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Abordagempontuacaoensino-Paula-2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS EM LINGUÍSTICA APLICADA 
LINHA DE PESQUISA: ESTUDOS DE PRÁTICAS DISCURSIVAS 
 
 
 
 
 
 
ABORDAGEM DA PONTUAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: 
ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS E PROPOSIÇÃO DE 
PROTÓTIPO DIDÁTICO EM PERSPECTIVA DIALÓGICA 
 
 
 
 
 
DANIELLE BEZERRA DE PAULA 
 
 
 
NATAL – RN 
2018 
 
 
DANIELLE BEZERRA DE PAULA 
 
 
 
 
 
 
ABORDAGEM DA PONTUAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: 
ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS E PROPOSIÇÃO DE 
PROTÓTIPO DIDÁTICO EM PERSPECTIVA DIALÓGICA 
 
 
 
 
 
Tese apresentada, como parte dos requisitos para a 
obtenção do título de doutora, ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos da Linguagem, na área de 
concentração Estudos da Linguística Aplicada, na linha de 
pesquisa Estudos de Práticas Discursivas, sob a 
orientação da Professora Doutora Maria da Penha 
Casado Alves. 
 
 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2018 
Paula, Danielle Bezerra de.
 Abordagem da pontuação no ensino médio: análise de livros
didáticos e proposição de protótipo didático em perspectiva
dialógica / Danielle Bezerra de Paula. - Natal, 2018.
 187f.: il. color.
 Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2018.
 Orientadora: Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves.
 1. Pontuação - Tese. 2. Livro didático de Língua Portuguesa -
Tese. 3. Protótipo didático - Tese. I. Alves, Maria da Penha
Casado. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710
 
 
PAULA, Danielle Bezerra de. Abordagem da pontuação no 
ensino médio: análise de livros didáticos e proposição de 
protótipo didático em perspectiva dialógica. Tese apresentada 
ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na área de 
concentração Linguística Aplicada, para a obtenção do título de 
Doutora em Estudos da Linguagem. 
 
 
 
Aprovada em: 02 de agosto de 2018. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
_______________________________________________ 
Dra. Maria da Penha Casado Alves – UFRN 
PRESIDENTE 
 
_______________________________________________ 
Dra. Maria Bernadete Fernandes de Oliveira – UFRN 
EXAMINADORA INTERNA AO PROGRAMA 
 
_______________________________________________ 
Dr. João Maria Paiva Palhano – UFRN 
EXAMINADOR EXTERNO AO PROGRAMA 
 
_______________________________________________ 
Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa – UERN 
EXAMINADORA EXTERNA À INSTITUIÇÃO 
 
_______________________________________________ 
Dra. Miriam Buab Puzzo – UNITAU 
EXAMINADORA EXTERNA À INSTITUIÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos que partiram durante a realização deste trabalho e 
que, apesar da dor e da saudade, me fizeram lembrar que 
eu precisava continuar firme na caminhada, dedico: 
 
meu irmão José Daniel Bezerra de Paula (in memoriam), 
pessoa de bom coração, que sempre se orgulhou de 
minhas conquistas e que confiou a mim seu filho, meu 
amado sobrinho Vitor Daniel. 
 
minha avó-mãe Rita Maria das Mercês de Paula (in 
memoriam), exemplo de ser humano e inspiração da vida 
inteira, que me ensinou a enfrentar desafios e a vencê-
los. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Várias pessoas contribuíram para que eu conseguisse concluir mais esta etapa 
acadêmica. Portanto, pela rede de apoio que tive/tenho, agradeço, em especial 
a: 
 
Maria da Penha Casado Alves – orientadora que me acompanha desde a 
graduação –, por ter me iniciado nos estudos bakhtinianos, pela leveza com 
que conduziu o percurso, por ampliar meus horizontes e por me fazer acreditar 
em minha capacidade. 
 
João Maria Paiva Palhano – inspiração para muitos –, por ser imensamente 
generoso e por ser amoroso mesmo ao tecer críticas, pela presença em fases 
importantes para a minha trajetória acadêmico-profissional, pelas contribuições 
na qualificação e pelo aceite, outra vez, em colaborar com sua exotopia na 
defesa. 
 
Maria Bernadete Fernandes de Oliveira – por quem tenho muito respeito –, por 
todas as indicações de leituras, pelas críticas construtivas no momento de 
qualificação, dando segurança para continuar a pesquisa e, agora, pelo novo 
aceite em compor a banca de defesa. 
 
Miriam Bauab Puzzo e Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa, por terem 
aceitado avaliar a pesquisa no momento de defesa e pelas pertinentes 
sugestões, colaborando para o aprimoramento da versão final desta tese. 
 
Marcos Antônio Costa, por ser responsável pelo meu encantamento – no início 
do curso de Letras – pelos estudos linguísticos e por ser incrível todas as 
vezes, dentro e fora de sala de aula. 
 
 
 
Minha família, pelo incentivo constante aos estudos e por confiar em minhas 
vitórias. Em especial, à minha mãe Valderice Bezerra, por apoiar todas as 
minhas decisões e por celebrar cada conquista, mesmo pequena, como se 
fosse a maior de todas; às minhas tias, com destaque para Maria Marluce de 
Paula e Maria José de Paula, por terem sido, desde a infância, suporte e 
exemplo; e às minhas “prirmãs” Juliana Paula e Juliette de Paula, por estarem 
comigo em todas as fases da vida e terem me ajudado ainda mais nesse 
período final do doutorado. 
 
Manu(elle) de Oliveira Inácio, pelo companheirismo em todo o percurso não 
apenas acadêmico, por me fortalecer em diversas situações e pela presença 
singular em minha vida. 
 
Priscilla Rosa, por ser amiga de todas as horas, estando perto ou longe, com 
quem sempre compartilhei/compartilho angústias não apenas deste processo. 
 
Rhena Raíze Peixoto de Lima – amiga de graduação e de profissão –, por ser 
interlocutora sincera com quem dividi/divido muitas dúvidas, por sempre me 
impulsionar a fazer cada vez melhor e tentar desfazer minhas inseguranças. 
 
Jana(ína) Matias, pela amizade e pelos muitos auxílios, sendo um deles 
fundamental para a composição do corpus da pesquisa. 
 
William Brenno, pelo carinho que ampara e pelos encontros de apoio mútuo. 
 
Gabriela Ribeiro e Deyvson Freitas, por serem bastante solidários comigo 
quando pensei que não conseguiria encerrar este ciclo. 
 
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte 
(IFRN), por ter me permitido o afastamento necessário à conclusão das 
disciplinas e à boa parte do processo de escrita desta tese. 
 
 
https://www.facebook.com/deyvson.freitas.3?hc_ref=ARTKAtDGmQJ5p-5W3H8nXB1ycIUtV61E8-mSc3g-5zv8kqQjqywE6XWb07KnCyjMYyo
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
BNCC – Base Nacional Comum Curricular 
CD – Coleção Didática 
EF – Ensino Fundamental 
EM – Ensino Médio 
ES – Ensino Superior 
FAE – Fundação de Assistência ao Estudante 
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 
LA – Linguística Aplicada 
LD – Livro Didático 
LDP – Livro Didático de Português 
LP – Língua Portuguesa 
MEC – Ministério da Educação 
OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Linguagens e suas 
Tecnologias 
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o 
Ensino Médio 
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático 
SD – Sequências Didáticas 
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Esta tese, situada na área de produção de conhecimento da Linguística 
Aplicada, toma como objeto de estudo a problematização do ensino da 
pontuação a partir de dois eixos: da abordagem nos livros didáticos de Língua 
Portuguesa indicados pelo Guia PNLD 2015; e da proposição de atividades que 
articulem a pontuação como um dos recursos expressivosutilizados para a 
construção estilística do enunciado. São objetivos centrais: 1) avaliar, em uma 
perspectiva dialógica, a abordagem da pontuação nos livros didáticos de 
Língua Portuguesa aprovados no PNLD (2015-2017), voltados para o ensino 
médio; e 2) propor, com base nas críticas apontadas, protótipo didático (ROJO, 
2012, 2013, 2017) que permita explorar os sinais de pontuação como recursos 
expressivos dos enunciados. Ancorada no paradigma interpretativista com 
enfoque qualitativo (CHIZZOTTI, 1998; FREITAS, 2002, 2007, 2010), a 
pesquisa se respalda teoricamente nas contribuições do Círculo de Bakhtin 
sobre linguagem, enunciado e estilo (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006; 
BAKHTIN, 2003, 2010a, 2010b, 2013). Os resultados revelam que, embora já 
sejam identificadas algumas mudanças no trabalho com a pontuação, a maior 
parte dos LDP sugeridos pelo PNLD 2015 ainda conserva uma visão normativa 
e dissociada de outros conhecimentos para o tratamento do referido conteúdo. 
Elaborado a partir das reflexões críticas, o protótipo didático evidencia a 
pontuação integrada às práticas de leitura e de produção textual, contribuindo 
com uma abordagem bakhtiniana do tópico sob análise. 
 
 
PALAVRAS-CHAVE: Pontuação. Livro Didático de Língua Portuguesa. 
Recurso Expressivo. Protótipo didático. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This thesis, placed is in the Applied Linguistics area, takes as the object of 
study the questioning of the teaching of the punctuation from two axes: the 
approach in the Portuguese textbooks indicated by the guide PNLD 2015; and 
the proposition of activities that articulate the punctuation as one of the 
expressive resources used for the stylistic construction of the enunciation. 
Central objectives: 1) evaluate, in a dialogic perspective, the approach of the 
punctuation in Portuguese Language textbooks approved in PNLD (2015-2017), 
focused on the high school; and 2) propose, on the basis of the criticisms 
pointed out, prototype to teach (ROJO, 2012, 2013, 2017) that allows to explore 
the punctuation marks as expressive resources of the enunciations. Anchored 
in the Interpretative Paradigm with qualitative focus (CHIZZOTTI, 1998; 
FREITAS, 2002, 2007, 2010), the research is supported theoretically in the 
contributions of the Circle of Bakhtin about language, enunciation and style 
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006; BAKHTIN, 2003, 2010a, 2010b, 2013). The 
results prove that although some changes have already been identified in the 
work with the punctuation, most of the LDP suggested by PNLD 2015 still 
retains a normative and dissociated view of other knowledge for the treatment 
of the said content. Prototype to teach, drawn up from the critical reflections, 
highlight the punctuation integrated with the practices of reading and textual 
production, contributing to a bakhtinian approach to the topic under review. 
 
 
KEY WORDS: Punctuation. Portuguese Language textbook. Expressive 
Resources. Prototype to teach. 
 
 
RÉSUMÉ 
 
 
Cette thèse, située dans le champ de la linguistique appliquée, prend comme 
objet d'étude la problematisation de l’enseignement de la ponctuation a partir 
de deux axes: l'approche dans les manuels scolaires de Langue Portugaise 
indiqués par le Guide PNLD 2015; et la proposition d'activités qui articulent la 
ponctuation comme l'un des ressources expressives utilisés pour la 
construction stylistique de l'énoncé. Les objectifs principaux sont: 1) d'évaluer, 
dans une perspective dialogique, l'approche de la ponctuation dans les 
manuels scolaires de Langue Portugaise approuvés par le PNLD (2015-2017), 
destinés à l'enseignement secondaire; et 2) proposer, sur la base des critiques 
formulées, un prototype d’enseignement (ROJO, 2012, 2013, 2017) qui permet 
d’exploiter les signes de ponctuation comme ressources expressives de 
l’énoncé. Ancré dans le paradigme interprétativiste avec l'approche qualitative 
(CHIZZOTTI, 1998; FREITAS, 2002, 2007, 2010), la recherche s’appuie 
théoriquement sur les contributions du Cercle de Bakhtine à propos de la 
langue, de l’énoncé et du style (BAKHTINE/VOLOCHINOV, 2006, BAKHTINE, 
2003, 2010a, 2010b, 2013). Les résultats attestent que, bien que certains 
changements dans le travail avec la ponctuation soient déjà identifiés, la plupart 
des LDP suggérés par le PNLD 2015 conserve encore une vision normative et 
dissociée d'autres connaissances pour le traitement de ce type de contenu. Le 
prototype d’enseignement, élaboré à partir des réflexions critiques, a mis en 
évidence la ponctuation intégrée aux pratiques de lecture et de production 
textuelle, en contribuant à une approche bakhtinienne du sujet en cours 
d’analyse. 
 
 
MOTS-CLÉS: Ponctuation. Manuel Scolaire de Langue Portugaise. Ressource 
Expressive. Prototype d’enseignement. 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................... 10 
1.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ................................................................. 15 
1.1.1 Questões e Objetivos de Pesquisa ..................................................... 15 
 
2 LÍNGUA PORTUGUESA NO NÍVEL MÉDIO: DOCUMENTOS OFICIAIS ... 18 
2.1 DOCUMENTOS OFICIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA 
PORTUGUESA ............................................................................................... 18 
2.2 PNLD: PRESENÇA E IMPACTOS DO LD NA ESCOLA ........................... 21 
 
3 HORIZONTE TEÓRICO-METODOLÓGICO ................................................ 26 
3.1 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................... 26 
3.1.1 Procedimentos metodológicos ........................................................... 29 
3.1.2 Protótipos didáticos: definição e justificativa .................................... 32 
3.2 PERSPECTIVA DIALÓGICA DA LINGUAGEM ......................................... 35 
3.2.1 Enunciado: unidade de análise ........................................................... 39 
3.2.2 Estilo: material, forma e conteúdo ...................................................... 45 
 
4 PONTUAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS ..................................... 52 
4.1 ANÁLISE LINGUÍSTICA: COMPREENSÃO DO FUNCIONAMENTO 
DIALÓGICO DA LEITURA E DA PRODUÇÃO DE TEXTOS ........................... 52 
4.2 PONTUAÇÃO: DE SINAL A RECURSO EXPRESSIVO DO ENUNCIADO 56 
 
5 ABORDAGEM DA PONTUAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DO PNLD 
(2015-2017): ANÁLISE DIALÓGICA .............................................................. 66 
5.1 ABORDAGEM DA PONTUAÇÃO ............................................................. 66 
5.1.1 Como instrumento gramatical ............................................................. 69 
5.1.2 Como estratégia de leitura .................................................................. 96 
5.1.3 Como organizador paragráfico ..........................................................115 
5.1.4 Como recurso expressivo do enunciado ..........................................123 
5.2 APONTAMENTOS CRÍTICOS .................................................................142 
 
6 PROTÓTIPO DIDÁTICO: PONTUAÇÃO COMO RECURSO EXPRESSIVO 
DO ENUNCIADO ...........................................................................................147 
6.1 PROTÓTIPO DIDÁTICO: PONTUAÇÃO NA ESFERA ARTÍSTICO-
LITERÁRIA ....................................................................................................147 
 
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................170 
 
REFERÊNCIAS .............................................................................................176 
 
 
10 
 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
 
Diversas são as inquietações que nos interpelam cotidianamente no 
processo de ensino-aprendizagem de língua materna. Aos poucos, algumas 
delas vão tomando mais importância a ponto de se tornarem objetos de 
pesquisa. Nesse sentido, a investigaçãoque aqui apresentamos emana desse 
processo do sujeito em permanente constituição: na relação com outros 
sujeitos, sejam alunos na rotina escolar, sejam pesquisadores nos encontros 
acadêmicos. Esta tese surgiu, pois, tanto em decorrência do nosso fazer diário 
na condição de professora de Língua Portuguesa em turmas do Ensino Médio 
(EM) e Ensino Superior (ES) quanto dos estudos realizados no interior do 
grupo de pesquisa “Práticas discursivas na contemporaneidade”1, vinculado à 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Apontamentos feitos pelos alunos nos levaram a problematizar o 
modo como são encaminhados, atualmente, conteúdos gramaticais em Livros 
Didáticos (LD). Para isso, levamos em consideração as discussões em torno do 
ensino de Língua Portuguesa (LP). Por um lado, parece-nos consensual entre 
professores de língua materna e estudiosos da linguagem – em especial 
aqueles que situam suas investigações no campo da Linguística Aplicada (LA), 
que toma como foco práticas de linguagem nos mais variados contextos 
(SIGNORINI, 1998) – o entendimento de que o estudo da língua em si mesma 
dissociada das situações específicas de uso não propicia a formação de 
sujeitos proficientes em leitura e escrita. Por outro, em uma visão fragmentada 
e distorcida da complexidade da disciplina LP, identificamos que se instaurou 
um discurso segundo o qual “não precisa mais ensinar gramática na escola”2, 
 
1 Sob a coordenação da professora Maria da Penha Casado Alves, o Grupo de Pesquisa 
“Práticas discursivas na contemporaneidade” investiga práticas de linguagem em diferentes 
esferas discursivas. Nesse grupo, concentram-se vários projetos de pesquisa, dentre os quais 
o projeto em que nos incluímos: “As concepções de leitura e de escrita em livros didáticos da 
educação básica”. 
 
2 A esse respeito, Khun e Flores (2008) lembram que o deslocamento das análises feitas no 
nível da fonema/palavra/frase para o texto proposto por pesquisadores acadêmicos e, depois, 
incorporado aos documentos parametrizadores de ensino desencadeou uma série de 
incertezas, o que levou, de um lado, “à confusão decorrente de críticas feitas à gramática 
tradicional pelo discurso da mudança, provocando a dúvida sobre qual prática linguística 
11 
 
revelando equívocos políticos e pedagógicos que envolvem o(s) conceito(s) de 
gramática e seu(s) desdobramento(s) no cenário escolar (POSSENTI, 1996). 
Diante desse quadro mais amplo, restringimo-nos a um 
conhecimento gramatical. A partir de nossa experiência docente, observamos 
que, ao fim da educação básica, muitos alunos ainda sentem considerável 
dificuldade em mobilizar, de maneira relativamente satisfatória, determinados 
conhecimentos ditos gramaticais para a efetiva compreensão leitora e 
produtora de textos. Dentre as dificuldades observadas, encontra-se a 
pontuação, seja na dimensão da leitura e da análise linguística, quando não 
percebem os efeitos de sentido produzidos conforme as escolhas utilizadas por 
um outro sujeito autor, seja na dimensão da escrita, quando não conseguem 
manter o equilíbrio entre pontuar em conformidade com suas intencionalidades 
e com o gênero discursivo eleito para a situação de interação. 
Objeto de análise entre pesquisadores nacionais e estrangeiros 
(CATACH, 1991; ROCHA, 1997; DAHLET, 1999, 2006; LEAL, GUIMARÃES, 
2002), a pontuação consistiu e ainda consiste – em menor incidência 
atualmente – interesse de estudos em diferentes perspectivas. Em vistas da 
necessidade de delimitação desta tese, tomamos como referência pesquisas 
que já tematizaram a pontuação para/no ensino1. Com isso, poderemos notar 
as possíveis lacunas e, ao mesmo tempo, dar continuidade aos trabalhos 
seminais nessa vertente, ampliando a discussão e contribuindo para o 
fortalecimento desses estudos, uma vez que a produção de conhecimento 
resulta de uma construção coletiva, ou seja, de “um processo continuado de 
busca, no qual cada nova investigação se insere, complementando ou 
contestando contribuições anteriormente dadas ao estudo do tema” (ALVES-
MAZZOTI, 2012, p. 43). Ademais, perscrutar esse caminho nos permite definir 
melhor o recorte imprescindível para a pesquisa. 
 
desenvolver na sala de aula; de outro lado, devido à não compreensão, por parte dos 
professores, do que significa ensinar a língua a partir do texto e/ou uso da língua” (BEZERRA; 
REINALDO, 2013, p 16). 
 
1 Em maior volume, concentram-se pesquisas de levantamento histórico da pontuação. Esse 
tipo de estudo é fundamental para compreender o fenômeno em si. Também tem expressiva 
presença trabalhos que se dedicam às análises de corpus literário. Contudo, em face da 
necessidade de delimitação, orientamo-nos pelas pesquisas que já mapearam relações com 
abordagem/ensino da pontuação. 
12 
 
Nas plataformas digitais de teses e dissertações da CAPES1 bem 
como em revistas especializadas, verificamos pouco investimento teórico-
reflexivo em relação à abordagem da pontuação para/no ensino. Seguindo a 
categorização da CAPES, circunscrevemos a busca à área de linguística, letras 
e artes e constatamos pouca produção acadêmica, com diversos enfoques 
teórico-metodológicos, voltada para esse aspecto da língua (SMITH, 1991; 
PASQUETTI, 1992; ROCHA, 1994; JUNKES, 1995; CHACON, 1996; 
ASSUMPÇÃO, 2001; GRANTHAM, 2002; MACEDO, 2004; CAMPANI, 2005; 
ESVAEL, 2005; BARBOSA, 2006; CÂMARA, 2006; SANTOS, 2008; FARIAS, 
2009; CHIUCHI, 2012; PEREIRA, 2006; SILVA, 2015). Esse levantamento 
corrobora a evidente necessidade de se lançar novos olhares para a questão 
que, inevitavelmente, integra a disciplina Língua Portuguesa. Não obstante 
essa verificação, notamos que apenas uma pesquisa de doutorado realizou a 
análise com base na materialidade do Livro Didático de Português (LDP). 
Merece destaque, nesse contexto, a tese de Silva (2015), que se voltou para a 
pontuação com uma análise dedicada às atividades didáticas do LDP do 
Ensino Fundamental (EF). O pesquisador selecionou duas Coleções Didáticas2 
(CD) e, ao examiná-las de um ponto de vista dialógico, concluiu que, embora 
tenham diferenças que as particularizam, apresentam semelhanças 
concernentes à distribuição heterogênea entre os volumes das coleções e ao 
desequilíbrio na articulação da pontuação com os eixos leitura e escrita. Os 
resultados referentes ao ensino fundamental nos deram ainda mais motivação 
para buscar compreender como essas questões seriam enquadradas em 
materiais produzidos e distribuídos para alunos do EM, etapa final da educação 
básica, em que, supostamente, pode se elevar o nível de complexidade dos 
conteúdos previstos. 
 
1 Silva (2015), ao realizar buscas sobre teses e dissertações que tematizassem o conteúdo 
sinais de pontuação, sem correlacioná-lo a ensino, encontrou 37 produções acadêmicas. Seu 
recorte temporal refere-se ao período de 1996 a 2012. Como a ferramenta de busca 
disponibiliza os trabalhos defendidos desde 1987, constata-se, de imediato, um espaço de 
tempo considerável – quase 10 anos – sem investigações que focalizassem a pontuação. 
 
2 Nos termos definidos pelo Edital de Convocação para o PNLD 2015, em seu item 4.1.2.1, 
“Entende-se por coleção o conjunto organizado em volumes, inscrita sob um único e mesmo 
título, ordenado em torno de uma proposta pedagógica única e de uma progressão didática 
articulada com o componente curricular do ensino médio” (p.1). 
13 
 
Precisamos ressaltar também que as reflexões de Mendonça (2005), 
ainda que sem o adensamento de uma dissertação ou tese, certamente, 
possibilitaram outros questionamentos acerca da pontuação no LDP. No artigo, 
a estudiosa estabelece a discussão centrada no referido tópico nas atividades 
de leitura. Ela observa que, embora a tendência ainda seja de uma abordagem 
formal dos sinais, alguns LDP (no caso analisado, destinados ao EF) se abrem 
para uma abordagem pragmática. Ao finalizar, destaca que os tópicos 
gramaticais continuam sendo trabalhadosseparadamente, o que, sob a ótica 
dos documentos oficiais, consiste em um desafio ainda a ser ultrapassado. 
Analogamente, no compilado de artigos em livro organizado por Puzzo (2014), 
são oferecidas ponderações acerca dos sinais de pontuação. Dentre os quais, 
destacamos o de Casado Alves (2014) no qual são problematizadas as 
orientações para a produção escrita. A pesquisadora analisa duas atividades 
de dois materiais didáticos destinados exclusivamente para a produção escrita 
e levanta questionamentos acerca da abordagem assumida pelos autores ao 
avaliar a sistematização das propostas. Delineia-se, neste caso, um caminho 
produtivo e possível para repensar a importância desses sinais na construção 
de sentidos. 
Tais constatações justificam nossa proposta investigativa, 
principalmente por dois motivos. Em primeiro lugar, porque esse conteúdo 
gramatical, muitas vezes ocupando espaço apenas no apêndice, ainda tem 
sido pouco explorado em estudos na área em uma perspectiva bakhtiniana. Em 
segundo, porque esse tipo de material didático, por ser um dos recursos mais 
utilizados nas escolas, 
 
 
desenvolve um importante papel no quadro mais amplo da 
cultura brasileira, das práticas de letramento e do campo de 
produção editorial e compreende, consequentemente, 
diferentes dimensões de nossa cultura de suas relações com a 
escrita e com o letramento (BATISTA, 2000, p. 543). 
 
 
O LD, esse objeto multifacetado e complexo, de acordo com Rojo e 
Batista (2003), ainda representa grande poder decisivo nas ações do professor 
em sala de aula e no suporte do aluno em sua rotina de estudo. Pela 
14 
 
importância que ocupa, sobre o LD precisam ser lançadas novas questões, 
precisam ser lançados diferentes olhares ainda que, na medida em que 
tecemos a crítica, também relativizemos alguns aspectos que são próprios de 
seu processo constitutivo: o peso do mercado editorial, a formação dos seus 
autores, a força da tradição, os dizeres da inovação, os critérios do edital 
público do governo federal, entre outros aspectos que, sem dúvidas, estão 
intricados. Sobre isso, Bunzen (2008, p. 4) assim avalia: 
 
 
Acreditamos não ser mais possível desconsiderar: (i) o 
processo de autoria e de (re)profissionalização e formação 
acadêmica e pedagógica dos agentes envolvidos na produção 
e distribuição (autores, editores, divulgadores, etc.); (ii) a 
relação dos conhecimentos escolares legitimados com as 
mudanças curriculares e programáticas provenientes dos 
diversos órgãos que legislam sobre a educação formal; (iii) os 
critérios estabelecidos através dos Programas Nacionais de 
Avaliação do Livro Didático para os diversos níveis de ensino; 
(iv) a construção discursiva de um projeto didático autoral que 
se revela pela construção cheia de intercalações e intertextual 
do texto didático, entre outros aspectos. Neste sentido, torna-
se evidente a necessidade de traçarmos outros desenhos 
metodológicos para compreensão do LDP e da grande rede de 
disputas econômicas, sociais, políticas e epistemológicas que 
envolvem os processos de produção, circulação e consumo. 
 
 
Em face das múltiplas dimensões, insistimos na pertinência de 
analisar o enquadramento dado nas CD, uma vez que os sujeitos implicados – 
professores e alunos – são impactados pelo modo como os conteúdos são 
tratados, abordados, didatizados. Ou seja, “se o LD está na sala de aula e, 
nela, ocupa um lugar significativo, é fundamental que continue a ser descrito, 
debatido, avaliado, no esforço coletivo de ampliar sua qualidade” 
(MARCUSCHI, CAVALCANTE, 2008, p. 238). Nessa relação triádica professor 
– LD – aluno, faz-se importante sopesar a coerência da proposição do material 
que serve como mediação. Além disso, o LD constitui fonte de informação 
relevante, uma vez que, por meio dele, também se revela a história da 
educação (DELGADO, 2017). 
A evidente lacuna de estudos que contemplem o objeto em foco em 
com uma orientação dialógica nos levou a problematizá-lo. Para isso, 
15 
 
apresentamos, a seguir, as questões orientadoras, bem como os objetivos a 
elas relacionados, dando os devidos contornos à presente pesquisa. 
 
 
1.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 
 
 
1.1.1 Questões e Objetivos de Pesquisa 
 
 
Dentro de uma perspectiva crítica da Linguística Aplicada, campo de 
saber que se quer responsiva à vida social (MOITA LOPES, 2006; SIGNORINI, 
1998), consideramos que, ao apontar problemas e/ou limitações com 
ensino/abordagem de determinados conteúdos em língua portuguesa como 
língua materna, podemos também, como interface de nossas reflexões, sugerir 
alternativas de abordagem para encaminhamentos em sala de aula. Destarte, a 
partir dos estudos bakhtinianos, tecemos críticas aos materiais aqui analisados 
e, com base nelas, propomos algumas ações didáticas que, embora não 
tenham a pretensão de ser a resposta única e válida para os diferentes 
contextos, possam servir como uma postura responsiva diante de um certo 
discurso circulante entre professores sobre (não) ensinar gramática. 
A fim de evitarmos o teoreticismo1 (BAKHTIN, 2010a), cujo 
conhecimento se fecha em si mesmo, sugerimos rotas alternativas ou, no dizer 
de Rojo (2006), praticamos a leveza de pensamento ou o pensamento não-
indiferente ressalvando, no entanto, que são olhares, também passíveis de 
questionamentos e de críticas. Somamos vozes, portanto, ao que alguns 
pesquisadores têm defendido: 
 
 
é imprescindível investir na produção de material didático que, 
em geral, tem estado sob a tutela do mercado editorial pouco 
 
1 Por teoreticismo entendemos, a partir de Para uma filosofia do ato (BAKHTIN, 2010a), a 
reflexão teórica que não responde ao mundo social e que se torna abstração na busca por uma 
objetivação dos processos vividos. Não afirmamos com isso que todo trabalho acadêmico deva 
resultar, necessariamente, em uma proposição didática. 
16 
 
afeito à experimentação. Criar linhas de pesquisa para 
possibilitar a elaboração de materiais mais compatíveis com o 
que se sabe hoje sobre a linguagem e seu funcionamento 
parece-me uma tarefa que a universidade não pode mais 
negligenciar, principalmente, se considerarmos a enorme 
carência que marca a educação básica no Brasil (NÓBREGA, 
2008, p. 84). 
 
 
Dentro, pois, desses contornos da Linguística Aplicada em uma 
perspectiva crítica do fazer científico e da tomada de consciência ética do 
pesquisador, de acordo com o que adverte Rajagopalan (2003), esta pesquisa 
elege como seu objeto a problematização do ensino da pontuação a partir da: 
1) abordagem desse conteúdo nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa 
destinados à última etapa da Educação Básica, especificamente dos materiais 
aprovados no Programa Nacional para o Livro Didático (PNLD) 2015-2017; e 2) 
proposição de protótipo didático1 (ROJO, 2012) sugerido para o trabalho com a 
pontuação como recurso expressivo. 
Dessa problematização, decorrem as seguintes questões de 
pesquisa: 
 
➢ como a pontuação tem sido abordada nos livros didáticos de 
Língua Portuguesa para o ensino médio aprovados pelo Programa 
Nacional do Livro Didático (2015-2017)? 
 
➢ que proposições didáticas podem ser realizadas a fim de 
propiciar o uso da pontuação como um dos recursos expressivos em 
enunciados? 
 
Tais questões se desdobram, por sua vez, em objetivos a serem 
atingidos com esta pesquisa, os quais estão arrolados a seguir: 
 
➢ avaliar, em uma perspectiva dialógica, a abordagem da 
pontuação nos livros didáticos de Língua Portuguesa aprovados no PNLD 
(2015-2017), voltados para o ensino médio; 
 
1 Na seção teórico-metodológica, desenvolveremos a definição da expressão e justificaremos o 
porquê dessa escolha. 
17 
 
 
➢ propor, com base nas críticas realizadas, um protótipo 
didático que permita explorar os sinais de pontuação como recursos 
expressivos em enunciados. 
 
 
Este estudo defende, portanto, que a pontuação pode serconsiderada em sua expressividade constitutiva dos enunciados, 
ressignificando o trabalho com a gramática, nos/dos materiais didáticos, 
quando opera com a construção de sentidos nas práticas de leitura e de 
(re)escrita. 
Para responder a esses questionamentos e atingir esses objetivos, 
organizamos a tese em sete seções, sendo esta a primeira na qual expomos a 
problemática central do estudo, a delimitação da pesquisa, as perguntas e os 
objetivos que conduzem a investigação. Na segunda, trazemos os documentos 
oficiais para o ensino da Língua Portuguesa para contextualizar a discussão, 
situando o PNLD como um dos mais antigos programas para o livro na escola 
que, aos poucos, foi tomando outros formatos até atingir a configuração atual. 
Na terceira, tratamos do aporte teórico-metodológico utilizado para a 
construção desta pesquisa, indicando a abordagem metodológica adotada e o 
suporte teórico com base nas reflexões bakhtinianas sobre dialogismo, 
enunciado e estilo. Na quarta seção, posicionamos a análise linguística dentro 
de uma compreensão dialógica das atividades de leitura e de escrita, bem 
como abordamos a pontuação em uma perspectiva discursiva da linguagem, 
associando-a ao quadro teórico-metodológico anteriormente delineado. Na 
quinta, com base em uma perspectiva dialógica, apontamos as críticas feitas 
aos materiais didáticos aprovados pelo PNLD 2015 no que se refere ao modo 
como se entende a pontuação. Na sexta, apresentamos um protótipo didático 
(ROJO, 2012, 2013, 2017) elaborado a partir de uma orientação dialógica da 
linguagem, conforme detalhamento na seção mencionada. Na última, 
encerramos o trabalho com ponderações finais e possíveis encaminhamentos 
para a área. 
 
18 
 
2 LÍNGUA PORTUGUESA NO NÍVEL MÉDIO: DOCUMENTOS 
OFICIAIS 
 
 
Descreveremos, nesta seção, o contexto mais amplo que envolve a 
Língua Portuguesa1 como disciplina do ensino médio, recorrendo, dentro das 
limitações deste estudo, aos documentos oficiais em seu processo constitutivo. 
Primeiro, discorreremos sobre documentos basilares para o ensino no EM 
destacando aspectos relevantes para a nossa empreitada e, depois, trataremos 
do PNLD como uma das políticas para assegurar a presença do livro didático 
na escola. 
 
 
2.1 DOCUMENTOS OFICIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA 
PORTUGUESA 
 
 
Diversas reformas curriculares, propostas e diretrizes, especialmente 
a partir da década de 70, têm colocado em (re)definição a Língua Portuguesa, 
dinâmica própria da constituição de uma disciplina (BRITTO, 2007; BUNZEN, 
2006; SUASSUNA, 2004). As mudanças vão de ordem terminológica, 
revelando concepções de linguagem, à metodológica, indicando objeto de 
ensino e sua abordagem. Como decorrência, surgiram e surgem 
problematizações acadêmicas em torno dessas reformulações, pois sabemos 
que – em maior ou menor grau – são implicações diretas: a formação docente 
e discente, a transposição didática, a elaboração e a abordagem dos materiais 
didáticos. 
Quando se retoma o debate sobre o ensino de língua materna, 
entram em cena várias posições, enfatizando-se: ensino centrado tão somente 
 
1 Rajagopalan (2013) critica a falta de uma política linguística bem articulada de língua materna 
no Brasil, visto que existem conflitos de interesses envolvidos e, em graus vários, esses 
interesses ressoam no ensino. 
 
19 
 
na gramática; ensino de redação1 sem qualquer parâmetro discursivo/social; e 
ensino que privilegia a historicização da literatura em detrimento do estudo do 
texto literário (BRITTO, 2007). Esses contrapontos decorrem de resquícios 
ainda da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 5.692/71, na qual havia uma 
orientação bipartida para o ensino de língua: “como instrumento de 
comunicação” e “como expressão da cultura brasileira”. Como sabemos, essa 
concepção conduziu a organização curricular fazendo com que os livros 
didáticos seguissem a mesma lógica, cristalizada nas três subdivisões redação, 
gramática e literatura2. Tal estruturação dificulta a interligação dessas partes 
complementares. Inclusive, durante muito tempo houve – e ainda há em 
algumas escolas – professor especialista para cada uma dessas “frentes”, 
tradição que reverbera, até hoje, em muitos LDP. 
Com a LDB 9.394/96, instaurou-se uma mudança de compreensão 
de Língua Portuguesa ao destacar a propriedade da linguagem tanto como 
meio de interação quanto como forma de acesso ao conhecimento e ao 
exercício da cidadania. Consubstanciada também pelo Parecer do Conselho 
Nacional da Educação/Câmara de Educação Básica nº 15/98 e pela Resolução 
CEB/CNE nº 03/98, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o 
Ensino Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi organizada em 
torno de áreas de conhecimento. Situando-se em Linguagens, Códigos e suas 
Tecnologias, a disciplina LP precisa se estruturar a partir das habilidades e 
competências previstas para essa área. Sem necessariamente determinar um 
programa conteudista, foram produzidos e distribuídos documentos de 
referência para o ensino, dentre os quais citamos: Parâmetros Curriculares 
para o Ensino Médio e Orientações Curriculares para o Ensino Médio. 
Apesar do hiato temporal entre esses documentos, encontramos em 
ambos orientações para o trabalho na sala de aula, ressaltando a importância 
do gênero como instrumento/meio para as atividades de leitura, escrita, 
reflexão linguística. Em comum, portanto, tem-se a funcionalidade dos gêneros 
e de seus usos na vida social. Por isso, quanto maior for o domínio que se 
 
1 Tanto Geraldi (2004) quanto Bunzen (2006) discutem as concepções teóricas subjacentes 
aos termos composição, redação e produção de textos. 
 
2 Rojo (2008) discorre sobre o retorno do trivium, mostrando que tal concepção toma como 
referência uma antiga divisão: Gramática, Retórica e Dialética ou Lógica. 
20 
 
tenha sobre eles, maior a facilidade em interagir sabendo utilizar-se, 
apropriadamente, dos recursos linguísticos, textuais e discursivos. Segundo os 
PCNEM (2000, p. 16), 
 
 
O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa 
deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem, 
consideradas em um processo discursivo de construção do 
pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular 
e da sociedade em geral. 
 
 
Ou seja, o professor deve investir no trabalho com a língua(gem) 
que conduza à reflexão sobre normas instituídas, sejam de ordem gramatical, 
sejam de ordem sociopragmática, uma vez que, nas diversas práticas sociais, 
fazemos uso delas (OCEM, 2006). Por essa razão, nos comandos das 
atividades, especialmente para a produção escrita, as informações relativas à 
situação de comunicação são essenciais. A falta de explicitude sobre o gênero 
e sobre o leitor, por exemplo, interfere decisivamente no estilo (se predomina o 
funcional, se predomina o individual, por exemplo). Deixar de lado essas 
balizas afeta a expressividade do enunciado: 
 
 
Toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve 
considerar a dimensão dialógica como ponto de partida. O 
contexto, os interlocutores, gêneros discursivos, recursos 
utilizados pelos interlocutores para o dito/escrito, os 
significados sociais, a função social, os valores e o ponto de 
vista determinam formas de dizer/escrever. As paixões 
escondidas nas palavras, as relações de autoridade, o 
dialogismo entre textos e o diálogo fazem o cenário no qual a 
língua assume papel principal (PCNEM LINGUAGENS, 2000, 
p. 21). 
 
 
Essas políticas educacionais nos permitem compreender a 
complexidade da disciplina e as tensões constitutivas. Nessa direção, Rojo e 
Moita Lopes (s/d), em publicação disponível no portal virtual do MEC, apontam 
algumas inconsistências teóricas, questionam a operacionalização das 
21 
 
sugestões dadas nos documentos e propõem reformulações dos referenciais 
para o EM. 
Avaliando as leis, os decretose demais documentos legais para o 
ensino, percebemos as relações dialógicas construídas: desde a LDB à 
proposição de uma BNCC1, o que gera, por seu turno, orientações curriculares 
em estreita relação com programas nacionais. Não por acaso, 
 
 
o livro didático traduz esse dialogismo, pois procura trazer para 
dentro da obra outras vozes, dialogando, num movimento 
crescente, com os documentos oficiais (PCN) e as próprias 
orientações das sucessivas avaliações (PNLD), deixando de 
ser somente o discurso monológico do autor (BARROS-
MENDES; PADILHA, 2008, p. 122). 
 
 
Barros-Mendes e Padilha (2008), portanto, sobrelevam a teia na qual 
esse objeto se enreda. Nessa cadeia discursiva, o PNLD indica, em certa 
medida, balizas para a construção e/ou reformulação de livros didáticos. 
 
 
2.2 PNLD: PRESENÇA E IMPACTOS DO LD NA ESCOLA 
 
 
O livro didático cumpre significativa função no cenário educacional 
pois, a depender das ações governamentais, pode servir tanto aos interesses 
de uma formação para a autonomia quanto para a submissão, consoante 
examinado em importante levantamento bibliográfico de Freitag, Rodrigues, 
Ferreira (1987). Afinal, dos livros didáticos emanam valores, que podem estar 
menos ou mais explícitos. Mesmo passando por diversas configurações2, a 
seleção do material – até 1985, realizada por uma comissão responsável que 
não era constituída necessariamente por especialistas em educação – assumiu 
 
1 É importante frisar que sobre a nova BNCC pairam opiniões dissonantes. Por todo o país, 
pesquisadores estão promovendo discussões sobre as proposições e o modo de implantação. 
 
2 Sob outras denominações e com outros formatos, é o mais antigo programa brasileiro voltado 
para a política do livro, datado de 1929. 
22 
 
um caráter claramente controlador de ideologias, desconsiderando, 
consequentemente, a liberdade de escolha do professor. 
Sabendo disso, urge atentarmos para a necessidade de termos uma 
maior preocupação com a memória1 do LD. Desconhecermos a historicidade2 
dessas produções que adentram o cenário escolar pode nos levar a repetir 
equívocos teóricos e a reforçar fragilidades e imprecisões. Muitas vezes, 
alguns dizeres são levemente modificados, mas as mesmas lógicas 
estruturantes são mantidas. É fundamental, por conseguinte, compreender o 
LD em sua historicidade, fazendo as devidas críticas a fim de buscar modos de 
aperfeiçoar um instrumento que integra o contexto educacional brasileiro. 
Portanto, mapeamentos feitos na área de História e de História da Educação 
não devem ser concebidos apenas como um dado para ser registrado. Esses 
mapeamentos precisam servir, principalmente, para provocar transformações. 
Em 1985, com a edição do Decreto nº 91.542/85, foi instituído o 
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), trazendo diversas mudanças, a 
principal delas: a indicação dos LD a serem adotados realizada, a partir de 
então, pelos professores. Devido à extinção, em 1997, da Fundação de 
Assistência ao Estudante (FAE), a responsabilidade da execução do programa 
foi transferida para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 
(FNDE) – autarquia federal ligada ao MEC –, que ampliou as ações ligadas às 
políticas do livro na escola. Com os objetivos principais de adquirir e distribuir, 
gratuitamente, livros didáticos para alunos de escolas públicas brasileiras, o 
programa universalizou, gradativamente, o acesso aos LD para o ensino 
 
1 Recentemente, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um grupo de professores 
de diferentes departamentos iniciou a construção de um acervo dedicado a um memorial do 
livro didático. Com o objetivo de preservar a memória desse projeto nacional – PNLD –, o 
acervo se compõe de materiais físicos e digitalizados para que possam, posteriormente, 
também servir para pesquisas e ações extensionistas, conforme exposto por Soares e Souza 
(2011). O site, ainda em construção, disponibiliza algumas informações: 
<http://memorialpnld.esy.es/>. 
 
2 Ao recuperar essa historicidade, conscientizamo-nos de determinadas ações políticas. A título 
de ilustração, no período do regime militar, as decisões de seleção e distribuição dos livros se 
pautavam em orientações políticas e econômicas que tomavam como ponto de partida linhas 
de interesse norte-americano, justificando-se em uma lógica de mercado/trabalho, em 
detrimento de uma formação mais humanista e politizada alinhada às diretrizes curriculares 
francesas da época (FREITAG, RODRIGUES, FERREIRA, 1987). Sendo a história realmente 
cíclica, podemos vislumbrar algumas aproximações, por exemplo, com a “nova” base curricular 
aprovada no governo Temer. 
https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=DEC&num_ato=00091542&seq_ato=000&vlr_ano=1985&sgl_orgao=NI
23 
 
fundamental, atingindo a abrangência integral para todos os anos escolares do 
EF em 2002. 
Somente com a Resolução CD FNDE nº. 38/2003, que instituiu o 
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), foi 
iniciada, em 2005, a distribuição parcial dos livros de português e matemática 
para alunos da 1ª série do ensino médio das regiões Norte e Nordeste. 
Progressivamente, foram feitas as complementações necessárias e reposições 
dos LD além de expandir a cobertura para demais disciplinas, séries e regiões 
brasileiras. 
O PNLD, como uma das políticas oficiais, vem se aperfeiçoando e 
reexaminando os critérios de seleção para editoras. Tal avaliação, cada vez 
mais rigorosa, tem implicações diretas para a produção de material, o que gera 
uma maior competitividade editorial. Essa competitividade pode suscitar, por 
um lado, uma maior diversidade de propostas e uma reelaboração interna a fim 
de elevar a qualidade da Coleção Didática. Mas, por outro, também pode levar 
à criação de embustes discursivos para atender às solicitações impostas pelo 
MEC, cujas exigências, expressas nos editais, já podem ser reflexo do 
aprofundamento de pesquisas acadêmicas. 
Ainda que sejam perceptíveis essas implicações, avaliações 
periódicas dos LD e do próprio sistema de avaliação dos LD são essenciais, 
porque “as modificações no PNLD evidenciam um esforço de autoavaliação e 
uma busca permanente para responder, de modo mais adequado, à complexa 
realidade do livro didático nos contextos editorial e educacional brasileiros” 
(BATISTA, 2003, p. 37). 
Preliminarmente, todos devem atender, de maneira geral, sendo 
condição basilar, às seguintes exigências comuns a todas as áreas: 
 
 
1. respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais 
relativas ao ensino médio; 
2. observância de princípios éticos necessários à construção 
da cidadania e ao convívio social republicano; 
3. coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica 
assumida pela obra no que diz respeito à proposta didático-
pedagógica explicitada e aos objetivos visados; 
4. respeito à perspectiva interdisciplinar na apresentação e 
abordagem dos conteúdos; 
https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000038&seq_ato=000&vlr_ano=2003&sgl_orgao=FNDE/MED
24 
 
5. correção e atualização de conceitos, informações e 
procedimentos; 
6. observância das características e finalidades específicas do 
manual do professor e adequação da obra à linha pedagógica 
nela apresentada; 
7. adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos 
objetivos didático-pedagógicos da obra; 
8. pertinência e adequação do conteúdo multimídia ao projeto 
pedagógico e ao texto impresso. (GUIA DE LIVROS 
DIDÁTICOS: PNLD 2015, 2014, p. 82). 
 
 
Para cada critério, estão desdobradas as explicações que servem 
como guia para a comissão responsável. Na sequência, também estão os 
critérios relativos aos objetivos e ao programa curricular de Língua Portuguesa 
previstos, de acordo com as diretrizes nacionais, para a última etapa da 
Educação Básica. 
Em relaçãoàs orientações para os LDP, no Edital de Convocação 
2013, são listados critérios específicos a serem atendidos. No conjunto de 
critérios referentes à reflexão sobre língua(gem), ressaltamos um que entra em 
sintonia com o que temos defendido: os LD precisam “tomar a enunciação e o 
discurso como objetos de reflexão sistemática, não restringindo o estudo da 
língua, portanto, à perspectiva gramatical” (p. 45). Se assim for, os fatores 
próprios da interação verbal – situada espacial e temporalmente – levam à 
escolha e combinação dos elementos gramaticais que materializam as diversas 
práticas de linguagem e suas necessidades comunicativas. 
No PNLD, um dos eixos que devem ser considerados se aproxima 
da noção de enunciado real, concreto, autoral, já que se recomenda que, no 
trabalho de análise linguística, o LD possa “privilegiar, em função de tomar o 
uso como objeto de reflexão, abordagens discursivo-enunciativas da língua, 
não se atendo, portanto, ao nível da frase” (p. 13). 
É imperativo salientar que, mesmo que o LD já não ocupe, com 
exclusividade, as ações na sala de aula, este instrumento ainda assume, para 
muitos professores, um caráter estruturador de suas aulas por proporcionar 
uma certa organização do tempo escolar e do conteúdo curricular. Reiteramos, 
diante disso, a imprescindibilidade da problematização acerca dos 
encaminhamentos didáticos das proposições, especialmente quando a própria 
25 
 
comissão responsável1 pela avaliação admite limitações nos livros em razão de 
embates de valores no interior da disciplina Língua Portuguesa. Ou seja, atuam 
dinamicamente forças centrípetas e centrífugas2, conforme descrito a seguir: 
 
 
Em muitos casos, parte das concepções e, principalmente, das 
práticas didáticas “tradicionais”, se manifesta nas exposições 
e/ou nas atividades propostas, num diálogo às vezes difícil com 
as inovações pretendidas. Nesse sentido, podemos dizer que a 
discussão e a assimilação, assim como o grau e a forma de 
adesão, a esses princípios, têm marcado, no âmbito do LDP do 
EM, a oposição entre o ensino que podemos chamar de 
“tradicional” e o “inovador”. O que nos permite entender melhor 
o que pode estar em jogo nas principais tensões que se 
observam nesse campo (GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS: PNLD 
2015, 2014, p. 14). 
 
 
Todas as coleções didáticas são analisadas, avaliadas e 
catalogadas para conhecimento da comunidade escolar por meio do PNLD. A 
partir das resenhas elaboradas pela comissão, conforme os critérios 
previamente definidos, os professores devem realizar suas leituras críticas e 
ponderar sobre as escolhas tendo em vista uma série de outros fatores, como, 
por exemplo, a filosofia defendida pela escola, o projeto político pedagógico 
adotado, além de questões de ordem metodológica e afinidades teóricas. 
Com essa incursão, identificamos tensões dialógicas entre vários 
documentos abalizadores do ensino de Língua Portuguesa que perpassam os 
LDP. Ao analisarmos os LDP, precisamos, em determinados momentos, cotejar 
esses aspectos constitutivos. 
 
 
 
 
 
1 A comissão que analisa os livros didáticos a serem adotados pelas escolas públicas 
brasileiras é composta por professores pesquisadores das universidades brasileiras. São 
especialistas na área e seguem como parâmetro os itens a serem avaliados de acordo com o 
que dispõe o edital do PNLD. 
 
2 O que chamamos forças centrípetas diz respeito ao que uniformiza, padroniza, estabiliza e 
forças centrífugas diz respeito ao que desestabiliza, dinamiza, modifica. Retomaremos essas 
noções na seção 3.2 PERSPECTIVA DIALÓGICA DA LINGUAGEM. 
26 
 
3 HORIZONTE TEÓRICO-METODOLÓGICO 
 
 
Nesta seção, apresentaremos o percurso teórico-metodológico 
realizado para a construção desta tese. Para efeitos de organização do 
trabalho, na primeira subseção, descreveremos a pesquisa do ponto de vista 
metodológico, ponderando sobre implicações decorrentes da abordagem 
adotada e dos procedimentos seguidos. Na segunda subseção, delinearemos a 
pesquisa do ponto de vista teórico, discorrendo sobre a perspectiva dialógica 
da linguagem e demais conceitos centrais a ela vinculados. 
 
 
3.1 PERCURSO METODOLÓGICO 
 
 
Ao situarmos metodologicamente esta pesquisa, levamos em 
consideração a ressalva de Veiga-Neto (2007) em relação aos 
desdobramentos da escolha por um paradigma: palavra polissêmica que tem 
servido, nos últimos anos, como um “escudo” com o qual muitos pesquisadores 
se protegem contra questionamentos e pedidos de esclarecimentos. Ele 
recomenda que, ao inscrevermos a investigação em um paradigma, devemos 
descrevê-lo para que seja evidente o modo de construção dos objetos de 
pesquisa, de estabelecimento da interação verbal entre os parceiros da 
investigação, de afetamento do pesquisador por meio da escrita. Essa 
circunscrição propicia, ainda, notar como os resultados são enquadrados e a 
que interesses o estudo serve dentro de um campo de conhecimento. 
Diante disso, registramos o lugar de onde enunciamos, uma vez que 
essa atitude metodológica já representa em si uma maneira de fazer pesquisa. 
Para o objeto em foco nesta tese, aportamos a investigação no paradigma 
interpretativista, que prioriza a descrição, a análise e a interpretação do corpus 
em detrimento da quantificação e da mensuração dos fenômenos (CHIZZOTTI, 
1998; FREITAS, 2002, 2007). 
27 
 
Essa demarcação de posicionamento nos conduz a uma implicação 
fundamental: a singularidade do pesquisador em sua relação com os dados. 
Sendo um ser de linguagem que reflete sobre o que analisa, também refrata o 
que diz, uma vez que usa “palavras como lentes”1: na e pela linguagem 
lidamos com o outro, o objeto de pesquisa (ainda que este outro esteja 
materializado em documentos/materiais que servirão de análise). Como o 
trabalho de descoberta é também uma questão de enunciação, de mediação e 
de “assinatura”, o dizer toma importância por ser um instrumento de acesso 
para o saber científico, visto que as ações humanas são valoradas (OLIVEIRA, 
2016). Dessa forma, os objetos são, de fato, construídos – e não totalmente 
dados –, possibilitando novas chaves de leitura ao problematizá-los, desfigurá-
los, (re)lê-los e (re)escrevê-los (AMORIM, 2016; CORAZZA, 2012). 
Afastando-nos, portanto, do paradigma positivista, cuja busca por 
uma verdade objetiva se pretende neutra e livre de interferências do 
pesquisador, admitimos que a pesquisa ora apresentada se constrói, 
inevitavelmente, a partir de um lugar único e insubstituível e, por isso, já nos 
encontramos implicados no processo investigativo. Parafraseando Moita Lopes 
(2004), o que produzimos (des)vela o lado da fronteira em que nos situamos. 
Isso significa dizer que as verdades são múltiplas2, pois a produção de 
conhecimento, ainda mais assumidamente nessa vertente da Linguística 
Aplicada, faz-se de modo interessado, ou seja, atravessado por valores 
(RAJAGOPALAN, 2003; JOBIM E SOUZA, ALBUQUERQUE, 2012). Signorini 
(1998, p. 101), ao explanar implicações da área, assim nos lembra: 
 
 
A LA tem buscado cada vez mais a referência de uma língua 
real, ou seja, uma língua falada por falantes reais em suas 
práticas reais e específicas, numa tentativa justamente de 
seguir essas redes, de não arrancar o objeto da tessitura de 
suas raízes. Daí a especificidade do objeto de pesquisa em LA 
 
1 Referência ao título do seguinte artigo: SOMMER, Luís Henrique. Tomando palavras como 
lentes. In: COSTA, Marisa Vorraber; BUJES, Maria Isabel Edelweiss (Orgs.). Caminhos 
investigativos III: riscos e possibilidades de pesquisar nas fronteiras. Rio de Janeiro: DP&A, 
2005. 
 
2 Essa multiplicidade não ignora o rigor metodológico. Pelo contrário, revela as especificidades 
desse tipo de pesquisa: “A ilusão de transparência a que se renuncia não deve porém ser 
confundida com uma renúncia à teoria e a todo trabalho de objetivação e conceitualização” 
(AMORIM, 2007, p. 12). 
28– o estudo de práticas específicas de uso da linguagem em 
contextos específicos –, objeto esse que a constitui como 
campo de estudo outro, distinto, não transparente e muito 
menos neutro. 
 
 
Em sintonia com a perspectiva teórica desta tese – a dialógica, de 
acordo com o que explanaremos a seguir – e com essa visão de LA, “Em uma 
concepção dialógica do discurso, não existe sentido original uma vez que tudo 
que é dito é dito a alguém e este, quando escuta e transmite, intervém na 
construção do sentido” (AMORIM, 2016, p. 36). 
Dentro desse paradigma interpretativista, optamos por uma 
abordagem qualitativa em perspectiva sócio-histórica ou histórico-cultural 
(FREITAS, 2010), pois, por ser o texto o dado primário na pesquisa em 
Ciências Humanas, temos acesso a esse objeto via enunciados, que são 
únicos e elaborados por sujeitos falantes e expressivos (BAKHTIN, 2003; 
FOUCAULT, 1999), marcados pelo tempo e espaço. Reconhecer essa 
particularidade nos leva a reforçar que, sendo “discurso sobre discurso, o 
trabalho do pensamento em Ciências Humanas é sempre convocado por uma 
dimensão interpretativa” (AMORIM, 2016, p. 21). 
Portanto, na contramão de uma investida classificatória e 
hierarquizante, temos interesse pelo acontecimento, pela singularidade, tal qual 
nos adverte Freitas (2010, p. 8): “Em uma perspectiva histórico-cultural, o 
intuito da pesquisa qualitativa é a compreensão dos sentidos que são 
construídos e compartilhados por indivíduos socialmente relacionados”. Trata-
se de uma atividade situada que localiza o pesquisador no mundo, 
pressupondo a descrição detalhada para permitir a compreensão do fenômeno 
sob análise. 
Esse ponto de vista metodológico para o objeto das Ciências 
Humanas se coaduna com uma concepção de linguagem que leva em conta o 
sujeito e as implicações de considerá-lo em sua inteireza, em sua 
(in)completude, em sua relação com o outro, em sua responsividade. Com 
base nessas elocubrações, podemos dizer que o paradigma em que nos 
ancoramos converge com uma abordagem teórica que se orienta pela 
produção de sentidos, que entende linguagem como prática social, que lida, 
29 
 
como sua interface inescapável, com cultura, constituinte e constitutiva da 
sociedade (FABRÍCIO, 2006). 
 
 
3.1.1 Procedimentos metodológicos 
 
 
Com a finalidade de problematizarmos a abordagem da pontuação, 
conforme exposto anteriormente, a primeira pergunta de pesquisa nos permite 
construir, com base em uma análise documental, um caminho crítico-reflexivo 
por meio do qual possamos alcançar algumas orientações teórico-
metodológicas para sustentar a segunda pergunta de pesquisa, que assume 
um caráter propositivo (ROJO, 2012; FREITAS, 2010). Esta, por sua vez, pode 
nos encaminhar a alternativas metodológicas direcionadas ao trabalho da 
pontuação para a produção e compreensão de enunciados, uma vez que, não 
raras vezes, alunos concluintes do ensino médio ainda pontuam de forma 
inconsciente e/ou aleatória, o que, em muitos casos, compromete a 
organização sintático-semântica, a construção de sentidos, a entoação 
valorativa do seu dizer. 
Assim, tendo em vista os objetivos delimitados, buscamos, em um 
primeiro momento, discutir e avaliar a inserção da pontuação e das atividades 
sobre esse conteúdo nos livros didáticos para o ensino médio. Como fonte de 
empiria, esses livros didáticos foram selecionados a partir de dois critérios: 1) 
os que tivessem sido indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático 
(doravante, PNLD) por serem os materiais didáticos aos quais alunos e 
professores mais têm acesso na rede pública do país; e 2) os que integrassem 
o Guia do PNLD mais recente (2015-2017), uma vez que, ao menos 
hipoteticamente, estes estariam mais sintonizados com os últimos dizeres 
acadêmicos/científicos/políticos sobre o ensino de língua materna. Em um 
segundo momento, com base nas críticas tecidas em relação à abordagem, 
sugerir alternativas didáticas, almejando nos aproximarmos mais 
adequadamente aos que os documentos oficiais recomendam para o ensino de 
LP. Elencamos o que, sob nossa ótica, ainda precisaria ser contemplado em 
uma abordagem discursiva desse conteúdo e elaboramos um protótipo didático 
30 
 
que pudesse dar abertura à expressividade do/no enunciado em conformidade 
com esses documentos oficiais parametrizadores: o desenvolvimento de 
atividades em que a pontuação fosse privilegiada no encaminhamento da 
leitura, da análise linguística e da produção de textos. 
Na perspectiva teórico-metodológica aqui explicitada, interessam-
nos mais os sentidos construídos e a compreensão ativamente responsiva 
desvelada na relação com o objeto do que resultados que possam ser somente 
mensuráveis, quantificados. Nas palavras de Freitas (2010, p. 17), “O 
pesquisador tem possibilidades de aprender, se transformar e se ressignificar 
durante o processo de pesquisa”. 
Em virtude dessa postura teórico-metodológica, optamos por 
analisar os LDP destinados ao professor1 (também referenciado como Manual 
do Professor), pois nele constam as orientações, que tanto podem aparecer em 
cada unidade/atividade quanto ao final de cada volume, onde, em geral, são 
apresentados os fundamentos que embasam a construção da coleção. Para o 
processo analítico, procedemos à leitura das 10 coleções indicadas, 
perfazendo um total de 30 livros didáticos. Com vistas a uma melhor 
organização, ao citar cada livro, utilizamos uma referência alfanumérica2, cuja 
ordem tomou por base sequência já dada no Guia do PNLD. 
Em seguida, verificamos a presença do referido conteúdo em cada 
volume (se em todos os volumes ou não, se como parte de exposição, se 
apenas como parte de atividade). Assim, nem todos os livros foram analisados, 
uma vez que nem todos os volumes apresentavam o tópico em questão. Em 
função dessa particularidade, na análise, indicamos o volume da coleção 
didática que esteja em foco. Por fim, observamos aspectos convergentes entre 
as coleções. Com base nisso, organizamos as propostas das CD nos LDP a 
partir de 4 modos de abordagem identificadas, segundo nossa apreciação 
 
1 De acordo com o expresso no Edital de Convocação 01/2013, que rege o PNLD 2015, o LDP 
destinado ao professor assim se caracteriza: “4.1.8. O manual do professor não poderá ser 
apenas cópia do livro do aluno com os exercícios resolvidos. É necessário que ofereça 
orientação teórico-metodológica e de articulação dos conteúdos do livro entre si e com outras 
áreas do conhecimento; ofereça, também, discussão sobre a proposta de avaliação da 
aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno, bibliografia, bem como 
sugestões de leituras que contribuam para a formação e atualização do professor.” (p. 2). 
 
2 A referência alfanumérica de cada LDP consta na seção 5.1 ABORDAGEM DA 
PONTUAÇÃO. 
31 
 
crítica, a saber: I – pontuação como instrumento gramatical; II – pontuação 
como estratégia de leitura; III – pontuação como organizador paragráfico; 
e IV – pontuação como recurso expressivo do enunciado. 
Categorizamos1 a pontuação como instrumento gramatical 
quando os LDP a centraram em uma visão prescritiva e com o objetivo de 
estudar unicamente a gramática sem articular às dimensões de leitura e de 
escrita. Nesse sentido, foi recorrente a abordagem da pontuação como uma 
forma de classificar orações, por exemplo. 
A denominação de pontuação como estratégia de leitura refere-se 
à abordagem dos LDP que centralizaram a explicação do conteúdo 
exclusivamente aos aspectos de ativação de leitura, sem correlacioná-la à 
escrita, e/ou, ainda que propondo atividades de escrita, sem situar fatores que 
são constitutivos da interação verbal. 
Categorizamos a pontuação como organizador paragráfico 
quando, nos LDP, embora a dimensão discursiva não fosse efetivamente 
alcançada no tratamento do recurso gráfico, a abordagem apresentou um 
deslocamento do nível estritamentefrasal para o nível textual. 
Alguns materiais, opondo-se à lógica normalmente seguida no 
tratamento da pontuação, deram abertura para uma abordagem da pontuação 
como recurso expressivo do enunciado. Significa dizer que, sob nosso 
prisma, houve um melhor direcionamento em relação à pontuação na interface 
da constituição do gênero e, consequentemente, do objetivo comunicativo, 
além do interlocutor, do autor, do aspecto expressivo do enunciado. 
É fato que o LDP, a depender da mediação do professor, pode ser 
bem ou mal aproveitado. Contudo, devido ao recorte desta tese, não podemos 
tecer avaliações quanto à condução concreta do trabalho em sala de aula, uma 
vez que nos voltamos para os materiais2. 
Com base nas constatações evidenciadas analiticamente, arrolamos 
aspectos que, em nosso entendimento, devem ser levados em conta para a 
 
1 Vale dizer que essas categorias não são estanques, uma vez que, em relação a outros 
aspectos tratados nos livros didáticos analisados, os autores/editores podem ter apresentado 
certa hibridização em seus modos de abordar diferentes dimensões da língua(gem). 
 
2 Conforme já explanamos na introdução, com esse recorte, não ignoramos todas as 
dimensões que envolvem o livro didático: injunções do mercado editorial, políticas 
educacionais, processos de negociação de autoria entre autores e editores, apenas para citar 
algumas (BUNZEN, 2008). 
32 
 
elaboração do protótipo didático. Ou seja, são possibilidades de exercício 
reflexivo sobre um conteúdo considerado, para muitos pesquisadores, “menor”, 
“sem importância”, “dispensável” ou “sem relevância suficiente” para ser 
ensinado/investigado. Certamente, muitos desses posicionamentos derivam de 
uma visão que entende a pontuação desvinculada das práticas de leitura e de 
escrita. 
Para o exercício analítico, concebemos, a partir do quadro téorico-
metodológico adotado, cada livro didático como enunciado1, categoria central 
nos escritos bakhtinianos, que materializa intenções de um sujeito autor, 
respondendo a já ditos, ou se antecipando a outros, ainda não proferidos, na 
cadeia discursiva. Nesse sentido, salientamos a correlação existente entre o 
contexto educacional/editorial contemporâneo em que está inserido, o 
conhecimento partilhado entre os autores dos LDs e o público-alvo previsto, a 
avaliação social. 
 
 
3.1.2 Protótipos didáticos: definição e justificativa 
 
 
Conforme Rojo (2012), protótipos didáticos são propostas de ensino 
que, a partir de uma reflexão teórico-metodológica, podem ser sugeridas com 
mais flexibilidade que as Sequências Didáticas2 – SD – (DOLZ; NOVERRAZ; 
SCHNEUWLY, 2004), permitindo “modificações por parte daqueles que queiram 
utiliz[ar] em outros contextos que não o das propostas iniciais” (ROJO, 2012, p. 
8). 
 
1 A respeito do conceito de enunciado, serão arroladas suas peculiaridades constitutivas e 
implicações metodológicas na seção 3.2.1 Enunciado: unidade de análise. 
 
2 Esse posicionamento não desconsidera a importância que as SD ocupam nos estudos da 
linguagem. Sabemos que as reflexões do Grupo de Genebra – cujos nomes mais difundidos 
são Dolz, Noverraz e Schneuwly – também serviram (e ainda servem) como referenciais na 
produção de documentos oficiais para educação brasileira no que concerne à didatização da 
língua materna e de determinadas práticas escolares (os PCN comprovam essa afirmação). 
Trata-se, pois, de uma distinção apenas de ordem metodológica para o ensino, já que, em 
definição, “uma ‘sequência didática’ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de 
maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; 
SCHNEUWLY, 2004, p. 82 [grifo nosso]). 
33 
 
Compreendemos, assim, que a opção por protótipos permite mais 
dinamicidade, dando maior liberdade para o professor ao selecionar os gêneros 
discursivos para trabalhar em sala de aula. Isso significa admitir contingências 
próprias das interações, sobretudo numa situação de ensino-aprendizagem. 
Essa série de propostas corresponde a uma espécie de horizonte de 
expectativas, já que, concordando com Geraldi (2010), concebemos a aula 
como acontecimento: “lugar donde vertem as perguntas” (p. 97), o que significa 
“eleger o fluxo do movimento como inspiração, rejeitando a permanência do 
mesmo e a fixidez mórbida” (p. 100). Sem uma predeterminação fixa das 
ações, como nas conhecidas Sequências Didáticas, essa organização “vazada” 
seria, em nosso entendimento, mais permissiva à uma coautoria. 
Rojo (2013) discorre sobre diversos tipos de materiais didáticos: 
traça um panorama em que são apresentados desde as Sequências Didáticas 
aos objetos didáticos de aprendizagem. Aborda, então, os materiais interativos, 
chegando aos protótipos. Ela defende essa ideia porque, por meio de pdf 
navegável ou por meio de acervos de textos, as propostas indicadas poderiam 
ser ampliadas. Nessa empreitada, pondera também sobre a necessidade de 
um webcurrículo1. Levanta questões referentes a plataformas digitais, fóruns e 
demais tecnologias da informação. Destaca, ainda, a necessidade de um 
redirecionamento por parte das instituições de formação de professores em 
virtude de demandas próprias da contemporaneidade, em especial quando nos 
voltamos para os perfis dos alunos desse nosso tempo. 
É nesse contexto que Rojo (2017) – para evidenciar a hibridização e 
a pluralidade das práticas de linguagem – convoca conceitos como 
multiculturalidade, noção de local e universal, (des)colecionamento (GARCÍA-
CANCLINI apud ROJO, 2017). Nesse sentido, os modos de leitura são 
ampliados devido aos múltiplos recursos que a web nos oferece, exigindo 
também de professores e alunos novos modos de lidar com diferentes 
plataformas e suportes. Apesar de fazer uma defesa pelos recursos on line, ela 
não descarta a possibilidade da construção de protótipos impressos que 
possam ser divulgados, depois, virtualmente com a finalidade de oferecer 
horizontes para professores. Tais protótipos podem servir como banco de 
 
1 A esse respeito, Rojo (2017) tece mais considerações ao aprofundar a discussão sobre 
paradigmas de aprendizagem. 
34 
 
textos e indicar caminhos de organização em torno de um gênero ou de vários 
gêneros de uma mesma esfera, articulando, dentro dos limites, a questões 
culturais locais. 
As ações delineadas se organizaram a partir das críticas feitas aos 
materiais analisados. Com base nos apontamentos feitos na seção analítica, 
propusemos algumas oficinas1 que pudessem fugir de um ensino fossilizado de 
linguagem. Procuramos sair da zona de conforto que a gramática normativa, ao 
ser abordada em si mesma, oferece para abordar a pontuação e propusemos 
algumas alternativas que possam ampliar tal compreensão. 
Antunes (2014) destaca algumas possibilidades de ensino da 
gramática que esteja assentado na discursividade. Provoca, pois, que se deve: 
 
 
estimular, na exploração dos usos da língua (em textos orais e 
escritos, é claro!), o questionamento, a dúvida, a observação, a 
análise, a construção de hipóteses, a procura da constatação, 
a reflexão, enfim; podíamos ainda nos dispor a explorar uma ou 
outra afirmação conflitante sobre uma mesma questão de 
gramática. Nós, professores, em geral, não temos sido 
formados para essas possibilidades; também pouco dispomos 
a “desaprender” esses jeitos tortos de encarar os usos 
linguísticos, e a “aprender” outros mais abertos e críticos (p. 
35). 
 
 
Para tanto, apoiamo-nos em Antunes (2005) a partir de suas 
considerações sobre o objeto de ensino em língua materna e, 
consequentemente, sobre o objeto de avaliação. Ela discorre sobre aspectos 
relativos à leitura e, mais especificamente, à escrita sugerindo um trabalho que 
transcenda os limites apenas linguísticos, visto que a escrita é também uma 
atividade2 de interação, uma atividade cooperativa, contextualizada, 
 
1 Para o desenvolvimento dos protótipos didáticos,indicamos, como maneira de organização, a 
realização de oficinas, que, obviamente, devem ser flexíveis porque dependentes das 
especificidades de cada turma, professor, ritmo de aprendizagem, nível de dificuldade, etc. 
Nessas oficinas, consideramos importante momentos de trabalho coletivo com espaço para 
reflexão sobre as experiências. 
 
2 Quando recorremos à ideia de escrita como “atividade” ou “trabalho”, reafirmamos o que disse 
Garcez (2004) acerca dos mitos que cercam o ato de escrever (capítulo 1), em que a autora 
discute verdades e mentiras, reconsidera crenças e propõe novas atitudes em relação à 
escrita. 
35 
 
necessariamente textual, tematicamente orientada, intencionalmente definida, 
atividade que envolve especificidades pragmáticas, que se manifesta por meio 
dos gêneros discursivos e retoma outros textos, além de manter relação de 
interdependência com a leitura. 
As etapas constitutivas da escrita – planejamento, escrita e 
reescrita(s) – colocam em evidência a necessidade do deslocamento de uma 
reflexão puramente gramatical para uma análise linguístico-discursiva que 
permita entender que o texto tem natureza dialógica e, por isso mesmo, pode 
ser submetido a inúmeras refacções com vistas a atender exigências do 
gênero, do próprio sujeito autor, do seu interlocutor, do tempo e espaço em que 
eventualmente poderá circular. Essa prática ainda tem sido realizada 
timidamente no contexto da sala de aula – muitos LDP utilizados não 
estabelecem uma relação mais explícita e sistematizada com a produção 
textual escrita –, mas precisa ser reforçada tanto no trabalho docente quanto 
nas pesquisas acadêmicas. 
A condução desse trabalho implica um modo de avaliar também 
abalizado na concepção bakhtiniana de linguagem, de leitura, de escrita. 
Reiteramos o pensamento de linguagem como atividade dialógica, como 
trabalho intersubjetivo e como acontecimento inacabado, em permanente devir. 
Tal concepção oferece subsídios para que o professor possa, talvez, evitar 
uma postura de caçador de erros e permitir abertura para a compreensão da 
palavra alheia. 
Com isso, defendemos o caminho de uma Linguística Aplicada que 
se quer crítica, responsável, responsiva às demandas sociais (MOITA LOPES, 
2009; ROJO, 2006). Parafraseando Fabrício (2006), os caminhos das 
desaprendizagens podem se tornar também novos caminhos de 
aprendizagens. Trata-se, portanto, de uma resposta às críticas feitas aos 
materiais, assumindo que esta tese se coloca como propositiva (ROJO, 2012; 
FREITAS, 2010) em seu fazer investigativo. 
 
 
3.2 PERSPECTIVA DIALÓGICA DA LINGUAGEM 
 
 
36 
 
Divergindo do que chamou objetivismo abstrato – estruturalismo que 
tem Saussure seu principal representante – e subjetivismo individualista – 
estilística fortemente marcada pelos ideais de Vossler –, correntes de 
pensamento dominantes no final do século XIX e início do século XX, o Círculo 
de Bakhtin1 fazia críticas ao monologismo que sustentava essas duas 
concepções vigentes à época. De um lado, o sistema era observado em sua 
estrutura como imutável, invariável apesar de sua natureza social. De outro, o 
ato de enunciar era visto apenas como expressão da consciência sem qualquer 
interferência externa, resultado do psiquismo individual. 
Sem o objetivo de “demolir a perspectiva dos estudos linguísticos e 
estilísticos longa e criteriosamente desenvolvidos por essas duas grandes 
tendências” (BRAIT, 2005, p. 95-96), o Círculo, como uma terceira via de 
entendimento, tomou o dialogismo como base para sustentar as reflexões 
sobre a língua(gem): nem a reduz a um sistema abstrato de formas linguísticas 
nem, por outro lado, à uma exclusiva expressão subjetiva e individual. Ou seja, 
para o Círculo bakhtiniano, a interação verbal constitui a sua realidade 
fundamental, encarando a linguagem em sua duplicidade constitutiva, sua 
característica social que se (des)estabiliza conforme as ações dos sujeitos. 
Sob essa perspectiva, a linguagem configura um sistema semiótico – 
forças centrípetas e centrífugas atuando simultaneamente – carregado de 
valores que serve como ponte entre sujeitos ativos, que estão posicionados 
temporal e espacialmente. Isto é, enquanto as forças centrípetas unificam e 
estabilizam o sistema da língua, colaborando para a sua manutenção 
aparentemente homogênea, principalmente em uma visão sincrônica, as forças 
centrífugas desestabilizam e descentralizam a língua, permitindo identificar o 
plurilinguismo existente na sociedade, especialmente em uma visão diacrônica. 
Tal dinâmica evidencia a atividade entre sujeitos, materializada por 
meio de enunciados, que são projetos de dizer únicos, concretos, irrepetíveis. 
Esses enunciados respondem a outros, já ditos, e se antecipam a outros, ainda 
não ditos, na cadeia discursiva da comunicação humana. De acordo com esse 
prisma, portanto, faz-se necessário recuperar o contexto social imediato e mais 
 
1 Grupo composto por intelectuais russos que discutiam questões relativas à literatura, 
linguística e filosofia. Destacam-se, dentro dos estudos da linguagem, os nomes de Mikhail 
Bakhtin, Valentim Voloshinov e Pavel Medviédev, aos quais faremos referência sempre de 
acordo com a edição utilizada sem entrar na discussão da autoria dos textos disputados. 
37 
 
amplo em que são gestados os enunciados, visto que a avaliação social acaba 
por interferir nas escolhas do sujeito. 
Considerar esses fatores essencialmente marcadores da interação 
verbal corrobora a ideia de que a consciência do sujeito já decorre de um 
processo dialógico, de uma percepção já valorada, refratada socialmente. 
Afinal, o sujeito se constitui de/por palavras trocadas com o(s) outro(s) nas 
diversas práticas sociais nas quais se engaja: 
 
 
Ser significa ser para o outro e, através dele, para si. O homem 
não tem um território interior soberano, está todo e sempre na 
fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos 
ou com os olhos do outro” (BAKHTIN, 2003, p. 341 [grifo do 
autor]). 
 
 
Ao aceitar tal prerrogativa, concordamos com a noção bakhtiniana 
segundo a qual a linguagem não deve ser, para o campo de estudos em que 
nos inserimos, concebida em suas formas abstratas desbastadas de vida. 
Compreendemos, pois, a linguagem como prática social situada, como ato vivo 
que materializa intenções, negociações, acordos e desacordos. 
O diálogo como metáfora, nessa visão da linguagem, deixa em 
evidência justamente que, para viver, lançamos palavras ao(s) outro(s) e, ao 
nos posicionarmos, passamos também a integrar o fluxo discursivo da 
comunicação humana. Tomando essa concepção dialógica como referência, 
significa compreender a linguagem como “uma realidade que congrega 
múltiplas e heterogêneas línguas sociais, entendidas como compósitos verbo-
axiológicos, como interpretação de uma determinada interpretação do mundo” 
(FARACO, 2010, p. 49). 
A essa concepção de linguagem estão, portanto, intrinsecamente 
associados: o inacabamento do ser, a alteridade constitutiva e o eixo valorativo 
das relações. Sem polarizações, 
 
 
o sujeito é social de ponta a ponta (a origem do alimento e da 
lógica da consciência é externa à consciência) e singular de 
38 
 
ponta a ponta (os modos como cada consciência responde às 
suas condições objetivas são sempre singulares, porque cada 
um é um evento único no Ser) (FARACO, 2009, p. 86). 
 
 
Ao integrar essa complexa teia discursiva, o sujeito que se expressa 
via enunciado confirma essa natureza dialógica constitutiva da linguagem e 
revela a importância de compreender o enunciado e suas peculiaridades para 
os estudos de uma vertente da LA que considera sujeito, tempo, lugar e 
posicionamentos. No panorama traçado por Rojo (2006), o fazer investigativo 
de muitos linguistas aplicados passou por fundamentais deslocamentos quando 
percebeu a emergência de conceber o sujeito em sua complexidade, levando 
em

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