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FILOSOFIA FREIRIANA: MARCO PARA UMA EDUCAÇÃO 
LIBERTADORA 
JÚNIOR, Flávio Boleiz1 
 
RESUMO 
O presente artigo apresenta, de maneira singela, o pensamento freiriano como base filosófica para a 
Educação libertadora. Para tanto, procura pontuar alguns princípios pedagógicos, políticos e éticos 
como marcos para o processo educativo humanizador em que se configura uma educação formadora 
de homens-humanos. A partir das ideias aqui defendidas, pretende-se, em breve, aprofundar 
diálogos, estudos e pesquisas que permitam delinear, cada vez melhor, o significado de uma 
autêntica Filosofia Freiriana. 
 
Palavras-chave: Filosofia freiriana, marco filosófico para educação, educação libertadora. 
 
 
Introdução 
O Brasil, em pleno Século XXI, ainda não concretizou um processo educativo libertador 
para suas crianças, nem para sua juventude ou para os seus adultos. Longe disso, a educação 
brasileira continua obrando em favor dos ideais de docilização e amansamento das classes 
populares, como estratégia de manutenção do poder pela classe hegemônica. 
Passaram-se mais de quarenta anos desde a publicação da Pedagogia do oprimido e, apesar 
da problematização proposta por Paulo Freire ter sido amplamente debatida, comentada, estudada, 
ainda se apresenta como problema insolúvel, demandando atenção e dedicação por parte dos 
educadores progressistas. Explicava Freire, logo no início de suas considerações, que “os homens, 
desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem 
que pouco sabem de si, de seu ‘posto no cosmos’, e se inquietam por saber mais.” (FREIRE, 2002, 
p. 29) Diferenças entre as condições identificadas por Freire nos idos da década de 1960 não se 
afirmam nos dias atuais de modo a contradizer suas ideias. Continuamos perscrutando nossa 
intimidade e buscando dentro de nós mesmos as respostas para nossos problemas em relação com o 
mundo, mas, longe de encontrarmos as respostas tão almejadas, vamos percebendo que sabemos 
 
1 Professor de Fundamentos Históricos, Sociológicos e Filosóficos da Educação. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Centro de Educação 
Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação 
boleiz@ufrnet.br 
 
 
quase nada e seguimos tentando compreender melhor a nossa própria realidade de seres com o 
mundo. 
Intelectuais da educação, professores universitários, gente do meio educacional, secretários, 
ministros, enfim gente que se julga especialista em Educação, ainda patina por não reconhecer e 
praticar uma educação ativa, formadora de sujeitos plenos de cidadania. As metodologias ainda 
centradas nos conteúdos como fim em si mesmos, têm garantido a formação de uma sociedade com 
a presença de percentuais imensos de analfabetos sociais, mas a ânsia por alcançar índices baseados 
no quantum de aprendizado, determina os meios e modos de atuação docente que, ao invés de 
educar cidadãos felizes e conscientes de seu lugar no mundo, determina prazos e intervalos de idade 
“certa” para a alfabetização e o aprendizado de, novamente, quantidades e mais quantidades de 
conteúdos a serem depositados nos vasos vazios que são os estudantes. 
A maioria dos programas bibliográficos de concursos públicos para contratação de 
professores e professoras nas diferentes redes públicas de educação de todo o país incluem, pelo 
menos, dois livros de Paulo Freire — quando não sugerem logo sua bibliografia inteira —, a saber, 
Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia. Os candidatos estudam essas obras e se 
preparam para responder possíveis questões nas provas de acesso ao magistério público. Entretanto, 
mal ingressam nas redes de educação, já enterram as obras que poderiam significar um fazer 
docente diferenciado, pleno de democracia e cidadania, repleto de inovações e diálogos numa 
pedagogia, realmente, libertadora. As próprias redes que selecionaram aqueles que responderam 
corretamente as questões baseadas nas obras de Freire, impõem planos, planejamentos, métodos e 
conteúdos desconectados da realidade e das necessidades e anseios das comunidades onde as 
escolas se estabelecem. 
O que se vê, é que a memorização das obras de Freire para os concursos não realizam o 
milagre da produção da mestria, tão em desuso nas escolas dos dias atuais. Aliás, não só os 
professores ingressantes desaprendem a filosofia freiriana logo no início de suas carreiras, como 
também os gestores escolares ignoram as ideias e princípios que essas obras procuram fomentar no 
meio educacional. E tudo isso é bem fácil de se perceber! As salas de aula continuam superlotadas, 
os móveis das turmas de 1º ano do Ensino Fundamental não se adequam às características físicas 
das crianças. Os livros didáticos pasteurizados, feitos em série, atendem ao aprendizado de meninos 
e meninas dos pampas gaúchos, dos pantanais mato-grossenses, do sertão nordestino e das regiões 
 
 
ribeirinhas da região Norte. A “realidade” do país se apresenta como única e o aprendizado de 
cidadania se estabelece como coisa única. 
Para tentar compreender o processo que determina esse esquecimento de princípios, 
metodologias e técnicas tão comentadas e valorizadas na teoria pedagógica quando se concretiza a 
materialidade da prática docente, realizaremos breve análise de um trabalho investigativo realizado 
pelo Pesquisador Vitor Henrique Paro, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em 
Administração Escolar da Faculdade de Educação da universidade de São Paulo (Gepae), em 
pesquisa realizada em escola pública quando buscava compreender os determinantes que levam os 
educadores a se constituírem como professores reprovadores, defensores ferrenhos da reprovação 
escolar. 
Em pesquisa realizada na década de 1990, Paro desvelou características comuns a docentes 
que se constituem em professores reprovadores. Na pesquisa de campo que realizou, dentre os 
diversos fatores que levantou, numa tentativa de dar conta da multiplicidade de condições que 
levam tantos professores a assumirem uma postura reprovadora, o investigador identificou que 
“pode-se falar em quatro ordens de determinantes: socioculturais, psicobiográficos, institucionais e 
didático-pedagógicos.” (PARO, 2001, p. 71) 
Aproveitando os achados de Paro em sua pesquisa, vejamos o que se passa com relação à 
educação libertadora que todos sabemos que é tão necessária ao nosso país. 
As questões de caráter socioculturais “dizem respeito aos valores, crenças e costumes que 
impregnam as ações, hábitos e concepções das pessoas envolvidas no processo de ensino” (PARO, 
2001, p. 71). Docentes são pessoas que se relacionam no mesmo contexto social que, apesar de 
admitir que “a educação está em crise” e “a educação precisa mudar”, é bombardeado por lobbies, 
notícias e inserções midiáticas que desviam a atenção das necessárias mudanças de postura por 
parte da escola como um todo, no que se refere a suas concepções e metodologias, para a 
culpabilização dos professores e pessoal gestor pelo baixo desempenho dos discentes em avaliações 
externas. Entretanto, com apoio da mídia que tudo faz para demonstrar a “péssima qualidade da 
educação nacional”, não se apresenta ao grande público as contradições e desatualizações dos 
processos de ensino e aprendizagem nem as técnicas descontextualizadas da realidade e das 
necessidades dos estudantes e das comunidades onde eles vivem e convivem. Assim sendo, os 
professores mal formados e mal pagos internalizam velhos valores e os reproduzem em seus 
 
 
rançosos fazeres docentes, como quem batalha em defesa dos valores da sociedade que representam 
em seu trabalho escolar. 
 Os condicionantes biopsicobiográficos “referem-se à configuração de personalidade dos 
agentes envolvidos e principalmente às marcas deixadas nessapersonalidade pelas experiências 
pessoais anteriores, relacionadas à avaliação” (PARO, 2001, p. 71). Experiência cotidiana de 
castração, silenciamento, desprezo por ideias novas e diferentes, carteiras enfileiradas preparadas 
para o amansamento e docilização de corpos (no sentido de Foucault), que impregnaram as 
consciências e moldaram personalidades passivas e prontas à submissão, obediência e resignação. 
Tal condicionante se refere à história de vida de cada docente desde seus tempos nas carteiras 
escolares que o conduziu ao que é hoje e ao modus operandi de suas habilidades profissionais. A 
formação inicial para a carreira docente que muito fala em educação de qualidade, aulas 
significativas e avaliação formativa é oferecida em salas organizadas em fileiras, com provas 
tradicionais e aulas repetidas em cada turma pelo professor universitário apoiado por seus mesmos 
slides apropriados a cada conteúdo a ser ensinado. 
Quanto aos condicionantes institucionais, eles “envolvem as condições materiais de 
funcionamento da própria instituição escolar” (PARO, 2001, p. 71), tanto do tempo presente, em 
que o trabalho docente se realiza, quanto do tempo passado, quando foram as experiências discentes 
que deixaram suas marcas. As salas não ambientadas — sem aquecimento adequado nos municípios 
do sul do país e sem condicionador de ar nas cidades mais quentes —, a falta de bibliotecas, o 
atraso tecnológico no que se refere a hardwares e softwares, a ausência do acesso às redes sociais 
nas escolas e em casa, a ausência quase total de laboratórios de ciências, a falta de quadras 
poliesportivas, a inexistência de espaços escolares onde as crianças possam correr, brincar e se 
desenvolver saudavelmente são a realidade educacional geral no Brasil. E é nesses espaços, nesses 
lugares inadequados a que chamam escolas, que docentes e discentes se encontram cotidianamente 
para desenvolverem seus afazeres educacionais. 
Finalmente, as causas didático-pedagógicas “relacionam-se, principalmente, às dificuldades 
na realização do aprendizado advindas de procedimentos e concepções de ensino adotados na tarefa 
de levar os educandos a se dedicarem ao estudo” (PARO, 2001, p. 71). Memorizações forçadas de 
regras e modos de realização do funcionamento mental, normas e costumes apregoados como 
metodologia e técnica para o aprendizado, repetições de contextos e conteúdos sem nexo para os 
 
 
estudantes e outras formas desconectadas da realidade de necessidades atinentes ao 
desenvolvimento dos alunos, perfazem a relação de fatores que potencializam estes condicionantes. 
Constitui-se toda uma situação escolar em que muitos professores fingem que ensinam enquanto 
seus alunos fingem que aprendem. Passa-se por essa escola com a maior ligeireza possível, como se 
passa por um lugar desagradável que não se pode evitar. 
Entretanto, na contramão de toda essa massa inútil de fazeres e feitos ditos educacionais, a 
Pedagogia do oprimido se oferece como opção, potência e novidade para a superação do 
adestramento que tantos educadores teimam em continuar chamando de educação. E essa 
Pedagogia, popular e libertadora, atinge tamanho alcance que ultrapassa as fronteiras das Ciências 
da Educação para se estabelecer como uma nova maneira para se interpretar o mundo, ou, como 
diria o próprio Paulo Freire, uma nova maneira de ler, interpretar e entender o mundo, para estar no 
mundo e mudar o jeito como o mundo esta sendo. 
A esse novo modo, proposto por Freire como uma de suas muitas pedagogias — que sempre 
convergem para a Pedagogia do oprimido —, passamos a chamar, daqui em diante, de Filosofia 
Freiriana e, como maneira de ler e compreender o mundo, a Filosofia Freiriana oferece, de partida, 
pelo menos três marcos para uma Educação libertadora, como veremos a seguir: um marco 
pedagógico para o trabalho docente; um marco político para o professor; e, um marco ético para o 
trabalho educacional. 
 
Marco pedagógico 
Dentre tantas ideias que Freire apresenta e defende em sua vasta produção, na Pedagogia da 
autonomia encontramos uma diretriz fundamental para o trabalho de ensino e aprendizagem em 
todo e qualquer nível educacional. Paulo Freire afirma que “ensinar exige a corporeificação das 
palavras pelo exemplo” (FREIRE, 2006, p. 34). 
Não é possível ser educador ou educadora, apresentando aos educandos um monte de 
valores e ideias maravilhosas para suas vidas e, ao mesmo tempo, viver a própria vida com base em 
ideias e valores diferentes. A isso Freire chama de “fórmula farisaica do faça o que eu mando e o 
que faço” (FREIRE, 2006, p. 34) que tão bem, a maioria de nós conhece. Entretanto, a relação que 
os educandos estabelecem com seu educador ou educadora se assentam melhor na máxima que 
afirma que “as coisas que você faz produzem tanto barulho, que não consigo escutar uma só palavra 
 
 
do que você diz”. A desconexão entre o falar e o fazer do professor, a incoerência entre o que se faz 
e se fala em sala de aula deixa marcar permanentes, difíceis de se apagar, na formação dos 
educandos. 
Além disso, Paulo Freire chama a atenção dos educadores para o fato de que todo mundo 
possui muitos conhecimentos. Quase que retomando Sócrates com sua maiêutica — que o filósofo 
grego explicava como sendo uma forma de partejar o conhecimento que já existia dentro de cada 
pessoa —, Freire (2006) alerta para o fato de que “ensinar não é transferir conhecimento” (p. 47) ao 
mesmo tempo que “a curiosidade é já conhecimento” (p. 55). 
A mediação entre o mundo da cultura e a inconclusão do ser, que se sabe como tal, funda o 
papel do educador e da educadora como sujeitos ativos e atuantes nos fazeres da educação que a 
caracterizam como processo permanente. E esse processo se legitima e encharca de sentido por 
meio do diálogo entre educadores e educandos que, refletindo juntos sobre o que sabem e o que não 
sabem, podem, em comunhão, atuar criticamente para educarem-se e transformar a própria 
realidade, fazendo com que o mundo seja outro. 
 
Marco político 
Ao tratar do caráter político da educação — pois que não se pode fazer educação neutra —, 
Freire aborda obviedades que nos passam desapercebidas na roda viva que nos envolve e engole no 
cotidiano profissional. 
Dentre essas obviedades, Paulo Freire nos admoesta a lembrar de que “ensinar exige 
humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores” (FREIRE, 2006, p. 66), o que 
muitas vezes nos pega de surpresa, como se não soubéssemos que não podemos ensinar nossos 
alunos a lutarem por seus direitos e por uma vida melhor, se não o fizermos por nós mesmos. Sem 
falar nas melhores condições para nossos próprios alunos que significa a conquista de melhores 
condições materiais de trabalho docente. É parte importante, pois, da prática docente lutar em 
defesa dos direitos e da dignidade dos professores. 
Outro ponto abordado por Freire, no que se refere às bases políticas da profissão docente, 
diz respeito à luta em defesa da educação. Mas não se pense, aqui, que se está defendendo qualquer 
atividade realizada em instituições ditas escolares como práticas educativas. Não. A educação 
bancária, denunciada e combatida por Paulo Freire, nem deveria se chamar “educação”, mas 
 
 
“deseducação”. Aliás, os fazeres bancários que se realizam em total desalinho com as necessidades, 
interesses e anseios das classes populares são, em si mesmos, uma forma de ofensa à educação. 
Ofensa pior do que qualquer crítica ou injúria que se pudesse fazer ao trabalho docente, pois é 
ofensa que se faz e consolida dia após dia, entediando e emburrecendo milhões de estudantes 
esparramados por todo o território nacional. 
É preciso transformar essa ofensa materializada em escolas num fazer pedagógico real, 
humanizador, libertador, e para isso não outrocaminho que não seja o da militância incansável em 
prol da formação de professores mais críticos, progressistas, conscientes e problematizadores da 
própria prática. Professores capazes de responder à ofensa que se desfere contra a educação por 
meio de uma luta consciente e organizada. É o próprio Freire que, ao se posicionar, nos ensina, ao 
mesmo tempo em que adverte acerca da necessária perenidade da luta de quem se engaja como 
lutador: “A minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada 
contra os ofensores. Aceito até abandoná-la, cansado, à procura de melhores dias. O que não é 
possível é, ficando nela, aviltá-la com o desdém de mim mesmo e dos educandos.” (FREIRE, 2006, 
p. 67 — grifos meus) Quem não se encontra em condições de se engajar politicamente na séria luta 
em prol de uma educação da melhor qualidade, que largue o barco. Que busque outras paradas em 
outra profissão! 
A ingenuidade, advinda da inconsciência e da falta de busca por melhores e maiores 
orientações — por parte dos educadores —, impede a percepção da manipulação e condicionamento 
sofridos pela sociedade como um todo, no que se refere à manutenção das formas de poder social e 
econômico, e da classe docente em especial. 
Se é papel profissional docente mediar a educação dos educandos que, dia após dia, ano 
após ano nos toca educar, é dever profissional de cada professora e professor a dedicação 
permanente aos estudos e à apropriação e atualização cultural, que são formas de humanização e 
conscientização permanentes. 
Paulo Freire é consciente do processo de alienação e abstração a que somos submetidos 
cotidianamente em nossos afazeres profissionais, bombardeados por informações descabidas e mal 
formuladas pela mídia, representante de tudo que é mais conservador e retrógrado em nossa 
sociedade. Apartados da realidade que nos envolve, somos submetidos a interpretações e análises 
sociais, políticas e econômicas que ludibriam nossa capacidade de compreensão do entorno que nos 
 
 
condiciona e induz a falsas opiniões, falsas ideias e falsas necessidades, que se afinam aos 
interesses das classes dominantes em detrimento de nossas próprias necessidades. E é em função 
desse modo de funcionamento da sociedade que Freire afirma que “ensinar exige o reconhecimento 
de ser condicionado” (FREIRE, 2006, p. 53). Mas, pleno de esperança, que é uma marca de todo o 
pensamento freiriano, problematiza o condicionamento humano contrapondo-lhe o inacabamento, 
virtude natural, que nos impulsiona à transformação de nós mesmos como meio de transformação 
da sociedade: 
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, 
consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença 
profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. [...] Gosto de ser gente 
porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, 
que não se faz no isolamento, isenta de influência das forças sociais, que não se 
compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, 
cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. (FREIRE, 2006, p. 53) 
 
A percepção da necessidade do comprometimento docente com a luta política por uma 
transformação social que reconheça o que de humano há — e precisa ser valorizado e acentuado — 
em cada ser-humano, se alcança por meio da conscientização política de que os fazeres docentes 
jamais se realizam na neutralidade. 
Dialogando com Paulo Freire, Ira Shor, professor da Universidade de Nova York, parece ter 
compreendido bem a importância da conscientização política na prática docente, ao afirmar que “a 
pedagogia precisa ser reconhecida como uma atividade social em favor da liberdade e contra a 
dominação, como uma ação cultural dentro ou fora da sala de aula onde o status quo é contestado, 
onde o obscuro do currículo oficial e da cultura de massa é penetrado pelo estudo iluminador.” 
(FREIRE; SHOR, 1997, p. 121) 
A filosofia freiriana oferece o diálogo como ferramenta docente para no trabalho de 
conscientização política de si mesmo e dos educandos com quem se convive e se aprende. 
 
Marco ético 
As bases éticas da filosofia freiriana são das mais simples, porém das mais profundas e 
profícuas para o estabelecimento de uma sociedade justa e solidária. 
O próprio Freire fala de sua ética, reportando-se ao que chama de ética universal do ser 
humano. Ele tem clareza de que “educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à 
 
 
rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menos, restrita, 
do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro.” (FREIRE, 2006, p. 15) 
Numa sociedade cujo modo de produção se apoia na exploração do homem pelo homem, a 
mudança demanda firmeza, clareza e certeza acerca do que se está defendendo ao se referir a uma 
ética universal. Afinal de contas é na concretude do mundo em que vivemos, o único mundo 
passível de transformação, que se pode atuar e lutar para que se construam novas formas de viver e 
conviver. 
Não há nada, contudo, de mais concreto e real do que os homens no mundo e com 
o mundo. Os homens com os homens, enquanto classes que oprimem e classes 
oprimidas. 
O que pretende a revolução autêntica é transformar a realidade que propicia este 
estado de coisas, desumanizante dos homens. (FREIRE, 2002, p. 126) 
 
Mas para que se estabeleça uma revolução autêntica não se pode aceitar passivamente uma 
ética que se baseie justamente na opressão e na exploração do trabalho alheio. Não é possível tomar 
como marco ético para a Educação, as ideias que justificam investimentos num modelo educativo 
de adestramento de seres humanos, treinando-os para a realização de destrezas, para a flexibilização 
diante das exigências naturais do mercado e da empregabilidade. 
Paulo Freire explicita os valores em torno dos quais se edifica a mais justa ética universal 
dos seres humanos, afirmando: 
Falo [...] da ética universal do ser humano. Da ética que condena a exploração da 
força de trabalho do ser humano, que condena acusar por ouvir dizer, afirmar que 
alguém falou A sabendo que foi dito B, falsear verdade, iludir o incauto, golpear o 
fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia, prometer sabendo que não cumprirá a 
promessa, testemunhar mentirosamente, falar mal dos outros pelo gosto de falar 
mal. (FREIRE, 2006, p. 15-16) 
 
Enquanto ética simples, precisa, óbvia mesmo, mas profunda e plenamente humana, a 
filosofia freiriana é precisa na elaboração de um marco para uma educação libertadora e da melhor 
qualidade. 
 
Ninguém educa ninguém 
Ainda nos falta, e muito, a nós educadores, compreendermos o real significado de educar-se 
para que a educação possa se transformar em educação da melhor qualidade, em educação 
 
 
libertadora. Afinal, para muitos de nós ainda falta compreender o significado do principal objetivo 
de nossos fazeres profissionais. Falta-nos compreender, de fato, o que é Educação. 
Talvez uma das citações mais conhecidas de Freire, seja a que afirma que “já agora ninguém 
educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em 
comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2002, p. 69). Nestas palavras, tomando-se o 
devido cuidado para não mitificar um slogan atribuindo-lhe todo o valor da obra de um educador 
empenhado em estudar, pesquisar e crescer com seus educandos, pode-se observar várias das ideias 
que compõem sua concepção de educação. 
Convencido de que “ensinar não é transferir conhecimento” (FREIRE, 2006, p. 47), o 
educador pernambucano, coerentemente, deduz que tampouco ninguém educa ninguém, donde se 
pode inferir que o papel do educador não é educar os educandos. 
Entretanto, ao destacar que ninguém se educaa si mesmo, o autor se reencontra com sua 
opinião emitida anteriormente, quando, reconhecendo que a condição humana só se realiza no 
plural, afirma que “não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio” 
(FREIRE, 1985, p. 35). 
Por isso mesmo, os homens se educam em comunhão, relação que se estabelece na vivência 
mesma dos educandos entre si, tanto quanto naquela que se produz entre educandos e educador. 
Da relação dialética entre educandos e educador, propositora de condições para que todos se 
eduquem, é o mundo — a realidade viva, conhecida e reconhecida pelos protagonistas do ato 
educativo —, que se estabelece como meio para que se realize a atividade educativa, em que 
educador e educandos autorrealizam seu processo educativo. 
Educação é processo humano e humanizador, para o quê precisa ser popular e libertador. É 
na construção de uma Educação desse tipo — libertadora, humanizadora — que a filosofia freiriana 
se apresenta como marco fundamental para o trabalho docente. 
 
REFERÊNCIAS 
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 32. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2002. 
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa. 33. ed., São 
Paulo: Paz e Terra, 2006. 
 
 
 
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia – O cotidiano do professor. 7. ed., São Paulo: Paz e 
Terra, 1997. 
 
PARO, Vitor Henrique. Reprovação escolar: renúncia à educação. São Paulo: Xamã, 2001.

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