATERIAIS.
É possível identificar o contexto histórico e artístico dessas palavras? De imediato, podemos observar interesses marcados por uma
nova tomada de posição diante da arte, da prática artística e das instituições que a legitimam. Podemos notar também que a
palavra-chave que rege esse pensamento é revolução.
A citação é de Gustave Courbet (2009) e foi apresentada em uma assembleia junto a outros artistas em 18 de março de 1871,
durante a Comuna de Paris, da qual era partidário. O artista francês, eleito presidente de um comitê responsável por fiscalizar a
administração pública das Belas Artes, especialmente da École des Beaux-Arts, alertou os artistas para a necessidade da liberdade
não só da vida, mas da própria arte.
GUSTAVE COUBERT
Gustave Courbet (1819-1877) foi um pintor pioneiro do estilo realista francês. Acima de tudo, um pintor da vida camponesa de sua
região. Ergueu a bandeira do realismo contra a pintura literária ou de imaginação.
Fonte: Wikipedia
Para saber mais, leia a Carta aos artistas de Paris, escrita por Gustave Courbet, em 1871.
COMUNA DE PARIS
Após a Revolução Francesa e o Império Napoleônico, a França, no século XIX, viveu uma grande sucessão de governos de linhas e
formas muito diversas. Um dos momentos importantes foi a ascensão de um governo republicano liderado por operários conhecido
como Comuna de Paris.
O que isso significava? Que os artistas deveriam governar a si mesmos assegurando direitos, razões e propósitos próprios. Pois até
aquele momento, a prática e a exposição das obras de arte obedeciam às normas e diretrizes das instituições oficiais de arte. E
essa situação não atendia mais aos interesses de muitos artistas que desejavam se emancipar dos regimes estéticos estabelecidos
por uma tradição artística formulada ao longo de aproximadamente quatro séculos.
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 Figura 1. O Ateliê do Artista, de José Malhoa.
Com o desenvolvimento da tecnologia industrial, as relações de produção e consumo foram alteradas e impactaram uma práxis
artística. Durante as quatro primeiras décadas do século XX, veremos o nascimento de grupos, movimentos e trajetórias singulares
de artistas que alteraram os modos de se criar e perceber outras realidades a partir da arte.
Nomeamos vanguardas artísticas estes processos de renovação profunda na forma, no conteúdo e no modo como a arte se
desenvolveu no interior de uma cultura figurativa ocidental.
Iniciaremos pelo movimento expressionista; conheceremos a formação da École de Paris pelo movimento Fauvista e Cubista; os
radicalismos do Dada; o projeto pedagógico e artístico da Bauhaus e, por fim, as manifestações do Surrealismo.
MÓDULO 1
 Reconhecer os usos do termo expressionista na produção artística alemã
MOVIMENTO EXPRESSIONISTA
Há um consenso entre os historiadores da arte sobre o uso do termo Expressionismo para diferenciar as obras de arte do
movimento impressionista de natureza fundamentalmente sensorial.
 Figura 2. O Grito, de Edvard Munch
Segundo Norbert Wolf (2004), foi o marchand e editor alemão Paul Cassirer quem utilizou, pela primeira vez, o termo ao entrar em
contato com as obras do artista norueguês Edvard Munch (1863-1944). Você provavelmente conhece uma de suas pinturas. A obra
O grito (1893), da qual a imagem se tornou umas das mais populares da história da arte e da cultura visual, está entre as mais
reconhecidas do artista e se tornou uma referência quando mencionamos a emoção como matéria de expressão e representação na
arte.
Para Giulio Carlo Argan (2010) foi Wilhelm Worringer (1881-1965), historiador e teórico da arte, que criou o termo para definir um
conjunto de obras de Vincent van Gogh (1853-1890), Paul Cézanne (1839-1906) e Henri Matisse (1869-1954). Afirmar que uma
pintura, por exemplo, apresenta características expressionistas era o mesmo que reconhecer que a representação da realidade não
partia somente da observação da natureza, mas da atitude do artista diante dela e, sobretudo, diante do desenvolvimento de uma
prática da arte que vinha se distanciando dos modelos acadêmicos. Segundo o historiador da arte, o movimento francês fauvismo e
o vocabulário plástico dos grupos Die Brücke (A ponte) e Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul) caracterizaram o momento no qual a
arte é comumente chamada de expressionista.
 Figura 3. Castelo Negro, de Paul Cézanne
Nota-se, também, a influência do pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e a sua crítica à verdade judaico-
cristã. A relação com o divino mediada pela natureza é uma das reflexões do filósofo, que vai considerar que o homem moderno, ao
criar a realidade em vez de apenas representá-la, inicia um processo de ruptura com o abrigo e a proteção das leis divinas. Nesse
ponto, observaremos que os ideais utópicos regeram grande parte da prática artística das vanguardas, para as quais a
manifestação do novo constitui a ponte para o futuro e o princípio ativo para uma mudança social.
A emancipação da razão impactou o pensamento e o modo como se pratica a arte, pois muitos artistas perceberam a necessidade
de construir a sua relação com o mundo, com as coisas, distanciados de padrões de moralidade que confinavam a cultura. No
entanto, para compreendermos o enfrentamento à realidade e o novo modo de representá-la, precisamos conhecer a obra de
Vincent van Gogh, cujas pinturas são usualmente citadas como antecedentes dessa mudança de paradigma na prática artística da
virada do século XIX para o século XX.
VINCENT VAN GOGH (1853 – 1890)
 Figura 4. Os Comedores de Batata, de Vincent van Gogh.
Em uma das cartas a seu irmão Théo, van Gogh conta que embora estudasse as cores e os tons a partir da observação da
natureza, para a tela pouco lhe interessava transpô-las de forma idêntica. Para o artista, as cores da sua palheta são mais
pertinentes que as da natureza, pois são fruto de uma investigação que aliava experimentação e razão, ou seja, a formulação de
sua própria verdade. Ele diz: “A cor por si só exprime alguma coisa. Não se pode prescindir disto, é preciso tirar partido.”
A série de estudos dos camponeses que realizou quando viveu na cidade de Nuenen, na Holanda, ilumina as questões trazidas pelo
artista sobre a gradual renúncia aos códigos estéticos pautados pelas referências clássicas do belo e do bom. A pintura Os
comedores de batatas (1885), reconhecida pelo próprio artista como uma de suas obras-primas, sofreu diversos julgamentos por
deformar a anatomia das figuras humanas e representá-las de maneira sombria e grosseira. Para a crítica de arte especializada, a
pintura não passava de um estudo repleto de erros e excessos de tons escuros que comprometiam a visualidade e a compreensão
da cena.
 Figura 5. Cabeça de mulher, Vincent van Gogh
No entanto, ao lermos a carta em que van Gogh detalha o processo de criação da pintura, percebemos claramente o que Argan
(2008) definiu sobre o Expressionismoser um movimento do interior para o exterior formulado a partir da produção de subjetividade
do artista. Nesta perspectiva, é o sujeito que constrói uma dada realidade com base no modo como a percebe, acionando seus
estados sensíveis e racionais. Mesmo sendo realista, não se restringe à representação do mundo material tal como se apresenta. A
miséria nos campos, em decorrência dos processos de industrialização das cidades, toca o corpo e o espírito do artista, que opera a
partir daquilo que observa, mas se autoriza a subvertê-lo, seja na forma e/ou no conteúdo, de acordo com o que sente, percebe e
interroga na realidade.
O que foi visto como distorção, van Gogh viu com acerto na escolha do tema e no modo como representou aquela realidade.
Acentuou o esforço do trabalhador do campo com cores “sabão verde-escuro”, maduras, borradas, desbotadas e iluminadas apenas
com a luz do candeeiro, tal como a cena que testemunhou nas cartas. Pelo tom de alguns escritos, percebe-se o seu dilema entre
se posicionar no mercado de arte assumindo determinados padrões e códigos estéticos para que a sua obra encontrasse um
comprador e as revoluções visuais que vinha provocando na sua pesquisa pictórica.
 Figura 6. Sapatos, por Vincent van Gogh
Van Gogh confia na série de estudos que vinha desenvolvendo e firma seus propósitos. Opõe-se à massificação do trabalho
mecânico e solta o gesto, a pincelada, os contornos e desloca a prática da pintura para outros níveis de compreensão, tal como
afirma Argan (2008), “[...] o quadro não representa: é.”
 Figura 7. Duas Mulheres no Pântano, por Vincent van Gogh
Nesta esteira, verificaremos como os artistas dos grupos Die Brücke e Blaue Reiter desenvolveram a sua linguagem artística com
base em uma realidade atravessada pela guerra em que a forma e a cor distorcem as cenas com a consciência e o objetivo de se
distanciar cada vez mais das convenções estéticas das belas artes, das representações naturalistas, além dos temas apontarem
também para uma crítica social.
DIE BRÜCKE (A PONTE)
 Figura 8. Um convite em xilogravura para uma exposição do grupo de artistas Brücke (1906) criado por Kirchner, no acervo da
National Gallery of Art
No dia 7 de junho de 1905, em Dresden (Alemanha), os artistas Erich Heckel (1883-1970), Ernst Ludwig Kirchner (1870-1938), Max
Pechstein (1881-1955) e Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976) fundam o grupo Die Brücke (A ponte). O nome do grupo se deve aos
estudos iniciais que desenvolveram a partir do nu, da paisagem natural, dos desenhos à mão livre, da perspectiva e da história da
arte para estabelecer uma “ponte” (daí o nome), entre o passado e os novos valores da produção artística.
Esse ano foi considerado o marco do Expressionismo como movimento artístico, e a primeira exposição de van Gogh, onde a
mostra da sua linguagem pictural organizada pela galeria Ernst Arnold, na Alemanha, impactou os artistas. Seis anos depois, o
grupo migra para Berlim, a cidade de luz elétrica e ritmo dinâmico, onde os contornos trágicos, melancólicos, tensos das cores e da
gestualidade marcaram a expressão pictórica e gráfica do grupo. Die Brücke se desfez em 27 de maio de 1913 marcando a
presença de uma juventude artística fervorosa pela liberdade de criação e pelo distanciamento dos imperativos estilísticos da
tradição acadêmica da pintura.
O grupo organizou mais de oitenta exposições que circularam por várias cidades alemãs e com a produção gráfica divulgou as
obras por meio de impressos como pôsteres, cartazes, convites e cartões.
Os temas das obras estão relacionados à vida cotidiana, à cidade, ao campo, à vida noturna, porém longe de apenas representá-
los, os expressionistas criaram realidades e as direcionaram criticamente à sociedade. É uma pintura que rejeita a verossimilhança
com o mundo concreto e utiliza a intensidade das cores e a distorção como expressão máxima.
A cultura material dos grupos étnicos da África e da Oceania, reunida nos acervos dos museus etnográficos, chamou a atenção dos
artistas, assim como os cubistas, pela simplificação e expressividade das formas. Os termos instinto ou instintivo, por vezes, são
utilizados superficialmente e, em alguns casos, pejorativamente para nomear a assimilação desse contato, especialmente nas
obras, onde os artistas se apropriaram do vocabulário formal desses objetos culturais para criar suas composições.
 Figura 9. Marinheiro Ferido, por Erich Heckel
 SAIBA MAIS
Para aprofundar essas questões, busque na internet por: Arte Primitiva-Arte Moderna, Encontros e Desencontros, de José António
B. Fernandes Dias, da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.
 Figura 10. Banhistas no Gramado, por Ernst Ludwig Kirchner
O uso desses termos definia também uma juventude artística inconformada com o conservadorismo da sociedade alemã. Nesse
ponto, cenas de nu com uma conotação erótica são frequentes, porém a distorção das formas gera outros tipos de sensação como
mal-estar, fragilidade, solidão e angústia. Mesmo que as suas composições não toquem diretamente nos avanços catastróficos,
causados pela revolução industrial alemã, que culmina na Primeira Guerra Mundial, a descarga de tensão é imediata. Percebemos
isso pelo contraste das cores, pelos contornos e pelas pinceladas bem marcadas e uma liberdade na criação das formas figurativas.
Podemos observar, nas obras dos artistas André Derain (1880-1954) e Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), por exemplo, essas
características bem marcadas, porém cada um desenvolve sua linguagem artística. Derain integra o fauvismo considerado parte do
Expressionismo na França, movimento sobre o qual comentaremos adiante; e Kirchner é o representante do Expressionismo
alemão. Para conhecermos com mais detalhes os desdobramentos da pesquisa do Die Brücke na obra de Kirchner, destacaremos
duas pinturas bastante comentadas do artista como expressionistas.
ERNST LUDWIG KIRCHNER (1880-1938)
A primeira exposição das obras de Kirchner, nos Estados Unidos, foi na emblemática mostra coletiva Armory Show de 1913. Essa
mostra entrou para a história da arte como marco da apresentação oficial da arte moderna na América. Obras impressionistas,
cubistas, fauvistas e expressionistas chocaram o público ainda acostumado aos cânones artísticos das belas artes.
 SAIBA MAIS
No website Itaú Cultural você poderá encontrar mais informações sobre The International Exhibition of Modern Art (1913).
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e o fim do grupo, Kirchner resolve se alistar como voluntário no exército alemão, mas
sofre um colapso nervoso que comprometerá toda a sua vida. Contudo, mesmo após essa crise, não deixou de produzir pinturas,
gravuras, desenhos e esculturas que, segundo Argan (2008), “extrai penosamente de si, um fragmento vivo de sua própria
existência.”
Observe a obra Rua (1913) do acervo do MoMA NY. Segundo a descrição técnica, essa obra foi realizada em Berlim e representa
um “período de solidão e insegurança, logo após o grupo Brücke se separar [...].” De acordo com o museu, as mulheres
representadas na pintura estão na condição de prostitutas, tema frequente dos artistas desse período, justamente por simbolizar a
cidade moderna, o cenário de glamour e risco, intimidade e excitação.
O modo como o artista pintou o quadro se aproxima da estética futurista que acentuava o movimento e a rapidez faiscante da
velocidade das máquinas. Preste atenção nos movimentos da pincelada, na composição dinâmica das linhas, dos personagens que
parecem se articular simultaneamente. Os rostos foram estilizados a ponto de compararmos às máscaras no sentido formal e
simbólico, já que se trata de um tema que contorna a vida noturna e boêmia das cidades.
 Figura 11. Street, de Ernst Ludwig Kirchner
 Figura 12. Potsdamer Platz, de Ernst Ludwig Kirchner
Esse tema também pode ser visto em sua obra Potsdamer Platz (1914), porém com mais dados quanto à sua localização. O título
da obra significa “A praça de Potsdam” na qual Kirchner tinhaum ateliê nas proximidades, logo era um lugar onde frequentemente
circulava e observava.
À esquerda do quadro, encontramos a insinuação da fachada de um famoso café, ponto de encontro dos artistas e das mulheres
representadas, em primeiro plano, com seus chapéus adornados com penas de aves de rapina que ‘tocam’ o relógio da estação de
trem, que está em segundo plano. O relógio marca a meia-noite, expressa pelo azul tempestuoso que cobre a área do céu.
Esta é uma pintura de aproximadamente 2,00m x 1,50m de dimensão. Uma obra monumental que destaca a relação entre as
pessoas no quadro e o modo como estão posicionadas. As duas mulheres, no centro da composição, foram pintadas conforme as
cores do céu e das ruas. Tons azuis e verdes cobrem suas roupas e peles, respectivamente. A intensidade do azul no vestido e o
uso do véu da mulher à esquerda associa-se ao luto, rito do qual as mulheres eram socialmente conduzidas a seguir a fim de
lamentar a perda do marido, o que parece uma contradição dada a condição dessas mulheres. Uma interpretação possível foi dita
por Nobert Wolf (2004), sobre a pintura ter sido concluída logo após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, portanto o luto também
foi imposto às mulheres em prostituição que andavam pelas ruas de Berlim nomeadas de “viúvas de guerra”.
Os danos da guerra poderiam estar expressos indiretamente nesse quadro, mas foram citados de forma explícita pelo artista em seu
autorretrato como soldado, onde aparece com a mão amputada à frente de um quadro de nu feminino. Self-portrait as a soldier
(1915) pode ser lido tanto como um testemunho individual dos seus sofrimentos psíquicos em decorrência da guerra, mas também
como metáfora da crise e da instabilidade alemã no conflito.
 Figura 13. Autorretrato como soldado, de Ernst Ludwig Kirchner
Aproximadamente trinta obras de Kirchner foram exibidas na exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), de 1937, produzida por
Adolf Hitler (1889-1945), chanceler da Alemanha desde 1933. A mostra representava sua campanha pública contra a arte moderna,
considerada prejudicial à imagem do governo nacional-socialista alemão (1933-1945). Mais de 600 obras foram retiradas de
coleções públicas e muitas destruídas. Diante do cenário aterrorizante, de humilhação e sofrimento que aquela exposição causara,
Kirchner comete suicídio em 1938.
A ARTE GRÁFICA DE KÄTHE KOLLWITZ (1867-1945)
A retomada das artes gráficas, especialmente da xilogravura, marca a relação com a tradição alemã do trabalho manual, popular,
ilustrativo e, também, da impressão da matéria sobre a imagem. Nas xilogravuras, a partir de uma peça de madeira, se escava com
o ferro das goivas (ferramentas de corte) os veios que formarão as ideias e expressões do artista. O que permanece em relevo é o
que será impresso no papel. As características da madeira, do modo como o artista talha e dos resultados da imagem formam uma
unidade precisa e intencional: a mão, o trabalho, o esforço do artista são impressos junto à cena criada.
 Figura 14. Os Voluntários, de Käthe Kollwitz
As gravuras de Käthe Kollwitz, uma das únicas artistas mulheres citadas no Movimento Expressionista, primam pela deformidade,
pela redução de cores, pelo uso frequente do preto e do branco na representação da condição humana, no período da guerra, em
que o luto e sofrimento são temas recorrentes. A série de xilogravuras Krieg (Guerra) responde aos anos indescritíveis da tragédia
que abalou diversos artistas e, logo, impactou a sua maneira de expressar em imagens a compreensão do seu próprio tempo.
As composições em preto e branco trazem mulheres em situação de dor e medo e jovens combatentes, incluindo a perda de um de
seus filhos na guerra, como se estivessem experimentando a tradição das danças medievais da morte. Em outras gravuras, a morte
é representada na figura de líderes militares.
 SAIBA MAIS
No website do Museu Käthe Kollwitz, uma nota informa que uma das gravuras, Die Freiwilligen (Os voluntários), de 1921, mostra
seu filho Peter Kollwitz e seus amigos iluminados por raios de luz que emanam de suas cabeças convencidas que a defesa e o
sacrifício pela pátria são atitudes de fé. A gravura está disponível em duas versões.
 Figura 15. As Mães, de Käthe Kollwitz
Em 1933, o crítico de arte Mario Pedrosa (1900-1981) realizou uma conferência sobre a obra da artista no Clube de Artistas
Modernos, em São Paulo, aproveitando o momento político no Brasil para falar da arte como expressão crítica da realidade.
Pedrosa desenvolveu uma reflexão sobre a função social da arte ao tratar de temas tão impactantes e, ainda assim, o artista se
manter fiel à construção de uma realidade expressiva distanciada de manifestações ideológicas ou tendenciosas. Ele diz: “A guerra
de Kollwitz só tem sacrifícios anônimos e monstruosos, só tem viúvas a quem não resta mais nada, na miséria e na dor.”
DER BLAUE REITER (O CAVALEIRO AZUL)
Em 1911, o artista russo Wassily Kandinsky (1866-1944) funda em Munique (Alemanha) uma associação livre de pintores composta
por Paul Klee (1879-1940), Franz Marc (1880-1916), Heinrich Campendonk (1889-1957) entre outros artistas, interessados em
desenvolver uma arte não figurativa com referências espiritualistas de vertente oriental opostas às pesquisas racionalistas do
Cubismo. O nome do grupo se refere ao encantamento de Kandinsky por cavaleiros e Marc por cavalos, e ambos tinham fascínio
pela cor azul.
 Figura 16. Casal Cavalgando, de Wassily Kandinsky
 COMENTÁRIO
Embora o movimento não tenha definido um programa artístico, as obras apresentavam um princípio em comum: a comunicação
intersubjetiva, ou seja, de pessoa para pessoa sem o intermédio da natureza ou do mundo material. O foco estava na atividade da
alma humana e nos diferentes conteúdos semânticos contidos nos arranjos das formas e das cores.
No texto O efeito da cor (1911), Kandinsky comenta que o modo como estabelecemos nossa relação com a cor pode desencadear
uma série de sensações psíquicas que estão para além do contato visual que, na maioria dos casos, ocorre de uma maneira
superficial quando se trata de realidades familiares. Ele diz: “[...] os objetos com os quais deparamos pela primeira vez exercem
imediatamente sobre nós uma impressão que nos toca a alma.” O artista compara essa experiência com o encanto das crianças que
se deslumbram com as descobertas do mundo!
 SAIBA MAIS
Entre 1911 e 1912, Wassily Kandinsky e Franz Marc publicaram o Almanaque Der Blaue Reiter, um livro com xilogravuras pintadas a
mão e textos sobre a questão da forma e da cor.
O Museu Boijmans Van Beuningen exibiu uma edição excepcional do Der Blaue Reiter Almanac adquirido pelo escritor, historiador e
anarquista holandês Arthur Lehning.
 Figura 17. Gabriele Münter Pintando, de Wassily Kandinsky
Em suas pesquisas teóricas e práticas, Kandinsky estabelece alguns estágios de relacionamento com as cores. O primeiro estágio
seria a correlação entre as cores e as sensações ativadas pelo repertório de experiências e saberes que temos sobre elas. Ele
exemplifica: “a cor vermelha pode provocar uma vibração espiritual semelhante à da chama, pois o vermelho é a cor do fogo. [...]
Neste caso, portanto, a cor desperta a lembrança de outro agente físico que sem dúvida exerce um efeito pungente sobre a alma.”
Outro estágio é o da associação da cor a outros sentidos como paladar e tato, quando alguns tons rementem às sensações
quentes, frias, ásperas ou aveludadas. Nesse ponto, o artista considera que pensar sobre a harmonia das cores e o toque dos seus
efeitos na percepção sensível, especialmente no espírito, caracteriza um dos seus propósitos na arte.
 Figura 18. Nina Kandinsky in Akhtyrka, de Wassily Kandinsky
Após a primeira exposição do grupo em Munique, Kandinsky desenvolve uma longa reflexão sobre a forma como “matéria” que
“oculta o espírito criador”, considerando que a liberdade está na busca pelo caminho da abstração. Afirma: “A forma é a expressão
exterior doconteúdo interior”, ou melhor, a arte é expressão da alma, do espírito do artista que pode se dar de maneiras distintas.
Se essa expressão for elaborada a partir das referências já existentes no mundo concreto, essa liberdade criadora não acontece,
pois não há fórmulas, modelos ou padrões a seguir. Contudo reconhece que cada época imprime pelo menos três formas de
expressão: da criação do “elemento nacional”; do “estilo” e do “movimento”, do qual reconhece, neste último, a inter-relação dos
artistas dominados pelo “espírito da época”.
Na passagem do texto Sobre a questão da forma [1912] (2013), o artista é bastante enfático: “o mais importante não é a forma (a
matéria), mas o conteúdo (o espírito). [...] o mais importante não é se a forma é pessoal ou nacional, ou se tem estilo; nem se ela
corresponde ou não aos principais movimentos contemporâneos; nem se ela guarda ou não semelhanças com muitas ou poucas
outras formas. O mais importante, na questão da forma, é se ela se originou ou não de uma necessidade interior.” Para Kandinsky,
essa necessidade interior estava ligada diretamente a esta dimensão espiritual como realidade psíquica, não racional, tão
importante para a existência quanto a realidade física.
 Figura 19. Sonhador, por Wassily Kandinsky
A série Improvisação, de Kandinsky, e as pinturas de Klee que remetem aos grafismos infantis retomam o conceito de “primitivismo”
como estágio inicial da vontade de expressão do artista na construção de um vocabulário visual que toque, de outro modo, a própria
realidade.
Não há a necessidade de se reconhecer objetos, mas de se perceber o ritmo, o movimento, as desordens e tensões provocadas por
um arranjo de linhas, círculos, cores, curvas, espirais, triângulos como estímulos sensoriais capazes de ampliar a nossa experiência
com a arte.
Tanto na obra de Kandinsky quanto na de Klee é possível estabelecer uma relação com a música por causa da impressão rítmica e
sonora que as composições expressam. Suas obras nos convidam a uma interação. Há um aspecto lúdico importante a ser
considerado. Na obra de Klee, ao tratar da atividade gráfica da infância coloca em cena também a região do inconsciente,
apresentada pelas pesquisas de Sigmund Freud (1856-1939), como impulso expressivo, onde imagens e signos se conectam sem
obedecer à lógica racional.
No texto Credo criativo, de 1920, Paul Klee (2004) tem uma frase bem conhecida que diz: “A arte não reproduz o visível, mas torna
visível.” A construção dos elementos gráficos de sua obra conduz, nas palavras do artista, a uma “sinfonia formal” em que as linhas,
os planos, as estruturas e, especialmente, o espaço são operados pelo conceito de tempo.
 Figura 20. Women in their Sunday Best, de Paul Klee
 COMENTÁRIO
O artista continua a reflexão: “A transformação de um ponto em movimento e linha requer tempo. O mesmo ocorre quando uma
linha se desloca para formar um plano. E o mesmo vale para os planos móveis que formam espaços.” Constata que o movimento é
a base da transformação das coisas e a arte também contribui para essa percepção.
EXPRESSIONISMO
 Figura 21. Die Wölfe, de Franz Marc
A arte vanguardista é fortemente autoral como você deve ter percebido. Os autores passam a dialogar, mas ao mesmo tempo criam
suas expressões, sua própria maneira de discutir o mundo. Optamos por conhecer o Expressionismo circulando pela autoria e
propostas dos artistas. Afinal a ideia de que não existe arte, mas sim artistas é fundamento de nossas perspectivas.
Assista agora ao vídeo Sentindo o Expressionismo, que complementa as informação do módulo.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Diferenciar as principais ideias de cada movimento artístico: Fauvista, Cubista e Dadaísta
MOVIMENTOS FAUVISTA, CUBISTA E DADAÍSTA
A cidade de Paris, no final do século XIX e nas primeiras quatro décadas do século XX, foi um notável centro de produção,
exposição e circulação artística. Diversos artistas migravam para a cidade com o intuito de conhecer e estabelecer contatos com
outros artistas, escritores, filósofos, colecionadores, marchands, críticos de arte etc. Esses encontros ocorreram em diferentes
lugares, restaurantes, ateliês, exposições e, especialmente nos cafés do bairro Montparnasse, onde a École de Paris (Escola de
Paris) se reunia frequentemente.
 Figura 22. Fábricas em Eauplet, de Robert Antoine Pinchon
A École de Paris foi formada nos primeiros anos do século XX por diversos artistas franceses e de diferentes nacionalidades que
viviam na cidade, dentre os quais estavam o espanhol Pablo Picasso (1881-1973), os franceses Georges Braque (1882-1963), Henri
Matisse, Fernand Léger (1881-1955), André Derain e Pierre Bonnard (1867-1947), o italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) e Marc
Chagall (1887-1985) natural da Rússia.
O ambiente cultural cosmopolita produzido pelo grupo não determinava nenhuma diretriz estética, pois preservava a liberdade
artística como princípio fundamental. Os artistas filiados buscavam se atualizar sobre as tendências e revoluções na própria prática
e no modo de se expor as obras de arte. Nesse ponto, foi refúgio de diversos artistas que viviam sob regimes totalitários e, também
aqueles que queriam renunciar aos imperativos acadêmicos. Não foi uma instituição concreta, física, mas “abrigou” as ideias, as
inovações de importantes artistas da história da arte moderna europeia.
 SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a experiência da École de Paris, leia o artigo “École de Paris” – In and out of Paris
(1928-1930), de Annabel Ruckdeschel.
As expressões artísticas do fauvismo e do Cubismo, tendo Matisse, Picasso e Braque como principais representantes, tiveram início
nesse momento. Essa tríade, que Argan (2008) reconheceu como os três pilares da Escola e do mercado de arte, revolucionou a
tradição figurativa ocidental.
 Figura 23. Atirador de arco, de Vicente do Rego Monteiro
Vale notar que, em 1930, o artista brasileiro Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) e o crítico Géo-Charles (1892-1963)
organizaram uma exposição itinerante da École de Paris no Brasil. A exposição seria inaugurada em Recife e depois seguiria para
São Paulo e Rio de Janeiro. As obras de Picasso, Braque e Léger foram exibidas pela primeira vez no país.
Residindo na Europa há quase uma década, Monteiro pôde construir uma rede de amizades e contatos, entre colecionadores,
marchands e artistas o que possibilitou a ideia da mostra Exposição de Arte Francesa com o objetivo de apresentar ao público sua
obra ao lado “da pintura de meus companheiros da Escola de Paris, da qual fazia parte.”
Embora a mostra tenha apresentado um caráter inédito, a sua recepção se revelou um fracasso de visitação. Moacir dos Anjos e
Jorge Ventura Morais (1998), ao analisarem a recepção negativa dessa mostra em Recife, argumentaram que o desinteresse do
público pelos arlequins (s/d) de Picasso, por exemplo, não se referia à falta de acolhimento ou desdém, mas era “o resultado de uma
divergência entre os códigos culturais a que os quadros faziam referência” e o não reconhecimento da arte moderna, da qual o
público, que ali esteve presente, tivesse mais familiaridade.
Diferente dos outros movimentos, o Dada migrou para outros lugares em virtude dos impactos gerados pela Primeira Guerra
Mundial. Paris é uma das cidades onde essa vanguarda também se desenvolveu. Tristan Tzara (1896-1963), líder do grupo, chega
à cidade e se une a André Breton (1896-1966) e outros artistas e produzem uma série de manifestações dadaístas criticando,
inclusive, o modo como as outras vanguardas vinham se conformando no campo artístico. A partir de agora, veremos cada
movimento, suas principais ideias e artistas e os desdobramentos de cada proposta na prática artística.
 Figura 24. Retrato de Tristan Tzara, de Robert Delaunay
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TRISTAN TZARA
Tristan Tzara foi um poeta e ensaísta romeno de vanguarda, além de jornalista, dramaturgo, crítico literário e de arte, compositor e
diretorde cinema. Adquiriu maior notoriedade por ser um dos fundadores e figuras centrais do movimento Dadaísta. Integrou ainda,
a partir de 1919, a equipe da revista Littérature, o que representou o primeiro passo na evolução do movimento rumo ao
surrealismo.
MOVIMENTO FAUVISTA
 Figura 25. La Danse (segunda versão), de Henri Matisse
Como vimos, o fauvismo é associado ao movimento expressionista por partir da cor como expressão máxima da formulação de uma
linguagem artística e do compromisso com a pesquisa que Vincent van Gogh, Paul Gauguin (1848-1903) e Cézanne vinham
desenvolvendo quanto à construção do espaço pictórico cada vez mais distanciado da mimese da natureza.
O artista Henri Matisse é o nome de referência deste movimento que, segundo Argan (2008), sobreviveu física e emocionalmente às
duas guerras e não alterou sua pesquisa em virtude das dores e dos sofrimentos percebidos diante de tamanha catástrofe. A sua
linguagem artística permaneceu fiel a uma poética construída sobre as bases de uma simplificação das formas figurativas
acentuadas pela vivacidade das cores, dos tons e da expressão das suas próprias emoções.
A tradução de fauve significa fera e os termos são análogos a selvagem, feroz, bárbaro e passou a corresponder às pinturas que
apresentam uma potência mediada pela cor, tal como uma força apaixonada de uma sensação percebida. Além de Matisse, os
franceses Maurice de Vlaminck (1876-1958), André Derain, Othon Friesz (1879-1949), Georges Rouault (1871-1958), Albert Marquet
(1875-1947), Raoul Dufy (1877-1953) e o holandês Kees van Dongen (1877-1968) adotaram as ideias do fauvismo para a pintura.
Alguns desses artistas transitaram entre o impressionismo e o próprio fauvismo, mas sempre tendo a cor como fonte principal da
pesquisa formal.
Matisse sofre uma influência direta das obras de Gauguin que, assim como van Gogh, desenvolveu uma poética de trabalho
bastante singular, sobretudo quando decide sair de Paris no final do século XIX e firma residência no Taiti, à época, província
francesa. Na obra Vision after the Sermon or Jacob wrestling with the angel, de 1888 (Visão após o Sermão ou Jacó lutando com o
anjo), de Gauguin, a cor se apresenta emancipada da representação natural.
 Figura 26. Mulheres à beira-mar ou Maternidade I, de Paul Gauguin
O uso do vermelho na pintura é muito marcante. Cobre todo o plano de fundo e, pelas tonalidades, podemos associar a uma
situação de violência, de luta ou energia. É um vermelho bem marcante e mesmo que produza sensações que encontramos em
nosso cotidiano, a composição se distancia de uma tentativa de construir uma ilusão de realidade. No momento dessa pintura, ele
ainda se encontrava na França, mas longe da efervescência cultural parisiense. Embora o tema da obra seja religioso, a experiência
visual, logo sensorial encontra-se em primeiro plano no ato da observação.
 Figura 27. The Red Studio, de Henri Matisse
O vermelho saturado que cobre grande parte da pintura de Gauguin, também está presente na tela The red studio (Ateliê vermelho),
de 1911, de Matisse. Não são os mesmos tons, mas convergem para um ponto em comum: confundem os planos que constroem a
arquitetura do espaço. Percebemos que há um espaço insinuado pela relação entre os outros elementos da composição: linhas,
formas, texturas. Não há incidência de luzes ou sombras, assim como percebemos, ainda que sutilmente na obra de Gauguin.
A obra de Matisse não sofreu apenas o impacto das pesquisas de Gauguin, mas também de Cézanne, que trabalhou intensamente
na quebra da janela renascentista, ou seja, quando a composição é organizada segundo as leis da perspectiva linear, cujas formas
convergem para um ou mais pontos de fuga.
Para o artista, a tarefa da arte àquela altura era a de interpretar e submeter a natureza ao espírito do quadro e não o contrário,
copiá-la servilmente. Seus desenhos, por exemplo, revelam essa busca. Os contornos não obedecem à aparência externa do objeto
ou da pessoa representada, mas o que importa é a caligrafia construída a partir do que se vê independente da exatidão anatômica.
Essas pesquisas revisaram o único modo de se representar a realidade até aquele momento. Os objetos representados nesse
quadro podem ser vistos de diferentes ângulos, frontalmente, lateralmente e até do alto, como o prato e a caixa de lápis sobre a
mesa. Isso significa que o artista insere ângulos simultâneos em uma mesma cena e nos convida a observar a mesma pintura em
situações distintas e a refletir sobre as convenções artísticas.
Esse vocabulário visual seria absorvido também por Picasso e Braque com o Cubismo, que renunciaria cada vez mais ao
ilusionismo renascentista que se perpetuou durante tantos séculos. No entanto, antes mesmo de avançarmos para as obras desses
dois artistas, se pretendemos compreender as intenções do programa Cubista, algumas questões da obra de Cézanne ainda
precisam ser ressaltadas.
PAUL CÉZANNE
[...] O QUE HÁ POR TRÁS DO FENÔMENO NATURAL? TALVEZ, NADA;
TALVEZ, TUDO. PORTANTO, CRUZO ESTAS MÃOS ERRANTES. PEGO À
DIREITA, À ESQUERDA, AQUI E ALI, EM TODA A PARTE, AS SUAS CORES,
AS SUAS NUANÇAS; CONGELO-AS, APROXIMO-AS UMA DAS OUTRAS E
ELAS FORMAM LINHAS, TORNAM-SE OBJETOS, ROCHAS, ÁRVORES, SEM
QUE EU PENSE NISSO. ADQUIREM UM VOLUME. MINHA TELA APERTA AS
MÃOS, NÃO VACILA, É VERDADEIRA, É DENSA, É CHEIA.
A partir dessas palavras de Cézanne, citadas por Mario de Micheli (2004), percebemos que o uso das cores e das formas, em van
Gogh, não se aplica à prática de Cézanne, que investiu sua pesquisa pictórica na justaposição de formas e planos na superfície da
tela, no rompimento com uma perspectiva linear comentada há pouco. Argan (2008) conclui com a pesquisa de Cézanne que, “a
arte não é efusão lírica, é problema, e Cézanne era totalmente problemático.” O artista investiga o problema da forma no espaço
pictórico. A sua obra não apresentou conteúdos sociais ou políticos, mas provocou uma revolução nos códigos visuais e,
especialmente na tradição da pintura de paisagem.
 Figura 28. Les Grandes Baigneuses, de Paul Cézanne
A série de pinturas sobre o Monte Santa Vitória é fruto de uma pesquisa avançada sobre a prática da pintura e da visualidade. A
realidade é apresentada como uma estrutura, em que o objetivo principal é produzir uma visualidade e não apenas representá-la.
Esta petite sensation, à qual o artista se refere, foi formulada juntamente à construção de um pensamento analítico, racional,
expresso junto a cor como elemento estrutural. Percebemos o volume das formas pela densidade matérica da tinta, da pincelada e
da relação entre as cores que, postas lado a lado, produzem contrastes, delimitam formas ou convergem diluindo seus limites. Não
há a intenção de produzir emoções pelas escolhas dos tons. Podemos até sentir ao observarmos a pintura, mas esse não era o
objetivo do artista.
Os planos que compõem a paisagem de Cézanne se fundem com o ritmo impresso nas pinceladas, possibilitando novas
experiências visuais divergentes do ultra-acabamento das pinturas de paisagem do século XVIII, em que havia uma tentativa de se
reproduzir mimeticamente as cores e texturas observadas do mundo natural. O espaço é construído a partir de uma massa
cromática estrategicamente elaborada. Empastes e veladuras produzidas pela densidade da tinta e pelo gesto da pincelada
produzem uma ilusão de profundidade a partir dos contornos das formas geometrizadas que se organizam em meio a linhas
perpendiculares. E, dependendo da distância que tomamos da obra ou do zoom que podemos realizar na imagem, encontraremos
uma pintura figurativa ou abstrata.
 Figura 29. Mont Sainte-Victoire, de Paul Cézanne
 SAIBA MAIS
Desenvolvendo o tema da possibilidade de percepção abstrata em suas obras, Cézanne descreve ao pintor francês Émile Bernard,
em abril de 1904, o processo de construção da sua pintura: “abordar a natureza através do cilindro, da esfera, do cone, colocando o
conjunto em perspectiva, de forma que cada lado deum objeto, de um plano, se dirija para um ponto central. [...] Ora, para nós,
seres humanos, a natureza é mais em profundidade do que em superfície, donde a necessidade de introduzir nas nossas vibrações
de luz, representadas pelos vermelhos e amarelos, uma quantidade suficiente de azulado, para se fazer sentir o ar.”
Micheli (2004) resume: “No fundo, seu drama não era muito diferente de van Gogh; porém, enquanto em van Gogh a explosão dos
sentimentos acabara se sobressaindo, Cézanne comprimiria os sentimentos, encerrando-os numa definição formal.” Esta
desconstrução do espaço pictórico e a prática da pintura como questão central, na obra de Cézanne, irá influenciar a obra de
Picasso e o nascimento do Cubismo como um movimento revolucionário que impactou a tradição artística ocidental.
CUBISMO
A NOVA ESCOLA DE PINTURA É CONHECIDA COMO CUBISMO, NOME ESSE
FORJADO POR DECISÃO, NO OUTONO DE 1908, POR HENRI MATISSE, AO
CONTEMPLAR UM QUADRO REPRESENTANDO ALGUMAS CASAS, CUJA
APARÊNCIA CÚBICA O IMPRESSIONOU VIVAMENTE.
Estas palavras são de Guillaume Apollinaire (1880-1918), escritor e crítico de arte francês, reconhecido por teorizar o movimento no
livro Pintores cubistas: meditações estéticas, de 1913 (APPOLINAIRE, 1997).
Quando nos deparamos com uma pintura do Cubismo, podemos ter a mesma impressão que Matisse teve ao observar o quadro. À
primeira vista, as composições parecem ter sido criadas a partir de um conjunto de formas geométricas, no entanto, precisamos
compreender que essas pinturas investigam as formas a partir da sua realidade geométrica e não o contrário. É outro ângulo de
percepção. A natureza do Cubismo é essencialmente mental. Os temas são mero pretextos. O que interessava aos artistas era a
própria prática da pintura que poderia valer-se da memória e também do que era percebido pela própria visão diante de uma
realidade concreta.
 Figura 30. Vista da baía, de Juan Gris
O interesse dos artistas do Cubismo pelas formas e pelos volumes vinha da consciência objetiva da pintura de Cézanne. Os artistas
Fernand Léger, Juan Gris (1887-1927), Pablo Picasso e Georges Braque integraram as pesquisas cada um desenvolvendo seu
próprio método de trabalho. Perceberam a superfície da pintura como uma arquitetura, onde as formas e os planos são articulados
de outra maneira. Os objetos são representados de variados pontos de vista, como enunciamos em Matisse.
Tanto na pintura de Cézanne quanto dos artistas cubistas vemos que a perspectiva ganha outras soluções formais. Não olhamos
apenas para uma ou duas direções, mas para várias ao mesmo tempo. Foi uma ruptura com um modo de se construir a realidade
diante dos nossos olhos sem precedentes na história da arte.
Picasso entrou em contato com a retrospectiva da obra de Cézanne no Salão de Outono (Paris) em 1907. Um ano antes, havia
iniciado os estudos de Les demoiselles d’Avignon e concluiu a pintura no mesmo ano da exposição. Não por acaso, essa obra traz
as questões que colocávamos há pouco sobre o rompimento com a perspectiva linear reinventando a estrutura da composição em
planos que até sugerem uma lógica espacial, mas não mais em profundidade.
 Figura 31. Les demoiselles d'Avignon, de Pablo Picasso
Acrescenta-se ainda o modo como o artista representou o rosto das mulheres. Uma apropriação direta das sínteses encontradas
nos objetos, nas máscaras dos grupos étnicos africanos que tanto interessaram os artistas franceses àquele momento. As regras de
imitação, os fundamentos da perspectiva linear foram completamente suprimidos. Os volumes se encontram reduzidos, há ainda
incidência de luz e sombra sugerindo volume, mas o que perceberemos em algumas fases da pintura cubista é o seu total
desaparecimento.
 Figura 32. A Mulher que Chora, de Pablo Picasso
No Cubismo a composição nos remete a um quebra-cabeça, cujos planos ora estão justapostos, ora sobrepostos. As formas
parecem desmontadas, porém ao permanecer observando a imagem por alguns minutos, mesmo aparentemente desconstruídas,
identificamos a figura ali colocada. No entanto, a intenção não era estabelecer um jogo visual de montagem e desmontagem, mas
uma estratégia de rompimento com as convenções, com antigos sistemas de representação. Ao invés de iludir nosso olhar com a
tridimensionalidade, é a consciência da superfície da tela que ganha visibilidade, ou melhor, a própria pintura e não mais o tema
representado.
Para tanto, as formas necessariamente precisavam ser simplificadas ao seu máximo. No lugar de volumes, vemos linhas
horizontais, verticais, diagonais, curvas abertas que imprimem um ritmo, o que possibilita a observação da pintura em outras
direções. Em algumas pinturas, ao girarmos a imagem, observamos outro arranjo composicional.
 SAIBA MAIS
Picasso e Braque são considerados os pioneiros do movimento Cubista. Entre 1989 e 1990, o Museu de Arte Moderna de Nova York
(MoMA) organizou uma exposição com obras dos dois artistas, que se encontra disponível na página do museu. Acesse o site,
clique nas imagens da exposição Picasso and Braque: Pioneering Cubism e veja alguns destaques.
Outro dado importante é a redução da paleta de cores, pois o que interessa aos artistas e, especialmente a Picasso, é a estrutura
da linguagem artística criada junto a seus contemporâneos. O sorriso da Mona Lisa ou um violino estilhaçado são mais reais do que
tudo aquilo que se encontra fora da obra, pois não há nada mais concreto do que uma pintura ser compreendida pelo estado
sensível e racional dos nossos sentidos.
 Figura 33. Violin Melodie, de Georges Braque
Sobre esta revolução diante da tradição da arte que remonta pelo menos quatro séculos, concluiremos com o movimento Dada,
nomeado de antiarte pelos artistas, pois começou pela própria arte das vanguardas os seus protestos e as suas renúncias.
DADA
 Figura 34. Abstract Construction, de Marcel Janco
O movimento Dada nasce em Zurique, na Suíça, em 1916, com um grupo de artistas alemães e franceses refugiados da guerra.
Fundado por Hugo Ball (1886-1927), Jean Arp (1886-1966) - já reconhecido como artista por ter integrado o movimento Der Blaue
Reiter -, Tristan Tzara, Marcel Janco (1895-1984) e Richard Huelsenbeck (1892-1974). De todas as vanguardas, o Dada é o único
movimento que se estendeu às cidades de Nova York e Paris. No mesmo período, os artistas franceses Marcel Duchamp (1887-
1968) e Francis-Marie Martinez Picabia (1879-1953) migram para os Estados Unidos e, três anos depois, Tzara chega à França
divulgando as ideias dadaístas.
Você deve estar se perguntando sobre o significado da palavra Dada, certo? É possível que até hoje algumas hipóteses sejam
lançadas sobre a “descoberta” desse termo. Os próprios artistas insinuaram algumas probabilidades, mas o sentido do movimento
vinha da incompreensão e intolerância de um grupo que, reconhecendo a guerra como não tendo fim, revolta-se contra as
necessidades humanas que àquela altura soavam demasiadamente contraditórias. E essa reflexão incluía o próprio campo da arte.
Segundo Micheli (2004), Tzara, teórico do movimento, elege como epígrafe das publicações do movimento a seguinte frase do
filósofo, físico e matemático francês René Descartes (1596-1650): “Não quero nem saber se antes de mim houve outros homens.”
Isso significa que se instaurava àquele momento um desejo pelo novo rompendo radicalmente com tudo que correspondesse às
aspirações e convenções passadas. Por outro lado, foi um movimento que enfatizava sua própria inutilidade, indiferença e
espontaneidade da prática artística, mesmo se colocando contrário a qualquer definição de arte.
O Cabaret Voltaire, um café localizado em Zurique, concentrou diversos artistas das vanguardas e, especialmente as manifestações
artísticas do Dada. As noites do cabaré eram reservadas às movimentadas performances dos artistas. É um momento onde se
reconhece historicamente o nascimento da performance como arte, porém essa prática se oficializará como linguagem artística
somente nadécada de 1970 com as pesquisas da historiadora da arte RoseLee Goldberg, que narrou a história da performance
desde as manifestações das vanguardas artísticas até às práticas contemporâneas.
 Figura 35. Café Concert, de Marcel Janco
 SAIBA MAIS
Quer ter uma ideia de como eram as performances dadaístas? Procure assistir ao vídeo Dada and Cabaret Voltaire na internet.
Tzara, em uma conferência sobre o Dada, em 1924, responde sobre as pretensões do grupo que, de todas as vanguardas, foi a
proposta que mais exigiu uma tomada de posição dos artistas diante das contradições sociais, políticas e artísticas àquele momento:
“Não é a nova técnica que nos interessa, mas o espírito. Por que vocês querem que nos preocupemos com uma renovação
pictórica, moral, poética, literária, política ou social? Temos perfeita consciência que de que essas renovações de meios são
meramente sucessivos mantos de várias épocas da história, questões desinteressantes e de fachada. [...]” (TZARA, 2018).
 Figura 36. Von oben, de Hannah Höch
Como poeta e escritor, menciona que o Dada buscava uma maneira de responder aos absurdos do mundo. Nesse ponto, faz
sentido o uso da palavra que nomeia o movimento que foi encontrada por acaso em um dicionário e que, dependendo do seu
contexto cultural, pode conter significados distintos como o rabo de uma vaca, um cubo, uma mãe, um cavalo de madeira etc.
O encontro, aparentemente, aleatório da palavra que nomeia o grupo acabou se tornando um método de criação de poesias
dadaístas orientado por Tzara (1976) da seguinte maneira:
Os artistas produziram obras de arte, pinturas, esculturas, objetos, mas a circulação da palavra, dos manifestos, das ideias pelo
mundo era fundamental para a divulgação do movimento. Embora se considerassem aleatórios, seus atores eram estratégicos ao
promover o seu posicionamento diante da arte e da sociedade. Nos cartazes, mensagens como “Abra finalmente a sua cabeça.
Deixe-a livre para as exigências de nossa época”; “Abaixo a arte”; “Abaixo o intelectualismo burguês”; “A arte morreu”; “Dada é a
destruição voluntária do mundo burguês das ideias” promoviam o tom do grupo.
Marcel Duchamp, com uma trajetória singular na arte do século XX, simpatizava-se com o Dada, pois havia um aspecto niilista, ou
seja, uma descrença total que rompia radicalmente com as tradições e convenções sociais para libertar os artistas dos lugares
comuns, das zonas de conforto. Eram contrários às pesquisas que primavam apenas pela natureza formal, física da pintura sem
problematizar o próprio ambiente da arte atravessado pela guerra. Como pensar apenas na pintura como um problema formal se o
mundo desmoronava com a grande guerra?
 Figura 37. The Chess Players, por Marcel Duchamp
No entanto, Duchamp se distancia desta posição de revolta e acabou não produzindo ideias novas para a prática da arte. Sofreu
mais influências do Cubismo do que do Dada, mas provocou uma reflexão oportuna e, por vezes, excêntrica sobre o posicionamento
dos artistas absorvidos pelo próprio sistema da arte.
Em 2006, o Museu de Arte Moderna, de Nova York, sediou a primeira exposição organizada pela National Gallery of Art concentrada
no grupo. Nomeada simplesmente de “Dada” reuniu as obras dos principais integrantes do movimento: Sophie Taeuber-Arp (1889-
1943), Hans Arp (1886-1966), Marcel Duchamp, Max Ernst (1891-1976), Raoul Hausmann (1886-1971), Hannah Höch (1889-1978),
Francis Picabia, Kurt Schwitters (1887-1948) entre outros artistas. Atualmente, ao passarmos o olho pelas imagens da exposição e
por algumas obras em destaque, não notamos toda essa irreverência. São pinturas abstrato-geométricas, colagens, altos-relevos de
formas orgânicas, máscaras, marionetes, esculturas, objetos etc. Porém, ali estavam exibidas propostas artísticas que renunciavam
às técnicas artísticas tradicionais e ao uso de materiais e objetos da produção industrial.
 Figura 38. The Gray Day, de Georg Grosz
A crítica dadaísta era mais ampla. Voltava-se para a cultura capitalista, burguesa e os valores da sociedade moderna. Não por
acaso, vemos diversos movimentos artísticos contemporâneos remeter à experiência dadaísta justamente por ter sido uma das
vanguardas mais contestadoras.
 COMENTÁRIO
Duchamp reproduz a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, de bigodes em L.H.O.O.Q (1919) e cria uma série de instalações que
nomeou de ready-mades a partir de objetos encontrados em lojas ou em quintais. Altera a posição, a apresentação de uma roda de
bicicleta, de um mictório, de uma pá de neve e apresenta como uma obra de arte. Segundo a análise de Argan (2008), “não há um
procedimento operativo, e sim uma alteração de juízo, intencionalmente arbitrária. [...] Para os dadaístas, o ambiente não traz em si
qualquer qualidade estética, mas cada qual pode interpretar e experimentar esteticamente, isto é, livremente, as coisas que o
compõe, desviando-as da finalidade utilitária que lhes é atribuída por uma sociedade utilitária.”. Para o historiador da arte, os ready-
mades ofereciam um modelo de comportamento diante da arte liberto de qualquer regra ou condicionamento cultural.
DISTINGUINDO MOVIMENTOS
Esses movimentos fazem parte de um grande momento para a arte, mas muito triste para a humanidade. A pressão das guerras, a
crítica à fragilização humana e a destruição e atrocidades promovidas levaram o homem a mergulhar sobre si, criticar seu mundo e
transformar a arte em uma forma densa de crítica e reflexão social.
Ao distinguirmos as proposições, conseguimos perceber o que as aproxima: compromisso com a sociedade e as distinções
estruturadas pelos grupos e principalmente pelos artistas.
No próximo módulo, faremos uma aproximação de como esses movimentos nos levam e se materializam também no Brasil.
Assista agora ao vídeo A Arte da Guerra? A Arte sofrendo e lutando contra a Guerra!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Identificar as influências do Programa Pedagógico e Artístico da Bauhaus no Brasil
BAUHAUS
Dos processos de reconstrução da Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial, a criação da Bauhaus, em 1919, pelo arquiteto
alemão Walter Gropius (1883-1969), na República de Weimar, foi de grande importância, não somente para o campo da arte, da
arquitetura e do designer, mas também para a educação artística. O programa metodológico previa uma reforma da linha
academicista presente na educação alemã, cujas atividades ali desenvolvidas deveriam acompanhar o mundo do trabalho.
 Figura 39. Memorial aos que caíram em março, projeto do arquiteto Walter Gropius, no Cemitério de Weimar, na Alemanha
A história de Gropius encontra-se entrelaçada à própria razão da primeira escola de design existir diante da crise política que a
Alemanha vivia no pós-guerra. Sua obra respondeu com otimismo aos processos de reconstrução social por meio de uma lógica
construtiva ao mesmo tempo em que reconheceu seu pleno colapso àquele momento. Por esse motivo, seu projeto previa uma
intervenção artística e, sobretudo pedagógica. Para tanto, renovou radicalmente toda uma metodologia empregada na arquitetura e
no desenho industrial, conjugando dessa forma as atividades didáticas e artísticas.
 COMENTÁRIO
A crise social e política também impactaria os projetos artísticos e arquitetônicos. Ao contrário de Le Corbusier, um dos expoentes e
defensores de uma arquitetura racionalista que pudesse resolver problemas urbanísticos, Gropius desenvolveu um método de
trabalho, tendo a racionalidade como base, mas para localizar os problemas e pensar nas soluções. A racionalidade como meio e
não como fim. Podemos inclusive observar com a Bauhaus e, também, com os programas das outras vanguardas uma vontade de
ressignificar a função da arte nas mudanças que vinham ocorrendo na sociedade. Argan (2010) ressaltou que neste momento, “toda
eventual retomada artística deveria necessariamente se fundar sobre uma nova concepção do valor da existência e da organização
humana.”
O significado da palavra Bauhaus é “casade construção”. E, nesse sentido, teve como finalidade desenvolver uma relação entre
arte e indústria sob parâmetros democráticos em que professores e estudantes construiriam, em colaboração, as pesquisas e os
projetos dos cursos que tinham uma natureza interdisciplinar. Argan (2008) nos chama a atenção para a razão democrática da
escola, uma vez que o compromisso dos artistas era preponderantemente social, logo político.
 Figura 40. Conjunto Habitacional Törten, na cidade de Dessau, na Alemanha
A escola foi planejada por Gropius como um centro funcional de formação da sociedade com foco na questão do urbanismo, do
planejamento da cidade do micro para o macro, ou seja, do projeto da casa, da mobília, dos objetos a um plano urbanístico maior. O
vasto campo da comunicação visual e da cidade estava no escopo do programa da Bauhaus que atuava em todas as escalas:
urbana, construção civil, desenho industrial e da expressão artística permeando todas essas esferas. Um programa que partia da
esfera individual para a coletiva. Diferentemente da proposta dos ready-mades, a forma (estética) e a função dos utilitários deveriam
estar no mesmo projeto de criação.
A forma predominante é a geométrica que funciona como um padrão a ser reconhecido por qualquer pessoa pela sua familiaridade.
Não há um signo, uma simbologia, um significado a ser codificado para seu uso ou sua apreciação. O que modula são as
combinações entre as cores e, nesse sentido, podem produzir diferentes sensações e experiências visuais. A cor, como estrutura
espacial, tal como vimos em Cézanne; porém, nesse caso, aplicada a objetos e ambientes.
 Figura 41. Bauhaus Stairway, de Oskar Schlemmer
A didática da Bauhaus prima por uma racionalidade advinda de um pensamento que procurou responder às experiências da vida, da
relação com o mundo. Não se trata de uma atividade mecânica própria da rotina industrial, mas da arte como mediadora do estado
racional e sensível na criação de meios que não se distanciassem de uma consciência social e política.
Oskar Schlemmer (1888-1943) foi um artista alemão plural; convidado por Gropius para compor o corpo docente da escola,
ministrou aulas de pintura, escultura, design e, também, artes cênicas. Coreografou Das Triadisches Ballett (Balé triádico), de 1922,
considerado um de seus trabalhos mais importantes, e desenhou seus figurinos com formas cônicas, cilíndricas, esféricas e
espiraladas. O termo “triádico” se refere à divisão do balé em três atos, com três bailarinos e três cores. Essa experiência influenciou
suas pinturas, que passaram a apresentar mais volume, profundidade e movimento.
 Figura 42. Crystal Gradation, por Paul Klee
Além de Schlemmer, outros artistas ministraram aulas na escola como Paul Klee, Wassily Kandinsky e os arquitetos Mies van der
Rohe (1886-1969) – que inclusive assumiu a direção da Bauhaus com a saída de Gropius em 1928 – e Frank Lloyd Wright (1867-
1959).
A partir de 1925, a escola funcionou em Dessau e, depois de 1932, em Berlim. Por determinação do regime nazista, a Escola foi
fechada definitivamente em 1933. Houve uma migração de professores e estudantes para outros países como Inglaterra, Israel,
México e Estados Unidos, sendo este último o principal difusor de centros de educação formal com base nos seus métodos
desenvolvidos por artistas refugiados como László Moholy-Nagy (1895-1946) e Josef Albers (1888-1976).
INFLUÊNCIAS DA BAUHAUS NO BRASIL
 Figura 43. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Alfred Barr (1902-1981), então diretor do MoMA NY, realizou visitas à escola em Dessau, reconhecendo a sua importância para a
educação, sobretudo para os métodos de ensino de história da arte moderna integrada a outras práticas, tais como a pintura, a
escultura, a fotografia, as artes gráficas e o cinema.
A presença de Gropius nos Estados Unidos, como diretor do curso de arquitetura da Universidade de Harvard, onde se estabeleceu
após a ascensão do nazismo na Alemanha, e a sua vinda ao Brasil para a 2ª Bienal de São Paulo, em 1953, tendo uma sala
especial dedicada à arquitetura, demarcam a presença e as influências da Escola no país.
A exposição Bauhaus: 1919-1928 organizada pelo MoMA NY, em 1939, popularizou as ideias da escola alemã sobre o par
arquitetura/design, além de ser utilizada como referência para a estruturação dos departamentos multidisciplinares do museu e de
escolas americanas de design.
Houve algumas filiações às ideias da Bauhaus, no Brasil, manifestadas nas décadas de 1920 e 1930, como por exemplo, o projeto
da residência (1927) do arquiteto Gregori Warchavchik (1896-1972), considerada por muitos historiadores de arquitetura moderna
como a pioneira dos princípios construtivos. O mobiliário residencial (1932) criado por Lasar Segall (1889-1957) também nos indica
esta proximidade formal e a introdução do concreto armado, tendo a Alemanha como pioneira no seu uso, dos arquitetos Alexander
Siegfried Buddeüs e Alexander Altberg (1908-2009). Este último, ex-aluno da Bauhaus, em Weimar, organizou, junto aos arquitetos
Alcides da Rocha Miranda (1909-2001) e João Lourenço Silva, o I Salão Internacional de Arquitetura Tropical (1933) no Rio de
Janeiro, cuja organização intentava deflagrar definitivamente na capital federal um movimento antiacademicista pela “racionalização
da arte de construir em nosso país.”
O catálogo do Salão trazia um texto de Walter Gropius, além de uma fotografia da Bauhaus, em Dessau, acompanhada da legenda
“fechada pela situação política”. A revista Base de arte, técnica e pensamento (1933) foi editada por Altberg que, segundo Pedro
Moreira (2005), foi “ao mesmo tempo seu editor, financiador, designer gráfico, ilustrador, autor, ‘curador’ de textos e – por motivo de
redução de custos – até mesmo tipógrafo.”
 Figura 44. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
O periódico tinha o propósito não só de compartilhar conteúdos sobre arquitetura e design, mas apresentar-se como uma revista
moderna, no sentido estético e funcional. A abertura da primeira edição foi escrita por Mário de Andrade (1893-1945) que trazia em
suas palavras o fomento à integração da arte à vida, considerando os problemas de ordem estética aproximados às questões
científicas, tecnológicas e sociológicas. Nas suas palavras: “Hoje a arte quer penetrar nos escaninhos mais ásperos da vida coletiva;
entra nos laboratórios, nos hospitais, nas fábricas, nunca se fez tanta arte no mundo [...]” (MOREIRA, 2005).
 Figura 45. Biblioteca da FAU-USP
Na década de 1950, a primeira iniciativa diretamente associada à Escola, foi do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
(MASP) na criação do Instituto de Arte Contemporânea (IAC). A arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) e Pietro Maria Bardi (1900-
1999), então diretor, coordenaram as atividades durante apenas dois anos (1951-1953), tendo como objetivo formar jovens artistas a
serviço das demandas da indústria nacional. Esperava-se que os objetos de design correspondessem ao gosto e ao progresso com
ênfase à racionalidade.
O envolvimento com as ideias da Bauhaus no país se deu mais pela via da citação e da adaptação ao contexto artístico e social,
sobretudo carioca que aqui se desenvolveu, do que uma apropriação direta. Observamos que alguns princípios metodológicos
foram incorporados pelos cursos teóricos e práticos, como o ateliê de pintura de Ivan Serpa (1923-1973), por exemplo, mas que não
se restringiu aos seus domínios e, que, sob a formulação teórica de Mario Pedrosa (1900-1981), a dupla arte e sociedade deveria
vincular-se aos propósitos da criação como revolução ética e estética. Mas a absorção de um projeto político pedagógico baseado
em ideias socialistas e comunistas, alternativo aos avanços de um capitalismo industrial, não teria campo imediato no contexto
brasileiro, colonizado pela cultura capitalista americana, que acabou absorvendo ou recepcionando conferências sobre a Bauhaus
na intenção de se formar tecnicamente o artista nos fundamentosdo design.
VANGUARDAS E O MUNDO
As vanguardas europeias foram uma via importante de consolidação do domínio europeu, ainda que tenham experimentado a crise
das guerras, permaneciam fortes nas décadas seguintes. O movimento Bauhaus é excelente para explicar essa disseminação nos
projetos de arte no mundo!
A cidade de São Paulo, no Brasil, tentando ser um espaço mais industrial e artisticamente moderno, mergulhou, uma vez mais,
nessas vanguardas.
Esses movimentos não se limitam geograficamente, tampouco temporalmente. Suas formas e proposições estão vivas e
disseminadas ainda nos dias atuais. Veremos isso a seguir quando conheceremos um dos mais notórios movimentos vanguardistas:
o Surrealismo.
Assista agora ao vídeo Bauhauss: a arte e a influência.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
 Resumir os principais aspectos sobre o movimento surrealista
SURREALISMO
“Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação” escreve André Breton (2020),
escritor francês, poeta e teórico do Manifesto Surrealista (1924). Além das suas atividades intelectuais, Breton estudou Medicina e
se formou em Psiquiatria, e teve contato com as teses de Sigmund Freud sobre a investigação do inconsciente como uma região da
psique e com o encarceramento das pessoas consideradas loucas nos hospitais psiquiátricos.
 Figura 46. A Desintegração da Persistência da Memória, de Salvador Dalí
Sabemos que a desorganização mental de muitas dessas pessoas produzia sofrimentos, mas também impulsos criativos, vide o
Museu do Inconsciente criado pela Dra. Nise da Silveira (1905-1999) que abriga um acervo extraordinário de obras de arte dos
internos da Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional na cidade do Rio de Janeiro.
A poética surrealista representa essa natureza ambígua, pois responde às inquietações de um grupo de artistas e teóricos que
estavam atentos à sua própria realidade e ao mesmo tempo às estruturas repressivas, incongruentes, que interviam na saúde
mental das pessoas. As propostas artísticas desse movimento buscavam investigar e apresentar a condição humana na sua
dimensão profunda, inconsciente, orientada, por vezes, por uma dimensão onírica.
DRA. NISE DA SILVEIRA
Psiquiatra brasileira que recriou dinâmicas de tratamento de pacientes internados com o uso da arte para as doenças mentais.
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 Figura 47. Equação de Shakespeare: décima segunda noite, de Man Ray
A composição, o conjunto da obra, pode nos causar uma confusão mental entre o que parece real ou ilusório, mas esta é uma das
maiores habilidades dos artistas desse movimento: Salvador Dalí (1904-1989), René Magritte (1898-1967) e Man Ray (1890-1976)
estimularam os limites da razão e da irracionalidade. A técnica usualmente utilizada foi a trompe-l’oeil (pintura a óleo) que
possibilitou a construção de imagens com uma expressão figurativa bastante verídica, porém subvertida das coisas do mundo
concreto.
Até onde conseguimos compreender o que está sendo exposto? Tal como os sonhos, as imagens se justapõem, as temporalidades
– passado-presente-futuro – se fragmentam, se embaralham, se desconectam. Não é possível compreender racionalmente todos os
pormenores de uma pintura surrealista. Os historiadores da arte nos orientam com as suas interpretações e análises, mas o
mecanismo psicológico ou as particularidades presentes na subjetividade de cada artista nos parece poder ser acessadas até certo
ponto.
 Figura 48. Subúrbios de uma Cidade Paranoica Crítica, Tarde na Periferia da História Europeia, de Salvador Dalí
Outra possibilidade que a pintura surrealista nos oferece é o reino das maravilhas, do fantástico, liberto de qualquer princípio de
realidade concreta e debilitada. Ao violar as leis da coerência e da lógica, operações criativas colocadas nas fotomontagens, nas
pinturas, nas esculturas e nos objetos divertem nossos sentidos e nos conduzem a outras esferas da imaginação e da reflexão do
artista diante do mundo.
BRETON
Breton definiu o Surrealismo, na sua primeira fase, ainda como linguagem: “é automatismo psíquico puro através do qual nos
propomos exprimir tanto verbalmente quanto por escrito ou de outras formas o funcionamento real do pensamento; é o ditado do
pensamento com a ausência de todo o controle exercido pela razão, além de toda e qualquer preocupação estética e moral”
(BRETON, 2020).
Mas o que significa a palavra automatismo neste contexto artístico? Diferentemente do Dada, que também praticava o automatismo
na construção de poesias, no Surrealismo esse exercício ganha uma dimensão conceitual. Para o escritor, a estrutura do
pensamento é revolucionária na medida em que a mecânica psíquica inicial não obedece ao reino da lógica. Porém, para fins de
organização mental, criamos métodos racionais a fim de obter algum acesso, controle e domínio daquilo que nomeia de “profundeza
do espirito” ou “inconsciente”.
Em paralelo ao lançamento do Manifesto, os artistas e escritores franceses lançaram a revista La Révolution Surréaliste. Foram
doze edições no total, publicadas entre 1924 e 1929, com poesias, textos, reflexões sobre o movimento, relatos de sonhos, escritas
automáticas. Tratavam de temas tabus como sexo, morte, violência, políticas partidárias, mas também incluíam reproduções de
obras de arte. Alguns temas provocaram escândalos como a terceira edição que trazia um texto do poeta, dramaturgo e ator Antonin
Artaud (1896-1948) sobre o fim da era cristã e a repressão dos corpos causada pela moralidade religiosa.
SEGUNDA FASE DO MOVIMENTO
Na sua segunda fase, a prática surrealista parte desta lógica, mas sem a dimensão mecânica do automatismo, e inicia um percurso
pela própria estrutura do pensamento manifestada nos objetos que passam a revelar a própria experiência surrealista.
Veremos o sonho e a realidade física em um mesmo arranjo formal. Mesmo que as pinturas expressem uma aparente desconexão e
sentido, as escolhas do artista possuem uma lógica, uma razão, um sentido no momento em que medita sobre a criação da obra.
 Figura 49. Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar, de Salvador Dalí
 EXEMPLO
 Figura 50. L'Énigme d'un après-midi d'automne, de Giorgio de Chirico
Um exemplo é o testemunho do artista italiano Giorgio de Chirico (1888-1978) sobre o quadro Enigma de uma tarde de outono, de
1910: “Numa radiosa tarde outonal eu estava sentado num banco no meio da Piazza Santa Croce, em Florença. Não era, claro, a
primeira vez que via aquela praça. Acabava de sair de uma prolongada e dolorosa enfermidade intestinal e achava-me num estado
de sensibilidade quase mórbida. Todo mundo, até o mármore dos edifícios e dos chafarizes, parecia-me estar convalescendo. No
meio da praça ergue-se uma estátua de Dante envolto num longo manto, segurando suas obras junto do corpo, a cabeça coroada
de louros inclinada pensativamente para a terra. A estátua é em mármore branco, mas o tempo deu-lhe um matiz cinzento, muito
agradável ao olhar. O sol de outono, cálido e pouco suave, iluminava a estátua e a fachada da igreja. Tive então a estranha
impressão de que estava olhando para todas aquelas coisas pela primeira vez, e a composição do meu quadro me veio à mente.”
(DE CHIRICO, 2020)
No texto de 1912, Meditações de um pintor, Chirico constata que a obra mencionada é um enigma para ele, pois não consegue
explicar a revelação súbita dessa imagem. Constata que todas as vezes que observa o quadro rememora àquela ocasião. A
sensação de estranhamento diante de tudo, que até o momento era bastante familiar, dialoga com a experiência onírica, tal como
sonhamos com alguém que conhecemos, mas no sonho não é a mesma pessoa de nossa realidade.
O artista vai considerar que uma obra de arte é a prova de uma “realidade metafísica”, isto é, uma realidade capaz de ser produzida
a partir do nosso espírito, de uma dimensão misteriosa dos nossos mecanismos internos independentes da relaçãoque
estabelecemos com o mundo concreto. Ele diz: “o que conta é apenas o que meus olhos veem quando estão abertos, e mais ainda
quando estão fechados.”
Na esteira de Chirico, Breton também refletiu sobre a importância do ver, mas provoca uma distinção da prática do olhar. Para o
escritor, o ato de ver dependia da ativação de distintos graus de sensações, da realidade e, sobretudo da necessidade de se
revolucionar a relação secular estabelecida entre a imitação e a criação para a fixação de imagens visuais. Afirma que foi um erro
considerar que toda obra de arte é resultado de um único modelo tomado da realidade exterior. Constata enfaticamente, quatro anos
após a publicação do Manifesto Surrealista, que a obra plástica, para atender à necessidade de revisão absoluta dos valores reais,
se referirá, pois, a um modelo puramente interior ou deixará de existir. Esse “modelo interior” do qual se refere também está
associado ao compromisso e à responsabilidade dos artistas com o seu próprio tempo e ao alcance revolucionário que
determinadas obras poderiam ter.
Argan (2008) considera que o Surrealismo foi um contraponto à agenda racionalista dos movimentos construtivistas, especialmente
a vanguarda russa que integrou os programas políticos de reconstrução e reforma das estruturas sociais. A experiência surrealista
decidiu ironizar o que considerava escandaloso e irremediável na sociedade burguesa.
A aplicação do sarcasmo e uma dose de irracionalidade e desordem consciente nas obras de arte dos surrealistas advinha das
performances desinibidas dos dadaístas que se propuseram a agir do mesmo modo, tão irracional quanto as catástrofes provocadas
pelos conflitos mundiais. Se a vida se apresentava tão absurda àquele momento, por que a arte não poderia reagir de forma
incoerente a um sistema de valores tão contraditório? Há um jogo de verossimilhanças e incongruências da própria estrutura social
que se revela tanto na produção artística do Dada, como nas obras do Surrealismo.
Em 1931, Dalí, artista catalão que vai morar em Paris, sugere aos surrealistas uma proposta coletiva e experimental, onde enumera
e sistematiza uma série de itens a serem desenvolvidos pelos artistas considerando todas as ações que se adequam a uma prática
surrealista, tais como:
Descrever a transcrição de devaneios

Produzir experiências relativas ao conhecimento irracional das coisas

Desenvolver um estudo coletivo da fenomenologia

Criar uma escultura automática

Descrever oralmente os objetos percebidos pelo tato etc.
Esses exercícios propunham alterar o modo como percebemos as coisas ao nosso redor. Compreender como os objetos operam
simbolicamente.
Nesse caminho, o artista se interessou pela produção de pinturas de paisagens naturalistas, porém o conteúdo de suas obras não
era nem um pouco naturalista. Observe The Persistence of Memory, de 1931.
 Figura 51. A Persistência da Memória, de Salvador Dalí
À primeira vista identificamos uma paisagem árida, desértica, com o mar ou uma lagoa ao fundo. Há uma predominância de tons
terrosos e azulados. A incidência de luz sobre os objetos nos remete a um fim de tarde. E é nesse ponto que o reconhecimento da
imagem começa a ganhar outras impressões quando tocamos na questão do tempo. É possível identificar quatro relógios: três deles
parecem derreter ou amolecer; o único supostamente íntegro é o que está invertido sobre a mesa, coberto por formigas. Parece um
relógio de bolso ou algo semelhante. O que constatamos é que se trata de um objeto de metal e, então, é possível estabelecer uma
relação com a passagem do tempo que, àquela época, alterava-se com a cultura industrial.
Há ainda uma forma estranha que está embaixo de uns dos relógios “moles”. Para alguns historiadores da arte, trata-se de uma
alusão ao autorretrato do artista, pois é possível reconhecer um olho com cílio e até mesmo o nariz. É uma situação onírica, sem
dúvida, mas revela o quanto os artistas estavam interessados em subverter a lógica e, esta pintura, especialmente, o tempo lógico
do sujeito. O que isso quer dizer?
No ato de observar a pintura:
A primeira etapa é decodificar seus elementos como fizemos há pouco.
Em um segundo momento, os estranhamentos causados pela representação de algumas figuras nos provocam uma pausa
para começarmos a pensar, a lançar conjecturas sobre o que significa. Dedicamos um tempo para compreender a obra,
experiência esta que também se encontra na lógica das relações onde algumas circunstâncias podem ser compreendidas
imediatamente ou muito tempo depois.
Em um terceiro momento, tentamos chegar a algumas conclusões para dar uma forma coerente às nossas impressões. O que
ocorre é que com as obras surrealistas esta última fase pode nunca ocorrer e é nesse ponto que o seu sentido começa.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Múltiplas interpretações podem ser feitas, assim como acontece com os sonhos. Nunca chegamos a uma conclusão definitiva. A
pintura surrealista encontra-se no campo da imaginação.
CHAGALL
 Figura 52. Acima da Cidade, de Marc Chagall
Marc Chagall era contrário às palavras “fantasia” e “simbolismo” para definir superficialmente as pinturas surrealistas, pois para o
artista o mundo interno é realidade. Considerava sua pintura “abstrata”, pois partia de uma comunhão de cores, formas e elementos
bem particulares. Ao chegar em Paris, em 1910, entra em contato com as cores dos fauves, mas nota o domínio da pintura cubista
no meio artístico. Não se identifica com aqueles excessos de racionalismo como princípios da composição, mas absorve e adapta-
se a algumas soluções formais do Cubismo.
Argan (2008) define a obra de Chagall como uma “fabulação visual” onde o espaço pictórico é construído com uma “perspectiva
arbitrária”, ou seja, uma organização meio absurda, impossível das figuras nos planos, em que não há uma ordem lógica para a
disposição das coisas e, ao mesmo tempo, há um lirismo encarnado no modo como constrói os personagens, criaturas fantásticas,
que dão vida às suas histórias. Os temas populares das obras do artista, em grande parte, pertenciam à sua memória visual.
Vinham da sua terra natal, Bielorrússia, à época pertencente ao Império Russo.
Chagall criticou a associação das pinturas surrealistas à primeira fase do automatismo, pois, mesmo que a narrativa dos seus
quadros pareça ilógica, suas composições não obedeciam a esses métodos. O mesmo ocorre com René Magritte. Suas pinturas
são verdadeiros enigmas meticulosamente calculados.
A pintura A traição das imagens, de 1929, de Magritte, também conhecida como Ceci n’est pas une pipe (Isto não é um cachimbo),
diverte e ao mesmo tempo nos coloca em reflexão sobre a tradição da pintura. Vemos uma pintura realista de um cachimbo, quase
ilustrativa, e logo abaixo a afirmação de que não se trata de um cachimbo. Pois, de fato, não é um cachimbo, mas a representação
de um cachimbo. É uma pintura, porém ao mesmo tempo, acreditamos que se trata de um cachimbo pela veracidade da imagem.
Então, devemos guiar nosso pensamento para a imagem ou para a frase que a nega? O que mais chama a sua atenção? A figura
ou o texto? Perceba que a ideia do cachimbo se apresenta duplamente na pintura: pelo seu aspecto simbólico, icônico e linguístico
pela palavra pipe.
 Figura 53. A traição de imagens [isto não é um cachimbo], de René Magritte
 Figura 54. O Cultivo de Ideias, de René Magritte
A obra de Magritte opera o tempo todo em torno dessas provocações que também têm a finalidade de discutir os ilusionismos e a
relação entre realidade e ficção construída ao longo de toda uma tradição artística.
Assista agora ao vídeo Surrealismo para o Mundo Irreal.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este estudo, conhecemos por meio dos movimentos e de algumas práticas artísticas as principais ideias que mobilizaram as
revoluções do pensamento artístico nas primeiras décadas do século XX.
Compreendemos de

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