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Coleção Pensamento Criminológico Dario Melossi e Massimo Pavarini Cárcere e fábrica As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX) Tradução Sérgio Lamarão ~ Instituto Carioca de Criminologia Editora Revan :Il!!!IiiSPensarnento Criminológico Direção Prof. Dr. Nilo Batista © 2006 Instituto Carioca de Criminologia Rua Senador Dantas, 75 - Cob. 02 - Centro Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 20031-204 Tel.: (5521) 2221-1663 Fax.: (5521) 2224-3265 Email:criminologia@icc-rio.org.br Edição e distribuição Editora Revan S.A. Rua Paulo de Frontin, 163 Rio de Janeiro - RJ 20260-01 O tel. (21) 2502-7495 fax (21) 2273-6873 editora@revan.com.br www.revan.com.br Projeto gráfico Luiz Fernando Gerhardt Revisão Sylvia Moretzsohn Diagramação lida Nascimento Melossi, Dario e Pavarini, Massimo. Cárcere e fábrica-As origens do sistema penitenci- ário (séculos XVI-XIX)-Dario Melossi e Massimo Pavarini. - Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (Pensamento criminológico; v. 11). 2-ª-edição, agosto de 2010, !'reimpressão, setembro de 2014. 272p. Inclui bibliografia ISBN85-7106-335-4 1. Direito penal Sumário Prefácio à edição brasileira ............ , ............................................. 5 Apresentação .. . ... . ... . ... . . . ... . ...... ...... ........ .. . . ... . . ... ... . ... . . .. . ... . . ........ 11 Introdução . . .. . .. . .. . .. . .. . . . .. ... . .. . ... . . ... ... . ..... ... ... . .. ... . .. . .. . .. . .. . .. . . ... .... 19 Primeira parte - Dario Melossi A gênese da instituição carcerária moderna na Europa .................... 29 I. A criação da instituição carcerária moderna na Inglaterra e na Europa continental entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XIX ................................................. 31 1. "Bridewells" e "workhouses" na Inglaterra elisabetana ...... 33 , 2. A Rasp-huis de Amsterdã e a manufatura ..... , ................... 39 3. Gênese e desenvolvimento da instituição carcerária nos outros países da Europa ................................................. 48 4. Acontecimentos posteriores da instituição na experiência inglesa .......................................................... 60 5. A construção da moderna práxis carcerária na Europa continental entre o Iluminismo e a primeira metade do século XIX ....................................... 79 II.A gênese da instituição carcerária na Itália ................................ 101 1. Os séculos XVI e XVII . ..................................... ...... ...... 103 2. O Século XVIII . . . . . . . .. . ............ ... ................... .. . . .......... ... 109 3. Do período napoleônico à situação pré-Unificação ........... 127 Segunda parte - Massimo Pavarini A invenção penitenciária: A experiência dos Estados Unidos na primeira metade do século XIX . ............. ... ............................... 149 I. A era jacksoniana: desenvolvimento econômico, marginalidade e política do controle social ........................................................... 151 1. Propriedade imobiliária e instituição familiar na origem do controle social no período colonial ................................... 153 2. O quadro estrutural: de uma sociedade agrícola a uma economia industrial .... ... ....... ........... ......... ..... ..... ....... 166 a. O período pós revolucionário: processos de acumulação e economia mercantil . . . . . . ............... ........................ .. ..... 166 b. A decolagem industrial (1820-1860) ............................... 172 3. Processos desagregadores e a nova política do controle social: a hipótese institucional ........................................................ 177 4. O nascimento da penitenciária: de Walnut Street Jail à Auburn Prison .................................. 184 5. As formas da exploração e a política do trabalho carcerário ........................................... 192 II. A penitenciária como modelo da sociedade ideal ........................ 209 1. O cárcere como "fábrica de homens" ............................... 211 2. A dupla identidade: "criminoso-internado" e "não proprietário-internado" ............................................. 212 3. "The Penitentiary System": o novo modelo de poder disciplinar ......................................... 217 4. O produto da máquina penitenciária: o proletário ............... 231 Apêndice 1 A subordinação do ser institucionalizado (pesquisa na penitenciária de Filadélfia, outubro de 1831) ................. 237 Apêndice2 A soberania administrativa em regime de "silent system" (conversas com G. Barrett, B. C. Smith e E. Lynds) ....................... 249 III. Conclusões Razão contratual e necessidade disciplinar nas origens da pena privativa da liberdade ....................................... 259 Prefácio à edição brasileira O livro Cárcere e fábrica - as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX), de Dario Mel os si e Massimo Pavarini - composto de dois ensaios individuais independentes, mas com pressupostos metodológicos e objetivos científicos comuns, apresentados ao público brasileiro na excelente tradução de Sérgio Lamarão, historiador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro -, retoma uma linha de pesquisa aberta por Rusche e Kirchheimer em Punishment and Social Structure (1939), que demonstrou a relação mercado de trabalho/prisão e propôs a tese de que cada sistema de produção descobre o sistema de punição que corresponde às suas relações produtivas. Em Criminologia, essa linha de pesquisa é critica porque insere as questões do crime e do controle social na estrntura econômica e no sistema de poder político e jmidico das sociedades contemporâneas, pensadas com as categorias teóricas desenvolvidas pela tradição marxista, fundadas no conceito de modo de produção da vida social, que exprime a integração das forças produtivas materiais em detenninadas relações de produção históricas, nas quais se manifesta a luta de classes da formação social capitalista. Nessa perspectiva, o ensaio de Dario Melossi (Cárcere e trabalho na · Europa e na Itália, no período de formação do modo de prod11ção capitalista) define a relação capital/trabalho assalariado como a clave para compreender a instituição carcerária, elegendo a formação do proletariado - o aspecto sübordinado das relações de produção capitalistas - como objeto do interesse científico da pesquisa: expropriados dos meios de produção e expulsos do campo - o violento processo de acumulação primitiva do capital nos séculos XV e XVI-, os camponeses se concentram nas cidades, onde a insuficiente absorção de mão-de-obra pela manufatura e a inadaptação à disciplina do trabalho assalariado originam a formação de massas de desocupados urbanos. O estudo mostra a população de mendigos, vagabundos, ladrões e outros delinqüentes dos centros urbanos - então conhecidos como as classes perigosas -, produtos necessários de determinações estruturais, 1nas interpretados como expressão individual de atitudes defeituosas, tangidos para as workhouses - uma invenção do século XVI para resolver problemas 5 de exclusão social da gênese do capitalismo. A transformação do castelo de Bridewell (Londres) em casa de trabalho forçado de camponeses expropriados, com a finalidade de disciplina para o trabalho assalariado na manufatura, é emblemática da política de controle das massas marginalizadas do mercado de trabalho, sem função na reprodução do capital - mas obrigadas a aceit~r empregos por salários miseráveis para evitar a internação nas workhouses. No início do século XVII, a estrutura celular do aparelho carcerário de Rasp-huis (Amsterdã) seria o modelo de disciplina da força de trabalho ociosa formada por camponeses expropriados dos meios de subsistência material, em toda Europa continental:raspar troncos de pau- brasil para produzir tintura com o pó da serradura - nossa involuntária contribuição para o sistema penal moderno -, além de disciplina para o trabalho assalariado, cumpriria funções de prevenção especial e geral, segundo o princípio de menor elegibilidade, pelo qual a eficácia da prisão pressupõe condições carcerárias piores do que as condições do trabalho livre - outra descoberta de Rusche e Kirchheimer. Definir a disciplina da força de trabalho pela instituição carcerária, primeiro para a manufatura, depois para a fábrica, reforçando o trabalho da fann1ia, da escola e de outras instituições sociais, é um dos grandes méritos do texto de Melossi. Na sociedade de produção de mercadorias, a reprodução ampliada do capital pela expropriação de mais-valia da força· de trabalho - a energia produtiva capaz de produzir valor superior ao seu valor de troca (salário), como ensina Marx-, pressupõe o controle da classe trabalhadora: na fábrica, instituição fundamental da estrutura social, a coação das necessidades econômicas submete a força de trabalho à autoridade do capitalista; fora da fábrica, os trabalhadores marginalizados do mercado de trabalho e do processo de consumo - a chamada superpopulação relativa, sell\ utilidade direta na reprodução do capital, mas necessária para manter os salários em níveis adequados para valorização do capital -, são controlados pelo cárcere, que realiza o papel de instituição auxiliar da fábrica. Assim, a disciplina como política de coerção para produzir sujeitos dóceis e úteis, na formulação de Foucault, descobre suas determinações materiais na relação capital/trabalho assalariado, porque existe como adestramento da força de trabalho para reproduzir o capital, processo definido por Dario Melossi como fenômeno de economia política - e não simples investimento do corpo por relações de poder, na linguagem de Foucault. A segunda parte do livro é o ensaio de Massimo Pavaríni ("A invenção penitenciária: a experiência dos EUA na primeira metade do século XIX"), 6 que situa o nascimento da moderna penitenciária na transição da prisão de Walnut Street, em Filadélfia (1790) para a prisão de Auburn, em Nova York (1819), origem dos modelos de penitenciária de Filadélfia e de Auburn, éoncebidos corno instituições de controle social da sociedade capitalista mais desenvolvida da era moderna. O texto situa a gênese do modelo de Filadélfia na decadência das work- houses americanas, igualmente dedicadas à reclusão de pequenos delin- qüentes, vagabundos, devedores e pobres em geral - afinal, também nos United States of America ser pobre é crime, como disse Disraeli sobre a Inglaterra: a crise das workhouses americanas seria desencadeada pela produção manufatureira, que reduziu as casas de trabalho a instituições de terror, com trabalho manual repetitivo e sem função de adestramento da força de trabalho encarcerada. A pesquisa de Pavarini demonstra que o modelo de Filadélfia, criado pela inspiração religiosa Quaker, com celas de isolamento em forma panótica para oração, arrependimento e trabalho individual em manufaturas, é a solução para a crise da política de controle: os reduzidos custos administrativos da vigilância carcerária explicam sua rápida difusão nos EUA. Mas novas transformações estruturais da sociedade americana produzem nova crise: a natureza antieconômica do trabalho individual isolado e a impossibilidade do trabalho coletivo em condições de isolamento celular colocam o modelo de Filadélfia na contramão das mudanças do mercado de trabalho - e a solução da crise aparece no modelo de Auburn, mais tarde conhecido como o sistema penal americano, caracterizado pelo trabalho comum durante o dia, sob a lei do silêncio. A tese da dependência do sistema punitivo em face dos processos eco- nômicos do mercado de trabalho reaparece nos parâmetros de execução penal do modelo de Auburn, orientados menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo; assim corno a manufatura produz o confinamento solitário do modelo de Filadélfia, a indústria engendra o trabalho coletivo do modelo de Auburn, com o silent system para isolar e controlar- abrindo novas possibilidades de exploração do trabalho carcerário por empresários privados. Mas o conluio do capital com a prisão para explorar o trabalho do preso também entra em crise, como mostra Pavarini: por um lado, a exploração destruidora da força de trabalho, o emprego do preso como força de trabalho escravo na agricultura sulista, a brutalidade dos castigos corporais por razões de ritmo de trabalho e o compromisso entre empresários e juízes de transformar penas curtas em penas longas de prisão 7 para maior extração de mais-valia; por outro lado, a luta de sindicatos e organizações operárias contra os custos inferiores e maior competitividade do trabalho carcerário (salários menores, ausência de tributos etc.) e as dificuldades de industrialização do aparelho carcerário em época de renovação tecnológica acelerada - tudo isso contribui para decretar o fim da prisão como empresa produtiva nos Estados Unidos da América, já no começo do século XX. Afinal, na definição de Pavarini, a penitenciária não é uma célula produtiva, mas uma fábrica de homens para transformar criminosos em proletários, ou uma máquina de niutação antropológica de sujeitos reais, agressivos e violentos, em sujeitos ideais, disciplinados e mecânicos, segundo Foucault. A tese do crinzinoso encarcerado como não-propn.etário encarcerado ilumina a tarefa do cárcere na sociedade burguesa, instituição coercitiva para transformar o criminoso não-proprietário no proletário não-perigoso, um sujeito de necessidades reais adaptado à disciplina do trabalho assalariado. Entre os aspectos comuns dos ensaios de Melossi e de Pavarini aparece a valorização do conceito de Pasukanis (A teoria geral do direito e o marxismo, 1929) da pena como retribuição equivalente da sociedade capitalista, no sentido de troca jurídica que realiza o princípio da igualdade do Direito, correspondente à troca de força de trabalho por salário no mercado de trabalho, que exprime a redução de toda riqueza social ao trabalho abstrato medido pelo tempo, o critério geral do valor na economia e no Direito. Assim, a pena como retribuição equivalente representaria o momento jurídico da igualdade formal, que oculta a submissão total da instituição carcerária, como aparelho disciplinar exaustivo para produzir sujeitos dóceis e úteis, que configura o cárcere como fábrica de proletários; por outro lado, o salário como retribuição equivalente do trabalho, na relação jurídica entre sujeitos "livres" e "iguais" no mercado, oculta a dependência substancial e a desigualdade real do processo de produção, em que a expropriação de mais-valia significa retribuição desigual e a subordinação do trabalhador ao capitalista significa dependência real, determinada pela coação das necessidades econômicas, que configuram a fábrica como cárcere do operário. Todavia, o último capítulo da história da relação cárcere/fábrica ainda está Pílra ser escrito. A política americana de criminalização da pobreza, promovida pelo desmonte do Estado social e sua substituição pelo Estado penal - iniciada por Reagan e continuada por Bush (agora com apoio do exterminador.do futuro Schwarzenegger, governador da Califórnia) -, quintuplicou a população carcerária daquele país em vinte anos: de 500 mil presos em 1980 para 2,5 milhões em 2000. Governo e eleitorado americanos 8 esqueceram o fracasso histórico da exploração lucrativa do trabalho carcerário e iniciaram novo programa de prisões/empresas: a indústria do encarceran1ento privado cresceu de 3.100 presos em 1987 para 276.000 presos em 2001, sob o sistema de fitll-scale management, de gestão total do estabelecimento penitenciário pela empresa privada, segundo Loic Wacquant, em A ascensão do Estado penal nos EUA. Em poucas palavras, a relação cárcere/fábricaevoluiu para a sin1biose fábrica/cárcere, que fundiu essas instituições em uma unidade arquitetônica punitiva/produtiva, com a fábrica construída como cárcere, ou o cárcere erigido em forma de fábrica, a realização definitiva do ideal de exploração do trabalho pelo capital, na perspectiva da intuição de Pavarini: os detidos devem ser trabalhadores; os trabalhadores devem ser detidos. Curitiba, dezembro de 2004. Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Professor de D.ireito Penal da Universidade Federal do Paraná Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal (Curitiba, PR) 9 Apresentação Para o estudioso italiano que quer se aprofundar na pesquisa histórica sobre as origens das instituições penitenciárias, este é um momento certamente muito interessante. Em novembro de 1976, foi finalmente publicado na Itália o texto de Foucault Vigiar e punir. E hoje aparecem reunidos organicamente num volume dois ensaios importantes de Dario Melossi e Massimo Pavarini, um dedicado às relações entre cárcere e trabalho na Europa e na Itália, entre o século XVI e a primeira metade do século XIX, e o outro às experiências penitenciárias dos Estados Unidos da América, na primeira metade do século XIX. O interesse, evidentemente, não é apenas histórico. Revisitar as origens do sistema penitenciário na Europa e nos Estados Unidos significa, na realidade, buscar as razões de fundo que explicam a crise do sistema carcerário nos dias de hoje e colocar-se o problema da homogeneidade entre as instituições carcerárias e os modelos econômicos e políticos da nossa sociedade. Não se pretende dizer com isso que a pesquisa histórica deva ter ou tenha sempre como fmalidade uma melhor compreensão do presente. Porém, tantos os ensaios de Melossi e de Pavarini quanto, embora de uma maneira diversa, a obra de Foucault, servem a essa finalidade, pois o método que utilizam fornece modelos de investigação suscetíveis de serem aplicados, em seus pressupostos de ordem geral, também a sociedades e períodos históricos diversos daqueles examinados. A reflexão sobre o presente é, pois, uma conseqüência obrigatória, o que atribui a essas pesquisas uma indiscutível atualidade. O dado comum - que se faz presente tanto na obra de Foucault quanto na extensa e em muitos aspectos original sistematização que Melossi e Pavarini fizeram de um material bibliográfico pouco conhecido ou até mesmo desconhecido na Itália - é a inversão de um certo modo de considerar o cárcere como uma instituição isolada e separada do contexto social. É bem verdade que o cárcere e as demais instituições de confmamento são locais fechados e por isso mesmo fisicamente isolados e separados da sociedade livre, porém essa separação é mais aparente que real, uma vez que o cárcere não faz mais do que propor ou levar ao paroxismo modelos de organização social ou econômicos que se deseja impor ou que já existem na sociedade. li Foucault, de um lado, e Melossi e Pavarini, do outro, seguem posturas e métodos ideológicos muito diferentes para chegar a uma mesma conclusão, que pode ser considerada, desde já, como o ponto de partida da atual pesquisa histórica sobre as instituições penitenciárias. Para Foucault, o cárcere é o emblema do modelo de organização do poder disciplinar exercitado no contexto social de quem detém o próprio poder, um modelo que assume aspectos quase metafísicos e que perde, exatame~te devido à sua generalização e abstração, uma dimensão histórica precisa. E bem verdade que Foucault examina o nascimento da instituição carcerária e de outras instituições de confinamento a ela afins na França, no período compreendido entre o final do século XVIII e os primeiros anos do século XIX. Porém, o alcance que ele atribui à descoberta do modelo de organização penitenciária é tamanho que faz dele um esquema universal, que parece destinado a reproduzir-se sem modificações, malgrado as mudanças ocorridas na sociedade francesa dos primeiros anos dos Oitocentos até os dias de hoje. Em outras palavras, parece que a Foucault interessa mais a descoberta deste modelo de controle disciplinar e dos seus mecanismos abstratos de funcionamento do que as modalidades concretas de gestão do sistema penitenciário e dos outros instrumentos análogos de controle social (escola, hospital, hospício, quartel, fábrica etc.) no período histórico considerado. Por conta disso, não é de todo injustificado perguntar se os organogramas de controle disciplinar colocados em prática pela sociedade burguesa funcionaram efetivamente e que exigências concretas de poder, e não apenas de uma organização social abstrata, corresponderam a eles. Cabe perguntar, enfim, se foram alcançados os resultados que se propunha obter. Bem diferente é o método seguido por Melossi e Pavarini na individualização das conexões entre cárcere e organização econômica e política da sociedade. Aqui, a preocupação de situar o cárcere num contexto histórico preciso constitui 0 fio condutor da pesquisa; ao mesmo tempo, os autores procuram constantemente comparar os esquemas teórico-interpretativos que propõem para explicar primeiro a gênese e depois o desenvolvimento dos distintos sistemas penitenciários e a incidência concreta que as instituições penitenciárias têm na organização econômica e social que estão analisando. Veremos como tampouco este método está isento de um certo mecanicismo, especialmente em relação àqueles períodos históricos e àquelas realidades nacionais, entre as quais a Itália, em que as hipóteses de trabalho e as tentativas de explicação propostas para outras situações encontram menor correspondência na realidade concreta. De todo modo, trata-se de uma 12 tribuição de grande valia, que estimula a análise das relações entre o cárcere diferentes situações socioeconômicas, bem como do papel que a instituição ,~1utemciária desempenha atualmente. Esse método de trabalho emerge com clareza desde as primeiras páginas texto de Melossi, "Cárcere e trabalho na Europa e na Itália no período da .fõ'tmação do modo de produção capitalista". Os bridewells e workhouses na ·fílglaterra elisabetana, da mesma forma que os rasp-huis de Amsterdam, são . enfocados e examinados à luz de precisas exigências econômicas e de :!liercado, numa visão que, ao menos no que concerne à bibliografia carcerária füiliana, é completamente nova. As origens do internamento compulsório na Inglaterra na segunda metade •do século XVI, para recolher ociosos, vagabundos, ladrões e autores de delitos i!e: menor importância, e submetê-los ao trabalho obrigatório e a uma rígida ·11isciplina, e a difusão, tendo como referência o primeiro experimento feito no · ·•castelo de Bridewell, de casas de correção em diversas partes da Inglaterra, são i"êlacionadas às hipóteses avançadas por Marx sobre a necessidade de enfrentar, cõm instrumentos repressivos, as grandes massas de ex-trabalhadores agrícolas . ede desenraizados que, em conseqüência da crise irreversível do sistema feudal, ãfluem para a cidade e não podem ser absorvidas pela nascente manufatura . d()m a mesma rapidez com que abandonam os campos. Mas na realidade, nesta :fíümeira fase a segregação não se deve tanto a exigências de destrnição ou de êliminação física, mas sim à utilização de força de trabalho e, mais ainda, à · "nê~essidade de se adestrar para o trabalho manufatureiro os ex-camponeses .Yque se recusam a se submeter aos novos mecanismos de produção. Este processo é seguido, de maneira mais analítica, nas casas de trabalho .. holandesas da primeira metade dos Seiscentos. Da organização dessas casas de ·'trabalho emerge, de forma particularmente evidente, que o seu propósito era o · "áprendizado forçado da disciplina da fábrica. Demonstra-se, com toda a 'objetividade, que esta finalidade prevaleceu sobre o controle do mercado de ttabálho, não fosse por outro motivo senão pela importância relativamente limitada que essas instituições tiveram naquele períodohistórico. A precisão é importante porque, quando se cede a uma excessiva Supervalorização e generalização do fenômeno, corre-se o risco, uma vez encontrada uma fórmula interpretativa, de se estender o seu alcance até aplicá- la mecanicamente a situações em que o cárcere, ou casa de trabalho ou o que quer que seja, tenha urna dimensão tão reduzida a ponto de não ser possível átribuir-lhe nenhuma função real de controle social ou alguma incidência sobre o mercado de oferta e demanda de trabalho. 13 Devemos ser ainda mais cautelosos quando nos deparamos com afirmações do tipo "o segredo das workhouses ou das rasp-huis ( ... ).consiste em representar, em termos ideais, a concepção burguesa da vida e da sociedade, em preparar os homens, em particular os pobres, os proletários, a aceitar uma ordem e uma disciplina que os tomem dóceis instrumentos da exploração", ou quando se afirma tout court - é esta a con.c~usão a que chegam Rusche e Kirchheimer - que "a primeira forma de pnsao moderna está( ... ) estreitamente ligada às casas de correção-manufaturas". Proceder desse modo significa atribuir à nascente burguesia manufatureira e à sua organização social uma importância e uma capacidade que, na realidade, permanecem confinadas a experiências certamente emblemáticas, mas de circunscrito alcance quantitativo e territorial. A relação entre o cárcere e o mercado de trabalho, entre confinamento e adestramento à disciplina da fábrica não pode, após os resultados da pesquisa de Melossi e Pavarini, ser colocada em questão, mas ao lado desta lógica economieista existem provavelmente outras, que não constituem simplesmente coberturas ideológicas ou justificativas moralistas. A chave para uma reconstrução da função global desenvolvida pelas instituições segregacionistas no longo período da sua gestação, que se estende do século XVI ao século XVIII, deve ser buscada numa abordagem que também leve em conta outros componentes, certamente contraditórios e menos racionais, que encontramos nas atuais instituições penitenciárias e que abarcam uma vasta esfera de motivações, às vezes abertamente mistificadoras, mas às vezes reais, que vão desde as exigências de defesa social até o mito da recuperação e da reeducação do desviante, desde o castigo punitivo como um fim em si mesmo até os modelos utópicos de perfeitos microcosmos disciplinares. É certo, porém, que a análise interpretativa que des(<lca as relações .entre o nascimento das instituições segregacionistas, a difusão da pena detentiva e o modo de produção capitalista contribui de maneira determinante para a compreensão do fenômeno e para o desmantelamento de mitos e lugares comuns sobre a imutabilidade do cárcere ao longo dos séculos. Nesse sentido, é particularmente convincente a relação de interdependência entre as condições do mercado de trabalho, sempre em mutação, a brusca queda da curva de incremento demográfico, a introdução das máquinas e a passagem do sistema manufatureiro para o sistema fabril propriamente dito, de um lado, e a súbita e sensível deterioração das condições de vida no interior do cárcere, do outro, a partir da segunda metade dos Setecentos na Inglaterra e nos outros países europeus de industrialização mais rápida. 14 .De fato, é nesse período que deixam de ser praticadas no cárcere formas de :; it@balho produtivo e competitivo, passando a prevalecer um sistemaintimidatório '":~.ierrorista de gestão, destinado a perpetuar-se no decorrer do século XIX e \.iiesmo posteriormente. Aqui.' a correlação entre os sistemas de organização Óarcerária e as exigências do avanço industrial e do controle terrorista sobre o pi;qletariado tem um fundamento indiscutível e se baseia em situações de fato, ])IÍS como o notável desenvolvimento quantitativo da instituição carcerária e as terríveis condições de vida das prisões, descritas por reformadores do século XVUI. em primeiro lugar por Howard. A tentação de resolver, de acordo com estes esquemas interpretativos, também ás situações en'l que estão ausentes os pressupostos econômicos e produtivos para ligar o cárcere às linhas de desenvolvimento da economia capitalista toma menos convincente a investigação da realidade italiana. E isso ocorre não tanto porque na segunda parte do ensaio Melossi se proponha a aplicar estas concepções às primeiras experiências italianas dos séculos XVI e XVII, mas sim porque, na ·ausência dos pressupostos econômicos e sociais que tornam plausível a éxplicação do cárcere em função das exigências do mercado de trabalho e do modo de produção capitalista, não são buscadas outras tentativas de explicação. Tem-se, assim, a necessidade de se fazer referências genéricas a exigências de ordem e controle social, as quais por isso mesmo são reavaliadas, posto que, ainda que seja de forma extremamente reduzida e com uma incidência quantitativa íníI1irna, as experiências de confinamento também existem na Itália. Essas limitações estão em parte presentes também nas investigações sobre os períodos posteriores, do Setecentos até as experiências dos estados que .precederam à unificação italiana. É necessário, porém, ter-se consciência da enorme dificuldade de padronizar um material tão fragmentado, por causa das .diversas experiências políticas e dos diferentes níveis de desenvolvimento econômico dos vários estados e regiões italianas e da carência de qualquer .tentativa de sistematização e de avaliação crítica. Diante desse quadro, deve-se, em primeiro lugar, recorrendo às poucas fontes existentes, completar as informações necessárias para fazer a descrição da situação das instituições penitenciárias e de confinamento existentes. Malgrado estas dificuldades, na parte final do ensaio emergem algumas linhas seguras de interpretação, com base nas quais pode-se chegar à conclusão de que na Itália nunca existiu a fase histórica em que a instituição penitenciária funcionou como adestramento para a fábrica ou como controle do mercado da força de trabalho. Na Itália, o cárcere, nascido mais tarde do que em outros países devido ao atraso com que se iniciou o desenvolvimento das manufaturas 15 e por conseguinte das fábricas, imediatamente adequou-se à função repressiva e terrorista que foi atribuída, no início do século XIX, ao internamento nas nações européias mais avançàdas. Saltou-se assim a passagem, ou a ilusão, se se preferir, de utilizar a instituição no quadro das exigências produtivas da nascente economia capitalista. , Esta hipótese, que poderia ser uma convincente explicação do crônico atraso do cárcere na Itália, desde as suas origens até os nossos dias, apóia-se sobre algumas considerações sem dúvida importantes, tais como a permanência de relações pré-capitalistas no Mezzogiorno, e a função assunúda pelo proletariadà meridional de exército industrial de reserva da econonúa do norte do país e dos países estrangeiros mais avançados mediante o recurso maciço ao fenômeno migratório. As funções de regulador do mercado e de adestramento para o trabalho produtivo que, pelo menos em certos períodos históricos e ern nível mais emblemático que real, o cárcere desempenhou em países que possuíam uma estrutura econôrrúca mais homogênea, teriam sido assumidas na Itália por outros instrumentos de controle, entre os quais, em primeiro lugar, a núgração interna e a enúgração. Quando, na segunda metade do século XIX, algumas regiões italianas alcançaram os níveis de produção de outros países europeus, o cárcere se adequará, em toda a nação, ao modelo de instrumento terrorista de controle social, sem que seja possível destacar nenhuma diferença de gestão entre as zonas industrializadas do norte e as mais atrasadas do sul, já unificadas pela mesma administração centralizada das instituições penitenciárias. Conviria antes perguntar se esta tentativa de sistematização da origem e do constante atraso do sistema carcerário italiano teve também lugar em outros países da bacia do Mediterrâneo,nos quais registrou-se um atraso no desenvolvimento econômico sinúlar ao da Itália, como Espanha, Grécia ou Turquia. Se essas analogias ocorreram, elas poderiam teforçar a hipótese de uma linha de desenvolvimento do cárcere característica de países econômica e politicamente subdesenvolvidos (o discurso vale, obviamente, para as primeiras décadas do século XIX) e induzir a um aprofundamento, em perspectiva comparada, da investigação sobre a situação italiana, até agora muito incipiente se confrontada com o nível sensivelmente mais avançado das pesquisas conduzidas em países em que o cárcere desenvolveu funções econômicas e sociais que não têm correspondência ou comparação (ou se tiver é muito tênue), com a realidade italiana. Essas conclusões problemáticas referidas aos acontecimentos históricos das instituições carcerárias italianas encontram uma confirmação indireta nos resultados a que Massimo Pavarini chega no seu ensaio "A invenção 16 nciária: a experiência dos Estados Unidos da América na primeira metade culo XIX". Esses resultados são mais seguros porque a história rária dos Estados Unidos pode contar não apenas com uma vasta ';aboração crítica, totalmente inexistente para a situação italiana, mas também .. }~q'J'Il um desenvolvimento lógico e com uma articulação dos sistemas •' • :t:·~~nitenciários que permitem colocar em evidência indiscutíveis conexões '.:~111re 0 cárcere e o desenvolvimento econômico da América do século XIX. As conexões entre as formas de controle social e o tipo de econonúa agrário- . 'fàmiliar do período colonial, entre as primeiras experiências de internamento do ;período pós-revolucionário e o seu progressivo aperfeiçoamento em função das ·exigências produtivas do avanço industrial, estão amplamente documentadas e 'ê()nstituem um esquema exemplar de subordinação da ideologia punitiva e · J~enítenciária às leis do mercado de trabalho. Assim, não é por acaso que foi nos Estados Unidos, em fins do século · ..• '.'){VIII e no começo do século seguinte, que se inventaram e experimentaram, ,.numa rápida sucessão histórica, os dois sistemas penitenciários clássicos de : .. ,fiJadélfia e de Auburn, nos quais o trabalho se reveste, respectivamente, de 'Uma mera função punitiva ou é organizado segundo padrões produtivos e 'competitivos. Tampouco é por acaso que, enquanto nos Estados Unidos os ·'dois sistemas entram efetivamente em funcionamento e são aplicados até as .suas últimas conseqüências (basta pensar na intervenção direta da indústria privada na organização e na gestão do trabalho carcerário no esquema do çontract system), na Europa, como bem destaca Melossi, o debate sobre os méritos e os defeitos dos dois sistemas tem lugar num terreno predonúnan- temente ideológico e moralista. Na verdade, na Europa da primeira metade do século XIX, não estavam presentes os pressupostos econômicos e de mercado para qualquer utilização ou instrumentalização produtiva do trabalho carcerário. Todavia, também nos Estados Unidos, como documenta o próprio Pavarini, a relação direta entre cárcere e trabalho produtivo teve uma incidência quantitativa e temporal muito linútada, pelo que, mais do que falar do cárcere como fábrica de mercadorias, dever-se-ia falar do cárcere como produtor de homens, no sentido da transformação do crinúnoso rebelde em sujeito disciplinado e adestrado ·ao trabalho fabril. Esta conclusão leva Pavarini a traçar, na segunda parte do seu trabalho, dedicada à penitenciária como modelo de sociedade ideal, uma comparação articulada entre cárcere e fábrica, entre detento e trabalhador, entre contrato de trabalho e pena retributiva, entre subordinação no trabalho e subordinação 17 do preso, entre organização coativa carcerária e organização coativa eco- nômica do trabalho. A tese é indubitavelmente sugestiva, mas nos parece pecar por um certo dogmatismo e por uma tendência à generalização abstratizante que constitui o limite da obra de Foucault. Se este tipo de comparação entre cárcere e fábrica pode ter fundamento para o período histórico examinado, isto é, para os anos de formação do modo de produção capitalista, que conclusôes poderemos tirar dela para fundamentar a tese no momento histórico atual, e em especial na realidadeitaliana?. Assistimos há mais de meio século - e sobretudo naqueles países em que o modelo cárcere/fábrica alcançou aplicações mais amplas e mais concretas - a um constante processo de transformação da sanção detentiva em outros instrumentos de controle em liberdade do transgressor e do delinqüente. E certamente não se pode afirmar, como faz Foucault, que se trata simplesmente de um estreitamento e de uma atomização dos conteúdos da pena carcerária, que continuaria assim a manter intacto o seu papel e a sua função de instrumento totalizante de poder disciplinar. Em outros países, como a Itália, o cárcere, devido às suas conhecidas deficiências organizativas, nunca foi um modelo de controle disciplinar e muito menos de adestramento ao trabalho produtivo, mas sim constituiu um modelo de mau governo e de anarquia, entendido aqui em termos de gestão e administração. A estrutura do trabalho fabril certamente sofreu algumas modificações no curso dos últimos 150 anos e, embora o princípio da exploração da força de trabalho ainda continue de pé, a condição do trabalhador subordinado não pode ser comparado àquele existente no período do avanço industrial. Enfim, nos países socialistas, o problema da repressão penal e da organização penitenciária seguiu e segue esquemas que em parte são calcados nos 1do mundo ocidental. Estes dados, sumária e desordenadamente oferecidos aqui à atenção do leitor, exigem uma sistematização teórica e uma tentativa de conciliação com a hipótese totalizante do modelo carcerário do século XIX. Trata-se de uma verificação que se toma urgente, se é certo que, como dizíamos no início, a reflexão teórica sobre uma matéria como a das instituições penitenciárias deve ter como objeto urna maior compreensão dos processos em curso no momento histórico atual. Trata-se de uma verificação que, esperamos, os autores deste livro possam, em breve, cumprir. Guida Neppi Madona 18 ·~~~··1··· trodução ...• n i,;·~~.1. O início do interesse pela história da instituição carcerária coincide, . ·Ji!lfa nós, com a explosão, no final dos anos 1960, da gravíssima crise na /•~!la! a instituição se ~ncontrava (e se encontra até hoje).Como sempre acontece , ;~qs momentos de cnse, fomos levados a nos colocar algumas perguntas que . Jliziam respeito à natureza mais profunda, à essência mesma do fenômeno , .~arcerário. Surpreendeu-nos então constatar, e essa constatação incluía • '.iambém o modo de pensar que até então nos movia, que, para além das :.;a\ferentes posturas de cunho reformista ou mesmo subversivo do fenômeno :>.lf!rrcerário1, ninguém colocara com bastante clareza um problema que nos · ''.i•·,'~~ecia cada vez mais crucial: por que o cárcere? Por que motivo, em todas ·.0~~sociedades industrialmente desenvolvidas, essa instituição cumpre, de modo · ... ~t~dominante, a função punitiva, a ponto de cárcere e pena serem considerados <':-_':j~bmumente quase sinônimos?Pareceu-nos que a crítica prática da instituição, , '::,:);;,,-~tte nesses anos se manifestava radicalmente com motins, fazendo emergir _; 3 -__ ;f~~da vez mais seu caráter irracional, sugeria a necessidade de inventar os ::'//:Jllstrumentos da crítica teórica. Esses instrumentos deveriam ser capazes de .,'.'J'êsponder à pergunta, simples e ingênua, que a crise profunda de um '<,: fehômeno social sempre coloca com relação ao dito fenômeno: a quem serve ;·:e para que serve? Diante desse fenômeno, qual deve ser a postura de quem, ..... · ",~m seu trabalho intelectual, se interessa pela classe operária e utiliza a análise · · ,,Jmtrxista?Também nos parecia que o projeto de reforma penitenciária - que •C•fdepois de ter sido proposto há décadas, era retomadonaquelas dias agitados "•>·no Parlamento, sob o peso dos motins e do temor que estes provocavam na · \'lpinião pública - estava muito longe, se não nas fórmulas legislativas, pelo ínenos na colocação teórica do debate, de responder de modo minimamente '• ,ádequado à radicalidade com que o problema era colocado. Essa radicalidade, . ·.vale dizer, era mais estrutural do que política, e estava intimamente conectada com a própria razão de ser da instituição.Em resumo, era justo perguntar por que e de acordo com que critérios políticos, racionais, econômicos (aqueles 1 -- Sobre a recente produção italiana sobre o cárcere, ver G. Mosconi, "II carcere nella recente pubblicistica italiana'', in La questione criminale, 1976, pp. 2-3. 19 que são usados - ou que se espera sejam usados -para qualquer outro problema social}, o indivíduo que comete um crime deve cumprir a pena no cárcere (ainda que esta pergunta, formulada várias vezes, faça surgir muitas interrogações sobre os conceitos de "delito" e "pena"; mais adiante, veremos por que é mais produtiva uma análise da ''pena concreta'', do cárcere).Assim, tomava-se essencial colocar como objeto precípuo da própria pesquisa a origem da instituição (afinal de contas, ela devia ter uma origem! Fazer por si só a pergunta já destruía a concepção sagrada de que o cárcere sempre existiu, objeto dado in rerum natura). E isso não acontecia por um amor visceral ao historicismo (do qual, na nossa cultura, é difícil nos livrar), mas porque, na medida em que colocávamos o problema histórico da gênese, aparecia cada vez mais em primeiro plano o aspe'.:to estrutural: a investigação histórica, retirando, camada por camada, as mcrustaçoes que as diversas ideologias jurídica, penalística e filo~ófica haviam deposit.ado sobre a estrutura da instituição, revelava seu reticulado mtemo, sua Bau marxista. Demo-nos conta, então, que nem de longe éramos os primeiros a trilhar este caminho. Estávamos seguindo, sobretudo, as pegadas de dois autores da Escola de Frankfurt dos anos 1930: George Rusche e Otto Kirchheimer2• No interior do nosso texto esclarecemos nossa posição com relação ao trabalho de Rusche e Kirchheimer e de Michel Foucault3, na. nossa opinião os pontos mais altos da investigação teórica sobre a instituição carcerária. A perspectiva desta maiêutica inicial foi, por conseguinte, colocar o problema da construção de uma teoria materialista (no sentido m.a~x1sta) do fenômeno social chamado cárcere, ou melhor, de estender os crlter1os e as suposições de base da teoria marxista da sociedade à compreensão deste fenômeno4 . Chegamos assim a estabelecer uma conexão entre o surgimento do modo de produção capitalista e a origem da instituição carcerária moderna. Este é o objeto dos dois ensaios que se seguem. Essa conexão definia temporal e 2 G. Rusche & O. Kirchheimer, Punishment and social structure (1939), Nova Iorque, 1968. (N. do T.: edição brasileira Punição e estrutura social, ~ia de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 2004, 2ª ed., tradução e apresentação de Gtslene Neder). J Michel Foucault, Surveiller et punir. Naissance de la prison. Paris, 1975 (N. do T.: edição brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 2002, 26' ed., tradução de Raquel Ramalhete). . 4 Sobre a metodologia de aproximação ao problema, ver D. Melossi, "Crimonologia e marxismo: alle origini della questione penale nella società de 'II capitale'", in La questione criminale, 1976, 2, p. 319. 20 ialmente o nosso objeto de maneira bastante precisa: a sua área temporal acial coiucidia com a da formação de uma determinada estrutura social ídia nela). Tratava-se de um aspecto particular da estrutura global. Este ~zjjjpecto particular, expresso em. term?s defin'.dores, é o obj~to que vem ;~ltl\strado neste texto. Mas para isso e necessano fazer previamente uma .•;:~itpla advertência: sobre o que precedeu e o que sucedeu tal objeto. ·.· 2. Num sistema de produção pré-capitalista, o cárcere como pena não .. :i::xiste. Essa afirmação é historicamente verificável, advertindo-se que a . ,,~dade feudal não ignora propriamente o cárcere como instituição, mas . . . . sjm a pena do internamento como privação da liberdade. Pode-se dizer que a sociedade feudal conhecia o cárcere preventivo e o •;•~:;:iíárcere por dívidas, mas não se pode afirmar que a simples privação da ·. iillberdade, prolongada por um determinado período de tempo e não .',;acompanhada por nenhum outro sofrimento, fosse conhecida e portanto ~·:prevista como pena autônoma e ordinária. :';·;••.: ;. Esta tese, que tende a sublinhar a natureza essencialmente processual do ..';s;;;~ãrcere medieval, é acolhida quase unanimemente pela ciência histórico-penal. '.ci\o~esmo aqueles que não aceitam esta interpretação, como Pugh5, são obrigados .,;'.:yiueconhecer que as primeiras hipóteses historicamente aceitáveis de pena :: z;~íl'cerária devem ser localizadas no final do século XIV, na Inglaterra, num (i.;iF.~·[npmento em que o sistema socioeconômico feudal já dava mostras de 1,:,:·~~tofunda desagregação. ~!··::,•:·;;: Sem querer enfrentar - dada a natureza introdutória destas páginas - o ;';••~:.q~bate historiográfico em torno da natureza de algumas penas atípicas (cárcere "!{\zgro-correctione, cárcere para prostitutas e sodomitas etc.), pode-se propor . '',J~!llª hipótese teórica capaz de justificar, ainda que apenas em termos gerais, · •a'ausência da pena carcerária na sociedade feudal. ":':.:~:·:2, Uma abordagem correta do tema aponta como momento nodal a definição .:tjj~º papel da categoria ético-jurídica do talião na concepção punitiva feudal. ';•'.pis;~ode ser que, na origem, a natureza de equivalência, própria deste conceito, ,,·,,~~o tenha sido mais do que a sublimação da vingança, e que tenha se baseado \iOJlicima de tudo num desejo de equilíbrio em favor de quem tivesse sido vítima '. <.'CÍô delito cometido. O delito, para citar a conhecida tese de Pasukanis, pode ser considerado como uma variação particular da troca, no qual a relação de troca, como a relação por contrato, se instUüra post factum, isto >s R. B.Pugh, Imprisonment in Medioeval England, Cambridge, 1970. 21 é, em seguimento a uma ação arbitrária de uma das partes ( ... ) a · pena, portarto, atua como equivalente que equilibra o dano sofrido pela vítima . A passagem da vingança privada à pena como retribuição, isto é, a passagem de um fenômeno quase "biológico" a categoria jurídica impõe, como pressuposto necessário, o domínio cultural do conceito de equivalente, medido como troca de valores. A pena medieval certamente conserva esta natureza de equivalente, mesmo quando o conceito de retribuição não é mais diretamente conectado ao dano sofrido pela vítima do delito, mas sim com a ofensa a Deus. Por isso, a pena adquire cada vez mais o sentido de expiatio, de castigo divino. Essa natureza um tanto híbrida - retributio e expiatio - da sanção penal na época feudal não pode, por definição, encontrar no cárcere, ou seja, na privação de um quantum de liberdade, sua própria execução. Com efeito, no que concerne à natureza de equivalente, Para que pudesse aflorar a idéia da possibilidade de expiar o delito com um quantum de liberdade abstratamente predeterminado, era necessário q· ue todas as formas da riqueza fossem reduzidas à forma • 7 mais simples e abstrata do trabalho humano medido no tempo . Por conseguinte, na presença de um sistema socioeconômico como o feudal, no qual ainda não se historicizara completamente a idéia do "trabalho humano medido no tempo" (leia-se, trabalho assalariado), a pena-retribuição, como troca medida pelo valor, não estava em condições de encontrar na privação do tempo o equivalente do delito. O equivalente do dano produzido pelo delito se realizava, ao contrário, na privação daqueles bens socialmente considerados como valores: a vida, a integridade física1 o dinheiro, a perda de status. Pelolado da natureza da expiatio (vingança, castigo divino), a pena só podia esgotar-se numa finalidade meramente satisfatória. Através da pena se operava, assim, a perda do medo coletivo do contágio, provocado originariamente pela violação do preceito. Nesse sentido, o juízo sobre o crime e o criminoso não se fazia tanto para defender os interesses 6 E. B.Pasukanis, La teoria generale del diritto e il marxismo, Bari, 1975, pp. 177- 178 (N. do T.: edição brasileira A teoria geral do direito e o marxismo. Rio de Janeiro, Renovar, 1989). 7 Ibidem, p. 189. 22 eretamente ameaçados pelo ato ilícito cometido, mas sim para evitar (veis - porém não previsíveis e por isso socialmente fora de controle - é.itos negativos que pudessem ter estimulado o crime cometido. Daí derivava \i·~J/~necessidade de reprimir o transgressor, porque só deste modo se poderia <<. ;;·x,:;:~yitaruma calamidade futura capaz de colocar em perigo a organização social. ·· ·· ·. •·•$;.por causa desse temor de uma ameaça futura que o castigo deveria ser '2\i:'.,êl!Petacular, cruel, capaz de provocar nos espectadores uma inibição total de : \jmitá-lo. :·%,> .• i.c;E:" Se ajustiça divina deveria ser o modelo com o qual se mediam as sanções, ,:~:·--:--·:f-:~~:{'.$_e--o sofrimento era socialmente considerado como um meio eficaz de expiação ;,>:::~--:_:;-:;-;''.'.:~_<--_~I"de catarse espiritual como ensinava a religião, não havia mais nenhum ;,:; ·'s;Jimíte à execução da pena. De fato, esta se expressava na imposição de <':,'g;.sofrimentos tais que pudessem de algum modo antecipar e igualar os horrores "'.+;<Jfa pena eterna. Nessa perspectiva, o cárcere como pena não se mostrava · :t itomo um meio idôneo para tal objetivo. :~;:;~_:::-;;;><:::_- Há, ademais, uma hipótese - em certos aspectos, alternativa ao sistema :s•s'\punitivo feudal - na qual está claramente presente uma experiência §'{o penitenciária. Referimo-nos ao direito penal canônico. s A afirmação não é contraditória com o caráter teocrático do estado feuclal. gJom efeito, é certo que, embora não completamente, em certos setores {'.'<;:'. .~articulares e em alguns períodos determinados, o sistema penal canônico _;:~'.~c:::i',::'~:onheceu formas originais e autônomas, que não eram encontradas em ne- ';;.';*•;nhuma experiência de tipo laico. Estes momentos e estes setores específicos ;ç,y.são de difícil individualização por causa do estado de profunda compene- <.,•s:c:;tração do poder eclesiástico na organização política medieval. A importância :'.:e,;'ªº pensamento jurídico canônico no sistema punitivo medieval variou de · ·· · ;·,i.intensidade em função do grau de concorrência exercitado pelo poder · 'êélesiástico em relação ao poder laico. ''Si',:''· A Igreja implementou as primeiras e embrionárias formas de sanção em :,·.relação aos clérigos que, desta ou daquela maneira, haviam cometido alguma ,,falta. Na verdade, é muito problemático chamar-se essas faltas de delitos. ,,,Tratava-se, provavelmente, de infrações religiosas que, porém, provocavam , ,,, um reflexo mais ou menos direto sobre as autoridades eclesiásticas, ou que · despertavam um certo alarme social na comunidade religiosa. Essa natureza __ ,:-,-necessariamente hfbrida, ao menos num primeiro momento, explica satis- ·'fatoriamente porque essas ações desviantes condicionaram o poder eclesiás- tico a ter uma reação de natureza ainda religiosa-sacramental. Compreende- se também por que esta reação se inspirava no rito da confissão e da penitência, 23 acompanhado, porém - o que é próprio da índole particular destes comportamentos desviantes - de um elemento posterior, ou seja, a forma pública. Nascia assim a sanção de cumprir a penitência numa cela, até o momento em que o culpado se arrependesse (usque ad correctionem). Essa natureza terapêutica da pena eclesiástica foi depois englobada e mesmo desnaturalizada pelo caráter vingativo da pena, já sentida socialmente como satisfactio; esta nova finalidade, este tempo forçado usque ad correctionem, acentuou necessariamente a natureza pública da pena. Esta sai então do foro interno para assumir as roupagens de instituição social e, por conseguinte, a sua execução será tornada pública, se tomará algo exemplar, com o intuito de intimidar e prevenir. Todavia, alguma coisa da finalidade original, seja mesmo em termos de valor, sobreviveu. A penitência, quando se transformou em sanção penal propriamente dita, manteve em parte sua finalidade correcional; esta se transformou, de fato, em reclusão nun1 mosteiro por um tempo determinado. A separação absoluta do mundo externo, o contato mais estreito com o culto e a vida religiosa dava ao condenado a oportunidade, através da meditação, de expiar a própria culpa. O regime penitenciário canônico conheceu formas diversas. Além de diferenciar-se pelo fato de que a pena podia ser cumprida mediante a simples reclusão no mosteiro, mas também pela reclusão na cela ou mesmo na prisão episcopal, ele se caracterizou pela diversidade de modalidades de execução: à privação da liberdade se acrescentaram sofrimentos de ordem física, outras vezes o isolamento celular (celta, carcer, ergastulum) e sobretudo a obrigação do silêncio. Os atributos aqui sublinhados, próprios da execução penitenciária canônica, têm origem no modo de organização da práxis conventual, especialmente em suas formas de misticismo mais acentuado. O influxo que a organização religiosa de tipo conventual exerceu sobre a,realidade carcerária foi de um tipo particular; a projeção no terreno público institucional do rito sacramental original da penitência encontrou sua real inspiração na alternativa religioso-monacal de tipo oriental, de natureza contemplativa e ascética. O que deve ser sublinhado, o elemento fundamental para avaliação, é que o regime penitenciário canônico ignorou completamente o trabalho carcerário como forma possível de execução da pena. A circunstância da ausência da experiência do trabalho carcerário na execução penal canônica pode esclarecer o significado que a organização eclesiástica veio a atribuir à privação da liberdade por um período determinado de tempo. Parece-nos, de fato, que a pena do cárcere - da forma como teve lugar na experiência canônica- atribuiu ao tempo de internamento o significado 24 um quantum de tempo necessário à purificação segundo os critérios >próprios do sacramento da penitência; portanto, não era tanto a privação da ""'1iberdade em si que constituía a pena, mas sim a ocasião, a oportunidade ·:pára que, no isolamento da vida social, pudesse ser alcançado aquilo que era o objetivo ideal da pena: o arrependimento. Essa finalidade devia ser entendida como correção, ou possibilidade de correção, diante de Deus, e não como regeneração ética e social do condenado-pecador. Nesse sentido, a pena não .. podia ser mais do que retributiva, fundada por isso na gravidade do delito e .não na periculosidade do réu. A natureza essencialmente penitencial do cárcere canônico refletia-se e' clirrmne1nte na possibilidade de ser utilizado diretamente com fins políticos. A 'Osua existência, ao contrário, teve sempre um sentido religioso, compreensível .únicamente no interior de um rígido sistema de valores, teleologicamente orientado para a afirmação absoluta e intransigente da presença de Deus na vida social, portanto, uma finalidade essencialmente ideológica. 3. A segunda advertência a ser feita é, ao contrário, para depois do texto. ·· · Não é uma conclusão, mas antes a premissa para uma outra pesquisa, que . diz respeito à crise da instituição e não à sua origem. Ela tem a ver mais com a desagregação da estrutura carcerária do que com a construção dessa estrutura, que é o objeto do trabalho que se segue. Este trabalho se desenvolve a partir do ponto de vista do capitalismo competitivo do final do século XIX e do início do século XX (e se detém · éxatamente aí). No período que se estende das últimas décadas dos Oitocentos, até a primeira metade dos Novecentos, assistimos progressivamente, em toda a área capitalista, a profundas mudanças do quadro econômico-social de fundo'. Essas mudanças dizem respeito a elementos fundamentais da nossa situação atual: a composição do capital, a organização do trabalho, o surgimento de um movimento operário organizado, a composição das classes, o papel do Estado, a relação global Estado-sociedade civil. A circulação e o consumo caem sob o domínio direto do capital: as decisões sobre os preços, a organização do mercado, mediante um consenso, tomam- se uma coisa única. Não apenas se potencializam os instrumentos tradicionais de controle social, aquelas "áreas da esfera de produção" fora da fábrica, que existem desde os primórdios do capitalismo, como também criam-se 8 As observações que se seguem são mais amplamente desenvolvidas em D. Melossi, "Istituzioni di controllo sociale e organizzazione capitalistica del lavoro: alcune ipotesi di ricerca", in La, questione criminale, 1976, 2-3. 25 novos instrumentos. O novo critério que rege é o da capilaridade, da extensão e da invasão do controle. Os indivíduos não são mais encarcerados, eles continuam lá onde normalmente estão reclusos: fora da fábrica, no território. A estrutura da propaganda e dos mass media, uma nova e mais eficiente rede policial e de assistência social são os portadores do controle social neocapitalista. Deve-se controlar a cidade, a área urbana, este é o motivo de fundo que faz nascer, nos anos 1920, a moderna sociologia dos "desvios" no melting pot americano. Se o modo de produção capitalista e a instituição carcerária (assim como outras instituições subalternas) surgiram ao mesmo tempo numa relação determinada que é objeto do presente trabalho, as modificações tão profundas que ocorreram ao nível estrutural não podem, por outro lado, deixar de ter provocado alterações igualmente radicais naquelas instituições e no conjunto dos processos de controle social e de reprodução da força de trabalho. As relações entre controle social primário e controle social secundário, assim como a própria gestão das diversas formas de controle, foram também abaladas. Rusche e Kirchheimer nos mostram como desde o final do século XIX até por volta dos anos 1940 a população carcerária diminui sensivelmente na Grã-Bretanha, na França, na Alemanha. Na Itália acontece basicamente o mesmo desde 1880 até a década de 1970, com uma (ligeira) exceção no período fascista. A diminuição da população nas prisões é acompanhada pela adoção cada vez mais ampla (fora da Itália) de medidas penais de controle em liberdade, como a probation, extensamente praticada nos Estados Unidos. É o surgimento de um profundo mal-estar, cujos sintomas já se percebiam no final do período da nossa pesquisa'. O sistema carcerário oscila cada vez mais entre a perspectiva da transformação em organismo efetivamente produtivo, com base no modelo da fábrica externa - o que significa, porém, no regime moderno de produção, mover-se rumo a uma abolição do cárcere enquanto tal - e a de caracterizar-se como mero instrumento de terror, inútil para qualquer finalidade ressocializante. Assim, durante todo o século XX, variando de acordo com as situações político-econômicas particulares, as perspectivas de reforma assumem um andamento tipicamente "a fórceps", no sentido da progressiva diminuição (para cada réu e no conjunto da população) das penas carcerárias, por um lado, e, por outro, do aumento da repressão para certas categorias de delitos 9 Ver, mais adiante, p. 71. 26 réus (sobretudo nos momentos de crise política). Os períodos em que , tende a esvaziar os cárceres e a introduzir regimes mais benignos e de daptação social sobrepõem-se, de forma cada vez mais compulsiva, aos ríodos em que o puxar das rédeas e o regime duro tornam-se novamente :~fuecessários" (típico, deste ponto de vista, é a história da reforma carcerária ·:·,jfa Inglaterra, desde o final da Segunda Guerra Mundial até a década de 197010). ;.•··,J.~ii'· . Tudo isso se torna particularmente evidente, porém, com a crise dos (•z;;ílllºs 1960, com a crise atual. Desta vez, o problema carcerário explode não {c?for si só, mas sobretudo na Itália, concomitantemente com um nível altíssimo •"\~;<'.·. ~e lutas operárias e, contemporaneamente, com uma crise social profunda, ··;'.·•~.·g~e i~,v~ste contr~. uma s~rie de outras instituições (escola, hospitais · ~; ~··Fps1qmatncos, quarteis e a propna estrutura familiar burguesa). Não podemos :>;.z;c.J1ºs deter neste ponto, o que exigiria uma discussão geral que vai muito além °5:'4,lc·.tl.º objeto específico que abordamos. Basta observar que - dado que todo 0 «:';;Si;s1stema de controle se fundamenta sobre relações de produção (historicamente ·,.,,1;;.:determinadas~, e.dado que é neste nível, nos anos 1960, que 0 equilíbrio se S'if);.í'ºmpeu ~as fabncas - ~erá só a partir da tentativa de restabelecer 0 poder . ·.·.!·'.;f;j\:Jias relaçoes. de produçao que o capital jogará as cartas de um novo tipo de ;•'i•;,,<~ontrole social e se colocará em condições de enfrentar radicalmente do seu "'i';l;,j1ponto .de vi~ta, a ~uestão carcerária. Assim, um elemento fundament;l para a :;;.;;f;pesqmsa hoje- e e a respeito deste ponto que importa concluir- é exatamente '. 3 • tentar individuali~ar, com base na nova composição da relação capital-trabalho .~i;'.;c<,CJ~e emerge ~a cnse (~ naturalmente a primeira tarefa é justamente mostrar a •'•:.:>çnse), qual e o movimento· do controle social. Será que nos encontramos ··;;.diante da ten:ati~a d~ reconstruir uma nova correspondência entre produção ''.';e controle, tao hmp1damente representada, no capitalismo clássico, pelo modelo do Panopticum de Bentham? É somente a partir de uma efetiva clareza de análise que se tomará possível o movimento operário, p~ojetar uma linha própria de intervenção n~ • Cárce:rn- mas, sobretudo, e mais em geral, no problema do controle social_ que. não sej.a cegamente subalterna, mas que se enquadre no interior de um projeto social abrangente. ro:'e~ R. Kinsey, "Risocializzazione e controllo nelle carceri inglesi", in La questione crimmale, 1976, 2-3. 27 Primeira parte Dario Melossi A gênese da instituição carcerária moderna na Europa 1 A criação da instituição carcerária moderna na Inglaterra e na Europa continental entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XIX 1. ''Bridewells" e "workhouses" na Inglaterra elisabetana O processo que cria a relação capitalista não pode( ... ) ser outro senão o pmcesso de separação do trabalhador da propriedade das próprias condições de trabalho, processo que, por um lado, transfonna em capital os meios sociais de subsistência e de produção, e que, por outro, transforma os produtores diretos em operários assalariados. Por conseguinte, a chamada acunzulação primitiva outra coisa não é senão o processo histórico de separação do produtor dos nzeios de produção. Ela aparece como "primitiva" porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe é correspondente. A estrutura econômica da sociedade capitalista é derivada da estrutura econômica da sociedade 1 feudal. A dissolução desta libertou os elementos daquela . Esta famosa passagem marxista, na qual se descreve o significado essencial "chamada acumulação primitiva", r_epresenta a chave para ler os aconte- entos históricos que constituem o objeto desta investigação. O próprio cesso de separação do produtor dos meios de produção encontra-se na e do duplo fenômeno da transformação dos meios de produção em capital, 'rum lado, e da transformação do produtor direto, ligado à terra, em operário 'vre, do outro. O processo se manifesta fenomenologicamente na dissolução econômica, política, social, ideológica e dos costumes - do mundo feudal. Não interessa aqui o primeiro aspecto da questão: a criação do capital. Na !idade, o horizonte mais amploda pesquisa é constituído pelo segundo: a hnação do proletariado'. "O licenciamento das manumissões feudais, a ssolução dos mosteiros, os cercamentos das terras para a criação de ovelhas :as mudanças nos métodos de cultivo ( ... ) cada um desses fatores arl Marx, II Capita/e, Roma, 1970, !, 3, pp. 172-173 [ N. do T.: edição brasileira capital: critica da economia politica. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, '<!':3;!:970-71, 74. 6v.]. Vale a pena, porém, examinar todo o capítulo XXIV do Livro!. er Maurice Dobb, Proble1ni di storia dei capitalismo, Roma, 1972 [N. do T.: ção brasileira A evolução do capitalis1no. Rio de Janeiro, LTC Editora, 1987, 9ª -, tradução de Manuel do Rego Braga], em particular os capítulos centrais "O cimento do capital industrial'', "A acumulação capitalista e o mercantilismo" e, "A formação do proletariado". 33 desempenhou o seu papel"' na grande expulsão das terras que se verificou na Inglaterra nos séculos XV e XVI. Porém, a ineficiência própria ao modo de produção feudal era, acima de tudo, a base, segundo a tese clássica de Dobb4, da carga cada vez mais pesada de trabalho que incidia sobre as massas camponesas, as quais só podiam livrar-se dela através da vagabundagem pelos campos ou da fuga para as cidades. É a mesma rudeza que as relações sociais assumem no modo de produção feudal - com o aprofundamento da · luta de classe nos campos, que 'encontra sua expressão primeira na fuga de uma situação doravante insustentável - que detennina o seu fim 5 • Os campos, mas sobretudo as cidades, que já representavam, com o desenvolvimento da atividade econômica e, em particular, do comércio, um · pólo de atração notável, começaram a povoar-se com milhares de trabalhadores expropriados, convertidos em mendigos, vagabundos, às vezes bandidos, porém, em geral, numa multidão de desempregados. Mais do que qualquer outro fenômeno, a impiedosa ferocidade de classe com a qual o capital, com a rapina, incrementa a si mesmo, penetfando nos campos, expulsando de lá as primeiras levas do futuro proletariado industrial das cidades, faz-se presente nas enclosures of commons (cercamentos das terras comunais), cuja sanção legislativa ocorrida no século XVIII Marx definirá como "decretos de expropriação do povo"6• Já em 1516, Thomas Morus, em Utopia, descrevia lucidamente o fenômeno: As ovelhas ( ... ) costumavam ser mansas e comiam pouco, mas agora, segundo comentam, tomaram-se tão vorazes e indomáveis a ponto de comer até os homens ( ... ) Com efeito, nos locais onde nasce uma lã mais fina e, por isso, mais apreciada, os nobres e os senhores ( ... ) rodearam toda a terra com cercas para usá-la como pastagens, e não deixaram nada para o cultivo 1( ... ) E assim, de um modo ou de outro, têm que abandonar a terra aqueles pobres desgraçados, homens, mulheres, maridos, esposas, órfãos, viúvas, pais de família ricos em filhos, mas não em bens, porque a agricultura. 3 Maurice Dobb, op. cit., p. 263 (cf. Karl Marx, li Capita/e, cit., !, 3, pp. 174 ss.). 4 A propósito dos termos do d~bate sobre a crise do modo de produção feudal, cf. · a introdução de R. Zanghieri ao trabalho de Maurice Dobb, na tradução italiana, e a bibliografia aí citada. 5 Ver Maurice Dobb, op. cit., pp. 6 Karl Marx, II Capita/e, cit., !, 3, p. 183. Sobre os enclosures, ver G. E. Mingay, · Enclosure and the Sn1all Farmer in the Age of the Industrial Revolution, Londres, 1968, e.a ampla bibliografia aí citada. 34 requer muit~s braços ( ... ) E quando, andand~ de lá pra cá, eles gastaram _rapidamente tudo o que tinham, que outra coisa lhes resta fazer senao roubar, e ser en~orcados, entende-se, ou ir mendigando por esses mundos de Deus? Marx descreve com clareza a maneira pela qual num p · · . • r1me1ro momento o poder estatal reagm a este fenômeno social de proporções inéditas: ' Não era possí~el que os homens expulsos da terra pela dissolução dos laços feudms e pela expropriação violenta e intennitente se tornas- sem fora da lei, fossem absorvidos pela manufatura no seu nascedouro com a mesma rapidez com a qual aquele proletariado era posto no mundo. Por outro lado, tão pouco aqueles homens, lançados subita- mente p~ra f~ra da órbita habitual de suas vidas, podiam adaptar-se de maneira tao repentina, à disciplina da nova situação. ' Eles se transformaram, por isso, em massa, em mendigos, barididos vagabundos, em parte por inclinação, mas na maior parte dos caso~ premidos pelas Clfcunstâncias. Foi por isso que, no final do século XV e durante todo ~ século XVI, proliferou por toda a Europa Oci- dental uma legtslaça~ ~anguinária contra a vagabundagenz. Os pais da atual classe operana foram punidos, num primeiro tempo 1 transformação forçada em vagabundos e miseráveis. A legisla~ã~eo: tratou como delmqüentes voluntários e partiu do pressuposto que dependia da boa vontade deles continuar a trabalhar sob as velha condições não 111ais existentes 8 s Na seqüência, as ~áginas de Marx oferecem vários exemplos da legislação • ?nsta que, nos seculos XIV, XV e XVI, vai-se desenvolvendo contra os ·• •• eno~~nos da v~gabu~dagem, da mendicância e - ainda que de forma se- •~l;.,Eundan~ - da cnmmahdade, em relação aos quais as estruturas tradicionais "••·>Ined1evms, ba~eadas na candade privada e religiosa, são impotentes. Ademais seculanzaçao dos bens eclesiásticos que se seguiu à Reforma, quer n~ uropa C_?ntmental quer na Inglaterra, teve o duplo efeito de contribuir para ~xpulsao dos camponeses dos te1Tenos de propriedade da Igreja e para e1xar sem su~tento algum aqueles que viviam da caridade dos mosteiros e ordens ~ehg10sas. Por ~sse motiv.o, à medida que o processo de prole-. ;,y~arhrnção avançava, as medidas terronstas tinham cada vez menos eficácia'; ~Th~mas Mo.rus, Utopia o la miglioreforma di Repubblica, Bari 1971 [ N do T. 'Ti 1çao bras1le1ra A utopia. São Paulo, Abril Cultural, 1972], pp. 42-43. · .. •. ;Karl Marx, li Capita/e, cit., I, 3, pp.192-193. ,, __ Ver Thomas Morus, op. cit.' p. 52. 35 por outro lado, o desenvolvimento econômico e em particular o da manufatura requeria cada vez mais força de trabalho dos campos. No início do século XVI, Thomas Morus indicava a única solução lógica, • " b d d d HIQ defendendo a necessidade de ocupar ulllmente esta tur a ~ esocupa os . Um estatuto de 1530 obriga o registro dos vagabundos, mtroduzmdo uma rimeira distinção entre aqueles que estavam incapacitados para o trabalho p . - d (impotent), a quem era autorizado mendigar, e os demais, que n~o po rn:;i receber nenhum tipo de caridade, sob pena de serem açmtados ate sangrar . o açoite, 0 desterro e a execução capital foram os principais instrumentos da política social inglesa até a metade do século, quando os tempos s~ mostraram maduros, evidentemente, para uma experiência que sé revelana exemplar. Por solicitação de alguns expoentes do clero inglês, al~rmados com as proporções alcançadas pela mendicância em Londres, o rei. autonzo.u o ~so do castelo de Bridewell para acolher os vagabundos, os oc1~sos'. os 1'.'droes os autores de delitos de menor importância12 • O objetivo da mslltmçao, que ~ra dirigida com mão de ferro, era reformar os. internos atr.avés do trabalho obrigatório e da disciplina. Além disso, ela devena ,desencorajar outras pe~so~s a seguirem 0 caminho da vagabundagem e do oc10, e assegmar o propn~ auto-sustento através do trabalho13 , a sua principal meta. O trabalho que ah se fazia era, em grande parte, no ramo têxtil, como o exigia a época. A experiência deve ter sido coroada de sucesso, pois, em pou~o tempo, houses of correction, chamadas indistintamente de bridewells, surgiram em diversas partes da Inglaterra. Todavia, foi apenas com as diversas disposições da Poor Law da '.ainha Elisabeth, em vigor de forma praticamente inalterada até 1834, que fm ~ada uma primeira orientação, unívoca e geral, ao proble,"".ª· Com ~ma lei de 1572, organizou-se um sistema geral dereliej (subs1d10), que tmha como base a paróquia, pelo qual os habitantes desta, mediante o pagamento de um, imposto para os pobres, deviam manter "the inipotent Poor" que vivam na-, w Ibideni, pp. 45 ss. 11 Ver F. Piven e R. A. Cloward, Regulating the Poor, Londres, 1972, P· 15. 12 Ver A.Van der Slice, "Elisabethan Houses of Correction", in Journal of American /nstitute of Criminal Law and Criminology, XXVll (1936-1937), p. 44; .. A. J. Copeland, "Bridwell Royal Hospital", in Past &Present, 1888: Max Grunhut, Penal Reform, Oxford, 1948, p. 15; S & B. Webb, English Prisons under Local; Governnient, Londres, 1963, p. 12. "Ver Max Grünhut, op. cit., pp. 15-16, e A. Van der Slice, op. cit., p. 51. 36 alidade, ao passo que aos "rogues and vagabonds" seria oferecido balho 14. Todavia, visto que a esse último objetivo era destinado apenas 0 eira que sobrava do reliefpara os incapazes1', a segunda finalidade acabou ,,,;não sendo alcançada e os desempregados continuaram sendo objeto de - 16 ;fepressao . Quatro anos depois, no entanto, o problema foi enfrentado através da ·.,,extensão a todo o país das casas de correção que deviam fornecer trabalho ;~os desempregados, ou obrigar a trabalhar quem se recusasse a fazê-lo 17 • .'J'ratava-se de instituições que, calcadas no modelo da primitiva Bridewell, ;.,!atendiam a uma população bastante heterogênea: filhos de pobres "com a +·.:·;intenção de que a juventude se acostume a ser educada para o trabalho", ;'.·&·:·;·desempregados em b.usca de trabalho e aquelas categorias que, como já foi ·".'visto, povoaram as pnmeiras bridewells, ou seja, petty offenders, vagabundos, rõezinhos, prostitutas e pobres rebeldes que não queriam trabalhar". A renciação de t~atamento, se havia alguma, era interna à instituição, através diversas gradações da rudeza do trabalho. A recusa ao trabalho parece sido o único ato ao qual se atribuía uma verdadeira intenção criminosa, vez que na lei de 1601- considerada equivocadamente como o estatuto incipal da Old Poor Law, quando de fato ela não fez mais do que completar egislação anterior - era facultado ao juiz enviar para a prisão comum pmmon gaol) os ociosos capazes de trabalhar19 • Convém, porém, esclarecer o real significado da "recusa ao trabalho" no culo XVI. Uma série de estatutos promulgados entre os séculos XIV e VI estabelecia uma taxa máxima de salário acima da qual não era lícito ir (o e implicava sanção penal); não era possível nenhuma contratação de trabalho, uito menos coletiva; e até se chegou a detenninar que o trabalhador aceitasse Ver F. M. Eden, The State of the Poor, Londres, 1928, p. 16; G. Rusche e O. 'rchheirner, Punishment and Social Structure, Nova Iorque, 1968, p. 41 {N. do T.: ção brasileira: Punição e estrutura social, Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2004, 2ª ., tradução e apresentação de Gislene Neder]; F. Piven e R. A. Cloward, op. cit., . 15-16; Max Grünhut, op. cit., p. 16; A.Van der Slice, op. cit., p. 55. Ver F. M. Eden, op. cit., p. 16. Ver A. Van der Slide, op. cit., p.54. Ve: F. M. Eden, op. cit., p. 17; Se B. Webb, op. cit., p. 13: G. Rusche e O. Kirchheimer, . c1t., p. 51; A. Van der Slice, op. cit., p. 55; Max Grünhut, op. cit., p. 16. Ver F. M. Eden, op. cit., p. 17. Ibidem, p. 19. 37 a primeira oferta de trabalho que lhe fizessem'°. Ou seja, o trabalhador era obrigado a aceitar qualquer trabalho, nas condições estabelecidas por quem lhe fazia a oferta. O trabalho forçado nas houses of correction ou workhouses . era direcionado, portanto, para dobrar a resistência da força de trabalho e fazê-la aceitar as condições que pernútissem o máximo grau de extração de mais-valia. É interessante considerar, a esse respeito, a hipótese avançada por G. Rusche e O. Kirchheimer, segundo a qual a introdução do trabalho forçado na segunda metade do século XVI e sobretudo, como se verá, na primeira metade do século XVII, na Europa continental, corresponde ao declínio demográfico que caracteriza a população européia após o século XVII, e que deve ter contribuído em muito para aumentar a "rigidez" da força de trabalho21 . Se, como sustenta esta hipótese, no período entre o século XV e a primeira metade do XVI a repressão sanguinária e sem escrúpulos do desemprego em massa corresponde a uma situação de grande oferta de trabalho no mercado, à medida em que nos aproximamos do século XVII a oferta dinúnui e o capital nascente vai necessitar da intervenção do Estado para continuar a lhe garantir os lucros altíssimos que a chamada "revolução dos preços" do século XVI lhe proporcionou''. Se isso for verdade, é necessário considerar também que, como observava Marx no trecho citado, a oferta e a demanda de trabalho não canúnham no mesmo ritmo, sobretudo neste período "prinútivo" do capitalismo, e é só mais lentamente que se consegue prover uma massa de capitais suficiente para valorizar toda a força de trabalho que havia sido liberada. Por conseguinte, na segunda metade do século XVI, não obstante a oferta de trabalho continue a crescer, esse crescimento é insuficiente para atender, na medida das necessidades, a demanda que o rico e. borrascoso período elisabetano produz. Para que este novo proletariado nãb se aproveite da si- tuação, recorre-se, pois, ao trabalho forçado, que assume, desde o início, a função de regulação frente ao preço do trabalho no mercado livre. Não se deve esquecer igualmente, como lembra Marx, que este proletariado, de cons- tituição extremamente recente, reluta bastante a entrar num mundo do trabalho 20 Ver F. Piven e R. A. Cloward, op. cit., p. 37. Sobre o mesmo tema, cf. também Karl Marx, li Capita/e, cit., 1, 3, pp. 197-201, e Maurice Dobb, op. cit. 21 Sobre o problema demográfico, ver o ensaio de A. A. Bellettini, "La popolazione italiana dall'inizio della era volgare ai giorni nostri. Valutazioni e tendenze", in Storia d'ltalia, vol. V, 1, Turim, 1973, p. 489. O ensaio relaciona o comportamento demográfico italiano ao da Europa em geral. 22 Cf. Maurice Dobb, op. cit., pp. 274 ss. 38 o o da manufatura, que lhe é absolutamente estranho. Como observam '~;F. Piven e R. A. Cloward: Acostumados a trabalhar no ritmo solar e das estações, por mais que esta disc1plma possa ser severa, eles resistem à disciplina da fábrica e da máquina, que, se não é mais dura, aparece como tal porque é estra~ha. O processo de adaptação humana a estas transformações econom1cas compreendeu, em geral, longos períodos de desemprego de massa, mal estar e desorganização 23 • Voltarei mais adiante a esta problemática, que é fundamental para a . . . . . . _da função que, hist~ricamente, o trabalho forçado desempenhou :~~s mst1tmçoes segregadoras, tais como as houses of correction do período •• êlisabetano. B~sta por o~a observar como este tipo de instituição foi 0 primeiro ,;: •. ~x:emplo, e mmto s1grnf1cativo, de detenção laica sem a finalidade de custódia •que se pode observar na história do cárcere e que os traços que a caracterizam ?º qu~ di~ respeito à~ c~asses a quem foi destinada, sua função social e ~ rgamzaçao mterna ia sao, grosso modo, aquelas do clássico modelo car- cerário do século XIX. 2. A Rasp-huis de Amsterdã e a manufatura É na Holanda da primeira metade do século XVII24 que a nova instituição casa d~ trabalho atmge, no período das origens do capitalismo, a sua ma mais desenvolvida. A criação desta nova e original modalidade de regação punitiva responde mais a uma exigência conexa ao desenvol- ••hV})llento geral da sociedade capitalista do que à genialidade individual de algum fi(;!~~formador - como freqüentemente uma história jurídica entendida com •.2;J\istória das idéias ou "história do espírito" tenta convencer-nos. Isso fie~ ~/;•;,;~vidente~? fato de que, ao que parece, nenhuma influência direta foi passada ~,•'"•das expenencrn~ mglesas anteriores (bridewells) para as holandesas do século •;.','<'VII". A cnaçao holandesa do Tuchthuis corresponde ao mais alto
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