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TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS AULA 6 Profª Ludmila Culpi 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, apresentaremos os elementos centrais do neorrealismo, que é entendido dentro do debate com o neoliberalismo, nos anos 1980. Em um primeiro momento, analisaremos a origem histórica da teoria neoliberal, identificando como esse paradigma apareceu no debate teórico das RI. Na sequência, serão apresentados os elementos centrais da concepção de teorias sistêmicas, que não focam nas ações individuais dos Estados, mas sim no sistema e em como cada unidade está posicionada nele. Depois, serão investigados os elementos relativos aos princípios da estrutura, que são o princípio ordenador sistêmico, o princípio das funções das unidades e o princípio das capacidades relativas. Para finalizar, será feita a aplicação da teoria neorrealista na lógica da Guerra Fria. TEMA 1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NEORREALISMO O fundador da teoria neorrealista foi Kenneth Waltz, em seu livro Theory of International Politics. O neorrealismo foi elaborado com vistas a superar as limitações do realismo e também do liberalismo. O momento da Guerra Fria presenciou o aparecimento de novas correntes teóricas, que buscavam explicar o contexto do período, como o neorrealismo. Assim, a revisão da teoria realista proposta por Waltz é compreendida com base nos desdobramentos da Guerra Fria. Entre 1945 e 1989, houve muitos momentos de tensão entre as duas potências URSS e EUA, com testes nucleares e ameaças constantes. Esses acontecimentos fizeram Waltz (2002) pensar em sua teoria, que tem como base a concepção de anarquia no sistema internacional. De acordo com Waltz (2002, p. 75), as relações internacionais são compostas por partículas de governos e mescladas por partes de comunidade, que agem em um sistema anárquico. A obra de Waltz (2002) consolidou o pressuposto do realismo sobre a centralidade do Estado como ator das RI e da busca pela sobrevivência do Estado na agenda internacional. Waltz (2002) também rebateu as críticas proferidas por Keohane e Nye em sua obra Poder e Interdependência, vistas na aula 5. Outros autores do realismo basearam-se na obra de Waltz para formar o pensamento da escola, a exemplo de Robert Gilpin, em sua obra War and 3 change in world politics”, de 1981, e John Mersheimer (1993), com sua obra sobre o realismo ofensivo. Waltz parte da ideia de que é necessário concentrar a análise no nível do sistema e não no comportamento dos Estados, como fazia a teoria realista. Segundo o autor, não se entende a política internacional analisando os atributos (capacidades militares e econômicas) do Estado. Deve-se focar em como as interações entre Estados no sistema impactam sobre as ações de cada um. Assim, não se deve apenas analisar as políticas domésticas ou externas de cada Estado, mas como o sistema impacta sobre essas políticas (Pereira, 2017). TEMA 2 – TEORIAS SISTÊMICAS/ESTRUTURALISTAS Waltz (2002) argumenta que as teorias de relações internacionais analisam episódios domésticos e internacionais, ou seja, tem a mesma função, mas o que as distingue é a maneira como organizam seus estudos, isto é, a metodologia utilizada por cada uma delas. Dessa forma, pode-se afirmar que a maior contribuição do neorrealismo é sua perspectiva sistêmica. O caráter sistêmico corresponde à ideia de que as RI só podem ser entendidas por um paradigma bem-sucedido em demonstrar como as estruturas políticas são formadas e como impactam sobre as unidades desse sistema (Waltz, 2002, p. 88). Waltz diferencia as teorias reducionistas das sistêmicas, que seriam as mais adequadas. Para Waltz, as teorias reducionistas defendem que forças domésticas geram resultados em outros países. Dessa forma, a combinação entre elementos no nível nacional pode explicar os resultados no nível externo. Assim, o sistema internacional é um resultado e as teorias reducionistas investigam apenas a atuação dos atores nacionais, com foco sobre os comportamentos estatais. Conforme Waltz, as teorias reducionistas “[...] partilham a crença de que explicações das resultantes políticas internacionais podem ser delineadas através do exame das ações e interações das nações e outros atores" (Waltz, 2002, p. 91). Existem teorias reducionistas dentro do próprio realismo, como o paradigma realista de Raymond Aron. Este autor argumenta que a análise somente dos comportamentos, sem levar em conta as causas sistêmicas, provoca resultados teóricos falhos, pois defender que os acontecimentos são apenas explicados pelo que os Estados são é um equívoco. Portanto, a política internacional não é entendida como uma 4 somatória dos comportamentos e políticas externas e internas dos Estados. Os aspectos domésticos, segundo Waltz, não explicam o sistema internacional e visualizá-lo com base nesses aspectos provoca generalizações que são inválidas e simplistas. O autor defende que não existe um processo identificável pelos impactos do sistema que possam ser atribuídos às unidades. Portanto, as características de cada unidade não são relevantes para explicar as RI, porque o que leva os Estados a agirem são as posições das unidades, uma em relação às outras, no sistema. Importante destacar que a estrutura só se altera quando há mudanças significativas nas posições de cada Estado, cujos comportamentos essa estrutura determina. Segundo Waltz (2002, p. 116), “o conceito de estrutura baseia-se no fato das unidades justapostas e combinadas de maneira diferente produzirem diferentes resultados”. A concepção de estrutura é relevante para Waltz e esta é determinada a partir de três princípios: i) princípio ordenador sistêmico; ii) especificações das funções das unidades; e iii) distribuição das capacidades relativas, que serão explicadas na sequência devido à sua importância. TEMA 3 – PRINCÍPIO ORDENADOR SISTÊMICO Em relação ao princípio ordenador, Waltz (2002) sustenta que é possível analisar padrões de resultados na história das relações internacionais, a exemplo das guerras, que são explicadas pela anarquia do sistema internacional. A característica anárquica é o princípio ordenador sistêmico. Segundo o autor, “o caráter anárquico duradouro das relações internacionais é responsável pela flagrante uniformidade no padrão da vida internacional”. (Waltz, 2002, p. 96). De acordo com Waltz (2002), os sistemas internacionais são anárquicos e descentralizados. Por essa razão, a política internacional tem sido denominada de política na ausência de governo, isto é, baseada na anarquia, o que é oposto do que ocorre na política doméstica, em que há um governo. Portanto, a característica predominante das RI é a ausência de ordem. Waltz (2002) destaca que os sistemas internacionais são construídos pela cooperação entre unidades racionais e egoístas, que têm como objetivo garantir sua sobrevivência e segurança. Dessa forma, esses sistemas são originalmente individualistas, mas baseados em um princípio de ajuda mútua. 5 Nesse sentido, a estrutura é determinada pela disposição de suas partes e pelos princípios dessa disposição; somente as mudanças nas disposições representa uma mudança estrutural. Portanto, é a posição na estrutura que define os comportamentos, sendo que, como já visto, a estrutura não é determinada pelas características econômicas e militares das unidades e suas interações, mas pelo princípio da disposição. Assim, as atitudes de um Estado são formadas pela posição que cada um ocupa na estrutura. Conforme Waltz (2002, p. 116), “o conceito de estruturabaseia-se no fato das unidades justapostas e combinadas de maneira diferente produzirem diferentes resultados”. Para entender melhor o princípio ordenador sistêmico ou o princípio ordenador da estrutura, o autor utiliza duas analogias. Na primeira, analisa os sistemas políticos internos, em que é possível identificar relações de hierarquia e de dominação entre partes e organizações políticas que compõe o sistema, que é centralizado e hierárquico. Desse modo, o princípio ordenador dos sistemas políticos domésticos é a hierarquia. Já nos sistemas políticos internacionais, os Estados são semelhantes uns aos outros, desempenhando as mesmas funções, sem haver uma superioridade ou um Estado que coordene os demais. Desse modo, os sistemas políticos internacionais são anárquicos, descentralizados e não hierárquicos. Dessa forma, para o autor, as instituições internacionais possuem uma capacidade restrita de constranger os Estados em seus comportamentos, pois, para terem eficácia, seria necessário adquirirem os atributos e as capacidades dos Estados, que não possuem. Para serem exitosas, as organizações internacionais (OIs) devem contar com o consentimento dos Estados. Com essa analogia, Waltz procura demonstrar que os sistemas políticos internacionais são marcados pela inexistência de uma autoridade global e de relações formais de hierarquia e superioridade (Pereira, 2016). Waltz argumenta que o papel exercido pelas OIs é restrito pela estrutura anárquica do sistema, dentro do qual cada unidade busca sua sobrevivência por seus meios. A segunda analogia apresentada pelo Waltz é entre o sistema internacional, que é composto por unidades egoístas, mas que cooperam, e o mercado. As estruturas do sistema surgem pela coexistência de unidades políticas. Nessa lógica, os mercados e os sistemas políticos internacionais possuem características comuns: i) são formados de modo involuntário e 6 espontâneo; ii) são criados e mantidos pelo princípio da ajuda mútua. A distinção entre eles reside na ideia de que o mercado é restrito pelo governo e o sistema internacional atua sem normas que constranjam os Estados em seus comportamentos (Waltz, 2002). TEMA 4 – FUNÇÕES DAS UNIDADES Para Waltz (2002), o sistema internacional é constituído por uma estrutura anárquica e por unidades interagindo, que passam por condições que os limitam. Os agentes impactam nos comportamentos uns dos outros e são influenciados pela estrutura em que se inserem. Nessa lógica, o autor define o segundo princípio: o princípio das funções das unidades. Waltz (2002) apresenta a ideia de uma diferenciação entre os Estados, pois a hierarquia gera relações de superioridade e subordinação. Desse modo, a distinção entre os Estados não se relaciona às suas funções, que são sempre as mesmas, porque a anarquia induz à coordenação entre as unidades, o que resulta em uma semelhança em termos de função. Waltz reconhece que existem outros atores além do Estado, mas estes são os mais importantes, que compõem a estrutura. Essa estrutura é determinada pelos Estados com mais influência, devido às diferentes distribuições de poder no sistema internacional. Como as funções são as mesmas, as diferenças entre eles emergem, sobretudo, das capacidades variadas. O entendimento das estruturas vai além das ações dos Estados. Desse modo, a investigação da estrutura deve indicar um estudo sem a intervenção de variáveis internas e externas. Isso faz com que a posição do Estado em relação aos demais seja importante para definir a estrutura. Como aponta Waltz (2002, p. 115), “ao deixarmos de lado a personalidade dos atores, o seu comportamento, e suas interações, chegamos a um quadro puramente posicional da sociedade”. Como o sistema é anárquico originalmente, as unidades egoístas devem cooperar. Desse modo, a sobrevivência dos Estados no sistema dependerá unicamente de seus próprios esforços. A essa luta pela sobrevivência que induz à cooperação denomina-se princípio de autoajuda (Silva; Culpi, 2017). As funções semelhantes do Estado são, para Waltz, a estabilidade doméstica, baseada no monopólio legítimo da violência e segurança dos seus cidadãos em relação a agressões externas. 7 Em suma, o Estado convive com uma dupla realidade: domesticamente é soberano, tem autoridade para impor decisões, e, externamente, deve cooperar com outros Estados para garantir sua sobrevivência em um cenário anárquico. Nesse sentido, a sua função principal no cenário internacional é garantir sua sobrevivência. TEMA 5 – CAPACIDADES RELATIVAS Os Estados possuem não apenas similaridades, mas diferenças entre si, em termos de capacidade. Os Estados são semelhantes nas funções que desempenham interna e externamente, porém se distinguem em relação à maior ou menor capacidade de desempenhar essas funções (Waltz, 2002). O terceiro aspecto do conceito de estrutura entra nessa questão, que se refere à distribuição de capacidades. Esse elemento determina que, baseando- se em suas funções, não há diferença entre as unidades; o critério que os diferencia são as maiores ou menores capacidades que detém para executar as mesmas tarefas, isto é, a distribuição de capacidades entre as diferentes unidades impacta sobre o sistema (Waltz, 2002, p. 106). Assim, a comparação das capacidades de um número de unidades possibilita a mensuração do poder, pois o poder representa uma comparação das capacidades das unidades e os Estados são posicionados de modo diferente na estrutura conforme o poder que possuem (Silva; Culpi, 2017). Desse modo, a configuração do sistema internacional impacta sobre a interações entre os Estados e seus atributos. A autonomia de cada Estado e a relação de determinação mútua entre Estados cria uma estrutura na qual os resultados podem ser Estados que se limitam uns aos outros. Portanto, o conceito de estrutura permite a previsão dos efeitos sobre a organização do sistema de Estados e o modo como as estruturas e as unidades interagem (Silva; Culpi, 2017). Pode-se intuir que, para investigar a ideia de estrutura, Waltz criou o princípio que orienta a disposição dos atores estatais. A disposição se modifica quando ocorrem alterações nas capacidades relativas dos Estados, as quais são, segundo Waltz, os recursos militares e econômicos que cada Estado possui (Pereira, 2016). Waltz argumenta sobre a distinção realizada pelos realistas clássicos entre baixa política (em que se situam os temas econômicos) e alta política (em 8 que se posicionam os assuntos de segurança). O autor afirma que “os estados usam meios econômicos para fins militares e políticos; e meios militares e políticos para alcançar interesses econômicos” (Waltz, 2002, p. 133-134). Nesse aspecto ele se aproxima da visão dos neoliberais, que argumentam sobre a ausência da hierarquia de temas na agenda internacional. Para Waltz, as funções dos Estados dentro do sistema internacional não se modificam ao longo do tempo. Nesse sentido, a estrutura do sistema estabelece que cada Estado deve lutar pela sobrevivência em contexto internacional de autoajuda, em que cada Estado precisa preocupar-se por si próprio. Todavia, as capacidades relativas dos atores estatais, ao contrário das funções, sofrem alterações ao longo do tempo. NA PRÁTICA Leia o artigo "Waltz e a unipolaridade americana e indique os elementos da teoria neorrealista" que explica o unilateralismo dos EUA após a Guerra Fria e o fim do mundo bipolar. Leitura complementar Leia também o artigo “Waltz e a unipolaridade americana”. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992013000300003>. FINALIZANDO Nesta aula, conhecemos os elementos centrais da teoria neorrealista das RI. A teoria neorrealista, que surge a partir das obras de Keneth Waltz, pressupõe que se deve entender a política internacional pela organização da estrutura e não pelos comportamentos individuais dos Estados. Em um primeiro momento, pudemos analisar o avanço histórico do neorrealismo e seu surgimento histórico. Depois, foi apresentada a concepção de teoria sistêmica ou teoria estruturalista, calcada na ideia de que as ações dos Estados não explicam às RI. Na sequência, investigamos os princípios da estrutura segundo Waltz, que são: o princípio ordenador sistêmico, relacionado à ideia de ausência de uma autoridade internacional, ou seja, a anarquia; o princípio das funções das unidades, que se baseia na ideia de que todos os Estados têm as mesmas 9 funções e se diferenciam por suas capacidades; e o princípio das capacidades relativas, que determina que o poder de um Estado é medido pela comparação com os demais, ou seja, pela posição que cada um ocupa na estrutura uns em relação aos outros. Para finalizar, foi realizada a aplicação da teoria neorrealista na lógica da Guerra Fria. 10 REFERÊNCIAS PEREIRA, A. E. Teoria das relações internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. SILVA, C. C. V.; CULPI, L. A. Teoria de relações internacionais: origens e desenvolvimento. Curitiba: InterSaberes, 2017. WALTZ, K. Teoria das relações internacionais. Portugal: Gradiva, 2002.
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