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Semiologia – Sistema Respiratório Ruídos adventícios • CASO CLÍNICO Paciente 5 anos de idade, sexo masculino, é trazido pela mãe ao pronto aten- dimento com relato que o filho está “muito cansado”. Há cerca de uma semana começou a apresentar “chiado no peito”, inicialmente durante o sono, com cri- ses progressivas durante o dia. Hoje estava chiando desde que acordou e co- meçou a respirar mais rápido que o normal, o que levou a mãe a procurar aten- dimento. Sem outras queixas. Ao exame apresenta-se sonolento, com discreta cianose labial, afebril. SCV: RCR2T, sem sopros, pulsos cheios, perfusão perifé- rica 3 segundos. FC: 138 bpm. FR: 40 irpm, com retração intercostal e de fúrcu- la esternal. Sons respiratórios inaudíveis. Abdome livre. Qual sua principal hipótese diagnóstica? Como interpretar a ausculta respirató- ria desse paciente? •INTRODUÇÃO A ausculta torácica é a principal parte do exame do aparelho respiratório. A vi- bração do ar chegando e saindo das vias aéreas produz um som característico denominado “murmúrio vesicular” ou “sons respiratórios fisiológicos”. Esse som fisiológico ainda pode ser diferenciado entre bronquial, vesicular e broncovesi- cular, de acordo à região das vias aéreas onde é encontrado. Essa parte do e- xame é realizada com auxílio do estetoscópio, preferencialmente utilizando seu diafragma, posicionando-o em todo o tórax do paciente com o objetivo de ouvir a maior área pulmonar possível. Os “ruídos adventícios” são qualquer som anormal audíveis na ausculta, que não representam os sons respiratórios fisiológicos ou a ressonância vocal. Es- ses sons são formados por um fluxo anômalo do ar, geralmente secundário ao acúmulo de secreções ou à obstrução brônquica. Logo que começaram a ser estudados surgiram diversas terminologias para esses sons anormais, o que tornavam seu estudo ainda mais difícil. Atualmente sabemos que os mecanis- mos de formação desses sons são limitados, o que permitiu dividi-los em dois grandes grupos: os sons contínuos e os descontínuos. Assim como na ausculta cardíaca, os sons anormais encontrados durante a ausculta respiratória devem ser classificados quanto a sua fase e duração no ciclo (nesse caso no ciclo respiratório), utilizando as terminologias inspiratório e expiratório para as fases. Também devem ser testados fatores de piora ou me- lhora dos sons, como serão discutidos a seguir. • RUÍDOS DESCONTÍNUOS OU CREPITAÇÕES OU ESTERTO- RES São sons explosivos e de curta duração (<20ms). Podem ser divididos de acor- do com sua fisiopatologia em: 1) Estertores grossos ou bolhosos O som se assemelha ao de soprar um líquido com um canudo e é formado pela presença de secreções nas grandes vias aéreas, como ocorre em pacientes com rebaixamento do nível de consciência e abolimento do reflexo de tosse, que aspiram secreção; edema agudo de pulmão; bronquite crônica; bronquiectasias; e algumas pneumonias em fase final. Podem ser audíveis na inspiração e na expiração (mais comuns na segunda), de forma contínua ou alternada e tendem a se alterar ou desaparecer com a tosse, que causa mobilização dessa secre- ção. 2) Estertores finos ou crepitantes Secundários à reabertura súbita de pequenas vias aéreas previamente colapsa- das. Por definição são inspiratórios, geralmente restritos ao final dessa fase, momento em que o ar alcança essas pequenas vias. Seu som lembra o ruído gerado pelo atrito de fios de cabelos ou pela abertura de um velcro e não se modifica com a tosse. Estão presentes em pacientes com patologias que au- mentam a pressão exercida contra o parênquima pulmonar, favorecendo o co- labamento de suas estruturas, como a fibrose intersticial, o edema pulmonar, a pneumonia e outras doenças intersticiais. Nos casos de edema pulmonar (causa mais comum) sofrem a força da gravidade, sendo mais audíveis nas bases pul- monares com o paciente sentado ou em pé e nas porções mais inferiores com o paciente em decúbito dorsal ou lateral, enquanto nas doenças intersticiais difu- sas são audíveis em todo o pulmão. • RUÍDOS CONTÍNUOS OU SIBILOS São sons longos (>250ms) e musicais, semelhantes a um assobio ou chiado. Ocorrem em brônquios com diâmetro reduzido, que sofrem uma vibração de suas paredes quando o ar passa por eles em alta velocidade. Podem estar pre- sentes em qualquer patologia que leve à obstrução do fluxo aéreo, se desta- cando a asma e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Se iniciam na fase expiratória, mas podem progredir para a inspiração, geralmente indicando um quadro mais grave, associada a edema ou broncoespasmo acentuado. Ge- ralmente são audíveis em todo o tórax e quando localizadas indicam a presença de uma obstrução focal por neoplasia ou corpo estranho. Os roncos são variações de sibilos, mais graves e de baixa tonalidade, presen- tes em obstruções menores ou temporárias. São muito confundidos com os estertores grossos (às vezes até nomeados erroneamente como sinônimos desses), com a diferenciação de atingirem vias aéreas menores, por isso, não se alterarem com a tosse. O termo estridor pode ser utilizado para se referir a sibilos presentes em obs- truções altas (laringe ou traquéia), que geram um som inspiratório audível à distância, mesmo sem encostar o estetoscópio no tórax do paciente. Esses ca- sos têm elevado potencial de gravidade pelo risco de colabamento com obstru- ção total ao fluxo aéreo. • OUTROS SONS ANÔMALOS O atrito pleural é um som oriundo não das vias aéreas, mas sim do contato en- tre as pleuras visceral e parietal. Habitualmente há uma pequena camada de líquido entre esses folhetos, que faz com que eles deslizem perfeitamente entre si durante os movimentos respiratórios. Algumas patologias que cursam com inflamação (pleurite) ou espessamento das pleuras podem gerar esse som ca- racterístico, audível durante ambas as fases do ciclo. O livro de semiologia do Porto compara esse som com o obtido quando você coloca uma de suas mãos sobre seu ouvido e arrasta a outra para cima e para baixo sobre ela. • DESFECHO DO CASO CLÍNICO Você não pode ter dúvidas nesse caso: sempre que um paciente ou familiar chega ao atendimento relatando “chiado no peito” a chance de diagnóstico de asma brônquica é muito grande! A idade do paciente e o relato de crises recor- rentes são outros fatores que falam a favor deste diagnóstico. Mas porque não foram auscultados sibilos na ausculta torácica? Esse paciente claramente apre- senta um episódio grave de asma (esforço respiratório, taquipneia, cianose, so- nolência e taquicardia), cuja evolução é para esse quadro chamado “tórax silen- cioso”. Nesses casos a obstrução das vias aéreas é tão intensa que o fluxo aé- reo fica extremamente reduzido, levando a uma ausência quase completa dos sons respiratórios. É uma situação ameaçadora à vida, que deve ser manejada com urgência. Ruídos adventícios Característica do som Fase na respiração Como é a ausculta Fatores que o alteram Mecanismo de geração Causas possíveis Estertores finos explosivos, de curta duração e agudos final da inspiração semelhan- te à aber- tura de um velcro ou arrastar de fios de ca- belos entre si são constan- tes reabertura súbita de alvéolos previamente colapsados edema pulmonar, pneumonia e doenças intersticiais Estertores grossos explosivos, duração um pouco mais longa e mais graves inspiração e/ou expi- ração semelhan- te a soprar um líquido com um canudo tosse secreções nas grandes vias aéreas aspiração de secre- ção; edema agudo de pulmão; bronquite crônica; bronquiec- tasias Sibilos longos, contí- nuos e musi- cais expiração e/ou inspi- ração chiado ou assobio são constan- tes vibração da parede de brônquios constritos com a pas- sagem de ar asma, DPOC Estridor longos, contí- nuos e musi- cais inspiração audível à distância diminu-em com respira- ção cal- ma e pouco profunda e aumen- tam com respira- ção for- çada obstruções altas (larin- ge ou tra- quéia) corpos es- tranhos, tumores Atrito pleu- ral contínuo, de baixa frequên- cia inspiração e expiração arrastar as mãos so- bre o ouvi- do são constan- tes atrito entre pleuras pa- rietal e vis- ceral pleurite
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