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143 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Unidade IV 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO Antes de discutirmos a formação do Estado Moderno, vamos relembrar algumas passagens do livro Política para Não Ser Idiota, com as palavras de Mário Sérgio Cortella: Por exemplo, mencionamos aqui alguns filósofos que não tinham apreço algum pela democracia, a começar por Platão; apesar de autor de obra chamada A República, notamos claramente que, para ele, a democracia era algo a ser evitado. Quanto ao mundo romano até a República, ele poderia ter vingado na tradição democrática, mas não foi o que ocorreu. Quando Júlio César assume o poder, na guerra civil, e se inicia o ciclo de imperadores com Otávio, que vai até a queda do Império Romano do Ocidente em 476, a noção de democracia não ganha espaço, não se impõe. Patrícios e plebeus convivem, mas a noção de classe é mais forte: classe dos cavaleiros, dos seniores, dos juniores, e assim por diante. No mundo medieval no Ocidente, a noção de democracia evidentemente não viria à tona porque o que predomina é uma autocracia religiosa em grande parte e uma soberania que começará a ser ameaçada quando desponta o mundo do Renascimento, aquilo que se chamava de monarquia esclarecida. Faço um parêntesis anedótico: tive um professor de história, um português, já falecido, que dizia: “Dom José de Portugal era déspota e não sabia. Aí lhe disseram e ele se tornou um déspota esclarecido”. Por que estou fazendo essa trajetória tão longa? Para chegar a um ponto: é a modernidade que vai trazer a democracia como possibilidade de um valor do indivíduo. Mas, como você colocou, Renato, é só a segunda metade do século XX que vai colocá-la como o horizonte. Mesmo quando se começa a valorizar a democracia, ainda havia algum desprezo por ela em várias situações. O mesmo aconteceu em relação à escola universal. Há uma correspondência entre a desvalorização da democracia e da escolarização universalizada. Na França, Guy de Maupassant dizia que se alfabetiza o povo e a besteira se liberta, se alfabetiza a massa e a tolice se solta. Porque então o povo poderia ler e escrever... (CORTELLA; RIBEIRO, 2010, p. 45). 144 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV A palavra “modernidade” tem vários significados, dependendo do contexto em que estamos escrevendo. A principal confusão acontece quando utilizamos o contexto da história. A Idade Moderna é entendida tradicionalmente como o período que se inicia com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453, e termina com a Revolução Francesa, em 1798. Mas há discussões sobre se tal Idade começa mesmo com esse episódio, pois outros preferem a Conquista de Ceuta pelos portugueses, que inicia o ciclo das grandes navegações, a descoberta da América por Cristóvão Colombo ou até mesmo a viagem de Vasco da Gama, em 1498. Na cultura anglo-saxônica a historiografia prefere falar de sociedades pré-industriais e sociedades industriais. Também os historiadores marxistas preferem estender a Idade Média até o início do sistema capitalista, no século XVII. A Idade Contemporânea teria início no século XIX e perdura até os nossos dias. Mas há também quem defenda a ideia de que no fim do século XX começou a Idade Pós-Moderna. Todos os historiadores concordam que o sistema capitalista é um fenômeno moderno. Mas as transformações econômicas também são decorrentes da ciência e de suas inovações tecnológicas. Vamos assumir que a modernidade comece como movimento intelectual do Iluminismo, que acontece depois do Renascimento, este certamente o último grande movimento filosófico da Idade Média. No Iluminismo, a razão substituiu finalmente a religião como o fundamento para as ações humanas. A frase de Descartes (1596-1650) “Penso, logo existo” afirma que o ato de pensar nos torna humanos. É a razão que consegue explicar quem somos e organiza a lógica do processo histórico. O sujeito da razão explica sua trajetória passada e pode orientar seu futuro para uma realidade melhor. No século XIX, Augusto Comte em seu positivismo e Karl Marx com sua uma perspectiva dialética acreditavam que com a razão o homem poderia dominar a natureza e seu destino histórico. Baseados no princípio de que a razão é a essência do homem, as ideias de liberdade e de igualdade foram fortalecidas. Ser racional significa ser autônomo, ou seja, ser responsável por se conduzir no mundo. Não há nenhuma força divina ou destino escrito. O livre-arbítrio moderno é aquele que confere à pessoa humana a liberdade de suas escolhas, guiadas pela razão. Observação Autonomia não é o mesmo que a liberdade, mas uma forma de o ser humano ter liberdade dentro de parâmetros socialmente estabelecidos. A razão permite perceber que todos os seres humanos são iguais. Não há sentido em aceitar a autoridade em nome de uma suposta diferença que lhe garante superioridade divina ou de qualquer outro tipo. Mas essa aceitação das ideias de razão, liberdade e igualdade foi o resultado de um processo longo. 145 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Já no período do Renascimento, no século XIII, o poeta italiano Dante Alighieri tinha sugerido que o Estado podia ser governado sem estar subordinado à Igreja Católica. Outros o sucederam, como Maquiavel (ARANHA; MARTINS, 1986). Mas depois de mil anos de dominação das ideias religiosas, como mudar a perspectiva? A construção do sujeito ideal, caracterizado por racionalidade, liberdade e igualdade, levou alguns séculos para ser realizada e aceita. Não há uma fórmula única, e as ideias do Iluminismo propuseram antes da democracia a ideia de despotismo esclarecido, ou seja, da monarquia governada pela razão. No campo político, o desafio moderno pode ser resumido como a forma de ordenar racionalmente as instituições que permitem a conquista legítima do poder e sua manutenção. Trata-se de estabelecer regras e uma instituição jurídica que regulem o jogo político sem permitir a coerção, o uso da força. Os instrumentos jurídicos de poder deveriam permitir o seu exercício impessoal e voltado para os interesses comuns. Neste sentido, a Idade Moderna pode ser vista como o tempo de se pensar a democracia; já a Idade Contemporânea, como o tempo de se instituir a democracia moderna. Com a democracia moderna, todas as pessoas participam do poder em igualdade de condições, o que permite que o poder seja espalhado igualmente por toda a sociedade. Mas, para tanto, é necessário que se entenda tanto a diferença entre a sociedade civil e a participação política quanto o controle da política pela sociedade. A democracia, que parecia uma utopia no século XIII, acabou se tornando realidade apenas no século XX. Foram necessários quase 700 anos para que as ideias pudessem amadurecer e ser experimentadas na prática. Durante esse período de espera, chegou-se à conclusão de que a legitimidade do poder precisa ser racional, e o poder civil é aquele fundado no consentimento coletivo, ou seja, na vontade geral. Não há nenhum pressuposto religioso para o poder. O Estado é laico; portanto, deve abrigar todas as pessoas, de qualquer religião. Em vez de buscar uma verdade moral definitiva, o pensamento moderno deixou de procurar esse bem transcendental e valorizou os procedimentos democráticos para resolver os conflitos sociais e promover a convivência pacífica. Na modernidade, a esfera pública, que é o espaço das disputas políticas e da construção dos interesses comuns, é diferente do mundo privado. No mundo privado, cada pessoa vai preferir as escolhas de valor a partir do ponto de vista de seu grupo social. Esses grupos são a família, os grupos religiosos, os clubes e todas as formas de grupos sociais que podem acontecerquando se goza de liberdade de escolha (SOUZA, 2010). As instituições das esferas pública e privada são duas dimensões da mesma sociedade. Portanto, o que acontece em uma influencia a outra. As representações racionais do mundo, iniciadas pelos iluministas, demarcaram o espaço da política. As questões sobre o fundamento racional do poder, a legitimidade do Estado e a construção da estabilidade vão dar contorno à dimensão política das sociedades. A ideia de que o povo todo é a fonte do poder foi a base para a construção da autonomia da política diante da religião. Nesse processo, também foi aceita a ideia de que o poder emana do povo, que é soberano. 146 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV Há até hoje um movimento intelectual em curso, que busca explicações sobre o funcionamento do poder institucional e dos processos políticos. Cada filósofo, sociólogo e cientista político contribui com seu ponto de vista para a construção do campo da política, que existe de forma autônoma em relação à religião, à moralidade privada ou aos interesses individuais dos governantes. A Ciência Política é o resultado desse grande processo de maturação. Hoje em dia, conhecemos muitas fórmulas propostas para resolver as questões do Estado e da liberdade de seus cidadãos. O liberalismo prefere a liberdade dos indivíduos atuando no mercado; o socialismo prefere uma igualdade social garantida pelo Estado; a social-democracia tenta combinar as duas ideias, e muitos acreditam que o seu modelo seja o melhor para permitir a autonomia do ser humano. Por trás das ideias modernas está a discussão entre o direito natural e o direito positivo. Na Idade Moderna surgiu o jusnaturalismo, que teve em Hobbes um de seus maiores defensores. Essa doutrina jurídica serviu de fundamento à reivindicação de duas conquistas fundamentais no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o princípio da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu o Estado Liberal moderno. O jusnaturalismo é diferente da ideia tradicional do direito natural porque não considera que o direito natural tradicional represente a participação humana numa ordem universal perfeita que viria de Deus, como pensavam os estoicos, ou seria permitida por Deus, como pensavam os patrísticos e os escolásticos. O direito do jusnaturalismo acredita que natural é a regulamentação das relações humanas, que é alcançada pela razão, independentemente da vontade de Deus. Enquanto as ideias de Descartes sugerem que a ciência não depende de Deus, o jusnaturalismo defende que a moral e a política também não. Isso permitiu que se formulassem novas ideias a respeito do poder soberano. O absolutismo foi uma teoria política que defendia que alguém (em geral, um monarca) sempre deve ter o poder absoluto, isto é, independentemente de outra pessoa ou instituição. Quando posta em prática, tornou-se uma organização política na qual o soberano concentrou todos os poderes do Estado em suas mãos. As ideias teóricas mais importantes para fundamentar o absolutismo foram as de Maquiavel e as de Thomas Hobbes. Isso nasceu da necessidade de justificar o poder centralizado e único do rei, sem tentar admitir que eles tinham poder por causa de um direito divino. Para alguns monarcas europeus, O Príncipe de Maquiavel era o fundamento da defesa do absolutismo. Lembramos que Maquiavel defendeu o Estado como um fim em si e sugeriu que os soberanos podiam utilizar todos os meios lícitos ou ilícitos para garantir a conquista e a continuidade do poder. Thomas Hobbes escreveu o Leviatã defendendo que, em seu estado natural, a vida humana era solitária, miserável, desprezível, bestial e breve. Para escapar da luta de todos contra todos, os homens se uniram e formaram um contrato para organizar a sociedade civil, permitindo a um soberano todos os direitos, para protegê-los contra a violência. Hobbes defendia a teoria de que um rei só poderia subir 147 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA ao trono pela vontade do povo, e não pela vontade divina. A monarquia precisava ser justificada pelo consenso social. Para Hobbes, o homem é mau por natureza. O pensador inglês inverteu o entendimento de Aristóteles sobre a natureza humana sociável. Autor da célebre frase “O homem é o lobo do homem”. (HOBBES, 2008), Hobbes considerava que sem os limites de um poder soberano, os homens entrariam em conflito violento na busca da realização dos seus desejos e vontades. Por outro lado, já que o homem se apresentava como limite para o próprio homem, ele também permitiria sua emancipação. A ideia de Hobbes é a de que os limites e as possibilidades do jogo político estão circunscritos à condição humana, e não aos elementos sobrenaturais ou divinos. Os homens, que ao mesmo tempo são maus e donos dos seus destinos, escapam da barbárie própria do “estado de natureza” ao usarem da razão para promoverem a paz, estabelecendo um pacto ou um contrato entre si. As condições para esse contrato estão no próprio estado de natureza, pois, se os “direitos naturais” apontam para o conflito generalizado e aguçam a cobiça, a desconfiança e a busca da glória, as “leis naturais” indicam o caminho da paz. Faz parte das “leis naturais” o esforço da conciliação entre os homens em nome da preservação da vida. O contrato social, para Hobbes, supõe a alienação absoluta dos poderes individuais em favor de um Estado com força suprema, chamado metaforicamente de Leviatã, que significa polvo marinho gigante. 7.1 A forma de utilização das ideias A primeira Monarquia Absolutista nasceu com Luís XIV, rei da França. Seu reino era de fato governado pelo Cardeal Mazarino, que era seu primeiro-ministro. Quando o cardeal morreu, em 1661, Luís XIV chamou seus ministros e avisou que daquele momento em diante ele governaria sozinho, proibindo seus ministros de decidirem qualquer coisa sem seu consentimento. Ficou conhecido como Rei-Sol, pois toda a França deveria girar em torno dele. O Estado absolutista foi um processo histórico que promoveu a modernização administrativa de alguns países. A centralização política e administrativa praticamente extinguiu os exércitos mercenários que eram utilizados na Idade Média e criou a base para o exército nacional. Permitiu também a criação de uma burocracia civil, o primeiro com a tarefa de manter as Forças Armadas. Criou o serviço militar e o alistamento compulsório, bem como financiou e abasteceu tropas cada vez maiores, além da construção de centenas de fortificações militares. Um século depois, surgiu, por contribuição de filósofos iluministas, como Montesquieu, Rousseau e Hume, o despotismo esclarecido. Essa forma de governo era um desenvolvimento do absolutismo que tinha sido adotado por muitos reis na Europa. O despotismo também defendia, assim como o absolutismo, o poder do soberano sobre o Estado. Mas abriu espaço para os ideais de progresso, de reforma política e do humanismo filantrópico. Nem todas as ideias de liberdade e igualdade do Iluminismo foram aceitas pelos reis, que decidiam pessoalmente quais ideias podiam ser adotadas. O despotismo esclarecido aconteceu de fato na Áustria, na Prússia e na Rússia, Estados que tinham acabado de ser constituídos. Nesses Estados, a economia era essencialmente agrícola, e a burguesia não dispunha de grande poder. Assim, o Estado elaborou reformas administrativas e jurídicas, dirigindo 148 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV a economia e orientando a educação, modernizando esses países. O mais famoso desses déspotas foi Frederico II, rei da Prússia (1712-1786). Foi chamado de Rei-Filósofo porque se interessava pelo debate de ideias e protegeu pensadores e artistas. Amigo de Voltaire, de Diderot e de D’Alembert,filósofos iluministas franceses, Frederico II decretou a abolição da servidão, mas não conseguiu forçar a nobreza a aceitá-la. Permitiu alguma liberdade de imprensa e também a liberdade religiosa e procurou fazer também reformas administrativas e judiciárias que permitiram a construção de um poderoso exército. Os reis que se acreditavam déspotas esclarecidos adotaram alguns princípios da filosofia iluminista para modernizar os Estados que governavam. Para isso, procuraram o apoio da burguesia para impor limites na relação entre a Igreja e o Estado, mas também para limitar o poder da nobreza. Isso foi aos poucos construindo a ideia de igualdade entre as pessoas. As instituições políticas modernas seriam teoricamente capazes de construir o consenso democrático. Os pensadores modernos acreditavam que os membros da sociedade, gozando de liberdade e confrontando-se em condições de igualdade, podiam estabelecer as regras jurídicas da convivência pacífica e a autoridade soberana que cuidaria da implementação delas. As regras para a autoridade soberana é que estabeleceram as bases para as futuras democracias. A igualdade da Idade Moderna não era exatamente a igualdade de todos, como verificamos em muitos países hoje em dia, mas afirmava que a sociedade só funcionava quando os cidadãos alcançavam o mesmo patamar de participação política. Isso significa que os cidadãos deveriam poder exprimir seu pensamento e criar associações para defender os seus direitos e exercer pressão sobre as autoridades. As primeiras liberdades podiam ser expressas dentro do Estado soberano, que simplesmente deveria pressupor o exercício do poder dentro do seu território (AZAMBUJA, 2005, p. 61-2). Tal poder deveria atuar dentro das fronteiras territoriais, formando uma nação composta por cidadãos na qual as leis se impõem a todos sem distinção. O poder legitimado pela lei é característica do poder soberano, e o poder de fato é exercido pelo poder de direito. Como vimos, isso é muito parecido com as ideias de Cícero sobre a República Romana, mas desta vez incluindo todas as pessoas. Assim, a ideia de soberania desmontou a relação entre poder, felicidade e bondade. Ela é necessária para a construção da paz interna de uma nação e para fortalecer a sociedade contra seus inimigos externos. A soberania tem a função de fazer que a sociedade conviva de forma estável e equilibrada. A paz social passa a ser valorizada como condição fundamental para o progresso das instituições, o amadurecimento dos indivíduos, a realização dos negócios e o desenvolvimento da humanidade em diferentes aspectos, com destaque para a dimensão econômica (LEBRUN, 1984). A concepção da soberania popular é importante, pois possibilitou, no desenvolvimento da democracia, a defesa desse regime, mesmo em situações em que a sucessão de governantes corruptos tornou a vida insuportável. Isso aconteceu porque um governante não traz consigo a essência da construção política da democracia. Ele é visto apenas como o executor da vontade do povo; se não cumpre bem a sua tarefa, aquela pessoa, e não o regime político, deverá ser substituída. Não há sentido em julgar o regime pelo mau desempenho do seu executor. 149 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Na soberania popular, o povo não seria apenas o inspirador do direito ou o ponto de partida e de chegada das leis, mas também o criador dos costumes nos quais as leis devem estar baseadas. Essa reflexão torna lógica a ideia de que o poder deve estar no povo e indica que, mesmo nos regimes nos quais o povo é colocado em segundo plano, a força da tradição e dos costumes obriga os governantes a respeitarem, em algum grau, a vontade popular. A partir do reconhecimento de que as leis estão assentadas na tradição popular e só serão respeitadas quando se remeterem a esses costumes, abre-se caminho para a associação do poder ao povo. Existe uma ligação entre democracia e contratualismo, pois em ambos o povo é a fonte do pacto ou do poder democrático. Sem dúvida, o contratualismo influenciou o desenvolvimento do pensamento democrático moderno. O maior exemplo nesse aspecto é Rousseau (1712-1778). Para ilustrarmos essa ligação, voltemos ao diálogo entre Renato Janine Ribeiro e Mário Sérgio Cortella: Ribeiro – Para dar um exemplo histórico: a cultura política anglo-saxônica se baseou num tipo de modelo que torna imprescindível a anuência dos vários atores. Por exemplo, até o século XVII, os ingleses estavam convencidos de que o rei podia sustentar-se e à sua administração sem cobrar impostos. O imposto era excepcional e precisava ser autorizado em cada caso. Na verdade, quase todo ano o rei pedia impostos. Mas essa ficção do imposto como exceção foi muito útil, porque sem o acordo entre rei, lordes e comuns (a Câmara dos Comuns, o órgão eleito pelo povo, o elemento democrático num regime fortemente autoritário), negociado e obtido a cada vez, nada funcionaria. O rei tinha de dar algo aos plebeus toda vez que cobrava o imposto. Isso exigiu que se formasse uma cultura de negociação. Na França, ao contrário, o impasse do Antigo Regime só pôde ser resolvido pela via revolucionária, com a guilhotina e várias guerras. São duas culturas diferentes. O que quero dizer é que, se a revolução foi necessária para romper grilhões (e também houve duas revoluções na Inglaterra do século XVII), numa sociedade de convívio democrático a negociação se torna prioritária. Cortella – Eu estava pensando exatamente isso que você acaba de dizer: o mais amplo. É muito interessante pensar que, no caso anglo-saxão, eles adotem a common law, uma forma aproximada de direito consuetudinário no cotidiano. A Magna Carta, que data do século XIII, é a base da nação britânica, e eles não têm Constituição como um único documento até hoje. Portanto, as normas de convivência vão sendo construídas pela legislação da prática, do costume, do cotidiano. Ou ela se organiza a partir de um consenso, ou não consegue, de fato, definir as regras que lhe permitam avançar na história. Isso significa que na política moderna não é aceitável que um homem, ou um grupo de pessoas, exerça qualquer poder sobre os demais em 150 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV nome de alguma suposta diferença que o faria superior ao “outro” construído, desse modo, como inferior; seja essa diferença de credo, cor, origem social, renda, gênero, ou qualquer outra (CORTELLA; RIBEIRO, 2010, p. 50-1). É necessário perceber que diante da concepção de igualdade, há uma dificuldade em conseguir permiti-la concretamente. Para que todos estejam realmente em condições de igualdade, é necessário que todos os participantes do contrato social tenham o mesmo nível de informação, assim como as mesmas possibilidades de reflexão sobre sua condição no mundo, sobre o significado do jogo político e sobre a identificação dos grupos aos quais cada um pertence. Em outras palavras, espera-se uma igualdade de educação entre todos os cidadãos para que eles exibam uma capacidade semelhante de expressar seus interesses na sociedade e tentar democraticamente realizá-los (SOUZA, 2010). A política moderna deveria poder proporcionar as condições para uma sociedade de não dominação, pois as regras estabelecidas seriam seguidas não como efeito de uma relação em que alguns mandam e muitos obedecem, mas como o resultado de uma identidade entre as pessoas e as leis criadas por elas. Nessas condições, não existiriam poderosos, mas autoridades limitadas pelas leis e pelo conjunto dos cidadãos. Essa igualdade entre os legisladores e a população seria uma das características da democracia. Existem países onde senadores, deputados, juízes e presidentes são considerados pessoas como outras quaisquer, sem nenhum privilégio especial. Isso não acontece em todas as democraciasdo mundo, pois alguns países democráticos ainda são politicamente uma monarquia, como a Inglaterra e o Japão. Por outro lado, o projeto de república democrática de seres humanos livres e em igualdade de condições ainda está em construção. As leis são obedecidas pelo temor da coerção. Existe uma longa distância entre o mundo ideal e o mundo real. A divergência das ideias sobre o melhor exercício de democracia discute como combinar as ideias de razão, liberdade e igualdade. É importante, porém, lembrar que Maquiavel, Rousseau e muitos outros que colaboraram para o avanço das concepções sobre o Estado em direção à modernidade foram realistas ou até mesmo pessimistas sobre a natureza humana e sobre o poder político. Observação Nas democracias mais consolidadas, não existem privilégios especiais para quem representa as diversas instâncias do Estado. Todos são realmente iguais perante a lei. 7.2 A política como forma de organizar a vida social Desde tempos imemoriais existem justificativas para o comando dos reis. Quando pensamos na estrutura da hierarquia da família patriarcal, entendemos que a autoridade do pai permitiu que os mais fortes ou os mais espertos controlassem suas tribos. Com a hierarquia, todas as famílias de um grupo 151 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA ou de uma tribo acabavam por negociar seu espaço de poder entre aquelas que se consideravam iguais. A organização social em torno do controle do poder, neste sentido, pode também ser pensada como a organização social em torno do controle da força. Todas as civilizações da Antiguidade que deixaram resquícios na história da humanidade se organizaram a partir da força. Para termos certeza disso, basta ler a Bíblia ou qualquer outro livro herdado daquele período. Nas sociedades antigas, tudo era resolvido pela violência e pela morte. Na Grécia, a novidade foi as famílias proprietárias de terras, que criavam riqueza através da agricultura. O excesso da produção agrícola foi o que permitiu a criação das primeiras cidades e também do desenvolvimento do comércio. Na Grécia, essas famílias perceberam que para elas seria mais vantajoso fundar uma república do que permitir a existência de um rei que eventualmente viesse a roubar parte da sua riqueza para alimentar seus exércitos. Mas tal escolha também decorreu de várias situações socioeconômicas, das quais uma das mais importantes era sempre a dificuldade de uma só família gerar descendência e riqueza capaz de controlar uma cidade por décadas. Quando investigamos melhor o cotidiano grego, vemos que todos os homens eram guerreiros antes de exercerem qualquer outro ofício – o próprio Sócrates participou de guerras. As cidades foram organizadas para que todos os guerreiros defendessem os interesses de todas as famílias da cidade, principalmente a paz necessária para garantir todo o ciclo da produção agrária e todo o comércio. Para que essa paz existisse, eram necessárias leis e convenções contratadas entre os seres humanos. A lei evitava a concentração de poderes e de autoridade nas mãos de uma só pessoa, mas, principalmente, evitava que toda propriedade fosse tomada de alguém por um tirano autoritário na figura de um rei ou mesmo de um alto sacerdote. Portanto, a partilha da propriedade das terras, sua manutenção e seu fluxo econômico foram os resultados benéficos da lei. A lei também regulamentou o comércio, que tinha sido o sucesso da civilização fenícia, e permitiu a riqueza dos gregos. Os guerreiros gregos acreditavam que tivessem direitos iguais. Assim, era lógico que todos pudessem dar opinião na feitura das leis, pois todos os guerreiros eram também cidadãos. Naquele tempo, mulheres, crianças, servos e escravos não eram cidadãos, e a cidadania original não pode ser comparada às atuais reivindicações de cidadania. Percebemos assim como democracia naquele momento era uma forma de manter a cidade grega, especialmente Atenas, com um equilíbrio que a protegesse dos inimigos e ao mesmo tempo produzisse riqueza. É importante entendermos que a guerra, naqueles tempos, mais do que hoje em dia, visava à apropriação direta dos bens e das pessoas, sendo portanto uma importante atividade econômica dos primeiros povos. Era através das guerras que se podia equilibrar uma má colheita de alimentos, pois os guerreiros iriam roubar de outra cidade, que tivesse sido mais bem-sucedida com a agricultura, o alimento que faltava para eles. Essa dimensão econômica da guerra, que é pouco mencionada quando pensamos a origem da política e da Filosofia, foi crucial para o estabelecimento das primeiras democracias. Num reino, depois de uma batalha vencida, tudo aquilo que um soldado não conseguia carregar tornava-se 152 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV propriedade do rei. As terras, as armas, os mantimentos, enfim, o botim de uma guerra pertencia ao rei, que distribuía presentes aos que o auxiliavam na manutenção do poder. Na cidade democrática, este botim era repartido por todos, pois havia um fundo da própria cidade que acumulava riquezas em benefício comum de seus cidadãos. Daí a necessidade de regras que deixassem clara a partilha dos bens conforme a partilha do poder. Com o comércio entre as cidades gregas, as famílias proprietárias se reconheciam como iguais, independentemente das cidades em que viviam, e a participação dos enriquecidos na vida pública era esperada, pois ali estava o espaço para que seus interesses fossem defendidos, protegidos num ambiente onde reinava a paz social. Nas cidades, os agricultores ou camponeses que tivessem empobrecido podiam se estabelecer como artesãos e comerciantes, retornando eventualmente a uma situação de poder e liberdade que seria impossível caso tivessem permanecido no campo e continuado a ser servos de outra família proprietária de terras. As cidades de então, da mesma forma que as cidades modernas, permitiam que certo excedente de alimento atraísse também aqueles que se sustentavam com o trabalho assalariado, que eram genericamente chamados, naquele tempo, de pobres, ou seja, não proprietários. Mas os pobres participavam também das guerras e, portanto, acreditavam que eram tão credores de participação quanto os ricos (CHAUI, 2000). A participação militar de todos os homens sugeria que, em caso de uma revolta na cidade, o resultado seria uma carnificina. A solução para controlar os ânimos era a política. Em Atenas, os chefes políticos atuaram como legisladores, criando uma divisão territorial das cidades para tentar diminuir o poder das famílias proprietárias A cidade de Atenas, a polis, foi dividida em unidades sociopolíticas chamadas de demos. Quem nascia num demo, mesmo que fosse pobre, tinha assegurado o direito de participar das decisões da cidade. Em Atenas, todos os naturais de um demo tinham o direito de participar diretamente das decisões gerais, daí o regime ser uma democracia. Na cidade de Esparta, o poder político estava diretamente apoiado pelo poder militar. Mas mesmo uma ação militar tinha de ser aprovada pelas autoridades políticas, já que em todas as cidades gregas os cargos militares eram votados pelas assembleias dos cidadãos e não eram hereditários. A separação dos poderes foi a grande característica da cidade grega, sendo posteriormente adotada pela República Romana. A primeira separação que foi criada se deu entre o poder privado e pessoal do chefe de família, que exercia total controle dentro da sua casa e das suas terras, e o poder público da cidade, que era impessoal e coletivo. As funções no governo eram decididas pelo voto, sem direito à hereditariedade. A autoridade civil era superior à autoridade militar, o que só foi possível porque os guerreiros eram ao mesmo tempo cidadãos. A autoridade religiosa – que no Egito, por exemplo, sustentou várias dinastiasde faraós – era respeitada, mas não tinha força de determinar a lei. A lei na cidade expressava a vontade coletiva e pública. A vontade coletiva definia os direitos e os deveres para todos os cidadãos. Com a lei, veio a discussão do direito e o impedimento de os indivíduos fazerem justiça por conta própria no 153 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA espaço da cidade. Para isso, foram constituídos os tribunais e os magistrados (CHAUI, 2000, p. 485). O monopólio da força e da violência se tornou coletivo, exercido em nome da cidade. Ao mesmo tempo, os impostos foram coletados para serem investidos nas melhorias em favor do bem comum. Todas essas ações em conjunto criaram a política, a discussão das condições de poder num estado organizado pela impessoalidade. A contribuição da República Romana à cidadania e à democracia aconteceu antes de Caio Júlio César se tornar ditador e posteriormente imperador romano. Depois dele, Roma se tornou um império, fornecendo o modelo do que seriam a Idade Média e o feudalismo. Mas antes disso e por trezentos anos, a república romana foi um exemplo de democracia e de cidadania. Os parâmetros políticos de organização da República Romana hoje em dia são importantes para vários países da atualidade. 7.3 A contribuição romana Dito de forma simplificada, a República Romana era uma organização política para o controle da cidade muito parecida com aquilo que Atenas tinha estabelecido na Grécia. Mas a diferença de Roma para as demais cidades gregas é que desde seu início os romanos entenderam que a sua cidade deveria dominar as demais. No início, a guerra era de defesa contra os etruscos, uma civilização que habitava a Península Itálica na mesma época em que os gregos dominavam o mundo mediterrâneo. Depois de dominarem os etruscos e finalmente toda a península italiana, os romanos resolveram tornar a guerra de dominação um grande negócio de Estado; assim, armaram exércitos e dominaram todas as demais terras e os outros povos que eles puderam encontrar. A organização política de Roma também era estruturada pelas grandes famílias. Seus chefes de família eram os patrícios, grandes proprietários de terras que tinham poder de vida e morte sobre todos os que lá habitavam. Esses homens controlavam também as tropas de defesa de suas terras, que eram organizadas na forma de milícias. Esses grandes senhores proprietários de terra foram de fato os primeiros que se acreditaram como de família nobre. Eles formaram em Roma o Senado. No Senado, eles se consideravam iguais e discutiam o governo da cidade de Roma, votavam leis e impostos e acordavam campanhas militares. Os patrícios que constituíam o populus romanus e seu regime político eram uma oligarquia. Aqueles que não eram proprietários e pobres formavam a plebe, que tinha o direito de eleger um representante, chamado tribuno da plebe, para negociar os interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que controlavam o poder. Tanto na Grécia Antiga como em Roma, o poder político buscava sempre apoio nas autoridades religiosas. Os dirigentes políticos gostavam da aprovação e da proteção dos deuses, mas sem que isso pudesse significar a submissão da política à autoridade sacerdotal. Nas cidades governadas por reis, o poder era despótico, e todas as decisões ocorriam a portas fechadas, entre amigos e conselheiros, seguindo sempre a vontade da pessoa do rei. Na política, a sociedade exigia 154 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV que todas as decisões fossem públicas e mediadas por uma lei que era aceita por todos. Isso significava aceitar que a lei podia mudar para dar conta das novas situações que pudessem acontecer entre as pessoas. Não havia o predomínio de leis religiosas, que não podiam ser mudadas nunca. Para poder governar as cidades, os gregos e os romanos tornaram a política inseparável do tempo, pois o governo devia aceitar as ideias que surgiam todo dia e conviver com elas, como resultado dos problemas surgidos em decorrência das relações sociais. Em vez de reprimir os conflitos com o uso da força e das armas, a política aparecia para resolver de forma legítima os conflitos. Mas a decadência e a corrupção da política acabavam trazendo de volta o poder despótico, geralmente por força militar, comandada por um general que desejava virar ditador ou rei. Os gregos e os romanos viviam numa sociedade com valores e princípios muito diferentes dos nossos. Sua economia era agrária e escravista (CHAUI, 2000), e os escravos não tinham nenhum direito de participação política. Como a sociedade era patriarcal, as mulheres também não tinham cidadania e não participavam da vida pública. Também eram excluídos os estrangeiros e os miseráveis. A cidadania era exclusiva dos homens adultos livres nascidos no território da cidade, em demos ou tribus. A classe social era então, como hoje em dia, pré-requisito para muitos cargos. Os ricos também contribuíam para a cidade pagando por festas públicas, jogos esportivos e pela construção de templos e teatros, exercendo um poder desigual sobre a cidade – não era uma sociedade justa como tentamos organizar hoje em dia, respeitando os direitos individuais. Mas eles foram os primeiros que conseguiram organizar a coletividade sem precisar apelar para a violência o tempo todo. Neste sentido, a política e suas negociações acabaram permitindo mais paz social do que acontecia nos regimes tirânicos. Na história cronológica do mundo ocidental, depois que Caio Júlio César se tornou imperador e transformou Roma num império, toda forma de organização do Estado foi, de alguma forma, despótica. Depois que o Império Romano adotou o cristianismo como religião universal do império, os sacerdotes tentaram impor o poder religioso sobre o poder civil, sendo muitas vezes bem-sucedidos. Como a Igreja pensava a hierarquia a partir das palavras de Jesus Cristo “Meu reino não é deste mundo” (JOÃO, 18, 36), a forma sagrada de governo era a monarquia. Isso impediu que durante quinze séculos pudesse ser exercido o poder civil através do voto e da organização democrática. Quando aconteceu a Revolução Americana, inspirada pelos filósofos iluministas franceses, e logo em seguida ocorreu a Revolução Francesa, as monarquias resistiram fortemente à mudança. Basta pensarmos que até hoje vários dos principais países do mundo ainda são monarquias. Depois da Primeira Guerra Mundial, quando as principais monarquias acabaram perdendo o poder, como na Rússia, na Alemanha e por todo o leste da Europa, a forma de participação democrática acabou se impondo. 155 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA 7.4 Democracia e cidadania Mas a própria democracia ganhou no século XX várias formas diferentes de exercício. Monarquias e repúblicas hoje em dia são, nos países ocidentais, democracias. As ideologias que nasceram no século XIX, principalmente o liberalismo e o socialismo, evoluíram para se adaptarem a algum tipo de proposta democrática. Mesmo que essas duas correntes ideológicas tenham diferenças profundas de visão, a ideia do voto para decidir a política através de assembleias permaneceu. O que se discute, hoje como em Roma, é quem tem o direito de participar da vida política. Isto porque numa democracia todos concordam que a forma de tomada de decisão é mais importante do que as próprias decisões, que podem ser reformuladas (BOBBIO, 1993). A negociação dos costumes como forma de regular a moral do comportamento humano acontece numa democracia por consequência das novas formas de relacionamento humano, ditadas pelas inovações tecnológicas. Não seria possível fazer leis sobre o comportamento na internet quando não existia a internet. No séculoXX, a história mostrou que todas as tentativas de impor qualquer moral ou valores numa sociedade acabaram resultando em revoltas e guerras – e, pior, em regimes autoritários. No século XXI, percebe-se que a manutenção da paz no espaço público é estabelecida a partir da negociação política. É do povo, rico ou pobre, homem ou mulher, que surge a vontade para a manutenção ou as transformações dos valores e das leis. Assim, na democracia moderna há uma valorização das regras coletivas que determinam que os governantes precisam justificar logicamente seus projetos e atos de vontade aos eleitores para continuarem no poder. O grupo derrotado numa disputa eleitoral poderá ser eleito para exercer o poder num outro momento. A democracia moderna é o espaço de tolerância às ideias políticas e religiosas. Toda opinião deve ser respeitada, menos aquelas que desejam acabar com a própria democracia e fazer acontecer de novo o poder despótico, como uma tirania, ou uma ditadura. As leis são decididas nas assembleias locais, regionais, nacionais e até mesmo internacionais. A forma de eleição ainda é fruto de muita discussão, pois na maioria das democracias as eleições são diretas, mas a representação é indireta. O povo vota em seus representantes, que em nome do povo votam as leis. Acontece que muitas vezes o representante acaba assumindo posições que o próprio eleitor não escolheria. Mas outro avanço da democracia moderna é que os critérios para ser votado são públicos e permitem que a maioria da população tenha esse direito. Hoje em dia não existem mais barreiras econômicas, étnicas, religiosas ou de gênero para que um cidadão se candidate. Se os cidadãos não podem participar sempre diretamente das decisões políticas, têm condição de influenciar o comportamento dos seus representantes através do voto e das manifestações públicas das suas preferências. O espaço público hoje conta com essa nova forma de comunicação, que é a internet, e produz um espaço chamado de virtual, que na prática está acessível para todos os cidadãos manifestarem as suas opiniões. Se antes as manifestações das opiniões eram controladas e filtradas por 156 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV empresas que veiculavam notícias, a conhecida imprensa, hoje em dia as redes sociais funcionam para que as pessoas famosas e as comuns digam abertamente sua opinião sem medo de serem mortas por causa disso. Certamente as leis que regulam o espaço virtual estão sendo desenvolvidas dentro das democracias, e cada nação acaba adotando os costumes que acredita ser mais adequados para sua cultura. A divergência de opiniões faz nascer por todo o mundo democrático pequenos partidos interessados em defender ideias e estilos de moral que muitas vezes são diretamente antagônicos. A democracia se faz ao longo do tempo, e muitas vezes aquilo que era permitido numa época – por exemplo, fumar cigarros em restaurantes – noutro momento passa a ser combatido. Essas múltiplas realidades políticas possíveis na democracia são o elemento de estudo principal da Ciência Política moderna. Quando a democracia funciona, muitas são as ações que vemos acontecendo nos países, inclusive a corrupção inerente à democracia, que é a demagogia. Na demagogia, os interesses de alguns são disfarçados em interesses de todos. Isto era algo que Aristóteles já tinha pensado: que o povo, quando é composto apenas pelos pobres, poderia buscar seu interesse comum, constituindo um bom governo, ou simplesmente promovendo uma revolta contra os ricos, criando outra forma degenerada de governo. 7.5 Os ideais socialistas Tentar encontrar formas ainda mais democráticas de funcionamento da sociedade foi o que aconteceu de certa forma quando os ideais socialistas, especialmente os ideais comunistas defendidos por Karl Marx, ajudaram a depor o imperador da Rússia durante a Primeira Guerra Mundial, em 1917. De início tudo era permitido, e a favor das pessoas. Mas logo essa liberdade adotou uma ideia de Marx que é muito difícil de ser posta em prática: a ditadura do proletariado. Essa ideia precisa ser explicada, pois é uma das mais belas ideias da democracia. Segundo Marx, a melhor forma de organizar um estado seria a partir da vontade dos cidadãos, organizados por bairros ou distritos. Todas as pessoas poderiam votar e ser eleitas para representar os moradores de uma região. Cada região teria então um representante legítimo, que seria substituído caso não espelhasse de verdade a vontade de seus eleitores. Os representantes do povo formariam assembleias regionais e por sua vez escolheriam seus representantes. Por fim, esses representantes formariam uma assembleia nacional que comandaria o país de forma republicana. Há uma proposta de construção de uma hierarquia de poderes que, em tese, poderia ser abalada caso os eleitores da base resolvessem mudar de ideia a respeito da atuação de seus representantes. Marx deu a essa ideia democrática o nome de “ditadura do proletariado”. Proletário foi a forma que ele chamou os operários, os trabalhadores sem propriedades. A ideia de ditadura se justificava, pois na democracia da República Romana o ditador era um chefe militar que recebia plenos poderes para acabar com uma crise por um tempo determinado. A ideia de ditadura do proletariado seria uma 157 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA democracia de pobres que assumiriam o poder para acabar com as diferenças sociais geradas pela acumulação de riqueza. Infelizmente, na maioria dos países em que isso foi tentado, o que se viu na prática foi a instituição de ditaduras militares, apoiadas por eleições falseadas por um grande partido político. Essa forma de dominação degenerada foi tão bem-sucedida que mesmo países comandados por ricos proprietários, como a Alemanha nazista, a Espanha, Portugal, a Tailândia, o Egito, o México e a Argentina, assim como o Brasil, adotaram as eleições falsas e o controle de um partido poderoso para permitir que os militares governassem em nome dos ricos proprietários de terra, industriais e banqueiros. Marx descobriu sem querer uma fórmula para se instituir uma ditadura com aparência de democracia participativa. 7.6 Liberalismo e socialismo Como vimos, desde a Grécia a maioria das pessoas é pobre e não possui propriedades, sempre sendo controlada, mesmo nos momentos em que se tentou organizar as repúblicas democráticas modernas. No início das repúblicas modernas, nos séculos XVIII e XIX, o povo não tinha direito de votar. Era necessário ser proprietário para poder votar. Mulheres também não podiam votar. No Brasil, até a Constituição de 1988, os índios que quisessem continuar sendo índios, isto é, vivendo em sua cultura, também não podiam votar. A ideia de povo pode ser entendida como a maioria das pessoas pela ideologia liberal, ou como as pessoas que organicamente formam o Estado, que é a preferida dos socialistas. Esta é a maior diferença hoje em dia entre as ideias das pessoas de direita e as de esquerda. As de direita acreditam que os valores individuais devam ser mais importantes do que os valores coletivos. As de esquerda entendem que os valores coletivos sejam mais importantes do que qualquer valor individual. O motivo maior dessa discussão é moral. Marx entendia que o princípio de justiça num Estado deveria receber de cada um conforme sua capacidade e dar a cada um conforme sua necessidade (MARX, 2014). Os liberais acreditam que isso seja uma forma de estimular a preguiça e a falta de vontade de trabalhar – portanto, de não cooperar para a construção da vida coletiva. Por outro lado, a ideologia de esquerda acredita que colocar um valor individual acima de tudo signifique apoiar o egoísmo sobre todos os outros valores que formam a coletividade. Interessante é que ninguém discorda que o ideal doEstado Moderno é a construção do bem-estar comum. A discussão está na forma moral de se alcançar esse bem comum. Os liberais discutem se uma democracia deve ser regida pelo princípio da maioria absoluta ou pelo princípio da maioria limitada. A maioria absoluta seria aquela que pode exercer os direitos absolutos sobre a minoria, e a maioria limitada seria aquela que mesmo tendo vencido as eleições pela maioria dos votos é limitada no exercício do seu poder, pela necessidade de respeitar os direitos da minoria. Os liberais preferem o princípio da maioria limitada, pois acreditam que isso represente melhor a democracia. A esquerda não concorda com essa ideia de maioria e minoria, pois acredita que a maioria sempre deva expressar a maioria das pessoas, e certamente os ricos são sempre minoria. Portanto, respeitar o direito da minoria neste sentido é permitir que exista espaço, numa democracia, para a exploração dos pobres pelos ricos. 158 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV Temos de entender que existe uma questão cronológica entre as bases dos pensamentos de esquerda e de direita. Há trezentos anos, o mundo era governado por reis e imperadores, que consideravam que tudo pertencia basicamente a eles e que a pessoa do rei exemplificava a existência do Estado. Isso pode parecer um delírio hoje em dia, mas os reis acreditavam nisso, pois também acreditavam que eles governassem seus reinos em nome de Deus e que seriam protegidos por Ele se assim o fizessem. Hoje, na política, ninguém mais acredita que Deus determine o destino dos homens. Sabemos que cada ser humano desenha seus destinos a partir das escolhas que faz, dentro das possibilidades que tem. O pensamento liberal nasceu com comerciantes que se tornaram ricos porque trabalharam duro no comércio e ficaram mais ricos que os nobres que não trabalhavam e viviam de uma comissão que eles ganhavam do rei para cobrar os impostos tanto das pessoas ricas quanto das pobres. A inovação tecnológica fez surgir a Revolução Industrial. Primeiro, o matemático inglês Isaac Newton entendeu como funcionava e podia ser calculada a força da gravidade. Depois, ele percebeu como as forças se compunham na natureza e cunhou a expressão: para cada ação existe uma reação de igual força. Com base nessas ideias foram desenvolvidos os primeiros motores a vapor, que permitiram o aumento da produção industrial – primeiro, na indústria de tecidos, e logo no desenvolvimento da mecânica e das técnicas de fundição, que permitiram a fabricação de máquinas de ferro em substituição às máquinas de madeira. Em pouco tempo, os industriais estavam produzindo uma quantidade de produtos nunca antes vista na história da humanidade. Se a mulher da nobreza tinha um vestido novo por estação – primavera, verão, outono e inverno –, a mulher burguesa tinha uma coleção de vestidos e de sapatos para cada estação. Esses homens burgueses foram quem fizeram a consolidação das democracias e das repúblicas, obrigando os nobres e os reis a viverem cada vez mais limitados dentro das suas propriedades e sendo obrigados a trabalhar. O homem liberal nunca teve como ideal não trabalhar; ele sempre acreditou que o trabalho dignificasse. Mas, para os liberais, a liberdade e a justiça sempre foram princípios mais importantes do que a igualdade. Para eles a ideia de igualdade é uma perda de tempo. Se os nobres e os religiosos queriam perder seu tempo se considerando melhores que os outros por causa de seus títulos e sua pretensa hereditariedade, os liberais acreditavam que qualquer um pudesse nascer pobre e se tornar rico, pois todos os homens nasciam iguais. Por causa dos avanços tecnológicos do século XVIII, em um século as cidades da Europa e dos Estados Unidos receberam milhões de novos habitantes. Eram os camponeses pobres indo buscar trabalho nas cidades, fugindo principalmente da fome, mas também da exploração dos proprietários de terra, que ainda no século XIX eram nobres em sua maioria. O primeiro êxodo rural começou na Inglaterra, mas logo se espalhou por outros países de forma semelhante. Por um decreto do rei inglês, as pequenas vilas do interior da Inglaterra perderam o direito de cultivarem a terra comum da aldeia. Há séculos que o alimento era plantado por eles mesmos, e a fome era saciada a partir do esforço das pessoas, incluindo aí mulheres e crianças. Mas, com as fábricas, 159 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA os nobres, num último esforço de viverem à custa da exploração do povo, confiscaram essas terras comuns e esses direitos dos aldeãos, cercando as terras e criando ovelhas de forma extensiva. Assim, com pouco esforço, produziam a lã necessária para que as fábricas fizessem roupas e cobertores. Este foi o processo das enclosures, que de certa forma foi imitado por todos os países que estavam se tornando industrializados. Entre os séculos XVIII e XIX, na Inglaterra, as pessoas do campo foram para as cidades porque perderam seu direito de produzir o próprio alimento. Nas cidades, passaram a trabalhar por um salário. Como existiam mais pessoas pobres do que postos de trabalho, o valor do trabalho era depreciado pelos industriais. No início do século XIX, as cidades industriais tinham grandes populações faveladas, vivendo precariamente e se alimentando como podiam. É nesse momento que surgem as ideias socialistas, também na Inglaterra. Os socialistas, entendendo que todos os homens não apenas nascem iguais, mas são iguais, consideravam esse estado de exploração dos ricos pelos pobres uma situação odiosa e inaceitável. Propuseram uma série de regras e limitações que foram lentamente permitindo a regulação da vida nas cidades. O trabalho diário de 8 horas, a folga no fim de semana, a liberdade de associação dos trabalhadores para definirem num sindicato o valor da sua hora de trabalho, a proibição do trabalho infantil, a educação pública e gratuita, todas essas ideias nasceram ou foram postas em prática pelos movimentos socialistas. Para os socialistas, não há justiça onde não há igualdade. A liberdade é a garantia de ser tratado como um igual perante a lei. Vemos então que o pensamento liberal antecede o pensamento socialista. Isso não significa que o pensamento liberal não tenha desenvolvido lutas importantes nas conquistas da humanidade. Os liberais lutaram pela garantia de proteção contra o poder do Estado, bem como pelo habeas corpus, que é uma garantia constitucional a favor de quem sofre alguma violência, geralmente a prisão de forma ilegal proporcionada por uma autoridade. Também os direitos civis, como a liberdade de pensamento, de religião, de informação, de livre reunião política do direito de votar e ser eleito foram propostas do pensamento liberal. A vida contemporânea no início do século XXI nos países ocidentais é, portanto, o resultado da negociação política de todas essas ideias liberais e socialistas convivendo dentro do Estado de Direito, ou seja, dentro do Estado que se regula através das leis. No século XX, surgiram outras ideias que não tinham sido pensadas anteriormente, como o respeito à natureza (a ecologia) e a liberdade de escolha de casamento entre as pessoas de etnias ou religiões diferentes, ou mesmo de pessoas do mesmo gênero. Há cinquenta anos, as mulheres deviam, por lei, obediência a seus maridos, e crianças e adolescentes podiam ser espancados por seus pais. Outra questão importante foi a descoberta, por Marx, da existência do capital. Antes de Marx, as pessoas falavam em dinheiro ou em riquezas. Ele percebeu que uma grande massa de dinheiro é diferente do tesouro do rei ou de uma grande fortuna de um industrial. Percebeu também que, quando os operários trabalham, sua hora de trabalho não é uma porcentagem do valor da mercadoria que eles fabricam. O lucro da venda damercadoria, sim, é uma porcentagem do valor de venda da mercadoria. Desta forma, o lucro nada mais é do que um dinheiro que poderia ser dividido com o operário que fabricou a mercadoria, mas é guardado pelo dono da fábrica. 160 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV Isto Marx chamou de mais-valia. O capital é a formação de uma riqueza derivada da mais-valia. Em outras palavras, a quantidade de horas de trabalho que poderia ser mais bem-remunerada, mas cuja diferença é embolsada apenas pelo industrial, de forma egoísta. O capital se transforma então numa quantidade de dinheiro muito grande, para a qual se passa a buscar novas maneiras de investir em atividades e trabalhos que tragam mais lucros. Neste sentido, a agiotagem, que se constitui na atividade de emprestar dinheiro a juros muito altos, e cobrar com violência o valor devido de quem não consegue mais pagar, é a atividade que mais gera dinheiro. Na década de 1990, os liberais perceberam que era um bom negócio emprestar dinheiro de um país para outro e também de pessoas de um país para pessoas de outro, cobrando juros altos. Esta atividade descontrolada só terminou quando, em 2008, os bancos que mais promoviam a agiotagem faliram por falta de pagamento das pessoas que não conseguiam mais pagar juros tão altos. 7.7 As ideias filosóficas que dão suporte ao liberalismo e ao socialismo modernos O liberalismo moderno nasceu de uma ideia de Charles Sanders Peirce que foi utilizada para justificar o avanço do progresso alcançado pelas ideias liberais. Num ensaio de 1878, intitulado Como Tornar Claras as Nossas Ideias, Peirce percebeu que havia pragmatismo quando uma concepção, ou seja, o significado racional de uma palavra ou de outra expressão, consistia exclusivamente em seu alcance concebível sobre a conduta da vida (PEIRCE, [s.d.]). Ser pragmático significa que a pessoa deve considerar os efeitos que poderão ter alcance prático sobre aquilo que nós pensamos sobre ela (ABBAGNANO, 2007). A função do pensamento é produzir hábitos de ação. Então, por exemplo, se pensamos que nosso filho deveria ser médico, podemos fazê-lo brincar de médico, sugerimos que ser médico é a melhor profissão entre todas, elogiamos publicamente os médicos e a Medicina e facilitamos tudo para que ele possa estudar para ser médico. A moral dessa forma de pensar é: quando pensamos em alguma coisa que poderia ser um desejo, nossas ações na direção para que aquilo se realize devem ser organizadas de tal forma que a sua realização esteja assegurada. Segundo Peirce [s.d.], os hábitos surgem da exigência de encontrar um procedimento experimental ou científico para fixar as crenças. Isso demonstra como o pragmatismo se tornou também uma ideologia, além de uma filosofia. O conjunto de regras que organiza o pragmatismo sugere que a vontade determinada por uma ideia nasce de um indivíduo exercendo sua liberdade. Desse ponto de vista, as ações e os desejos humanos condicionam qualquer tipo de verdade, inclusive a verdade científica. Daí o pragmatismo ser uma ideologia a serviço das ideias liberais. O contrário desse pensamento, adotado hoje em dia pelas diversas escolas de socialismo, é a dialética. A dialética não é também uma escola de pensamento, mas é uma prática do pensar. A dialética está presente em Filosofia desde os diálogos de Sócrates escritos por Platão. Mas a dialética moderna surge do pensamento de Hegel examinando a forma de dialética proposta por Proclo, que foi um filósofo grego neoplatônico que viveu entre 412 e 485 no Império Bizantino (Império Romano do Oriente) na atual Turquia (ABBAGNANO, 2007). 161 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Evoluindo o pensamento de Hegel, para quem a dialética só servia para a discussão de ideias em si, não possuindo valor prático eficaz, Engels concebeu a dialética como a síntese das oposições: O reconhecimento de que essas oposições e diferenças estão realmente presentes na natureza, mas com validade relativa, e de que a rigidez e a validade absoluta com que são apresentadas são introduzidas na natureza só pela nossa reflexão constitui o ponto central da concepção dialética da natureza (ENGELS, 1877). Engels (2015), a respeito das regras dialéticas, afirma que elas nada mais são do que as leis mais gerais de ambas as fases da evolução e do próprio pensamento. A dialética de marxista funciona a partir de uma investigação lógica em três passos: o primeiro é a proposição de uma ideia; o segundo é o questionamento desta ideia; e o último passo é uma nova ideia que sintetiza as duas ideias anteriores. Esse mesmo movimento dialético tinha sido percebido pelos alunos de Hegel dentre as suas propostas. Marx, que também tinha sido aluno de Hegel, fixou-a dessa maneira. Então, se dizemos que João é pobre, podemos refutar esta ideia dizendo que João é pobre porque não trabalha. Na lógica formal, chegaríamos à conclusão de que João é pobre porque não trabalha, mas na dialética podemos afirmar que João é pobre porque não trabalha porque não encontra trabalho. A conclusão dialética marxista permite que se busque o entendimento das duas proposições anteriores com uma terceira proposição, e não apenas com uma conclusão. Isso faz que o pensamento dialético nunca tenha fim, questionando a realidade sempre a partir da verdade expressa nas proposições anteriores. A primeira ideia é chamada de tese; a segunda é chamada de antítese; e a terceira é a síntese. Assim, o pensamento de esquerda está baseado não no desejo nem na vontade de uma pessoa, mas no diálogo investigativo sobre a realidade das coisas. Neste sentido, a discussão pode até durar muito tempo e não ser objetiva, mas só termina quando as pessoas acabam aceitando a conclusão de um grande debate sobre a realidade, que é uma forma de se encontrar o consenso. Tal debate entre ideias liberais e socialistas vem acontecendo desde o século XIX e perdurou por todo o século XX. Isto porque Marx afirmou que um Estado pode ser entendido como o conjunto de dois mecanismos sociais atuando para sua manutenção: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura são todas as relações econômicas que organizam a produção das coisas materiais. A superestrutura é composta da organização política, jurídica e cultural da sociedade. Então, tudo o que acontece na superestrutura, na política, no sistema jurídico e na cultura de uma sociedade deriva da sua organização econômica, ou seja, da organização da produção das coisas materiais. Daí o nome materialismo para sua doutrina. A discussão que perdura é se a infraestrutura deve atender a todos os cidadãos de forma igual ou se os ricos têm o direito de construir com liberdade a sua infraestrutura. Percebe-se que essa decisão depende diretamente da permissão da superestrutura do Estado; portanto, os ricos se esforçam para influenciar de todas as formas a sua composição. 162 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV O mais interessante é que tanto as ideias liberais quanto as socialistas se baseiam nos conceitos de democracia e cidadania, mas com pesos diferentes. Na concepção liberal, é necessário primeiro ter democracia para que exista cidadania, enquanto a concepção socialista defende o contrário; que primeiro é necessária a cidadania para depois alcançarmos a democracia. Quanto mais se discutem essas duas ideias, mais é previsível que em determinado momento se alcance um consenso através de sua síntese. Na verdade, alguns Estados e partidos políticos já tentaram essa unificação. Do lado do liberalismo, Keynes, um economista inglês, sugeriu que o Estado deve atuar para resolver os problemas econômicos da sociedade. Assim, o Estado deve proporcionar a infraestrutura necessária para o bem público, ochamado welfare state. Uma vez resolvidos os problemas econômicos com a intervenção do Estado, os cidadãos poderiam prosperar, mesmo permitindo ações capitalistas de alguns dos seus membros. Os partidos social-democratas surgidos principalmente na Europa depois da Segunda Guerra Mundial pensaram o mesmo na ordem inversa: para que a democracia permita a ação capitalista de alguns de seus indivíduos, é necessário que essas ações estejam reguladas antes pela política, pela justiça e pela cultura, para que depois possam existir no plano econômico. Isso porque a forma de permitir as ações individualistas precisa antes estar regulada pela garantia da cidadania de todos os participantes da sociedade. A maior novidade neste sentido veio da China. Depois de um período de aproximadamente trinta anos tentando resolver as questões da infraestrutura através da concepção marxista de controle total da economia, os chineses resolveram dividir o país em dois tipos de zonas econômicas. Nas áreas pobres e nas rurais, continuam valendo as regras da esquerda, onde primeiro se organiza a infraestrutura para todos os cidadãos. Por outro lado, em algumas grandes áreas urbanas nas quais os índices de analfabetismo foram reduzidos e todos os habitantes já têm noção da importância das regras de igualdade da cidadania, existe liberdade para que o indivíduo promova ações capitalistas em benefício próprio, pois as questões de infraestrutura já foram resolvidas a partir do consenso sobre a superestrutura. Tudo isso nasce a partir da vontade de eliminação da pobreza com uma distribuição igualitária da produção econômica. Como estabeleceu Deng Xiaoping, líder chinês nas décadas de 1980 e 1990, “Não importa se um gato é preto ou branco, se ele caça os ratos, então ele é um bom gato”. Isso quer dizer que se o sistema precisa ser adaptado para eliminar a pobreza, o sistema é bom. Foi a primeira vez que o pensamento pragmático foi posto em prática sob um conjunto de regras estabelecido pelo socialismo. Sobre essas ideias, vamos acompanhar um pouco o diálogo entre Renato Janine Ribeiro e Mário Sérgio Cortella: Ribeiro – Há algo curioso na dimensão política mais ampla: por um lado, as pessoas não sabem exatamente o que esperar da política – talvez devesse ser uma vida boa no quadro de instituições justas, mas nem mesmo essa noção se faz muito presente. Por outro lado, sentem que os resultados obtidos são limitados – talvez nós, brasileiros, esperemos os resultados num certo estilo que ainda lembra Getúlio Vargas: benefícios sociais que 163 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA melhoram a vida do indivíduo, mas sem empoderá-lo. Ele ganha benefícios, mas não se torna sujeito de suas escolhas. Penso que, desde a democratização, em 1985, tivemos uma sequência de avanços sociais. Entretanto, não notei propriamente crescer a sensação de que as pessoas sejam senhoras da própria vida, coletivamente. E isso é muito negativo. Cortella – A sensação de que elas são beneficiárias. Janine – Exato. Cortella – Nesse sentido, uma grande diferença entre nós e os norte-americanos é que eles construíram uma sociedade – independentemente de qualquer sentimento de admiração pelo conjunto da obra – fundamentada em alguns elementos centrais da democracia e da liberdade, e estas são marcadas pela ideia do cidadão público, e não do cidadão privado. Parece contraditório falar em cidadão privado, mas estou me referindo ao cidadão como indivíduo, e não usando o termo na acepção francesa. O enfoque norte-americano, por exemplo, é diferente do nosso inclusive pelo modo como dialogamos. Se um brasileiro e um americano estiverem num confronto, o diálogo que travam te[rá] um quê de insano, porque enquanto o brasileiro diz “Você sabe com quem está falando?”, o americano pergunta “Who do you think you are?” [“Quem você pensa que você é?”]. Esse tipo de relação é um confronto político em relação a formações nacionais, de história. O brasileiro se coloca na condição de beneficiário do Estado, e não como agente do Estado. Já o norte-americano, quando confrontado com um agente do Estado (alguém do governo, por exemplo), declara: “Eu sou cidadão. Eu pago imposto”. Nós começamos a utilizar essa frase nos últimos anos, mas até pouco tempo atrás essa ideia não nos era familiar no Brasil. A diferença cultural de visão fica evidente, para mim, quando tento explicar, em debates com americanos ou pessoas de outras nacionalidades, o que entendemos por cidadania no Brasil. Percebo que o conceito não fica muito claro. Já me perguntaram: “Mas por que vocês estão lutando por cidadania plena? Vocês não têm democracia?”. Acontece que nosso conceito de cidadania não se esgota na democracia como ato de votar e ser votado. A gente não se contenta em ser, usando um termo do Gilberto Dimenstein, um cidadão de papel. Como se poderia traduzir a palavra cidadania para outros idiomas? A ideia contida na palavra citizenship não cobre todo o significado de cidadania, não é tão abrangente. Para um norte-americano, cidadão é aquele que pode votar e ser votado, que tem seus direitos. Para nós, quando falamos, na política, em cidadania plena, estamos nos referindo à escola de qualidade para todos, atendimento de saúde adequado, 164 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV possibilidade de trabalho digno etc. Em resumo, nós mesclamos a noção de cidadania com direitos humanos e direitos sociais. Janine – Exatamente, Mario, direitos sociais. Não sei se você se lembra da época em que houve a democratização... Se não me engano, quando Mário Covas foi prefeito da cidade de São Paulo, foi estampado nos ônibus o seguinte slogan: “Transporte público: direito do cidadão, dever do Estado”. Cortella – Foi isso mesmo. Ele foi prefeito de 1983 a 1985. Janine – Isso me chocava porque, na democracia, o Estado não pode ser algo externo aos cidadãos; na verdade, é como se fosse produto deles. Do meu ponto de vista, esse slogan serve de exemplo para a tese que você acaba de apresentar, Mario. A intenção podia ser ótima, mas indicava que o Estado deve dar aos cidadãos determinadas coisas, e não que o cidadão deve construir o Estado que forneça tais coisas. A ideia do povo norte-americano é outra. Para eles, a noção de contribuinte, de quem é cidadão porque paga impostos, é fundamental, ao passo que, para nós, falar nisso nos causa certa vergonha. No Brasil, temos dificuldade em construir uma ideia de cidadania que tenha uma de suas bases no pagamento de impostos. Ribeiro – Tentamos o tempo todo encontrar outro fundamento para a cidadania que não o pagamento de impostos. Por exemplo, o indivíduo seria cidadão naturalmente, apenas por nascer ou viver no território do Estado. Tal condição não estaria ligada a uma contrapartida, na forma de pagamento ao tesouro público. O problema desta nossa concepção, aparentemente mais generosa, é que ela não pensa que aos direitos correspondem obrigações, e que o sustento do Estado depende de nós, cidadãos. Talvez por isso, muitos pensam que o dinheiro público pode ser gasto a rodo, como se não tivesse dono, como se não tivesse custo. Cortella – Há até um dado curioso nisso: nos últimos vinte anos, todas as vezes em que se falou em reforma tributária, no Brasil, a intenção foi a de diminuir a tributação, e não de ordená-la para que se alcance maior justiça social. Algumas entidades, até de natureza empresarial, ligadas às elites, chegam a argumentar que o caixa dois é obrigatório; que, se o imposto for pago em dia, não se consegue obter lucratividade justa. Portanto, no conjunto, a ideia da presença do Estado como um arrecadador de tributos é ofensiva. Ou seja, seria uma espoliação. E isso ainda se soma à questão do pouco retorno pelos impostos pagos, um retorno abaixo das expectativas.Janine – Pode ser por isso que muitos cidadãos, talvez a maioria, confundam ineficiência da máquina estatal com delinquência estatal. 165 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Cortella – E são duas coisas diferentes. A delinquência estatal não está necessariamente ligada à capacidade de ação pública – na verdade, ela geralmente é consequência de incompetência ou de má-fé. Vale lembrar que o Brasil não é um dos países de maior nível de tributação, ele está no pelotão intermediário. Mesmo que fosse, ainda assim há outras nações em que os cidadãos não têm um retorno correspondente ao que pagaram. A Itália, por exemplo, tem uma tributação alta, e o cidadão italiano não tem necessariamente um retorno na mesma proporção. Entretanto, no meu entender, a questão é que a não participação política pública do cidadão no cotidiano facilita a delinquência estatal, e esse mesmo cidadão supõe que pode cobrar uma eficácia que não sustenta como, digamos, proprietário do Estado. É como você disse, Renato: é como se o Estado fosse uma coisa e eu fosse outra. Parece que ressuscitaram o Gramsci agora para separar de uma vez por todas sociedade política de sociedade civil. Outro dia estive em um debate com empresários sobre a temática da corrupção. E um deles me perguntou: “Você não acha que a eliminação da corrupção no Brasil é uma questão de educação? Isto é, não caberia à escola formar os jovens para não serem corruptos?”. Respondi: “Pode até ser, mas há um jeito mais fácil de extinguir a corrupção. Como, para existir corrupção, tem de haver um corrupto e um corruptor, e como o corruptor, de maneira geral, é aquele que tem dinheiro para corromper, basta então que este indivíduo não corrompa a outros”. Do ponto de vista operacional, não é difícil. Se o empresário é aquele que possui dinheiro e a corrupção é feita com esse capital, não o utilize para fazer isso e a corrupção acaba. Pode parecer óbvio, mas o espanto é grande, porque sempre se supõe que o processo de higiene política tem de ser feito num outro lugar que não aquele em que estou. Janine – Talvez fosse melhor explicar mais detidamente a injustiça. Fonte: Cortella; Ribeiro (2010, p. 25-6). 8 AS QUESTÕES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Neste último tópico vamos tentar fazer um resumo para relembrar como a Filosofia sugeriu ideias que acabaram postas em prática na vida política. O cientista político até hoje trabalha com ideias que derivam da Filosofia grega, mas desenvolve suas teses influenciado diretamente pela Filosofia dos iluministas e dos pensadores do século XIX. De alguma forma, enquanto novas ideias filosóficas não forem assumidas para comandar as ações práticas da vida, trabalhamos com modelos que foram pensados num outro contexto histórico e social. Muitas vezes, verificamos que a Ciência Política ainda está afirmando ou refutando modelos de pensar que tentavam descrever uma realidade que não existe mais. Por outro lado, os cientistas políticos verificam que as realidades do passado ainda existem no presente, disfarçadas com outros nomes, mas com os mesmos efeitos para o ser humano. 166 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade IV No presente, temos variações entre o liberalismo e o socialismo comandando a realidade política dos Estados. Mas não podemos esquecer que apesar de a democracia e da república serem formas majoritárias de governos em todo o mundo, ainda existem monarquias e tiranias. A maioria das monarquias aceita a democracia como regime político de fato, e muitas repúblicas democráticas são tiranias disfarçadas. Dentro das democracias, temos situações regionais em que o regime de fato é uma oligarquia ou uma aristocracia, e em poucos locais funciona a democracia direta, com o voto dos cidadãos decidindo diretamente as ações legislativas. É importante lembrarmos que estamos vivendo um momento de transformações importantes na comunicação entre as pessoas. A internet aliada ao telefone celular modificou profundamente o registro e o comentário dos acontecimentos ao redor do planeta. Para cada ação, temos hoje em dia como identificar quem a promove e quais as suas consequências imediatas. As pessoas se interligam a partir de interesses pessoais comuns que ultrapassam até mesmo as fronteiras da língua, e sabemos que as redes sociais tornaram evidente a proposta do sociólogo Manuel Castells, que sugeriu que devemos pensar a realidade social como redes de interesse que se entrelaçam de forma complexa (CASTELLS, 2007). A participação política neste sentido ultrapassa as questões exclusivas do poder do Estado, pois vemos o tempo todo como grupos de indivíduos se organizam contra ou favor de questões ecológicas e humanitárias e ecoam pedidos de ajuda dos mais diversos locais do mundo. As opiniões ultrapassam as fronteiras nacionais, muitas vezes expressando as opiniões individuais que também não estão mais limitadas às questões de classe. Por exemplo, o Japão acredita que sua política de Estado em relação à permissão da pesca da baleia não deva sofrer nenhuma limitação por outros Estados. No entanto, como as baleias são pescadas nas chamadas águas internacionais, onde nenhum país tem poder de Estado, há milhares de seres humanos que se sentem no direito de reclamar contra a política do Japão, pois sentem que isso afeta a vida no planeta de modo geral – e, portanto, a sua vida em particular. A tentação seria descrever estas ações a partir das ideias liberais. Mas percebemos que estas atuações supranacionais também não estão de acordo com nenhuma vantagem pessoal, e muito menos concordam com a ideia liberal máxima de que cada um tem a liberdade de agir como quiser. Os militantes das redes sociais que são contra a pesca da baleia não estão reivindicando o direito de proibir os pescadores, eles estão reclamando dos pescadores e de sua pretensa liberdade de atuarem de forma egoísta sobre aquilo que elas entendem como um bem comum: as espécies em perigo de extinção. Assim, a realidade permitida pelas redes sociais de comunicação não extingue determinadas realidades que apareceram e foram comentadas no passado, mas abrem a perspectiva de uma complexidade nas relações sociais que nunca tinha sido verificada anteriormente. Entretanto, algumas observações de pensadores do século XIX, como Comte, Peirce, Weber e Marx, ainda têm validade e até mesmo se beneficiam das redes sociais para darem forma a conceitos teóricos. O capital, por exemplo, utiliza as redes para circular mais livremente entre os países, ocasionando crises financeiras e empobrecimento de países, como vimos na crise financeira de 2008. Por causa dessa 167 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA crise de 2008, os Estados Unidos, que são os maiores defensores do liberalismo, tiveram de utilizar o dinheiro do Estado para salvar da falência fábricas, seguradoras e bancos, rompendo uma política de não intervenção do Estado no setor privado – algo que não ocorria há mais de 150 anos, desde a Guerra Civil Americana. Muitos dos grupos que se comunicam nas redes sociais espelham ideologias positivas como a proposta por Comte. Outros têm comportamento de estamentos sociais, como foi percebido por Weber na sociedade norte-americana do fim do século XIX. Isso sem contar que o próprio avanço da informática e das comunicações segue o pragmatismo sugerido por Peirce, independentemente de ocorrer em países democráticos ou não. Observação Augusto Comte foi o sociólogo que propôs a ideia do positivismo. Na origem, o positivismo era a possibilidade de organizarmos a vida política a partir da lógica e da razão. Neste sentido, e por conta das descobertas da Biologia nos últimos trinta anos, a Sociologia sofre com acusações de que
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