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UFU - UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA THAÍS BARBOSA RIBEIRO TRABALHO DE TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS I Uberlândia 2018 A Psicanálise : seu método de investigação da psique e sua dimensão cultural e sociopolítica do sofrimento A Psicanálise é uma ciência do campo social desde os seus primórdios, Sigmund Freud a cria/sistematiza a partir da escuta de mulheres histéricas em Viena num contexto em que a sexualidade feminina era completamente desprezada e cruelmente reprimida, sendo a mulher uma mera peça reprodutiva, um útero a serviço da manutenção do patriarcado e as desafortunadas histéricas tinham como destino único morrer nos hospícios. Oferecer uma escuta para uma mulher dita louca, reprimida, silenciada, da classe burguesa conservadora, no início do século XX o que é isso se não um corajoso ato sociopolítico ? É claro que ao longo de seu desenvolvimento essa ciência ocupou-se de pacientes da burguesia vienense e não chegou até aos pobres, se fez dentro do consultório psicanalítico de Freud, um neurologista ambicioso que estudou com Charcot, com Breuer e depois seguiu sozinho, escutando os pacientes na clínica e valendo-se dessa experiência para assim ir construindo (e aqui o “indo” é proposital) a Psicanálise, não sem equívocos, não sem reformulações, como por exemplo foi com a Teoria da sedução que é “substituída” pela Teoria da fantasia, digo no gerúndio porque a Psicanálise é essa teoria inacabada, que tem sua base sólida, mas mesmo assim está se construindo, está sendo construída e se abre para novos caminhos. A Psicanálise atualmente não acontece apenas nos tradicionais consultórios particulares frequentados por pessoas que podem se dar ao luxo de pagarem uma quantia significativa por sessão,felizmente já está presente em outros contextos bem menos abastados e como ciência não pronta tem se adaptado a eles. No Brasil essa clínica política com um olhar atento para os fenômenos sociopolíticos e culturais que atravessam drasticamente a existência de sujeitos em desamparo social e discursivo tem lugar na escuta que é oferecida em instituições públicas (pelos SUS, CAPS, em abrigos de crianças institucionalizadas, no judiciário, em campos educacionais, por exemplo), a prática psicanalítica que é feita nessa clínica política tem como dever se atentar aos discursos de poder da política, discursos estes que incidem sobre as populações marginalizadas de maneira a alienar os sujeitos ao discurso de um Outro que nem mesmo os enxerga como sujeitos, como pessoas, um Outro que só enxerga os rótulos degradantes que os mantém como dejetos sociais há séculos, séculos de injustiça, os negros que o digam: uma diáspora forçada, séculos de escravidão e humilhação e depois uma “liberdade” que os lança em favelas, sem dignidade e diariamente vítimas do racismo, que pode ir de um xingamento a uma acusação injusta de roubo e até uma bala na cabeça… Um dos dispositivos mais cruciais desta clínica política é desalienar o sujeito lançado em seu próprio vazio, que foi ferido em seu narcisismo, injustamente culpabilizado da sua condição precária de existência por um sistema social que assassina as subjetividades e impõe um modelo hegemônico de ser, que toma o sujeito de si mesmo, de sua própria vida e história, de seu discurso, o psicanalista desta clínica tem que ajudá-lo no processo de abandonar o discurso do Outro cruel e se colocar como sujeito desejante, que dá contorno ao vazio da sua angústia, faz o seu sintoma, comunica a sua demanda, se apropria da sua história, transmite a sua cultura para as próximas gerações. Para que isso seja possível o psicanalista deve transcender a sua resistência, no sentido de que para escutar verdadeiramente um sujeito que é dizimado pelas mazelas do mesmo sistema político-sócio-econômico com o qual o analista participa, mas num polo oposto, é preciso um trabalho de rompimento com o pacto social do silêncio que mantém uma grande parcela da população na miséria para que um pequeno grupo possa gozar os seus luxos de cada dia, só assim é capaz de enxergar o outro miserável como sujeito do desejo, do inconsciente e também vítima de uma sociedade que funciona em uma lógica completamente perversa. De acordo com Rosa, Estêvão e Braga (2017, p. 367): Pode-se dizer que o psicanalista escuta o sujeito quando não o confunde com o modo, muitas vezes degradado, no qual ele é apresentado no laço social. Laço, nesse caso, marcado por preconceitos de classe, raça, gênero e cultura. Tais preconceitos levam ao sofrimento para além da dor de existir, ou dos padecimentos neuróticos ou psicóticos. O laço social é linguagem, linguagem essa que foi e é a porta de entrada do homem na cultura, na civilização, linguagem que inaugura um lugar para um bebê no mundo que já existe para além dele e se desenrola do “lado de fora” e com o qual esse bebê vai ter que se a ver com, antes mesmo de se tornar sujeito o Outro já espera algo dele. Um sujeito em desamparo discursivo e social tem que lidar com o Outro de maneira a se desalienar, a se separar, porque sobre ele são sustentados discursos preconceituosos que negam as suas experiências singulares, uma verdade tirana que se sustenta acima de sua própria verdade sobre si e que o põe num lugar de culpado, exemplo disso é o discurso da meritocracia, que situa os sujeitos que não atingiram o ideal socioeconômico considerado bem sucedido pela sociedade como preguiçosos que não se esforçaram para chegar lá! A produção de material por meio da pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais, políticos e culturais talvez seja um caminho para auxiliar as práticas psicanalíticas na clínica política, já que o esquecimento de memórias de injustiças é uma prática com a qual a comunidade psicanalítica tem compactuado, como é trazido em Rosa, Estêvão e Braga (2017). A pesquisa psicanalítica tem princípios semelhantes ao da prática na clínica, o analista pesquisador tem que da mesma forma, superar o seu recalque para conseguir escutar o pesquisado de maneira real, escutando realmente o que esse sujeito traz e não o que os seus pensamentos e expectativas insinuam. Há muitas semelhanças entre a clínica psicanalítica implicada na cultura, sociedade e política e a pesquisa psicanalítica que também se atém aos fenômenos sociopolíticos, ambas se dão para fora do ambiente tradicional de consultório psicanalítico entre quatro paredes, ambas têm uma conversa com outros campos de saber e também tem a contribuir com esses outros campos de saber (Antropologia, Ciências Sociais, Ciências Políticas, Filosofia, etc.) e como já foi citado anteriormente requerem que o analista supere a sua resistência em sair do pacto social do silenciamento ante a desigualdade social e escute o sujeito a partir de seu próprio discurso e que o conduza a escutar seu próprio discurso também. No Brasil é de extrema importância a existência da clínica que olha para a dimensão sócio-política do sofrimento, esta sociedade foi construída e está sendo construída a custa do sangue de muita gente, há muita desigualdade e invisibilidade a serem superadas e se um sujeito que se faz nesse social recebe escuta e consegue cura para o seu sintoma, ele pode voltar para esse social e agir sobre ele, transformar as estruturas mesmo que minimamente, ele se faz no social e ao mesmo tempo faz o social, nesse sentido a psicanálise é um instrumento sócio-político. A teoria e prática psicanalíticas por essas e outras ainda estão em construção, a pesquisa psicanalítica dos fenômenos, um olhar aguçado e sensível para o social, são formas de “construir” a Psicanálise, de experimentar, de expandir seus lugares, suas práticas e de levá-la para todas as camadas sociais, democratizando o acesso da população ao que ela por si só tem direito, porque se é essa é a ciência da escuta porque não levá-la aos invisíveis, aos que mais necessitam de uma escuta e de um lugar num mundo que para eles escolheu fechar os olhos, osouvidos e as portas? P.s.: Pouco foi trazido do texto “Dois verbetes de enciclopédia” porque este não se encaixou na proposta de texto que elaborei e se eu fosse trazer conceitos, em apenas 3 páginas de escrita, pouco me restaria para falar sobre o que considerei importante. Referências FREUD, S. (1923[1922]) Dois verbetes de enciclopédia, In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicologicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.18, 1980 ROSA, M.D.A.; DOMINGUES, E. O método na pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais e políticos: a utilização da entrevista e da observação.In: Psicologia&Sociedade; 22 (1): 180-188- 2010 ROSA, M.D.A. ESTÊVAO, I.R. BRAGA, A.P.M. Clínica Psicanalítica implicada: conexões com a cultura, a sociedade e a política. In: Psicologia em estudo, v. 22, p. 359-369, jul/set, 2017
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