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Huda Andrade Silva de Lima DO ACESSO CLÁSSICO À COMERCIALIZAÇÃO: ESPECIFICIDADES DO MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMAL NA ÁREA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL DE MÃE LUIZA, N ATAL/ RN. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de Concentração I: Forma Urbana e Habitação Orientadora: Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha Natal, RN Verão, 2012. Catalogação da Publicação na Fonte / Bibliotecária Alexsandra Santana dos Santos CRB-15/530 Lima, Huda Andrade Silva de. Do Acesso Clássico à Comercialização: especificidades do mercado imobiliário informal na Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza, Natal/RN / Huda Andrade Silva de Lima. – Natal, RN, 2012. 187 f.: il.. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinho. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. 1. Solo urbano – Dissertação. 2. Área Especial de Interesse Social – Dissertação. 3. Mercado Imobiliário Informal – Dissertação. I. Bentes Sobrinho, Maria Dulce Picanço. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN CDU 711.4 DO ACESSO CLÁSSICO À COMERCIALIZAÇÃO: Especificidades do mercado imobiliário informal na Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza, Natal/ RN. Huda Andrade Silva de Lima ESTA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FOI JULGADA ADEQUADA E APROVADA EM SUA FORMA FINAL Profª. Dra. Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha Orientadora Profª. Dra. Gleice Virginia Medeiros de Azambuja Elali Coordenadora do PPGAU BANCA DE DEFESA Prof. Dr. Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais/ UFRN Profª. Dra. Amadja Henrique Borges Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo/ UFRN Profª. Dra. Norma Lacerda Gonçalves Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano/ UFPE Fevereiro/ 2012. Dedico este trabalho, aos meus pais, Jorge e Edna, e irmãos, Hugo e Huto, eternos encorajadores do conhecimento. AGRADECIMENTOS Agradeço, Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo auxílio financeiro imprescindível para elaboração e finalização da dissertação. A orientadora e amiga professora Dulce Bentes, por compartilhar seus conhecimentos e experiências acadêmicas. Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) e aos seus professores integrantes, que aprimoraram meus conhecimentos não só na área de Arquitetura e Urbanismo, como também, de Sociologia, de Economia, etc. Aos receptivos e compreensivos moradores de Mãe Luiza, por abrirem as portas dos seus lares e compartilharem fatos pessoais de sua vida. Ao afável Heriberto Santos, por ter sido guia-desbravador das estreitas travessas, das escadarias inexploradas, dos becos nebulosos, das dunas habitadas do bairro de Mãe Luiza. A professora Norma Lacerda, pela permanente disponibilidade em compartilhar seus conhecimentos sobre a pesquisa de campo, bem como, o referencial teórico. Ao professor Flávio Freire, por contribuir e por fortalecer aspectos relacionados à metodologia de campo. Ao prestativo professor Alexsandro Ferreira, pelas ricas sugestões e pelos questionamentos imprescindíveis para consolidação da pesquisa. A Amanda Medeiros, a Silvana Mamede e a Pascal Machado, amigos de sala do PPGAU e demais momentos, pela sensibilidade e pela compreensão dos meus anseios, por tanta generosidade e carinho. Aos pesquisadores do Grupo de Estudos Habitação, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (GEHAU/ UFRN), por ponderar todas as minhas buscas existenciais e teóricas relacionadas à organização dos dados da pesquisa de campo, bem como, aqueles que colhi e exauri os saberes referentes a temática da dissertação. Aos pesquisadores do Observatório das Metrópoles Núcleo RMNatal, novos companheiros de trabalho, por constatar e reconhecer os limites de prazo, estimulando sempre a seguir em frente. Aos familiares e aos amigos, cúmplices dessa travessia, pela compreensão quanto ao afastamento e ausência em momentos especiais. Janela da Favela (Graciano Campos) Abre a janela! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela Abre a janela moço! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela Não quero dizer que lá não existe tristeza Não quero dizer que lá não existe pobreza Porque favela sem miséria não é favela Porque favela sem miséria não é favela Abre! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela Abre a janela moço! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela Vai, no silêncio quando a noite cede a vez à madrugada Para romper um novo dia Puxe a cortina da mesma lentamente E você vai ver o samba em pessoa falando com a gente Puxe a cortina da mesma lentamente E você vai ver o samba em pessoa falando com a gente. Abre a janela! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela Abre a janela! Abre a janela da favela Você vai ver a beleza que tem por dentro dela. Você vai ver a beleza que tem por dentro dela. Você vai ver a beleza que tem por dentro dela. Você vai ver a beleza que tem por dentro dela. Você vai ver a beleza que tem! RESUMO O presente trabalho apresenta estudos referentes à habitação social e seus efeitos sobre a reconfiguração espacial de Natal/RN, visando identificar as especificidades da informalidade do solo urbano. Busca compreender como o mercado imobiliário informal opera a provisão habitacional para a população situada em assentamentos populares informais, por meio do mercado de compra e venda e locação de imóveis residências irregulares/ ilegais. Esse entendimento ocorreu a partir do bairro de Mãe Luiza, Área Especial de Interesse Social (AEIS) situada entre bairros com população de elevado poder aquisitivo e inserido no eixo turístico de orla marítima da cidade. A caracterização do mercado imobiliário informal em Mãe Luiza, tomando como base os compradores, os vendedores e os locatários, contribuirá para compreender como essas transações informais operam a provisão habitacional em AEIS e para a elaboração de políticas públicas e implantação de programas habitacionais e de regularização fundiária a população de baixa renda, adequadas à dinâmica e realidade da moradia das áreas informais. Palavras-chave: solo urbano, área especial de interesse social, mercado imobiliário informal. ABSTRACT This study presents research regarding affordable housing and their effects on the spatial reconfiguration of Natal/ RN, aiming to identify the specificities of the informality of urban land. This study aims to understand how informal housing market operates housing provision for the population located in popular informal settlements, through buying and selling market and rental market of residential properties irregular / illegal. This understanding will be through the neighborhood of Mãe Luisa, Special Area of Social Interest (SASI), located between neighborhoods with a population of high purchasing power and inserted into the tourist shaft of seaside of town. The characterizationof informal housing market in Mãe Luiza, from buyers, sellers and renters, will help to understand how these informal transactions operate on SASI and housing provision for public policy development and implementation of housing programs and land regularization for low-income population, adequate to dynamic and reality of housing of informal areas. Keywords: urban land, special area of social interest, informal housing market. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mancha da expansão urbana de Natal, entre as décadas de 1920 e 1990, com identificação parcial de alguns bairros da atualidade. .................................................... 64 Figura 2: Passo da Pátria, assentamento em precária condição habitabilidade (década de 1940)..................... .......................................................................................................... 67 Figura 3: Conjunto Cidade da Esperança, década de 1960. ........................................... 68 Figura 4: Mapa Social da população em Natal/RN com rendade até três salários mínimos......... ................................................................................................................. 74 Figura 5: Identificação das Zonas Administrativas de Natal e das Zonas de Proteção Ambiental (ZPA) situadas no entorno do bairro de Mãe Luiza. .................................... 82 Figura 6: Morro de Mãe Luiza visto do farol, década de 1950. ..................................... 83 Figura 7: Ocupação de Mãe Luiza, década de 1960. ...................................................... 84 Figura 8: Ocupação de Mãe Luiza, década de 1960. ...................................................... 84 Figura 9: Mãe Luiza em meadas da década de 1960. ..................................................... 85 Figura 10: Terreno do Paradise Mare Flat, ano de 1992. ............................................... 87 Figura 11: Vista parcial de Mãe Luiza (2010). ............................................................... 89 Figura 12: Uso do Solo predominante. ........................................................................... 90 Figura 13: Infraestrutura básica de Mãe de Luiza. ......................................................... 92 Figura 14: Áreas Subnormais da AEIS de Mãe Luiza, segundo a Política Habitacional de Interesse Social para o Município de Natal (a esquerda) e áreas de ponderação dos aglomerados subnormais, conforme Censo Demográfico de 2010 (a direita). .............. 93 Figura 15: Identificação das Localidades do bairro de Mãe Luiza. .............................. 100 Figura 16: Áreas sem aplicação de questionários. ........................................................ 102 Figura 17: Localização dos imóveis da pesquisa de campo..........................................126 Figura 18: Identificação dos tipos de domicílios pesquisados.......................................129 Figura 19: Tipos de domicílios. .................................................................................... 130 Figura 20: Topografia do lote. ...................................................................................... 131 Figura 21: Edificações com mais de dois pavimentos. ................................................. 132 Figura 22: Identificação dos imóveis em relação ao número de pavimentos. .............. 133 Figura 23: Imóveis com respectivos dimensionamentos. ............................................. 136 Figura 24: Nível de ocupação da edificação no lote. .................................................... 137 Figura 25: Estado de Conservação dos imóveis. .......................................................... 139 Figura 26: Imóveis com anúncios de comercialização. ................................................ 142 Figura 27: Identificação dos imóveis em relação ao valor do aluguel. .................... ....144 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Maiores populações faveladas por país. ......................................................... 51 Tabela 2: Tipo de submercado residencial predominante nos assentamentos populares informais, ano 2006. ....................................................................................................... 53 Tabela 3: Número de aglomerados subnormais segundo as regiões brasileiras de 1991, 2000 e 2010... ................................................................................................................. 59 Tabela 4: Número de domicílios e população residente em aglomerados subnormais segundo as regiões brasileiras de 2010. .......................................................................... 60 Tabela 5: Distribuição por tipo de transações do mercado residencial. ......................... 61 Tabela 6: Assentamentos subnormais em Natal. ............................................................ 73 Tabela 7: Aglomerados Subnormais, por Zona Administrativa de Natal, Censo Demográfico 2010. ......................................................................................................... 77 Tabela 8: Rendimento mensal domiciliar dos moradores de Mãe Luiza e dos bairros do entorno (2010). .............................................................................................................. 88 Tabela 9: Dimensionamento, número de domicílios, população residente, e densidade demográfica e rendimento médio mensal das pessoas dos bairros da Zona Leste de Natal, ano 2010. .............................................................................................................. 89 Tabela 10: Características das áreas subnormais da AEIS de Mãe Luíza. ..................... 94 Tabela 11: Sexo do geral e dos vendedores, dos compradores, dos locatários e dos moradores de Mãe Luiza. ............................................................................................. 107 Tabela 12: Faixa etária geral dos vendedores, dos compradores, dos locatários e dos moradores de Mãe Luiza. ............................................................................................. 108 Tabela 13: Estado civil geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários. .... 109 Tabela 14: Número de filhos do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários.............. ......................................................................................................... 109 Tabela 15: Grau de instrução geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários......... .............................................................................................................. 110 Tabela 16: Ocupação profissional do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários.............. ......................................................................................................... 111 Tabela 17: Fonte de Renda Principal do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários............... ........................................................................................................ 112 Tabela 18: Rendimento Pessoal Mensal do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários e dos moradores de Mãe Luiza. ............................................................. 113 Tabela 19: Fonte de Renda Auxiliar do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários........... ............................................................................................................ 114 Tabela 20: Rendimento familiar mensal do geral e dos vendedores, dos compradores e dos locatários e dos moradores de Mãe Luiza. ............................................................. 115 Tabela 21: Tempo de moradia em Mãe Luiza dos vendedores, compradores e locatários....................................................................................................................... 116 Tabela 22: Trajetória residencial antes de residir no imóvel da pesquisados vendedores, compradores e locatários. ............................................................................................. 118 Tabela 23: Local de compras diárias, roupa, eletrodoméstico e material de construção dos vendedores, compradores e locatários. .................................................................. 122 Tabela 24: Principal meio de transporte utilizado pelos vendedores, compradores e locatários................ ....................................................................................................... 125 Tabela 25: Número questionários aplicados por localidade e submercados. ............... 127 Tabela 26: Tipo de domicílio. ....................................................................................... 128 Tabela 27: Número de cômodos dos imóveis vendidos, comprados e locados. ........... 134 Tabela 28: Número de quartos por domicílio. .............................................................. 135 Tabela 29: Dimensionamento da edificação. ................................................................ 135 Tabela 30: Tipo de material das paredes ...................................................................... 137 Tabela 31: Tipo de material da cobertura. .................................................................... 138 Tabela 32: Estado de conservação dos imóveis. ........................................................... 139 Tabela 33: Valor do aluguel. ........................................................................................ 143 Tabela 34: Valor do aluguel por m² versus localidades do bairro. ............................... 145 Tabela 35: Valor do aluguel por m² versus tipo do imóvel. ......................................... 146 Tabela 36: Comprometimento do rendimento familiar com aluguel. ........................... 147 Tabela 37: Valor da Compra. ........................................................................................ 148 Tabela 38: Valor da compra por m² versus localidades do bairro (dados qualitativos)................. ................................................................................................. 148 Tabela 39: Valor da Venda. .......................................................................................... 149 Tabela 40: Valor da venda por m² versus localidades do bairro (dados qualitativos)................... ............................................................................................... 150 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Classificação da lógica interna de funcionamento do mercado imobiliário informal......... ................................................................................................................. 35 Quadro 2: Valor do metro quadrado de lote ilegal em localidades da América da Latina............ .................................................................................................................. 43 Quadro 3: Entidades comunitárias e equipamentos urbanos e particulares. .............. 90 LISTA DE GRÁFICO Gráfico 1: Número de questionários aplicados. ....................................................... 103 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEIS - Áreas Especiais de Interesse Social API - Assentamentos Populares Informais BNH – Banco Nacional de Habitação CEF – Caixa Econômica Federal CF – Constituição Federal Darq - Departamento de Arquitetura FCP – Fundação da Casa Popular FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço GEHAU/ UFRN - Grupo de Estudos Habitação, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPLANAT – Instituto de Planejamento Urbano de Natal MII – Mercado Imobiliário Informal NR – Não respondeu NS – Não sabe PDDLI - Plano Diretor de Desenvolvimento Local Integrado PHIS - Política de Habitação de Interesse Social PRODETUR - Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste RMNatal - Região Metropolitana de Natal RN – Rio Grande do Norte S.M. - Salário Mínimo SEAC – Secretaria Especial de Ação Comunitária SIG - Sistema de Informação Georreferenciado UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social ZERU - Zonas Especiais de Recuperação Urbana SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 16 PARTE 01.......................................................................................................................22 1. PRODUÇÃO E CONSUMO DO ESPAÇO URBANO ............................................. 23 2. RECONHECIMENTO DOS ASSENTAMENTOS POPULARES INFORMAIS.... 28 3. MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMAL ................................................................ 34 3.1. Funcionamento do Mercado Imobiliário Informal .............................................. 34 3.2. Mecanismos de transações imobiliárias nos assentamentos populares informais. .................................................................................................................................... 38 3.3. Elementos determinantes do preço de imóveis no mercado imobiliário informal ................................................................................................................................... .42 4. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE 01 ...................................................... 45 PARTE 02.......................................................................................................................49 5. INFORMALIDADE/ILEGALIDADE NA AMÉRICA LATINA .... ......................... 50 6. INFORMALIDADE/ILEGALIDADE NO BRASIL ................................................. 55 7. MUNICÍPIO DE NATAL E RECONHECIMENTO DA INFORMALIDADE HABITACIONAL .......................................................................................................... 63 8. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE 02 ...................................................... 77 PARTE 03.......................................................................................................................81 9. A PESQUISA ............................................................................................................. 81 9.1. Processo de Formação da AEIS de Mãe Luiza .................................................... 81 9.2. Referências e Procedimentos Metodológicos ...................................................... 94 10. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE 03 .................................................. 103 PARTE 04.....................................................................................................................156 11. ESPECIFICIDADES DA DINÂMICA DO MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMAL EM MÃE LUIZA ................................................................................... 106 11.1. Perfil socioeconômico ...................................................................................... 106 11.1.1 Composição Etária e por Gênero ............................................................... 107 11.1.2 Estado Civil e Número de Filhos ............................................................... 108 11.1.3. Grau de Instrução ...................................................................................... 109 11.1. 4. Ocupação profissional e Rendimentos ..................................................... 110 11.2. Mobilidade Espacial ........................................................................................ 115 11.2.1.Tempo de permanência em Mãe Luiza ..................................................... 116 11.2.2. Motivos de mudança do domicílio ............................................................ 118 11.2.3. Origem-destino escola e trabalho .............................................................. 120 11.2.4. Local de realização das compras diárias, vestuários, eletrodomésticos e materiais de construção. ........................................................................................ 121 11.2.5. Deslocamento para prática do lazer e participação de grupos culturais e religiosos ............................................................................................................... 123 11.2.6. Principal meio de transporte utilizado ....................................................... 124 11.3. Funcionamento do mercado imobiliário informal em Mãe Luiza ................... 125 11.3.1 Tipo de domicílio ....................................................................................... 128 11.3.2 Topografia do lote ...................................................................................... 131 11.3.3 Número de pavimentos............................................................................... 131 11.3.4 Número de cômodos................................................................................... 134 11.3.5 Dimensionamento das edificações ............................................................. 135 11.3.6 Tipo de material construtivo (piso, parede e teto) ...................................... 137 11.3.7 Estado de conservação ............................................................................... 138 11.3.8 Aspectos legais das negociações imobiliárias ............................................ 140 11.3.9 Agentes do mercado e suas características informacionais ........................ 141 11.3.10 Mecanismos de fixação dos preços .......................................................... 143 11.3.11 Estimativa para fixação dos preços .......................................................... 150 12. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE 04 .................................................. 151 PARTE 05.....................................................................................................................152 13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 155 14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 159 APÊNDICE INTRODUÇÃO 16 INTRODUÇÃO As cidades latino-americanas, no decorrer do século XX, passaram por grandes e rápidas transformações econômicas, sociais, tecnológicas, culturais e ambientais, tornando-se um espaço de poder e de concentração de riqueza, capaz de oferecer maior demanda de emprego. Por causa da introdução de novas relações de produção no campo, sua população desloca-se para os centros urbanos à procura de melhores condições de vida, acelerando o crescimento populacional das cidades e aumentando os problemas de “déficit habitacional”, pois os baixos salários e as instabilidades de emprego da grande parte da população impossibilitaram que esta conseguisse solver o valor do terreno/edificação adquirido por meio de compra ou aluguel. Na tentativa de atender a demanda desse grupo social, o Estado realiza políticas habitacionais - séculos XX e XXI - direcionadas a construção e financiamento de edificações/lotes para os habitantes de baixa renda. Entretanto, a histórica dificuldade de implantar e criar programas adequados à moradia continuou excluindo do mercado imobiliário formal certas camadas populares, devido à produção capitalista de habitação impor um elevado preço da terra, limitando o direito de residir na cidade. A fim de solucionar o problema da “casa própria” para população vulnerável, a menores custos possíveis, surgem nos espaços construídos das cidades imensos aglomerados precários, deficientes de infraestrutura, “densos, destituídos de conforto ambiental e coletivo” (GORDILHO-SOUZA, 2000, p. 14) através dos assentamentos populares informais, ou seja, as favelas, os cortiços, as vilas e as ocupações ilegais e clandestinas que ocupam nas cidades as áreas periféricas ou centrais desprovidas de infraestrutura urbana adequada. No âmbito do Brasil, o crescimento da informalidade habitacional é um fenômeno que se observa em quase todas as cidades de médio e grande porte, sendo mais evidentes nos problemas da moradia para população de baixa renda. O crescimento das ocupações informais e a disputa pelas terras urbanas aumentaram significativamente ao longo das décadas de 1980 e 1990, período estes marcados pelo esgotamento da intervenção do Estado no setor de habitação popular e por crises econômicas que determinaram um período de forte recessão, desemprego, aumento da exclusão, da pobreza, da informalidade e da segregação socioespacial (SMOLKA, 2003). INTRODUÇÃO 17 Nesse contexto, o aumento e o surgimento dos assentamentos populares informais nos principais centros urbanos passaram por mudanças tanto no tipo de infraestrutura da moradia quanto ao acesso à casa favelada; a morfologia urbana do assentamento; ao tempo de moradia das pessoas; etc. Inicialmente, a ocupação ocorria de maneira individual e/ou coletiva de uma gleba ou lote; passando para uma rápida autoconstrução de edificações precárias com materiais de madeira ou “pau a pique”. Em certo momento, a família começa a investir nas moradias, desmembrando a edificação/ o lote a partir da reforma ou da ampliação da unidade habitacional transformando-a em unidades multifamiliares para acolher amigos/ parentes (pais, filhos, netos, tios, etc.), ou até mesmo para ampliar a renda familiar, por meio da construção de vilas, cortiços, condomínios verticais e/ou horizontais, etc. para serem comercializados. A transformação da unidade residencial em “frações” familiares ocorre também pela ausência de novas áreas a serem ocupadas na desejada localização. A ausência de novas áreas para ocupar/ autoconstruir, principalmente nos assentamentos consolidados, define o mercado imobiliário informal1 – a compra e venda e aluguel de imóveis precários – como sendo a nova estratégia de acesso das famílias de baixa renda aos centros urbanos. Essas modificações demonstram que o acesso aos assentamentos se alterou de forma substantiva, passando da forma clássica para do mercado de compra e venda e locação de lotes, lajes e imóveis (ABRAMO, 2003, p. 209). Estudos recentes desenvolvidos por Abramo (2009), Lacerda (2010) e Baltrusis (2005) indicam que o mercado imobiliário informal é um dos principais meios de acesso à terra e a moradia nas áreas informais das principais cidades do país. Em assentamentos informais consolidados, onde a oferta de terras é escassa ou já inexistente, as alternativas de compra e aluguel vêm se sobrepondo à possibilidade de ocupação ou invasão de um terreno, sobretudo naqueles localizados nas áreas centrais das cidades. Resultados apresentados pela Rede Infosolo/ Infomercado2 sobre transações imobiliárias constataram que o mercado imobiliário informal é ativo, sendo que, em algumas cidades brasileiras o mercado de aluguel se destaca em relação ao de 1 Segundo Suzana Pasternak (2008, p. 113), o termo mercado informal é aplicado para “caracterizar o universo de produção e distribuição da casa autoconstruída, em oposição ao ‘mercado formal’, responsável pela produção e comercialização dos imóveis edificados pela indústria da construção civil”, vindo a refletir “uma separação artificial entre o moderno e o atrasado, a ordem e o caos”. 2 A Rede Infosolo /Infomercado constitui uma rede de pesquisadores em âmbito nacional (Infosolo) e internacional (Informercado)que identifica, sistematiza e analisa os mercados de solo informais nas principais metrópoles latino-americanas (ABRAMO, 2008, p. 08-09). INTRODUÇÃO 18 compra e venda, como Recife, São Paulo, Florianópolis e Brasília. Já, nos países latino- americanos, predomina o mercado de aluguel na Colômbia, Venezuela e Argentina (ABRAMO, 2009, p. 35). Essa mudança na forma de acesso à terra urbana por meio da informalidade fundiária e/ou urbanística é constatada, também, no âmbito da cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte. Sendo assim, verificadas especificidades na informalidade do solo urbano que se expressam principalmente através da diversidade, tanto das formas de acesso às terras urbanas quanto ao perfil social das populações ocupantes, principalmente, aquelas de natureza pública (Município, Estado e União) para fins de moradia, com destaque para as ocupações situadas em eixos turísticos da orla marítima. Na tentativa de conter o crescimento da informalidade ocorreram diversas ações de regularização fundiária efetivadas pelo Estado, desde o surgimento dos primeiros assentamentos populares informais. Essas ações conferiram uma expressiva heterogeneidade nos vínculos formal/informal jurídicos existentes nas localidades, como: as doações de cartas de aforamento conferidas pelo município à moradores de favelas situadas na orla marítima nos anos de 1960 e os programas de regularização fundiária desenvolvidos na década de 1980, também pela Prefeitura do Natal, que resultaram na concessão de títulos de terras em algum nível. Ressalta-se que até a década de 1980, a orla marítima não se configurava como área estratégica do mercado imobiliário. É a partir do final dos anos 80, com a construção da Via Costeira e com o processo de implantação do parque turístico hoteleiro, que se intensifica a procura e a valorização de terras na faixa litorânea do município. O projeto Parque das Dunas/ Via Costeira tornou-se um marco na relação entre habitação de interesse social e grandes empreendimentos de infraestrutura urbana ligados ao desenvolvimento do turismo em Natal. Essa dinâmica se intensificou a partir de 2000, com o Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste (PRODETUR), facilitador da integração da orla marítima do Estado, agravando a pressão sobre os territórios da informalidade, elevando-se também o grau de vulnerabilidade social das populações em seus direitos de moradia historicamente constituídos. Segundo Moraes (et al, 2008, p. 17), nos dias atuais a especulação do solo urbano tem pressionado moradores de assentamentos precários, principalmente, aqueles inseridos em áreas da expansão imobiliária e do turismo imobiliário, como é o caso do bairro de Mãe Luiza, Área Especial de Interesse Social (AEIS), situada entre populações de elevado poder aquisitivo e inserido no eixo turístico de orla marítima (Via Costeira) INTRODUÇÃO 19 da cidade do Natal. O bairro é tema constante de discussões no contexto urbano local pela luta dos seus moradores para garantir o direito de permanecer na área e pelo enfrentamento da pressão do poder público e dos especuladores imobiliários. À vista disso, a pesquisa tem como objetivo compreender como o mercado imobiliário informal opera a provisão habitacional para a população situada em assentamentos populares informais, por meio do mercado de compra e venda e locação de imóveis residências irregulares/ ilegais, a partir da caracterização do mercado imobiliário informal, através da AEIS de Mãe Luiza. A caracterização do mercado imobiliário informal em Mãe Luiza a partir desses mercados contribuirá para compreensão de como essas transações informais opera a provisão habitacional em AEIS, uma vez que seu entendimento é útil para elaboração de novas políticas públicas e implantação de programas habitacionais e de regularização fundiária para a população de baixa renda. Esse estudo constitui-se numa importante ferramenta para o entendimento das formas de acesso à moradia em assentamentos precários, podendo ainda contribuir sobremaneira para o entendimento do processo atual de produção e reprodução das áreas de informalidade e de pobreza dos centros urbanos. A pesquisa questiona sobre: 1) quais os motivos do comprador adquirir imóvel irregular/ilegal em assentamentos populares informais, como também, do locatário alugar nessas referidas áreas? E ainda, 2) quais os motivos de um proprietário de residência em área informal vender o imóvel? 3) Quais as especificidades da comercialização dos imóveis informais em áreas estratégicas do mercado formal, a partir dos compradores/ vendedores e inquilinos? 4) Quanto custa comprar, vender ou locar imóveis residências em assentamentos populares informais situados em área estratégica do mercado formal? 5) Quais as tipologias e as características edilícias do mercado imobiliário informal? 6) Qual o perfil social dos ocupantes, principalmente referente à renda e ocupação? A partir das pesquisas desenvolvidas pela Rede Infosolo e Baltrusis (2005), definimos como procedimento de campo aplicar questionários, com: i) os proprietários de imóveis residenciais comprados no último ano, considerando o dia da aplicação de cada questionário; ii) os proprietários de imóveis residenciais que possuíam placas de vende-se; e, iii) os inquilinos dos imóveis residenciais alugados. Sobre os locadores, não aplicamos questionário, pois tivemos dificuldade de identificá-los. INTRODUÇÃO 20 Para compreender como o mercado imobiliário informal opera a provisão habitacional para a população situada em Mãe Luiza, estruturamos o presente trabalho em cinco partes. A primeira parte apresenta reflexões teóricas sobre as especificidades do mercado imobiliário informal, fazendo analogias ao mercado formal referente à produção e consumo do espaço urbano. Em seguida, discute conceituações gerais para diferenciar o núcleo precário informal/ ilegal dos demais tipos de moradia, isto é, definir assentamentos populares informais e suas mudanças quanto ao acesso à moradia informal. Conceitua o mercado imobiliário informal para identificar as semelhanças e divergências entre ambos os mercados imobiliários (formal e informal), com foco na lógica interna de funcionamento do MII, nos mecanismos de transações e nas descrições de elementos determinantes do preço de imóveis por meio da informalidade. A segunda parte descreve a cidade informal a partir dos grandes centros urbanos latino-americanos, relatando, em seguida, sobre o crescimento da informalidade/ ilegalidade fundiária das principais cidades brasileiras num contexto das políticas habitacionais direcionadas a população de baixa renda do início do século XX até os dias atuais. Por último, descreve o processo de reconhecimento da informalidade habitacional em Natal/ RN por parte dos planos urbanísticos e das políticas habitacionais, uma vez que há uma escassez de estudos referentes ao mercado imobiliário informal na cidade3. O foco principal dessas análises visa identificar a evolução e o reconhecimento das favelas em três âmbitos - latino-americano, nacional e local - relacionando sempre que possível com as políticas habitacionais e o processo de mercantilização dos assentamentos populares informais. A terceira parte explicita as metodologias utilizadas na pesquisa de campo, descrevendo primeiramente o processo de formação do universo de estudo, a Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza. A respeito da contextualização histórica do bairro, há uma imensa escassez de registros impossibilitando a construção e a precisão de informações sobre sua formação (FERNANDES, 2000, p. 25). Para construção dos procedimentos metodológicos descrevemos e analisamos as pesquisas realizadas em âmbito nacional pela Rede Infosolo. Em paralelo, consideramos a metodologia aplicada por Baltrusis (2005) para compreendero mercado imobiliário informal em favelas da 3 A partir das pesquisas realizadas sobre mercado imobiliário informal, registramos o estudo desenvolvido por Carmem do Amaral, cujo título é Mercado imobiliário informal e dinâmica urbana: o caso do bairro de Mãe Luiza – Natal/RN (2011). O referido trabalho tem por objetivo principal analisar a dinâmica imobiliária informal em Mãe Luiza, no contexto da valorização imobiliária da cidade de Natal/RN. INTRODUÇÃO 21 Região Metropolitana de São Paulo. O objetivo de rever as metodologias contribuiu para construirmos a nossa pesquisa de campo. A quarta parte aborda as questões da dinâmica imobiliária em Mãe Luiza, através dos estudos de caso desenvolvidos, visando analisar: i) o perfil sociodemográfico dos inquilinos e dos “proprietários” (compradores e vendedores); ii) a mobilidade espacial do inquilino e dos proprietários e as suas relações comunitárias; iii) as peculiaridades dos produtos; iv) os aspectos legais das negociações imobiliárias; v) os agentes do mercado e suas características informacionais; e, vi) os mecanismos de fixação dos preços. A quinta e última parte retoma-se às questões centrais apresentadas no trabalho através das considerações finais, com vistas à elaboração de posicionamentos conclusivos e reflexões sobre a problemática em estudo, visando interpretar o fenômeno e contribuir para realidade apresentada. Nessa parte estão presentes, também, as referências bibliográficas e o apêndice com o modelo dos questionários utilizados na pesquisa de campo para investigar aspectos peculiares dos compradores, vendedores e locatários. Apesar dos obstáculos encontrados na pesquisa de campo e da carência de informações sobre o mercado imobiliário informal em AEIS e especificamente sobre o bairro de Mãe Luiza, acredita-se que este trabalho contribuirá para compreensão do processo de mercantilização da terra em assentamentos populares informais. Tal pesquisa faz refletir sobre até que nível o mercado imobiliário informal “substitui” o Estado da sua função de prover moradia para população de baixa renda, uma vez que este mercado tem como proeza “atender” a uma demanda desprovida de habitações, não solucionando os problemas relacionados ao déficit habitacional. 22 PARTE 01 23 1. PRODUÇÃO E CONSUMO DO ESPAÇO URBANO No decorrer dos anos, o mercado de terras tornou-se o principal mecanismo gerador dos problemas urbanos, caracterizando as cidades latino-americanas pela dispersão/ hiperconcentração de habitantes/ moradias; pelo déficit habitacional; pelo crescimento periférico, como também, pela proliferação de formas de ilegalidade com pessoas descumprindo a lei para ter acesso ao solo, vivendo sem segurança jurídica da posse, em condições precárias ou mesmo insalubres e perigosas, geralmente em áreas periféricas ou centrais desprovidas de infraestrutura urbana adequada (FERNANDES, 2003, p. 173). No caso do Brasil, a paisagem urbana dos principais centros esteve marcada em meadas do século XX, primeiramente pelo capital mercantil, com uma produção rentista que utilizava os mecanismos aplicados ao comércio para formação de cortiços, casas de cômodos e estalagens nos centros das cidades. Segundo, pelo capital imobiliário através da disseminação das vilas construídas especialmente para aluguel, ou seja, a produção rentista pequeno-burguesa. Em terceiro, pelas empresas imobiliárias que contribuíram para produção de uma paisagem urbana marcada pela periferia com casas autoconstruídas e vazios urbanos. Em quarto, e por último, pela criação do incorporador que articula o proprietário original do terreno aos futuros compradores do imóvel, construtores e financiadores (RIBEIRO, 1997, p. 21). Dentre outros fatores, as diversas utilizações do centro urbano e a sua procura atribuem preços à propriedade privada que são estabelecidos pelos vários produtores do espaço, pela apropriação de fenômenos econômicos criados e pelas intervenções governamentais. Essa apropriação do espaço configura áreas urbanas com variações, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, nas atividades de consumo dos indivíduos e nas situações de cada um como produtor e como consumidor. De certa modo, há formação de áreas nos centros urbanos que possibilitam o desenvolvimento de fenômenos econômicos direcionados a produção e o consumo de moradias e infraestrutura do local, a partir de grande investimento de capital, com preços fixados da compra, da venda e da locação de imóveis para população de elevado poder aquisitivo. Em contrapartida, fenômenos com uma dinâmica imobiliária própria, que se desenvolve a partir de relações entre cliente e vendedor/ locatário, com produção de imóveis específicos em número reduzido e a custo inferior de produção e circulação, PARTE 01 24 na maioria das vezes, de capital próprio e de baixo volume, com o intuito de responder às condições da população de baixa renda (SANTOS, 1979). A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com renda mais elevada, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não têm condições de satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas no consumo (SANTOS, 1979, p. 29). As diferenciações de consumo e produção dos espaços, e a relação entre mercado de terras e o processo de estruturação das cidades, articulados aos investimentos em infraestrutura e em equipamentos urbanos favorece para formação de cidades com a presença de camadas de alta renda residindo nas áreas mais centrais e as camadas de menor renda, em direção à periferia e/ou em áreas centrais precárias. A estruturação do espaço residencial a partir dos consumidores leva em conta, sobretudo, as localizações relativas dos diversos tipos de famílias, segmentando a cidade a partir da divisão econômico-social, com uma configuração que reagrupa pessoas com diferentes recursos financeiros em bairros relativamente homogêneos (ABRAMO, 2007, p. 54). Para Villaça (2001, p. 328), quando as famílias resolvem consumir (comprar/ alugar) bem residência, raciocinam mais por uma lógica de localização do que pelo produto em si, apropriando-se de maneira diferenciada do espaço urbano conforme as vantagens e os recursos da localidade. As escolhas da localização propõem a noção de incerteza urbana, em que uma microdecisão individual poderá resultar em uma macrotransformação da ordem urbana, influenciando na configuração da ordem residencial. Segundo Abramo (2007, p. 60), (...) chega-se naturalmente à conclusão de que cada decisão dos diversos tipos de famílias terá o poder virtual de subverter a ordem-imagem precedente. Bastará um leve movimento não previsto pela teoria científica do mercado residencial (uma decisão oportunista) para abalar as incertezas probabilizadas propagadas pela teoria frequentista e deflagrar uma dinâmica de configuração espacial que estará sob o signo da incerteza urbana radical. Teremos, daí em diante, uma cidade-mercado residencial caleidoscópica, cujo ordenamento espacial já não poderá ser conhecido de antemão: cada decisão de localização trará consigo o poder de fazer a história (...). PARTE 01 25 As grandezas urbanas relacionadas às localizações (os espaços), os preços, a verticalidade e a densidade populacional são valores frequentes estabelecidos pelas “convenções urbanas” que constituem cidades residenciais compostas pelas escolhas de localização (o espaço) formuladas com base numa aglomeração (proximidade) de famílias do mesmo tipo e voltadas para “externalidades de vizinhança”. A localizaçãointraurbana dos diversos tipos de famílias e as possíveis ações no espaço (antecipações especulativas), com preços variados do espaço urbanizado, impossibilita a população de menor poder aquisitivo acessar ao solo urbano através do mercado imobiliário formal, obrigando-a a aderir ao mercado imobiliário informal. Na maioria das grandes cidades latino-americanas, o mercado imobiliário informal de residências supre a falta no mercado formal, remediando a situação pelas formas de ilegalidade o acesso à terra urbana e a moradia por meio da informalidade fundiária e/ou urbanística através das favelas, loteamentos clandestinos, autoconstrução, etc., em regiões tanto com inexistência de infraestrutura e transporte quanto nas proximidades dos centros urbanos (ABRAMO, 2003, p. 7-8). Cabe notar que a informalidade encontra-se numa “zona de penumbra” com extensa fronteira ao mundo legal onde as pessoas se refugiam quando existem imposições do Estado, com suas leis e mais ônus que benefícios para cumpri-las. Contudo, o baixo poder aquisitivo de uma significativa parcela da população não pode explicar o processo de informalidade, apesar de a pobreza ser responsável por uma parte significativa dos arranjos informais existentes. O estado de necessidade em certos casos pode ser uma mera satisfação material a busca de lucros ilícitos, em que o agente apenas assume o risco de auferir lucros não visando normalmente à atividade marginal, ou seja, apenas assume o risco de auferir lucros à margem do mercado regular (PRADO, 1991, p. 27). A informalidade não é só efeito, mas também causa da pobreza, na medida em que a população residente em áreas informais é capturada por muitos “círculos viciosos” que reiteram sua condição (SMOLKA, 2003, p. 122). A correlação encontrada entre pobreza urbana e os consumidores do mercado imobiliário informal nem sempre classifica que todos os ocupantes são pobres. Contrariamente à crença popular, a aquisição a lote/ edificação informal tende, em geral, a ser cara. Os custos da informalidade são tanto mais oneroso que pela PARTE 01 26 formalidade, Prado (1991, p. 54) afirma que os custos econômicos, por certo, são inicialmente menores, a médio e longo prazo, mas podem inviabilizar uma negociação. Paradoxalmente, os custos da vida cotidiana nos assentamentos informais são mais elevados do que nas áreas formais: os custos de construção são muitas vezes mais elevados, os alimentos são mais caros; em geral, os transportes são precários e caros; mesmo as regras dos “contratos de aluguel” (informais) são mais desfavoráveis ao inquilino do que seriam nos contratos formais (SMOLKA, 2003, p. 123). O custo da mão-de-obra para construir nas favelas do Rio de Janeiro é pelo menos 10% superior ao do mercado formal. Ao longo do tempo alterações tanto na qualidade dos assentamentos quanto na localização relativa deles no mapa de externalidades transforma a residência precária em um “capital locacional” que se valoriza/desvaloriza no tempo, tal qual aos ativos imobiliários da cidade formal (ABRAMO, 1999, apud SMOLKA, 2003, p. 267). Para Soto (2001), os ativos da informalidade se encontram, em via de regra, fora do circuito formal, que se constituem numa fonte de riqueza e renda para grande parte da população dos países pobres, porém não existem os registros formais, não são tributados e, como consequência, não podem acessar os mecanismos legais de crédito. Para o autor, esses ativos imobiliários informais se constituem em um “capital morto” (ativos não regularizados), uma vez que ativos de imóveis ilegais “não podem se transformar de pronto em capital, não podem ser trocados fora dos estreitos círculos locais, onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras, nem servir como garantia a empréstimos e participação em investimentos” (Ibid, p. 20). O que os pobres não têm é o fácil acesso aos mecanismos que poderiam fixar legalmente o potencial econômico de seus ativos de um modo que pudessem ser usados para produzir, assegurar ou garantir um valor maior no mercado expandido (SOTO, 2001, p. 61). De acordo com o referido autor, a transformação de “capital morto” em “capital vivo” (ativos legalizados) através da regularização das moradias informais, permitirá a concessão de créditos para os informais, e consequentemente, um maior investimento nas atividades empreendedoras. Contudo, vale ressaltar que, o mercado imobiliário informal possui atividades desenvolvidas por capital próprio, que possibilita gerar ativos, conforme destacaremos adiante, capazes de criar atividades e proporcionar PARTE 01 27 situações para população de menor poder aquisitivo, com variáveis que se alteram no tempo e no espaço vinculado, de certo modo, a uma situação de pobreza, como possibilidades da população consumir moradias através de financiamentos; de obter rendimento por meio da locação e venda de imóveis informais; etc. No meio acadêmico, em setores da opinião pública e até entre agentes governamentais há comprovadas evidências que a informalidade pode trazer benefícios e vantagens para sociedade dependendo das condições de tempo e de espaço. Ney Prado (1991, p. 60) menciona o caso de Milton Friedman (In: Dan Bawly, p. 481) que admite que a informalidade possa ser uma verdadeira tábua da salvação, eximindo a população das restrições impostas pelos governos à iniciativa individual, tornando-se parte significativa de uma solução, apesar de não haver registros oficias dificultando sua contabilização. Então, como visualizar o invisível? Já que os ativos imobiliários informais são insuscetíveis de ser mensurados. Como é possível obter informações do mercado imobiliário informal na economia total de um país? No caso do Brasil, o assunto torna-se mais complexo face à escassez de dados e da confiabilidade das estatísticas existentes, como também pelas variadas maneiras de definir, identificar e classificar as áreas informais/ ilegais. Em regra, para determinar os elementos estruturantes do mercado imobiliário informal é imprescindível averiguar: a) as características da oferta e da demanda do solo; b) o poder de mercado dos agentes econômicos (oferta e demanda); c) as características informacionais do mercado (assimetrias e transparências de informações); d) as características dos produtos (homogêneos ou heterogêneos); e) as externalidades (endógenas e exógenas), etc.(ABRAMO, 2005, p.11). Para tal caso, primeiramente, conceituaremos o que venha a ser áreas informais, ou como será aqui denominado “assentamento popular informal” para buscar a compreensão da ilegalidade urbana não apenas em termos da dinâmica entre sistemas políticos e mercado de terras, como também em relação à produção do espaço urbano da cidade informal em função da propriedade fundiária. PARTE 01 28 2. RECONHECIMENTO DOS ASSENTAMENTOS POPULARES INFORMAIS De acordo com Duhau (2003, p. 01), a cidade informal distingue-se dos arranjos formais da cidade, com produções contrárias a ordem particular destinada a regular a produção, a organização, os modos de apropriação e de usos do espaço, como também, ao conjunto variado de normas jurídicas como: i) as relacionadas ao direito de propriedade; ii) as voltadas para regulação da propriedade do solo, uso e produção da cidade enquanto conjunto de edificações, infraestrutura e espaços públicos (normas de planejamento, de construção, de infraestrutura e de equipamentos); iii) as regras destinadas a regular as práticas urbanas, como as direcionadas ao trânsito, ao transporte público, aos usos, aos equipamentos, as atividades comercias e serviços que ocorrem em espaços públicos, etc. A virtual impossibilidade de grande parcela da população de seguir as ordens da cidade formal contribui para formação nos principais centros urbanos de construções fora das exigênciaslegais urbanísticas, tanto referentes ao uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações, como: a) favelas em áreas públicas; b) favelas em áreas privadas; c) cortiços; d) loteamentos clandestinos e irregulares; e) conjuntos habitacionais ocupados e sob ameaça de despejo; e, f) casas sem habite-se. Ao produzir a sua própria moradia, a população das construções fora das exigências legais urbanísticas infringe normas jurídicas consagradas pelo Estado do Direito, criando tensões sociais que fazem emergir normas jurídicas mediadas por lutas, negociações e ajustes entre múltiplos interesses, contribuindo para formação de novas ordenações urbanas. É no espaço urbano que se percebe com maior clareza a desordem que a ordem estabelecida causa. Ao reconhecer a existência das favelas e de espaços irregulares na cidade e propondo sua urbanização ou revitalização, transformando-as gradualmente em bairros, Estado e sociedade estão reconhecendo a cidade real e criando condições de convivência entre aquilo que é tido como irregular – o espaço real – e a cidade legal. (BALTRUSIS, 2003, p. 215). Esse reconhecimento das formas de moradias ilegais no espaço urbano aplica-se de maneira parcial, devido apresentar problemas relativos aos conceitos que distinguem outros tipos de moradia. (...) único critério uniforme que distingue as áreas invadidas dos outros tipos de moradia na cidade é o fato de constituírem uma PARTE 01 29 ocupação ‘ilegal’ da terra, já que sua ocupação não se baseia nem na propriedade da terra nem no seu lugar aos proprietários legais (LEEDS & LEEDS, apud PASTERNAK, 2003, p. 26). As favelas, por exemplo, foram percebidas como fenômenos tipicamente urbanos apenas durante a primeira metade do século XX. Segundo Valladares (2008, p. 22-26), na década de 1920 a palavra favela tornou-se um substantivo genérico para designar um habitat pobre, de ocupação ilegal e irregular, sem respeito às normas, não mais referido, exclusivamente, ao Morro da Providência4, situado no Rio de Janeiro. Este, posteriormente denominado Morro da Favella5, entra para a história através da sua ligação com a guerra de Canudos, cujos antigos combatentes ali se instalaram com a finalidade de pressionar o Ministério da Guerra a pagar seus soldos atrasados. Pouco a pouco, o termo favela passou a estender a qualquer conjunto de barracos aglomerados sem traçado de ruas nem acesso aos serviços públicos, sobre terrenos públicos ou privados invadidos, conjuntos estes que se multiplicaram na cidade do Rio de Janeiro e demais centros urbanos. Essas ocupações construídas por migrantes recém- chegados aos arredores das áreas urbanas passam a integrar diretamente as cidades, apesar de não possuírem algumas características físicas de seu entorno, como infraestrutura urbana básica; e o que parecia num primeiro momento transitório, configura-se em espaço permanente. (...) antes, supunha-se que a favela era local de passagem, um trampolim para a cidade; agora, já se percebeu que o favelado fica no assentamento por longo tempo e que a favela é parte integrante e mesmo estruturante da cidade brasileira (PASTERNAK, 2003, p. 40-41). Em 1950, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) decidiu pela primeira vez incluir a favela na contagem de população e considerou favelas e setores assemelhados como um tipo de setor especial de aglomerado urbano constituído por um mínimo de 51 domicílios - com predominância de casebres ou barracões de aspecto 4 Para Valladares (2008, p. 26), o mito de origem do termo favela resulta de textos escritos ao longo do século que se associam ao Morro da Providência, no Rio de Janeiro, ao povoado de Canudos, no sertão baiano. Antigos combatentes da guerra de Canudos se estabeleceram no Morro da Providência, a partir daí denominado Morro da Favella, sendo duas razões para alteração do nome: 1º) a planta favela, encontrada na vegetação que recobria o Morro da Providência; e, 2º) a resistência dos combatentes no morro baiano da Favella, durante a Guerra de Canudos. De acordo com Perlman (1977, p. 41), o primeiro registro referente ao Morro da Providência documentou uma aglomeração de 839 casas. 5 Conforme Valladares (2008, p. 23), a ortografia inicial da palavra favela era favella, tendo apenas atualmente um único “l” por ocasião da Reforma Ortográfica Brasileira de 1942. PARTE 01 30 rústico, construídos principalmente com folha-de-flandres, chapas zincadas ou materiais similares - ocupando, ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostos, em geral, de forma desordenada e densa, e carente, no todo ou em parte, de serviços públicos essenciais (PASTERNAK, 2003, p. 27). Conforme o IBGE, as características primordiais para definir as favelas parte da ocupação desordenada, sem que tenha havido posse da terra ou título de propriedade, do tamanho do assentamento, do tipo de habitação e das melhorias públicas e de urbanização. Ou seja: • Proporções mínimas – agrupamentos prediais ou residenciais formados com número geralmente superior a cinqüenta; • Tipo de habitação – predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente com folha de flandres, chapas zincadas ou materiais similares; • Condição jurídica da ocupação – construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida; • Melhoramentos públicos – ausência, no todo ou emparte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada; • Urbanização – área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento (PASTERNAK, 2003, p. 27). Entretanto, os dados censitários do IBGE referentes às favelas são objetos de controvérsia, devido à contagem considerar apenas as áreas com mais de 50 domicílios - contabilização esta subestimada da população favelada. Como também, em relação ao tipo de habitação que no decorrer dos anos, deixa de predominar edificações precárias com materiais de madeira ou “pau a pique” e sem serviços, passando a ser cada vez mais em alvenaria, com serviços públicos essenciais. Esses dados estáticos utilizados como indicadores de precarização das condições de vida nos centros urbanos brasileiros revelam problemáticas que se pronunciam com maior gravidade em informações de estimativas do déficit habitacional. Ao final da década de 1970, retomaram-se as discussões conceituais referentes às favelas, aos assentamentos precários, aos loteamentos irregulares/ ilegais, a habitação de interesse social, etc., por causa das regulamentações urbanísticas específicas para habitação de interesse social. Já, nos anos 1980, criaram-se legislações municipais com dispositivos particulares referentes às áreas especiais de interesse social com foco PARTE 01 31 principal nas ações de regularização da situação de domínio sobre as terras urbanas ocupadas ilegalmente pela população de baixo poder aquisitivo (PINHO, 2003, p. 246). No contexto político da Constituição Federal de 1988 com a inclusão dos artigos 182 e 183, quanto à aprovação, mais de 10 anos depois, do Estatuto da Cidade que consagrou as Zonas ou Áreas Especiais de Interesse Social (ZEIS ou AEIS), retomaram- se os debates para reconhecer as habitações e ocupações precárias. Para Whitaker & Motisuke (2007, p. 47), as AEIS/ ZEIS marcaram “uma perspectiva inovadora, no sentido de reconhecer uma grande parcela da população urbana como cidadãos, e seus locais de moradias – mesmo que informais – como parte da cidade”. Nos anos 1990, o Censo Demográfico (IBGE, 2010, p. 26) utiliza pela primeira vez o conceito de aglomerado subnormal, que permanece até os dias atuais, para abarcar a diversidade de assentamentos irregulares existentes no país, conhecidos como: favela, invasão, grota,baixada, comunidade, vila, ressaca, mocambo, palafita, dentre outros. Os limites para definir a área permanecem o mesmo dos anos 1950, isto é, um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. A identificação dos Aglomerados Subnormais deve ser feita com base nos seguintes critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes - refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; e precariedade de serviços públicos essenciais. Os Aglomerados Subnormais podem se enquadrar, observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: a) invasão; b) loteamento irregular ou clandestino; e c) áreas invadidas e loteamentos irregulares e clandestinos regularizados em período recente (IBGE, 2010, p. 27). Outros critérios, frequentemente utilizados para distinguir as ocupações precárias dos diferentes tipos de moradia, articularam-se com a questão da vulnerabilidade e se aplicaram apenas parcialmente, como: a) o elevado grau de carências, tanto em relação à oferta de serviços públicos quanto em relação a padrões PARTE 01 32 urbanísticos e de moradia; b) a irregularidade das construções das edificações; c) a ausência de arruamentos e planos urbanísticos; d) a falta de água e luz. Contudo, diversos estudiosos sobre ocupações da terra afirmam que a ilegalidade fundiária é a variável mais adequada para distinguir a favela das demais ocupações pobres. Segundo Perlman (1977, p. 40), (...) existem favelas de todo tipo; algumas são antes esparsa que densamente povoadas; outras têm ruas bem traçadas e espaços abertos (...); e muitas, com o correr do tempo, melhoraram enormemente em termos de materiais de construção e serviços urbanos. O que, afinal, distingue a favela de muitas outras comunidades pobres que lhes são semelhantes é a ocupação ilegal da terra. Da mesma forma Pasternak (2008, p.79), atribui ao estatuto jurídico da terra como sendo a variável mais adequada à definição da favela, isto é, a forma como legalmente se encontra disciplinado o uso, a ocupação e as relações fundiárias. Para Abramo (2003, p. 209), tanto a irregularidade fundiária quanto a irregularidade urbanística dizem respeito às características da moradia em favela. A irregularidade fundiária é a manifestação da impossibilidade das famílias pobres disporem dos recursos necessários para adquirir um terreno para edificar sua moradia. Essa carência de recursos monetários impede o acesso a terra pela via tradicional do mercado fundiário e define uma estratégia popular conhecida como “ocupação” voluntária dos terrenos públicos e privados. A irregularidade urbanística que caracteriza o processo de construção das edificações na favela também é uma manifestação da pobreza urbana na medida em que os padrões de construtibilidade das moradias da favela não obedecem aos preceitos definidos dos códigos urbanísticos (ABRAMO, 2003, p. 209). De acordo com Magalhães (2009, p. 55), os moradores das favelas sobre a vigência do Estado Democrático de Direito inserem-se em regiões denominadas de "zonas cinzentas", em que não vigoram, ou são relativizadas, as instituições do Estado do Direito. (...) na medida em que, sobretudo no Brasil e nos países cujo modelo de crescimento urbano e econômico é semelhante ao brasileiro, a ilegalidade não é mais exceção: é a regra. Devemos, para entender isso, mudar um pouco a atitude de pensar que ilegal é a coisa que escapou, que ficou de fora de uma ordem (FERNANDES, 2008, p. 22-23). PARTE 01 33 Deve-se entender que o processo de produção da lei tem sido um fator determinante para o processo de produção da ilegalidade, já que as práticas estabelecidas fora da forma da regulação institucional do Estado de Direito e dos sistemas de controle definem-se como práticas ilegais. Segundo Fernandes (2008, p. 23) o ilegal é à maneira de organização da sociedade nos dias atuais, estando tanto à margem da lei ou mesmo contra ela, como a economia informal. Temos, ao pensar sobre o processo de produção da ilegalidade, de entender como o mesmo processo de produção da lei tem sido um fator determinante da ilegalidade. O não-jurista tende a atribuir a ilegalidade à combinação entre sistemas políticos e mercado de terras. Eu acho que se deve acrescentar um terceiro elemento a essa equação: o próprio sistema jurídico, sobretudo no que toca à visão individualista e excludente do direito de propriedade fundiária e à forma elitista de organização do sistema (FERNANDES, 2008, p. 23). No âmbito brasileiro, favelas ou outras adjetivações para determinar ocupações que tiveram como marco de fundação processos de autoconstrução e de autourbanização são denominadas como assentamentos populares informais (API), sendo definidos pela “lógica da necessidade”, isto é, pela lógica social de acesso ao solo urbano (ocupações populares) que não respeita os preceitos do direito de propriedade e/ou urbanístico (ABRAMO, 2009, p. 6-7). As conceituações submeteram-se a diferentes momentos históricos do processo de urbanização brasileiro, estando relacionadas com as discussões do déficit habitacional e as constantes tentativas de reconhecer as habitações de interesse social como uma necessidade social, com suas atribuições interligadas a problema urbanístico, econômico, jurídico, mas também ao problema de natureza social. De certo modo, as várias definições limitam-se a legalidade fundiária e a questão da habitabilidade. Cumpre aqui colocar que a partir do reconhecimento dessas localidades utilizaremos o termo assentamento popular informal para determinar as AEIS ou ZEIS, ou seja, as favelas, os cortiços, as vilas, as ocupações ilegais e clandestinas. Sendo esse tipo de assentamento, núcleos com problemas associados à propriedade da terra e outros tipos de irregularidade/ ilegalidade, quanto à legislação edilícia, ao uso do solo, ao parcelamento do solo, a qualidade da unidade habitacional, isto é, as ocupações populares precárias que se consolidam mediante processos de autoconstrução e de autourbanização. PARTE 01 34 Nesse contexto, o item seguinte visa compreender o acesso ao mercado imobiliário informal com base no seu funcionamento, nos mecanismos de transações imobiliários e nos elementos determinantes do preço. 3. MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMAL O termo informalidade não é um conceito, tal como exploração, marginalidade, espoliação, etc. que são utilizados para descrição dos fenômenos urbanos. Em seu sentido descritivo e polifônico, expõe fenômenos em várias disciplinas (economia, sociologia, linguística, antropologia, direito, entre outras áreas) e situações concretas da vida social (ABRAMO, 2009, p. 54-55). Em termos específicos parte do desvio da normalidade, referindo aos aspectos peculiares das atividades econômicas que estão à margem oculta da economia oficial e ostensiva das sociedades (PRADO, 1991, p. 22). Na dimensão urbana, a informalidade interliga-se a uma definição minimalista da economia informal urbana, na qual seria um ato mercantil de compra, venda e/ou locação do solo (edificado), à margem do direito urbanístico, do direito econômico e comercial, do direito de propriedade e de outros direitos civis que regulariamo uso e a propriedade do solo urbano. Ou seja, à margem do marco regulatório da esfera jurídico- política do Estado de Direito moderno, remetendo-se a um conjunto de irregularidades em relação aos direitos: a) irregularidade urbanística; b) irregularidade construtiva; c) irregularidade em relação ao direito de propriedade da terra; d) outras irregularidades relativas aos contratos de mercado que regulam as transações mercantis. Apresentando o mercado imobiliário informal (MII) um funcionamento específico, mas com certas características do mercado imobiliário formal, identificamos a seguir as semelhanças e divergências entre ambos os mercados, com foco na lógica interna de funcionamento do mercado imobiliário informal. 3.1. Funcionamento do Mercado Imobiliário Informal De acordo com Abramo (2009, p. 26-27), em analogia ao mercado imobiliário formal identifica-se no MII de solo um mercado de imóveis novos (recém-produzidos ou na planta), que configuram o mercado primário, e um mercado de imóveis do estoque existente (“usados”), o mercado secundário. PARTE 01 35 No mercado imobiliário formal existe uma articulação entre os mercados primários e secundários, pois, praticamente, as transações realizadas no mercado primário ocorrem pela troca de domicílios do estoque por imóveis novos, dependendo na grande maioria da venda do antigo imóvel. Nos casos que a nova demanda independe da venda de um imóvel anterior, condicionam-se aos créditos imobiliários. E ainda, compreende-se que nas transações imobiliárias formais está vinculada a liquidez e a demanda solvável do mercado primário com a liquidez do secundário. Em contrapartida, no mercado imobiliário informal as formas de articulação entre mercado primário e secundário são distintas (Quadro 1). A oferta imobiliária habitacional no mercado informal é quase sempre um bem do estoque construído por seus residentes para uso familiar, sendo em sua grande maioria de “imóveis usados” ou de fracionamentos desse imóvel original, seja verticalizando, seja ocupando parte do lote e/ou casa (produção de quartos), mantendo a residência (ou parte) da unidade familiar original. Sendo assim, composto por um mercado capaz de oferecer lotes informais (irregulares e/ou clandestinos) a partir do fracionamento e/ou ocupação de glebas urbanas ou periurbanas. Quadro 1: Classificação da lógica interna de funcionamento do mercado imobiliário informal. Mercado Primário Submercado de loteamentos (urbanizações piratas) Clandestinos Irregulares Mercado Secundário Submercado nos assentamentos populares informais consolidados Residencial Compra e Venda Aluguel Comercial Compra e Venda Aluguel Fonte: ABRAMO, 2009, p. 60, adaptado pela autora. A definição dos submercados informais envolve a identificação dos agentes, produtos e demais características do mercado. Nesses submercados o seu funcionamento apresenta aspectos diferenciados ao mercado formal, como: a) a ausência de promotores imobiliários atuantes na produção de imóveis novos informais para a comercialização em mercado; e, b) a produção de números reduzidos de imóveis novos informais. No caso do submercado de loteamentos ocorre, sobretudo, o fracionamento de glebas na periferia das cidades, com produtos relativamente homogêneos, tendo como principais fatores de diferenciação as dimensões físicas e topográficas e a posição do PARTE 01 36 loteamento na hierarquia de acessibilidades e de infraestrutura urbana. E ainda, possui uma situação de mercado em que poucos agentes detêm o controle da maior parcela comercializada, isto é, define-se por uma estrutura oligopolista na formação dos preços. Nesse submercado, os loteadores têm como estratégia buscar glebas com o intuito de fracioná-las, minimizando os custos de fracionamento e maximizando os fatores que proporcionam lucratividade, como é o caso da busca de glebas baratas e sem infraestrutura nas áreas periférica das cidades, através da produção de uma forma difusa do território informal (ABRAMO, 2009, p. 30-31). Com características distintas ao submercado de loteamento, o submercado das áreas populares consolidadas apresenta diferentes produtores/ vendedores que atuam de forma independente face aos compradores/ inquilinos para alcançar os objetivos das transações imobiliárias, possuindo assim uma estrutura concorrencial e racionada. De tal modo, nada indica que a liquidez do submercado de loteamento depende do submercado imobiliário nos assentamentos, existindo em certos casos uma relação de concorrência entre os submercados. Nos assentamentos populares informais a aquisição de um lote, uma laje ou um lote com alguma benfeitoria é realizado quase sempre por um trabalho de autoconstrução, pela produção por encomenda através da contratação de mão de obra para edificar a moradia ou pela combinação dos dois procedimentos, ocorrendo à construção de maneira individualizada e por uma família que habita ou habitou a edificação. Já no mercado de locação residencial informal, as transações se constituem em relações contratuais informais de aluguéis. E, o submercado comercial depende em grande medida do grau de consolidação do assentamento e de sua magnitude em termos populacionais (Ibid, p. 30). Abramo (2009, p. 36) afirma/ identifica que o mercado de locação residencial informal após 1990 cresceu de maneira significativa, a ponto de se tornar uma das formas de acesso ao universo habitacional informal. Assim sendo, constata que esse crescimento vincula-se a dois fatores estruturais da sociedade. O primeiro fator conecta- se a precarização do mercado de trabalho. O segundo fator relaciona-se à mudança do perfil demográfico da população residente em assentamentos informais, principalmente nas áreas consolidadas e com maiores acessibilidades locacionais. Percebe-se que a identificação do submercado de áreas consolidadas é importante para o reconhecimento do processo de formação dos preços no mercado imobiliário informal e que os gradientes dos preços nesse mercado são modelados a PARTE 01 37 partir de um conjunto de “externalidades de liberdades urbanísticas e construtivas” e “externalidades comunitárias” (Ibid, p. 23-24). A primeira externalidade, “liberdades urbanísticas e construtivas”, permite ao comprador de um imóvel informal exercer um direito de uso do solo (fracionamento e/ou solo criado) que não se regula pelos direitos urbanísticos e de propriedade da legalidade do sistema jurídico-político do Estado. Essa liberdade urbanística e construtiva promove uma compactação nos assentamentos populares informais - a partir do fracionamento dos lotes, do aumento da densificação predial e familiar - e a tendência à verticalização, sendo bastante vantajosa em relação ao mercado formal de solo (ABRAMO, 2009, p. 66). No âmbito do Brasil, outro fator que incide no processo de compactação é o crescimento dos custos de transporte no orçamento familiar dos setores populares nas décadas de 1990 e 2000. Logo, o uso intenso do solo nos assentamentos consolidados contribui de certo modo para precarização do habitat popular com o aumento da densidade (predial e domiciliar) e verticalização, comprometendo os indicadores de habitabilidade (problemas de aeração, insolação, acústica, etc.). A segunda externalidade, “as comunitárias”, resulta de uma economia de reciprocidade em que as famílias têm acesso a bens e serviços a partir de relações de dom e contradom, como das seguintes relações de troca com amigos e/ou parentes residentes na comunidade: a) tomar conta de crianças; b) pequenos trabalhos; c) empréstimos de utensílios e alimentos; etc. Essas relações de troca de bens materiais e de favores entre os moradores sustentam-se por redes sociais que permitem interações interfamiliares, nas quais não desembolsam valores monetários para
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