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Como citar este material: GOLDSCHMIDT, Cristina. Empregabilidade, Trabalhabilidade e Carreira. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização. SUMÁRIO EMPREGABILIDADE, TRABALHABILIDADE E CARREIRA ...................................................................... 5 SOFT SKILLS, HARD SKILLS E POWER SKILLS: DEFINIÇÕES, APROXIMAÇÕES E DIFERENÇAS ........ 6 Hard skill e soft skill: definições................................................................................................. 6 Hard e soft: juntas ou separadas? ............................................................................................ 8 Por que power skill? .................................................................................................................... 9 EMPREGABILIDADE, TRABALHABILIDADE E AS COMPETÊNCIAS PARA O FUTURO DO TRABALHO......................................................................................................................................... 10 Mundo VUCA ............................................................................................................................ 10 Futuro do trabalho .................................................................................................................. 11 Competências para o futuro .................................................................................................. 13 Hard skills e power skills para a adaptação ao mercado de trabalho ........................... 17 Empregabilidade e trabalhabilidade ..................................................................................... 18 Capital humano .................................................................................................................. 20 Capital cultural .................................................................................................................... 21 Capital social ....................................................................................................................... 21 FATORES INTERVENIENTES NA CARREIRA: QUALIDADE DE VIDA, NETWORKING E MARKETING PESSOAL ............................................................................................................................................ 23 Mundo contemporâneo e conceito de carreira ................................................................... 23 Adaptabilidade de carreira e qualidade de vida .................................................................. 25 Qualidade de vida no trabalho ......................................................................................... 27 Networking ................................................................................................................................. 28 Dimensão ............................................................................................................................. 29 Força dos relacionamentos ............................................................................................... 29 Padrão de relacionamento ................................................................................................ 29 Recursos .............................................................................................................................. 30 Marketing pessoal e aspectos éticos ..................................................................................... 30 Ética ...................................................................................................................................... 31 Ética e relações interpessoais ........................................................................................... 31 Valores, profissão e ética ................................................................................................... 32 A ética, a reputação e a imagem do profissional ........................................................... 33 PLANO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E PESSOAL ...................................................... 33 Autoconhecimento e autogestão .......................................................................................... 33 Autoconhecimento ............................................................................................................. 35 Satisfação e interesses conflitantes ...................................................................................... 35 Intraempreeendedorismo ...................................................................................................... 37 O plano de desenvolvimento individual ............................................................................... 38 Proposta de Savioli (1991) ................................................................................................. 38 Proposta de Kotter, Faux e McArthur (LONDON; STUMPH, 1982, cap. 3) .................. 39 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 40 PROFESSORA-AUTORA ........................................................................................................................ 54 A combinação de hard skills e soft skills se tornou uma vantagem competitiva para profissionais de todas as áreas. Pode-se dizer que hard skills são as habilidades técnicas, e as soft skills são as habilidades comportamentais, que podem ser exemplificadas como: comunicação, liderança, habilidade em tomar decisões, gestão de conflitos, construção de equipes e facilidade em trabalhar em equipe. Ao contratarem os seus profissionais, as empresas mantinham o seu foco somente nas hard skills, porém essa realidade mudou. Já se sabe que as hard skills não são mais suficientes para o sucesso das pessoas e das organizações. Agora, as soft skills se tornaram condição sine qua non para alavancar resultados de negócio e para o sucesso profissional, motivo pelo qual passaram a ser denominadas, mais recentemente, power skills. Diante dessa realidade, neste curso, exploraremos a relação das power skills com aspectos relacionados à trabalhabilidade e carreira. Dada a importância das power skills para o sucesso dos profissionais e das organizações, trataremos de compreender as definições de soft skill e hard skill, e o motivo da adoção da nomenclatura power skill, a fim de elucidar a relação de interdependência entre hard skill e soft skill. Outro conceito a ser abordado é o de empregabilidade e trabalhabilidade bem como a sua relação com as competências para o futuro do trabalho. Igualmente, abordaremos as megatendências globais (cenário V.U.C.A.) e os seus impactos no mundo laboral, possibilitando maior clareza na identificação dos decorrentes desafios a serem enfrentados no mercado de trabalho e na gestão da carreira. No que se refere à carreira, além de compreendermos as atuais abordagens conceituais, estudaremos alguns aspectos intervenientes na gestão da carreira, tais como: qualidade de vida, redes de relacionamento, aplicação dos princípios do marketing pessoal e observância de uma postura ética. EMPREGABILIDADE, TRABALHABILIDADE E CARREIRA 6 Por fim, aprenderemos a reconhecer e aplicar os elementos que auxiliam a autoavaliação da trajetória profissional, possibilitando identificar alternativas para o desenvolvimento da própria carreira e, dessa maneira, elaborar um plano de desenvolvimento profissional e pessoal, considerando o comportamento intraempreendedor como vantagem competitiva. Soft skills, hard skills e power skills: definições, aproximações e diferenças Hard skill e soft skill: definições Antes de definirmos hard ou soft skills,vejamos o que quer dizer o termo skill. Skill é uma palavra inglesa que significa: (1) “o conhecimento e a habilidade que permite você fazer algo bem” e (2) “é um tipo de trabalho ou ofício que requer um treinamento especial e conhecimento” (COLLINS, 1992, p. 748). As hard skills podem ser adquiridas por meio de treinamento, educação ou experiência; trata- se de habilidades especializadas para que o indivíduo realize uma tarefa (WIKLE; FAGIN, 2015). A partir disso, conceitua-se a hard skill como a habilidade técnica específica que se relaciona com um determinado campo de conhecimento. Hard skills são todas as conquistas que constam de um currículo, tais como formação acadêmica, experiência profissional, conhecimentos, cursos, habilidades de uso de softwares bem como métodos específicos e certificações. Via de regra, podem ser mensuradas ou comprovadas por meio da produção de algum tipo de artefato (diploma, certificado ou peça/documento resultante do trabalho feito após a aplicação do conhecimento em questão). Historicamente, as hard skills ou habilidades técnicas eram as únicas necessárias para se alcançar um emprego e progredir na carreira. Contudo, há dois fatores que geram um impacto significativo nas habilidades requeridas pelo mercado de trabalho: a rápida evolução da tecnologia e a transição de uma economia industrial para uma economia que tem como base o conhecimento. No momento presente, o conhecimento torna-se fator-chave na teoria econômica: o mundo convive com a sociedade do conhecimento. Essa realidade torna fundamental para as organizações saber identificar e gerir de maneira inteligente o conhecimento e tem implicações substanciais no cotidiano material e mental das pessoas. Além da exposição cada vez maior à inteligência artificial, à robótica avançada, ao transporte autônomo, à biotecnologia etc., a interação entre fatores demográficos e socioeconômicos e fatores geopolíticos e tecnológicos já revela rupturas de modelos na área do trabalho e emprego e desafia a forma como se fazem negócios, como se faz gestão e, obviamente, a capacidade de adaptação e de inovação de empresas, de grupos sociais, de governos e de indivíduos. 7 Não resta dúvida de que o conjunto de habilidades que preparava um indivíduo para o mercado de trabalho modificou-se junto com tudo isso. Hoje, é inequívoca a demanda por habilidades mobilizadoras de um melhor desempenho comportamental. Com isso, nota-se que o termo soft skills vem sendo recorrentemente aplicado no mundo do trabalho. Devido às várias nomenclaturas associadas a esse termo, a definição precisa de soft skills não é uma tarefa fácil. Comecemos pelo contraste do termo soft skill com o termo hard skill. Hard skill se refere a uma aptidão, um conhecimento ou uma habilidade técnicos; já o termo soft skill engloba definições que acolhem traços de personalidade e de caráter, atitudes e comportamentos que definem e diferenciam o nível de desempenho das pessoas no exercício de um trabalho ou de um papel social. A literatura nos campos da administração, da educação e da psicologia nos fornecem uma gama de terminologias utilizadas para nomear as habilidades ligadas ao comportamento do indivíduo: behaviour skills ou habilidades comportamentais, generic skills ou habilidades genéricas, core skills ou habilidades essenciais, personal skills ou habilidades pessoais, key skills ou habilidades-chave, interpersonal skills ou habilidades interpessoais, soft competences ou competências soft (DENCH, 1997; ELLIOT; DAWSON, 2015; SKULMOSKI; HARTMAN, 2009). No âmbito corporativo, é muito comum também a associação do termo soft skills à gestão e ao trabalho com pessoas. Na verdade, o termo soft skills inclui mais do que habilidades interpessoais, ele acolhe também qualidades pessoais e atributos relacionados à carreira. Habilidades interpessoais são aquelas utilizadas nas relações com as outras pessoas e são consideradas por alguns pesquisadores como as mais importantes em todos os níveis da carreira (SHEIKH, 2009; SMITH, 2007). Qualidades pessoais incluem, entre outros, a personalidade do indivíduo, a sua simpatia e capacidades como controle emocional, gestão de tempo e organização (PARSONS, 2008). Já os atributos relacionados à carreira apontam para comunicação, capacidade de trabalhar em equipe, liderança e orientação de serviço (JAMES; JAMES, 2004). As habilidades interpessoais são um componente-chave das soft skills, pois elas são a base para a orientação de serviço que, por sua vez, é essencial para o sucesso profissional em quase todas as profissões. As habilidades interpessoais promovem interações positivas e respeitosas, além de facilitarem a comunicação eficaz e a capacidade de enfrentar situações difíceis no relacionamento com outras pessoas. Exemplos comuns de soft skills são: comunicação, cooperação, liderança, independência e criatividade. Desse modo, podemos constatar que, ao contrário das hard skills, que afetam a capacidade de uma pessoa de cumprir uma determinada tarefa por meio da aplicação de conhecimentos e habilidades técnicas, as soft skills tem uma aplicabilidade interpessoal e mais abrangente, influenciando a carreira e a vida social do indivíduo. Soft skills também podem ser chamadas de habilidades “aplicadas” ou “habilidades do século 21” (GEWERTZ, 2007). 8 Hard e soft: juntas ou separadas? As soft skills têm mais a ver com quem somos do que com o que sabemos. Enquanto as hard skills podem ser aprendidas e aperfeiçoadas com o tempo, as soft skills são mais difíceis de adquirir e mudar. Pode-se afirmar que as soft skills englobam habilidades socioemocionais, enquanto as hard skills fundamentam-se nas habilidades mais técnicas e mais mensuráveis. As hard skills são quantificáveis e facilmente comprováveis por meio de certificados ou diplomas, sendo, via de regra, descritas nos currículos. Por outro lado, as soft skills estão relacionadas a habilidades mais subjetivas ou interpessoais dos profissionais, vinculadas a traços de personalidade, caráter ou valores, não sendo, portanto, facilmente mensuráveis. Daqueles indivíduos que possuem as soft skills desenvolvidas, são esperadas habilidades tais como: comunicação, resiliência, flexibilidade, paciência, fácil engajamento em novos grupos de trabalho, iniciativa, cordialidade, originalidade, pensamento crítico, capacidade de ouvir com atenção, espírito de equipe, empatia, inteligência emocional, habilidades relacionadas à tolerância ao estresse e à frustração, entre outras. As soft skills também estão relacionadas à inteligência emocional e às habilidades mentais. Tais competências, certamente, não são facilmente comprovadas em um currículo e, no atual momento, considerando-se que os robôs não podem automatizar ou simular tais habilidades, as soft skills passam a ser cada vez mais exigidas, representando diferenciais no desempenho de profissionais que as máquinas não são capazes de alcançar. Dessa forma, é desejável desenvolver habilidades como criatividade, empatia, adaptabilidade, comunicação, capacidade de persuasão, capacidade de organização e de gestão do tempo, colaboração, entre outras. No entanto, isso não quer dizer que as hard skills poderão ser substituídas plenamente pelas soft skills ou por outras habilidades. Atualmente, as organizações necessitam de profissionais que, além de dominar o “saber fazer” nas suas áreas de especialidade, também devem ter a competência de tomar decisões rápidas, baseadas em dados que se avolumam de forma exponencial; de liderar e treinar outros profissionais de forma a lhes empoderar e não mais apenas controlá-los para executarem suas tarefas; além de conseguirem lidar com a incerteza e com a pressão advinda de crises e rupturas ocorridas no ambiente de negócios. A integração cada vez maior das hard e das soft skills é necessária para que se atenda ao perfil dos postos de trabalho que vêm mudando com velocidadeespantosa; não é mais aceitável pensar em profissionais dotados exclusivamente das hard skills ou das soft skills. As habilidades hard e soft devem-se complementar (NIERAGDEN, 2000). 9 Por que power skill? Na língua inglesa, hard pode significar duro ou também difícil, e soft pode significar mole, macio, suave ou simples, dando a entender que as habilidades comportamentais quando comparadas às habilidades técnicas seriam mais simples ou até mesmo mais fáceis. Entretanto, soft skills são habilidades altamente complexas, que levam anos para serem aprendidas e estão sempre mudando o seu escopo em função das variáveis externas. Vamos tomar como exemplo uma das habilidades atualmente mais procuradas: “disposição para ser flexível, ágil e adaptável às mudanças”. Embora seja tratada como uma soft skill, essa disposição envolve um verdadeiro pacote de traços de personalidade, comportamentos, modelo mental e experiências, que são essenciais para o sucesso de qualquer profissional ou organização. Quanto tempo se leva e que circunstâncias são necessárias para aperfeiçoar, por exemplo, a habilidade de ser “adaptável à mudança”, a ponto de influenciar o comportamento cotidiano de uma pessoa diante de eventos como a pandemia de Covid-19, por exemplo? Que traços de personalidade contribuem para o desenvolvimento da adaptabilidade às mudanças: flexibilidade, resistência cognitiva (hardiness), vontade de mudar? Como se adquire essas características? No mesmo caminho, seguem habilidades como “capacidade de se comunicar com eficácia em um contexto de negócios”, “capacidade de inovação e criatividade”, "curiosidade". Todas elas são consideradas soft skills e todas são atualmente indicadas como as mais importantes e "difíceis" no mundo dos negócios. Hard skills mudam o tempo todo, tornam-se, frequentemente, obsoletas e são relativamente fáceis de aprender, ou seja, de hard (difíceis) na verdade não têm nada; já as soft skills são difíceis de construir, são críticas para o desempenho das pessoas e das organizações e exigem um esforço extremo para serem adquiridas e mantidas. Por isso, Philip Hanlon, presidente do Dartmouth College, defendeu a mudança do nome de soft skill (habilidade leve ou suave em tradução livre) para power skill (habilidade poderosa). Power skills é o termo que foi cunhado para (re)denominar as habilidades muito mais complexas e mais difíceis de serem adquiridas e mantidas quando comparadas às hard skills. Já sabemos que as habilidades do futuro não são as técnicas, mas sim as comportamentais. Sem elas, tanto pessoas quanto organizações, dificilmente, alcançarão e sustentarão o sucesso; além disso, desenvolvê-las exige um compromisso para toda a vida. O quão hard você imagina que isso seja? 10 Empregabilidade, trabalhabilidade e as competências para o futuro do trabalho Mundo VUCA O termo VUCA (VUCA em inglês, VICA em português) é, na verdade, um acrônimo, que começou a ser aplicado no final dos anos 1990. Ele é originário do vocabulário militar norte- americano e é utilizado para descrever a volatilidade (volatility), a incerteza (uncertainty), a complexidade (complexity) e a ambiguidade (ambiguity) no cenário atual. Em 1998, o United States War College apresentou esse conceito no relatório Training and education of army officers for the 21st Century: implications for the United States (WHITEMAN, 1998). Atualmente, empresas e líderes organizacionais adotam o termo para descrever o ambiente de negócios caótico, turbulento e em rápida transformação. Além dessas características, o termo VUCA também expressa a complexidade da nossa sociedade contemporânea, devido à interdependência e à globalização. O termo VUCA reúne características que refletem o atual cenário da economia informacional ou economia do conhecimento. Nesse cenário, temos de lidar cada vez mais com redes de colaboração móveis e comunidades de aprendizado. Nossa experiência cotidiana já permite constatar que qualquer lugar que tenha uma conexão pode ser considerado um escritório, com horários de trabalho flexíveis, ou um local de aprendizado; já vivenciamos também experiências de aprendizagem contínua e reflexiva, em um ambiente que desconhece fronteiras geográficas, setoriais e de negócios. Para compreendermos por que o mundo VUCA demanda o desenvolvimento de habilidades de pensamento mais complexas e adaptativas, vamos analisar o significado de cada letra do acrônimo VUCA. V – volatilidade: característica que remete ao ritmo acelerado com que ocorrem mudanças impactantes na vida das sociedades desenvolvidas no atual contexto da era da do conhecimento. Diante dessa volatilidade, tomar decisões a longo prazo torna-se um processo difícil; portanto, para a resolução de problemas e a tomada de decisões serem mais eficazes e efetivas, é requerido um alinhamento de visão e uma contextualização detalhada junto aos parceiros de negócio ou trabalho. I – incerteza: o conhecimento sobre uma dada situação é muitas vezes incompleto, o que potencializa o aparecimento de opiniões divergentes sobre o melhor curso de ação a seguir. Diante da falta de previsibilidade e controle sobre o que acontecerá no futuro, uma cuidadosa análise do risco das ações a serem tomadas precisa ser feita. C – complexidade: as interações não são lineares, os resultados não são previsíveis e as interdependências não são óbvias. Dessa forma, não é possível observar uma relação concreta de causa e efeito das nossas atitudes, o que demanda estar aberto ao erro e ao fracasso e ser flexível e ágil para reverter situações adversas. Um dos quesitos-chave para lidar com a complexidade é a formação de parcerias. 11 A – ambiguidade: quando as evidências existentes são insuficientes para esclarecer o significado de um determinado fenômeno, estamos sujeitos às diferentes interpretações, o que gera mais incerteza e risco. Na prática, são tantas as possibilidades de se ter diferentes interpretações para um mesmo evento que a probabilidade de erros de interpretação dos eventos trona-se cada vez maior. Futuro do trabalho Em outros momentos da história, a força de trabalho sofreu impactos e mudanças em virtude do surgimento de novas tecnologias e, embora o medo do desemprego em massa a longo prazo estivesse na pauta de discussões a cada nova onda de redefinições no mundo do trabalho por conta das novas tecnologias, o que ocorreu foi a criação de novos tipos de trabalho. Com toda certeza, não podemos predizer se as coisas acontecerão da mesma forma novamente. Desta vez, parece que não será possível tentar andar para frente olhando pelo retrovisor, pois a atual revolução tecnológica apresenta características estruturais determinantes que a diferenciam das revoluções anteriores. Algumas diferenças em relação ao passado precisam ser consideradas, por exemplo: a velocidade com que ocorre a atual transformação, o surgimento ou o amadurecimento simultâneo de uma quantidade significativa de tecnologias disruptivas, o ciclo reduzido de escalabilidade das novas tecnologias, além da diferente demanda de qualificação para os trabalhadores e da tendência à exclusão de algumas ocupações. Em seu livro Sociology, work and industry, Watson (2008) argumenta que, ao tentarmos fazer especulações sobre o futuro do trabalho, estamos pisando em terreno altamente escorregadio. De fato, a impossibilidade de estabelecer, empiricamente, o que “poderia ser” o futuro do trabalho é comprovada quando se verifica que o tema vem sendo, recorrentemente, abordado por duas grandes narrativas polarizadas: de um lado, narrativas tecnologicamente utópicas e progressistas, de outro, previsões pessimistas sobre o fim do emprego e a total precarização do trabalho. Charles Handy (1984), em seu livro The future of work, previu o colapso da sociedade de pleno emprego assalariado e a transformação profunda do trabalho. O autor previu, também, a divisãoentre trabalhadores nucleares e periféricos, a difusão do trabalhador de portfólio, a conexão dos trabalhadores por meio das tecnologias de informação e comunicação e a consequente substituição das estruturas organizacionais baseadas na burocracia e na hierarquia por uma estrutura em rede. Handy (1984) tinha uma visão otimista a respeito de um novo mundo do trabalho inserido na economia do conhecimento, onde haveria maior flexibilidade e mais oportunidades para os indivíduos terem uma vida mais livre das amarras organizacionais. Cerca de dez anos depois, Bridges (1995) reforçou a tese do colapso do trabalho assalariado e anunciou que o trabalho passaria a ser uma empresa individual: a era pós-emprego. Para Bridges (1995), cada um está por sua conta e em concorrência com uma multidão de empresas individuais. 12 A verdade é que, devido às mudanças nas tecnologias e nos processos produtivos e de gestão, para os teóricos do pós-emprego, o desaparecimento de empregos é inevitável e os freelancers surgirão aos borbotões na maioria das atividades do futuro. Essa perspectiva leva-nos a considerar um importante desafio dirigido ao trabalhador: ter de se transformar em empreendedor e em gestor de si e do seu negócio, incluindo a sua formação, a sua carreira e também todos os aspectos relacionados à sua segurança – saúde, aposentadoria, riscos laborais etc. Em 2004, em seu livro O fim dos empregos – o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho, considerado polêmico naquela época, Jeremy Rifkin (2004) afirmou que o século XXI seria o século do “fim dos empregos”. A obra de Rifkin foi atualizada e reimpressa em edição de 2020 e se propõe a examinar a profunda transformação que ocorre não apenas no mundo do trabalho, mas em variadas dimensões da vida social e da vida de todas as pessoas. No livro The future of work: robots, AI, and automation, West (2018) prevê que as revoluções da inteligência artificial e do big data venham a alterar radicalmente a natureza e a existência do trabalho como o conhecemos. O futuro do trabalho é hoje incerto, e a epidemia de Covid-19 desafiou, profundamente, os modos de trabalho e organização (GRINT, 2020; KNIFFIN et al., 2020). As bases da organização produtiva serão abaladas por uma série crescente de crises ecológicas e climáticas, além da pandemia (ROUX-ROSIER et al., 2018). Alguns autores argumentam que essas crises, longe de permitirem o surgimento de novos regimes de trabalho, simplesmente, aprofundam e aceleram as tendências já existentes no ambiente do trabalho, arraigando e consolidando os aspectos mais prejudiciais dos regimes de trabalho atuais (KNIFFIN et al., 2020). Independentemente de quaisquer predições de futuro, precisamos lidar com a constatação de que o avanço da tecnologia e o processo de globalização contribuem para o aumento da incerteza e da imprevisibilidade no que diz respeito a trabalho e carreira. Pari passu, uma nova configuração do conteúdo intelectual e cultural de todas as atividades econômicas e de trabalho vai ditando um novo perfil de trabalhador, o que exige o desenvolvimento de competências substancialmente diferentes daquelas requeridas pelas profissões do século XX. Savickas et al (2009, p. 393) chamam a atenção para o seguinte: os trabalhadores precários da era da informação deverão tornar-se aprendizes permanentes, capazes de utilizar tecnologias sofisticadas, assumir a flexibilidade ao invés da estabilidade, manter a sua empregabilidade e criar as suas próprias oportunidades. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75902020000500365&script=sci_arttext&tlng=pt#B17 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75902020000500365&script=sci_arttext&tlng=pt#B22 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75902020000500365&script=sci_arttext&tlng=pt#B32 13 Competências para o futuro O processo contínuo de busca e desenvolvimento é o caminho a ser trilhado pelo trabalhador que emerge neste início de século, seja ele um profissional autônomo com acesso a oportunidades de trabalho, seja ele um empregado. Dispor de um conjunto de habilidades e conhecimentos que necessitam ser, constantemente, atualizados é uma espécie de nova regra a ser cumprida pelo trabalhador contemporâneo. O contexto empresarial, nesses últimos tempos, vem aplicando o termo “competência” como uma palavra de ordem. Fieury e Fieury (2001, p. 21) definem competência como “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. A concepção de qualificação tecnicista, ou seja, o foco em habilidades técnicas, foi substituída pelo modelo da competência, para atender às demandas da reorganização da economia mundial e das consequentes transformações técnico-organizacionais. A qualificação técnica, agora, está inserida em patamares multidimensionais, dependente da operacionalização de fatores de ordem subjetiva, psicossocial e cultural. Para dominar situações concretas de trabalho e conseguir transferir experiências adquiridas em determinadas situações para outras, a habilidade técnica, isoladamente, já não basta mais. É preciso mobilizar três competências: saber-fazer, saber-ser e saber-agir, conforme descrito no quadro a seguir. Quadro 1 – Competências saber-fazer saber-ser saber-agir Inclui dimensões práticas, técnicas e científicas, adquiridas formalmente ou por meio da experiência profissional. Inclui traços de personalidade e caráter, que ditam os comportamentos nas relações sociais de trabalho, como: capacidade de iniciativa, comunicação, disponibilidade para a mudança, assimilação de novos valores de qualidade etc. É inerente às situações ou eventos que exigem intervenção ou decisão, tais como: resolver conflitos, trabalhar em equipe, ser capaz de resolver problemas e realizar trabalhos novos. Fonte: Adaptado de Leite (1996). 14 Importante observar que a atual gestão empresarial tem adotado mudanças significativas em, pelo menos, três grandes categorias: 1. o trabalho em redes, aumentando a descentralização da tomada de decisões; 2. a adaptabilidade da produção flexível; 3. a melhoria contínua por meio da adoção de estruturas mais dinâmicas, capazes de favorecer a identificação de problemas e soluções. A nova cultura do trabalho requer um conjunto de competências cognitivas, sociais e tecnológicas (PASTURINO, 1999). Nesse contexto, Meister (1999) indica algumas competências, as quais veremos no quadro a seguir: Quadro 2 – Competências propostas por Meister (1999) competência Por que? O que é esperado? Aprendendo a aprender. Existe uma expectativa de que os trabalhadores atuais contribuam construtivamente em tudo. A meta é fazer com que a atitude de aprender a aprender se tome parte natural do modo como os trabalhadores pensam e se comportam nas suas atividades. Para isso, é preciso: ter capacidade de analisar situações; fazer perguntas, procurar esclarecer o que não se compreende; pensar criativamente para gerar opções; saber aplicar o conhecimento existente a novas situações; experimentar a aprendizagem adquirida pela variedade de fontes, como colegas de trabalho, clientes, fornecedores e instituições educacionais, e incorporar esse aprendizado às suas vidas; saber como compreender e manipular, rapidamente e com confiança, as novas informações recebidas; 15 competência Por que? O que é esperado? mostrar comprometimento com o autodesenvolvimento, melhorando constantemente a sua capacidade de aprender novas técnicas e competências e ser capaz de lidar com a ambiguidade e com o caos dentro de uma organização. Comunicação e colaboração. Atualmente, a eficiência do indivíduo está, cada vez mais, associada a habilidades de comunicaçãoe colaboração desenvolvidas nas equipes de trabalho, contrastando com um passado em que o bom desempenho no trabalho significava executar um conjunto de tarefas determinadas e repetitivas de maneira satisfatória. Para desenvolver essa competência de comunicar e colaborar, é preciso: ter habilidades interpessoais, tais como ouvir e comunicar-se efetivamente com colegas de trabalho; saber trabalhar em grupo, colaborar com membros da equipe para compartilhar, abertamente, as melhores práticas em toda a organização; solucionar conflitos e relacionar-se com clientes, fornecedores e principais integrantes da cadeia de valores. Raciocínio criativo e resolução de problemas. A organização rápida e flexível precisa ser capaz de responder depressa às diversas situações surgidas no ambiente de negócios (interno e externo). A ideia é aumentar a capacidade gerencial de todos os colaboradores na organização, como uma parte fundamental da sustentação da vantagem competitiva de uma empresa. Para isso, é preciso: saber lidar, adequadamente, com situações sem orientação superior; identificar maneiras de melhorar e agilizar o trabalho; pensar criativamente; desenvolver habilidades de resolução de problemas; ser capaz de analisar situações; fazer perguntas, procurar esclarecer o que não compreendem; 16 competência Por que? O que é esperado? sugerir melhorias; ultrapassar os dados superficiais para criar soluções inovadoras para problemas inesperados; saber reconhecer e definir problemas; implementar soluções; gerar novas ideias e agir e controlar e avaliar os resultados. Conhecimento tecnológico. no ambiente de negócios do passado recente, conhecer tecnologia significava saber como operar o computador pessoal. Agora a ênfase está conexão entre pessoas, visando compartilhar conhecimento, em escala global Essa é uma competência para a qual é preciso: ter a habilidade de utilizar realidade virtual; ter a habilidade de analisar e traduzir dados em conceitos abstratos e conhecer a internet, isto é, ter a habilidade de utilizar diferentes mídias para se comunicar. Conhecimento de negócios globais. No atual ambiente volátil, para agregar valor à organização, torna-se cada vez mais uma necessidade o incremento da capacidade de entender o mercado “global” em que a empresa opera. O ponto central é ter colaboradores e gerentes capazes de reconhecer as implicações econômicas e estratégicas que afetam um empreendimento comercial global. Para isso, é preciso: ter conhecimento das técnicas empresariais mais complexas; saber ler uma demonstração de resultados; conhecer um índice de retorno interno; ter comando sobre o processo de alocação de capital e saber como avaliar o potencial de um negócio. 17 competência Por que? O que é esperado? Desenvolvimento de liderança. Na organização do Século XXI, a liderança inspiradora ofuscará a gestão de comando e controle, e será a chave do desenvolvimento de um modo de pensar compartilhado. O novo imperativo passa a ser o desenvolvimento da liderança, que enfoca a identificação e o desenvolvimento de pessoas. Para isso, é preciso que as organizações propiciem um ambiente que tenha líderes capazes de definir uma visão compartilhada, tornando possível: dar autonomia aos profissionais; “capacitar” um grupo ou equipe para atingir as metas e desenvolver os meios de visualizar uma melhoria ou uma nova direção; buscar o comprometimento ativo de todos para tornar realidade a visão compartilhada da organização e desenvolver profissionais que ajam como agentes dinâmicos de mudança, em lugar de receptores passivos de instruções. Autogerenciamento da carreira. É preciso assumir o compromisso de assegurar as qualificações, o conhecimento e as competências exigidos tanto no cargo atual quanto nos futuros. A capacidade de gerenciar a própria vida profissional é agora considerada uma competência adquirida e necessária para todas as outras competências exigidas no ambiente de negócios. FONTE: ADAPTADO DE Meister (1999, p. 13-15; 92). Observe que, de acordo com as competências descritas por Meister (1999), é preciso ser ágil, aberto ao aprendizado e capaz de operar em ambientes globais para criar uma carreira duradora. Hard skills e power skills para a adaptação ao mercado de trabalho Mercado de trabalho é um espaço onde ocorrem relações entre indivíduos, instituições e sociedade. Crises e períodos de recessão, mudanças de regulamentação de profissões ou de leis trabalhistas, capacidade de convivência e relacionamento entre indivíduos diversos são fatores que podem afetar as estruturas econômicas e psicossociais que constituem o mercado de trabalho. 18 Entre as forças disruptivas que afetam o mercado de trabalho, cabe destacar a Internet das Coisas e Big Data bem como as mudanças nos ambientes de trabalho que são decorrentes da automação, da inteligência artificial e de tecnologias similares. Em tempos de globalização, alguns fatores que afetam o mercado de trabalho chamam a atenção, tais como: longevidade, conectividade, automação, acesso, uso de mídias sociais e redes de relacionamento, demanda por qualidade de vida e diversidade. O mercado de trabalho, hoje, é um espaço no qual, em maior ou menor intensidade, conforme a segmentação a que se dá destaque, indivíduos e instituições experimentam os efeitos da necessidade de responder ao impacto desses fatores. Um desses efeitos é a intensa demanda por competências como criatividade, colaboração, adaptabilidade, empatia, capacidade de empreender, liderança e resiliência. De acordo com recente pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial1, as habilidades mais demandas dos profissionais no futuro serão: resolução de problemas complexos; pensamento crítico; criatividade; gestão de pessoas; coordenação; inteligência emocional; julgamento e decisões; orientação para servir; negociação e flexibilidade cognitiva. Empregabilidade e trabalhabilidade Os grandes avanços na inteligência artificial, na automação, na robótica e na nanotecnologia podem provocar rupturas em larga escala. Trata-se de uma evolução inevitável, derivada da revolução tecnológica permanente. Sobretudo nas últimas décadas, o aumento do desemprego e a redução do emprego seguro e regular, executado em uma determinada empresa e com base em vínculos de longo prazo entre empregador e empregado, vêm sendo alvo de constantes transformações, que evidenciam novas formas de emprego, presentes na sociedade capitalista contemporânea. Também denominadas emprego flexível, nós as conhecemos sob a forma de trabalho temporário, autoemprego, trabalho com tempo parcial, trabalho em domicílio etc. (KOVÁCS, 2005). O que toda essa variedade de formas de emprego tem em comum é a flexibilidade, tanto de conteúdos contratuais, quanto de tempo de trabalho, de espaço e de regras. 1 Fonte: Relatório Future of Jobs. Disponível em: https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2020. Acesso em: 30 abr. 2021. https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2020 19 Fica evidente que, nesse contexto, novas habilidades da mão de obra passam a ser exigidas, especialmente a flexibilidade em relação às novas exigências do mercado, o que faz com que o trabalhador passe a se preocupar com a sua capacidade de acesso e manutenção do emprego, ou seja, com a sua empregabilidade. Importante notar que o termo “empregabilidade” vem ganhando novas expressões: trabalhabilidade, que é um termo utilizado por autores como Pereira (1999), Baumgratz e Brandão (1998), e ocupacionalidade, que é empregado por Meister (1999). Longe de alterar a base conceitual, as novas expressões visam a não caracterizar uma relação estrita como conceito de emprego tradicional, em virtude da diminuição dos postos de trabalho formais. Além disso, a demanda por uma resposta de adaptação rápida à realidade leva indivíduos e instituições a se aproximarem de um perfil empreendedor, fazendo com que o termo trabalhabilidade se aplique melhor às combinações necessárias para o desenvolvimento da empregabilidade, combinado com as características dos empreendedores. Já se observa uma valorização da capacidade de empreender como característica de profissionais a serem contratados por empresas. A capacidade de perceber oportunidades para o negócio – o intraempreendedorismo – ganha espaço em empresas de portes diversos e não se restringe mais a uma competência valorizada somente para posições de alto escalão das organizações. Embora não exista um consenso em relação ao conceito, as definições de empregabilidade e trabalhabilidade apresentam um núcleo comum em relação ao termo empregabilidade: a capacidade de adaptação da mão de obra às novas exigências do mundo do trabalho e das organizações. Um consenso sobre o que realmente determina o acesso dos indivíduos ao emprego ou ao trabalho no País ainda não se formou, o que torna tanto a empregabilidade quanto a trabalhabilidade fenômenos complexos e determinados por diversos fatores, especialmente o processo de flexibilização do trabalho e o seu impacto na mão de obra brasileira. Diogo Helal (2005) apresentou um estudo que propõe um modelo teórico (Figura 1) que visa a apresentar as linhas gerais do fenômeno da empregabilidade individual, em função das novas exigências e configurações do mercado de trabalho. A questão fundamental abordada pelo modelo é a compreensão dos fatores que, de fato, influenciam o acesso ao emprego, e a forma como se dá essa influência. 20 Figura 1 – Modelo explicativo da empregabilidade individual Fonte: HELAL, Diogo Henrique. Flexibilização organizacional e empregabilidade individual: proposição de um modelo explicativo. Cadernos Ebape. BR, v. 3, n. 1, p. 1-15, 2005. O autor baseia o seu modelo explicativo da empregabilidade individual em três abordagens teóricas: Capital humano Em estudos sobre o mercado de trabalho, essa é a abordagem mais utilizada. Os três fatores, comumente, mais estudados são: escolaridade (medida em anos de estudo completados com sucesso), experiência de trabalho (medida em anos) e migração (migrou/não migrou). Embora ainda utilizada, a teoria do capital humano, ao tratar do mercado de trabalho, ignora aspectos sociais que, porventura, estejam associados ao acesso ao emprego, representando, portanto, uma visão limitada sobre o assunto. capital humano capital cultural empregabilidade capital social • escolaridade • experiência de trabalho • migração participação em atividades de alto status cultural background familiar (nível educacional e ocupacional dos pais e renda familiar) • • participação em grupos e organizações • probabilidade de um indivíduo estar empregado • variável independente variável dependente operacionalização da variável 21 Capital cultural A teoria do capital cultural, desenvolvida por Bourdieu e pelos seus colaboradores (BOURDIEU; PASSERON, 1977), postula que, embora a “modernização” tenha acelerado o processo de expansão do acesso à educação, isso, por si só, não leva a uma maior equalização de oportunidades, uma vez que as famílias vindas de estratos sociais superiores continuam garantindo vantagens para os seus descendentes por meio da transmissão do capital cultural. Bourdieu (1987) explica que estudantes oriundos de famílias com habilidades e preferências da cultura dominante são mais capazes de decodificar as "regras do jogo" implícitas e estão mais bem preparados para a adaptação e o desenvolvimento de habilidades culturais. São pessoas com maior estoque de capital cultural, o qual, quando desenvolvido e transmitido no seio da família (e com apoio do sistema educacional), garante a manutenção do status quo. Desse modo, mesmo que houvesse a universalização do ensino, aqueles indivíduos pertencentes a famílias detentoras de maior capital cultural seriam beneficiados (HELAL, 2005). O propósito inicial (e ainda o mais utilizado) da teoria do capital cultural foi estudar a influência do background familiar (e das variáveis do capital cultural) nas conquistas acadêmicas. Mas, segundo Helal (2005), não se pode imaginar que as variáveis ligadas ao capital cultural de um indivíduo influenciem apenas as suas conquistas acadêmicas. Para o autor, ao ingressarem no mercado de trabalho, os indivíduos irão trazer consigo um estoque de capital cultural, desenvolvido na família e "aperfeiçoado" no ambiente escolar, que será de extrema importância na sua vida profissional. Capital social A primeira análise sistemática desse conceito foi realizada pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1980), no artigo Le capital social: notes provisoires. A definição de Bourdieu (1980) aplicada ao capital social se refere a um conjunto de recursos que estão vinculados à posse de uma “rede durável de relações”. Já Robert Putnam (1993, p. 177), na sua obra Making democracy work, trata o conceito de capital como “[...] características da organização social, como confiança, normas e redes, que podem melhorar a eficiência da sociedade facilitando ações coordenadas [...]”. Embora outras definições possam ser encontradas na literatura, atualmente, o conceito de capital social e a sua aplicação são descritos por duas correntes que se complementam: i) capital social é algo próprio de um indivíduo e ii) esse tipo de capital pertencente a uma comunidade ou sociedade A primeira corrente destaca as redes de relacionamento como um elemento do capital social e postula que esse capital é algo que pertence ao indivíduo, podendo ser utilizado de modo a produzir benefícios, inclusive, de ordem econômica (maiores salários, acesso a emprego etc.). Dito de outra forma, cada um tem o seu estoque de capital social e o utiliza para o seu benefício. Já a segunda, postula que capital social é algo que existe na sociedade e a ênfase está no desenvolvimento de relações de confiança. 22 Pierre Bourdieu (1980) não se dedicou à tarefa de identificar as formas que o capital social pode assumir. Contudo, autores como Bertolini e Bravo (2004) identificaram diferentes aspectos e definiram cinco categorias para representar as formas que o capital social pode assumir a partir da coordenação de tais aspectos: a) capital social relacional – a soma das relações e das trocas que conectam os indivíduos em um determinado contexto; b) capital social normativo – diz respeito às regras, normas de comportamento e valores internalizados pelos indivíduos em um determinado contexto; c) capital social cognitivo – corresponde ao conhecimento compartilhado e às informações relativas aos problemas enfrentados por um determinado indivíduo ou grupo; d) confiança no ambiente social –refere-se à confiança no comportamento dos indivíduos que fazem parte de um mesmo contexto e e) capital social institucional – representado pelas instituições de caráter formal e informal, que contribuem para reduzir a incerteza em relação ao comportamento dos indivíduos e elevar os níveis de coordenação e de cooperação, ou seja, aumentar a confiança. Considerando que a rede de relacionamentos é o elemento mais utilizado nas pesquisas que exploram a relação entre capital social e empregabilidade, o capital social pode ser definido como um termo guarda-chuva, utilizado para representar recursos e valores que são criados, adquiridos e compartilhados por meio de interações sociais que podem ser estabelecidas em contextos on-line e off-line. Muito além de manter o capital humano competitivo, várias ações são requeridas dos profissionais para acessar ou manter o emprego ou algum tipo de trabalho (seja em que forma for). É necessário investir para: desenvolver hard e soft skills para melhorar competências relacionadas: à visão sistêmica sobre o seu mercado, a sua empresa e a sua profissão; ao domínio sobre as novas tecnologias e ao seu uso prático no dia a dia; à liderança e capacidade de gerir e desenvolver pessoas; aos aspectos de comunicação interpessoal; ao trabalho em equipe etc. desenvolver aspectos especificamente relacionados a soft skills que ajudem a: construir bons relacionamentos interpessoais; melhorar a inteligência emocional e receber e compartilhar novos conhecimentos, não apenas sobre o seu trabalho, mas sobre assuntos diversos. 23 Fatores intervenientes na carreira: qualidade de vida, networking e marketing pessoal Mundo contemporâneo e conceito de carreira Desde a Revolução Industrial, a carreira tem sofrido diversas transformações. Além das mudanças ambientais, as pessoas também estão mudando atitudes e comportamentos. Com a flexibilização do emprego como um modelo de inserção no trabalho, a carreira sofreu mudanças quanto à concepção, à estrutura e ao desenvolvimento. A carreira moderna transcende a própria existência de uma organização e encontra-se em processo de deslocamento tanto para além da área de formação quanto para além das organizações. Na verdade, ela tornou-se mais fragmentada e ampliou-se para além dos limites das empresas e das instituições, alcançando o mundo do trabalho como um todo. Em vista desse fenômeno, alguns autores chegaram a anunciar o fim da carreira, como D. T. Hall (1996) que faz uma alusão a esse quadro no título do seu livro The career is dead – long live the career, querendo dizer com “a carreira está morta” que a carreira organizacional não é mais o modelo predominante, e com “longa vida à carreira” que novos modelos surgiram. Nesse sentido, tanto na área da administração quanto na área de estudos de relações do trabalho e psicologia social, a análise da carreira exigiu novos estudos e novas abordagens. Na área da administração, podemos notar que, gradativamente, as trajetórias de trabalho que acontecem fora do espaço organizacional vêm sendo validadas e valorizadas. Se considerarmos que as trajetórias fora do espaço organizacional sequer eram consideradas como carreiras, isso sinaliza uma ruptura parcial com modelos anteriormente normativos (planos de carreira vinculados à espaços organizacionais). Considerando essa realidade, passaremos a estudar duas concepções de carreira: a proteana e a carreira sem fronteiras, que é operacionalizada por meio da carreira inteligente. Ambas tomam como ponto de partida o indivíduo e a sua capacidade de autogestão: 1. Carreira de Proteu ou carreira proteana – foco na construção individualizada e submetida às demandas do mundo do trabalho, sendo responsabilidade da pessoa o seu planejamento, a sua realização e a sua validação (HALL, 2002). 24 2. Carreira sem fronteiras – sobre as carreiras sem fronteiras, Dutra et al. (2009, p. 56) explicam que: o mundo tornou-se mais global, complexo, diversificado e individualista, e [...] hoje é mais difícil que as organizações consigam controlar e gerenciar a carreira de seus membros (SCHEIN, 2007). Essa realidade se instala gradativamente na vida das organizações e das pessoas e passa a exigir novas abordagens para compreendê-la. Uma dessas abordagens é a das carreiras sem fronteiras, pensando a carreira da pessoa transcendendo as fronteiras da organização. De um lado, a pessoa é estimulada a pensar sua carreira tomando a si mesma como ponto de partida e, de outro lado, a organização é estimulada a incentivar a pessoa a pensar sua carreira de forma mais ampla para, com isso, desenvolver uma visão crítica sobre a relação com seu trabalho e elevar o seu poder de contribuição para o desenvolvimento da organização. Para operacionalizar a carreira sem fronteiras, Arthur, Claman e De Fillippi (1995) desenvolveram o conceito de carreira inteligente, na qual, as competências propostas, que devem ser acumuladas pelas pessoas, são análogas às da organização, mas não são, necessariamente, subordinadas a um empregador. Knowing-why – saber por que: reflete a identidade e a motivação individual, o significado pessoal e a identificação com o trabalho. Knowing-how – saber como: representa a identificação e o desenvolvimento das habilidades e das especialidades individuais relevantes para o trabalho. Knowing-whom – saber quem: está relacionada com as relações interpessoais e o network que são importantes para o trabalho. De acordo com o modelo proposto, essas competências são obtidas por meio da educação, do trabalho e da experiência de vida e acumulam-se em forma de um capital de carreira. A acumulação desse capital de carreira pode prover segurança ocasional, mas se não for renovado perde o seu valor. Para garantir essa renovação, a pessoa deve, constantemente, avançar degraus para sustentá-lo, mesmo que esteja trabalhando há muito tempo em uma única organização. 25 Adaptabilidade de carreira e qualidade de vida A construção de uma carreira requer decisões e atitudes que normalmente se refletem em outras esferas da vida das pessoas. O desenvolvimento profissional exige adaptações sociais que envolvem não só o trabalhador, mas também sua família. As várias pressões sofridas pelo indivíduo nesse campo denotam a relevância da preocupação com as escolhas relacionadas ao trabalho. Porém, hoje, trabalhar pode não significar exatamente ter um emprego fixo em uma organização estruturada. No atual contexto social, caracterizado pelo dinamismo, vários outros arranjos de carreira se formam e influenciam tanto o comportamento das pessoas quanto as próprias organizações (VELOSO et al., 2016, p. 90). O conceito de adaptabilidade se refere, em um sentido amplo, à capacidade que uma pessoa tem para lidar com transições profissionais, sendo uma competência cada vez mais necessária no contexto atual do mundo do trabalho, o qual é marcado por mudanças rápidas e muitas vezes, imprevisíveis (SAVICKAS et al, 2009). Atualmente, a definição de adaptabilidade de carreira é a prontidão e os recursos utilizados pelos indivíduos ao se confrontarem com tarefas atuais e antecipadas do desenvolvimento vocacional, com transições ocupacionais e traumas pessoais, a fim de que consigam resolver problemas que se apresentam geralmente desconhecidos, mal definidos e sempre complexos (SAVICKAS, 2005, 2013). A adaptabilidade é entendida como um construto ou conceito multidimensional, composto por quatro domínios ou dimensões principais. A navegação na vida profissional pode ser facilitada quando ativamos os quatro domínios da adaptabilidade de carreira, que passaremos a estudar agora. 26 Quadro 3 – Domínios da adaptabilidade de carreira career concern – preocupação career control – controle curiosity – curiosidade career confidence – confiança Preocupação em relação ao próprio futuro como trabalhador. Senso de orientação quanto ao futuro que leva o indivíduo a atitudes de planejamento, antecipação e preparação. Sentimento de responsabilidade por construir a própria carreira, o que implica uma postura ativa em fazer escolhas e determinar o futuro profissional. Essa postura leva os indivíduos ao enfrentamento das questões de carreira de forma assertiva ao invés de conduzir à procrastinação. Iniciativa para fazer descobertas e buscar aprendizados sobre oportunidades e atividades de trabalho em que o indivíduo gostaria de se engajar. Envolve o autoconhecimento e o conhecimento sobre o mundo ocupacional. Crença do indivíduo na sua competência para empreender os esforços necessários a fim de atingir os seus objetivos, mesmo em face de obstáculos. Fonte: Elaboração própria. Para navegar na vida profissional de maneira sustentável, acionando esses quatro domínios, é preciso cuidarnão só de fatores relacionados à saúde, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, mas também de outros elementos importantes da vida, como família, amigos e outras circunstâncias do cotidiano. A busca pelo equilíbrio entre vida pessoal e profissional costuma encabeçar a lista de metas de muitas pessoas que tentam um nível de satisfação maior com o trabalho, com os relacionamentos, com a família e com as aspirações pessoais. Essa busca costuma vir traduzida em um objetivo bastante comum: melhorar a qualidade de vida. Conforme sugere a Organização Mundial da Saúde (2006), a qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que as suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a autorrealização, independentemente do seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas. Os estudos sobre qualidade de vida podem ser classificados de acordo com quatro abordagens gerais: socioeconômica, biomédica, psicológica e geral. 27 A abordagem socioeconômica tem os indicadores sociais como principal elemento. O termo qualidade de vida, em relação ao seu emprego na literatura médica, vem sendo associado a diversos significados, que variam entre oferecer melhorias nas condições de vida de pessoas doentes e oferecer condições gerais de saúde e funcionamento social. A abordagem psicológica busca indicadores que tratam das reações subjetivas de um indivíduo com as suas vivências, dependendo, primeiramente, da experiência direta da pessoa cuja qualidade de vida está sendo avaliada; além disso, indica como os povos percebem as suas próprias vidas, felicidade, satisfação. O fato de as abordagens psicológicas considerarem a qualidade de vida somente um aspecto interior à pessoa, desconsiderando o contexto ambiental em que está inserida, é a principal limitação dessa linha de pensamento. As abordagens gerais baseiam-se na premissa de que o conceito de qualidade de vida é multidimensional, apresenta uma organização complexa e dinâmica dos seus componentes, e difere de pessoa para pessoa de acordo com o seu ambiente/contexto e, até mesmo, entre duas pessoas inseridas em um contexto similar. Características como valores, inteligência, interesses devem ser consideradas. Na verdade, a análise da qualidade de vida aborda uma representação social criada a partir de parâmetros subjetivos, como bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal etc., e parâmetros objetivos, cujas referências são a satisfação das necessidades básicas e das necessidades criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade. Os parâmetros subjetivos de análise da qualidade de vida mais complexos ficam vinculados à ideia do ser, pertencer e transformar. Na ideia do ser, estão as habilidades individuais, a inteligência, os valores, as experiências de vida. O pertencer trata das ligações que a pessoa possui, as escolhas, assim como da participação em grupos, inclusão em programas recreativos e serviços sociais. O transformar remete à prática de atividades como trabalho voluntário, programas educacionais, participação em atividades relaxantes, oportunidade de desenvolvimento das habilidades em estudos formais e não formais, entre outros. Qualidade de vida inclui desde os fatores relacionados à saúde, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, até outros elementos importantes na vida das pessoas, como o trabalho, a família, os amigos e outras circunstâncias cotidianas. Podemos notar que esses componentes de análise da qualidade de vida apresentam uma organização dinâmica entre si e consideram tanto a pessoa quanto o ambiente, assim como as oportunidades e os obstáculos. Qualidade de vida no trabalho A qualidade de vida no trabalho (QVT), diretamente relacionada à satisfação e ao bem-estar do indivíduo na execução das suas tarefas, é indispensável à produtividade e à competitividade, sem as quais uma organização não sobrevive ao mercado. 28 De acordo com Fernandes (1996), a QVT pode ser considerada como uma gestão dinâmica e contingencial de fatores físicos, sociológicos, psicológicos e tecnológicos da organização do próprio trabalho, que afetam a cultura e interferem no clima organizacional, refletindo na produtividade e na satisfação dos clientes internos. Enfim, trata-se de fatores que vão desde cuidados médicos estabelecidos pela legislação de saúde e segurança no trabalho até motivação e aspectos que influenciam a carreira, gerando consequências no clima organizacional e podendo levar a ajustes na cultura organizacional. A abordagem cotidiana da QVT é ampla e bastante desafiadora, pois, em várias, dimensões depende da percepção de cada indivíduo nas suas interações com o trabalho no ambiente organizacional. Networking O networking tornou-se crítico tanto para o sucesso individual quanto para o organizacional. De acordo com Forret e Dougherty (2001), o networking representa tentativas proativas de indivíduos para desenvolver e manter relacionamentos pessoais e profissionais com outros indivíduos, com o propósito de benefício mútuo no seu ambiente de trabalho ou na sua carreira. O foco está em construir e nutrir relações pessoais e profissionais para criar um sistema ou uma cadeia de informação, contato e suporte. Nestes tempos atuais, em que pessoas fazem movimentos de carreira frequentes e precisam atualizar-se rapidamente, o networking é visto como uma competência crítica; no entanto, muitas pessoas se sentem desconfortáveis com o networking ou não sabem como fazê-lo. As relações estabelecidas por meio do networking se tornam um recurso importante para acessar novas ideias, informações oportunas, oportunidades de emprego, leads comerciais, influência e suporte social (BAKER, 2000). A base do relacionamento de networking é a confiança, que é desenvolvida e fortalecida cada vez que os indivíduos têm interações positivas e se apoiam. O capital social, construído por meio de um bom networking, é mais difícil de imitar do que o capital humano. Dessa forma, a qualidade dos relacionamentos construídos pode proporcionar aos indivíduos uma vantagem substancial nas suas carreiras. As relações de networking dependem, em grande parte, de competências interpessoais desenvolvidas e da aplicação da assertividade nas interações. Segundo Forret et al (2004), ao investir em ações consistentes de networking, o indivíduo influencia, diretamente, quatro aspectos da sua rede de relacionamentos. Esses quatro aspectos são: 1. a dimensão (tamanho) das suas redes sociais; 2. a força das suas relações na rede social; 3. o padrão de relacionamento na sua rede social e 4. os recursos da sua rede social. 29 Dimensão Refere-se ao número de membros em uma rede social. A dimensão é um aspecto importante, porque construir e manter relacionamentos com os outros resulta em uma rede maior à que os indivíduos podem recorrer para apoio social, com ideias, conselhos ou patrocínio. Para aumentar e manter o tamanho da rede de relacionamentos, é preciso estabelecer relações com as pessoas “internas” da organização (por exemplo, os pares) e externas a ela (por exemplo, os membros das associações profissionais). As redes maiores em tamanho foram associadas a uma variedade de relacionamentos dos indivíduos na sua organização, profissão e comunidade. Forret e Dougherty (2001) identificaram cinco tipos de comportamentos no networking para ajudar os indivíduos a aumentar e manter o tamanho das suas redes, quais sejam: aumentar a visibilidade interna (por exemplo, juntar-se a grupos organizacionais); participar de atividades profissionais; participar de encontros sociais; envolver-se em eventos de comunidades e manter contatos com outras pessoas, por exemplo, enviando mensagens para manter contato. Força dos relacionamentos Em uma rede social, refere-se aograu de proximidade que caracteriza um relacionamento. A força de uma relação pode ser avaliada em um continuum, baseado na frequência de contato e no grau de intimidade e investimento emocional (GRANOVETTER, 1973), com laços fracos em uma extremidade do continuum e laços fortes em outra. Os relacionamentos de networking, geralmente, são considerados como laços fracos e, portanto, uma boa fonte de informações sobre oportunidades de emprego e outras formas de assistência. As relações de networking podem evoluir para laços mais fortes se o contato se tornar mais frequente e se a relação for se caracterizando por maior familiaridade e conforto. Tanto os laços fracos quanto os laços fortes podem ser úteis e são necessários. Por exemplo, nossos conhecidos tendem a ser mais úteis do que nossos amigos próximos para encontrar emprego, porque os nossos conhecidos são fonte de informações mais exclusivas (ou seja, os nossos amigos íntimos tendem a saber sobre as mesmas ofertas de trabalho que nós mesmos). Por outro lado, os relacionamentos fortes (laços fortes), aqueles nos quais investimos mais intimidade e envolvimento emocional, podem ser mais importantes para a transferência de informações sensíveis ou complexas por causa do maior risco e esforço envolvidos, ou seja, esses relacionamentos são as fontes de informações privilegiadas. Padrão de relacionamento Para compreender o padrão de relacionamento, vamos estudar a teoria do buraco estrutural de Burt (1992). Segundo Burt (1992), existe um furo estrutural em que não há conexão entre dois membros de uma mesma rede social. 30 As pessoas unidas por laços que se fortalecem tendem a ter as mesmas informações, portanto, uma das principais vantagens de ter buracos estruturais é que os membros de uma rede que não se conhecem são mais propensos a fornecer acesso a informações diversas. Os pesquisadores descobriram que os buracos estruturais estão associados a uma maior mobilidade e a um maior desempenho gerencial (BURT, 1992; PODOLNY; BARON, 1997; RODAN; GALUNIC, 2004). Recursos O desenvolvimento de relacionamentos com indivíduos de alto status tem o potencial de fornecer resultados valiosos. Por exemplo, o status de um contato pode ter um forte efeito positivo no prestígio de um trabalho a ser alcançado, indicando a capacidade de exercer influência. Outros exemplos estão relacionados aos resultados de carreira dos gerentes, que podem ter promoções e progressão salarial bem como benefícios mais imediatos, tais quais informações e ideias, apoio social, assistência na procura de emprego e até assistência às empresas – por exemplo, quando os seus contatos de alto status fornecem leads comerciais, acesso a recursos financeiros etc. (FORRET; DOUGHERTY, 2001). Marketing pessoal e aspectos éticos Um excelente profissional, que entrega resultados com eficiência, pode ter dificuldades para crescer ou conquistar uma vaga de emprego pelo simples fato de não conseguir expressar as suas qualidades. Você já pensou na imagem que está passando, o que as pessoas pensam sobre você ou como gostaria que as pessoas lhe vissem? Assim como uma marca precisa de marketing para ser apreciada, desejada, lembrada e indicada, uma pessoa também. O marketing pessoal pode ser a garantia do emprego e do espaço profissional. Para Kotler (2000), o marketing pessoal é “uma nova disciplina que utiliza os conceitos e instrumentos do marketing em benefício da carreira e das vivências pessoais dos indivíduos, valorizando o ser humano em todos os seus atributos, características e complexa estrutura”. O marketing pessoal é um desdobramento do marketing e surge como uma ferramenta para se alcançar o sucesso profissional, pois engloba os cuidados com a imagem. Oliveira Neto (1999, p. 23) define o marketing pessoal da seguinte forma: O processo encetado por um indivíduo, envolvendo a concepção, planejamento e execução, de ações que contribuiriam para: a formação profissional e pessoal do indivíduo (produto), a atribuição de um valor justo e compatível com o posicionamento de mercado que se queira adquirir (preço), a execução de ações promocionais de valorização pessoal (promoção), que o colocariam no lugar certo na hora certa (distribuição). 31 Na criação da marca pessoal, Rogar (2007) afirma que não existe uma fórmula simples para a construção de uma marca própria e que é constante o perigo de se parecer artificial ou falso. Portanto, quem decide polir e dar unidade à imagem profissional que projeta precisa investir, submeter-se a avaliações periódicas de um orientador e aceitar os sacrifícios de eventuais mudanças de rumo na carreira e nos hábitos da vida pessoal (ROGAR, 2007). A autora ainda complementa destacando que são fundamentais o conteúdo e a qualificação profissional, ou seja, a pessoa precisa justificar a sua marca. Dito de outra forma, marketing pessoal não é falar de si o tempo todo, é ter atitudes que façam com que as pessoas se lembrem de você de forma positiva. O marketing pessoal requer esforço diário para exaltar o que há de bom em você. Para que o marketing pessoal gere efeitos positivos, é preciso desenvolver habilidades interpessoais, melhorar a apresentação e a comunicação. Na dose certa e de forma planejada, é possível criar e desenvolver uma imagem coerente e consistente, envolta em associações psicológicas positivas que deem visibilidade necessária para que uma pessoa se transforme em uma referência no seu ambiente vivencial e possa fazer parte dos projetos de vida das outras pessoas (DOIN, 2006). Ética Sá (2009, p. 17) ensina que ética deve ser compreendida como “a ciência da conduta humana perante o ser e seus semelhantes”. Analisando esse conceito, podemos verificar que a ética relaciona a conduta de uma pessoa à sua relação com outra pessoa. Ou seja, existem limites para o nosso convívio, existem regras que impomos e que desejamos ver respeitadas. Muito embora as questões éticas estejam a todo instante presentes na mídia, em jornais, revistas, TV, rádio e internet, e em materiais produzidos pelas empresas, é bom lembrar que a ética foi introduzida ao corpo de conhecimento ocidental pelos trabalhos de Pitágoras no século VI a.C., ou seja, há mais de 2.600 anos. Também Aristóteles, no século IV a.C., há mais de 2.400 anos, discorreu sobre a ética na sua obra Ética a Nicômaco. Ética está presente na vontade e nas atitudes virtuosas de uma pessoa em relação a ela mesma e àqueles com quem convive. A virtude está presente nas relações em que se busca o bem comum. Assim sendo, a ética existe quando o indivíduo está na presença de outras pessoas, mas também, e principalmente, quando está sozinho. Ética e relações interpessoais Srour (2003, p. 15) ensina que o estudo da ética está vinculado “aos códigos e normas que regulam as relações e condutas entre os agentes sociais, os discursos normativos que identificam, em cada coletividade, o que é certo ou errado fazer”. 32 Esse conceito apresenta alguns componentes importantes para a compreensão da ética: as normas reguladoras; a distinção da ética segundo o grupo social e a escolha entre o certo e o errado. Ao normatizar a convivência entre os indivíduos, o estudo da ética examina a moral. O senso comum ainda apresenta alguma confusão entre o que é ética e o que é moral, no entanto, trata-se de conceitos diferentes. Ética é “a ciência da conduta humana perante o ser e seus semelhantes”, enquanto moral diz respeito ao indivíduo inserido no contexto social. Ética vem do grego ethos, que significa modo de ser, já moral tem origem no latim mores, que significa costumes. Padrões éticos estabelecem a norma a ser seguida pelas pessoas na busca pelo convívio para o bem. A ética diz respeito à sistematização por meio de regras a serem seguidas e que estabelecem o modo de ser que é bom para a coletividade. A moral direciona a prática cotidiana,por meio de um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, em uma determinada época. Tais normas são adquiridas pela educação, pela cultura e pelo cotidiano. Valores, profissão e ética Outro aspecto importante a ser tratado diz respeito aos valores: o seu conceito e os princípios presentes no exercício da profissão. Valores são princípios dos quais não abrimos mão. O ambiente em que vivemos – incluindo o convívio com outras pessoas na família, no nosso local de trabalho, na instituição de ensino, com os nossos amigos –, nos oferece oportunidades de prática dos nossos valores a partir do relacionamento interpessoal. Cabe a cada um exercer a prática dos valores para o bem próprio e o bem comum. Os valores evoluem com o passar do tempo. As empresas têm divulgado os seus valores, deixando claro para a sociedade as atitudes das quais não abre mão na busca pela efetivação dos objetivos do negócio. São os nossos valores que, quando em contato com o mundo exterior, proporcionam um julgamento interno que fazemos ao escolher entre o que é bom e mau, entre o que é justo e injusto, entre o que é honesto e desonesto. A nossa consciência ética funciona, dessa maneira, como um tribunal em que as decisões são tomadas levando-se em conta uma reflexão sobre a nossa própria realidade em contato com as práticas do cotidiano na nossa família, com os nossos amigos, no trabalho, onde estudamos etc. 33 Por que, em processos de seleção, as empresas têm buscado profissionais que compartilham os seus valores? Porque os objetivos propostos por uma organização serão atingidos de forma legítima à medida que as iniciativas dos seus empregados refletirem aquilo que consta nas propostas e no modelo do negócio. A imagem da marca da empresa pode beneficiar-se ou prejudicar-se a partir da conduta ética de cada pessoa que contribui direta ou indiretamente para a fabricação dos seus produtos ou serviços. Por esse motivo, ética é um tema que compõe a base da formação profissional de qualquer indivíduo, e o seu reconhecimento se faz na mesma proporção em que é demonstrada por meio de palavras e atos. Desempenhar uma atividade profissional de maneira ética significa seguir os princípios morais daquela sociedade, dentro do que prevê a lei e conforme o código de ética da profissão. O que aconteceria se a consciência ética definisse como apropriados os atos de roubo, o tráfico, entre outros? A ética, a reputação e a imagem do profissional A reputação é um ativo intangível e é também um processo provisório que pode sofrer alterações em face da imagem que se constrói a partir de: um reconhecimento que a sociedade atribui; traços marcantes percebidos pelas pessoas; “imaginário social” e percepção que se tem de alguém ou de uma organização tendo como base um julgamento da qualidade do relacionamento, dos seus serviços ou produtos. Observe que todas essas características indicam que a construção da reputação está relacionada ao julgamento que se faz de alguém, de alguma coisa ou de uma organização. Ou seja, trata-se de algo sobre o que se tem pouco controle. Por isso, é preciso prestar permanente atenção a isso. Reputação está associada à confiança e à credibilidade que se conquista. Portanto, a ética é elemento fundamental na construção da reputação de um indivíduo, de um profissional, de uma marca ou de uma organização. No caso das pessoas, o marketing pessoal é uma ferramenta que auxilia a percepção da postura ética profissional e contribui para a construção de uma reputação que inspire credibilidade no mercado. Plano de desenvolvimento profissional e pessoal Autoconhecimento e autogestão A carreira deve ser pensada como uma estrada em constante construção, que, se bem trilhada, poderá conduzir ao sucesso, à satisfação profissional e pessoal e a uma compensação financeira também satisfatória. 34 Uma vez que somos constantemente confrontados com as mudanças no ambiente à nossa volta e com mudanças em nós mesmos, decidir sobre a carreira não se pode resumir a momentos episódicos na nossa vida nem a pegar “oportunidades” pontuais para as quais não estávamos preparados. A carreira relaciona o profissional com o seu meio ambiente no decorrer do tempo, desse modo, antes de iniciar um planejamento sobre as oportunidades de carreira que podemos alcançar, é importante refletir, questionar e identificar: quem eu sou, o que quero, quais são os meus interesses e as minhas aptidões? O que é importante para mim nesse momento? Quais são os meus valores? Quais são os meus objetivos no curto, médio e longo prazo? Todas essas perguntas precisam ser respondidas para você se posicionar diante da vida pessoal e profissional. Se você não souber quais são as suas habilidades e os seus objetivos de carreira, poderá sentir- se atraído facilmente por incentivos como: um cargo maior, uma maior remuneração, carga horária menor, mudança de local do trabalho etc., o que não significará necessariamente maior satisfação. A partir do momento em que você tiver alguns aspectos relativamente delimitados, poderá fazer escolhas mais seguras. Esses aspectos são: Investir em autoconhecimento – fórmulas infalíveis para construir uma carreira de sucesso não existem, até porque o que é sucesso para um não é para outro. É preciso aprimorar a percepção sobre as próprias expectativas profissionais. Autoconhecimento é um caminho para a conscientização dos nossos pontos fortes e dos pontos que precisamos desenvolver para melhorar. Alinhar as atribuições profissionais atuais com os novos paradigmas empresariais exigidos – elaborar uma estratégia particular para competir no mercado. Tratamos aqui de intencionalidade: qualquer decisão tem de ser tomada com conhecimento de causa para que aumente a probabilidade de sucesso em decorrência das escolhas. Uma carreira levada ao acaso, sem rumo, por sorte, aumenta as chances de fracassar. Aprender com as próprias experiências no campo pessoal e profissional do nosso trabalho atual, visando a um potencial trabalho futuro, e maximizar as nossas habilidades utilizando ferramentas de treinamento e desenvolvimento são iniciativas essenciais. Se você não tem um foco, um objetivo, qualquer lugar serve. Portanto, um posicionamento firme é a identidade que você quer ter. É como você quer ser visto. Atingir os objetivos de vida, e não apenas os objetivos profissionais – a carreira precisa estar harmonizada com os anseios da vida, como família, comunidade, política, cultura, religião etc. A verdade é que nem sempre teremos apenas o que gostaríamos de fazer. Então, é importante não esquecer que a carreira não é uma estrada lisa, plana, sem curvas e obstáculos, pelo contrário, aborrecimentos momentâneos podem servir de lição para que, no futuro, desenvolvamos planos de contingências que nos auxiliem a conviver com os imprevistos e as contrariedades. 35 Autoconhecimento No planejamento de carreira, o ponto de partida é o autoconhecimento, a partir do qual devem ser desenvolvidos os objetivos de carreira e o plano de ação para a consecução desses objetivos. Na área profissional, o autoconhecimento torna-se o mais nobre diferencial competitivo que podemos desenvolver. Entretanto, muitas vezes, os questionamentos sobre nós mesmos podem ocorrer em um período de dificuldades ou de insucesso profissional ou emocional, e, não raro, esses questionamentos vêm do sentimento de vazio, de que está faltando algo. Esses questionamentos acabam abrindo as portas para o autoconhecimento. É nesse momento em que nos perguntamos como dominar esses sentimentos, pensamentos e atitudes, que devemos desfazer a imagem poética que temos de nós mesmos e do mundo e enfrentar os nossos medos e as reais causas de determinados comportamentos. A jornada do autoconhecimento só tem início. É como se estivéssemos subindo uma montanha sem topo. A cada parte mais alta
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