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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DOUTORADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM LÍGIA MARIA DA SILVA ABORDAGEM FUNCIONALISTA DA ORAÇÃO ADJETIVA: DESCRIÇÃO E ENSINO NATAL/RN 2020 LÍGIA MARIA DA SILVA ABORDAGEM FUNCIONALISTA DA ORAÇÃO ADJETIVA: DESCRIÇÃO E ENSINO Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos da Linguagem-PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Estudos da Linguagem, na área de concentração Estudos em Linguística Teórica e Descritiva, sob orientação do Prof. Dr. Edvaldo Balduino Bispo. NATAL/RN 2020 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Silva, Lígia Maria da. Abordagem funcionalista da oração adjetiva: descrição e ensino / Lígia Maria da Silva. - Natal, 2020. 273f.: il. Color. Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós - Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Balduino Bispo. 1. Linguística Funcional - Tese. 2. Ensino de Língua Portuguesa - Tese. 3. Oração adjetiva - Tese. I. Bispo, Edvaldo Balduino. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 SILVA, Lígia Maria da. Abordagem funcionalista da oração adjetiva: descrição e ensino. 273f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2020. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________________ Prof. Dr. Edvaldo Balduino Bispo Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Orientador _______________________________________________________________ Profa. Dra. Mariangela Rios de Oliveira Universidade Federal Fluminense (UFF) Examinadora Externa _______________________________________________________________ Profa. Dra. Patrícia Fabiane Amaral da Cunha Lacerda Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Examinadora Externa _______________________________________________________________ Prof. Dr. José Romerito Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Examinador Interno _______________________________________________________________ Profa. Dra. Nedja Lima de Lucena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Examinadora Interna _______________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Angélica Furtado da Cunha Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Membro Suplente Interno Natal-RN, 21 de dezembro de 2020. Aos meus pais, Francisco, autodidata e professor da vida, e Floriza, minha mãe- professora e principal inspiração de docência. AGRADECIMENTOS Ao meu bom Deus, pelo dom da vida, por guiar os meus passos e dar-me força e coragem para a finalização de mais uma etapa acadêmica. À minha família, a Família Silva, por ser o meu porto seguro, por me motivar todos os dias, por acreditar em mim, pelo amor e carinho com que sustenta as nossas relações. Aos meus pais, por tudo que fizeram por mim e por minha família em geral, aos meus sete irmãos, sete sobrinhos e “agregados”, pelos momentos de descontração tão necessários para tornar mais leve a vida. Agradeço, especialmente, ao meu irmão Lenilson, por ser o primeiro da família a enveredar pelos caminhos da pós-graduação e por ser espelho para mim. Registro, também, um agradecimento especial às minhas irmãs, as “tri”, Lidiane, Lídia e Lílian, pela equipe top que formamos na vida. A meu esposo, Renan, com quem me casei no mesmo ano em que me comprometi com o Doutorado. Sou grata pelo companheirismo, incentivo e apoio durante todo o processo de andamento desta tese, por elucidar as minhas análises nos momentos de desespero, pelas significativas contribuições, por estar sempre a meu lado, por ser o meu braço direito na vida. Agora o trabalho dá frutos e chega a nossa vez de dar frutos também se assim Deus quiser. Aos amigos do meio acadêmico, companheiros de caminhada nesse processo de busca pelo aperfeiçoamento profissional, com quem dividi tantos momentos, compartilhei tantas experiências da vida. Agradeço, especialmente, a Camila e a Poliana, pela amizade de longa data e pelas discussões produtivas. Obrigada por formarem uma rede de apoio emocional, acadêmico e profissional tão necessariamente intensificada nesse período difícil de distanciamento social que vivemos neste ano. Agradeço, também, ao amigo e “compadre” Alex pela presteza no auxílio com o resumen. Ao professor Edvaldo Bispo, pela paciência na orientação durante toda a minha trajetória acadêmica e pela competência profissional com que sempre desenvolveu os seus trabalhos e orientou-me no caminho da pesquisa. Obrigada por ter me acolhido como sua orientanda, por ter me ensinado tanto nessa última década e por ter possibilitado a realização de uma interface entre a descrição e o ensino tão necessária no âmbito das pesquisas em Linguística Teórica e Descritiva. Aos professores José Romerito Silva, Patrícia Lacerda, Mariangela Oliveira e Nedja Lucena pelas contribuições tão necessárias ao aprimoramento da versão final desta tese. Muito obrigada! À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo importante papel social que desempenha, por me oportunizar o conhecimento. Aos colegas do grupo de pesquisa Discurso & Gramática, seção Natal/RN, pelas importantes discussões que tanto contribuíram para a minha formação acadêmica ao longo desses anos, especialmente ao grupo de orientandos de Bispo, pelo diálogo, pelos encontros presenciais e virtuais. À Escola Estadual União do Povo de Cidade Nova, pela acolhida como professora e pesquisadora, pelo apoio como instituição co-participante da pesquisa. Agradeço aos colegas docentes e demais funcionários, em especial aos professores que cederam o espaço em suas salas de aula para a realização da intervenção pedagógica. Sou imensamente grata aos meus alunos, por serem a razão da minha pesquisa e do meu fazer pedagógico. Aos alunos-sujeitos participantes, muito obrigada pela colaboração! À Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte, pela concessão de licença durante parte de meu curso, o que me permitiu dedicar-me à pesquisa e realizar essa etapa acadêmica tão importante com um pouco mais de tranquilidade. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro a esta pesquisa, via Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, no qual desenvolvi esta tese. É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática. Paulo Freire RESUMO Nesta pesquisa, desenvolvemos uma interface entre a descrição e o ensino da oração adjetiva, objetivando caracterizá-la em termos morfossintáticos, semânticos e discursivo-pragmáticos e contribuir para a melhoria do ensino desse tópico gramatical por meio de uma abordagem funcionalista. Para tanto, temos por base a Linguística Funcional norte-americana, inspirada em Givón, Bybee, Traugott, entre outros. Consideramos,também, as orientações de documentos norteadores do ensino de Língua Portuguesa para a Educação Básica: as Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). A descrição da oração adjetiva com base em pesquisas funcionalistas, como as de Oliveira (2001), Bispo (2009, 2014a, 2014b, 2018) e Souza (2009), contempla aspectos de diferentes naturezas, relacionados ao nível de encaixamento morfossintático, à classificação semântica, às estratégias de relativização, dentre outros. Quanto ao ensino, os documentos orientam que a prática de análise linguística possa expandir as possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade crítica do aluno. A hipótese geral de trabalho é que a descrição e a análise funcionalista das adjetivas contemplam os diferentes modos de organização desse tipo oracional bem como aspectos estruturais e funcionais vinculados a essas formas de expressão e que a abordagem das adjetivas em sala de aula, nessa perspectiva, deve partir de usos efetivos dessas formas, canônicas ou não, associando-as aos diferentes contextos comunicativos e aos efeitos de sentido que se pretende alcançar. A partir disso, elaboramos uma proposta didática que foi aplicada em turmas dos níveis fundamental e médio de uma escola pública da rede estadual em Natal/RN. Trata-se de uma pesquisa de cunho quali-quantitativo, tendo em vista a interpretação e análise do material obtido na intervenção. Quanto à descrição da adjetiva, esta tese resultou na proposição de um continnum de integração com base nas discussões sobre as diferentes configurações da adjetiva em pesquisas funcionalistas. Foram considerados os critérios de definitude do Sintagma Nominal (SN) antecedente, informatividade do SN antecedente, presença/ausência de pronome relativo, fundidade da adjetiva, pausa, inserção e ruptura sintática. As adjetivas foram dispostas nesta sequência, do menor ao maior nível de encaixamento: desgarrada > explicativa finita prototípica > explicativa não finita > explicativa finita não prototípica > relativa livre > restritiva finita não prototípica > restritiva finita prototípica > restritiva não finita. Em relação à proposta didática, os resultados revelam que, após as aulas fundamentadas na abordagem funcional, a maioria dos alunos conseguiu correlacionar usos linguísticos a motivações cognitivas e comunicativas quanto aos diferentes modos de organização das orações adjetivas e, em particular, quanto ao emprego das diferentes estratégias de relativização. Ademais, os resultados denotam a necessidade de ajustes devido à realidade das turmas e ao atendimento às bases teóricas que fundamentaram a intervenção. Tais ajustes incluem, por exemplo, o tempo destinado às atividades e a readequação de algumas questões dos exercícios. Palavras-chave: Linguística Funcional. Ensino de Língua Portuguesa. Oração adjetiva. ABSTRACT In this research, we develop an interface between the description and the teaching of relative clause. We intend to describe its morphosyntactic, semantic and discursive-pragmatic aspects and to improve the teaching of this grammatical topic through a functionalist approach. The theoretical support is the North American Functional Linguistics, inspired by Givón, Bybee, Traugott, among others. It also considers orientations from the guiding documents of Portuguese Language teaching for Basic Education: National Curricular Guidelines (BRASIL, 2006) and the Common National Curricular Base (BRASIL, 2018). The relative clause description, based on functionalist researches, such as Oliveira (2001), Bispo (2009, 2014a, b, 2018) and Souza (2009), contemplates various aspects, related to the level of morphosyntactic embedding, semantic classification, relativization strategies, among others. In terms of Portuguese teaching, documents orient that the practice of linguistic analysis can expand possibilities of language use, increasing student’s critical capacity. This research has as general hypothesis that the functionalist description and analysis of relatives clauses contemplates the different ways of organization of this orational type as well as structural and functional aspects linked to these forms of expression and that the approach to adjectives in classrooms, by this perspective, should start from effective uses of these forms, whether canonical or not, associating them to the different communicative contexts and to the effects of meaning that one intends to achieve. From this, it was elaborated a didactic proposal that was applied in elementary and high school classes of a state public school in Natal/RN. It is an eminently qualitative and quantitative research, considering interpretation and analysis of the material obtained during the application of the proposal. As for the description of the adjective, this thesis resulted in the proposal of an integration continuum based on discussions about the different configurations of the adjective in functionalist research. The criteria for definitiveness of the antecedent NP (Nominal Phrase), informativeness of the antecedent NP, presence/absence of relative pronoun, background of relative clause, pause, insertion and syntactic rupture were considered. The relative clauses were arranged in this sequence from the lowest to the highest level of embedding: untied relative clause > prototypical finite non- restrictive relative > non-finite non-restrictive relative > non-prototypical finite non-restrictive relative > headless relative > non-prototypical finite restrictive relative > prototypical finite restrictive relative > non-finite restrictive relative. Regarding the didactic proposal, results show that, after classes based on the functional approach, most students were able to correlate linguistic uses with cognitive and communicative motivations regarding the different modes of organization of relative clauses and, in particular, the use of different relativization strategies. In addition, the results denote the need for adjustments due to the reality of the classes and to the attendance of the theoretical bases that supported the intervention. Such adjustments include, for example, the time allotted for activities and the readjustment of some exercise questions. Keywords: Functional Linguistics. Portuguese Language Teaching. Relative Clause. RESUMEN En esta investigación, desarrollamos una interfaz entre la descripción y la enseñanza de la oración adjetiva, con el objetivo de caracterizarla en términos morfosintácticos, semánticos y discursivo-pragmáticos y contribuir a mejorar la enseñanza de este tema gramatical a través de un enfoque funcionalista. Para ello utilizamos la Lingüística Funcional Norteamericana, inspirada en Givón, Bybee, Traugott, entre otros. También consideramos las directrices de los documentos orientadores de la enseñanza del portugués para la Educación Básica: las Orientaciones Curriculares Nacionales (BRASIL, 2006) y la Base Nacional Común Curricular (BRASIL, 2018). La descripción de la oración adjetiva basada en investigaciones funcionalistas, como la de Oliveira (2001), Bispo (2009, 2014a, b, 2018) y Souza (2009), contempla aspectos de diferentes naturalezas, relacionados con el nivel de ajuste morfosintáctico, a la clasificación semántica, estrategias de relativización, entre otras. En cuanto a la enseñanza, los documentos orientan que la práctica del análisis lingüístico puede ampliar las posibilidades de uso del lenguaje, ampliando la capacidad crítica del alumno. La hipótesis general de investigación es que la descripción y el análisis funcionalista de las adjetivas incluyen los diferentes modos de organización de este tipo oracional, así como los aspectos estructurales y funcionales vinculados a estas formas de expresión y que la aproximación a las adjetivas en el aula,en esta perspectiva, debe partir de usos efectivos de estas formas, canónicas o no, asociándolas a los diferentes contextos comunicativos y los efectos de significado a que se pretenden alcanzar. A partir de esto, elaboramos una propuesta didáctica que fue aplicada en las clases de los niveles primario y secundario de una escuela pública de la red estatal de educación en Natal/RN. Se trata de una investigación cualitativa y cuantitativa, teniendo en cuenta la interpretación y análisis del material obtenido en la intervención. En cuanto a la descripción de la adjetiva, esta tesis resultó en la propuesta de un continuo de integración a partir de discusiones sobre las diferentes configuraciones de la adjetiva en las investigaciones funcionalistas. Se consideraron los criterios de definición del Sintagma Nominal (SN) antecedente, informatividad del SN antecedente, pronombre, profundidad, pausa, inserción y ruptura sintáctica. Las adjetivas fueron presentadas en esta secuencia desde el nivel de ajuste más bajo al más alto: desgajada > explicativa finita prototípica > explicativa no finita > explicativa finita no prototípica > relativa libre > restrictiva finita no prototípica > restrictiva finita prototípica > restrictiva no finita. En cuanto a la propuesta didáctica, los resultados revelan que, luego de las clases basadas en el enfoque funcional, la mayoría de los estudiantes fueron capaces de correlacionar usos lingüísticos con motivaciones cognitivas y comunicativas en cuanto a las diferentes formas de organizar las oraciones adjetivas y, en particular, en cuanto al uso de las diferentes estrategias de la relativización. Además, los resultados denotan la necesidad de ajustes debido a la realidad de las clases y la asistencia de las bases teóricas que fundamentaron la intervención. Dichos ajustes incluyen, por ejemplo, el tiempo asignado a las actividades y el reajuste de algunas preguntas del ejercicio. Palabras clave: Lingüística funcional. Enseñanza de la lengua portuguesa. Oración adjetiva. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 17 1.1 Apresentação .............................................................................................................. 17 1.2 Questões de pesquisa e hipóteses ............................................................................... 20 1.3 Justificativa ................................................................................................................. 22 1.4 Objetivos ..................................................................................................................... 24 1.5 Organização da tese .................................................................................................... 25 2 APARATO TEÓRICO .......................................................................................................... 26 2.1 LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE-AMERICANA: PRINCÍPIOS BÁSICOS ..... 26 2.1.1 Princípios e categorias analíticas ............................................................................. 29 2.1.1.1 Princípio de iconicidade ................................................................................... 29 2.1.1.2 Princípio de marcação ...................................................................................... 32 2.1.1.3 Princípio da expressividade .............................................................................. 34 2.1.1.4 Informatividade e integração das orações adjetivas ......................................... 35 2.2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA CURRICULAR .................................................................................................................... 40 2.3 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIVA FUNCIONAL ............. 45 3 METODOLOGIA .................................................................................................................. 49 3.1 NATUREZA METODOLÓGICA DA PESQUISA....................................................... 49 3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO LÓCUS DE APLICAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ..................................................................................... 51 3.3 ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA E METODOLÓGICA DA INTERVENÇÃO .............. 52 4 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ............................................................. 57 4.1 ABORDAGEM TRADICIONAL DAS ADJETIVAS .................................................. 57 4.1.1 Oração adjetiva finita............................................................................................... 57 4.1.2 Oração adjetiva reduzida ......................................................................................... 63 4.1.3 Síntese da descrição pela tradição gramatical ......................................................... 68 4.2 TRATAMENTO DAS ADJETIVAS EM GRAMÁTICAS DESCRITIVAS ................ 70 4.3 DESCRIÇÃO DA ORAÇÃO ADJETIVA EM PERSPECTIVA FUNCIONAL .......... 77 4.3.1 Caracterização da oração adjetiva por estudos linguísticos ..................................... 77 4.3.2 Integração da oração adjetiva: uma proposta de contínuo ..................................... 100 4.4 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESCRIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ............................................................................................................................................ 105 5 ORAÇÕES ADJETIVAS E ENSINO ................................................................................. 107 5.1 APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO DAS ORAÇÕES ADJETIVAS EM PESQUISAS LINGUÍSTICAS .......................................................................................... 107 5.2 TRATAMENTO DAS ADJETIVAS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA .................................................................................................................. 116 5.2.1 Livros didáticos do Ensino Fundamental .............................................................. 117 5.2.2 Livros didáticos do Ensino Médio ......................................................................... 124 5.2.3 Síntese da abordagem das adjetivas nos livros didáticos ...................................... 126 6 ENSINO DA ORAÇÃO ADJETIVA: RESULTADOS E ANÁLISE DA APLICAÇÃO DIDÁTICA ............................................................................................................................. 131 6.1 PROPOSTA DIDÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL........................................ 131 6.1.1 Primeira etapa: introdução do conteúdo ................................................................ 131 6.1.2 Segunda etapa: tratamento didático do conteúdo .................................................. 145 6.1.3 Terceira etapa: consolidação dos conhecimentos .................................................. 156 6.1.4 Quarta etapa: controle e avaliação dos resultados ................................................. 158 6.2 PROPOSTA DIDÁTICA NO ENSINO MÉDIO ......................................................... 173 6.2.1 Primeira etapa: introdução do conteúdo ................................................................ 173 6.2.2 Segunda etapa: tratamento didático do conteúdo novo ......................................... 181 6.2.3 Terceira etapa: consolidação dos conhecimentos .................................................. 189 6.2.4 Quarta etapa: controle e avaliação dos resultados ................................................. 191 6.3 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA ........ 207 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 209 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................213 APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO PARA ALUNOS MAIORES DE IDADE ................................................................................................................................................ 218 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA RESPONSÁVEIS DOS ALUNOS MENORES DE IDADE ......................................................................................................... 220 APÊNDICE C – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................... 222 APÊNDICE D – PLANO DE AULA DA TURMA PARTICIPANTE DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................................................................. 223 APÊNDICE E – PLANO DE AULA DA TURMA DE CONTROLE DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................................................................. 227 APÊNDICE F – PLANO DE AULA DA TURMA PARTICIPANTE DO ENSINO MÉDIO ................................................................................................................................................ 230 APÊNDICE G – PLANO DE AULA DA TURMA DE CONTROLE DO ENSINO MÉDIO ................................................................................................................................................ 234 APÊNDICE H – ATIVIDADE INICIAL PARA AS TURMAS DO FUNDAMENTAL ..... 237 APÊNDICE I – ATIVIDADE REALIZADA COM A TURMA PARTICIPANTE DO FUNDAMENTAL .................................................................................................................. 240 APÊNDICE J – ATIVIDADE PARA A TURMA DE CONTROLE DO FUNDAMENTAL ................................................................................................................................................ 244 APÊNDICE K – SISTEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO PARA A TURMA PARTICIPANTE DO FUNDAMENTAL ............................................................................. 246 APÊNDICE L – ATIVIDADE FINAL PARA AS TURMAS DO FUNDAMENTAL ........ 250 APÊNDICE M – ATIVIDADE INICIAL PARA AS TURMAS DO MÉDIO ...................... 255 APÊNDICE N – ATIVIDADE PARA A TURMA PARTICIPANTE DO MÉDIO ............. 258 APÊNDICE O – ATIVIDADE PARA A TURMA DE CONTROLE DO MÉDIO .............. 263 APÊNDICE P – SISTEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO PARA A TURMA PARTICIPANTE DO MÉDIO ............................................................................................... 265 APÊNDICE Q – ATIVIDADE FINAL PARA AS TURMAS DO MÉDIO ......................... 269 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Quantitativo de alunos envolvidos nas atividades da pesquisa ............................. 52 Quadro 2 – Caracterização das orações adjetivas pela tradição gramatical ............................. 68 Quadro 3 – Extremos do processo de integração sintático-semântica ...................................... 80 Quadro 4 – Escala de integração das adjetivas ......................................................................... 81 Quadro 5 – Correlação entre o grau de definitude do SN e o tipo de relativa .......................... 86 Quadro 6 – Tipologia da oração relativa apositiva desgarrada ................................................ 93 Quadro 7 – Continuum de marcação givoniana aplicado às estratégias de relativização ......... 97 Quadro 8 – Continuum de marcação expressiva aplicado às estratégias de relativização ....... 98 Quadro 9 – Correlação entre a tipologia das relativas e critérios de encaixamento ............... 101 Quadro 10 – Coleções de livros didáticos consultadas........................................................... 117 Quadro 11 – Abordagem das adjetivas nos livros didáticos analisados ................................. 127 Quadro 12– Coesão na resenha crítica ................................................................................... 153 Quadro 13 – Processo de retomada e de substituição do relativo .......................................... 157 LISTA DE TABELAS Tabela 1– Respostas à questão 1 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 132 Tabela 2 – Respostas à questão 2 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 134 Tabela 3 – Respostas à questão 3 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 135 Tabela 4 – Respostas à questão 4 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 136 Tabela 5 – Respostas à questão 5 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 137 Tabela 6 – Respostas à questão 6 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 139 Tabela 7 – Respostas à questão 7 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 140 Tabela 8– Respostas à questão 8 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 141 Tabela 9 – Respostas à questão 9 da atividade inicial aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 142 Tabela 10 – Ocorrências de adjetivas nas resenhas produzidas na atividade inicial pelos alunos dos 9º anos do Ensino Fundamental ....................................................................................... 144 Tabela 11 – Respostas à questão 1 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 159 Tabela 12 – Respostas à questão 2 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 160 Tabela 13 – Respostas à questão 3 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 161 Tabela 14 – Respostas à questão 4 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 163 Tabela 15 – Respostas à questão 5 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 164 Tabela 16 – Respostas à questão 6 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 167 Tabela 17 – Respostas à questão 7 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 169 Tabela 18 – Respostas à questão 8 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ...........................................................................................................................170 Tabela 19 – Respostas à questão 9 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 170 Tabela 20 – Respostas à questão 10 da atividade final aplicada nos 9º anos do Ensino Fundamental ........................................................................................................................... 171 Tabela 21 – Questão 1 da atividade inicial aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ............. 174 Tabela 22 – Respostas à questão 2 da atividade inicial aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 175 Tabela 23 – Respostas à questão 3 da atividade inicial aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 177 Tabela 24 – Respostas à questão 4 da atividade inicial aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 179 Tabela 25 – Respostas à questão 5 da atividade inicial aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 180 Tabela 26 – Respostas à questão 1 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 191 Tabela 27 – Respostas à questão 2 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 193 Tabela 28 – Respostas à questão 3 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 195 Tabela 29 – Respostas à questão 4 da atividade final aplicada nas 2ª séries .......................... 196 Tabela 30 – Respostas à questão 5 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 197 Tabela 31 – Respostas à questão 6A da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 199 Tabela 32 – Respostas à questão 6B da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 201 Tabela 33 – Respostas à questão 7 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 203 Tabela 34 – Respostas à questão 8 da atividade final aplicada nas 2ª séries do Ensino Médio ................................................................................................................................................ 206 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Questão 2 do livro didático da coleção Projeto Teláris: português para o 9º ano . 119 Figura 2 – Questão 5 do livro didático da coleção Projeto Teláris: português para o 9º ano . 120 Figura 3 – Exercícios do livro didático da coleção Português linguagens para o 9º ano ....... 122 Figura 4 – Pronome relativo ................................................................................................... 142 Figura 5 – O bode gaiato ........................................................................................................ 150 Figura 6 – Oração adjetiva e construção de sentido ............................................................... 162 Figura 7 – Pronome relativo ................................................................................................... 175 Figura 8 – Verbo de regência múltipla ................................................................................... 184 Figura 9 – O bode gaiato ........................................................................................................ 185 Figura 10 – Oração adjetiva e construção de sentido ............................................................. 197 17 1 INTRODUÇÃO Nesta seção, apresentamos, inicialmente, o nosso objeto de estudo no contexto em que se insere. Em seguida, explicitamos as questões de pesquisa, as hipóteses levantadas, a justificativa e as motivações que levaram à escolha do objeto e os objetivos propostos. 1.1 Apresentação O ensino de Língua Portuguesa tem sido um assunto recorrente na discussão relativa à melhoria da educação no país, principalmente, devido à baixa proficiência de estudantes em atividades de leitura e escrita constatada em exames oficiais1. Embora medidas tenham sido aplicadas, como o estabelecimento de novos currículos e a formação continuada de professores, a partir de orientações constantes dos documentos que norteiam o ensino de Língua Portuguesa no país (BRASIL, 1998, 2000, 2006), permanecem as críticas e debates no que se refere à abordagem tradicional, especialmente, dos conteúdos de gramática, predominante em várias escolas da Educação Básica2. Isso acontece porque permanece uma excessiva valorização da gramática normativa e insistência nas regras de exceção, fortalecendo o preconceito contra as formas e as variedades não padrão (NEVES, 2011). Nessa perspectiva, estudos e pesquisas linguísticas podem contribuir significativamente para a melhoria da qualidade do ensino ofertado aos alunos da Educação Básica. O conhecimento acadêmico produzido é um importante instrumento para subsidiar uma atuação docente que promova o desenvolvimento da competência discursiva do aluno e de torná-lo um sujeito capaz de utilizar a língua de modo variado, produzindo diferentes efeitos de sentido e adequando o texto a diferentes situações comunicativas (BRASIL, 1998). A esse respeito, é importante salientarmos que estudos linguísticos pautados na língua em uso, a exemplo de Givón (1979, 1990, 1995), Furtado da Cunha (2000), Votre e Naro (2012) e Neves (2015), têm evidenciado que o uso de estruturas gramaticais é motivado pelo discurso e vice-versa, compreendendo, desse modo, formas mais complexas do ponto de vista 1 Alguns dados que pautam essas discussões podem ser consultados no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), por meio dos resultados obtidos pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), disponíveis em: https://www.gov.br/inep/pt-br. Dentre eles, os dados mais recentes divulgados pelo INEP nos exames de Língua Portuguesa, da edição de 2017 do Saeb, mostram que 60,5% dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental apresentaram níveis insuficientes na escala de proficiência; 36,6%, níveis básicos; e 2,9%, adequados. No Ensino Médio, o percentual de estudantes em níveis baixos de proficiência foi um pouco maior, sendo: 70,9% insuficientes, 27,5% básicos e 1,6% adequados (Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de- atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb/resultados. Acesso em: 20 jun. 2020). 2 A Educação Básica compreende a Educação Infantil e os níveis de Ensino Fundamental e Médio. https://www.gov.br/inep/pt-br https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb/resultadoshttps://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb/resultados 18 discursivo, já que considera vários aspectos extratextuais. Assim, é preciso que o ensino de gramática proporcione ao aluno a capacidade de desenvolver reflexões sobre funcionamento da língua(gem). Nessa direção, com foco na investigação e proposição de melhorias quanto ao ensino de gramática em sala de aula, selecionamos como objeto de pesquisa deste trabalho a oração adjetiva3, que é um tópico gramatical responsável pela caracterização e especificação, em formato oracional, de Sintagmas Nominais (SN) presentes nos usos que fazemos da língua. Desempenha, desse modo, uma importante função nos diversos textos utilizados nos processos comunicativos. Podemos, pois, considerar a oração adjetiva como um importante conteúdo de gramática a ser investigado na sala de aula de modo analítico e reflexivo, a fim de desenvolver a competência comunicativa do aluno. Nesse âmbito, é válido salientar que o ensino das orações adjetivas, tradicionalmente, restringe-se à dicotomia explicativa versus restritiva. No entanto, essas classificações restritas tornam-se um problema na medida em que não dão conta de todos os usos que o falante faz dessas formas. Investigamos, neste trabalho, o tratamento dado às orações adjetivas no ensino de Língua Portuguesa, a partir da abordagem de livros didáticos, e desenvolvemos uma proposta de ensino dessas orações em perspectiva funcional em uma escola pública, nos níveis fundamental e médio, em Natal-RN. Esta pesquisa, todavia, não focaliza apenas o ensino da oração adjetiva. Ela é pautada em dois eixos: a descrição e o ensino. Portanto, antes de verificarmos o tratamento dado a esse tópico gramatical no ensino básico, realizamos, a partir de uma análise bibliográfica, a descrição da oração adjetiva, em perspectiva funcionalista, contemplando seus aspectos morfossintáticos, semânticos e discursivo-pragmáticos. Do ponto de vista descritivo, há vários aspectos da oração adjetiva que têm recebido atenção das pesquisas linguísticas. É o que se dá, por exemplo, com os que se relacionam especialmente ao nível de encaixamento, em termos de vinculação morfossintática, e os que se referem às diferentes estratégias de relativização. A tradição gramatical não discute, explicitamente o processo de encaixamento, mas o contempla por meio dos modos de estruturação do período composto em termos de coordenação, subordinação e, às vezes, justaposição. No caso das adjetivas, a tradição gramatical e a literatura linguística contemplam diferentes formas de orações adjetivas, 3 Neste trabalho, tomamos os termos oração/cláusula adjetiva tal como concebe a tradição gramatical e incluímos outras formas de codificação desse tipo oracional com base nos estudos linguísticos apresentados no decorrer da discussão. 19 desenvolvidas ou reduzidas4, conforme o tipo de vinculação semântico-sintática com a oração principal. Vejamos estas ocorrências: (1) A descoberta foi feita pela ONG Global Wildlife Conservation e publicada na revista Nature. Ela faz parte de uma iniciativa que busca por espécies perdidas. Os pesquisadores da ONG conversaram com moradores da região em que o bichinho havia sido localizado no passado. Alguns relataram terem visto um pequeno animal com uma pelagem cinza nas costas, que caracteriza a espécie.5 (2) [...] Dividem na favela e depois vão para pista vender, tem uma verdadeira linha de produção artesanal para o manejo com a droga, preparada para venda.6 (3) Quem quizer aprender a traduzir e fallar as Línguas Franceza e Ingleza, dirija-se a Diogo Antonio Archer (Portuguez [...] (Corpus PHPB, anúncio, século XIX).7 (4) Agora recebo uma dessas notas distribuídas à imprensa dando conta de um serviço semelhante. Que também se dispõe a enviar remontamente resultados de exames clínicos realizados em laboratórios que o implementem.8 Em (1), as orações destacadas são classificadas, conforme a gramática tradicional (GT), adjetiva restritiva e adjetiva explicativa, respectivamente, ambas em sua forma desenvolvida; a adjetiva em (2), por sua vez, é reduzida de particípio, também de acordo com a GT. Em (3) e (4), temos, segundo pesquisas linguísticas, uma oração relativa livre introduzida por quem (BRAGA, 2018) e uma relativa desgarrada (DECAT, 2014), nessa ordem. Em relação às formas de codificação das adjetivas nos diferentes contextos de uso, a literatura (TARALLO, 1983; BISPO, 2009) aponta três estratégias de relativização: a relativa padrão com ou sem preposição, a relativa cortadora e a relativa copiadora, conforme exemplificamos a seguir: (5) Os pais vivem um desamparo ansioso, fruto da desautorização a que estão sujeitos e se sujeitam desde o início. Desde a concepção in vitro, passando pelo controle gestacional e pelo parto cirúrgico, homens e mulheres vão se convencendo de que sem ajuda da medicina não se 4 Destacamos, nesse ponto, que a caracterização da oração reduzida tem ocorrido de modo bastante diversificado e, normalmente, essa forma oracional é abordada em espaço distinto do que trata da oração desenvolvida (finita) nos manuais de gramática. Por outro lado, ao verificar o ensino da oração adjetiva, identificamos que sua forma reduzida tem sido comumente tratada em livros didáticos de Língua Portuguesa. Nesse material, a forma reduzida da oração adjetiva é um conteúdo que integra a seção cujo foco é a forma desenvolvida dessa oração. Considerando que esta pesquisa tem como base a descrição e o ensino da oração adjetiva, optamos por incluir essa forma oracional em nosso estudo. 5 Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/cientistas-reencontram-especie-meio-rato-meio-cervo/. Acesso em: 12 nov. 2019. 6 Disponível em: https://www.webartigos.com/artigos/resenha-do-documentario-falcao-meninos-do-trafico/5731. Acesso em 10 fev. 2018. 7 Extraído de Braga (2018, p. 15). 8 Extraído de Decat (2014, p. 157). https://www.globalwildlife.org/ https://www.nature.com/articles/s41559-019-1027-7?utm_source=commission_junction&utm_medium=affiliate https://super.abril.com.br/ciencia/cientistas-reencontram-especie-meio-rato-meio-cervo/ https://www.webartigos.com/artigos/resenha-do-documentario-falcao-meninos-do-trafico/5731 20 procria mais. As conquistas da tecnologia oprimem sujeitos que passam a se considerar incapazes de assumir a descendência sem a continuidade do apoio profissional.9 (6) A vontade é tudo que precisamos para vencer quando o objetivo é claro.10 (7) [...] a sorte é que fui bem ... bem atendido tanto pelo médico como as enfermeira... lá tinha enfermeira até que eu ... gostei muito né ... dela ... e a ... a empregada também ...11 Essas estratégias correspondem à codificação utilizada pelo produtor do texto para expressar, na oralidade ou na escrita, dado conteúdo por meio de uma oração adjetiva. A relativa padrão, preposicionada e sem preposição, respectivamente, é apresentada em (5). A cortadora está destacada em (6), em que não ocorre a preposição de, regida pelo verbo precisar. Já em (7), temos uma ilustração da copiadora, caracterizada pelo uso de um elemento cópia do correferente ao antecedente do pronome relativo. Podemos observar, portanto, que a oração adjetiva é produtiva e se manifesta de diferentes modos no uso efetivo da língua, evidenciando a necessidade de abordar essa categoria gramatical de modo mais amplo em sala de aula. 1.2 Questões de pesquisa e hipóteses Nortearão esta pesquisa os seguintes questionamentos: a) Qual é o tratamento dado à oração adjetiva pela tradição gramatical e por gramáticos linguistas brasileiros? b) Como a oração adjetiva é descrita por pesquisas funcionalistas? c) Como a oração adjetiva é descrita por livros didáticos de Língua Portuguesa adotados em escolas públicas nos níveis fundamental e médio em Natal-RN?d) Como trabalhar o estudo das orações adjetivas em perspectiva funcional da língua(gem) em turmas da Educação Básica? e) Qual o desempenho de alunos da Educação Básica em atividades sobre as orações adjetivas após aulas elaboradas e aplicadas com base na perspectiva 9 Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/dossie-parentalidade-e-vulnerabilidades/ . Acesso em 12 nov. 2019. 10 Disponível em: https://www.frasesparaface.com.br/a-vontade-e-tudo-que-precisamos-para-vencer/ . Acesso em: 10 fev. 2018. 11 (FURTADO DA CUNHA, 1998, p. 3). https://revistacult.uol.com.br/home/dossie-parentalidade-e-vulnerabilidades/ https://www.frasesparaface.com.br/a-vontade-e-tudo-que-precisamos-para-vencer/ 21 funcionalista em comparação ao desempenho de alunos que tiveram aulas convencionais? Para tanto, procedemos à revisão detalhada de trabalhos desenvolvidos sob a perspectiva da linguística funcional, os quais investigaram as orações adjetivas tanto em termos de sua descrição quanto em relação ao ensino. Esses trabalhos, em grande parte, constataram que a abordagem dessas orações na sala de aula não contempla as estruturas não prototípicas ou não padrão, como abordado nas pesquisas de Bispo (2009), Souza (2009) e Câmara (2015). Dada essa realidade, elaboramos e aplicamos uma proposta de tratamento da oração adjetiva com base em premissas funcionalistas e em sua correlação com as orientações curriculares oficiais. Defendemos a tese de que essa abordagem pode tornar o ensino de gramática mais significativo, profícuo e produtivo, resultando em melhor desempenho dos alunos. Considerando as questões de pesquisa anteriormente levantadas, tomamos por hipótese que a) a tradição gramatical focaliza o aspecto sintático da oração adjetiva, na função de adjunto adnominal, a classificação dicotômica em restritiva e explicativa e sua introdução por um pronome relativo, enquanto os gramáticos linguistas ampliam a abordagem, contemplando, também, aspectos relativos a contextos de uso dessas orações; b) a descrição funcionalista das adjetivas extrapola a caracterização realizada pelas gramáticas, contemplando os diferentes modos de organização desse tipo oracional bem como aspectos estruturais e funcionais vinculados a essas formas de expressão; c) os livros didáticos de Língua Portuguesa, via de regra, contemplam a caracterização realizada pela Gramática Tradicional, focalizando a classificação dicotômica em restritiva e explicativa; d) o trabalho com a oração adjetiva em perspectiva funcionalista deve partir de usos efetivos das diferentes formas de organização da oração adjetiva (canônica ou não), a partir dos usos mais frequentes aos menos comuns, associando-as aos diferentes contextos interacionais, aos efeitos de sentido e aos objetivos comunicativos que se pretende alcançar; e) os alunos submetidos a aulas fundamentadas em pressupostos funcionalistas tendem a apresentar melhores resultados em termos de desempenho quanto aos 22 usos e às formas de organização das adjetivas em comparação aos alunos das turmas em que é aplicada a metodologia tradicional de abordagem dessas orações. 1.3 Justificativa Sabemos que a tradição gramatical, geralmente, não dispensa atenção às estruturas não canônicas, considerando-as como erros por se tratar de “desvios” da norma-padrão12. Além disso, o ensino de língua materna ainda tem sido pautado em pressupostos de uma variedade idealizada da língua, deixando, ainda, muitas vezes, de lado a prática de análise linguística13 a partir de estruturas utilizadas por falantes em seus textos. Conforme já previam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (BRASIL, 1998, 2000), há duas décadas, e segundo a mais recente Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), os conteúdos gramaticais devem ser trabalhados de modo que propiciem tarefas de análise e reflexão linguística para alunos dos níveis fundamental e médio. Além disso, as diretrizes dos PCN também destacam que ensinar a língua pode implicar chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela Gramática Tradicional, já que alguns aspectos nem sempre correspondem aos usos atuais da língua(gem). Como podemos verificar nos materiais didáticos da Educação Básica, a perspectiva de ensino da língua é voltada, de modo geral, para a produção e a análise do texto. É válido, portanto, destacar que, nessa concepção, os recursos gramaticais são tratados como meio e não fim para a atividade de análise e de produção textual (OLIVEIRA; AMORIM, 2014). Nesse contexto, em que se orienta uma abordagem de ensino mais reflexiva, com o reconhecimento da importância – e necessidade – do trabalho com a análise linguística, é necessário o desenvolvimento de pesquisas linguísticas que estabeleçam relações entre o 12 Remetemos à discussão realizada por Faraco (2008) a respeito dos termos norma-padrão e norma culta. A norma-padrão é entendida como um padrão (normatizador) da língua, fixado pela tradição gramatical, o qual, enquanto realidade léxico-gramatical, é relativamente abstrato, por apagar as marcas dialetais muito salientes, representando, portanto, uma uniformidade linguística. Trata-se de um instrumento de política linguística capaz de contribuir para atenuar a diversidade regional e social. Já a norma culta, para o autor, é uma variedade linguística com funções socioculturais bem definidas, cujo prestígio não decorre de suas propriedades gramaticais, mas de processos sócio-históricos que agregam valores a ela. Considerando a necessidade de preparar os alunos para uma comunicação proficiente nos diversos contextos de uso real da língua, referimo-nos, neste trabalho, à norma culta (a variedade de prestígio), quando tratamos dos propósitos do ensino da língua portuguesa, e à norma-padrão, a forma idealizada, para referenciar o que preconizam os manuais de gramática. 13 A prática de análise linguística permite ao aluno desempenhar o papel de analista da língua(gem), tanto no âmbito da leitura quanto da escrita, comparando textos, refletindo sobre a adequação linguística às diversas condições de produção e sobre os efeitos de sentido nos textos (BEZERRA; REINALDO, 2013). 23 estudo de fenômenos linguísticos no âmbito da academia e o ensino de tópicos gramaticais na Educação Básica. Nessa direção e considerando o papel de professora da Educação Básica desempenhado por esta pesquisadora, surgiu a motivação para desenvolver um trabalho que unisse teoria e prática, de modo que os conhecimentos produzidos na academia pudessem chegar, em alguma medida, ao ambiente escolar, interferindo positivamente no tratamento dado ao conteúdo gramatical na sala de aula. Para isso, tomamos por base a perspectiva teórica com a qual trabalhamos há alguns anos, cujos pressupostos teórico-metodológicos mostram-se relevantes e adequados para uma abordagem gramatical mais promissora quanto ao que preconizam os documentos norteadores para o ensino de Língua Portuguesa. Ademais, alguns pesquisadores, como Oliveira e Wilson (2015), Furtado da Cunha e Tavares (2007) e Oliveira e Cezario (2007) têm destacado que a concepção que perpassa esses documentos guarda estreita relação com premissas funcionalistas. A escolha por esse tema se pauta justamente na importância de se discutir uma forma de tratamento mais adequado para o ensino de gramática. Para tornar mais viável a pesquisa, selecionamos uma estrutura gramatical específica: a oração adjetiva. Optamos por esse objeto, porque temos com ele uma trajetória com início ainda na graduação, com a iniciação científica, e que se estendeu até o mestrado. Na oportunidade da pesquisa de mestrado (SILVA, 2015), investigamos as estratégias de relativização no português brasileiro em perspectiva histórica, a partir da Linguística Funcional e de contribuições das Tradições Discursivas,discutindo aspectos cognitivo-funcionais implicados no uso das estratégias de relativização utilizadas pelo produtor do texto. Para o doutorado, decidimos, pois, manter o nosso objeto de estudo, dessa vez com foco na descrição funcional da adjetiva e na elaboração e aplicação de uma proposta de ensino desse conteúdo, com a consequente avaliação dos resultados. Essa decisão advém da necessidade de analisarmos, a partir da prática, questões bastante discutidas nos estudos linguísticos, tendo em vista que, embora a oração adjetiva já tenha sido objeto de investigação de várias pesquisas, poucas têm dado atenção ao tratamento delas em aulas de Língua Portuguesa. Dentre os trabalhos, podemos citar as teses de doutoramento de Souza (2009), de Bispo (2009) e a de Câmara (2015), que discutiram, respectivamente, em linhas gerais, a interpretação das cláusulas relativas no português do Brasil; as relativas cortadoras e implicações para o ensino numa perspectiva funcionalista; e a relação entre a descrição e o ensino da oração relativa numa abordagem discursivo-funcional. Essas investigações trouxeram importantes contribuições para o estudo da oração adjetiva, 24 evidenciando que é preciso ampliar a caracterização da adjetiva realizada pela tradição gramatical, tendo em vista que, dada a natureza dos compêndios gramaticais tradicionais, não contemplados aspectos de usos efetivos da adjetiva. Bispo (2009) e Câmara (2015) discutiram implicações para o ensino da oração adjetiva a partir dos resultados de suas pesquisas, mas não investigaram o tratamento dado a esse conteúdo em sala de aula. Este trabalho justifica-se, portanto, pela união que faz entre teoria e prática, levando as contribuições dessas pesquisas teóricas para o ambiente escolar por meio de uma sequência de aulas baseada na perspectiva funcional da língua(gem) e da análise dos resultados da aplicação. Além disso, buscamos trazer contribuições que possam ser somadas às das pesquisas supracitadas à medida em que investigamos o tratamento dado às orações adjetivas pela tradição gramatical, por gramáticos linguistas e por livros didáticos. Consideramos, assim, não apenas a subclassificação semântica dessas orações, mas também as estratégias de relativização, que compreendem diferentes formas, padrão e não padrão, de organizar a oração relativa. Nesse viés, destacamos a importância do conhecimento de formas alternativas, não prototípicas, como é o caso das adjetivas não padrão, para maior reflexão por parte de alunos no que diz respeito ao uso dessas formas em situações cotidianas. A partir disso, esperamos que possa haver um maior envolvimento dos discentes no processo de ensino/aprendizagem dada a possibilidade de ressignificação do seu conhecimento prévio, associando-o ao conhecimento formal ensinado na escola. É válido ressaltar que o propósito desta pesquisa não é avaliar se o ensino de gramática tem sido válido, mas sim verificar a abordagem da oração adjetiva, a fim de propor melhorias no tratamento desse conteúdo para que ele possa ser ensinado e compreendido de forma satisfatória, considerando a perspectiva funcional da linguagem. 1.4 Objetivos De modo geral, esta pesquisa objetiva contribuir, com base na descrição morfossintática, semântica e discursivo-pragmática da oração relativa para a melhoria do ensino desse tipo oracional na Educação Básica por meio de uma abordagem funcional. Os objetivos específicos são: a) apresentar o tratamento dado às orações adjetivas pela tradição gramatical e por gramáticos linguistas; b) caracterizar as diferentes configurações da oração relativa e organizá-las em um continuum de vinculação morfossintática com a cláusula matriz; 25 c) apresentar o tratamento dado por livros didáticos de Língua Portuguesa adotados em escolas públicas nos níveis fundamental e médio de Natal-RN; d) elaborar e desenvolver uma proposta didática para o tratamento das orações adjetivas em perspectiva funcional no ensino de língua; e) analisar os resultados da aplicação da proposta didática. 1.5 Organização da tese Além desta seção de introdução, este trabalho compreende cinco seções de desenvolvimento e uma que contempla as considerações finais. Na seção 2, caracterizamos o suporte teórico desta pesquisa, a Linguística Funcional norte-americana, com foco em seus pressupostos e algumas categorias analíticas. Também descrevemos a articulação de premissas dessa vertente teórica com orientações curriculares oficiais para o ensino de Língua Portuguesa. A seção 3 explicita a metodologia adotada nesta pesquisa, incluindo, mais detalhadamente, os aspectos relativos à intervenção pedagógica realizada. Na seção 4, realizamos a descrição de nosso objeto de estudo, a oração relativa, partindo da caracterização da tradição gramatical, de gramáticas escritas por linguistas e de pesquisas linguísticas que têm contribuído para a descrição da oração relativa. Além disso, apresentamos proposição de um continuum de encaixamento da oração relativa à cláusula matriz. A seção 5 é dedicada à relação entre oração adjetiva e ensino. Para isso, apresenta as contribuições de trabalhos linguísticos que fazem considerações sobre o ensino da adjetiva e analisa o tratamento dado a essas orações por livros didáticos de Língua Portuguesa. Na última seção do desenvolvimento, apresentamos e analisamos os resultados do trabalho empreendido em sala de aula. 26 2 APARATO TEÓRICO Para o desenvolvimento desta pesquisa, tomamos como referência a Linguística Funcional de vertente norte-americana e sua correlação com as orientações curriculares para o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica, consubstanciadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, 2000), as Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Por isso, esta seção está dividida em três partes: a primeira é dedicada à exposição de pressupostos, princípios e categorias de análise da Linguística Funcional; a segunda apresenta a abordagem de documentos norteadores do ensino de Língua Portuguesa; e a terceira faz uma relação entre o ensino de Língua Portuguesa e o Funcionalismo Linguístico. 2.1 LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE-AMERICANA: PRINCÍPIOS BÁSICOS O aparato teórico que embasa esta investigação é a Linguística Funcional norte- americana, desenvolvida por Talmy Givón, Paul Hopper, Elizabeth Traugott, Joan Bybee, entre outros. Essa abordagem teórica entende a linguagem como um instrumento de interação social e tem um interesse de investigação linguística que vai além dos aspectos gramaticais, buscando nas situações comunicativas as motivações para os fatos da língua (FURTADO DA CUNHA; OLIVEIRA; MATELOTTA, 2015). Assim, a análise linguística, nessa perspectiva, utiliza métodos que englobam, por exemplo, fatores relacionados aos interlocutores, a seus propósitos comunicativos e ao contexto discursivo em que os fenômenos sob estudo ocorrem. Essa abordagem conquistou espaço nas discussões linguísticas a partir da década de 1970, caracterizada por pesquisas que objetivavam analisar a língua considerando os aspectos do contexto linguístico e da situação extralinguística. Nessa concepção, evidencia-se a importância da relação entre o estudo do discurso e da gramática, partindo do princípio de que a estrutura gramatical é motivada por fatores de natureza comunicativa. Portanto, a identidade desse modelo reside em propor simultaneidade ao estudo do discurso e da gramática, visto que ambos interagem e se influenciam mutuamente (GIVÓN, 1995). A Linguística Funcional apresenta como um de seus princípios básicos o fato de que a estrutura da língua emerge à medida que esta é usada, e o discurso é o lugar para o surgimento e a configuração dos padrões estruturais da língua. Esse modelo teórico busca, então, descrevere explicar os fatos linguísticos com base nas funções (semântico-cognitivas e discursivo-pragmáticas) que desempenham nos diversos contextos de uso da língua, 27 integrando sincronia e diacronia, numa abordagem pancrônica (BYBEE, 2010). Nesse viés, é fundamental que o estudo de fenômenos linguísticos se dê com base em contextos reais de comunicação, tanto de fala quanto de escrita. Entende-se, assim, que os aspectos comunicativos, sociais e culturais, além de cognitivos, exercem influência significativa na estrutura da língua. Em termos gerais, a Linguística Funcional compreende que a linguagem verbal se fundamenta em processos cognitivos, interacionais e culturais, o que justifica a necessidade de examinar a língua em uso. Rejeita-se, pois, a ideia proposta pelos gerativistas de que a linguagem constitui um “órgão mental” autônomo. A Linguística Funcional assume que não há um módulo mental específico para a língua(gem), e sim uma capacidade cognitiva geral que permite aos humanos aprender a língua por meio dela, do mesmo modo que conseguem desenvolver outros aprendizados inerentes ao ser humano, tais como andar e correr. Desse modo, consideramos que a linguagem representa uma faculdade humana que tem como um dos principais objetivos estabelecer a comunicação entre os indivíduos por meio do uso de palavras, gestos, imagens, entre outros. A língua, por sua vez, é entendida, nesse contexto teórico, como uma estrutura maleável, condicionada e modelada por fatores semântico-cognitivos e/ou intercomunicativos (BYBEE, 2010). De acordo com Bybee, a língua representa um sistema adaptativo complexo, uma estrutura fluida, dinâmica, que atende às necessidades cognitivas e/ou intercomunicativas, por isso sua estrutura é emergente, vai se moldando no e pelo uso. Nessa direção, ela deve ser compreendida como atividade social determinada pelas situações reais de comunicação. E, nesse sentido, é preciso levar em consideração, na análise de fatos da língua, toda a situação comunicativa, a qual envolve os participantes, o contexto discursivo, os propósitos comunicativos, entre outros. Para a Linguística Funcional, a gramática é concebida como um [...] conjunto de esquemas/processos simbólicos utilizado na produção e organização do discurso coerente, configura-se em categorias morfossintáticas rotinizadas, exibindo padrões funcionais mais regulares e formas alternativas em processo de mudança motivada por fatores cognitivo-interacionais (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2013, p. 20). Para essa perspectiva teórica, a gramática da língua é criada a partir da atuação localizada de fatores de regularização e unificação ao lado de fatores de criação e inovação. 28 Além disso, é válido destacar que as construções14 de uma língua refletem habilidades cognitivas associadas à nossa concepção de mundo (MARTELOTTA, 2011), o que destaca, desse modo, a motivação cognitiva relacionada às repetições e extensões feitas a partir de estruturas comunicativas concebidas em situações comunicativas anteriores. A noção de discurso, também muito importante para esta investigação, está intrinsecamente ligada à ideia de gramática. O discurso tanto pode ser tomado como o ponto de partida para a gramática quanto pode ser o seu ponto de chegada (FURTADO DA CUNHA, 2001). Conforme Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p. 19), o discurso é a “construção e troca intersubjetiva de sentido(s), incluindo as estratégias sociopragmaticamente orientadas de sua configuração, em uma dada situação intercomunicativa”. Em outras palavras, o discurso é o uso que o falante faz da língua numa situação específica de comunicação. Por isso é tão importante aliar o estudo da gramática ao do discurso e, para tal, é preciso considerar o uso que se faz da língua, dando enfoque não apenas aos aspectos normativos, mas também às estruturas que não são legitimadas pela gramática tradicional. Essa compreensão da gramática de um ponto de vista mais abrangente a serviço da comunicação efetiva dos falantes perpassa pela compreensão do papel social da linguagem, o de promover a interação. É válido destacar, nesse sentido, algumas premissas caracterizadoras da abordagem funcionalista apresentadas por Givón: [...] a linguagem é uma atividade sociocultural; a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; a estrutura é não arbitrária, motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o sentido é contextualmente dependente e não atômico; as categorias não são discretas; a estrutura é maleável e não rígida; as gramáticas são emergentes; as regras gramaticais permitem algumas exceções. (1995, p. 9, tradução nossa15) Essas características evidenciam, portanto, a concepção da linguagem como uma atividade de interação materializada em estruturas linguísticas flexíveis, variáveis e motivadas por necessidades cognitivas e comunicativas dos falantes, cujo sentido está atrelado às diferentes situações de uso. Nesse viés, destaca-se também a maleabilidade das estruturas gramaticais, as quais não são categorias estanques, mas organizadas num continuum, que inclui não só as formas aceitas pela tradição gramatical, mas todas aquelas que passam a fazer 14 Neste trabalho, utilizamos o termo construção ateoricamente, correspondendo a um agrupamento sintático de termos, como é o caso de uma oração. 15 “language is a social-cultural activity; structure serves cognitive or communicative function; structure is non- arbitrary, motivated, iconic; change and variation are ever-present; meaning is context-dependent and non- atomic; categories are less-than-discrete; structure is malleable, not rigid; grammars are emergente; rules of grammar allow some leakage.” 29 parte do uso em contextos reais de comunicação. Assim, partindo desses pressupostos que caracterizam a perspectiva funcional da linguagem, com base em Prideaux, Givón e Halliday, Neves (2015) sintetiza três princípios básicos para uma gramática de direção funcionalista, os quais ressaltam a importância das motivações de uso e das necessidades comunicativas. Esses princípios estão relacionados ao entendimento da língua como um fenômeno que serve a uma variedade de propósitos; da língua (e sua gramática) como um sistema linguístico que se ativa por meio de motivações externas; e das formas e processos da língua como meios para um fim. Neves (2015) apresenta, então, temas subordinados a esses princípios, pautados na importância das motivações de uso para o papel crucial desempenhado pelo falante em suas formulações linguísticas. Assim, a autora, ao discorrer sobre esses temas, reforça a relação de dependência mútua entre discurso e gramática e do papel decisivo do falante quanto aos usos linguísticos (os quais resultam em sentido e efeitos pragmáticos) e ao organizar e distribuir as informações na situação discursiva segundo seus propósitos e conforme contingências estruturais, semântico-cognitivas e interacionais que impactam o comportamento linguístico. 2.1.1 Princípios e categorias analíticas Dentre os princípios e categorias analíticas da Linguística Funcional, utilizamos, nesta pesquisa, os princípios de iconicidade, de marcação e de expressividade, além das categorias de análise referentes à integração das orações adjetivas, conforme Oliveira (2001). Para essa integração, consideramos os seguintes parâmetros sintático-semânticos: informatividade do SN antecedente, fundidade da adjetiva, pausa e inserção. 2.1.1.1 Princípio de iconicidade Um princípio central do funcionalismo é o de iconicidade. Em linhas gerais, iconicidade é definida como a correlação natural entre forma e função, entre a expressão linguística e seu conteúdo (GIVÓN, 1984). Desse modo, entende-se, com base no funcionalismo, que a estrutura da língua reflete, de algum modo, a estrutura da experiência. Inicialmente,em sua versão mais acentuada, a iconicidade postulava uma relação de um para um entre forma e função. No entanto, pesquisas posteriores sobre variação e mudança linguísticas, conforme registra Furtado da Cunha (2001), levaram à reformulação desse conceito, pois trouxeram a compreensão de que é possível a existência de duas ou mais 30 formas de expressar o mesmo conteúdo semântico-proposicional. Isso significa que podemos encontrar correlação entre uma função e várias formas, como, por exemplo, a função de modificação nominal, que pode ser codificada por adjetivo (livro antigo), sintagma preposicional (livro de sintaxe) ou oração adjetiva (livro que comprei); ou entre uma forma e várias funções, como o sufixo inho, o qual pode estar relacionado a diferentes funções, como indicar o diminutivo (pedrinha), marcar afetividade (mãezinha) ou pejoratividade (mulherzinha).. Assim, a iconicidade é motivada por questões de clareza e transparência, de modo a reduzir a opacidade entre a forma linguística e seu correlato semântico e/ou pragmático. Existem, no entanto, muitos casos no português, por exemplo, em que podemos perceber que não há uma relação clara entre expressão e conteúdo, de modo que a ligação entre a forma e sua respectiva função mostra-se arbitrária. Isso acontece quando o significado original de uma forma se perdeu total ou parcialmente, bem como a motivação para sua criação. É o caso, por exemplo, da conjunção concessiva embora, a qual é proveniente da expressão temporal “em boa hora”. Conforme Givón (1984), a iconicidade compreende três subprincípios, a saber: o de quantidade, o de proximidade e o da ordenação linear. Eles estão relacionados à quantidade de informação, ao grau de integração entre os constituintes da expressão e do conteúdo e à ordenação sequencial dos segmentos, como veremos mais detalhadamente a seguir. O subprincípio da quantidade indica que, quanto maior for a quantidade de informação, maior será a forma para codificá-la, de modo que a estrutura da construção gramatical indica a estrutura do conceito que ela expressa. Em outras palavras, podemos dizer que a complexidade de pensamento tende a refletir-se na complexidade de expressão (SLOBIN, 1980). Assim, aquilo que é mais simples e esperado se expressa com o mecanismo morfológico e gramatical menos complexo. A atuação desse princípio pode ser percebida nas palavras derivadas, tendo em vista que, em comparação às palavras primitivas, as derivadas apresentam maior comprimento e tendem a veicular mais informações, ampliando o seu campo conceitual. Como podemos ver nas palavras carteiro e pedrada, derivadas, respectivamente, das primitivas carta e pedra. As palavras derivadas veiculam uma maior quantidade de informação e, por isso, são codificadas com uma maior quantidade de material linguístico em relação às formas primitivas. O aumento da forma corresponde a um acréscimo no conteúdo: a palavra carteiro implica a ideia de carta (ou, por extensão, de qualquer outra correspondência), além da noção 31 de profissional que trabalha com a entrega de correspondência. Da mesma sorte, em pedrada, além da ideia de pedra, há referência ao ato de golpear alguém com o uso de uma pedra. O subprincípio da proximidade considera que os conteúdos mais próximos funcional, conceptual e cognitivamente estarão também mais integrados no nível da codificação, ou seja, o que está mais próximo cognitivamente também estará mais próximo morfossintaticamente, como, por exemplo, os afixos, pois possuem uma estreita relação com os radicais a que se vinculam. De modo oposto, conceitos menos integrados no plano cognitivo se apresentarão com menor integração no plano da codificação morfossintática, como acontece com as desinências de gênero e/ou de número em relação ao radical, se comparadas com os afixos. Considerando a oração relativa, vejamos a amostra a seguir. (8) “Há centenas de projetos de fazendas urbanas sendo desenvolvidos, mas acredito que é imprescindível aumentar a interação das pessoas com os alimentos que elas consomem”, afirma o professor Despommier, da Columbia.16 Em (8), há maior aderência morfossintática entre a oração relativa e o nome antecedente (alimentos). A essa maior aderência entre antecedente e relativa a ele vinculada corresponde maior proximidade no plano do conteúdo em termos de a oração relativa recortar semanticamente o antecedente. No caso da oração em foco, a informação que elas consomem auxilia na construção da imagem do referente, restringindo semanticamente o que se enquadra no grupo de alimentos com o qual se deve aumentar a interação das pessoas segundo o professor no trecho em destaque. Diferentemente do excerto (8), observemos o que acontece em (9). (9) Em Londres, a startup Growing Undergroung usa túneis abandonados que funcionavam como abrigos antibombas durante a Segunda Guerra para cultivar brotos de ervilha, rabanetes, coentro, rúcula e aipo para consumo comercial. [...] A startup, que recebeu 1 milhão de euros em financiamento coletivo e espera ampliar sua atuação em outros espaços, mostra que as fazendas urbanas podem mesmo ser a luz no fim do túnel para a falta de alimentos.17 Nesse caso, entre a relativa e o antecedente ocorre uma pausa, representada por vírgula na escrita, havendo entre eles menor integração dada a ruptura sintática, diferentemente do que acontece em (8). Essa menor aderência estrutural reflete a menor vinculação, no plano do 16 Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro- das-grandes-cidades.html. Acesso em: 20 fev. 2019. 17 Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro- das-grandes-cidades.html. Acesso em: 20 fev. 2019. https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro-das-grandes-cidades.html https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro-das-grandes-cidades.html https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro-das-grandes-cidades.html https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/04/no-futuro-plantacoes-estarao-dentro-das-grandes-cidades.html 32 conteúdo, entre a informação da relativa (como de fundo) em relação ao referente do SN antecedente. Em outras palavras, essa informação não parece essencial ao recorte semântico desse antecedente. O subprincípio da ordenação linear se caracteriza por dois aspectos básicos: i) a ordem da informação, pois considera que a mais tópica tende a aparecer primeiro, como, por exemplo, o fato de o sujeito normalmente ocupar a primeira posição no enunciado; e ii) a ordem das orações no discurso, que corresponde à sequência temporal dos acontecimentos dos eventos apresentados (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2013). A seguir, no trecho do conto apresentado, podemos verificar a atuação desse subprincípio. (10) Larissa largou o celular, pegou o violão e começou a arriscar alguns acordes. Uma nova forma de aliviar o estresse, botar as fobias para correr. A mãe apareceu no seu quarto quando arreganhava os dedos num fá menor com sétima.18 Observamos, em (10), que a sequência das orações corresponde à ordenação cronológica dos acontecimentos por elas codificados, seguindo o que prevê o subprincípio da ordenação linear. O trecho apresenta uma sequência de ações da personagem Larissa. A apresentação dos eventos narrados corresponde à ordem cronológica e lógica em que ocorreram na narrativa, tendo início ao largar o celular e seguindo até o aparecimento da mãe no quarto. O princípio de iconicidade é útil a esta pesquisa, porque nos dá embasamento para a abordagem da relação entre forma e função, no sentido de verificar o nível de integração da adjetiva com o elemento nominal a que ela se
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